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O DESENVOLVIMENTO
DA CONSCIÊNCIA
Método Prático com Questionários e Exercícios
Tradução
de
Nair Lacerda
B
EDITORA PENSAMENTO
São Paulo
T i'tulo do original:
Lo SvHuppo delia Coscienza
Me todo pratico con questionari ed esercizi
Edição Ano
9876543 9
Direitos reservados
EDITORA PENSAMENTO
Rua Dr, Mário Vicente, 374, fone: 63-3141,
04270 São Paulo, SP
Im presso em n ossa*
oficinas g rifle a s.
fndice
Introdução 7
Cap. I : O que vem a ser a consciência 11
Exerc. n°. 1: Interiorização 23
Cap. II: 0 mistério da autoconsciência 25
Exerc. n°. 2 : 0 encontro da auto
consciência 37
Cap. III: A aparente dualidade do Eu 39
Exerc. n°. 3 : Desidentificação do cor
po físico 52
Cap. IV: 0 espectador interior 53
Exerc. n°. 4 : Desidentificação do corpo
emotivo 63
Cap. V: Reconhecimento dos obstáculos 65
Exerc. n°. 5 : Desidentificação da mente 77
Cap. VI: Resultados da Desidentificação 79
Exerc. n°. 6 : Auto-reconhecimento 89
Cap. V II: Continuidade de consciência 91
Exerc. n°. 7 : Preparação para o sono 104
Cap. V III: Liberação da "falsa" consciência 107
Exerc. n°. 8 : Exame noturno 119
Cap. IX: Liberação da natureza emotiva das
impurezas e dos condicionamentos 121
Exerc. n°. 9 : Exato funcionamento da
natureza emotiva 132
Cap. X: Libertação da mente das impurezas e
dos condicionamentos 135
Exerc. n°. 10: Concentração para
aprender a pensar 147
Cap. XI: Da consciência individual à consciência
cósmica 149
Exerc. n°. 11: Meditação para expandir
a consciência 162
INTRODUÇÃO
7
aperfeiçoar-se, de progredir, de realizar-se em toda a sua
plenitude, que é latente e potencial. Viver, para eles,
é "amadurecer", "crescer", procurar a Verdade, é uma via
gem difícil, mas estimulante para a descoberta de si pró
prio e de Deus. Um fogo arde dentro deles, o fogo da aspi
ração ao verdadeiro, ao real, ao que está por trás das apa
rências. . . 0 fogo da procura do Absoluto, da Harmonia;
por isso são chamados "os ardentes".
Essa subdivisão do jesuíta e biólogo francês, embora
esquemática e sintética demais, pode, ainda assim, ajudar-
nos a compreender onde nós próprios poderemos nos colo
car e só se nos reconhecermos como "ardentes" poderemos
começar o trabalho do desenvolvimento da consciência,
trabalho que pouco a pouco nos ajudará a autoconhecer-
mo-nos e auto-realizarmo-nos naquilo que é nossa real
essência: o Eu.
Se não sentimos esse impulso interior para "crescer
por dentro", para nos tornarmos verdadeiros homens, para
despertarmos do estado de inconsciência em que estamos,
é inútil empreender qualquer trabalho de autoconheci-
mento e de auto-realização, porque faltaria a base necessá
ria e o impulso indispensável para um sucesso nessa inicia
tiva.
O ponto de partida para o desenvolvimento da cons
ciência é o preciso e claro reconhecimento de estar imerso
na inconsciência, de não ter ainda consciência, é a sofredo
ra e atribulada insatisfação produzida pelo próprio estado
mecânico, condicionado, limitado, não-autêntico, que é o
sintoma e o indício de um outro estado para o qual nos es
8
tamos movendo, cientemente ou não, e que é a alavanca
sobre a qual devemos esforçar-nos para "despertar" do nos
so sono e recordarmos a nossa verdadeira natureza, inician
do assim o lento, mas maravilhoso, trabalho de transforma
ção do homem-animal em homem-Deus, e passar do quarto
para o quinto reino.
Todas as religiões, todas as doutrinas esotéricas e espi
ritualistas permanecem para nós como letras mortas se não
trabalharmos no desenvolvimento da nossa consciência,
pois o conhecimento puramente intelectual não produz no
homem uma maturação eficaz, ficando ali apenas gélida ba
gagem de noções que obstruem a mente e ofuscam a visão
direta.
Devemos "viver" a teoria, transformar o conhecimen
to em consciência, fazer com que a doutrina se torne expe
riência vivida, e então brotará, do nosso próprio íntimo,
uma força, uma realidade, um entendimento, que nos
transformarão, nos farão mais verdadeiros, mais vivos, mais
autênticos, mais completamente "humanos".
0 trabalho do desenvolvimento da consciência requer
constância, paciência e pureza de intenção, mas os resul
tados que aos poucos se irão obtendo, se realmente prati
carmos o treinamento, os exercícios e as atitudes interiores
necessárias, pagarão com muita largueza o esforço que se
terá feito.
Desde que se teve a primeira "tomada de consciên
cia", a primeira revelação, ainda que mínima, será como se
nos debruçássemos a uma janela escancarada para um mun
do novo e luminoso, que sempre esteve ali, porque é o
mundo da realidade e dos significados, o mundo das causas,
que habitualmente não podemos perceber, porque estamos
acorrentados e vendados pelo nosso estado de inconsciên
cia. E esse primeiro vislumbre não será senão o início de
uma série de aberturas e de experiências íntimas, que aos
poucos nos levarão ao "despertar" total e completo, à
identificação com a nossa essência central: o Eu.
10
Capftulo I
11
dade da inconsciência. Por isso, todo seu caminho evoluti
vo tem como escopo o sair de tal inconsciência, o despertar
gradativo e, finalmente, o encontro da própria natureza
real.
Estas palavras, todavia, podem parecer-nos carentes
de significação, ou puramente teóricas, se não procurar
mos, antes de mais nada, o que vem a ser realmente a
consciência.
A palavra "consciência" é uma das expressões à qual
se podem atribuir os mais variados significados, se a con
siderarmos do ponto de vista comum. Encontramo-la, por
exemplo, usada apenas como "compreensão" de alguma
coisa (compreender que se está caminhando, que se está
sentindo uma dor física ou moral, etc.), ou como "cons
ciência m oral" (voz da consciência), isto é, senso subjetivo
do bem e do mal, como remorso, senso de culpa, etc. Mui
tas vezes a encontramos usada em sentido psicológico, co
mo compreensão dos fatos interiores, como capacidade de
perceber as modificações psíquicas. . .
Sob esse aspecto ela é considerada pelos estudiosos
como suscetível de desenvolvimento, de ampliação e refi
namento, tanto que seu grau de sensibilidade e de profun
didade pode varrar de pessoa para pessoa.
As doutrinas espiritualistas, todavia, dão à palavra
"consciência" um significado m uito mais vasto, universal
e profundo, até identificá-la com a própria essência do Es
p írito, que penetra toda manifestação. Ela é, por isso,
considerada como a própria Vida, como Energia Divina,
o Agni fundamental, ou o Jiva dos hindus. A consciên
12
cia-vida está em toda parte, em todo o cosmo, em todos
os reinos da natureza e, finalmente, no átomo, onde se re
vela como reatividade inteligente. Embora tal consciência
atômica esteja muitíssimo distante da consciência do ho
mem, demonstra que também na matéria, que acreditamos
inerte e estática, há uma certa sensibilidade, uma capacida
de de reagir, uma espécie de inteligência.
Em 1890, Édison já havia chegado a essa conclusão,
e escrevia:
"Não acredito que a matéria seja inerte, nem que
obedeça a uma força externa. Parece-me que cada átomo
possui certa quantidade de inteligência primigênia. Basta
observar os milhares de modos pelos quais os átomos do
hidrogênio se combinam com os dos outros elementos fo r
mando diversas substâncias".
Em todas as formas, em todos os reinos da natureza,
essa energia universal e divina, essa força misteriosa que é a
consciência faz sentir, de mil maneiras, a sua presença.
Ela é a alavanca da evolução, é o fogo oculto que inci
ta a natureza a multiplicar-se em inumeráveis formas, até
alcançar a forma humana, que parece ser a última da escala
evolutiva. E é aqui que a consciência-vida, a consciência-
força encontra aquilo que tinha incansavelmente procura
do: o veículo adaptado para expressá-la em toda a sua ple
nitude, passando do estado de latência para o pleno conhe
cimento.
Na verdade, antes do homem ela era, paradoxalmente,
"consciência insciente", potencial, não-manifestada. A sua
qualidade verdadeira e essencial de conhecimento de ser.
13
não se manifestava plenamente, mas permanecia latente
e potencial, expressando-se apenas como sensibilidade
vaga e difusa, como capacidade genérica de seleção e
reação, como inteligência elementar. No homem, ao
invés, ela encontra terreno apropriado para expressar
gradualmente todas as suas qualidades até alcançar seu
completo esplendor divino.
Nele, o gérmen divino da consciência se condensa
e se encerra como em uma matriz, e é exatamente essa
clausura, essa separação da unidade primordial insciente,
que faz despertar a consciência e a transforma em "auto
consciência".
Na verdade, a forma humana, em seu conjunto
físico-psíquico, é considerada pelas doutrinas esotéricas
como a substância, a matriz que pode ser fecundada pela
energia divina. Por isso ela é simbolicamente chamada
a Madre que, por obra do Pai, dá à luz o Filho, que é
justamente a consciência despertada, a Alma individua
lizada.
O homem não sabe que é o ponto de encontro do
fin ito com o infinito. Não sabe que ele é a terra fértil
onde foi colocada uma semente divina, que aos poucos
deve brotar e crescer, nutrida pelos elementos, pelas
próprias substâncias que estão em sua natureza. Não o
sabe. Por isso caminha às cegas, resistindo a essa energia
espiritual que fermenta dentro dele, criando para si sofri
mentos e conflitos, dilacerando-se em luta titânica que
se repete continuamente de ciclo em ciclo. Essa luta,
esse atrito, todavia, não são estéreis, porque é exatamente
14
com eles que se liberta, gradativa e penosamente, a cons
ciência. A resistência que o homem opõe ao impulso
evolutivo, identificando-se com a matéria, é necessária
de início pois " a consciência nasce da limitação".
"A matéria é limitação e sem limitação não existe
consciência." (Diz A. Besant em seu livro Estudo da
consciência, p. 42.)
Em outras palavras, sem a percepção do não-eu
não é possível despertar o senso do eu. Sem o reconhe
cimento de um mundo objetivo que se opõe a um mundo
subjetivo, não se pode manifestar o conhecimento do
eu. Essa dualidade, criada com a perda da participação
inconsciente com a unidade, como já dissemos, é neces
sária ao desenvolvimento da consciência, que deve passar
de um estado vago e inqualificado para um estado de
alta qualificação, de plena delineação e de completo
"auto-reconhecimento".
Chega, porém, um momento no caminho evolutivo
do homem, no qual ele cessa de opor-se, não luta mais,
antes deseja "compreender" o porquê do que acontece,
captar o verdadeiro significado da vida e, sobretudo,
deseja "encontrar-se a si mesmo".
Essa aspiração de conhecer-se é o primeiro passo
no longo caminho do despertar da consciência, e embora
o homem ainda não tenha conhecimento, é a própria
consciência, dentro dele, que o incita para a frente, que
lhe dá a aspiração de procurar a realidade atrás das apa
rências e o irresistível impulso para engrandecer-se e
auto-realizar-se.
15
A esta altura poderemos perguntar-nos: "Também
nós estamos naquele ponto do caminho evolutivo no
qual aspiramos a descobrir "quem verdadeiramente so
mos", tornando-nos conscientes da nossa verdadeira
natu reza?"
Se a resposta é afirmativa, devemos dedicar-nos
à obra e (como disse Sri Aurobindo) "agarrar a alavanca
da nossa evolução", para abrir o caminho à luz da cons
ciência-força que tem urgência de se manifestar.
Como dissemos antes, aquele que busca a consci
ência procura, antes de mais nada, conhecer-se a si pró
prio e assim devemos fazer também nós, começando
por nos interiorizarmos a fim de observar nosso mundo
subjetivo, e tentar descobrir quanto de conhecimento
verdadeiro existe em nós.
Perceberemos depressa que o que se apresenta no
primeiro momento da nossa observação é apenas a super
fície da consciência, por assim dizer, isto é, um conjunto
de sensações, de estados de ânimo, de pensamentos que
afloram como bolhas de ar de um estrato mais profundo
e do qual só vemos a face externa. Essa "superfície"
da consciência, cujos conteúdos são mutáveis, flutuantes
e, muitas vezes, imprecisos, está naquela região da nossa
psique que os psiçanalistas chamam "o consciente" (ou
o cônscio) e que consideram o pólo oposto do incônscio.
Em geral o consciente não é a verdadeira consciência,
antes e muitas vezes, é a "falsa consciência", porque
formado de ilusões, condicionamentos, ficções, que
surgiram aos poucos pelos influxos que vieram do ambien
16
te, da sociedade, da família, desde a infância. Muito
freqüentemente o consciente é como que uma "más
cara" que cobre a verdadeira consciência, alterando-a
e deformando-a. Tudo o que pertence, ao invés disso,
à verdadeira consciência, é autêntico, espontâneo, livre,
imediato, criativo. Espelha nossa própria realidade, nossas
verdadeiras tendências, nossas qualidades profundas,
nossa natureza mais íntima.
Eis por que, de vez em quando, conseguimos ex
pressar alguma coisa que espelha a verdadeira consci
ência, tornando-nos semelhantes às crianças, no que se
refere ao vigor, à sinceridade, à inocência, à espontanei
dade e, ao mesmo tempo, verdadeiramente maduros quanto
à sabedoria, ao equilíbrio, à serenidade e à força.
Por isso podemos afirmar que a verdadeira cons
ciência não se expressa nem mesmo pelo pensamento.
é muito importante ter isso presente, pois, em geral,
nós, ocidentais, paramos no "cogito ergo sum" de Des
cartes, que devemos antes inverter para "sum, ergo co
gito". Na verdade, em sua realidade mais completa e
profunda, a consciência é, sobretudo, "o ser oposto
ao vir-a-ser". Além disso, o que dissemos sobre o cons
ciente, que pode ser inautêntico e condicionado, serve
também para o pensamento. Se ele fosse pensamento
"verdadeiro", se as idéias que se movem em nossa mente
fossem frutos da intuição e espelhassem a realidade, se aci
ma de tudo o pensamento fosse criativo, isto é, capaz de
transformar-nos, de amadurecer-nos, então poderíamos d i
zer ser ele o veículo da consciência, uma expressão sua.
17
Como, porém, quase sempre aquilo que pensamos
é fruto de hábitos, de preconceitos, de condicionamentos,
uma inconsciente repetição de idéias alheias, das opiniões
da massa, etc., não podemos afirmar que o pensamento
coincida com a consciência, pois as qualidades funda
mentais e inconfundíveis da consciência são a autenti
cidade, a criatividade, a adesão completa à realidade
subjetiva da nossa natureza.
Chega-se, assim, à afirmação, aparentemente absur
da, de que tudo que é incônscio mais se aproxima da
verdadeira consciência, daquilo que preenche habitual
mente o nosso conhecimento. Em outras palavras: a
verdadeira consciência ainda é incônscia e o que aflora
à superfície é consciência falsificada e condicionada.
Devemos, pois, descobrir essa "consciência incôns
cia", fazê-la aflorar e libertarmo-nos dos condicionamentos
e influências externas, que nos desviaram, alienando-nos
de nós próprios.
Isso é o que Sri Aurobindo quer dizer quando afirma:
"A evolução, na realidade, é a transformação da energia
em consciência".
Vimos, de fato, que a consciência também é energia.
é vida, é energia-fundamental, é Agni. Assim, transformar
a energia em consciência significa "tornar cônscio o que
é incônscio", pois o incônscio é energia.
A natureza energética e dinâmica do incônscio é
agora um fato aceito também pela psicanálise e é uma
realidade que deveríamos recordar sempre, já que oculta
o segredo da nossa evolução.
18
A consciência-força universal no homem tem, por
tanto, dois pólos, sendo um o consciente e o outro o
incônscio, este últim o representando o aspecto energia.
Da fusão desses dois pólos (ou transformação do aspecto
energia em consciência) nasce a verdadeira consciência,
que é a expressão do Eu.
Se nos observarmos para encontrar reforço ao que
ficou dito acima, notaremos que de vez em quando sen
timos um despertar de consciência, seja em que nível
for, nascido da fusão dos dois pólos opostos, do supera
mento de uma dualidade.
Essa é uma verdade para se ter sempre presente,
porque ela oculta uma verdadeira e apropriada técnica
de desenvolvimento, um método prático para auxiliar
o despertar da consciência.
Para dar um exemplo concreto, quando procuramos
expressar em palavras um nosso pensamento intuitivo,
sintético, uma idéia abstrata, no esforço que fazemos
para conseguir expressar exatamente o que tínhamos
compreendido, sem alterá-lo, libertamos uma certa quan
tidade de consciência, pois um "q u id " se manifesta,
nascido da fusão dos dois aspectos ou pólos opostos:
a intuição (aspecto positivo, espiritual), e a palavra (as
pecto receptivo, humano).
Isso pode acontecer mesmo quando procuramos
transformar uma convicção intelectual nossa do aspecto
teórico para o aspecto prático, desejando assim unir
o conhecimento à experiência e fundir dois pólos, a fim
de que nasça uma maturidade, uma tomada de consciência.
19
Entretanto, chega-se a essas descobertas, a essas
experiências interiores, gradualmente, e através de su
cessivas fusões e integrações, cada uma das quais libera,
por assim dizer, uma certa quantidade de consciência.
A razão disso está no fato da consciência ser o as
pecto Filho, isto é, o produto da união do Pai-Espírito
e a Mãe-Matéria, já que, na realidade, a dualidade é um
fato aparente criado pela nossa inconsciência, pela nossa
identificação com a forma e tomar consciência significa
apenas "encontrar" essa unidade.
O homem deve percorrer um caminho longo e árduo,
contudo, para encontrar essa realidade, passando da
inconsciência para a consciência, despertando pouco
a pouco, é um crescimento interior, muitas vezes tra
balhoso e cansativo, mas que se vai, paulatinamente,
revelando como uma aventura maravilhosa e cheia de
alegria, que nos leva de descoberta em descoberta, de
despertar em despertar, de nível para nível até a des-
lumbradora revelação da nossa verdadeira natureza divina.
* * *
20
tanto, vários níveis e graus. Ela nos permite entrar em
contato e experimentar diretamente a realidade das coisas
e a realidade de nós próprios, em qualquer dos níveis a
que elas pertençam.
2) Quando se experimenta a verdadeira consciência
há uma sensação de despertar e de iluminação, como
se tivéssemos feito uma "descoberta", não apenas com
a mente, mas com todo nosso ser.
Para esclarecer esse conceito cito o que disse Erich
Fromm a esse respeito:
" . . . o ato da descoberta, considerado em si, é sempre
uma experiência total, é total no sentido de que a pessoa
a experimenta por inteiro, é uma experiência caracterizada
pela espontaneidade e imediatismo". (De Psicanálise e
Zen-Budismo.)
3) Cada abertura mínima de consciência traz con
sigo um resultado, uma transformação, um amadureci
mento, uma ampliação da visão que não mais se perde.
Por isso, o desenvolvimento da consciência está estrei
tamente ligado com cada experiência direta, com cada
compreensão interior efetiva. Não pode haver consciência
sem transformação.
A essa altura surge a pergunta espontânea: Há um
modo de favorecer esse desenvolvimento, esse crescimento
interior da consciência, até a sua total e luminosa ex
pressão, que é a consciência do Eu?
Sim, certamente.
E é o que procuraremos examinar à medida que
entrarmos nos próximos capítulos.
21
I
22
EXERCfCIO N9 1
Interiorização
23
Capítulo II
O MISTÉRIO DA AUTOCONSCIÊNCIA
25
que a autoconsciência é o sinal de reconhecimento do ho
mem.
Contudo, também a autoconsciência, embora sendo
inata no homem, tem um longo e cansativo caminho evo
lutivo a percorrer, um processo gradual de maturação e de
crescimento a desenvolver.
Desde o primeiro vislumbre de vida, das primeiras ten
tativas, muitas vezes erráticas e vacilantes, de emersão, até
a plena manifestação da individualidade completa, livre e
autônoma, a autoconsciência deve percorrer um arco que
assinala o caminho do desenvolvimento humano inteiro.
Realmente, o senso do eu aparece, desaparece, reemer-
ge, fixa-se sob falsa identificação, multiplica-se em mil fa
cetas, recai na inconsciência, enfuna-se em seu orgulhoso
senso de isolamento, projeta-se sobre objetos exteriores,
luta para sair da sua limitação, expande-se, libera-se, eleva-
se até o Espírito, onde encontra sua verdadeira essência e
se identifica com a totalidade do Eu.
Toda a humanidade passa através dos estados de de
senvolvimento no que diz respeito à expressão da autocons
ciência, que revelam o lento e fatigante emergir do senso
da individualidade.
No início do caminho evolutivo o homem identifica o
seu eu com o corpo físico. Sente sua forma material como
uma entidade que está consigo, separada das outras formas.
é consciente apenas das suas sensações físicas e das suas
exigências instintivas. Quando pensa em si próprio, só vê o
corpo material e não consegue compreender uma existên
cia diferente da existência física.
26
é o estágio da completa identificação com o invólu
cro mais externo do Eu, o material, estágio que, em reali
dade, não deveria ainda ser definido como "autoconsciên
cia", mas apenas como senso de separação em nível mate
rial.
Com o desenvolver-se gradual da sensibilidade emoti
va, da capacidade de ter sentimentos e estados de ânimo,
o eu do homem parece multiplicar-se em mil facetas, devi
do à mutabilidade e à riqueza dos estados emotivos: tris
teza, alegria, medo, angústia, desejo, atração, repulsão, etc.
O eu do homem torna-se poliédrico, variável, esquivo, pois
se identifica com o estado de ânimo do momento, é o es
tágio da polaridade emotiva, durante o qual o homem per
de a sensação de ser "uma unidade isolada" e se descami
nha nas inumeráveis possibilidades sensitivas da sua nature
za emocional.
Quando a autoconsciência se identificava com o cor
po físico ele sentia-se um, embora limitadamente na esfera
material mas, com o emergir da sensibilidade emotiva, o
homem cai na multiplicidade, até encontrar um outro
apoio com o qual possa se identificar.
E isso acontece com o desenvolvimento da mente
quando, de início de uma forma intermitente, depois de
maneira sempre mais estável, aflora o eu racional que, por
sua natureza, eleva-se acima das tumultuosas e mutáveis
ondas emotivas e dá capacidade ao homem para se desiden-
tificar delas e tentar controlá-las e dominá-las.
O desenvolvimento da mente é tão importante para o.
homem que, durante longo tempo, ela foi tida como o
27
ponto mais alto de alcance e muitos estudiosos e filósofos
identificaram o eu com o intelecto.
Na realidade, o eu racional, o intelecto, é apenas o pó
lo oposto da função emotiva e, com ela, forma a "psique"
do homem, o cama-manas das doutrinas esotéricas.
A autoconsciência do homem, em seu caminho para a
completa auto-realização, no seu processo gradual de ma
turidade, passa de identificação em identificação, de está
gio a estágio.
A identificação com a mente é apenas um estágio do
desenvolvimento do senso do eu, que assinala o início de
um período de dualidade entre o intelecto e a natureza
emotiva, e que leva o homem para um desenvolvimento ul-
terior da consciência, pois que o libera do estágio no qual o
eu é vivido pelas emoções e estados de ânimo, para o está
gio em que o eu se torna, paulatinamente, capaz de domi
nar e controlar as energias emocionais e instintivas. Essa é a
polaridade mental que faz com que o homem novamente
sinta*se "u m ", fechado em sua mente e separado dos
outros.
Também esse estágio, entretanto, é superado, é ape
nas uma etapa no longo e tortuoso caminho para a verda
deira consciência.
Não obstante, mesmo sob esse aspecto limitado, dis
torcido e falsamente identificado, o senso do eu do ho
mem, a sua autoconsciência, ocultam uma realidade im
portantíssima, um segredo, por assim dizer, evolutivo, que
deve ser integralmente compreendido, se quisermos captar
a natureza da consciência.
28
Aceitamos como coisa natural o fato de, em nosso ín
timo, sentirmo-nos indivíduos, que somos, em outras pa
lavras, "eu” . Vivemos com o nosso ” eu" desde o nascimen
to e o levamos até o limiar da morte. Estamos sempre com
ele, antes prisioneiros dele, sem poder sair: fechados como
num círculo da sua insuperável couraça de aço, constrangi
dos a nos ocuparmos dele porque é o centro do nosso ser.
Mesmo que não saibamos disso, ele comanda por trás dos
bastidores, impõe a sua vontade, o seu egoísmo, as suas
exigências, a sua solicitação de cuidadps, as suas preten
sões, o seu orgulho, a sua obstinação, a sua presunção, os
seus medos. . .
Parece-nos natural sermos "e u " separados, ilhas vivas,
consciências encapsuladas, que espelham, por todos os la
dos, a si próprias.
Ainda assim, mesmo nessa clausura, nessa absurda se
paratividade, está oculto o segredo da natureza do homem,
a chave para sua verdadeira realização.
Sob suas aparências egoísticas que tanto mal parecem
produzir, o eu humano é a semente de "alguma coisa dife
rente", é o gérmen da Divindade imanente, embrionário,
alterado, degradado, limitado, mas potencialmente carrega
do das qualidades mais elevadas e espirituais.
Por certo não foi por acaso que no Antigo Testamen
to, Deus, aparecendo a Moisés na sarça ardente, pronun
ciou as palavras: "Eu sou aquele que sou".
O Eu sou, realmente, em sua mais alta expressão, é a
afirmação do Ser por excelência, da natureza mesma do
Absoluto, oposto ao vir-a-ser.
29
Também a nossa autoconsciência, o nosso senso do
eu, embora desviado e limitado, ocultam em si a mesma na
tureza da consciência do Ser, do Eu Sou, da mais alta ma
nifestação da consciência.
É como a semente de uma planta, que oculta latente
em si toda força, beleza, estatura que deverá alcançar quan
do, liberta dos invólucros, tendo feito caminho através da
terra, absorvido as substâncias e crescido até a plenitude
da sua maturação, torna-se uma planta.
O egoísmo, as limitações, são apenas instrumentais,
pois fornecem as condições adequadas para o nascimento
do conhecimento de si, e os erros que derivam, são apenas
experiências, eventos que contribuem para libertar o ho
mem, para dar-lhe maturidade.
A autoconsciência do homem é, portanto, o sinal de
sua divindade potencial e, por isso, tem necessidade de
um longo processo evolutivo para crescer até sua plena
expressão.
Voltando agora ao lento desenvolvimento do senso
do eu do homem e às suas falsas identificações, vimos que
os estádios por nós descritos até o presente momento, isto
é, a identificação do eu com o corpo físico, a polaridade
emotiva e a polaridade mental, não são a verdadeira auto
consciência, mas apenas "apoios", por assim dizer, tempo
rários e parciais, da consciência, que à medida que evolve
desloca seu centro de gravidade.
A verdadeira autoconsciência emerge apenas quando
o homem integra, sintetiza e recolhe todas as suas funções
psíquicas em um ponto de seu ser, fulcro da sua energia
30
interna, que é capaz de desidentíficar-se delas objetivan
do-as.
Anterior a essa integração há todos os estágios descri
tos antes, mutáveis e vários. Mas a verdadeira autoconsciên
cia, o senso do eu bem delineado e claro, sempre igual a
si mesmo, é o que emerge depois da síntese dos vários as
pectos psíquicos do homem (ou corpos sutis das doutrinas
esotéricas, que são o corpo físico, o corpo emotivo e o cor
po mental).
Todavia, pode acontecer que, tendo um indivíduo
uma finalidade a alcançar, um ideal, uma paixão, que
absorve e focaliza todas as suas energias e concentra todo o
seu ser, pode acontecer (repito) que o senso do eu verda
deiro e próprio, o centro da consciência, surja, porque o
fato de se focalizar todos os aspectos da personalidade
numa direção única produz uma integração.
Esse senso do eu ainda não é o ser autêntico do ho
mem, mas é, por assim dizer, um seu reflexo, uma sua pro
jeção, e é "único", não múltiplo, sempre igual a si mesmo,
e tem uma vontade, um sentido de direção e uma unidade
de propósito.
Ele reflete o estágio do eu pessoal que, embora con
ferindo ao homem dotes de eficiência, autodomínio, força
e lucidez, é limitado e incompleto, porque pode ser egoís
tico e separativo e, assim, em contraste com a essência do
Eu Real, que é o Eu, inclusivo, amplo, amorável e impes
soal.
Portanto, podemos dizer que também o eu pessoal
que surje da personalidade integrada é, na realidade, falso
31
e ilusório, é uma construção do homem, uma fase, que
também deverá ser superada e ultrapassada pela luz e pela
consciência mais ampla do Eu Real que é chamado, de pre
ferência, o Eu, exatamente para indicar sua natureza im
pessoal e universal.
Todas essas fases do desenvolvimento da autocons
ciência, entretanto, devem ser atravessadas pelo homem an
tes que ele compreenda sua natureza real. é como uma
"subida" interior, lenta, mas contínua, cujos degraus são
as várias e sucessivas identificações ilusórias do eu, das
quais, pouco a pouco, a luz da verdadeira consciência, apri
sionada pela forma, se liberta.
De vez em quando conseguimos objetivar uma parte
de nós mesmos com a qual antes nos identificávamos, libe
ramos uma parte da consciência latente e nos aproximamos
sempre mais da realidade do nosso eu autêntico.
De vez em quando subimos acima de um aspecto psí
quico ou conseguimos dissolver um condicionamento, uma
ilusão e um novo lado do nosso ser se delineia, até que che
guemos ao reconhecimento total, que é como o súbito des
pertar de um longo sono, uma deslumbrante revelação. Per
cebemos, então, que o verdadeiro Eu tinha estado sempre
em nós, profundamente, presente e vivo, oculto apenas
pela nossa condição de inconsciência.
Percebemos, então, que a verdadeira autoconsciência,
embora levando-nos a atingir o máximo da nossa identida
de, embora identificando-se com nossa subjetividade mais
profunda, também nos dá senso de unidade, de inclusivida
de, de universalidade, de totalidade.
32
Encontrar a si mesmo é, estranhamente, transcender-
se, pois o individual e o universal coincidem no homem.
Esse é outro dos paradoxos aparentes que a natureza hu
mana revela quando aparece em sua mais alta expressão.
Por isso dissemos, antes, que a autoconsciência oculta
um segredo que se deve descobrir, um enigma que se deve
decifrar, pois é a ponte de conexão entre o humano e o di
vino, entre o relativo e o absoluto, entre o finito e o infi
nito.
Como podemos, então, favorecer o desenvolvimento
da autoconsciência?
Os gurus hindus aconselham aos seus discípulos um
exercício aparentemente simples.
Consiste em uma única pergunta a fazer a si mesmo,
repetidamente, depois de estar em recolhimento num lu
gar tranqüilo e silencioso. A pergunta é:
"QUEM SOU EU?"
Dar resposta a uma tal pergunta com certeza não é
fácil: todavia, os resultados que ela atrai são muito úteis
e interessantes, já que revelam o grau de autoconsciência
que realmente alcançamos.
Podemos, por exemplo, notar que o nosso "e u " é
vago e flutuante, sem uma fisionomia precisa ou, então,
que ele tem "m il aparências" e inumeráveis aspectos.
Podemos, também, tomar conhecimento da preva
lência de um ou de outro aspecto da nossa personalidade;
ou seja, se prevalece em nós o emotivo ou o mental e, en
fim, se conseguimos, embora apenas de vez em quando,
evocar em nós um senso de consciência livre e desapegado,
33
que não é condicionado pelos nossos estados físicos ou
psíquicos mas, antes, pode controlá-los e dirigi-los.
Fazer perguntas a si mesmo é uma verdadeira e apro
priada técnica evocadora. é como um anzol que atiramos à
água profunda de nós mesmos. Um "gancho" simbólico
(o ponto de interrogação) para "pescar" a verdade latente.
Por isso a pergunta: "Quem sou eu", com o tempo,
deverá conseguir evocar, não uma resposta, mas a própria
realidade do eu que jaz dentro de nós.
é importante dedicar atenção e paciência a essa evo
cação, porque se realmente desejamos sair da falsa cons
ciência e despertar para o verdadeiro conhecimento, deve
mos, em primeiro lugar, encontrar o nosso próprio centro,
sobre o qual possamos aplicar a alavanca e assim conseguir
mos nos libertar de todas as superestruturas, condiciona
mentos, pensamentos automáticos, ilusões que nos fazem
inautênticos e que nos impelem sempre para a névoa da
inconsciência.
Na realidade, nós não vivemos, mas somos vividos pe
los acontecimentos, sentimentos, impulsos instintivos. Dei
xamo-nos arrastar por eles, desgarrados, confusos, muitas
vezes infelizes, pois a verdadeira felicidade só é dada pela
expressão completa da nossa natureza divina, que é a nossa
realidade.
Para ajudar-nos em nosso trabalho de encontro de
nós mesmos, sintetizamos os vários estados de desenvolvi
mento que o homem atravessa, no que se refere à auto
consciência:
19 estágio: Sou vivido pelas coisas.
34
2o estágio: Vivo (como personalidade).
39 estágio: Sou vivido pelo Eu.
49 estágio: Vivo como Eu.
Já analisamos o 19 e o 29 estágios.
0 39 estágio corresponde àquele período evolutivo
durante o qual começa a surgir um centro de consciência
capaz de desidentificar-se dos aspectos pessoais, e que deles
se faz espectador.
35
QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPITULO II
36
EXERCÍCIO NO 2
O Encontro da Autoconsciência
37
Capítulo III
A APARENTE DUALIDADE DO EU
39
Pai, um trabalho de transformação e de purificação da
matéria dos invólucros com os quais é identificado. Real
mente, a encarnação do Eu espiritual na matéria densa tem
exatamente essa finalidade: fazer voltar a substância física
à vibração original e reunir, assim, os dois pólos de Espírito
e Matéria no ponto central e unitivo da consciência.
O Eu do homem é, ao mesmo tempo, transcendente e
imanente, pois permanece eterno, imutável, perfeito, com
pleto em seu aspecto transcendente, enquanto projeta
"uma parte de si" na personalidade, como um raio da sua
essência total, uma semente, uma energia, que é o aspecto
imanente.
40
embora de maneira vaga e embrionária. É o "grãozinho de
ferm ento" do qual Cristo fala no Evangelho, que pouco a
pouco faz "crescer e levedar" a farinha em que estava ocul
to: é o Reino do Céu oculto dentro do homem, que mais
cedo ou mais tarde fará sentir a sua presença e irá manifes-
tar-se à luz.
O caminho para alcançar o crescimento pleno dessa
centelha do Eu, profundamente escondida dentro de nós,
é a evolução da consciência, e é um caminho longo e d ifí
cil, repleto de insídias e de dificuldades. De fato, o senso
de autoconsciência, de início vacilante e nebuloso, primei
ro vislumbre da consciência do Eu que desperta, corre sem
pre o perigo de ser sufocado, desviado e de perder-se no la
birinto da complexa estrutura psíquica do homem. Mas, as
sim como Teseu teve o "fio de Ariadna", que lhe servia
de guia e de ponto de referência para que não se perdesse
no dédalo, também nós devemos encontrar um ponto de
apoio e de auxílio, que nos dê segurança para não nos per
dermos nos escuros meandros interiores.
O nosso "Fio de Ariadna" poderia constituir-se do
centro da consciência desidentificado dos aspectos psíqui
cos da personalidade (centro que assinalamos no capítulo
precedente), capaz de estar sempre estável, lúcido e livre.
Cada um de nós possui a capacidade de levar esse pon
to focal da consciência a emergir, a meio caminho entre a
personalidade e o Eu, e com exercícios e métodos oportu
nos podemos favorecer a sua manifestação.
é preciso, antes de mais nada, reconhecer que aquilo
que acreditamos ser o nosso eu é apenas uma projeção
41
fragmentária e alterada do Eu total, condicionada pelo
automatismo inconsciente dos veículos pessoais e encerra
da na ilusão da separatividade.
Em segundo lugar devemos aprender a "desidentifi-
carmo-nos" desse eu inferior. Para que possamos chegar a
essa atuação devemos saber como é formada e organizada
a personalidade e o que realmente ela vem a ser.
A personalidade, como dissemos da outra vez, é o
conjunto dos três veículos de expressão do Eu que, em sen
tido psicológico, são chamados "funções psíquicas" (Jung).
Esses três veículos são:
1) o corpo físico com a sua contraparte vital (etéri-
ca);
2) o corpo emotivo (ou astral);
3) o corpo mental.
Esses três veículos, quando a consciência do Eu ainda
está adormecida, são amorfos, passivos, abertos a todas as
influências, e qualificam-se e organizam-se, durante um
longo período, apenas sob os estímulos e as influências que
provêm do exterior, do ambiente, da família, da sociedade,
etc. Esses estímulos e influências são mais fortes do que os
provenientes do Eu, ainda incônscio, e bem depressa se
transformam em automatismos, em hábitos m uito difíceis
de serem superados uma vez estabelecidos.
Por isso podemos dizer que a personalidade do ho
mem de evolução média, que está bem longe da verdadeira
consciência do eu, é apenas um conjunto de condiciona
mentos e automatismos, de reações mecânicas e de energias
movidas por impulsos que não provêm do Eu real, mas do
42
eu superficial. A esse conjunto é que chamamos personali
dade ou, como diz Aurobindo, "personalidade frontal", e é
tomada como se fosse o Eu, como se fosse a verdadeira in
dividualidade do homem, quando é apenas máscara (pes
soa) ilusória e falsa.
Realmente: "Pensamos conhecer-nos, mas só conhece
mos a parte superficial de nós mesmos. A consciência que
está em cada um de nós e com a qual enfrentamos o mun
do, é agitada e modelada pela sua influência, é um proces
so de condicionamento a que estamos sujeitos desde o mo
mento em que nascemos, mas que, se nos tornarmos cons
cientes disso, dele nos afastaremos". (De Verso la realtà, de
Sri Ram, p. 163.)
O que acreditamos ser o nosso eu é, pois, uma perso
nagem fictícia, construída com a substância (por assim di
zer) que temos em nós, mas segundo um modelo alterado,
distorcido, ilusório.
O que acreditamos ser a nossa consciência é apenas
uma "falsa" consciência, um conjunto de hábitos e de
automatismos, que nos obrigam a declamar uma parte, a
comportarmo-nos de um certo modo, enquanto a nossa
verdadeira consciência, a que provém do Eu Real, da nossa
verdadeira natureza, permanece incônscia, e só em alguns
raros momentos aflora, dando-nos um fugitivo clarão de
"verdadeiro" conhecimento, de autenticidade, de verdade.
É como se tivéssemos dois "e u ", um superficial, ha
bitual, mecânico, falsamente racional, que nos impõe as
suas exigências, fraquezas e ambições, e um outro "e u",
silencioso e oculto, como que velado por uma névoa, se
43
mi-adormecido e incònscio, mas que às vezes desperta
subitamente e nos inunda com a sua luz deslumbrante, nos
fulmina com a sua potência, nos sacode com a sua alta vi
bração, mas que depois, de repente, torna a desaparecer,
sufocado pela cortina de névoa das nossas ilusões.
Tais momentos, infelizmente, são raros e fugidios
para a maioria dentre nós, mesmo porque, ao invés de
reforçá-los com a nossa atenção, com a recordação cons
tante, com a aspiração ardente, muitas vezes não lhes da
mos a importância devida, antes os ignoramos, ou depres
sa os obliteramos com a superficialidade da nossa mente
concreta. . . Isso acontece, também, porque alguma coisa
em nós sabe que para aceitar a verdadeira consciência de
vemos renunciar ao eu pessoal, superar o egoísmo, os
apegos, as exigências inferiores: em outras palavras, deve
mos operar em nós uma "inversão", uma conversão das
energias em direção ao alto. Por isso, inconscientemente,
opomos resistência à verdadeira luz, sufocamos a consciên
cia nascente do Eu, negando-a até mesmo a nós próprios.
Na realidade, a primeira coisa que o afluxo da cons
ciência real faz aflorar é um senso de "lu z " que ilumina to
dos os lados do nosso ser, levando-nos a reconhecer a falsi
dade, a inauteníickiade, a precariedade de tudo aquilo que
de início considerávamos verdadeiro. Faz vacilar as nossas
presunçosas convicções, a nossa pretendida "fé ", os nossos
ilusórios ideais e, às vezes, até os nossos mais caros afetos.
Coloca-nos diante de uma problemática moral angustiante
e tormentosa, leva-nos a cair em uma profunda crise, da
qual tentamos, de toda a forma, sair e fugir.
44
A voz do Eu, a Sua luz reveladora, não podem, toda
via, ser sufocadas e negadas e, mais cedo ou mais tarde, re
tornam, veementes, inexoráveis, para se engajarem com o
eu pessoal numa luta longa, dura e extenuante.
Essa é uma fase evolutiva que o homem deve forçosa
mente atravessar em um certo momento de seu desenvolvi
mento interior, e que é m uito importante e útil, pois leva
ao afloramento dos dois pólos da sua natureza, de cujo
atrito, depois resolvido em unificação, poderá vir a libera
ção da consciência verdadeira.
Ê a fase na qual o Eu é sentido como uma realidade
externa, objetiva, como meta a alcançar fora de nós.
Van der Leeuw descreve assim esse estágio:
"Desde esse momento ele (o homem) deve reconhe
cer em si duas pessoas em uma: o Eu divino mais alto, que
o chama continuamente para a Sua Divina pátria, e a na
tureza inferior que é a sua consciência ligada aos corpos e
por eles dominada." {Dei in esilio, p. 12.)
Na realidade, essa sensação de dualidade é ilusória.
Não há dois "e u ” , um inferior e um superior, mas
apenas um. Nós criamos uma cisão na consciência, identi
ficando-nos com a periferia da circunferência e não com o
centro. Por outro lado, essa sensação de dualidade é m uito
ú til para o desenvolvimento da consciência do homem,
pois é exatamente do conflito, do atrito entre dois pólos,
resolvidos em um nível superior, que pode emergir aquele
princípio de síntese e de unificação que é o Eu.
Por trás dessa cisão ilusória da nossa consciência há
uma realidade universal e esotérica: a lei da polaridade. Es
45
sa lei se encontra, realmente, em todos os níveis da mani
festação, do macrocosmo ao microcosmo, sob uma in fin i
dade de aspectos. Tudo o que existe tem o seu oposto: po
sitivo e negativo, ativo e passivo, macho e fêmea, vida e
morte, vigília e sono, consciente e inconsciente.. . Estes
são apenas alguns exemplos da dualidade universal. Tudo é
dúplice, tudo é bipolar, como se o Uno, ao manifestar-se, se
tivesse cindido em duas grandes energias cósmicas. E com
efeito assim é, pois que cada polaridade deriva da cisão ini
cial do Absoluto em Espírito e Matéria, as duas colunas da
manifestação: o Pai e a Mãe cósmicos, que dão vida ao Fi
lho, isto é, à Consciência.
Assim, também o homem revive em si a lei da polari
dade, experimenta-a em todos os níveis, sofrendo as lutas
e as angústias da tensão dos opostos, até que consegue su
perá-las depois de um trabalho de transformação e de subli
mação, reunindo-as em um centro sintético que tem o po
der unificador.
A autoconsciência da qual falamos no capítulo prece
dente, contém ejn si esse "poder unificador", quando se
torna um centro do nosso ser capaz de desidentificar-se dos
aspectos inferiores da personalidade, subir acima dos con
flito s e nos fazer sentir "u m ".
Por isso, a técnica para a desidentificação dos veículos
pessoais é necessária, a fim de que nos libertemos da falsa
consciência e encontremos esse "ce n tro ": "O método da
negação é indispensável para nos desembaraçarmos das de
finições e dos limites. . afi rma Sri Aurobindo, conti
nuando depois: "O meio mais simples consiste em um pro
46
cedimento familiar, o de criar uma separação entre Purusha
(Espírito) e Pakriti (Matéria)". (De La sintesi dello yoga,
pp. 38 e 59, vol. II.)
A autoconsciência, em relação aos veículos pessoais,
representa o pólo espiritual, o Purusha, enquanto a perso
nalidade, em seu todo, com os seus automatismos e as suas
vibrações mais lentas e mais baixas, representa o pólo da
matéria (Prakriti). Por isso, só quando tivermos alcançado
um certo grau de liberação e desidentificação do centro da
consciência das energias dos veículos pessoais, poderemos
"unificar os dois", pois teremos um ponto de apoio, um
fio de Ariadna que nos dará a possibilidade de nos desem
baraçar das falsas identificações, de superar os condi
cionamentos que por tanto tempo moveram as energias
que formam a nossa personalidade.
é preciso dizer, porém, que esse trabalho de desiden
tificação é muito mais complexo do que se crê, pois não se
trata tanto de conseguir as três funções da personalidade,
mas também, e sobretudo, de reconhecer os condiciona
mentos, os automatismos inconscientes, as ilusões ocultas
que nela se instauraram há m uito tempo, e dissolvê-los,
despertando-nos para o real conhecimento de nós mesmos.
Com algum tempo poderemos desidentificar-nos
do que aparece no campo da nossa consciência comum.
Mas, como fazer para nos desidentificar dos impulsos,
das tendências e dos hábitos que têm raízes no incons
ciente?
No início, o único auxílio será criarmos uma dualida
de na consciência (se já não surgiu naturalmente), pro
47
curando observar-nos com objetividade e desapego, é a fo r
mação do senso do Espectador, da Testemunha interna,
verdadeiro e exato estágio de desenvolvimento da consciên
cia, que pouco a pouco emerge da névoa, da multiplicidade
dos elementos psíquicos conscientes e inconscientes, e que
permanece estável, livre de todas as influências inferiores.
Essa consciência do Espectador, à proporção que se
torna mais clara, mais contínua, mais forte, adquire o po
der de levar também os conteúdos inconscientes a aflorar.
Na verdade, eles habitualmente não conseguem vir à super
fície, entrar no campo do consciente, porque é exatamente
o eu pessoal que a isso se opõe, e os nega, criando uma
"resistência". Mas, se soubermos apelar para o desapego
e a imparcialidade "daquele que observa", se soubermos
colocar nosso enfoque no centro da consciência que antes
descrevemos e que é apenas o Espectador desapegado e
objetivo, então essa resistência cai, e o que antes era in-
cônscio pode aflorar e entrar no campo consciente.
Portanto, devemos começar pela concentração de to
dos os nossos esforços para conseguir chegar à postura do
Espectador, porque só depois de termos conseguido isso
poderemos iniciar um trabalho sério, produtivo e eficaz pa
ra o desenvolvimento da consciência.
Uma prática m uito útil para tal finalidade é a do exa
me noturno, que consiste em uma análise dos acontecimen
tos, dos estados de ânimo e dos pensamentos que tivemos
durante o dia, exame que se deve fazer antes de deitar, de
pois de termo-nos posto em atitude interior de calma, re
colhimento e relaxamento, procurando objetivar a nós pró
48
prios, de nos observar e analisar como se se tratasse de
uma outra pessoa. Se fizermos com constância e por um
longo período de tempo esse exame noturno, ganharemos
o hábito de nos observar com desapego e, gradativa
mente, irá formar-se em nós um ponto focal na consciên
cia, para onde espontaneamente poderemos "su bir" de vez
em quando, sempre que quisermos analisar-nos e obser
var-nos. Esse ponto focal é, exatamente, a postura do
Espectador.
Perceberemos, então, que em nós existe realmente a
capacidade de "subir" acima do comum, de objetivarmo-
nos e de saber contemplarmo-nos com desapego e impar
cialidade. Perceberemos que o Espectador em nós, de in í
cio silencioso e imóvel, pouco a pouco irá tornar-se fonte
de luz e sabedoria, e, antes de mais nada, instaurará um
conflito e, depois, um "diálogo" com a personalidade, para
tirá-la das suas ilusórias identificações e guiá-la para con
quistas mais reais.
Esse relacionamento dialético entre um pólo superior
e um pólo inferior internos é uma das muitas fases de de
senvolvimento que o homem atravessa em seu caminho pa
ra a autorealização, e é o período necessário de dualismo
que nos ajuda a superar a imersão na matéria e a identifi
cação com a forma.
A meta é recompor a Unidade perdida, encontrar a
totalidade do nosso ser, que "esquecemos", tornando-nos
inconscientes da essência real de nós mesmos.
A dualidade do eu, na realidade, é apenas aparente,
mas assinala uma fase de desenvolvimento indispensável
49
para passar da inconsciência ao despertar da consciência.
O conflito, o atrito, o relacionamento dialético e a desiden
tificação, são as várias etapas da inter-relação entre o eu
pessoal e o Eu espiritual, que acaba por resolver-se na uni-
cidade fundamental do homem.
A dualidade da nossa natureza assemelha-se a uma
crucificação, é uma luta dolorosa que repete em nós, m i
crocosmo, um drama universal que se desenrola também em
nível macrocósmico: a crucificação do Espírito com a
Matéria. Na verdade, a cruz é um símbolo humano e cósmi
co que quer exatamente expressar o encontro de duas ener
gias universais provenientes do Uno, que devem cruzar-se
e depois unificar-se em um ponto central.
Subir à Cruz, como o Cristo, e aceitar o sacrifício do
que é inferior, para fazer brotar o superior, simboliza o su
peramento da dualidade por meio da sublimação e da
transformação da forma, e o encontro da unidade perdida.
50
QUESTIONÁRIO R ELATIVO AO CAPITULO III
1. Sentem-se sempre em harmonia consigo mesmos ou
lhes sucede, às vezes, estar em conflito, como se exis
tissem em suas pessoas duas vontades opostas, mas
igualmente fortes?
2. Sentem, às vezes, como se por trás do seu "e u " co
mum existisse uma outra pessoa, uma outra presença
velada, nebulosa, entretanto viva e real?
3. São capazes de "ver-se" com desapego e imparciali
dade, e de sentir-se "espectadores" de suas pró
prias pessoas?
4. Acontece-lhes, em momentos de emergência ou de ex
trema necessidade, sentir que aflora inprevistamente
dentro de si uma outra presença, um outro "e u", do
tado de força, sabedoria, coragem e lucidez?
5. Em que ocasiões sentem-se em perfeita harmonia com
suas próprias pessoas, com um senso de "unidade de
propósito", como se todas as suas energias, todas as
suas aspirações, convergissem em uma única direção?
6. Pensam saber distinguir a aspiração, a tendência, a
qualidade e a energia, que provêm do eu pessoal, das
que provêm de uma parte mais alta de si mesmos?
7. Quando pensam em seu Eu, sentem-no exterior a si
próprios, como algo a alcançar, ou o sentem profun
damente fechado em si mesmos, como um "q u id "
a evocar e despertar?
8. Acontece-lhes sentir como que "um diálogo" interno
entre um eu limitado e egoístico e um Eu mais am
plo, luminoso e sábio?
51
EXERCÍCIO N9 3
Desidentificação do Corpo Físico
O ESPECTADOR INTERIOR
53
ao plano do relativo; mas poderemos, sobretudo, procurar
fazer com que brote em nós próprios a capacidade de uni
ficação, de integração e de síntese.
A possibilidade de "subir acima do co n flito " está ina
ta em todos os homens, pois, como diz Jung, "psicologi
camente falando, somos, ao mesmo tempo, o vale e o mon
te".
Acontece muitas vezes, realmente, que quando somos
tomados por uma forte emoção, uma perturbação, um so
frimento, sentimos contemporaneamente ao estado emoti
vo, também um outro conhecimento, uma presença, capaz
de observar e objetivar aquele estado de ânimo em parti
cular. Esse outro conhecimento nos parece, estranhamente,
embora sendo imóvel, desapegado e incapaz, estar intervin
do, em um certo sentido, mais real e mais vizinho do nosso
ser verdadeiro, do que a outra parte de nós mesmos, imersa
na agitação, no sofrimento, no conflito.
Se prestássemos mais atenção aos afloramentos súbi
tos e esporádicos de tal centro interior, desapegado e cal
mo, semelhante ao "olho do ciclone", e se o cultivássemos
e reforçássemos com o exercício e a concentração, eles se
tornariam pouco a pouco mais freqüentes, mais contínuos,
mais claros e mais fortes, até se tornarem firmes e estáveis.
Ele é a "testemunha interior", como o chama Sri
Aurobindo, o Espectador silencioso, "sentado sobre o tro
no entre as sobrancelhas", que deve ser evocado, mais cedo
ou mais tarde, para que possamos começar a libertar-nos
da prisão das falsas e ilusórias identificações, que nos fa
zem viver como autômatos, sem luz e sem conhecimentos,
54
arrastados pelas paixões e pelos instintos, eternamente em
conflito entre os dois pólos, débeis e incapazes de romper
o círculo vicioso criado por nós próprios.
Evocar o Espectador interior significa subir acima da
dualidade e assim, encontrar a unidade.
Para chegar a isso é necessário, antes de mais nada,
exercitar-se para a desidentificação e o desapego, requisitos
necessários para encontrar o centro.
A qualidade do desapego é, na realidade, um resulta
do da desidentificação, e implica a liberação dos condicio
namentos, dos hábitos ilusórios criados pelos aspectos infe
riores da personalidade e, sobretudo, implica a compreen
são da sua verdadeira função. Às vezes, os três aspectos, ou
corpos, da personalidade, são chamados "veículos de ex
pressão", e essa definição pode ajudar a compreender a sua
verdadeira função. Realmente, eles deveriam servir para
"expressar os três aspectos correspondentes do Eu: Von
tade, Amor, e Inteligência Criativa" no plano da manifesta
ção. Esse é o seu único e verdadeiro escopo. Ao invés disso,
acontece, devido ao estado de obscuridade e inconsciência
no qual o homem se encontra no início do caminho evolu
tivo, que eles em lugar de "expressarem", escondam, dis
torçam e utilizem de maneira errada as energias espirituais
das quais são os canais e, por isso, a personalidade é con
siderada como a "máscara" e não como o meio de expres
são do verdadeiro Eu. A verdadeira função da personalida
de, composta pelos três veículos, não seria a de alterar,
mascarar, criar obstáculos à nossa real essência, mas a de
torná-la notória, compreensível, útil, no plano humano.
55
De fato, a personalidade não é senão um meio de con
tato, de expressão, de "tradução" em termos humanos e
acessíveis, das nossas energias mais altas. A personalidade,
na verdade, para expressá-lo, o reduz, o adapta, o transfor
ma, tal como faria um transformador elétrico. A consciên
cia do eu, como já dissemos, é identificada com o instru
mento de expressão e com a energia que ele manifesta, e
não com a fonte de tal energia, como seria justo. Esse é o
erro. É preciso assim, que liberemos a consciência do eu
quanto a essa falsa identificação, passando, antes de mais
nada, através da fase da "negação", da desidentificação e,
depois, através da fase na qual está o ponto de apoio, o
centro firme da consciência, sobre o qual podemos colo
car a alavanca. E esse centro é a postura do Espectador.
Vejamos, agora, como é possível atuar praticamente
na fase de desidentificação.
Há várias fases, ou graus, que necessariamente temos
de atravessar para que possamos alcançar a verdadeira desi
dentificação, que consiste na emersão na consciência da
quele centro capaz de objetivar tudo que pertence ao mun
do psíquico, isto é, todas as razões emotivas, movimentos
psíquicos, etc., que são fruto de ilusão, de condicionamen
to, de "falsa consciência".
Essas fases são quatro:
1) Imobilidade interior e relaxamento de todos os
três veículos.
2) Escuta e abertura.
3) Elevação da consciência, liberação da falsa identi
ficação, objetivação.
56
4) Encontro do centro de consciência livre e desape
gado e identificação com ele.
57
mente produz-se uma abertura para um nível de consciên
cia que antes não podíamos perceber, sobrecarregados co
mo estávamos com as mil vozes discordantes das sensa
ções físicas, das emoções e dos pensamentos da mente in
ferior. Realmente, a quietude e o relaxamento interior,
além de servirem para criar uma zona "neutra" de paz, de
imobilidade em cada veículo da personalidade, dão a possi
bilidade de reconhecer e sentir alguma coisa que pode
emergir e fazer-se ouvir apenas no silêncio da persona
lidade.
A paz interior é, de fato, chamada "o silêncio que
ressoa", assim como a nota do Eu é chamada "a Voz do
silêncio", exatamente porque só quando as "vozes" do eu
inferior são postas em silêncio, podemos ouvir a verdadeira
voz, a voz da nossa natureza divina.
Assim, se conseguirmos chegar a um estado de quietu
de subjetiva, espontaneamente alcançaremos uma postura
de escuta, de receptividade, postura que constitui o segun
do degrau para a evocação da consciência do Espectador
interior.
3) Estando assim no silêncio e na quietude, pouco a
pouco, espontaneamente, o nível da nossa consciência se
elevará, já que por uma inata lei interior, "a luz gira por lei
própria, se não se interrompe seu estado habitual", como
diz o Mestre Lu-Tzu. Em outras palavras, bastaria tirar os
obstáculos, as falsas identificações, as ilusões, para fazer a
realidade emergir, a realidade que está sempre presente
dentro de nós, não-ouvida, não-reconhecida e sufocada pe
la nossa inconsciência.
58
De tal modo, sem que nos demos conta, tudo com
que antes nos identificávamos e que nos parecia tão impor
tante e real, irá parecer-nos relativo, não-essencial e carente
de autêntico valor.
Perceberemos que os nossos sentimentos, as nossas
emoções, os nossos desejos eram, na realidade, "hábitos
automáticos", que as nossas opiniões intelectuais eram
"condicionamentos mentais" e que mesmo alguns dos nos
sos ideais estavam baseados em iluões. . .
Todavia, esse reconhecimento não nos fará cair em es
tado de depressão e tristeza, mas dar-nos-á um senso de li
berdade, força, lucidez, pois no mesmo momento em que
tomba a "falsa consciência" e nos desidentificamos com o
seu conteúdo, começa a emergir alguma outra coisa, um
centro de conhecimento novo e luminoso que, embora não
sendo plenamente compreendido, é capaz de olhar com
desapego e objetividade as reações dos veículos pessoais e
permanecer lúcido, sereno e calmo.
4) Essa fase é aqule na qual conseguimos reencontrar,
a cada vez em que o quisermos, o centro de consciência li
vre e desapegado: a postura do Espectador, completamente
desidentificado das energias pessoais, nosso auxiliar inte
rior nos momentos de necessidade e de emergência, que
nos dá a capacidade de observar-nos, de não cairmos de no
vo nas ilusões e nos condicionamentos, que nos faz sentir
serenos e calmos mesmo em meio a provações e a bata
lhas mais árduas, que nos leva a superar o medo, a descon
fiança e a dúvida, que nos dá capacidade para resolver
qualquer problema, superando-o, pois ele é como o vértice
59
de um triângulo cuja base é formada pela linha que reúne
os dois pólos da natureza dual humana.
Ter a capacidade de evocar a consciência do Especta
dor em nós, quando necessitamos, representa um degrau
importante no caminho evolutivo, e é uma meta que deve
mos, com todos os esforços e treinamentos, tentar alcan
çar, se quisermos realizar nossa verdadeira natureza e de
senvolver a consciência do Eu.
Neste ponto é preciso sublinhar uma verdade impor
tante que muitos aspirantes, em boa fé, ignoram, ou que
rem ignorar: nada se consegue sem esforço, sem treinamen
to, sem aplicação da vontade, é uma ilusão crer que basta
a aspiração sincera para obter realização interior, seja ela
qual for.
Diz Sri Aurobindo que o esforço pessoal é indispen
sável de início. Eis suas palavras: "é preciso começar com
um esforço de superação de si próprio, que permita ao me
nos um contato com o D ivin o ... até que o contato com o
Divino não esteja estabelecido em certo grau, enquanto
não exista uma certa identidade e continuidade, o esforço
pessoal deverá normalmente prevalecer". (De La sintesi
detlo yoga, vol. I* pp. 57, 58.)
Assim não nos podemos eximir de passar através de
um período de disciplina e de treinamento voluntário, por
que é necessária a vontade de "captar as energias do egoís
mo e voltá-las para a luz e a verdade", para inverter a dire
ção que elas erradamente seguiram por tanto tempo, para
romper o automatismo incônscio e os hábitos falsos e ilu
sórios.
60
0 primeiro passo, como já foi dito, é a liberação da
consciência das falsas identificações, a desidentifica
ção e o encontro de um centro de consciência livre, calmo
e desapegado, mensageiro do Eu, sua "testemunha" (como
o chama Sri Aurobindo), que pouco a pouco nos levará pa
ra uma revelação ulterior e mais alta.
Assim, devemos exercitar-nos com paciência e perse
verança para a desidentificação, usando todas as práticas
para favorecê-la. Assinalamos, no capítulo precedente, a
prática do exame noturno, muito útil para tal fim. Ele de
veria ser feito diariamente, com constância, para que pro
duzisse efeitos sensíveis. Além disso, deveremos praticar, a
cada manhã, o exercício de desidentificação dos veículos
pessoais, que produzirá lentamente uma reorientação das
nossas energias e a colocação do foco do nosso eu sempre
mais para o alto e para o interior, por assim dizer, e assim
sempre mais perto da realidade da nossa natureza, que é o
Eu.
61
QUESTIONÁRIO RELATIVO AOCAPlTULO IV
62
EXERCÍCIO N9‘4
Desidentificação do Corpo Emotivo
63
Capítulo V
65
Examinemos agora, antes de mais nada, o obstáculo
do desencorajamento e procuremos compreender de onde
ele se origina.
As pessoas que aspiram a auto-realizar-se poderiam ser
divididas em duas categorias principais:
1) As que iniciam o caminho com grande ímpeto e
vivo entusiasmo sem, porém, avaliar plenamente o alcance
da tarefa a que se propuseram, e sem uma bagagem adequa
da de conhecimento e de força de vontade. Essas pessoas
são as emotivas.
Sinceras e fervorosas em sua aspiração, todavia se
desiludem com facilidade e se desencorajam diante das di
ficuldades, pois não são aguerridas para superá-las.
2) As que são impelidas, com ou sem conhecimento
disso, por um móvel não completamente puro, isto é, o da
ambição ou do desejo de auto-afirmar-se, ao invés de se
rem movidas pela aspiração autêntica e espontânea de en
contrar o centro de si mesmas e a verdadeira consciência.
Os que pertencem a essas duas categorias dificilmen
te poderão alcançar a meta, e são condenados ao fracasso,
a menos que tomem consciência da errônea colocação de
sua busca interior.
Quem quer realmente alcançar a realização do Eu e
depertar efetivamente a consciência verdadeira, deve estar
muito atento e não se deixar passar para uma ou outra das
posturas acima descritas, e deve colocar-se continuamente
em guarda para vigiar o próprio móvel, a própria aspiração,
cultivando, sobretudo, o justo senso das proporções, a fim
de poder, sensatamente, avaliar, seja a meta a alcançar, se
66
jam os meios de que dispõe para conquistá-la.
O fracasso e a desilusão derivam exatamente de não se
saber reconhecer as próprias e reais possibilidades, de não
saber prever as dificuldades e os obstáculos eventuais, e
também de não saber descobrir quais são os vários degraus
que devem ser forçosamente superados antes de alcançar
a meta.
Essa postura sábia, equilibrada e conhecedora não di
minui a força da aspiração, antes a torna mais eficaz e mais
iluminada e é a prova evidente da efetiva maturidade inte
rior, única a tornar o aspirante pronto a iniciar o caminho
árduo, mas luminoso, do desenvolvimento da consciência.
0 general previdente e sensato faz planos antes de ini
ciar a batalha, e com agudo e prudente poder de previsão
imagina os perigos, as dificuldades, os ardis contra os quais
deverá combater, e não se abandona à ilusão de uma fácil
vitória.
Assim nós, antes de nos predispormos à tarefa da
transformação das energias da nossa personalidade em
consciência, obra que tem seus momentos de luta, de peri
gos e de crises, devemos saber conjecturar quais serão as
várias fases desse trabalho, dessa verdadeira batalha, repleta
de obstáculos, de insfdias e de ilusões, que requerem cora
gem, força e firmeza interior.
Como Arjuna no Bhagavad-Gita deve combater em sua
batalha simbólica contra seus próprios consangu íneos, as
sim o aspirante, se quiser alcançar a realização do verdadei
ro Eu, deve combater as forças da personalidade, que, es
tabilizadas que estão sobre uma vibração inferior, mos
67
tram-se inimigas e hostis.
E, com estas palavras, viemos a falar dos obstáculos
internos que se interpõem entre a nossa aspiração e a
meta.
Dissemos que as forças da personalidade se estabi
lizaram sobre uma vibração inferior.
Que querem dizer, exatamente, essas palavras?
Querem dizer que as energias que compõem os três
veículos da personalidade tomaram o "hábito" de vibrar
segundo um certo comprimento de onda, pois a consci
ência ainda não estando desperta, elas reagem automati
camente aos estímulos que recebem do exterior.
Já tivemos ocasião de dizer que, na realidade, a
personalidade é constituída de um conjunto de auto
matismos e de condicionamentos que muito dificilmente
são superados. Quando tentamos nos desidentificar dos
veículos pessoais e nos concentramos na postura do
Espectador, somos, de início, impotentes contra esses
automatismos e é muito duro interrompê-los para levá-los
a mudar de direção, pela simples razão de que sua meca-
nicidade tem origem no incônscio.
Os principais obstáculos internos são, assim, cria
dos exatamente por essa resistência que as energias dos
veículos inferiores opõem, habituadas que estão a se
guir um certo ritmo condicionado, ritmo que podería
mos chamar "involutivo", e que é, portanto, o que está
em oposição à consciência em caminho do despertar,
consciência que, ao invés disso, tem um ritmo "evo
lutivo".
68
Isso produz o que Sri Aurobindo chama "confu
são funcional", isto é, a incapacidade de utilizar os veí
culos pessoais segundo sua verdadeira função, seguindo-se
daí erros, conflitos e sofrimento.
A esta altura uma pergunta vem, espontânea: "Como
pode ser produzida essa cisão, esse dualismo se, na reali
dade, tudo é composto pela mesma substância, pela
mesma energia e se, realmente, por trás da diversidade
está a Vida Una?"
Espírito e Matéria, dizem as doutrinas esotéricas,
são uma coisa só, todavia se emparelham separadas e
opostas. Por quê?
Porque, embora sendo Espírito e Matéria dois as
pectos do Uno, esses aspectos são diferentes, como o
podem ser os dois pólos de um magneto: ativo um deles,
passivo o outro. De fato, o Absoluto é " . . . ao mesmo
tempo ativo e passivo, pura essência do Espírito no estado
absoluto de repouso, pura matéria no estado finito e
condicionado". (Do Lettere dei Mahatmas, lettera XI.)
Portanto, Espírito e Matéria, são os dois pólos do
Uno manifestado mas, embora sendo ambos eternos,
sem princípio, embora sendo ambos energia, vida, têm
em si uma distinção e essa distinção está no aspecto.
O aspecto do Espírito é a imobilidade, a calma, o repouso,
pois Ele vibra numa velocidade tão alta que chega a parecer
em absoluta quietude, enquanto o aspecto da Matéria
é vibrante a uma velocidade diferente e muito mais lenta
criando, assim, diversos níveis ou planos e diversas formas,
que estão em contínuo movimento e transformação.
69
Voltando agora aos veículos da personalidade pode
mos constatar e ver que, embora sendo também eles
compostos de energias e, assim, da mesma "substância"
do Espírito, são considerados "matéria", já que vibram
a uma velocidade lenta e baixa.
Não devemos procurar erguer as vibrações da per
sonalidade mas sim levá-la a "sintonizar" com as vibra
ções do Eu, que representa o pólo positivo do homem e,
assim, o aspecto Espírito.
é necessário abrir, agora, um breve parêntese para
assinalar as implicações que derivam do fato de que as
energias dos veículos pessoais vibram em um baixo nível.
Além da "confusão funcional" de que já falamos,
a vibração baixa produz aquilo que chamamos erro, mal,
qualidade negativa.. .
De qualquer maneira, a realidade é que essa mes
ma energia que em baixo nível se manifesta como "qua
lidade negativa", se é levada a uma freqüência vibratória
mais alta transforma-se em qualidade positiva. Essa é
uma lei.
Por exemplo: a combatividade, a ira, a agressividade
se forem sublimadas tornam-se força, poder, vontade,
em nível espiritual. O criticismo transforma-se em dis
cernimento. 0 amor egoístico transmuta-se em Amor
Universal, e assim por diante.
O segredo da transmutação e das sublimações das
energias está oculto exatamente nesta verdade: cada
aspecto negativo do homem é, precisamente, o avesso
de um aspecto positivo, é aquilo que Sri Aurobindo
70
chama "a metade escura da Verdade". Se vemos os nossos
defeitos sob esse ponto de vista, o mal que está em nós
já não nos parecerá insuperável, mas esses defeitos pare
cerão conter em si mesmos a chave para serem transfor
mados em aspectos positivos e para se tornarem "degraus"
para subir.
Os antigos alquimistas afirmando que "no alto
como embaixo, embaixo como no alto", demonstravam
ter intuído a existência de uma unidade substancial de
tudo, unidade que, entretanto, deve ser descoberta e
levada a manifestar-se e a ser, de uma certa maneira,
recriada por meio das transformações da matéria.
O símbolo dos alquimistas era o "ouroboros", istoé,
a serpente que morde a própria cauda.
71
um círculo no qual princípio e fim se tocam, pois repre
sentam os dois pólos da realidade, que derivam da mesma
fonte. Diz Jung: "Os alquimistas não fizeram senão repe
tir que o "opus" surge de uma coisa e reconduz nova
mente ao Uno e que, portanto, em certo sentido, é um
circuito, como um dragão que morde a própria cauda".
(De Psicologia e Alquimia, p. 320.)
Eis, pois, confirmada a necessidade da purificação
e da sublimação das substâncias que compõem a perso
nalidade, que sempre estiveram aconselhadas por todas
as escolas iniciáticas através dos tempos, e que não consis
tem em um árido e duro ascetismo ou em uma repressão
dos instintos e das exigências da personalidade, mas em
reconhecimento primeiro da verdadeira natureza das
energias que estão em nós, depois em uma reorientação
e uma canalização delas em direção da origem de que
vieram.
Diz Sri Aurobindo: "Cada parte da nossa natureza
não tem como escopo final algo que seja totalmente
estranho e de que derive a necessidade da sua extinção,
mas algo de supremo e no qual transcende e encontra
o seu próprio absolutismo, o seu infinito e a sua harmo
nia, para além de todo o limite humano". (De La sintese
de!Io yoga, II, p. 14.)
O obstáculo principal é assim manter separado
o que na realidade é unido na igualdade da origem, é
querer ignorar essa igualdade e não saber encontrar a
ponte para superar a divisão, a cisão que se criou em
nós.
72
"A divisão. .. a consciência imperfeita, o proceder
às apalpadelas, a luta de um eu afirmando-se separada
mente, são a causa efetiva da ignorância, do sofrimento
deste mundo." (Sri Aurobindo: L'enigma dei mondo.)
A separação é o verdadeiro mal, é quem cria o egoís
mo, fonte de todos os erros e de todos os conflitos, e
não é por acaso que a palavra "diabo" (que deriva do
grego dia-ballo) significa, na realidade, "o que divide,
o que separa".
A única fonte de dor, de obscuridade, de ilusão
é o distanciamento, a separação do Uno, a grande heresia,
e é o manter em vida, com obstinação e pertinácia, essa
heresia, voltando as costas à Luz do Espírito que está
em nós, que é parte de nós. Pois é isso que acontece ao
homem que, imerso na sua inconsciência, construiu um
"eu" separado e ilusório e se aferra a ele com todas as
suas forças, resistindo e rebelando-se contra a sua própria
realidade espiritual e eterna.
Como podemos, pois, superar esse obstáculo básico,
do qual todos os outros derivam?
Por que não são suficientes, como dissemos, apenas
a vontade e a aspiração?
Se nos dermos conta de que o obstáculo acima
descrito foi provocado pelo nosso estado de inconsciência
e de obscuridade, que o transformou em um condiciona
mento, em um automatismo incônscio, poderemos bem
compreender o quanto é difícil, com efeito, libertar-nos
dele, dissolvê-lo, usando meios tais como a vontade cons
ciente ou a aspiração, porque esses são meios que atuam
73
do exterior e não alcançam a profundidade.
. . cada automatismo reage por si mesmo contra
a modificação que a vontade procura levar à direção
que ele imprime à vida; a inércia que é necessário suplantar
para estabelecê-la continua nele, e o mantém". (Chevrier:
D ottrina occu/ta, p. 25.)
é , portanto, a força da inércia (que é (Visita em todas
as substâncias) que se opõe ao esforço de superar um
hábito, um automatismo e que constitui uma resistência
insuperável, é uma lei da natureza.
é necessário, portanto, proceder de outra maneira,
não diretamente, mas indiretamente, com um trabalho
interior, lento e gradual, de maturação da consciência
que, pouco a pouco, conseguirá desatar, por assim dizer,
aquele condicionamento, e liberar as energias que são
absorvidas por ele, dirigindo-as para a direção certa.
"O Upanishad nos diz que o "existente em si" dispôs
as portas da Alma de tal modo que só podem abrir-se
do interior para o exterior. . ." (Sri Aurobindo: La sintese
deito yoga, II, p. 24.)
Que querem dizer essas palavras?
Querem dizer que para alcançar a verdadeira cons
ciência não se pode começar do externo, com uma de
cisão racional ou volitiva, mas do interno, com um tra
balho de interiorização, que tem início com a observa
ção de si, com a desidentificação do mundo psíquico
e que depois continua com a liberação dos seus condi
cionamentos, até levar a emergir o "centro de consciên
cia", que é o reflexo do verdadeiro Eu, do Eu divino em
74
nós. Somente então supera-se a divisão, a dualidade e as
energias pessoais recuperam a sua exata função.
"Se descobrirmos esse Divino dentro de nós, se
chegarmos a reconhecer-nos Nele, na Sua essência, no
Seu ser, teremos encontrado a porta da liberação. . ."
(Sri Aurobindo.)
é necessário, pois, um perfodo de preparação que
se inicia com a auto-análise para reconhecer a existência
dos obstáculos e que nos leva a uma interiorização gradual
e sempre mais consciente, e depois a um segundo período
de efetiva purificação e transformação das substâncias
que compõem nossos veículos pessoais para, antes de
mais nada, produzir uma reorientação e depois uma
transformação e, de tal maneira haverá uma sintonização
das energias inferiores com as energias superiores do Eu,
que a cisão e a separação interiores desaparecerão.
Essa é a verdadeira ioga, a união dos dois pólos por
meio da ponte interior da consciência.
75
QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPfTULO V
76
EXERCfCIOS N9 5
Desidentificação da Mente
77
Capítulo VI
RESULTADOS DA DESIDENTIFICAÇÃO
79
cimento da unidade fundamental de todas as coisas.
Realmente a desidentificação, sendo essencialmente
liberação da falsa consciência e superação dos erros fun
cionais dos veículos, produz a emersão da “ verdadeira"
consciência, que representa o "F ilh o ", partícipe, ao
mesmo tempo, da natureza do Pai-Espírito Santo e da
Mao-Matéria, sendo, assim, capaz de reunir em si os dois
aspectos. Portanto, o primeiro resultado efetivo produ
zido pela desidentificação é o despertar da exigência de
um equilíbrio que gradualmente pode transformar-se
em simultaneidade e adesão completas.
De início não é fácil alcançar tal equilíbrio, mas
há contínua oscilação entre os dois pólos representados
pela personalidade de um lado e o Eu de outro lado,
e alternam-se períodos de imersão no mundo exterior
e períodos de retiro e de busca interior. A obtenção
da postura do Espectador é que dá a capacidade de nos
mantermos firmes no centro e assim podermos chegar
a um equilíbrio harmônico entre a vida interior e a vida
exterior. "A ação na inação e a inação na ação", como
se diz no Bhagavad-Gita, é a faculdade do discípulo que
conseguiu o desapego e a desidentificação e cuja cons
ciência está sempre instalada "no local onde está o Espec
tador silencioso".
Na prática nem sempre é fácil conservar a focaliza-
ção naquele nível, e só em raros momentos conseguimos
nos sentir espectadores e subir acima da dualidade e do
conflito. Esses raros momentos, todavia, são preciosos,
porque nos dão a certeza de que aquela obtenção é possí
80
vel e, sobretudo, nos dão estímulo para procurar reprodu-
zi-los em nossa consciência. As experiências interiores têm
isso em particular: são criativas e dinâmicas, isto é, não per
manecem apenas em si mesmas, mas produzem um movi
mento, mesmo inicial que seja, das energias psíquicas para
a direção que se lhes imprima e, de tal modo os resultados
posteriores tornam-se surpreendentemente mais fáceis,
mais freqüentes, mais estáveis.
Um outro efeito da obtenção da desidentificação é o
desenvolvimento do discernimento, qualidade profunda
mente esotérica e que é definida como "a capacidade de
distinguir entre o real e o irreal".
é preciso que se tenha bem claro em mente o que se
entende por Real e o que se entende por irreal, para não se
recair no senso de dualismo que, pelo contrário, procura
mos superar.
Com efeito, tudo quanto existe, em qualquer nível,
do mais alto ao mais baixo, é real, enquanto feito da única
substância, da única vida que invade todo o cosmo. Exis
te um "continuum" de consciência-vida em vários graus
de manifestação e, assim, vários graus de realidade. Irreal
é, às vezes, nossa interpretação errônea, a visão limitada e
alterada, o erro das funções, e é irreal o não compreender
que os meios com os quais procuramos conhecer a Reali
dade são ilusórios e relativos.
Por exemplo: o mundo físico não é irreal, mas é irreal
crer que ele seja "tudo", que seja absoluto e que não tenha
outro significado, ou outro escopo atrás da forma daquilo
que experimentamos com os nossos sentidos físicos.
81
é irreal interpretar os acontecimentos sem estabele
cer-lhes o vínculo com as leis universais e divinas que os
produziram. É irreal ver apenas a aparência e não a energia
que está por trás dela. é irreal dar crédito aos nossos dese
jos egoísticos e às nossas emoções pessoais, é irreal fechar-
se numa idéia e fazer dela um absoluto, é irreal separar a
parte do Todo, criar divisões, cisões e ser incapaz de unir e
ligar, é irreal ter confiança completa em nossa mente con
creta e nas suas elocubrações.
O discernimento, portanto, ajuda-nos a compreender
quando estamos dando uma falsa interpretação aos fatos,
quando estamos fazendo absoluto o relativo e nos ajuda a
alargar nossa visão, a conquistar a capacidade de síntese,
além da capacidade de análise, e nos faz reconhecer que os
nossos sentidos e a nossa mente não bastam para que co
nheçamos a Realidade, mas que devemos desenvolver
outras faculdades e outras potencialidades latentes para al
cançar a descoberta da verdade.
O discernimento é semelhante à sabedoria e à intuição
ou, melhor, prepara o caminho para o desenvolvimento da
sabedoria e da intuição, pois, à proporção que tentamos
desenvolvê-lo, ele purifica e sublima as energias mentais e
nos leva a passar do intelecto para a intuição.
Não pode haver a postura do Espectador sem discerni
mento, mesmo porque tal qualidade, de início, baseia-se na
objetividade e na impessoalidade. Na verdade, não pode ha
ver capacidade de distinguir e discriminar se não se sobe
acima das emoções e do personalismo e se não se afasta o
eu inferior egoístico.
82
Os resultados principais da desidentificação, portanto,
são:
1 — o equilíbrio entre a vida interior e a vida exterior;
2 — o discernimento entre o Real e o Irreal.
Esses resultados são, por assim dizer, conseqüências,
isto é, indiretos. Em outras palavras, eles surgem como
efeito natural e espontâneo da maturidade interior e da ele
vação da consciência produzida pela desidentificação, qua
se a demonstrar-nos que a liberação dos vínculos com a fal
sa identificação faz brotar em nossa consciência a luz, a sa
bedoria, e a energia do Divino, porque Ele já está em nós,
e é apenas a nossa inconsciência que o sufoca e oculta. Eis
por que se diz que "conhecer é recordar", é tomar cons
ciência do que já está em nós.
é necessário dizer, porém, que exatamente porque a
Realidade se manifesta em vários níveis de consciência, não
poderíamos reconhecé-la toda no mesmo instante, mas por
graus e por sucessivas iluminações, como se percorrêssemos
um caminho simbólico de despertar gradual, até chegarmos
à iluminação completa e à visão global.
é como se dentro de nós existisse uma escada para su
bir, um cimo a alcançar, que é o vértice da nossa consciên
cia individual. Talvez a sensação de "subida" seja apenas
ilusória, porque, com efeito, não existe um "a lto " e um
"b aixo " na dimensão psíquica, mas essa sensação é um
símbolo que ajuda a consciência a elevar-se como vibração.
Eis por que o contato com o Superconsciente, os
átomos de auto-realização e de iluminação chamam-se, na
83
escola psicológica de Maslow1, “ experiências dos cimos"
(peak experiences), exatamente porque a sensação de "su
bida" é comum a todos os que conseguiram alcançar,
ainda que só esporadicamente, uma consciência mais
completa e mais autêntica do que a comum.
Existem, assim, realmente, diversos planos, ou níveis
de consciência, diversos graus de realidade (como também
afirma Sri Aurobindo) que se revelam sucessivamente aos
que procuram o conhecimento e a realização do seu Eu
Divino.
A desidentificação do corpo físico e dos outros veí
culos pessoais leva a constatar, por experiência direta, essa
"subida interio r", através dos vários graus de consciência,
subida que conduz ao cimo da montanha de onde nos é re
velada a "presença" de um centro de conhecimento novo,
sereno, luminoso, imóvel, no qual nos reconhecemos.
Esse encontro do Espectador silencioso e desapegado
que está dentro de nós, não é só um fato psicológico, uma
forma sagaz de encontrar a calma, o autocontrole, a força
interior para enfrentar as provas da vida, mas uma realiza
ção efetiva, que traz como conseqüência uma maturidade,
84
senão a sintonia vibratória entre a personalidade e a Alma,
chamada "continuidade de consciência".
A continuidade de consciência é uma obtenção final,
o resultado das graduais e sucessivas ampliações da visão,
mas é a meta para a qual todos nos estamos movendo.
O primeiro passo para a continuidade de consciência
é, portanto, o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida espi
ritual e a conquista da faculdade de discernimento entre o
Real e o irreal, como já dissemos.
As fases sucessivas nos conduzem gradualmente à in
clusão, em nossa consciência comum, dos outros níveis de
realidade e percebemos, então, que "sem o conhecimento
dos outros graus da realidade, o nosso conhecimento do
mundo humano comum permanece tão incompleto e falso
como o seria o estudo do mundo físico sem o conhecimen
to das moléculas, dos átomos e partículas. Não se com
preende nada enquanto não se compreende tudo. (Sat
prem: L'avventura delia coscienza, p. 127.)
é necessário chegar a essa unificação dos vários níveis
de consciência, e harmonizá-los entre si, criando uma pon
te interior que os ligue, a fim de que sejam superadas as ci-
sões e a inconsciência que os dividem.
A desidentificação é o primeiro passo para essa u n ifi
cação, porque nos oferece o ponto de apoio, o centro sóli
do e firme, do qual podemos operar e efetuar, assim, a sín
tese e a harmonização.
Devemos aprender a conhecer esses outros níveis de
consciência e há vários métodos que podem ajudar-nos nes
se conhecimento. Um desses métodos é o sono, isto é,
85
um desenvolvimento da consciência e, sobretudo, a certeza
de que existe uma Realidade que se pode alcançar agora
mesmo, enquanto ainda estamos no corpo físico. Muitos
acreditam, de fato, que só depois da morte é possível ter
experiência das outras dimensões e dos outros planos de
vida. Ao contrário, podemos também em vida constatar a
existência desses outros planos, sem deixarmos o invólucro
material. Assim se manifesta aquela "contemporaneidade"
de conhecimento, aquele perfeito alinhamento, que não é
"fazer do sono um campo de experiência e um período de
vida consciente nos planos interiores da realidade".
Por esse motivo devemos procurar compreender o ver
dadeiro mecanismo sono-vigília, e dedicaremos portanto a
esse importante assunto o próximo capítulo.
86
QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPITULO VI
87
9. Como efeito da desidentificação conseguem "desper-
sonalizar-se" diante dos seus problemas e dos proble
mas alheios?
10. Saberiam dizer por que e de que modo a desidentifi
cação leva, paulatinamente, à continuidade de cons
ciência?
11. O que é a "continuidade de consciência"?
88
EXERCÍCIO N9 6
A uto-fíeconhecimento
89
Capítulo VII
CONTINUIDADE DE CONSCIÊNCIA
91
rio, isto é, adquirido. Basta observar os organismos infe
riores e a vida infantil e pré-natal do homem, para perceber
que o estado de sono prevalece diante do estado de vigília.
Quase seria possível dizer que o homem deva aprender a
estar acordado, e que o estado de vigília representa uma
conquista, devida à passagem gradual da inconsciência à
consciência, entendida, nesse caso, como conhecimento,
lucidez e capacidade de registrar mentalmente as sensações,
as impressões, os estímulos que vêm do mundo subjetivo, e
como faculdade de distinguir entre o eu e o não-eu. ê
justamente com a emersão da autoconsciência que os pe
ríodos de vigília se vão fazendo sempre mais longos e che
ga-se ao equilíbrio entre o sono e a vigília.
é preciso, assim, considerar sono e vigília como duas
fases da vida que se vêm diferenciando e afastando, desde
um primitivo estado indiferenciado, no qual, por exemplo,
estão imersos alguns organismos inferiores, dos quais seria
impossível dizer se estão acordados ou adormecidos.
O estado de vigília é, portanto, muito importante,
embora, como veremos, nos limite, nos constrinja no res
trito espaço de conhecimento consentido pelo nosso cére
bro físico, fechando-nos o contato da consciência com os
outros graus da realidade, é importante porque, não obs
tante tudo quanto foi dito, é exatamente no período de
vigília que nasce, forma-se e cresce a capacidade de ser
consciente e, pouco a pouco, se chega à realização do Eu.
é o contato com a realidade externa, é a limitação,
que produzem o desenvolvimento da consciência. Isso não
devemos esquecer.
92
0 despertar é exatamente o obstáculo criado pelo
nosso corpo físico, a identificação com ele e o contraste
com as outras formas que, pouco a pouco, nos leva a emer
gir de um estado de identidade inconsciente com todas as
coisas, e que determinam o fechamento no invólucro do
nosso “ eu", que será a matriz para a evolução da consciên
cia.
Durante o sono o eu se ofusca, tomba na inconsciên
cia e nós nos libertamos da identificação com o corpo físi
co e podemos entrar em contato com os outros níveis de
vida que existem nas dimensões hiperf ísicas.
Portanto, as duas fases da nossa vida, a vigília e o so
no, têm duas funções diversas, mas igualmente importan
tes: uma nos leva a fazer a experiência do mundo objetivo
e nos dá a oportunidade de nos tornarmos sempre mais
"conscientes"; a outra nos permite voltar a um estado de
liberdade, de desinibição e de nos sobrepormos às nascen
tes da nossa natureza primigênia.
No grau evolutivo em que a maior parte dos homens
se encontra, portanto, a queda na aparente inconsciência
do sono não só é inevitável masé necessária, porque repre
senta o retiro para o outro pólo da nossa natureza e o atin
gir energias no fundo vital e autêntico do nosso ser pro
fundo.
Estamos ainda imersos na dualidade que, apesar de
ilusória e temporária, é necessária ao nosso desenvolvimen
to. Assim, oscilamos continuamente de um pólo a outro,
rítmica e ciclicamente: vigília e sono, extroversão e intro
versão, consciência e inconsciência. .. Para chegar à conti
93
nuidade de consciência, isto é, a nos libertarmos da necessi
dade dessa oscilação, dessa polaridade, deveremos estar
sempre conscientes do elemento transcendente que está em
nós, o Eu, que é a síntese dos contrários e a perfeita totali
dade. No nível em que se encontra a maior parte dentre
nós, é indispensável a imersão do sono, ciclicamente alter
nando-se à emersão na vigília, pois que no sono o outro
aspecto da nossa natureza liberta-se da presença condicio-
nante e inibidora do eu consciente, da mente racional e se
expande e regenera. Tomamos contato e vivemos nas cama
das incônscias do nosso ser quando dormimos, e já que
essas camadas incluem também o Supraconsciente onde se
equilibra a "consciência incônscia" do Eu, é possível tam
bém atingir a sua luz, a sua força, a sua Sabedoria, que du
rante o dia, enquanto estamos limitados pelo nosso cérebro
físico, não podemos perceber.
Quando está acordado, "o homem é prisioneiro das di
mensões do seu corpo, constrangido na dimensão da sua
psique, mas na dimensão do seu "noos" (onde se encontra
quando dorme) ele é livre" (Joseph Fabry: Introduzione
alia logoterapia, p. 27.)
Também Sri Aurobindo afirma que a verdadeira e
mais profunda razão do sono é a de consentir que tenha
mos contato com a nascente interior, e é por isso que o so
no, quando é profundo e calmo, retempera e restitui força
e vitalidade ao homem.
é de fato surpreendente a propriedade regeneradora
do sono normal, não sendo comparável a nenhuma outra
forma de repouso. Constatamos continuamente esse poder
94
reparador do sono, mesmo quando dormimos por um bre
ve período. Poucos minutos de "sono verdadeiro" restau
ram m uito mais do que um longo repouso em vigília. E isso
acontece exatamente porque o sono nos permite uma imer
são em dimensão diferente de consciência, que é aquela,
vivificante e energética, da nossa natureza mais profunda e
real, onde residem as fontes da própria vida. Também Jung
diz que quem sabe pôr-se em contato com o incônscio,
atinge uma nascente de juventude e vitalidade perenes, en
quanto aqueles que se fecham a ele, produzem para si pró
prios, uma contratura psíquica que suscita muitos distúr
bios e mal-estares, entre os quais astenia profunda e sensa
ção de desvitalização.
O sono, todavia, não é apenas um período de repou
so e de retiro para o outro pólo da nossa natureza; é algo
de muito mais importante e complexo. Ele é uma verdadei
ra e apropriada fase em nossa vida, que se repete ciclica
mente e que pode dar-nos a prova da existência dos outros
planos da realidade, que não podemos perceber durante o
estado de vigília. Quando estamos acordados, realmente, o
nosso campo de consciência é m uito limitado, é apenas
uma parte da consciência total. Existem, como já dissemos,
muitos outros níveis de conhecimento que não penetram
na nossa consciência comum.
0 que limita a nossa capacidade de consciência?
Quando estamos acordados, a nossa limitação depen
de, em grande parte, da identificação da consciência com
o cérebro físico, que está em situação de responder apenas
a vibrações de um determinado nível, pelo próprio fato de
95
ser composto de matéria física ainda não refinada. Sabe
mos, realmente, que também a matéria evolui e se purifica
à proporção que o homem progride no caminho espiritual.
Quanto mais evoluída é uma pessoa, portanto, tanto mais
sfeu cérebro físico se torna puro, refinado e receptivo às vi
brações mais altas. Todavia, há sempre um desnível entre a
vibração da matéria física e as vibrações não só do Eu, mas
também dos veículos sutis e isso depende, em parte, da
própria natureza da matéria, que tem um ritmo vibratório
mais lento, e em parte da inércia ínsita que retarda e delon
ga a sua evolução em relação à daqueles outros corpos su
tis. Em outras palavras, o progresso, a evolução da matéria
física tem um ritmo mais lento e retardado do que o da
evolução interior da consciência e, por issso, essa consciên
cia, embora sendo "espírito em sua mais baixa vibração",
constitui um obstáculo e uma limitação.
é o cérebro físico, pois, que na maior parte dos casos
limita o campo do conhecimento, e impede o homem de
conhecer a extensão real da sua consciência. Pode aconte
cer, às vezes, que um indivíduo já tenha alcançado um grau
evolutivo bastante avançado, e assim um certo grau de
consciência relativamente elevado, nos planos sutis, mas
não pode "registrar" e perceber, em sua consciência da vi
gília (isto é, a que se expressa por intermédio do cérebro
físico), as experiências e os estados em que vive durante o
sono, quando se retira para seus veículos hiperfísicos. Em
outras palavras, há uma cisão dentro dele no campo da
consciência. Não há, portanto, aquilo que se chama "con
tinuidade de consciência".
Durante o sono é a vida onírica que se revela e faz
surgir o grau de consciência alcançado pelos veículos sutis.
Eis por que é importante saber compreender e saber anali-
sar os sonhos.
Infelizmente, porém, acontece com freqüência que
não conseguimos trazer a lembrança dos sonhos tidos para
a consciência da vigília e também nesse caso é o peso da
matéria de que é composto o cérebro físico que, quase
sempre, cria o obstáculo. Há muitas pessoas convencidas de
que jamais sonham, porque a cisão entre a consciência du
rante o sono e os sonhos e a da vigília, é constante nelas. É
observado, como também a ciência assinalou, que todos
indistintamente sonhamos, ao menos durante duas horas a
cada noite.
Como, pois, podemos superar essa cisão e tornar nos
so cérebro físico mais capaz de registrar a consciência dos
outros planos da realidade?
Como podemos conseguir a "continuidade de cons
ciência", seja durante o período de vigília, seja durante o
sono?
Antes de mais nada é preciso ter a convicção de que
existem "outros graus de realidade" e, portanto, outros es*
tados de consciência, e admitir que o nosso "eu" conscien
te é limitado e muitas vezes falso e inautêntico. Além dis
so, devemos procurar, com todos os métodos e meios,
constatar com a experiência direta a realidade dos outros
níveis de vida e consciência. A possibilidade dessa constata
ção direta nos é oferecida, em primeiro lugar, pela vida que
desenvolvemos durante o sono,e que é registrada nossonhos.
97
A questão é, portanto, conseguir recordar os sonhos.
O primeiro passo para a superação da cisão que nos
impede de levar à memória da vigília a recordação da vida
onírica, é aprender a adormecer de maneira justa, e saber
entrar na dimensão hiperfísica do modo mais apropriado.
Adormecer de maneira justa significa, antes de tudo,
"preparar-se" para o sono, procurando elevar as vibrações
da nossa consciência antes de nos deixarmos levar para o
estado de repouso e inconsciência que precede o sono,
cuidando de que em nós se estabeleça uma condição de cal
ma, de paz, de relaxamento e de desapego interno das emo
ções e das preocupações tidas durante o dia.
é indispensável eliminar todos os estados emotivos
desagradáveis, desarmônicos, todas as tensões e as imagens
associadas a estados de agitação, de cólera, de hostilidade,
etc.
Para isso podemos ajudar-nos lendo algum trecho de
assunto elevado, antes de predispor-nos a dormir ou fazer
um breve recolhimento meditativo, concentrando todas as
energias na cabeça e imaginar que "saímos do corpo" atra
vés do alto da cabeça para entrar numa dimensão diferente,
que se pode figurar pela imagem de um túnel que vai para
cima.
Muitos instrutores espirituais aconselham mesmo que
se retire as energias do corpo, começando pelos pés e de
pois subindo sempre, até a cabeça, e a seguir pensar que se
entra pela porta do sono através do alto da cabeça, como
já dissemos.
Tudo isso poderá parecer difícil e não-natural mas,
98
com o exercício e o treinamento, nós chegaremos a com
preender que esse modo de preparar-se para o sono é, ao
invés, mais natural, mais fácil, mais espontâneo, é como
um "resvalar para fora", um deixar-se arrastar pelas ener
gias como por uma corrente que tem "naturalmente" a
tendência de ir para cima.
é também muito útil a prática do exame noturno que
aconselhamos em um dos capítulos precedentes, como pre
paração ao sono, porque isso nos ajuda a focalizar-nos na
postura do Espectador e, assim, a elevar as vibrações da
personalidade.
Também o momento do acordar deve ser cuidado,
deve tornar-se um meio para favorecer a continuidade de
consciência. E esse é o segundo passo.
A reentrada na consciência de vigília deve ser lenta e
doce e, sobretudo, gradual. Se for possível, portanto não é
necessário, apenas acordado, mover-se rapidamente, mas
permanecer tranqüilos e relaxados ainda por alguns minu
tos, deixando que a mente, vazia e imóvel, contemple, por
assim dizer, as imagens e as sensações do sono que ainda
esvoaçam na consciência.
Esse treinamento é aconselhado também por Sri
Aurobindo que diz que se quisermos construir ao menos a
primeira "ponte" entre a consciência tida durante o sono
e a consciência de vigília, não há outro método senão "a
imobilidade total e o silêncio completo do despertar". Um
silêncio não só da palavra mas também da mente, é neces
sário procurar não pensar em nada, mas "ficar debruçados
sobre grande lago tranqüilo, como em uma contemplação
99
sem o b je tiv o ..." (Satprem: Uavventura delia coscienza, '
p. 134.)
De uma certa forma tudo é questão de "atenção",
de estar sempre vigilante, na escuta e na espera dos outros
níveis de consciência que estão em nós e que não percebe
mos exatamente porque estamos "distraídos", ofuscados
por mil pensamentos e sensações, que criam em torno de j
nós uma espécie de névoa.
Às vezes acontece que seja suficiente apenas o dese
jo, o interesse de recordar os sonhos, a maior focalização
para o mundo onírico, uma atenção portanto mais concen
trada, que os leva a aflorar com maior freqüência e com
maior vivacidade à memória. De fato, que vem a ser, na
realidade, aquilo que chamamos com a expressão genérica
"incônscio", senão aquilo que o eu consciente não quer
recordar, aquilo que exclui e remove do próprio conheci
mento?
Na realidade, ainda antes de obter a continuidade de
consciência entre a vigília e o sono, deveremos procurar
obtê-la no período de vigília. Como podemos pretender
alcançar um estado de pleno e contínuo conhecimento,
que nos faça sempre lúcidos, presentes a nós mesmos e
capazes de reunir os dois pólos na vigília e no sono em nos
sa consciência, sem cisão e sem lacunas de obscuridade e j
inconsciência, se não somos cientes de maneira contínua j
e constante nem ao menos quando acordados?
Enquanto estamos acordados, com efeito, estamos
também nessa ocasião imersos numa espécie de "sono" e
de inconsciência, porque estamos passivos, mecânicos,
100
condicionados e não-autênticos. Vivemos numa espécie de
névoa, e só de vez em quando um lampejo de lucidez atra
vessa nosso "sono na vigília" e nos leva a perceber a dife
rença entre o estado de verdadeira consciência desperta e
autodeterminadora e o estado de confusão e semiconsciên
cia no qual estamos habitualmente imersos.
Eis, portanto, a necessidade de evocar o "regedor" in
terior, a Testemunha, o centro de consciência que fique co
mo fulcro em torno do qual possamos reunir as energias
dos três veículos pessoais e circular harmonicamente, ilu
minados pelo verdadeiro conhecimento.
O sono, pois, com a sua vida onírica, pode oferecer-
nos a prova de que existem outros graus de realidade e,
uma vez que consigamos recordar, ao menos uma parte dos
nossos sonhos, podemos ter a revelação de qual é a nossa
verdadeira situação interior, que grau de sensibilidade e co
nhecimento alcançamos nos outros veículos, e assim irá
revelar-se, em certo sentido, nosso grau evolutivo.
O estado de vigília, ao invés, oferece-nos o campo e a
ocasião de fazer experiências, e para desenvolver a capaci
dade e a qualidade em relação ao mundo externo, e exata
mente por meio do atrito com a matéria física e a limita
ção que nos aprisiona, pouco a pouco oferece os estímulos
apropriados para a consciência adormecida despertar, até
que chegue a alcançar a completa lucidez.
101
QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPITULO VII
102
12. Ao acordar, sentem-se completamente lúcidos e já
prontos para a ação ou ainda semi-inconscientes e con
fusos?
13. De que modo pensam que se pode ajudar o desenvol
vimento da continuidade de consciência entre a vigília
e o sono?
14. Pensam que seja indispensável obter primeiro a conti
nuidade de consciência na vigília?
103
EXERCÍCIO N9 7
Preparação para o Sono
I. Relaxem completamente.
II. Procurem alcançar um estado de calma emotiva, de
quietude, de paz. Apaguem todas as ânsias, todas as
tensões, ajudando com algumas imagens serenas e
com algumas respirações profundas e regulares.
III. Acalmem também a mente e afastem todos os pensa
mentos que possam preocupá-los ou agitá-los.
Esqueçam o dia passado e voltem toda a sua atenção
para o interior, para a dimensão superior na qual es
tão para entrar.
IV. Retirem a energia de seu corpo começando pelos pés
e subindo pelas pernas, busto...
V. Cheguem à cabeça, focalizando as energias no centro
entre as sobrancelhas e procurem não sentir seu cor
po, mas apenas a consciência.
VI. Imaginem, depois, que se encontram diante de um tú
nel que vai para o alto e que tem início no ponto mais
alto da cabeça.
VII. Imaginem que saem do corpo para entrar nesse túnel
passando através do ponto mais alto da cabeça.
EXERCÍCIO N9 7 (bis)
Treinamento para Recordar os Sonhos
104
e sim manter uma atitude interior de espera e escuta.
II. Se em sua mente se apresenta uma imagem ou uma re
cordação, não se esforcem por captá-las logo ou fo
calizá-las, mas permaneçam passivos e "contemplem-
nas" com desapego.
III. Deixem que elas eventualmente se façam precisas e se
esclareçam, mas se isso não acontecer não se irritem.
Permaneçam ainda imóveis e calmos, recordando que
"estão construindo" pouco a pouco a ponte entre a
consciência do sono e a da vigília, e que isso requer
tempo e paciência.
IV. Repitam todas as manhãs esse exercício, sem se de
sencorajarem com os insucessos. A constância e a re
petição, apenas, trarão resultados.
105
Capítulo V III
107
Esse problema causticante nos leva a compreender
que há em nós um dualismo que não é só o da consciência,
mas o da substância, isto é, que existem efetivamente duas
energias, duas vidas em nós, duas vontades opostas que
combatem entre si, incansavelmente. Uma delas toma a
força da inspiração para a vida do Espírito, e a outra nu
tre-se do desejo de experiências e sensações no mundo
objetivo. Na luta áspera e contínua, o ponto evolutivo no
qual a maioria dos pesquisadores espirituais se encontra,
vence quase sempre a segunda. Ela é a força da personalida
de, do eu falso e ilusório, que não quer ceder o seu domí
nio. é o "nó de obstinação do ego", como o chama Sri
Aurobindo, que resiste, rebela-se e se opõe à luz do Eu.
Procuremos compreender por que a personalidade
que, afinal, é apenas um instrumento e não tem realidade
verdadeira e própria, se opõe tão obstinamente, trazendo
dores, angústias, demoras e desvios para o homem em seu
caminho evolutivo.
Procuremos compreender isso de uma forma "cientí
fica", por assim dizer, remontando à origem da formação
desse "nó de obstinação", dessa porfiada vontade e, dessa
maneira, tentemos desatá-lo, usando os meios e modos ade
quados.
Que vem a ser, na verdade, a personalidade?
Que somos nós, no sentido mais exterior e comum?
Que é, realmente, o indivíduo que tem um determina
do nome, que nasce em uma certa família, que vive em de
terminado ambiente, que atravessa certas experiências, que
tem um determinado temperamento, que sofre, que espera,
108
que lu ta .. . Que é ele realmente? Como foi formado?
Não basta conhecer teoricamente o que dizem as dou
trinas esotéricas, isto é, que a personalidade, o eu inferior,
é o conjunto dos três veículos (físico-etéreo, emotivo e
mental). Se fosse só assim, seriamos todos semelhantes co
mo personalidade. Ao invés disso, somos diferentíssimos
uns dos outros, não só como grau evolutivo, mas como
qualidade, tendências, hábitos, modo de sentir, de pensar,
de reagir, etc.
Na personalidade há uma coisa comum a todos: a
substância e as energias que a compõem. Com o andar do
tempo, porém, tais substâncias e energias são qualificadas,
organizadas, modeladas de maneira muito diversa de indiví
duo para indivíduo, por causa das experiências particulares
que cada qual atravessa, do ambiente em que determinada
pessoa vem a encontrar-se, do conjunto de circunstâncias e
influxos que encontra nesta vida, ou que encontrou em vi
das precedentes.
Como já tivemos ocasião de dizer em um dos capítu-
los precedentes, formam-se na personalidade hábitos, auto
matismos, condicionamentos, dos quais quase sempre não
somos conscientes, mas que são fortes e radicados bastante
para formarem uma estrutura sólida, um organismo com
plexo ao qual damos o nome de "eu" e que acreditamos
ser nossa verdadeira identidade.
Somos condicionados pelo nosso passado e há infini
tas causas que formam obstáculos para a verdadeira toma
da de consciência. Há em torno de nós como que uma né
voa, aquela que nos livros espirituais é chamada exatamen
109
te "nevoeiro", ou ilusão, e que impede a verdadeira visão e
o conhecimento real. Cada um dos nossos veículos pessoais
tem o seu nevoeiro especial, por isso é que agimos, senti
mos e pensamos de uma forma que não corresponde à nos
sa realidade profunda.
"A nossa personalidade é um invólucro composto de
idéias falsas e das nossas fantasias, isto é, de vários círculos
viciosos.. . " diz Sri Ram em seu livro Verso Ia realtà, e a
seguir continua: "A consciência através da qual podemos
penetrar no reino da Realidade deve ser uma consciência li
vre da força, da acumulação e da incessante influência do
passado, que poderia chamar-se 'carma psicológico'."
Na verdade, enquanto não aflora em nós a consciência
do Eu real, estamos abertos a todas as influências, a todas
as sugestões que nos venham de fora, do ambiente, das pes
soas e os nossos veículos sutis, compostos de substância re
ceptiva e plasmável, permanecem "impressionados" e de
pois têm o impulso de agir, de sentir e de pensar de acordo
com isso. Em seguida, continuamos a repetir o comporta
mento inicial por uma espécie de força da inércia que tam
bém é uma característica ínsita na substância que compõe
os veículos sutis.
Essa é a gênese dos hábitos e dos automatismos que
em todos os níveis, do físico ao mental, nos condicionam,
e que, exatamente porque estão radicados no incônscio,
são muito dificilmente individualizáveis e nós os tomamos
erradamente por impulsos, sentimentos e pensamentos
autênticos, nossos, isto é, provenientes da nossa verdadeira
individualidade.
110
Tal tendência de adquirir hábitos é uma faculdade na
tural do ser humano, faculdade útil que o ajuda em seu de
senvolvimento e no desenrolar de sua vida. A capacidade
plásmica, a receptividade, inatas no homem, até a nível da
matéria física, são necessárias à existência. Dessa maneira
aprendemos a caminhar, a falar, a escrever, a realizar ações
e trabalhos habituais, como guiar automóvel, tocar um ins
trumento, escrever è máquina e tantas outras operações co
tidianas que desenvolvemos sem intervenção contínua da
mente ou da vontade, mas por um mecanismo automático
que se foi formando pouco a pouco com a repetição de de
terminado ato.
Todavia, ao lado dos hábitos úteis e que facilitam o
desenvolver da nossa vida, formam-se, muitas vezes, tam
bém outros que, ao invés disso, a complicam, a dificultam
e constituem um conjunto de superestruturas e condiciona
mentos que limitam a nossa liberdade, nos tornam escra
vos e, sobretudo, impedem o desenvolvimento e a realiza
ção da nossa natureza autêntica, do nosso Ser Real.
Acreditamos, por exemplo, que temos liberdade nas
escolhas, nos afetos, nas nossas idéias e opiniões, e não per
cebemos que muitas vezes as ações, sentimentos e pensa
mentos, não provêm de uma nossa fonte interior, livre e
autêntica, mas apenas dos condicionamentos e hábitos in
conscientes, que nos incitam a nos comportarmos, não de
um modo inidividual, mas coletivo, isto é, um modo que se
conforma com o ambiente, com a sociedade na qual vive
mos, com a educação que absorvemos e assimilamos passi
vamente.
111
Eis por que não conseguimos resolver o dualismo que
existe em nós, entre aspirações, convicções profundas
para a realização do Eu, e o real comportamento exterior
e as exigências pessoais.
Como, pois, podemos resolver esse problema, como
podemos nos libertar de tais condicionamentos, dessa dra
mática dicotomia que nos despedaça?
Existe a possibilidade de fazê-lo?
Sim, existe, porque em nós, latente, está a força, a
luz, a realidade do nosso Eu, a centelha divina, viva e pode
rosa, mesmo que seja apenas de forma potencial, contendo
a verdade, a autenticidade e, assim, a faculdade de discernir
o verdadeiro do falso, o real do ilusório.
Essa luz latente, embora quase sepultada e obscureci-
da pela névoa das ilusões e da falsa consciência, está sem
pre ali e vive e anseia manifestar-se, e palpita como um co
ração vigoroso; arde como fogo oculto, e é sua pressão e
seu ardor encerrado que nos causam mal-estar, perturba
ção e angústia, quando tomamos caminho errado, quando
recaímos nas reações costumeiras, quando, ao invés de ter
mos a coragem de encarar de frente a verdade preferimos
voltar nossos olhos para as falsas miragens, quando, ao in
vés de enfrentar os caminhos solitários da verdadeira toma
da de consciência, escolhemos a usual e fácil trilha batida
pela maioria e nos perdemos em veredas colaterais, ao invés
de subir, em heróica solidão, para o cimo áspero, ignoto,
mas fúlgido, da montanha da Verdade.
Devemos fazer com que apareça essa centelha sepulta
da, devemos abrir o caminho para liberar a luz oculta e fa
112
zer arder o fogo da nossa consciência real e, pará fazer o
que desejamos, é preciso a "purificação" entendida no ver
dadeiro e mais completo sentido da palavra.
O termo purificação vem da raiz sânscrita "pur", que
significa "livre de mistura". Assim, a verdadeira purificação
á um processo alquímico realizado na interioridade, que
pouco a pouco libera os veículos pessoais de tudo quanto é
espúrio, construído, falso e não pertencente à sua verdadei
ra natureza, fazendo surgir, assim, a energia incontaminada
e pura em sua verdadeira essência.
Realmente, é como se os nossos corpos sutis fossem
poluídos, intoxicados por forças e elementos que não lhes
pertencem, e que não provêm da sua fonte interior.
Assim, o primeiro passo no caminho da libertação da
falsa consciência é aprender a discriminar entre as superes-
truturas, as influências externas que fizemos nossas e a
energia pura e autêntica que provém do centro de nós pró
prios.
Devemos restituir aos veículos da nossa personalidade
sua "verdadeira função", pois, como diz Sri Aurobindo, a
impureza é apenas "um erro funcional".
Na verdade, nós não usamos as energias dos corpos
sutis de maneira justa, mas como instrumentos que regis
tram todas as influências que provêm do exterior e as repe
tem incessantemente, em uma série de reações em cadeia,
como robôs sem alma. é exatamente isso que devemos fa
zer: introduzir "alma", isto é, consciência, em nossos veí
culos pessoais. Tranformá-los de máquinas automáticas que
nos transmitem continuamente impulsos já preordenados,
113
em centrais de energia livres e dinâmicas, obedientes à ver
dadeira consciência, à vontade do Eu.
Como disse acima, podemos chegar a isso saindo do
círculo vicioso do determinismo criado, seja pelo carma
passado, seja pelos condicionamentos atuais, e aprendendo
a reagir e a comportarmo-nos de uma forma livre, nova,
verdadeira.
Há, realmente, uma forma de agir comum, que res
ponde às exigências, aos sentimentos, às expectativas da
maioria dos homens, um modo de agir que talvez também
seja aparentemente justo e lícito, mas que não está em con
formidade com a Lei e com a Justiça do Eu.
Vários são os que respondem ao ódio com ódio, à
hostilidade com hostilidade, às privações com abatimento
ou rebelião, à morte com medo e angústia, ao abuso com a
violência, à maldade com a vingança... Há, porém, uma
outra maneira de reagir, de sentir, de comportar-se, que é
diferente, fora do comum, imprevisível e que vemos apare
cer, de vez em quando, em homens que sabem perdoar as
ofensas, responder ao ódio com amor, afrontar a adversi
dade com coragem e serenidade, que sabem renunciar e de
sapegar-se, que à violência opõem a força da sensatez e do
equilíbrio, que não têm medo da morte e que sabem sofrer
em silêncio, tranformando a dor em luz.
Tais indivíduos, sejam conhecidos ou ignorados, são
aqueles que souberam, e sabem, agir de "maneira justa",
de conformidade com a sua natureza autêntica, não mais
obedecendo aos condicionamentos e ao determinismo im
posto pelos hábitos inconscientes, mas às exigências indi
114
viduais, verdadeiras, provenientes da sua essência divina, er
guendo-se assim como solitários picos luminosos sobre o
mar cinzento da chamada "normalidade".
Esse modo de agir, que às pessoas comuns pode pare
cer fruto de uma loucura heróica é, ao invés disso, o modo
justo, porque nos libera da inconsciência, da limitadora
identificação com o eu egoístico e nos põe em sintonia
com a vibração do Eu, desprendendo um estado de pura e
completa felicidade.
Como é lógico, a essa meta chegamos pouco a pouco,
com uma obra gradual de transformação, de reorientação
e de libertação das energias da personalidade, de modo que
se possa reconstituir a unidade interior, que se manifesta
como ininterrupta continuidade de consciência.
Devemos tornar-nos positivos, ativos, conscientes e
não deixar que influxos, automatismos, hábitos, conti
nuem a nos condicionar sem que o percebamos e para fazer
isso é preciso, no início, uma "crise de ruptura", uma revi
ravolta interior, que detenha com um ato de força o movi
mento incessante do impulso inercial; é preciso um "fim ",
uma "m orte", para que se possa instaurar um novo ritmo,
o "verdadeiro", que está em sintonia com o ritmo da vida
do Eu.
Assim, simultaneamente com a prática de desidentifi
cação que já descrevemos, há um outro treinamento indis
pensável para alcançar a libertação da falsa consciência,
que é o de aprender a usar as energias dos veículos pessoais
de modo justo, e descobrir sua verdadeira função.
0 corpo mental, o corpo emotivo e o corpo f ísico-eté-
115
reo não são, na realidade, outra coisa senão os "modos"
em que o Eu se manifesta e através dos quais procura se
pôr em contato com os três planos inferiores da existência,
modos que deveriam espelhar, seja apenas de maneira redu
zida e a um comprimento de onda mais baixo, os três as
pectos do Espírito: Vontade, Amor e Atividade Inteligen
te. Em outras palavras, Pai, Filho e Espírito Santo (Mãe).
"Jamais devemos esquecer que, se bem com a finali
dade de estudo e de análise fosse necessário separar o ho
mem dos veículos de que ele se serve, ainda assim, o Eu
é uno, por muito variadas que possam ser as formas sob as
quais se manifesta. A Consciência é unidade e as divisões
que dela fazemos são feitas com a finalidade de estudo.
"O Eu tem três aspectos: de conhecimento, de amor e de
vontade; desses surgem, respectivamente, os pensamentos,
os desejos e as ações". (Powell: // Corpo causa/e, p. 25.)
Assim, na realidade existe só a unidade, a totalidade,
atrás da multiplicidade e já que nós, em nossa inconsciên
cia, não a percebemos, sentindo-nos, ao invés disso, dividi
dos, cindidos, devemos, a pouco e pouco, reencontrar essa
unidade, reconstruindo a harmonia, a sintonia, o alinha
mento entre todos os vários níveis de energia e de cons
ciência com as quais o Eu se expressa através do prisma da
personalidade.
116
QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPITULO V III
117
10. Saberiam agir de maneira anticonvencional, livre,
autêntica, de acordo com aquilo que sentem profun
damente, se as circunstâncias o exigissem?
11. Em outras palavras: sentem-se verdadeiros, autênticos,
livres, ou têm a impressão, às vezes, de estarem condi
cionados, de serem inautênticos, limitados?
118
EXERCÍCIO N9 8
Exame Noturno
119
Capítulo IX
121
Diz Jinarajadasa em seu livro A evolução da vida e da
forma: " A vida se esforça continuamente para se tornar
mais consciente.. . com o evoluir da vida sempre se libera
uma quantidade maior de consciência."
Para compreender bem esse processo é preciso que
nos reportemos a um conceito básico do esoterismo: o da
Unidade da Vida, da existência de uma Única Essência que
invade todo o universo.
Muitas vezes encontramos esse preceito na Doutrina
Secreta de H. P. Blavatsky, com estas palavras:
"Da Vida Una, sem forma, incriada, provém o univer
so das vidas". (D.S., 1, p. 240.)
Com base nesse conceito podemos dizer que Espírito
e Matéria não são duas coisas distintas.
"O Espírito e a Matéria são os dois aspectos do Uno,
que não é nem Espírito nem Matéria, ambos sendo a Vida
Absoluta latente.. . " (Comentário oculto do livro de
Dzyan, vol. I da D.S.)
Também nas cartas dos Mahatmas encontramos o
mesmo conceito:
" . . . É uma das doutrinas elementares e fundamentais
do ocultismo o conceito de que a Matéria e o Espírito são
u n o .. (Carta 22 do Mahatma K.H.)
Mes aceitando essa verdade com a mente, ainda que
seja certa "na teoria", somos capazes de compreendê-la na
pratica?
Na verdade, se isso fosse possível, a nossa vida deveria
mudar completamente. Não teríamos mais medo da morte,
não sofreríamos mais, não ficaríamos doentes... Deveria*
122
mos ser capazes de perceber a realidade por trás da forma,
de compreender o significado oculto de tudo quanto acon
tece, de tudo aquilo que nos circunda. Deveríamos ter o
domínio absoluto da nossa personalidade, das nossas ener
gias físicas ou psíquicas. Deveríamos estar sempre alegres e
cheios de "poderes". ..
Mas não é assim, porque o saber teoricamente uma
verdade, aceitá-la com a mente não basta para que nos
transformemos, para levar-nos a transcender a dualidade, a
separatividade que se criou em nós e que, embora ilusória,
nos mantêm na obscuridade e na inconsciência.
é preciso criar a ponte entre os dois pólos de Espírito
e Matéria que, sendo uma coisa só, nos parecem separadas,
enquanto não desenvolvermos o poder de ver a Unidade na
dualidade; e esse poder é dado pela consciência.
é a consciência, em realidade, que nos dá a capacida
de de ver e sentir a relação existente entre os dois aspectos.
Eis por que a consciência também é chamada "o Filho", is
to é, o produto da união do Espírito (Pai) com a matéria
(Mãe).
A consciência é, assim, o meio para unificar os dois,
mas, ao mesmo tempo, é o produto da unificação dos dois.
Todavia, a consciência tem também uma outra função
muito importante que é a de transformar a energia do pólo
matéria, de elevar a sua vibração. Esse é o processo chama
do "purificação", que produz sintonia e unificação com o
pólo espiritual.
Assim, transformar as energias (isto é, as substâncias
que compõem os vários veículos da personalidade) significa
123
reuni-las ao aspecto Espírito, eliminando a separação que
se criou na involução e à qual se chega começando com a
tentativa de reencontrar, de especificar o elemento espiri
tual, a essência fundamental ínsita nos corpos inferiores e,
em conseqüência, redescobrir sua verdadeira função, que
tem estado sufocada, reprimida, impedida pelos hábitos,
pelos automatismos errôneos, que se instauraram no uso
das energias pessoais, por causa da nossa inconsciência e
da nossa identificação com a forma exterior.
Portanto, para liberar os veículos pessoais da impure
za das confusões funcionais e da falsa consciência, tornan
do a dar-lhes sua verdadeira finalidade, é preciso, antes de
tudo, liberá-los das superestruturas, dos condicionamentos,
dos hábitos, de reagir de certo modo, que Aurobindo defi
ne: " . . . a contínua repetição de um círculo vicioso, priva
do de inteligência e de escopo".
Tentemos, pois, examinar como podemos devolver
aos nossos veículos pessoais suas verdadeiras funções, co
meçando pela natureza emotiva.
Antes de tudo deveremos procurar compreender que
parte representa em nossa psique o corpo emotivo. A pala
vra psique indica tudo o que há em nós de não-f ísico, mas
que ainda não é o Espírito, é o Cama-manas, do qual falam
as doutrinas orientais, isto é, o conjunto do desejo-mente
que, pelo critério de clareza, o esoterismo considera como
dois corpos separados mas que, de um ponto de vista niti
damente psicológico, podem ser considerados uma totali
dade dual, na qual a mente representa o pólo positivo, e a
emotividade o pólo negativo. Em outras palavras, a emoti
124
vidade é o aspecto receptivo, sensitivo, feminino, da nossa
personalidade psíquica, que nos dá a capacidade de "sen
tir ” a qualidade das coisas e que realmente é chamada tam
bém "corpo senciente".
Portanto, a verdadeira função da natureza emotiva se
ria a de "colocar em relacionamento", de "u nir", enquan
to a função da mente seria a de "distinguir", de "discrimi
nar" e de separar. Se não tivéssemos a mente, de fato não
poderíamos estar conscientes de nós próprios como "eu
separado", mas teríamos uma consciência difusa, não bem
delimitada, é através da natureza emocional, ao contrário,
que poderemos sentir os outros, sentir simpatia e deveras
conseguir identificar-nos com seu estado de ânimo.
Nas doutrinas esotéricas, nas quais a natureza emoti
va é também chamada "corpo astral", diz-se que tal corpo
não só é altamente sensível e fluido, mas também aberto
a todos os influxos, a todas as vibrações e capaz de am
pliar-se e expandir-se num ímpeto de simpatia e de afeto
até identificar-se com o corpo astral de uma outra pessoa.
Seu símbolo é, de fato, a água, que toma a forma do reci
piente que a contém, que se encrepa ao mínimo sopro, que
se expande largamente se é derramada. . . Em outras pala
vras, não tem uma forma própria, pois é fluida, corrente,
móvel.
Na nossa personalidade tríplice, o corpo emotivo ou
astral é o reflexo do segundo aspecto do Eu, o amor, e de
veria poder expressá-lo e realizá-lo praticamente na vida.
Citando ainda Aurobindo, vejamos o que ele diz a
propósito da natureza emocional:
125
" . . . a verdadeira alma (astral), o verdadeiro ente psí
quico. .. é um instrumento de puro amor, de alegria e de
aspirações luminosas à fusão, à unidade com Deus e com o
nosso próximo". (Sintesi dello yoga, vol. II, p. 66.)
E como acontece, então, que façamos desse aspecto
sensitivo e unitivo um instrumento de agitação e de desor
dem, de sofrimento, de apego?
Como acontece ser o homem um escravo das emo
ções, das paixões, dos desejos, tanto que o corpo astral é
considerado "o campo de batalha da humanidade" e seu
maior obstáculo para a realização espiritual?
Tudo depende do nosso estado de inconsciência, que
nos levou a construir um "eu" falso, uma "personalidade"
que acreditamos ser a nossa realidade e que, ao invés disso,
é apenas um conjunto de automatismos e de hábitos erra
dos. Por causa desse "eu" falso, a receptividade da nature
za emocional, em lugar de ser um auxílio fez-se um obstá
culo e um perigo, pois tornou-nos abertos às vibrações mais
baixas provenientes do mundo dos instintos e das paixões
inferiores, do plano onde reina o egoísmo e a separativida
de cega, o desejo de sensações e de prazeres, que ligam o
homem ao mundo das ilusões.
Se conseguirmos nos desidentificar desse "eu" falso
e reencontrar nossa realidade profunda, o nosso verdadei
ro Eu, automaticamente as energias da natureza emotiva
assumem sua verdadeira função e revelam seu justo esco
po. Não são as energias em si mesmas que se mostram ne
gativas ou positivas, mas o uso que nós fazemos delas, abai
xando assim as suas vibrações.
126
Todavia, simultaneamente com a desidentificação,
que é uma técnica vertical por assim dizer, podemos tam
bém ter o auxílio de métodos e exercícios que nos servem
para que usemos as energias de maneira justa, também em
sentido horizontal, isto é, em relação com os outros, como
órgão de contato e sensibilidade: isto quer dizer transfor
mar o desejo em amor.
Compreender a verdadeira natureza do desejo é o se
gredo dessa transformação. Nós nos sentimos sozinhos, se
parados de algo que nos pertence, temos nostalgia incons
ciente de uma Unidade perdida e por isso anelamos a pos
se, a obtenção de um objeto externo, do qual nos sentimos
"privados". O desejo nasce de um "vazio", de uma falta,
que interpretamos como necessidade de amor humano, co
mo sede de riqueza, como ambição, etc., mas que, na reali
dade, é a falta da verdadeira consciência do Eu divino, é a
separação ilusória da nossa realidade espiritual que nos
faz sentir confusos, perdidos, vacilantes e desesperada
mente sós. ..
Por isso, o homem jamais chega a preencher esse vazio
com os objetos que consegue conquistar e possuir. Rique
za, sucesso, felicidade humana, dão-lhe apenas uma alegria
temporária e efêmera, que depressa se esvai, deixando-o
mais insatisfeito do que antes.
Só o reencontrar a Unidade, seja em sentido vertical,
seja em sentido horizontal, poderá dar-lhe contentamento
e completá-lo.
Podemos sentir isso na prática, a cada vez que chega
mos a superar uma barreira de separatividade, a construir
127
um relacionamento autêntico, a identificarmo-nos com
uma outra pessoa, a provar um senso de verdadeira com
preensão e de ampliação da consciência, ou a sentir um ím
peto de amor puro pelo Divino, uma aspiração ardente pa
ra o absoluto, que nos faz entender que o nosso sentimen
to de separatividade e de solidão é ilusório.
A nossa natureza emocional, purificada do egoísmo,
da poluição dos instintos, revela sua verdadeira função, que
é a de nos dar a possibilidade de "reunir-nos" à Realidade,
seja em sentido ascensional, com aqueles estados interiores
de aspirações e amor para com Deus, que constituem o
misticismo puro, seja em sentido horizontal, com a simpa
tia, a participação, a sensibilidade para com a vida e os es
tados de ânimo das outras pessoas.
Se soubermos descobrir as suas verdadeiras faculda
des, o corpo emotivo torna-se uma ponte, ao invés de um
obstáculo, e reflete perfeitamente o aspecto amor do Eu,
como um espelho límpido, receptivo e luminoso, calmo e
estável.
Realmente, para poder chegar a essa meta, é necessá
rio antes de mais nada estabilizar as emoções, deter as on
das agitadas das "águas" emotivas, tornar calmo e sereno
o veículo que as expressa e liberar nossa consciência da
identificação com a natureza emocional.
Obtida essa "calma" interna, será mais fácil usar as
energias de maneira justa, elevar-lhes as vibrações e unificar
todos os nossos desejos em um só desejo: o de nos reunir
mos com o nosso Eu divino, assim que se forme um poten
te vórtice aspiracional, capaz de produzir verdadeira e
128
apropriada sublimação das energias e de atrair a luz e o
amor da nossa Realidade Espiritual.
Assim, pouco a pouco, a dualidade será superada para
ser substituída por uma perfeita ligação do inferior com o
superior porque, como diz Aurobindo:
"Eliminando a falsidade dos sentidos e sua submissão
aos simulacros, à dualidade das sensações, um senso maior
se abrirá em nós ao Divino nas coisas, através da nossa sen
sibilidade material e responderá, divino então ele próprio,
ao divino apelo."
129
QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPITULO IX
130
h) sentimentos de amor pelo Divino?
11. Quais são as coisas que os fazem sofrer mais?
12. Quais são as coisas que os fazem mais felizes?
13. São habitualmente serenos, têm paz, têm calma emo
tiva, ou sentem-se freqüentemente ansiosos, deprimi
dos, angustiados?
14. Sentem, às vezes, um senso de vazio e de aridez?
131
EXERCÍCIO N9 9
Exato Funcionamento da Natureza Emotiva
132
Eu uso as minhas energias emotivas nesse
Sentido, como instrumento
Do amor do Eu".
133
Capítulo X
135
De fato, o primeiro grau, o do conhecimento teórico,
baseando-se apenas nas afirmações dos outros, não produz
no homem a maturidade eficaz, uma modificação de cons
ciência, antes pode, muitas vezes, limitar e condicionar,
pois permanece puramente exterior e carente de experiên-
cia direta. Além disso, pode contribuir para manter no ho
mem um estado de passividade intelectual, carregando a
mente com noções, com conhecimento mnemônicos, idéias
e opiniões adquiridas, dos quais será muito diffcil livrar-se.
é inevitável, todavia, passar por esse estágio, porque
falta a necessária preparação e a capacidade de ter a expe
riência diretamente, por meio da compreensão intuitiva, é
um estágio preparatório, que também pode ter aspectos
positivos para aquele que começa a passar para o estágio
sucessivo do conhecimento discriminatório, ou discerni
mento, e que nos torna capazes de confrontar, selecionar,
avaliar, escolher e utilizar os conhecimentos teóricos adqui
ridos no estágio precedente.
A capacidade de discriminação aflora na mente quan
do conseguimos superar o estágio passivo e inconsciente
e começamos a sentir nosso eu individual. Tal superação
nos permite ser menos influenciáveis, menos sugestionáveis
diante da autoridade das mentes de outras pessoas, diante
da pressão das opiniões da massa, diante das idéias e das
teorias que absorvemos do ambiente, é o momento em que
somos capazes de nos analisar, de avaliar com inteligência
o conhecimento adquirido, de não nos deixarmos arrastar
por entusiasmos fáceis ou por preferências emotivas e, so
bretudo, é o momento em que começamos a desejar expe
136
rimentar, verificar, compreender por experiência direta.
é a consciência mental que começa a despertar em
nós e que tenta livrar-se de todos os condicionamentos, dos
automatismos, dos hábitos falsos de pensamento que a su
focam e entravam.
Em tal estágio têm início a purificação mental e a li
beração dos condicionamentos ínsitos na mente.
O terceiro grau de conhecimento, o intuitivo, emerge
exatamente quando a mente está completamente livre das
impurezas, livre dos condicionamentos e idéias construídas
e pode manifestar-se o seu aspecto mais alto de órgão de
verdadeiro conhecimento em relação ao mundo do Eu e
das Idéias Divinas.
Esse terceiro tipo de conhecimento supera a racionali
dade discursiva e o estágio dedutivo da mente analítica,
pois conhece por identificação, por experiência direta, em
um relance de luz sintética e global. Só nessa fase a mente
revela sua função real de "ponte" e de meio de contacto
com "a nuvem das coisas conhecíveis", e mostra a sua pro
fundidade, a sua luminosidade, o seu poder criativo, que
fazem do homem um verdadeiro Conhecedor.
Antes desse estágio a mente pode ser, muitas vezes,
mais um obstáculo do que um auxílio, tanto que, como es
tá escrito na Voz do silêncio, é considerada "a destruidora
do Real" exatamente porque pode, com o seu conteúdo
de "falso conhecimento", com o seu incessante movimento
e com a sua lógica sem a visão do mundo real e do verda
deiro conhecimento, ofuscar-nos e limitar-nos ao invés de
revelar-nos a verdade.
137
é preciso, assim, que desenvolvamos e purifiquemos
a mente, a fim de levá-la a manifestar-se em sua função real
e mais alta, a intuitiva.
O primeiro passo é o de procurar compreender o nos
so mecanismo mental, de observar e analisar a complexa
natureza da nossa mente.
Dizem os livros esotéricos que o corpo mental tem na
tureza dual, isto é, como se tivesse duas faces: uma voltada
para o exterior, para o mundo objetivo e outra voltada pa
ra o interior, para o mundo subjetivo. O símbolo da mente
é, realmente, o Jano bifronte. A mente pode receber im
pressões, sensações e influências do mundo externo e
voltar sua atenção e seu interesse cognoscivo para a realida
de subjetiva. Geralmente, quando o homem ainda não está
suficientemente evoluído, usa apenas uma face da mente, a
que está voltada para o externo, e ignora possuir outra pos
sibilidade de conhecimento por meio da face voltada para
o interno. Chega um momento, porém, na vida do homem,
em que esse aspecto mental mais profundo se revela, de
início de vez em quando e veladamente, depois sempre
mais claramente e com continuidade.
Essa dualidade da mente tem sido observada e estuda
da por todos os pesquisadores sinceros, pelos estudiosos
e pensadores de todos os tempos. Tanto que se chegou à
conclusão de que existem duas formas de abordagem do
conhecimento: a que deriva do lado mental concreto, cien
tífico, que observa e estuda o mundo fenomênico, e o
abstrato, intuitivo, filosófico, que se volta para o mundo
dos significados e das causas.
138
0 primeiro modo de conhecer é o suscetível de erros
e de impurezas, pois está facilmente sujeito às ilusões, às
limitações e aos condicionamentos dos sentidos, das emo
ções e do egoísmo pessoal. O segundo modo de conhecer,
agindo por identificação com o objeto e indo além da for
ma externa para remontar ao que a produziu, percebendo
as coisas de um modo global e sintético é, ao contrário,
o que nos revela, intuitivamente, a verdade.
Portanto, a purificação mental refere-se ao seu aspec
to concreto e exterior, e a liberação dos condicionamentos
e dos erros volta-se para a face externa do intelecto, que só
vê o reflexo da Verdade, mas não a própria Verdade.
Como devemos proceder para tornar a mente concre
ta límpida e pura?
Se recordarmos o verdadeiro sentido etimológico da
palavra "purificação", do qual falamos em um dos capítu
los precedentes, e que é a "liberação da mistura", irá pare
cer-nos claro que possa ser o meio para tornar "puro" qual
quer dos aspectos da personalidade, neste caso a mente.
Purificar significa liberar qualquer coisa de tudo que náo
lhe é próprio e inerente, eliminando as poluições, as mistu
ras, as substâncias espúrias, os elementos estranhos e des
cobrir sua verdadeira essência, sua verdadeira qualidade e
sua real função que, em si mesma, é pura, porque deriva
(como tudo que existe) do Divino. Como sempre dissemos,
tudo que existe no homem, mesmo a nível pessoal, é um
reflexo do Eu, é uma projeção do Divino, pois atrás das
formas e de suas múltiplas diferenciações, existe sempre o
Uno que as produziu.
139
Chega-se a liberar a mente das impurezas usando duas
técnicas fundamentais que, na realidade, representam duas
fases sucessivas de um mesmo trabalho interior:
Elas são:
a) a concentração;
b) o silêncio mental.
A primeira representa a faculdade da mente de ser ati
va, positiva e a segunda a faculdade de ser receptiva, passi
va. A mente concreta possui essas duas faculdades latentes
e as manifesta quando é liberada das impurezas dos condi
cionamentos e pode funcionar no modo exato, em seu plano.
Examinemos detalhadamente essas duas técnicas.
A concentração é a faculdade de saber canalizar o
pensamento para a direção desejada, depois de ter escolhi
do um assunto ou uma idéia sobre os quais concentrar-se,
até chegar a conhecê-los perfeitamente. Se a concentração
for bem feita e o pensamento consegue, efetivamente, fo
calizar-se com adesão e atenção completas no assunto pré-
escolhido, a mente chega, pouco a pouco, a ir além da for
ma ou do significado exterior e objetivo e a perceber a
energia e a realidade que estão por trás das aparências.
Diz Sri Aurobindo: " . . . a concentração segue através
das idéias e serve-se do pensamento, da forma e do nome
como chaves que abrirão à mente concentrada as portas da
Verdade oculta atrás de cada pensamento, de cada forma,
de cada nome... A concentração mediante a idéia não é,
portanto, senão um meio, uma chave para abrir os planos
do supraconsciente da nossa existência." (De La síntese
dello yoga, vol. II.)
140
Assim, a concentração da mente é um método, uma
técnica para, antes de mais nada, tornar a mente obediente
aos comandos da vontade e, a seguir, para torná-la pene
trante e aguda a fim de poder ultrapassar o símbolo repre
sentado pelo objeto que tomou em exame.
O silêncio mental, ao contrário, se alcança quando
conseguimos liberar a mente de todos os seus conteúdos,
de todas as construções intelectuais, do incessante movi
mento do pensamento, e quando superamos o apego e a
"preferência" por um certo tipo de conhecimento. 0 silên
cio mental, a postura de receptividade e de passividade da
mente é, na realidade, um estado de pureza, de transpa
rência, de "vazio", que pressupõe uma maturidade interior,
um desenvolvimento da consciência que nos torna capazes
de nos desapegar do eu pessoal que usa a mente com finali
dades egoísticas e limitadas, seguindo uma linha de menor
resistência, movido pelo orgulho, pelo desejo e pelas ilu
sões dos sentidos.
Portanto, o silêncio mental náo se obtém apenas com
uma técnica meditativa, como muitos acreditam, mas com
uma preparação e um alinhamento contínuos de toda a
personalidade, uma purificação das intenções e um desen
volvimento da atitude desapegada do Espectador interior.
O desenvolvimento da capacidade de concentração
mental é, na realidade, preparatório para a obtenção do si
lêncio mental, o qual, por sua vez, é uma atitude que nos
exercita para o desenvolvimento da faculdade de conheci
mento superior, o conhecimento intuitivo.
Acontece, às vezes, quando começamos a exercitar a
141
concentração, que percebemos que nem mesmo sabemos
"pensar" verdadeiramente, porque o que até então tínha
mos pensado que fosse pensar era apenas um recordar, um
repetir de conceitos e idéias alheias. Na verdade, na maior
parte dos casos, não temos idéias nossas, opiniões pessoais,
mas opiniões inculcadas por outros, absorvidas inconscien
temente do ambiente, ou idéias estruturadas em esquemas,
que aceitamos, não por livre e consciente escolha, mas por
obra de sugestão incônscia, por influência de mentes mais
fortes do que a nossa ou por intenção de conformismo, de
medo e de comodismo.
A mente corresponde ao terceiro aspecto da Divinda
de, o Espírito Santo, chamado também o Fogo da criação
ou Inteligência criadora; na verdade, existe latente nela um
poder criador, uma capacidade de produzir por si mesma
idéias e pensamentos, em um ato de criatividade.
Disso nos compenetramos quando o poder de concen
tração se torna um instrumento do "verdadeiro" pensa
mento e libera nossa mente dos hábitos, dos condiciona
mentos, das imitações e das "preferências", para fazer sur
gir o verdadeiro fogo solar da mente.
Portanto, o primeiro passo para a purificação da men
te é aprender a pensar verdadeiramente. Temos auxílio,
nesse sentido, do desenvolvimento da discriminação de
que falamos antes e que, na sua forma mais simples, é a fa
culdade de comparação, de análise, de escolha e, sobretu
do, de "eqüanimidade".
Que quer dizer essa palavra?
Quer dizer objetividade, equilíbrio, liberdade em rela
142
ção às preferências e aos apegos emotivos, absoluta impar
cialidade. Em outras palavras, á a qualidade fundamental
da mente purificada, que é o órgão do conhecimento lím
pido, claro, objetivo, no qual não há sombra sequer de
emotividade e apego.
Esta qualidade pode parecer difícil de adquirir mas,
na realidade, não é assim, pois ela está latente na mente e
exprime a essência mesma do aparato mental.
Como na natureza emotiva já existe latente a capacida
de da sensibilidade e do amor, assim na mente é ínsita a fa
culdade de pensar e de conhecer com perfeita eqüanimida-
de, isto é, a capacidade do verdadeiro e reto pensamento.
Não devemos esquecer o postulado fundamental da
Unidade submissa à multiplicidade, para a qual mesmo os
veículos pessoais não passam de "modos" de expressão do
Eu e que, portanto, trata-se de levá-los a manifestar sua ver
dadeira essência com o desenvolvimento da consciência. Em
nosso estágio inicial de inconsciência nós os alteramos, po
luímos, desenvolvemos de maneira distorcida, deixando-nos
condicionar por influxos negativos e limitadores. Agora,
trata-se de liberar os veículos dessas influências, desses con
dicionamentos e de levá-los às suas verdadeiras funções.
Assim devemos fazer também para o corpo mental e
para isso é preciso chegar à forma exata de pensar, passan
do primeiro por um período de liberação de todas as no
ções intelectuais precedentes, de todas as concepções li
mitadoras e ilusórias que tínhamos absorvido inconscien
temente.
é fácil, pois, compreender que o verdadeiro conheci-
143
menio Drota de uma real compreensão interior, é o efeito
de uma "tomada de consciência" e de um despertar do
Eu, embora parcial.
Todavia, a mente deve ultrapassar a capacidade de
pensar para alcançar a possibilidade de manifestar-se tam
bém em sua faculdade de "não pensar", de permanecer si
lenciosa e imóvel, mas perfeitamente consciente e lúcida,
porque só assim ela pode revelar o seu aspecto mais alto:
a intuição e o conhecimento do Eu. Na verdade, a nossa
realidade espiritual, que é exatamente o Eu, não pode ser
conhecida com o pensamento concreto, com o raciocfnio,
ainda o mais profundo e agudo, mas pode ser conhecida
apenas por identificação e por intuição.
Diz Aurobindo:
"Para alcançar o conhecimento do Eu é .. . indispensá
vel uma completa passividade intelectual, o poder de afas
tar todos os pensamentos; é necessário que a mente tenha
o poder de não pensar".
Só assim poderemos, pouco a pouco, descobrir tam
bém a face interior da mente e aprender a usá-la como ór
gão do verdadeiro conhecimento, pois que tudo quanto
conhecemos antes não foi senão uma preparação para a
descoberta da verdade, que não está no mundo do relativo,
mas no mundo dos significados e das causas, em direção
do qual a mente pode lançar uma ponte. Por isso ela é cha
mada o órgão da visão e seu símbolo é a luz, porque só
quando a mente está desenvolvida e purificada e livre pela
consciência despertada, podemos "ver" verdadeiramente a
realidade das coisas.
144
QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPITULO X
145
10. São capazes de usar a mente em direção ao interior?
11. São capazes de observar e analisar o trabalho de sua
mente?
12. São capazes de "silêncio mental"?
13. Que entendem por "silêncio mental"?
a) um estado de passividade mental?
b) um estado de "vazio", semelhante a uma sonolên
cia?
c) um estado de paz interior, livre de conteúdo?
d) um estado de tensão e espera?
14. Se pensam ter sentido alguma vez o "silêncio men
tal", descrevam-no.
146
EXERCIiCIO N9 10
Concentração para Aprender a Pensar
147
E X E R C ÍC IO N 9 10 (bis)
"Silêncio M ental"
I. Relaxem.
II. Interiorizem-se e focalizem-se na mente.
III. Procurem afastar todos os pensamentos e alcançar um
estado de quietude e de calma mental.
IV. Procurem entrar no "silêncio" mental sem perder, en
tretanto, a consciência de si mesmos.
V. Se não conseguirem completamente, não importa.
Basta que percam o interesse pelos pensamentos, que
eles lhes pareçam "coisas exteriores", que fluem por
fora de um imaginário círculo de paz e silêncio em
que se encontram.
VI. Voltem a atenção para o interior e para o alto, numa
atitude de receptividade e espera.
V II. Para terminar afirmem silenciosamente:
"A minha mente é um perfeito instrumento
de conhecimento, do qual o eu se serve.
Ela é límpida, receptiva, aberta às idéias
que vêm do plano da intuição. A minha mente
é o órgão da visão".
148
Capítulo XI
DA CONSCIÊNCIA IN D IVID U A L
A CONSCIÊNCIA COSMICA
149
cia que pouco a pouco devem ser conhecidos e compreen
didos: . . do alto até embaixo. . . este universo não é
senão uma continuação, uma gradação de planos de cons
ciência, que se escalonam da Matéria pura ao Espírito pu
ro". (De L'avventura delia coscienza, de Satprem, p. 128.)
Assim, o homem, uma vez realizada a sua consciência
individual autêntica e espiritual, deve expandir-se e evoluir
até tornar-se conhecedor, grau por grau, de todos esses
outros níveis de consciência e chegar, assim, à consciência
universal e à consciência cósmica ou divina.
De fato, as sucessivas iniciações do homem, segundo o
esoterismo, não são mais do que expansão de consciência.
Poderemos tentar fazer o registro, em grandes linhas,
dos vários graus da consciência como são descritos por al
guns estudiosos, entre os quais A. A. Bailey em seu livro
La coscienza dell'atomo.
Elas são as seguintes:
a) consciência simples;
b) consciência individualizada ou autoconsciência;
c) consciência de grupo ou consciência universal;
d) consciência cósmica ou divina.
Entre cada um desses níveis e o sucessivo, existem,
com o é óbvio, inúmeras gradações e nuanças como, por
exemplo, entre a autoconsciência e a consciência de gru
po, onde se encontram as várias iniciações que podem ser
comparadas a "degraus" para subir, ou a "p o n te " para
atravessar em direção a horizontes sempre mais amplos
e de inclusões sempre mais luminosas e profundas da cons
ciência total. Nos reinos inferiores ao humano está o que
150
fo i denominado "consciência simples", uma espécie de
sensibilidade e conhecimento ainda não-individuaiizados e
autoconscientes.
No reino humano essa consciência "simples" e difusa
restringe-se, por assim dizer condensa-se em um "e u ", indi
vidualiza-se e torna-se consciência de si, auto-reconhecen-
do-se e, desse momento em diante, esse novo aspecto da
consciência não se perde mais, antes aumenta sempre mais
até que todo o universo torna-se "E u ", como diz o zen-bu-
dismo.
Na verdade, o homem auto-realizado alcançou a mais
alta expressão humana, a de adepto. O Eu não tem limites.
Isso não deve ser interpretado como inflação do Eu, como
um desmesurado senso de orgulho que nos faz sentir seme
lhantes a Deus, mas como expansão das barreiras da cons
ciência individual, perda do egocentrismo e do fechamento
nos limites da individualidade, até chegar à identificação ao
mesmo tempo jubilosa e humilde, de todo natural, com a
realidade infinita do universo e do divino.
Talvez isso ainda esteja fora da nossa compreensão
porque é d ifíc il conceber a existência contemporânea da
consciência do eu e da consciência do todo. Para nós, no
nível de conhecimento em que estamos, identificarmo-nos
com o universo significa apenas perder nossa individualida
de e assim nos extraviarmos no "nada" infin ito. Significa
a morte do nosso "e u " humano, cair num abismo sem fun
do, onde nos anulamos e perdemos nossa consciência.. .
Não é assim, pelo contrário, e há inúmeros testemunhos
disso, porque têm havido homens que, embora permane
151
cendo humanos e continuando a viver sua vida aparente
mente inalterada, alcançaram o últim o degrau da cons
ciência, a consciência cósmica em seu corpo físico, isto é,
permanecendo em encarnação, continuando a viver, a tra
balhar, a pensar, a criar, como se fossem iguais a todos os
homens. Todavia não são iguais aos outros, porém muito
diferentes. Apenas a mudança é toda interior, subjetiva,
invisível. O que se modificou neles foi o estado de cons
ciência e as conseqüências dessa mudança não influem so
bre sua realidade humana, mas apenas sobre o estado subje
tivo e a "qualidade" de sua vida.
Na verdade, embora aparentemente suas vidas sejam
iguais as dos outros, elas são, com efeito, profundamente
diversas, porque além do estado de infinita alegria, de pro
funda beatitude, de completação que experimentam, tam
bém suas intenções, sua orientação, a essência das suas vi
das são profundamente diferentes. Amor, luz, sabedoria,
conhecimentos infinitos impregnam o seu entendimento,
enquanto toda classe de dúvida, medo, egoísmo, incerteza,
desvaneceu-se completamente. Ademais, deles emana um
silencioso mas enorme poder que é capaz, somente com a
sua irradiação, de curar, reconciliar, despertar os outros da
inconsciência. Mas estas são apenas palavras inadequadas
para descrever o que pode ser o estado de consciência de
quem alcançou a máxima expansão da consciência perma
necendo no corpo físico.
O estudioso inglês Richard M. Bucke, em seu livro
Cosmic Consciousness, descreve esse estado elevadíssimo
de consciência alcançado por vários indivíduos através das
152
épocas, tomando-os como testemunhos da verdade desse
fato interior, ao qual, mais cedo ou mais tarde, cada um
de nós chegará.
Só podemos intuí-lo e talvez, como um aspergimento,
às vezes senti-lo, embora mínima e limitadamente. O que,
todavia, deve ficar claro, desde o início do nosso caminho
em direção ao desenvolvimento da consciência total, é que
o eu representa apenas o centro de uma esfera amplíssima
e infinita de conhecimentos e que, à proporção em que
prosseguimos na evolução, podemos incluir zonas sempre
mais vastas dos conteúdos conscienciais dessa esfera em
nossa autoconsciência.
A. A. Bailey, em seu livro La coscienza deli'atomo nos
apresenta interessantes e esclarecedoras analogias entre a
consciência do eu humano e a consciência do átomo.
Como dissemos no início deste livro, foi confirmado pela
ciência que também o átomo tem um certo entendimento
e também uma esfera de influência.
"O átomo é uma entidade viva, um mundo vibrante,
e na sua esfera de influência encontram-se outras pequenas
vidas.. (A. A. Bailey: La coscienza dell'atomo.) A autora
continua, dizendo que o átomo tem uma energia sua, inter
na, mas também uma energia voltada para o exterior e que
é levada a instaurar relacionamento em direção ao mundo
objetivo. De fato, pode encontrar-se no átomo a reprodu
ção da estrutura de um sistema solar, no qual pode ser re
conhecido o sol central com os planetas, cada qual percor
rendo a sua órbita própria em torno dele. Fazendo uma
analogia com o homem, vemos que também cada indivíduo
153
é uma entidade, um núcleo positivo de força e de vida que
compreende, dentro de sua esfera de influência, outras vi
das menores.
Assim, podemos considerar cada unidade da família
humana como um á to m o hum ano, pois no homem não te
mos mais do que um átomo de dimensões maiores do que
o átomo químico.
Provavelmente, a meta de evolução do átomo é a de
alcançar o estado da consciência humana.
Dissemos que o átomo tem uma energia interna e uma
energia voltada para o exterior e isto é a sua correlação de
atração e repulsão para com os outros átomos. Também no
homem existem esses dois aspectos: vida interna e vida ex
terna, que podem constituir, como para o átomo, dois mo
dos de evolução.
A vida interna para o homem é a busca do centro de
conhecimento, o incitamento à auto-realização.
A vida externa é a correlação com os outros, a expan
são da consciência em sentido horizontal, até alcançar, pri
meiro a "consciência de grupo", e, enfim, a consciência
cósmica.
O eu do homem, a sua autoconsciência, uma prerroga
tiva exclusiva do reino humano, como já assinalamos, é, na
realidade, um mistério, porque embora constituindo uma
limitação, um invólucro de separação, faz-se condição in
dispensável para o desenvolvimento de uma consciência
mais ampla e real e é a semente que depois irá dar vida à
consciência universal.
154
O eu é o centro da nossa consciência, é "o átomo nu
clear do nosso sistema psíquico" (como o chama Jung),
em torno do qual giram e se organizam todas as energias
que compõem nossa natureza humana. É necessário, por
tanto, como ponto de apoio e referência para a nossa evo
lução e para o nosso crescimento interior mas, a um certo
ponto, é sentido como prisão e como limitação. Esse é o
sinal de que a consciência aprisionada está tentando liber
tar-se e expandir-se e sente-se como que encerrada no eu
como em uma couraça que a sufoca e a impede de se co
municar com o exterior. Tal senso de incomunicabilidade
é um dos sofrimentos maiores do homem e é o sintoma do
atrito, do trabalho que precede o rompimento do invólu
cro que encerra a consciência, atrito que na realidade, ain
da que seja em nível inconsciente, sempre existiu desde o
início do caminho evolutivo.
Os orientais dizem, realmente, que até os cinco senti
dos e a mente são estados criados pela consciência aprisio
nada no eu, como tentativa de pôr-se em contato com o
mundo exterior. A esse propósito Satprem escreve, em
La avventura delia coscienza:
". . . inventamos os olhos, as mãos, os sentidos, uma
mente, para podermos reunir àquilo que tínhamos excluí
do do nosso grande ser." (p. 178.)
Por esse motivo os hindus chamam aos cinco sentidos
"as cinco portas para o não-eu". Ademais, existem contra
partidas sutis de cada um dos sentidos físicos para cada um
dos veículos do homem, que se desenvolvem pouco a pou
co como órgãos de sensibilidade e de contato com os pla
155
nos invisíveis e com as vibrações sutis dos outros indivíduos.
"Um dos primeiros e mais importantes desenvolvi
mentos será a reação, ou resposta consciente a cada vibra
ção e a cada contato, isto é, a capacidade de responder ao
não-eu sobre todos os planos." (De La coscienza dell'ato-
mo, de A. A. Bailey, p. 128.)
Podemos dizer, assim, que quanto mais uma pessoa é
evoluída, mais sensível se faz aos contatos e vibrações que
lhe vêm do exterior. Realmente, à proporção que a cons
ciência desperta, chega a parecer que o invólucro que a
aprisiona e delimita se torna sempre mais permeável, trans
parente, absorvente, tanto que o indivíduo sente aumentar
a sua sensibilidade, a sua receptividade, a sua capacidade
telepática e a sua faculdade de identificar-se com os outros.
Esse últim o aspecto, no início, nem sempre é agradável e
pode causar sérias dificuldades e mal-estares quando não
fo r regulado e controlado, porque a identificação com os
outros e com o seu estado de ânimo, e a absorção das suas
vibrações que nem sempre são positivas, cria problemas e
sofrimentos. Isso acontece porque a consciência do ind iví
duo já não é de todo separada e, embora permanecendo
intato o conhecimento do eu, na realidade seus limites
se alargaram e tem início, agora, o trabalho de purifica
ção, de transformação, de sublimação, não só das energias
psíquicas que pertencem aos veículos daquele dado indi
víduo, mas também os de uma zona mais vasta de cons
ciência, com a qual ele está em contato e com a qual se
identifica.
Não há separação na realidade, e não há uma única
156
consciência e quando é chegado o momento: . . começa-
se a sentir que os outros fazem parte de nós mesmos e que
são repetições diferentes nossas, um "n ós" modificado pela
natureza dos outros corpos ou, pelo menos, sentimos que
eles vivem um Eu universal mais vasto, que não é outro se
não a nossa realidade superior". (De Lettere, de Sri A u ro
bindo.)
Esses sintomas assinalam o início da "consciência de
grupo", a manifestação mais evidente da nossa Alma, que
está despertando em nós e tomando posse dos seus veí
culos, fazendo penetrar neles a sua consciência ampla e in-
clusiva, eliminando a ilusão da separatividade.
Assim, grau a grau, e quase que inadvertidamente, o
campo do nosso conhecimento se expande e sentimos,
sempre com maior freqüência, sempre mais vividamente,
o senso da unidade submissa à aparente divisão, e isso é
fonte de alegria, de júbilo, de paz infinita.
Estas palavras não são somente poéticas para expres
sarem um estado emotivo ou m ístico, mas são expressões
inadequadas que tentam descrever uma realidade substan
cial, a da completa alegria dada pela expansão da consciên
cia e a superação da separatividade. Com efeito, a fonte de
todo o sofrimento, de toda a angústia, mesmo que não nos
apercebamos disso, é o isolamento, a incomunicabilidade,
pelo que, quando as barreiras do eu egoístico que nos apri
sionam caem, toda a dor desaparece e automaticamente é
substituída por aquilo que é o "m odo de ser" do Eu que,
não por acaso, é definido com três expressões, Sat-Chit-
Ananda, isto é, Existência-Consciência-Alegria, exatamente
157
porque o Espírito contém em si a alegria pura.
"Ser consciente significa ser alegria. Quando a cons
ciência é liberta das m il vibrações mentais, vitais e físicas,
que a têm prisioneira, a alegria é descoberta.. (de
L 'A w entura delia coscienza, de Satprem, p. 72.)
O homem, na realidade, é feito para a felicidade e,
de fato, a procura continuamente, enganando-se, contudo,
na direção dessa sua busca, porque sua consciência obum-
brada não deixa que ele compreenda e especifique qual
seja a única e verdadeira fonte da harmonia, da paz e da
alegria, e qual é o obstáculo que o impede de alcançá-la.
Tal obstáculo é a inconsciência que, todavia, como
já dissemos, é inevitável, sendo o caminho para superá-la o
desenvolvimento da verdadeira consciência, a auto-realiza
ção, entendida como busca da própria autenticidade, como
despertar da própria essência profunda e real, como encon
tro do centro da consciência.
O últim o grau da consciência, pelo menos no que res
peita ao ciclo humano, é a consciência cósmica.
Quer dizer dessa altíssima conquista?
é um estado tão avançado que só pode ser captado
pela intuição e talvez não haja palavras para descrevê-lo.
Todavia, todos os que o alcançaram, fosse por um
único átimo, afirmaram que o caminho para essa meta é
a auto-realização, porque o Eu individual contém, estra
nhamente, o universal.
Ele é, ao mesmo tempo, o centro e a circunferência.
Em seu livro // fuoco delia creazione, diz Van der
Leeuw, tentando descrever esse alto estado de consciência:
158
mo tempo na circunferência e no centro. .. Temos a sensa
ção, não de estarmos perdidos em algo infinitamente maior
mas, por estranho que possa parecer, a sensação é a de que
esse algo infinitamente grande esteja contido em nossa pró
pria consciência".
Na realidade, portanto, não há separação entre o indi
vidual e o universal, não há limites para a consciência e
também nós fazemos parte do Divino, que é Uno.
A consciência cósmica, em síntese, expressa a unida
de e a totalidade reunidas, a fusão do eu com o Todo e o
entendimento do que são a Eternidade e o Infinito.
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QUESTIONÁRIO RELATIVO AO CAPITULO XI
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8. Já sentiram momentos de identificação e empatia
com outras pessoas?
9. Alguma vez já se sentiram identificados com o Todo?
10. Se a resposta for afirmativa, poderão dizer em que
ocasiões?
11. Poderiam dizer quais foram os maiores obstáculos e
impedimentos para o seu desenvolvimento da cons
ciência?
Vinham do inconsciente?
Do ambiente?
De situações emotivas particulares?
Ou outros?
161
EXERCÍCIO N9 11
Meditação para Expandir a Consciência
I. Relaxem.
II. Interiorizem-se.
III. Desidentifiquem-se dos veículos pessoais.
IV. Reconheçam-se no centro da consciência, procurando
sentir de maneira lúcida, calma e plenamente cônscia
de ser um eu, afirmando silenciosamente:
Eu sou um centro de puro conhecimento
Eu sou um centro
Eu sou
V. Depois de alguns minutos de silêncio, com o conheci
mento mantido no centro, procurem sentir uma ex
pansão, uma ampliação da consciência em relação a
tudo e a todos, afirmando para si mesmos:
Não existe senão um único "E u " do qual o meu eu
individual é apenas um reflexo.
Não existe senão uma consciência, da qual a minha
consciência é uma testemunha.
Não existe senão uma única vida da qual a minha
vida é canal.
Não existe senão o eu, realidade absoluta que
impregna todo o universo.
Eu sou aquele eu — aquele eu sou eu.
162
Leia também
O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA MÍSTICA
Joel S. Goldsmith