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MULTICULTURALISMO FORMAÇÃO
PARA A DIVERSIDADE – EM PAUTA
Rachel de Oliveira1
Cristiane Andrade Fernandes2
Cecília Maria Carvalho Viana3
Rosana Nascimento Almeida4
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sicamente na perspectiva destes três estudiosos, A ciência moderna não é a única explicação
ou seja, no Multiculturalismo Crítico, nos Es- possível da realidade e não há sequer qualquer
tudos Culturais e na Pedagogia do Oprimido. razão científica para considerar melhor que as
E nosso desafio tem sido a construção de ações explicações alternativas da metafísica, da as-
pedagógicas de superação ao preconceito a par- trologia, da religião da arte ou da poesia. A
tir do diálogo com as escolas. razão porque privilegiamos hoje uma forma
Podemos afirmar que os três principais sis- de conhecimento assente na previsão e no
temas sociais representados pelo capitalismo, controlo dos fenômenos nada tem de científi-
marxismo e o socialismo, doutrinas vinculadas co é um juízo de valor (2003, p.83).
à economia e, consequentemente, à divisão de
renda, não explicam, a não ser pelo preconcei-
to, porque em todo o mundo as mulheres e os Muitos grupos sociais são produtores de
negros são mais pobres e os homens brancos conhecimentos não reconhecidos pela ciência,
mais ricos. Do mesmo modo, em todo mun- desprovidos de poder são silenciados. No Brasil,
do, as desigualdades de gênero são os exemplos os indígenas e os negros foram proibidos de fa-
mais visíveis. Os homens ainda são considera- lar sua língua, praticar sua cultura e sua religião
dos os seres mais capazes e dotados de razão, e, em tempos não tão remotos, eles não tinham
portanto desempenham funções privilegiadas acesso à escola. Paradoxalmente o país era par-
e bem pagas. Esta postura de superioridade é tidário da democracia racial que o pressupõe.
sustentada pelo Estado, por diferentes religi- Durante muito tempo, nosso país acreditou na
ões, por muitos teóricos e, muitas vezes, pelas democracia em que se admite a igualdade de
próprias vítimas: as mulheres. oportunidade individual e coletiva, este mito
Mas, evidentemente, homens africanos, provocou profundas desigualdades e privilegiou
europeus, indianos, ciganos, norte-americanos apenas parte da população branca.
e membros de outros grupos não exercem o Entretanto, como citamos acima, atenden-
mesmo poder sobre o conhecimento, a econo- do às muitas reivindicações dos Movimentos
mia, a ciência e a política. Ao analisar o contex- Sociais, a Constituição Brasileira, promulgada
to mundial, confirmamos que, historicamente, em 1988, começou a rever as diferentes histórias
os europeus e norte-americanos são os que de- de exclusão. Novas leis foram formuladas, e teó-
têm mais privilégios dentro e fora de seu con- ricos vinculados à transformação social abriram
tinente e/ou país. caminho para o diálogo com os excluídos.
O Brasil pós-colonização continuou a pre-
servar todas as esferas, notadamente, no campo
da educação, os fundamentos teóricos e meto- Metodologia
dológicos eurocêntricos, com forte tendência a
considerar como legítimos apenas os conheci- Desde agosto de 2008, membros do Pro-
mentos produzidos a partir da Grécia antiga, jeto Educação e Multiculturalismo vêm de
caminhando para a modernidade, praticamen- diferentes maneiras dialogando com a comu-
te sem questionamento. nidade escolar sobre a elaboração de práticas
Um dos objetivos da academia, senão o pedagógicas para a inserção da história e da
principal, é a preservação destes conhecimen- cultura dos afro-brasileiros, a partir dos estu-
tos denominados científicos que se contra- dos citados acima. Considerando a perspectiva
põem aos saberes tradicionais produzidos pelos do multiculturalismo crítico, nosso foco tem
diferentes povos. Boaventura de Souza Santos sido o fortalecimento das diferenças e o com-
argumenta que: bate a todas as formas de desigualdades.
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QUADRO 2 – Premiação por Município
Eu sou Afrodescendente
Ordem Aluno Escola Título da História
Herbert A. Escola Municipal
1º Ilhéus Sou Afrodescendente
Nascimento Temístocles Andrade
Escola Municipal do
2º Letícia M. Locas Ilhéus Sou Afrodescendente
Pontal
Rebeca dos S. Pau Centro Educacional
1º Sou Afrodescendente
Bispo Brasil Maria Santana
O processo de classificação dos trabalhos tas vezes pelos membros das comissões forma-
das por professores, membros dos movimentos
Foram momentos especiais misturados a sociais e presidentes de ONG. Naquele proces-
grandes tensões, alegria, além da ética e da se- so, tivemos a certeza de que a quantidade de
riedade. As redações foram lidas e relidas mui- prêmios não atendia à qualidade dos trabalhos.
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Do município de Pau Brasil, recebemos forço de um pequeno grupo, algumas escolas
a maior quantidade de trabalhos, a seguir continuaram participando do concurso. Todo
vieram os da cidade de Ilhéus, e em menor este processo também nos ensinou a entender
número os de Itabuna. As dificuldades não melhor as dificuldades dos docentes, as maze-
foram poucas. Neste período, houve greve de las das escolas públicas, notadamente daque-
professores em Itabuna e só, por muito es- las situadas em nossa região.
A premiação ocorreu na Universidade Esta- do uma mais de trinta anos de magistério, mas
dual Santa Cruz (Uesc), com a presença de alunos todos recebiam pela primeira vez as homenagens
e professores das escolas citadas nos Quadros e um diploma de honra ao mérito.
1 e 2 . Todas as personalidades negras, indicadas O segundo passo da premiação, conforme
pelos alunos, compareceram e formaram uma o edital, foi uma visita à cidade de Salvador.
mesa para reafirmar suas estórias e dar depoimen- Nenhum dos alunos premiados conhecia a ca-
tos sobre sua participação no concurso. Mesmo pital do Estado. As dificuldades enfrentadas
aqueles que não estavam acostumados a falar, e para a concretização desta viagem foram lar-
que, pela primeira vez, enfrentavam um público gamente compensadas pela alegria dos alunos
com cerca de 600 pessoas, ultrapassaram o tempo que, ao chegar aos municípios, logo postaram
previsto falando sobre a importância daquele mo- imagens do passeio nas redes sociais.
mento para si e para comunidade. Tanto os mu- Não existe espaço para descrever a emoção
nicípios de Pau Brasil como de Ilhéus trouxeram e o conteúdo de todos os trabalhos, por esta
as personalidades negras classificadas em segundo razão optamos por apresentar fragmentos das
lugar que foram igualmente apresentadas ao pú- redações elaboradas pelos premiados na cate-
blico. Duas homenageadas eram professoras, ten- goria “Somos afrodescendentes”. Para tanto
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concreto na história, não é, porém, destino de ser negro, de ser um afrodescendente dentro
dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta da escola, falando o eu sente e o que viveu sem
que gera violência dos opressores, e esta, o ser medo, sem problemas e sem piadas (Sol).
menos (grifos do autor). Participar desse concurso para mim é mostrar
que nós negros temos o nosso valor, assim como
precisamos conquistar melhores espaços na socie-
Preconceito e como enfrentá-lo dade (Estrela).
Decidi participar do concurso porque além de
E mesmo se sofrermos preconceito, sabemos bus- achar a proposta interessante, gostaria de relatar
car nossos direitos e ter sempre em mente “sou minha história e falar o que é ser negra. E como
afrodescendente, sou vencedor” (Lua). isso sempre me ajudou, ajuda e ajudará a resol-
Portanto, participar desse concurso para mim é ver os meus problemas (Lua).
mostrar que nós negros temos o nosso valor, as-
sim como precisamos conquistar melhores espa- Quantas crianças oprimidas e desvaloriza-
ços na sociedade (Estrela). das devem estar esperando uma oportunidade
Desde quando nasci a minha vida foi difícil, para dizer a sua palavra, para se tornar protago-
tenho enfrentado discriminação e preconceitos nista em lugares em que não são vistas. O con-
através de apelidos maldosos e muitas gozações, curso não só desvelou mazelas, mas provocou
que eu não entendia porque acontecia, ficava encontros, reflexões, produziu subsídios para a
triste sem entender, mas não me deixava abater, formação de professores. Lua parece ter apren-
sempre dava a volta por cima para conquistar os dido a resolver seus problemas de forma favo-
meus alvos, os meus objetivos (Sol). rável, sempre compatível com seu modo de ser.
Achei muito importante e valoroso falar de Eu sou de um lar de classe média. Minha casa
mim, não só como estudante, mas como estu- têm dez cômodos e é bastante confortável (Sol).
dante negro. Falar da importância e do orgulho No meu bairro tem festas, escolas e muitas pesso-
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REFERÊNCIAS