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A desgraça do ateísmo na economia

P. Andrew Sandlin
Copyright © 2018 de Editora Monergismo
Títulos dos artigos originais: Economic Atheism, Libertarian Marxism, Theological Roots of
the Financial Crisis, Theological Presuppositions of Political Liberalism e Christianity and
Capitalism.


Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
E M
SIA Trecho 4, Lote 2000, Sala 208 — Ed. Salvador Aversa
Brasília, DF, Brasil — CEP 71.200-040
www.editoramonergismo.com.br

1ª edição, 2018

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto e Leonardo Galdino


Revisão: Fabrício Tavares de Moraes e Márcio Sobrinho

P ,
, .

Todas as citações bíblicas foram extraídas


da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) salvo indicação em contrário.
Sumário
Prefácio
I. Ateísmo econômico: o impulso religioso do intervencionismo
II. Marxismo Libertário: a ditadura do igualitário
III. Raízes teológicas da crise financeira
IV. As pressuposições teológicas do esquerdismo político
Apêndice 1: Cristianismo e capitalismo
Prefácio
Russell Kirk afirmava enfaticamente que “a ideologia é a
doença, não a cura. Todas as ideologias, incluindo a ideologia da
vox populi vox Dei, são hostis à permanência da ordem, da
liberdade e da justiça. A ideologia é a política da irracionalidade
apaixonada”.[1]
Ademais, conforme demonstrado pelos trabalhos de filósofos
reformacionais e teonomistas desde Dooyeweerd e Rushdoony,
respectivamente, toda ideologia é necessariamente uma doutrina
soteriológica e, de igual modo, um reducionismo agressivo da
diversidade da ordem da criação.
Ora, todo cristão percebe que a graça de Deus é multiforme,
pois sempre manifesta-se na riqueza do cânone bíblico, que é
constituído de uma abundância de gêneros e formas literários e das
mais diversas experiências do homem em sua caminhada com
Deus; na irredutibilidade das diversas esferas de soberanias e
âmbitos da criação, tanto em seus aspectos materiais quanto
imateriais; na multiplicidade de povos e etnias, que não obstante
foram criados a partir de um só sangue (Atos 17.26); e, por fim, na
copiosa distribuição de dons distintos a todos os membros da igreja,
visando a edificação do Corpo de Cristo.
Desse modo, o impulso salvífico de toda ideologia pressupõe
necessariamente uma queda estrutural e uma redenção imanente.
Dito de outro modo, ao passo que o cristianismo advoga a Queda
como uma revolta ou insubmissão ética[2] do homem em relação ao
seu Criador, e não algo inerente à natureza da criação, a ideologia,
por sua vez, crê que a origem do mal neste mundo encontra-se em
alguma instituição (e.g. o Estado, para os anarcocapitalistas) ou
estrutura (e.g. o patriarcado, segundo o feminismo). Ainda seguindo
o raciocínio, o cristianismo afirma que a redenção advém
necessariamente de Deus, isto é, trata-se de uma ação
transcendental, encontrando-se, portanto, fora do alcance humano;
já a ideologia, em razão de sua crença de que o mal é inerente à
criação, supõe, por conseguinte, que a redenção está ao alcance
das mãos dos homens e que o universo é matéria plástica para seus
sonhos e projeções.[3]
À vista disso, temos conosco, nestes breves ensaios de
Andrew P. Sandlin, ideias vigorosas acerca da mais recente paixão
humana — a ideologia. Ou, mais precisamente, a mais inflamada
religião da modernidade: um culto gnóstico que reduz a riqueza da
ordem criacional a um monismo abstracionista que funde e
subordina toda a realidade a um princípio imanente. É, portanto,
esse fio — a ideologia — que é dissecado, neste livreto, com o
gume da Palavra divina, não somente expondo a deformidade de
visões sociais e políticas que ingenuamente concebemos como
compatíveis à fé cristã, mas também alertando-nos dos perigos que
espreitam todo pensamento humano que se estriba em outro
fundamento que não a revelação.

***

Nos ensaios “O ateísmo econômico” e “Raízes teológicas da


crise financeira”, Sandlin segue a linha de um Rushdoony e de um
Gary North, mostrando como a economia, ao contrário do que
pensam tanto socialistas quanto liberais, é também governada pela
lei de Deus, estando, pois, subordinada à ética bíblica. E não
somente isto, afinal, todo pensamento econômico que não leve em
conta a providência divina invariavelmente torna-se imanentista,
julgando que toda a riqueza é fruto apenas do trabalho humano, e
não também (e principalmente) da graça divina (cf. Salmo 127).
O autor, partindo do pressuposto bíblico de que a religião (o impulso
a uma origem suprema que fornece o sentido para todas as coisas)
determina a totalidade da ação humana, elenca três tópicos —
“providência”, “natureza humana” e “riqueza” — que influenciam a
visão econômica do progressismo e mesmo de pessoas que
inconscientemente são por ele influenciadas.
De fato, se Deus veste gloriosamente a erva do campo, que
hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a nós,
homens de pequena fé? Assim, os intervencionistas creem que o
Estado, e não Deus, é o agente que provê nossas necessidades
desde o nascimento até a morte.[4] Nas palavras de Sandlin:
Para a maioria dos intervencionistas, portanto, o
Estado equivale à providência secular. A política
ocupa o papel da providência ocupada por Deus
no impulso do adorador do Criador. Os
intervencionistas perderam a fé em Deus, ou pelo
menos no Deus ativo e cuidadoso em relação ao
mundo. Portanto, eles colocam sua esperança e
sonhos de justiça econômica no Estado.
Quanto à natureza humana, o progressismo é uma espécie de
pelagianismo político — uma crença na bondade intrínseca do
homem ou, mais comumente, no aperfeiçoamento humano
mediante mudanças estruturais. Como John Passimore demonstrou
em seu livro A perfectibilidade do homem,[5] ao longo da história, as
principais correntes do pensamento apresentam, de maneira geral,
três modos para o aperfeiçoamento do homem: a perfeição técnica,
fundamentada na destreza e domínio de um ofício ou práxis; a
perfeição obedecente, que engloba a anterior, mas fazendo desta
apenas um meio para um fim, a saber, a obediência e submissão à
vontade divina (a visão cristã); e, por fim, a perfeição teleológica (a
visão clássica, mais especificamente aristotélica), que crê na
eudemonia (a felicidade) como o fim ao qual o homem deve dirigir-
se por meio da virtude. Como é evidente e atestado por Passimore,
a modernidade testemunha a prevalência, quando não a
exclusividade, da primeira acepção da perfeição.
Assim, o homem é a massa ou argila do homem, moldado e criado
segundo a imagem e semelhança do Estado. Nos dizeres de
Sandlin, “quando o homem perde a esperança na santificação
espiritual, ele passa a esperar pela perfectibilidade humana. Do
mesmo modo que o intervencionismo é uma forma de providência
secular, também a engenharia social é uma maneira de santificação
secular”. E, por sua vez, “o Estado é o grande santificador. Ele
limitará ou criminalizará essas ações injuriosas. Será bem-sucedido
onde falhamos. A natureza humana foi poluída. Mas o Estado a
aperfeiçoará — nos fará melhor do que somos”.
A riqueza, no entanto, o último dos pontos elencados por Sandlin
que fundamentam a crença no intervencionismo econômico, é um
tópico com relação ao qual os próprios cristãos frequentemente se
equivocam. A Bíblia de fato afirma que “o amor do dinheiro é raiz de
todos os males” (1 Timóteo 6.10), porém, como Sandlin ressalta, é o
amor do dinheiro, e não o dinheiro em si, o problema.
E nesse ponto, curiosamente vemos hoje os extremos
oriundos de interpretações equivocadas: a teologia da prosperidade,
“uma caricatura do evangelho bíblico”, e a teologia da libertação (e
variantes como a TMI), com o chavão de que Deus sempre
demonstrou uma opção preferencial pelos pobres. À vista disso, o
autor é enfático: “quando atacamos a riqueza e sua criação como tal
(não sua perversão), opomo-nos a uma parte crítica do plano do
Senhor para expandir seu reino no mundo”.
De fato, a pobreza é uma das consequências do pecado, o
qual corrompeu a criação de Deus, que fora outrora ainda mais
abundante. É por isso também que o trabalho, designado ao homem
desde o princípio, tornou-se penoso, de modo que sua subsistência
está atrelada ao seu esforço (“o suor de seu rosto”). Ademais, se a
salvação não se limita à regeneração, mas abrange também a
concessão de dons ao eleito, de igual modo a redenção é não
somente uma restauração do cosmo, mas também seu
enriquecimento. É por isso que o livro de Apocalipse prevê que, à
Nova Jerusalém, serão trazidas “a glória e honra das nações”
(Apocalipse 21.26).
De semelhante modo, no segundo ensaio mencionado acima,
Sandlin oferece uma sucinta análise econômica e teológica das
origens da chamada “bolha imobiliária” do ano de 2008, nos Estados
Unidos, cuja reverberação atingiu, como é óbvio, vários outros
mercados. O que surpreende nessa análise é que ela não se detém
em chavões piedosos e diagnósticos generalizados, conforme se dá
frequentemente em comentários teológicos sobre a economia no
meio reformado. Demonstrando como o pecado humano se
manifesta concreta e visivelmente na economia, Sandlin fornece-nos
um paradigma de piedade aplicada ao conhecimento técnico. Se,
como a Bíblia afirma, dois pesos, duas medidas são abomináveis a
Deus, segue-se que a fraude não somente chama para si o juízo de
Deus sobre uma nação, mas também leva ao colapso toda a
“sociedade da confiança” (Alain Peyrefitte), que é uma das bases do
livre mercado. Nesse sentido, Sandlin explora os agentes e ações
fraudulentos que culminaram numa crise, cujas repercussões não se
restringiram ao âmbito econômico:
A fraude na crise de 2008 era palpável. E ela
começou de cima. Você sabia que “foi o governo,
e não Wall Street, quem primeiro securitizou os
empréstimos modernos”? Foram duas
organizações patrocinadas pelo governo, mais
conhecidas como Fannie Mae e Freddie Mac,
quem compraram hipotecas de bancos. Um custo
que os bancos tiveram de assumir para livrar-se
das hipotecas e obter uma compensação
completa delas foi imediatamente aderir aos
padrões de empréstimos estabelecidos por
Fannie e Freddie, o que significa padrões
estabelecidos pelo governo federal. Uma vez que
o banco central (bem como os principais partidos
políticos) haviam concordado com “habitações a
preços acessíveis” — uma categoria política, não
de mercado —, os credores foram obrigados a
relaxar seus padrões caso quisessem vender
seus empréstimos para Fannie e Freddie. E por
que eles não iriam querer? Diferente de quase
todos os outros consumidores de empréstimo em
larga escala, Fannie e Freddie estavam
respaldados pela “plena fé e crédito” do governo
federal. Os investidores adoravam Fannie e
Freddie. Se houvesse inadimplências nas
hipotecas, eles ainda receberiam seu dinheiro.
Isso significa que os pagadores de impostos
salvariam esses empréstimos. Agora você sabe
por que Fannie e Freddie detinham — e detêm —
a maior parte das hipotecas dos Estados Unidos.
Os investidores querem a segurança garantida
pelos pagadores de impostos. Uma vez que esse
plano socialista está associado com a pressão
política sobre essas agências patrocinadas pelo
governo, a fraude é quase garantida. Os credores
que queriam vender hipotecas para Fannie e
Freddie eram obrigados a conceder empréstimos
a pessoas que geralmente não podiam pagá-los.
Isso, por sua vez, promoveu “financiamento
criativo”, empréstimos de alto risco, empréstimos
não quitados, empréstimo com altos juros e assim
por diante.
Fugindo, pois, às falsas e ingênuas dicotomias esquerdista e liberal
que atribuem respectivamente toda a culpa das crises ao
empresariado e às intervenções estatais, Sandlin retoma o conceito
bíblico de que as origens da fraude, da avareza, da mesquinharia,
dos abusos encontram-se no coração humano e no desejo de
prosperidade à parte da benção divina.
Com efeito, o livre mercado, que é o modo em conformidade
às Escrituras para a ação econômica do homem, não existe
separadamente das condições civilizacionais e éticas que o
propiciaram, condições estas que se fundamentam num sistema de
valores morais e sociais oriundos da cosmovisão cristã. Se
abstraímos o livre mercado dessas circunstâncias e em seguida
exaltarmo-lo de modo idólatra ao status de fonte última de
benesses, então caímos no reducionismo economicista, no reino da
inverdade.[6]
Já nos ensaios “Marxismo libertário” e “As pressuposições
teológicas do esquerdismo político”, Sandlin apresenta, no primeiro
deles, um breve panorama, seguido de análise teológica, acerca da
revolução que sem dúvida moldou e estabeleceu grande parte do
comportamento moral, cultural e principalmente sexual do mundo de
hoje. De fato, as manifestações que tomaram as ruas de Paris em
1968, que retroalimentaram alguns posicionamentos filosóficos (em
especial o pensamento de Sartre e Foucault) e foram o fruto
imediato das ideias de Marcuse, marcaram todo o imaginário do
Ocidente, atingindo mesmo países periféricos como o Brasil, com o
maoísmo de um Godard, por exemplo. Nas palavras de Sandlin:
Eles se convenceram cada vez mais de que a
revolução marxista-leninista era só o começo. Ela
não foi longe o bastante. O marxismo não era
suficientemente radical. Tinha de oprimir e mudar
a cultura inteira. Tinha de mudar a maneira como
as pessoas pensam, não apenas como
compartilham seus bens. A economia fora só o
começo.
Esses jovens radicais começaram a acreditar que
tinham a obrigação de defender os
marginalizados da sociedade — gays, negros,
mulheres, imigrantes e presidiários. Eles
começaram a acreditar que a própria estrutura da
sociedade ocidental, não apenas o aspecto
econômico, era opressiva. Mudar a política não
bastava; seria trocar um tirano por outro. Eles
tinham de mudar a própria cultura.
Ora, a cultura é tanto o resultado direto do domínio do homem sobre
a criação, conforme designado por Deus, quanto um conjunto de
princípios éticos, estéticos e religiosos que serve às gerações
subsequentes como diretriz para diversas atividades humanas.
Dessa maneira, a transmutação cultural pretendida pelos
revolucionários do século XX significou não apenas uma ruptura do
homem em relação à visão de domínio anteriormente exercido sobre
o mundo, mas também a fomentação de uma nova mentalidade.
As sementes do caos sexual que tem sido atualmente promovido
até mesmo entre as escolas foram lançadas nessa época propícia.
A revolta contra a sexualidade em última instância é uma hostilidade
para com a ordem divina. Segundo Rousas J. Rushdoony: “Para
superar a imutabilidade da sexualidade, a rebelião dos anos 60 e 70
exaltava a ideia do unissex. A fim de subjugar a ordem de Deus, a
juventude revolucionária, em suas vestimentas e cumprimento do
cabelo, esforçou-se por obliterar as distinções sexuais”.[7]
Roger Kimball, por seu turno, em sua obra The Long March: How
the Cultural Revolution of the 1960s Changed America [A longa
marcha: como a revolução cultural dos anos 60 mudou a América]
afirma que a cultura do mundo contemporâneo é, em grande parte,
o efeito dessas profundas transformações irracionalistas:
Nós — o mundo industrializado, tecnologizado —
jamais fomos tão ricos. E, todavia, numa medida
extraordinária, nós, no Ocidente, continuamos a
habitar no universo moral e cultural moldado
pelos imperativos hedonistas e pelas ideias
radicais dos anos 60. Culturalmente, moralmente,
o mundo em que habitamos é um mundo-lixeira:
viciados em sensação, cercados por toda parte
pelo ruído cacofânico e entorpecente do rock,
saturados com pornografia, escravos do mínimo
denominador comum em tudo referente ao gosto,
modos ou sensibilidade intelectual. Marwick
estava certo: “A revolução cultural, em suma, teve
consequências contínuas, ininterruptas e
duradouras”.[8]
E é essa mixórdia de pressupostos pelagianos, anticristãos e
humanistas que constituem a base do atual esquerdismo, segundo a
análise de Andrew Sandlin. Se partirmos da crença de que a
violência é resultado direto da desigualdade econômica ou do
ambiente social circundante, segue-se que o caminho para a
mudança de comportamento de criminosos e de contraventores é a
reeducação, e não a regeneração. É assim que políticos
estabelecem relações imorais com grupos terroristas, com ditadores
e autocratas:
Os esquerdistas defendem incessantemente o
diálogo e a diplomacia, mesmo com os ditadores
mais sangrentos e sedentos de poder como os
líderes do ISIS e Vladimir Putin, presidente da
Rússia. Esses líderes não são maus; estão
apenas equivocados. Se nós, esquerdistas
sensatos, pudermos tão somente sentar e
conversar com eles, poderíamos persuadi-los de
seus caminhos errôneos. É exatamente esse tipo
de política estrangeira completamente ingênua
que fomenta mais agressão e tirania.
E aqui cabe uma aplicação às nossas atuais circunstâncias. Pois, no
Brasil, particularmente, a capitulação de toda uma sociedade à
violência e caprichos de um narcoestado é a consequência de um
longo processo de erosão da moralidade cristã (e
consequentemente da capacidade de formulação de juízos éticos)
aliada a um conluio deliberado entre agentes políticos e criminosos.
Num seu artigo intitulado “Bandidos & Letrados”, o filósofo Olavo de
Carvalho resumidamente enumera os resultados dessa perspectiva
teológica do progressismo em relação à criminalidade:
Humanizar a imagem do delinquente, deformar,
caricaturar até os limites do grotesco e da
animalidade o cidadão de classe média e alta, ou
mesmo o homem pobre quando religioso e
cumpridor dos seus deveres — que neste caso
aparece como conformista desprezível e virtual
traidor da classe —, eis o mandamento que uma
parcela significativa dos nossos artistas tem
seguido fielmente, e a que um exército de
sociólogos, psicólogos e cientistas políticos dá
discretamente, na retaguarda, um simulacro de
respaldo “científico”.
À luz da “ética” daí resultante, não existe mal no
mundo senão a “moral conservadora”. Que é um
assalto, um estupro, um homicídio, perto da
maldade satânica que se oculta no coração de um
pai de família que, educando seus filhos no
respeito à lei e à ordem, ajuda a manter o status
quo? O banditismo é em suma, nessa cultura, ou
o reflexo passivo e inocente de uma sociedade
injusta, ou a expressão ativa de uma revolta
popular fundamentalmente justa. [...] A conexão
universalmente admitida entre intenção e culpa
está revogada entre nós por um atavismo
marxista erigido em lei: pelo critério “ético” da
nossa intelectualidade, um homem é menos
culpado pelos seus atos pessoais que pelos da
classe a que pertence.[9]
Por fim, como apêndice ao presente livreto, temos o artigo
“Cristianismo e capitalismo”, de Rousas J. Rushdoony, uma das
grandes influências ao pensamento de Sandlin e nome que
felizmente dispensa apresentações para aqueles que de fato se
interessam por uma análise vigorosamente bíblica do pensamento
político, econômico e histórico.
No texto em questão, Rushdoony defende que, sendo a lei o
requisito para toda liberdade, logo a própria liberdade econômica só
é possível por meio de sua fundamentação na vontade divina
revelada. Disto, o teólogo procede com sua perspectiva de que a lei
do amor, diferentemente da interpretação sentimentalista do
humanismo e de algumas vertentes cristãs, é a base para a
cooperação e concorrência numa sociedade de livre mercado. A
ideia de que os homens estão em guerra absoluta, mais hobbesiana
do que bíblica, não prevê a atuação da providência divina no
mundo; e a perspectiva marxista, que anseia pela cooperação
(ainda que coercitiva) de todos em prol do bem-estar coletivo, não
leva em consideração, por sua vez, os juízos e recompensas que
Deus anuncia em sua Palavra e que se estende a crentes e
descrentes. Assim, segundo Rushdoony:
Historicamente, a competição do mercado livre
tem sido apenas possível onde uma cultura
comum e uma fé comum levam indivíduos a
cooperarem uns com os outros. Os homens
competem por cooperação na confiança que
outros respeitem a qualidade, e eles
constantemente melhoram seus produtos e
serviços para conseguir essa cooperação. A
cooperação morre se a competição morrer, pois
então a “tração”, compulsão e a força substituem
as atividades livres e cooperativas do mercado.
Portanto, contra o antinomianismo de nossos dias, que assola
especialmente a igreja brasileira, Rushdoony nos conclama a
novamente reestabelecermos o padrão do amor tanto em nossa
vida individual quanto social: isto é, a obediência e cumprimento da
lei divina (Romanos 13.10).

Post Tenebras Lux


— Dr. Fabrício Tavares de Moraes
Janeiro de 2018
I. Ateísmo econômico: o impulso religioso do
intervencionismo

Introdução[10]

Começo com uma premissa ousada — alguns diriam


impudente: a visão econômica de alguém sem dúvida indica sua
cosmovisão. Afirmo ainda que a disputa sobre economia em que o
Ocidente está envolvido hoje consiste em um conflito de
cosmovisões e visões. Sustento, por fim, que essas cosmovisões e
visões têm raízes religiosas (como todas as cosmovisões e visões
são em última instância). Como consequência, as batalhas
econômicas e de política econômica são religiosas, mesmo que
muitas vezes implicitamente religiosas.
O conceito de cosmovisão tem se destacado desde o século
XIX. As cosmovisões são, pura e simplesmente, formas de ver o
mundo. Na esteira de Immanuel Kant, os pensadores passaram a
perceber que nós, seres humanos, construímos uma realidade
mental a partir do mundo objetivo encontrado em qualquer lugar.[11]
O todo dessa realidade é a cosmovisão do indivíduo. Trata-se da
imagem do mundo em termos do que amamos, raciocinamos,
avaliamos, julgamos e tomamos nossas decisões.
Cosmovisões são como pâncreas. Todos têm um, mesmo
que nós não saibamos ou pensemos sobre ele.
Também existe o conceito das visões, popularizado por
Thomas Sowell.[12] Ele afirma que as visões são ainda mais básicas
que as cosmovisões. As visões são pré-cognitivas, quase intuitivas,
impulsos sobre o funcionamento do mundo. Enquanto as
cosmovisões se centram no pensamento, as visões se concentram
em nossas percepções e intuições — os sentimentos viscerais,
poderíamos dizer.
Todavia, há uma questão ainda mais profunda: o impulso
religioso. A questão atordoante é: como o homem se relaciona com
Deus? Julgo essa divisão na humanidade a mais básica de todas.
Nos termos do apóstolo Paulo, é uma divisão entre quem adora e
serve ao Criador e quem adora a criação e serve a ela (Rm 1.25),
incluindo o próprio homem.[13]
Essa divisão não é sectária ou denominacional. Não se trata,
em outras palavras, de católicos romanos contra protestantes, ou
metodistas versus batistas versus presbiterianos. Nem de
evangélicos em oposição a não evangélicos.
Não, a divisão religiosa básica é entre quem posta o Deus
trino no centro de sua vida e quem o coloca de lado ou o ignora por
completo.
Sem dúvida, a divisão não é absoluta. Os crentes mais
devotos carregam consigo um resíduo da natureza pecaminosa e da
rebelião contra Deus. E o ateu mais vociferante ainda porta a imago
Dei, a imagem de Deus em seu ser (e deveria ser tratado com
dignidade por essa razão).
Mas o fato de a divisão não ser absoluta não a torna menos
real. Para ser franco, o mundo é povoado por adoradores do Criador
e da criatura. Em princípio, nenhum acordo pode transpor o
precipício entre eles. Eles adoram, pensam e agem de formas muito
diferentes, porque cada um começa e partir de uma premissa de
vida bastante diversa, de exclusão recíproca e fundamentalmente
irreconciliável.
Neste ponto, eu poderia ser acusado de “raciocínio
maniqueísta”, de afirmar que o mundo consiste em uma grande
batalha entre o bem e o mal, de incorrer no mesmo erro exposto
pela crítica “iluminada” de Ronald Reagan ao declarar que a União
Soviética era um “império mau”, ou de George W. Bush quando
incluiu o Irã no “Eixo do Mal”.
O raciocínio pode não ser maniqueísta, mas é sem dúvida
cristão. Há um grande bem e um grande mal no mundo. E o homem,
por sua parte, manifesta essa bondade e maldade na adoração ao
Criador ou à criatura.
Essa divisão percorre os grandes temas da vida. Um deles é
a economia. Não se pode presumir que a economia consistente do
adorador do Criador seja semelhante à do adorador da criatura.
Como poderia?
Em uma questão vital tão difundida, concreta e visível como a
economia (a forma de compensação pela troca de bens e serviços,
do compartilhamento de recursos naturais da terra, da transferência
de bens de uma geração a outra, da permissão ao Estado, e do
percentual, para tomar proveito desses recursos bem como dos
bens dos indivíduos, e se as pessoas devem ser, de fato, donas de
seus bens) — em questões básicas como essas, o impulso religioso
é, e sempre deve ser, controlador.
A economia consistente do adorador do Criador deve
conflitar, pela própria natureza, com a economia consistente do
adorador da criatura.
Nada disso significa que todos os cristãos apresentem o
ímpeto apropriado de adorador do Criador e que todos os não
cristãos não o façam. Nenhum por um momento afirmo que meus
irmãos e irmãs do Sojourners (grupo que creio defender a economia
de adorador da criatura) não são companheiros cristãos.
Entretanto, argumento que eles não pensam e agem como
cristãos consistentes em questões econômicas.
Da mesma forma, muitos incrédulos agem como cristãos
quando o tema é economia. Mas quando o fazem, denunciam o
próprio ímpeto não cristão. A questão em jogo é consistência com o
impulso religioso básico — a centralidade do Criador ou da criatura.
Permitam-me mencionar com brevidade três formas em que
esses dois impulsos conflitam no relacionamento com a economia
no mundo de hoje.
1. Providência

A cosmovisão econômica predominante nas elites[14]


ocidentais em nossos dias é intervencionista. Com isso não me
refiro à ideia de que o papel válido do Estado na economia é
garantir a igualdade de condições (reforçando contratos, suprimindo
fraudes etc.). Isso é apenas o que o Estado deveria fazer, mas esse
ponto de vista é quase o oposto do intervencionismo.
Sendo o homem pecador, como o cristianismo assevera, ele
sempre tentará obter vantagens econômicas injustas ao não cumprir
suas promessas, mentindo sobre bens e serviços, e roubando do
próximo. Uma das razões para a existência do Estado, na teologia
cristã, é assegurar que o homem pecador não cometa esses
pecados com impunidade (Rm 13.1-7).
O Estado mantém as trocas econômicas justas para que
cada um possa agir com liberdade, mas as pessoas também devem
agir com honestidade. O Estado interfere no mercado apenas para
assegurar que ninguém roube ou defraude (Êx 22.1-6).
Esta não é a visão do papel do Estado na economia de
acordo com as elites atuais. Seu papel deve ser intervencionista —
de uma forma muito diferente.
Portanto, com intervencionismo quero dizer que o papel
primário da política é acabar com as condições equitativas de
concorrência, a fim de garantir resultados específicos do que as
elites consideram a sociedade justa.
Por exemplo, os políticos decidem em quanto consiste o
“salário digno”, e o decretam. Isto é, não se permite que os
empregadores contratem empregados livremente; eles não devem
pagar menos que a quantia determinada.
De modo similar, os políticos determinam o nível e o tipo de
educação a que os jovens de um país têm direito, e ordenam que as
escolas financiadas por impostos implementem sua decisão
educacional. Os pais não têm permissão de se desviar desse tipo de
educação se enviam seus filhos para escolas financiadas por
impostos.
Da mesma forma, as elites políticas chegam ao suposto
padrão mínimo de assistência médica para todos os cidadãos.
Esses políticos então coagem prestadores de serviços médicos e
companhias de seguros para decretar esse conceito universal de
cuidados médicos — tudo financiado pelo público (isto é, pela
política).
Não importa o que pensamos dessas políticas, uma coisa é
clara: elas não são idênticas ao que aconteceria se os indivíduos
(consumidores e produtores) fossem livres para fazer escolhas
próprias nessas questões.
Por exemplo, os trabalhadores recém-ingressados no
mercado podem se deliciar com as leis do salário mínimo, mas a
maioria dos proprietários de empresas pequenas sem dúvida não o
faz. Eles poderiam desejar contratar mais trabalhadores, mas não
podem se dar ao luxo porque são forçados a pagar salários
inflacionados a quem já trabalha. De fato, eles podem sair do
mercado por não poderem pagar os custos do trabalho. Então
ninguém recebe. Mas para as elites intervencionistas, esse é o
preço que se deve pagar para garantir os resultados deles.
Não há problema em impedir que os jovens consigam
trabalho, conquanto uns poucos que já o possuem ganhem o salário
mínimo.
Além do mais, alguns pais podem preferir a experiência de
ensino secundário altamente secular (e não raro abaixo do padrão)
para seus filhos. Mas muitos outros prefeririam usar a própria renda
dedicada agora aos impostos para obter um tipo diferente de
educação. As elites intervencionistas não lhes dão essa
oportunidade.
Da mesma forma, certos cidadãos de meia-idade, bem como
cidadãos de classe média com baixa renda, podem valorizar a
assistência médica universal. Mas a maioria dos trabalhadores
jovens certamente não — de modo geral, eles desejam a cobertura
de saúde adequada para a própria idade e condição física. Mas a
assistência médica universal está menos interessada no que
qualquer pessoa específica deseja que no desejo das elites.
O ponto de vista alternativo (não intervencionista), por
contraste, deseja condições de concorrência equitativas. Deseja que
indivíduos (empresários e clientes) tomem decisões próprias sobre
custos salariais, assistência médica e outras decisões da vida.
Admitem que isso significa que nem todos obterão o mesmo salário,
conseguirão as oportunidades educacionais, ou usufruirão do
mesmo nível de assistência médica. Estão tranquilos com a
desigualdade, pois valorizam mais a liberdade que a igualdade.
(Somos lembrados da resposta correta às pessoas que acusam os
testes padronizados da escola como injustos: “Não, a vida é injusta,
e testes padronizados apenas demonstram esse fato”.)
Muitos leitores destas linhas entendem esses fatos, mas
quero dizer que por trás das duas abordagens estão dois impulsos
religiosos, não apenas visões econômicas ou mesmo cosmovisões.
A cosmovisão intervencionista conflita com a cosmovisão cristã no
nível mais básico.
Os cristãos afirmam a providência de Deus.[15] Declaramos
que Deus criou e sustenta todas as coisas. Sustentamos que Deus
age no mundo. Ele estabelece e derruba reinos. Não cremos que
ele coaja a escolha humana para realizar sua vontade. Ele opera de
forma orgânica com as escolhas do homem para cumprir seu
desejo. Não podemos explicar plenamente por que ele permite o
mal. Seus caminhos são misteriosos. Mas preferirmos os caminhos
misteriosos e benevolentes de Deus à fé nos caminhos não
misteriosos e não benevolentes do homem.
Isso chega ao cerne dos impulsos religiosos do
intervencionismo e do não intervencionismo econômico.
Nós, não intervencionistas, confiamos que Deus age no
mundo. No seu tempo, ele recompensa a justiça e pune o mal.
Abençoa escolhas econômicas sábias. Ele governa os
investimentos. Faz algumas empresas terem sucesso e outras
fracassarem. Nem sempre entendemos seus caminhos, mas cremos
que ele age ativamente. No final, a verdade e a justiça triunfarão no
mundo — e no mercado.
A forma principal de implementar sua providência é a ação
humana. Salomão escreve: “O coração do homem traça o seu
caminho, mas o S lhe dirige os passos” (Pv 16.9). Sem coagir
as escolhas do homem ou anular sua personalidade, Deus opera
nele para realizar seus propósitos na vida do indivíduo e no mundo.
Em última instância, a história humana é o que é por causa
da soberania divina. Mas de maneira imediata ela decorre da ação
humana. Sem dúvida, essas decisões são muitas vezes comunais
(família, empresa, igreja e Estado), mas essas comunidades
consistem em indivíduos reflexivos e atuantes. No fim, os indivíduos
são responsáveis. Eles sãos os principais agentes da providência
divina.
Não negamos que o próprio Estado seja parte da ordenação
providencial do mundo por Deus. Mas ele tem limites prescritos de
acordo com a revelação divina. O Estado protege contra o abuso
externo de pessoas e propriedades. Ele não está aqui para trazer
perfeição absoluta e justiça cósmica antes do almoço da próxima
quinta-feira, mas para permitir aos indivíduos liberdade máxima sob
a lei para pensar e agir e viver na boa terra de Deus (1Tm 2.1,2).
Os indivíduos desenvolvem a própria salvação (Fp 2.12), mas
Deus está no centro de tudo, sustentando todas as coisas pela
palavra do seu poder (Hb 1.3).
Entretanto, os intervencionistas não confiam na providência
divina. Eles já decidiram o que é a sociedade justa e quão rápido ela
deve aparecer. Os caminhos de Deus são muito misteriosos e
tardios. Deus permite que alguns fiquem ricos e outros permaneçam
pobres, mesmo que pobres apenas em sentido comparativo. Ele
concede que capitalistas gananciosos ganhem muito dinheiro, e não
fornece aos pobres fornos micro-ondas, aparelhos de blu-ray e
jantares com costela com rapidez suficiente. De fato, de acordo com
muitos intervencionistas, Deus não existe ou deixou a ordenação do
mundo à humanidade — de forma específica para uns poucos
indivíduos nobres, sábios e dotados, pessoas como eles, claro. As
elites.
Para a maioria dos intervencionistas, portanto, o Estado
equivale à providência secular. A política ocupa o papel da
providência ocupada por Deus no impulso do adorador do Criador.
Os intervencionistas perderam a fé em Deus, ou pelo menos no
Deus ativo e cuidadoso em relação ao mundo. Portanto, eles
colocam sua esperança e sonhos de justiça econômica no Estado.
O Estado deve resgatar as companhias falidas (com dinheiro
confiscado sob coerção de seus cidadãos, é claro). Ele deve prover
para os idosos (ou, como foi sugerido), permitir sua eliminação
quando não mais servem aos propósitos sociais (da elite). Deve
educar os jovens no caminho da justiça, bondade e democracia. O
Estado deve equalizar rendimentos visto que a desigualdade
econômica é injusta. Injusta, é claro, aos olhos da elite
intervencionista.
Essa justiça imposta deve ser implementada, mesmo que
produza danos econômicos à sociedade. Ouça uma parte da
conversa entre o candidato Barack Obama e o âncora da ABC
News, Charlie Gibson, no debate das primárias presidenciais do
partido democrata na Pensilvânia:

GIBSON: — Em cada caso, quando o imposto [sobre ganhos de


capital] caiu, a receita oriunda dos impostos aumentou; o
governo recebeu mais dinheiro. E na década de 1980, quando o
imposto foi aumentado para 28 por cento, as receitas caíram.

Assim, por que aumentar o imposto, em especial quando se


considera o fato de que 100 milhões de pessoas neste país
possuem ações e seriam afetadas?

OBAMA: — Bem, Charlie, eu disse que olharia para a elevação


do imposto sobre ganhos de capital para fins de equidade.

Vi um artigo hoje que mostrava que os 50 maiores gestores de


fundos hedge fizeram 29 bilhões de dólares no último ano — 29
bilhões de dólares para 50 indivíduos. E parte do que tem
acontecido é as pessoas capazes de trabalhar no mercado de
ações e acumular grandes fortunas sobre ganhos de capital
pagam uma taxa de imposto menor que a das suas secretárias.
Isso não é justo.[16]

Chamo sua atenção para um fato saliente: mesmo que a


diminuição de impostos sobre ganhos de capital estimule a
economia (ajudando assim os pobres) e crie o aumento das receitas
físicas, eles estão errados por não ser justo. Barack Obama
resolveu decidir o que é justo, mesmo que a justiça prejudique os
pobres e o restante do país.
A questão não é riqueza e pobreza. A questão é o papel das
elites em brincar de Deus na hora de decidir quem recebe o quê.
Essa é outra forma de afirmar: os intervencionistas desejam
que o Estado brinque de Deus. Eles não podem confiar que Deus
seja Deus.
Digo que o intervencionismo é em sua raiz um credo infiel,
agnóstico e mesmo ateísta. Mesmo quando os cristãos o defendem,
eles pensam e agem como incrédulos, não como cristãos.
2. Natureza humana

Há um segundo aspecto do conflito econômico com raízes


nos dois ímpetos religiosos conflitantes. Ele talvez seja mais bem
resumido por um incrédulo, François Bizot, o único jornalista
sobrevivente à captura pelo Khmer Vermelho, o partido comunista
radical do Camboja que assassinou um terço da população do
próprio país entre 1975 e 1979.
Após observar o Khmer Vermelho à curta distância, e de
forma dolorosa, ele escreveu:

Detesto a noção de um novo amanhecer em que o Homo


sapiens [humanidade] viverá em harmonia. A esperança
engendrada por essa utopia justificou os extermínios mais
sanguinários na história.[17]

O Khmer Vermelho não foi o único. Robespierre e Lênin,


Stálin e Mao, Ho Chi Min e Pol Pot — todos criam que a
humanidade era inerentemente boa, mas ela havia sido corrompida
por instituições humanas. Eles poderiam inaugurar a utopia se
conseguissem reestruturar a natureza humana — expulsar o
individualismo, o interesse próprio e a fidelidade religiosa tradicional
do coração humano. Todos eles falharam de modo absoluto.
Deixaram milhões de pessoas mortas, assassinadas, torturadas e
desumanizadas.
Por que a maioria dos tiranos no mundo moderno abraça
conceitos otimistas em demasia a respeito da natureza humana?
Por que à raiz da liberdade humana está uma visão sombria da
natureza humana? Essa justaposição não é contraditória? Não, não
é.
Deveríamos conhecer o ponto de vista do adorador do
Criador. O homem nasce pecador. Mas ele pode ser redimido por
Jesus Cristo, que morreu para nos salvar dos nossos pecados se
confiarmos nele (Jo 3.16).
Todavia, a natureza humana, mesmo a natureza humana
redimida, não existe à parte do pecado nesta vida. Ela pode ser
aprimorada pela graça divina, mas não se torna perfeita (1Jo
1.9,10). Sem dúvida, ela não pode ser aperfeiçoada pelo homem.
Ela será perfeita, na eternidade, mediante a atuação de Deus e não
pelo poder do homem. Em outras palavras, cremos na
perfectibilidade sobrenatural futura, não na presente.
Todos nós desejamos a salvação, a vida melhor agora para
nós mesmos, para nossa família e amigos e a vida futura melhor
que a presente. Todos concordamos que o mundo não é o que
deveria ser, e deveria ser melhor do que é.
Contudo, a humanidade em pecado tornou este mundo
menor que o ideal. Poderíamos ter um mundo melhor, se apenas
fôssemos uma humanidade melhor.
Deus tem a resposta para o problema — a salvação do
pecado em seu Filho Jesus Cristo (Jo 14.6). Essa é a única forma
de transformação do mundo — quando Deus transforma o homem
de maneira gradual, embora nunca de modo pleno na vida presente.
Isso se chama santificação. Deus nos conforma à imagem do seu
Filho de forma crescente. A conformidade comporta benefícios
sociais. Entretanto, a santificação não chega ao fim nesta vida.
Isso significa que os cristãos negam a possibilidade de
utopias terrenas.[18] Podemos ter um mundo melhor, mas apenas
nos termos de Deus e com seu poder — e nunca em plenitude antes
do estado eterno.[19]
Os adoradores do Criador afirmam que a natureza humana
não é maleável pelo homem. Não podemos mudar o que significa
ser humano. Só Deus é capaz de nos mudar, e ele escolheu nos
transformar de maneira cabal apenas na eternidade.
Mas os adoradores da criatura desistiram de recorrer ao
sobrenatural. Portanto, eles depositam a esperança em meios
naturais para transformar a natureza humana. Enquanto os
adoradores do Criador defendem a perfectibilidade sobrenatural
futura, os adoradores da criatura confiam na perfectibilidade natural
presente.
Isso é uma receita para o horror, e essa receita foi levada ao
forno várias vezes nos últimos 300 anos — sempre servida no
mesmo prato amargo.
E a receita quase sempre inclui a intervenção econômica
como um dos ingredientes principais.
Algumas vezes identificamos Estados marxistas como
paraísos de engenharia social. Porém, eles também são focos de
engenharia econômica, e um raramente se encontra sem o outro.
Engenheiros econômicos, como engenheiros sociais (o que a
maioria deles é), cobiçam as alavancas da política de coerção
porque querem transformar a natureza humana mediante a
transformação das condições humanas.
Isso não é menos verdade nos intervencionistas
democráticos do Ocidente que nos marxistas radicais.
Já no antigo Manifesto humanista I (1933), assinado por
pessoas como John Dewey, se lê:
O humanismo religioso afirma que todas as associações e
instituições existem para a realização da vida humana. A
avaliação, a transformação, o controle e a direção inteligente
dessas associações e instituições com a visão voltada para a
expansão da vida humana consiste no propósito e programa do
humanismo. Sem dúvida, as instituições religiosas, suas formas
ritualísticas, seus métodos eclesiásticos e suas atividades
comunitárias precisam ser reconstituídos com tanta rapidez
quanto a experiência permitir, de modo que funcionem de modo
efetivo no mundo moderno.

Os humanistas estão firmemente convencidos de que a existente


sociedade motivada pelo lucro e acúmulo tem se mostrado
inadequada, e que a mudança radical nos métodos, controles e
motivos precisa ser instituída. É preciso estabelecer uma ordem
econômica cooperativa e socializada para possibilitar o objetivo
da distribuição equitativa dos meios de vida. O objetivo do
humanismo é a sociedade livre e universal em que as pessoas
cooperem para o bem comum de forma voluntária e inteligente.
Os humanistas exigem a vida compartilhada no mundo
compartilhado.

Observe a conexão. O ímpeto religioso do homem deve


reformular a cultura e sociedade a fim de reestruturar a humanidade
nova e completa. E a forma para fazer isso é empregar o
intervencionismo. O intervencionismo é a ferramenta social para
criar a natureza humana nova e aprimorada.
O homem deve estar no centro de todas as coisas, e o
intervencionismo precisa garantir a sociedade humana justa —
segundo a definição dos elitistas, claro.
Nem todos os intervencionistas defendem a perfectibilidade
humana, mas quase todos colocam a esperança na economia
politizada para alterar o ambiente a fim de transformar o homem. O
homem é cobiçoso. As elites devem tirar a ganância dele para que
se possa ter uma sociedade justa e correta. Isso se faz mediante o
confisco da riqueza e das posses do homem, tornando-o
dependente do Estado para obter saúde, educação e bem-estar e
ao desencorajar hábitos danosos como fumar tabaco, ingerir
comidas gordurosas e possuir armas de fogo.
Homem e mulher podem ser melhores do que são, e nós — a
elite, os virtuosos, os magnânimos, os abnegados, os sábios e,
acima de tudo, os humildes — podemos construir um mundo melhor
ao reconfigurar a natureza humana.
Vejam: quando o homem perde a esperança na santificação
espiritual, ele passa a esperar pela perfectibilidade humana. Do
mesmo modo que o intervencionismo é uma forma de providência
secular, também a engenharia social é uma maneira de santificação
secular.
Deixemos isso mais concreto.
Ouvimos a expressão “os melhores anjos de nossa natureza”.
Nestes dias, sempre parece haver um componente político anexado.
Poderíamos denominá-lo perfectibilidade política — o conceito, em
geral implícito, de que na política se pode fazer algo impossível fora
dela. Os políticos oferecem um tipo de santificação pessoal. O
Estado nos torna pessoas melhores.
Deixados sós, nós nos permitimos acumular com avidez mais
posses que o necessário. Não temos nenhum cuidado pelos idosos
ou cuidados médicos dos concidadãos. Há, entretanto, um remédio
para essa doença: o Estado. Ele nos santifica, e extrai o melhor da
natureza humana. O Estado nos toma a riqueza e a redistribui de
maneira mais justa. Ele nos faz pessoas melhores do que somos.
Deixados sós, educamos nossos filhos de maneira egoísta,
estreita e unidimensional. Todavia, o Estado santifica nossos filhos.
Nas escolas estatais eles aprendem a obrigação global, os valores
seculares e o igualitarismo. Nas escolas públicas nossos filhos são
libertados das amarras do interesse individualista e da religião
tradicional (em geral, o cristianismo). O Estado obtém sucesso com
nossos filhos onde os pais falham.
Deixados sós, indulgenciamos hábitos poucos saudáveis
como fumar tabaco, comer alimentos gordurosos e possuir armas de
fogo. Não se preocupe. O Estado é o grande santificador. Ele
limitará ou criminalizará essas ações injuriosas. Será bem-sucedido
onde falhamos. A natureza humana foi poluída. Mas o Estado a
aperfeiçoará — nos fará melhor do que somos.
Deixados sós, começamos negócios que oprimem os
trabalhadores, sem fornecer a cobertura de planos de saúde, a
licença maternidade, ou ao não oferecer salários altos o suficiente.
Esqueça-se de que esses benefícios não são gratuitos. Esqueça-se
de que podemos ser obrigados a despedir pessoas ou manter o
nível de desemprego alto para alcançar esses objetivos elevados.
Esses são detalhes insignificantes. A questão real é nos fazer os
“melhores anjos de nossa natureza”.
Não podemos fazer isso sozinhos, sem dúvida, e não
podemos confiar no Deus providente para nos tornar melhores.
Entretanto, podemos confiar na política para nos fazer melhores. O
homem deixado a si mesmo é um triste destino. Mas o homem
edificado pelo Estado torna-se o que ele estava destinado a ser.
Essa é a agenda da perfectibilidade política.
Quando Barack Obama emitiu a seguinte declaração
conhecida: “Somos aqueles por quem esperávamos”, ele se valeu
da linguagem da perfectibilidade política.
Os adoradores da criatura desejam a perfectibilidade humana
à parte do Criador e de seus caminhos. Se são a elite, desejam que
o Estado assegure essa perfectibilidade. Porém, a perfectibilidade é
impossível sem o intervencionismo.
Afinal, transformar a natureza humana não é algo barato. É
preciso de muito dinheiro para aprimorá-la.
Todavia, a verdadeira questão é mais profunda. O
intervencionismo extermina as más qualidades do homem. Ele faz
correções que jamais confiaríamos ao indivíduo fazer. E, sem
dúvida, não se pode confiar que Deus faça essas transformações no
homem.
Esse é o motivo de nossa esperança residir na
perfectibilidade política.
A perfectibilidade política deseja a santificação sem o Deus
trino. Ela quer transformar o homem de acordo com o
antropocentrismo.
Afirmo que isso é nada menos que agnosticismo prático e
ateísmo operacional. A ferramenta da perfectibilidade política é o
intervencionismo econômico.
O intervencionismo deste segundo tipo procede de um
impulso profundamente não cristão.
3. Riqueza

Isso nos leva ao terceiro e último conflito entre os impulsos


religiosos rivais no que diz respeito à economia. Ele versa sobre as
visões concorrentes da riqueza e da produção e transmissão da
riqueza. O problema aqui não é apenas o intervencionismo
econômico. Existe também um viés estranho contra a concentração
da riqueza — não raro em círculos cristãos, sob pretexto de
piedade.
Com certeza, você poderia dizer, caso haja um lugar onde o
testemunho cristão fica ao lado do intervencionismo, ele está aqui.
Por exemplo, o que dizer de todas as advertências bíblicas sobre o
rico e a exaltação do pobre?
Afinal, o rico terminou no fogo do inferno, e o pobre Lázaro
descansou no seio de Abraão (Lc 16.19-31).
Lê-se em Provérbios 23.5: “Porventura, fitarás os olhos
naquilo que não é nada? Pois, certamente, a riqueza fará para si
asas, como a águia que voa pelos céus”.
Tiago 5.1: “Atendei, agora, ricos, chorai lamentando, por
causa das vossas desventuras, que vos sobrevirão”.
Devemos lidar com esses ensinos sem pestanejar.
A riqueza pode ser perigosa, e muitas vezes o é. Ela pode
nos afastar da confiança plena na provisão divina, e inculcar em nós
o senso de autossuficiência e orgulho. A riqueza pode desviar nossa
atenção das coisas eternas e monopolizar nossa vida.
Não é de admirar que muitos cristãos suspeitem e tenham
até medo do dinheiro e dos ricos.
Mas se lermos quase todos os textos bíblicos de perto, no
contexto, eles consistem em advertências contra o uso equivocado
da riqueza. Não são condenações tácitas em si.
Encontramos advertências bíblicas similares sobre sexo e
poder. Todavia, Deus não os condena — apenas sua apropriação
indevida. Sexo, poder e riqueza, como fogo e água, produzem
grandes servos e poderosos mestres maus.
Na verdade, repetidas vezes a riqueza, nas Escrituras, é a
recompensa pela fidelidade paciente, sabedoria, diligência,
humildade, generosidade e apoio ao reino do Senhor.
Isso não significa que todos os cristãos professos entendam
essa relação. Por exemplo, existe o “evangelho da prosperidade”:
Deus deseja que todos sejam saudáveis, gordos, ricos e felizes; se
não formos, carecemos de fé. Essa visão é tão tola que qualquer um
que conheça a Bíblia sabe de seu equívoco.
Os amigos de Jó (por exemplo) alegavam sua
pecaminosidade porque Deus o privou da riqueza. Todavia, os
amigos estavam errados. Deus favoreceu Jó a despeito de sua
pobreza, que consistia na vontade de Deus para esse homem santo
naquele estágio de sua vida.
O “evangelho da prosperidade” é uma caricatura do
Evangelho bíblico.
Mas em reação exagerada ao “evangelho da prosperidade”
está o “evangelho da pobreza”, como vemos em Sojourners, em
muitas igrejas evangélicas e na teologia da libertação.[20] Eis o
conceito: Deus está sempre do lado dos pobres. Os ricos são
inimigos de Deus — ou no mínimo violam de forma perigosa a
vontade dele. Os cristãos deveriam ser pobres ou, na melhor das
hipóteses, não ricos. O Estado existe também para impedir que as
pessoas fiquem muito ricas e para redistribuir a riqueza às pessoas
que de fato a merecem — os pobres. A tarefa do Estado é impedir
que os ricos fiquem mais ricos.
A mão de Deus está por natureza com o pobre, a pobreza é
uma bênção e a prosperidade uma maldição.
Existem, no entanto, ensinos bíblicos incompatíveis com o
“evangelho da pobreza”, embora pareçam ter menos popularidade
na igreja cristã.
Lê-se, por exemplo, em Deuteronômio 28 que Deus
abençoará com grandes posses materiais os fiéis a ele e à sua lei. É
importante reconhecer a impossibilidade de “espiritualização”
dessas promessas. Eis as promessas divinas aos fiéis:

OS te dará abundância de bens no fruto do teu


ventre, no fruto dos teus animais e no fruto do teu solo,
na terra que o S , sob juramento a teus pais,
prometeu dar-te.

OS te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar


chuva à tua terra no seu tempo e para abençoar toda
obra das tuas mãos; emprestarás a muitas gentes,
porém tu não tomarás emprestado. (v. 11,12)

De nenhuma forma essas promessas bem terrenas de


riqueza podem ser transformas em promessas etéreas e eternas
referentes ao porvir. Nenhum judeu decente e temente a Deus teria
pensado assim. Elas são promessas bem concretas de riqueza
temporal.
Da mesma forma, lê-se em Provérbios que se formos
humildes, temermos a Deus e trabalharmos duro, Deus nos
abençoará em sentido material (13.4; 22.4).
O que dizer do Senhor? Ele parecia se dar bem com os ricos,
não só com pobres. E ele amava banquetes que exigiam riqueza.
Essa era uma das acusações contra ele — João Batista era
abstêmio, mas Jesus comia e bebia — festejava, poderíamos até
dizer (Mt 11.19).
Jesus não só prometeu que seus discípulos teriam
dificuldades no mundo, mas também: “Já no presente, o cêntuplo de
casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e,
no mundo por vir, a vida eterna” (Mc 10.29,30).
Paulo escreveu: “Tanto sei estar humilhado como também ser
honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência,
tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de
escassez” (Fp 4.12).
Não são palavras de um homem desconfortável com riqueza,
e sim de um homem confortável onde quer que Deus o coloque —
incluindo-se o desfrute de enorme riqueza.
Recomendo fortemente o notável livro de John Schneider,
The Good of Affluence [O bem da afluência], se você deseja
conhecer um argumento bíblico extensivo sobre a bondade da
riqueza.[21]
Algumas das linhas mais impressionantes e convincentes do
livro expõem a parábola de Jesus sobre os talentos (Mt 25); nela o
bom mestre recompensa o investidor que trabalha duro e pune o
servo preguiçoso que enterra o dinheiro do seu senhor com
segurança no chão.
Ouça Schneider:
Não há muito na teologia cristã hoje que honre a Deus
como o guerreiro-rei, ou que honre a coragem de
pessoas piedosas no mercado. Todavia, eis uma
parábola sobre o poder e o alargamento do domínio por
meio da riqueza. É uma parábola que honra a coragem
espantosa e a força de um guerreiro e rei, que não vai
parar até que seu reinado esteja ampliado sobre toda a
terra. É uma parábola que honra a força e coragem de
seus servos frutíferos nas esferas mundanas do poder.
Trata-se de uma parábola que honra o crescimento de
pessoas que se tornam mais fortes, e fazem seu mestre
mais forte, por meio da criação de riqueza. E é também
uma parábola do terrível aviso contra o espírito tímido e
a esterilidade em resposta ao mundo.[22]

Por que os cristãos não pensam hoje nesses termos? Que


Deus nos responsabilizará pela falta de investimento econômico
vigoroso e agressivo. Que ele punirá o servo miserável, que
temeroso mantém o dinheiro do Senhor bem trancado, que rejeita
se envolver no mercado para multiplicar o dinheiro do Senhor.
Não se engane — todo o dinheiro é do Senhor, e ele deseja
que nós o multipliquemos para sua glória.
Portanto, o assalto generalizado e implícito sobre os
executivos é um ataque sobre a obra do Senhor.
Deixe-me dizer de maneira aberta: quando atacamos a
riqueza e sua criação como tal (não sua perversão), opomo-nos a
uma parte crítica do plano do Senhor para expandir seu reino no
mundo.
Lidaremos com detalhes a respeito dessa afirmação em um
momento.
Pensamos de imediato na santimônia que rodeia o “serviço
público”. Público, sem dúvida, significando político. John McCain é
tão culpado quanto Barack Obama ao enaltecer quem se dedica ao
“serviço público”.
Ouvimos isso de maneira franca nas palavras de John F.
Kennedy: “A ação política é a responsabilidade mais alta do
cidadão”.
Ah, verdade?
Não se engane. Eu aprecio os políticos fiéis (embora existam
poucos) que trabalham duro em prol de leis justas, de menos
governo e da proteção de nossas fronteiras. Sou grato a Deus por
homens e mulheres que desempenham essa tarefa com fidelidade.
Que Deus possa nos dar mais pessoas desse tipo no “serviço
público”.
Que tal mudar o ritmo e aplaudir quem se encontra no
“serviço privado”? Quero dizer as mulheres e os homens que
arriscam centenas de milhares de dólares do próprio dinheiro para
iniciar um pequeno negócio.
Aplaudamos quem se levanta às 4h30 da manhã e trabalha
até às 22 horas a fim de servir outras pessoas fornecendo bens e
serviços.
Defendamos os pequenos empresários que aguentam as leis
salariais impostas pelo governo, as regulamentações da
Occupational Safety & Health Administration [Administração de
Segurança e Saúde no Trabalho] e a hipocrisia de todos, de Barack
Obama a Sean Penn, para tentar servir às pessoas e proporcionar
uma vida melhor para os empregados.
Sim, apoiemos pessoas que tornam possível às crianças de
lares modestos comer cereal matinal, usar calças jeans e viajar à
Disneylândia de vez em quando.
Na maioria das vezes, essas pessoas — não os “funcionários
públicos” — são instrumentais na nossa alimentação, vestimenta e
habitação, bem como de nossos filhos e netos — sob a perspectiva
humana e horizontal. São elas que dão, mesmo aos mais modestos
entre nós, um grau de luxo — jantares ocasionais com costela,
edredons, canetas-tinteiros, aposentadoria 401(K),[23] aquecimento
e ar condicionado.
Esses não são benefícios de “servidores públicos”. Os
servidores públicos são muito proficientes em fazer duas coisas:
extrair benefícios e redistribui-los.
Eles não sabem nada sobre a criação de riqueza. Essa é
uma limitação severa — e um perigo grave — da política
econômica.
Dizer ou sugerir que quem se encontra no “serviço público” é
— de alguma maneira — mais altruísta, nobre e humilde que os
pequenos empresários implica em uma forma de hipocrisia rançosa
e uma desgraça total em relação às pessoas que Deus usa para
manter esta nação provida em sentido material.
Em última análise, além disso, o “serviço público” é realmente
um termo impróprio. As pessoas que mais servem ao “público”, pelo
menos no nível de provisão material, são os servos “privados” — os
empresários de ambos os sexos.
Por ironia, os servidores “públicos” são quase sempre
“privados” — suas políticas econômicas não beneficiam a ampla
população, mas certos grupos e indústrias favorecidas — como
sindicatos, fazendas, minérios de carvão e produtores
automobilísticos. São políticas estatais que não beneficiam o
interesse público, mas favorecem apenas um grupo limitado à custa
dos demais — tudo sob o pretexto de interesse “público”.
Poderíamos dizer, portanto, que o “serviço privado” dos
empresários que trabalham duro fornece o maior benefício público,
enquanto o “serviço público” dos políticos prejudica grande parte do
público por conta do interesse de uns poucos indivíduos, grupos e
indústrias particulares.
Há outro erro popular relacionado à concentração de riqueza.
Ouvimos chamados piedosos à “vida simples”. Essa é o conceito de
que deveríamos viver com cada vez menos — apenas para
subsistir. (Não é bem assim: afinal, bons cristãos dos EUA, mesmo
os moralistas econômicos, ainda precisam de necessidades
absolutas, como carros movidos a etanol de milho e suco fresco de
romã orgânica. É preciso muito dinheiro para o estilo de vida
“simples” dos dias de hoje.)
Ainda assim, a ideia é que ajudamos a economia e não
oprimimos os outros se gastamos menos e compramos quase tudo
usado, e vivemos o máximo possível suprindo as necessidades
básicas.
Seria difícil imaginar uma estratégia economicamente mais
egoísta, egocêntrica e catastrófica.
Deixem-me ilustrar essa verdade com um diálogo que
mantive. Um amigo e eu estávamos conversando sobre os cristãos
e a riqueza. Ele afirmou:
— Não há razão para o cristão gastar 80 mil dólares em um
carro. Ninguém precisa de um carro de 80 mil dólares. Isso é errado!
Eu disse:
— Por que você desejaria roubar comida da mesa de
crianças pequenas e carentes? Por que você desejaria promover a
pobreza e tirar pessoas do trabalho?
Ele aparentemente não estava seguindo o raciocínio, de
forma que expliquei:
— Alguns trabalhadores que construíram o carro de 80 mil
dólares não ganham esse valor nem em um ano. Eles têm filhos
para alimentar, e o fazem com o pagamento recebido dos 80 mil
dólares que um rico gastou no carro que fabricaram. Se as pessoas
deixarem de comprar esses carros sob o pretexto de piedade, eles
perdem o sustento e seus filhos sofrem.
Disse algo mais a ele:
— Se ninguém precisa de um carro de 80 mil dólares, por
que precisaria de uma van de 15 mil dólares como essa que você
dirige? São 15 mil dólares! Sabe o quanto de comida isso
compraria? Você poderia caminhar ou andar de bicicleta. Pelos
padrões de muitas partes do mundo, uma van de 15 mil dólares é
um luxo. Em princípio, não é menos luxuosa que a Mercedes de 80
mil dólares, certamente não para pessoas em grande parte do
Terceiro Mundo”.
Mas o problema da “vida simples” é desprezado por muitos
piedosos em sentido econômico.
Há um fato importante que muitos parecem ignorar: a grande
e próspera classe média é impossível sem a cultura de lazer e luxo.
A razão pela qual muitos de nós podem ter uma vida confortável é
que algumas pessoas muito ricas compram bens e serviços de luxo
que as classes baixa e média ajudam a fornecer.
O que significa dizer que “a vida simples” é uma forma de
autoindulgência piedosa. Prejudica pessoas boas que trabalham
duro. É um alto preço a pagar pela aversão a preços altos em troca
de bens de luxo.
O problema suscita dificuldades ainda maiores para a igreja e
o reino.
Quando ouço cristãos depreciando a riqueza e os ricos,
agora digo: “Então você é contra levar o Evangelho ao mundo, a
abertura de escolas cristãs, novos projetos missionários e a
expansão do reino do Senhor”.
Eles não são intencionalmente contrários a nada do tipo, mas
sua simplicidade econômica piedosa põe em risco esses ministérios
cristãos. Parecem não entender que o dinheiro é necessário para
fazer as coisas. Pensam que missionários, igrejas e escolas
paroquiais aparecem em um passe de mágica.
Mas não existem milagres assim. Deus age por meio delas
miraculosamente; entretanto, de modo geral, ele usa dinheiro para
mantê-las em funcionamento.
Assim, quando cristãos argumentam a favor da “vida
simples”, na verdade defendem a capacidade menor de trabalhar
para a obra do Senhor na terra.
Quando nos pronunciamos contra a produção e o acúmulo
válido de riqueza, contrariamos uma das estratégicas estabelecidas
por Deus para o sucesso do reino. Quando declaramos que as
riquezas são inerentemente más e corruptas, presumimos que a
riqueza seja sinal de cobiça intrínseca, pensamos que a riqueza
reflete materialismo e carnalidade negamos o elo divino entre a
fidelidade e a bênção — incluindo-se bênçãos materiais.
Além disso, introduzimos o dualismo radical no mundo de
Deus. Eis o conceito de que a matéria é inferior ao espírito. De
acordo com ela, Jesus não é de fato Senhor da materialidade e
riqueza porque elas são, na melhor hipótese, desimportantes e, na
pior, malignas. Trata-se da negação absoluta do senhorio de Jesus
Cristo. Ela empurra o Deus trino em direção ao céu e coloca o
Estado no comando da terra. Deus está preocupado com questões
“espirituais”, não materiais.
Os dualistas parecem não entender que as questões
materiais são espirituais. E quando separamos a riqueza da
autoridade divina, nós a entregamos a Satanás.
Esse é o motivo pelo qual a premissa religiosa por trás da
aversão à validade da produção e do acúmulo de riqueza é, em
sentido operacional, agnóstica: ela quer que Deus seja o Senhor da
pobreza, mas não da riqueza; Senhor da simplicidade, mas não da
complexidade; Senhor da fraqueza, mas não do poder.
Todavia, Jesus Cristo é Senhor de todas as coisas e
situações.
E o ataque à significa um ataque a seu senhorio.
Que Deus nos conceda uma nova geração de guerreiros
econômicos, adoradores do Criador — que não buscam seu
sustento na política e no Estado —, pessoas que invadam o
mercado sem medo para aumentar sua riqueza e os limites do reino
de Deus.
Conclusão

O intervencionismo econômico é uma cosmovisão agnóstica:


ele coloca a providência secular na mão do Estado, e não na mão
do Deus soberano na vida de indivíduos criados à sua imagem.
O intervencionismo econômico nega a fixidez da natureza
humana e atribui ao Estado a tarefa de santificar — que deveria ser
reservada só a Deus.
Além disso, ele corta o cordão entre a fidelidade a Deus e a
bênção da riqueza, negando, portanto, o senhorio divino sobre
vastas extensões do mundo.
Por essa razão, o ímpeto religioso do intervencionismo
econômico guerreia contra o cristianismo consistente.
Você pode ser um intervencionista econômico, ou pode ser
um cristão consistente, mas não pode ser as duas coisas.
II. Marxismo Libertário: a ditadura do igualitário

Neste capítulo,[24] quero discutir em que ponto estamos


culturalmente nos Estados Unidos e na cultura ocidental. Eu poderia
começar em uma porção de lugares, mas gostaria de começar com
a década de 1960.
Começo com essa década não porque houve uma cultura cristã
idílica antes dela. Havia depravação aos montes na década de
1930, em 1780… Mas ninguém pode negar que a década de 1960
anunciou uma transformação social radical. Tanto esquerdistas
quanto conservadores sabem disso. Os primeiros a amam, e os
últimos a odeiam. Ambos concordam que, desde aquela época, as
coisas têm sido radicalmente diferentes em nosso país.
O que mudou na década de 1960? Muita coisa, mas quero
concentrar-me numa grande mudança que começou no ano de
1968, em Paris. A mudança que aconteceu lá se espalhou. Ela
moldou todas as sociedades modernas, inclusive os Estados
Unidos.
Para entender essa mudança, precisamos entender como as coisas
eram antes. Especificamente, falemos sobre como a elite
esquerdista pensava antes de 1968.

1. A 60:

A vasta maioria das elites ocidentais no século XX era


estatista. Elas acreditavam que os eleitos, os sábios, os virtuosos —
pessoas como eles mesmos, naturalmente — deveriam controlar a
cultura. A maioria das demais pessoas era egoísta: não se
importava com o país nem com a sociedade. Mas as elites
esquerdistas tinham o bem da sociedade no coração. Portanto, elas
deveriam ser as únicas a governá-la.
Como se sabe, as pessoas não o seguiriam só porque você é
inteligente ou se diz íntegro. Você precisa obrigar esse rebanho
egocêntrico a segui-lo. A única maneira de fazer isso é
conquistando a política, ou o Estado. O Estado (diferente da família,
da igreja e do comércio) usa armas e prisões para obrigar as
pessoas a fazer as coisas. É por isso que as elites esquerdistas
eram estatistas. Era a única maneira de garantir o sucesso de sua
visão econômica.
É por isso que uma grande parte delas era apaixonada pela União
Soviética, mesmo já na década de 1920. Lá pelo menos era uma
sociedade administrada por pessoas que se preocupavam com a
justiça para todos. Não era uma sociedade livre, mas era uma
sociedade justa.
O problema com a sociedade livre, de acordo com as elites, é que
ela não era uma sociedade justa — “justa”, naturalmente, conforme
a definição deles. Quando você tem milhões de pessoas tomando
todo tipo de decisões egoístas, você jamais pode predizer
exatamente o que vai acontecer. Poderia haver caos (pelo menos na
mente das elites), especialmente o caos econômico, que era a
verdadeira preocupação deles.
Você terminaria com altos e baixos. Terminaria com algumas
pessoas ricas e outras pobres. Terminaria com algumas pessoas
ignorantes tendo mais dinheiro que outras muito inteligentes. Isso
simplesmente não seria justo — “justo”, naturalmente, na definição
das elites.
Em contraposição, os soviéticos tinham um controle firme sobre a
sociedade. Eles acreditavam que os trabalhadores, chamados de
proletariado, deveriam insurgir-se e assumir o controle dos meios de
produção. Os empresários (que eram chamados de burguesia) eram
crápulas egoístas e gananciosos que não se importavam com os
trabalhadores. Eles deveriam ser despejados de seus cargos e
lançados numa prisão, e até mesmo mortos. Em seguida, os
trabalhadores controlariam a economia e redistribuiriam todos os
bens e serviços igualmente, e então tudo seria justo.
Marx chamou isso de ditadura do proletariado.
É óbvio que o proletariado não estava verdadeiramente equipado
para fazer isso sozinho. Ele precisava de pessoas inteligentes e
sábias, uma elite revolucionária para conduzi-lo. Foi exatamente
isso o que Lênin e Stálin fizeram. Os trabalhadores não eram
inteligentes o bastante para proteger seus interesses. Eles não
sabiam pensar sozinhos. Mas a elite revolucionária pensaria por
eles.
Perceba como esse paradigma seria popular entre as elites
esquerdistas ocidentais (elas não eram elites absolutamente
revolucionárias como Lênin e Stálin, mas eram elites culturais). É
por isso que elas continuaram apoiando a União Soviética mesmo
depois que as torturas, expurgos e assassinatos e outras
atrocidades foram expostos. Os soviéticos, diziam, estavam
basicamente no caminho certo, mas se excediam às vezes. O
coração deles estava no lugar certo. Eles queriam uma sociedade
justa. É exatamente isso o que as elites esquerdistas aqui nos
Estados Unidos queriam.

2. R P 1960

Na década de 1960, essa obsessão pela União Soviética foi


mudando. As elites não estavam abandonando o seu elitismo, mas
estavam rejeitando a União Soviética. Isso é especialmente
verdadeiro em relação à nova geração de elites, os radicais
estudantis, notavelmente os parisienses. Por que eles estavam
saturados da União Soviética e perdendo o interesse nela? Aqui
estão duas razões principais.
Em primeiro lugar, os soviéticos haviam desenvolvido uma
burocracia que estava esmagando a revolução. Eles criaram um
aparato estatal gigante, que recompensava líderes de partido. Esses
líderes não pareciam muito diferentes dos capitalistas bem-
sucedidos das sociedades ocidentais. Talvez seja difícil conceber
esse fato, mas os radicais estudantis consideravam a União
Soviética muitíssimo parecida com os Estados Unidos!
Além disso, os soviéticos tinham esmagado os dissidentes
revolucionários na Hungria em 1956, exatamente como fariam na
Checoslováquia em 1968. Esses dissidentes na Europa Oriental não
eram capitalistas. Eram socialistas que queriam libertar-se da União
Soviética. Mas a União Soviética enviou tanques para esmagá-los
— literalmente. Os radicais estudantis de Paris abominaram essa
opressão.
Mas há uma segunda e mais importante razão para a mudança nas
elites esquerdistas. Os estudantes de Paris encontraram um novo e
bem diferente modelo. Nessa época, a China estava passando pela
Revolução Cultural. O que foi ela? Na década de 1960, Mao, o
Grande Líder dos comunistas, havia perdido um pouco do seu poder
devido aos frutos desastrosos de sua política econômica. Para
recuperá-lo, ele promoveu uma revolução cultural para erradicar
seus concorrentes e inimigos no Partido. Basicamente, ela consistiu
em pressionar adolescentes e universitários a correr pelo território,
causando estragos a quem quer que estivesse em posição de
autoridade — eles capturaram, bateram, atacaram e humilharam
seus professores, pais e outras figuras de autoridade. Eles eram
pessoalmente leais somente ao Presidente Mao, e em seu nome
uma geração inteira perdeu anos de educação e maturidade e
destruiu alguns dos homens e mulheres mais talentosos da China.
Os radicais estudantis de Paris se aferraram a essa revolução.
Preferiram-na à antiga e desgastada revolução da União Soviética.
A Revolução Chinesa não foi liderada por uma burocracia. Foi
liderada por estudantes. Era nova e empolgante. Era destrutiva.
Mas o fator mais significativo sobre a Revolução Chinesa aos olhos
dos radicais de Paris é que ela foi uma revolução cultural, não
meramente uma revolução econômica. Seu objetivo era abalar,
subverter e mudar a consciência cultural das pessoas, não apenas
sua condição econômica.
Essa ideia caiu como uma luva para os radicais de Paris. Eles se
convenceram cada vez mais de que a revolução marxista-leninista
era só o começo. Ela não foi longe o bastante. O marxismo não era
suficientemente radical. Tinha de oprimir e mudar a cultura inteira.
Tinha de mudar a maneira como as pessoas pensam, não apenas
como compartilham seus bens. A economia fora só o começo.
Esses jovens radicais começaram a acreditar que tinham a
obrigação de defender os marginalizados da sociedade — gays,
negros, mulheres, imigrantes e presidiários. Eles começaram a
acreditar que a própria estrutura da sociedade ocidental, não
apenas o aspecto econômico, era opressiva. Mudar a política não
bastava; seria trocar um tirano por outro. Eles tinham de mudar a
própria cultura.
Esses radicais lideraram protestos nas ruas de Paris. Alguns foram
detidos. Após um tempo, os protestos foram seguidos por ataques
maciços dos trabalhadores por todo o país. Paris ficou paralisada
durante dias. O presidente Charles De Gaulle deixou o país. Esses
estudantes influenciaram — e foram influenciados por — filósofos
famosos como Jean-Paul Sartre e Michel Foucault.
O ataque terminou quando o governo capitulou a muitas das
exigências dos estudantes, e a agitação cessou. Mas as coisas não
voltaram ao normal. O que mudou para esses estudantes, e para os
esquerdistas de todo o Ocidente na medida em que essas ideias se
firmaram, foi toda uma maneira nova de olhar para a sociedade.
Pouco a pouco, os radicais esquerdistas começaram a acreditar que
o mundo não precisava só de igualdade econômica. Precisava de
igualdade cultural. Marx, Lênin e Stálin queriam erradicar as
diferenças econômicas entre ricos e pobres. Os radicais estudantis
queriam erradicar as diferenças culturais entre homens e mulheres,
heterossexuais e homossexuais, religiosos e ateus, Estado de
direito e opiniões culturais, entre criminosos e cidadãos de bem,
nacionais e estrangeiros e até mesmo entre o são e o louco.
Michel Foucault e os estudantes empreenderam pesquisas aos
montes, particularmente sobre a vida dentro da prisão, para
servirem de suporte aos seus projetos. No fim, o que eles estavam
tentando fazer era derrubar todas as hierarquias. É a isto que se
resume (eles acreditavam) a verdadeira democracia.
Os fundadores da democracia ocidental recente, como os Pais
Fundadores americanos, entendiam, por “democracia”, que o
governo deveria ser do, pelo e para o povo. Não era isso o que os
radicais de 1968 queriam. Eles queriam uma consciência cultural
modificada a tal ponto que ninguém se sentisse inferior. Não haveria
ninguém marginalizado. Todos deveriam sentir-se e ser tratados
como iguais. Eles deveriam inclusive ser considerados iguais. Os
radicais estavam comprometidos com a lavagem cerebral cultural
para atingir esse objetivo.
Perceba como eles estavam radicalizando Marx. Igualar a renda não
bastava; você tem de igualar tudo e todos os que se consideram
inferiores. Todas as hierarquias são más. Hierarquia significa que
uma pessoa é mais importante e respeitada que outra.
A verdadeira democracia — não apenas a democracia política ou
econômica — significaria que todos gozam da mesma estima e
respeito independentemente da idade, orientação sexual, cidadania,
criminalidade, religião ou condição mental.
O marxismo soviético não era radical o bastante. Os soviéticos
ainda preservavam as distinções entre homossexuais e
heterossexuais. Eles ainda olhavam para os criminosos como
inferiores. Eles preservavam as distinções culturais mais antigas.
Eles podem ter eliminado muitas distinções econômicas, mas muitas
distinções culturais permaneceram.
Os estudantes radicalizaram Marx ao nivelar distinções culturais,
não apenas econômicas.
Os radicais estudantis também mudaram algo mais. Lembre-se de
que os esquerdistas anteriores à década de 1960 estavam
comprometidos com um Estado centralizado, como a antiga União
Soviética, para alcançar seus objetivos econômicos.
As novas elites da década de 1960 perderam a fé nesse tipo de
política. Não que não fossem estatistas; elas tornaram-se estatistas
de uma estirpe diferente. As elites mais antigas queriam que o
Estado impusesse a igualdade econômica. As mais novas queriam
que ele garantisse a igualdade cultural.
As elites esquerdistas anteriores à década de 1960 tinham se
comprometido com a igualdade econômica por meio da coerção
política. As elites esquerdistas da década de 1960 acreditavam na
igualdade moral por meio da transformação cultural.
Eles não queriam que o Estado impusesse essa transformação. Ele
não pode mudar a maneira de pensar das pessoas. Você só pode
fazer isso mudando as atitudes culturais. A transformação cultural é
muito mais efetiva e duradoura do que a transformação política.
Você pode mudar um governo praticamente da noite para o dia, mas
isso não muda as atitudes das pessoas.
E mudar as atitudes das pessoas é com o que as novas elites se
comprometeram cada vez mais.

3. A

Gostaria de chamar essas novas elites esquerdistas e seus


sucessores de marxistas libertários.
O propósito dessa combinação de palavras é ser intencionalmente
incongruente e dissonante.
Quando pensamos no marxismo, geralmente pensamos em um
governo que tolhe a liberdade das pessoas. Isso é o oposto do
libertarianismo. Mas os marxistas libertários não ligam se o Estado
dá a você liberdade enquanto que a cultura o priva dela. Em outras
palavras, existem mais formas de alcançar seus objetivos em uma
sociedade do que pela via política. A mais efetiva é conquistando a
consciência cultural. Se a vasta maioria das pessoas simplesmente
passar a deduzir o que você quer que elas deduzam — se elas
consideram que o seu método é correto e que todos os outros são
não só perigosos, mas simplesmente irrelevantes — você não
precisa do Estado para impor suas concepções. É exatamente isso
o que os marxistas libertários têm feito.
Além disso, suas concepções depois se espalharam para as elites
mais novas por todo o Ocidente, especialmente nos departamentos
de ciências humanas das universidades ocidentais. E elas têm sido
amplamente bem-sucedidas.
Permita-me listar alguns aspectos.
Em primeiro lugar, considere o feminismo. O feminismo radical
começou na década de 1960. Naturalmente, ele existia muito antes.
A ideia de que as mulheres devem ser tratadas de maneira justa e,
em alguma medida, de forma igual, tem uma longa e respeitável
linhagem. Mas a igualdade política e jurídica não caracterizava mais
as novas feministas que vieram depois. O que estas procuravam era
uma visão completamente nova do que significa ser homem e
mulher. Elas passaram a acreditar que o sexo é uma construção
social.
Elas, inclusive, inventaram uma palavra apropriada para isso:
“gênero”. Existem dois sexos, mas você pode criar seis, oito ou dez
gêneros. Elas odiavam a ideia de que a masculinidade e a
feminilidade estão enraizadas na natureza — a forma como Deus
criou as coisas. Os radicais queriam dizer que a sociedade cria
“machos” e “fêmeas”. O fato de homens e mulheres serem
biologicamente diferentes é acidental.
Essa ideia se infiltrou em nossa consciência cultural. Hoje, temos
homens representados nos filmes como dedicados cuidadores do lar
e mulheres como forças especiais de combate dos Marines.[25]
Geralmente se pensa que tudo o que os homens conseguem fazer
as mulheres também conseguem, e vice-versa. É o nivelamento de
todas as hierarquias.
Em segundo lugar, considere a homossexualidade. Já no início da
década de 1970, ela era considerada um distúrbio mental. Dizer isso
hoje seria impensável. A visão dos marxistas libertários venceu. Ser
homossexual é tão normal quanto nascer canhoto.
Hoje, temos um número cada vez maior de estados americanos
permitindo os ditos casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Deixemos de lado a moralidade dessa prática por um momento.
Apenas considere o fato de que nenhuma civilização na história
humana a permitiu — mesmo naquelas sociedades em que a
homossexualidade corria solta, como a Roma antiga. Os marxistas
libertários não conseguiram isso obrigando um populacho resistente.
Na maioria dos casos, os casamentos entre pessoas do mesmo
sexo foram garantidos em consultas à população, de forma muito
democrática. Esse não foi um exemplo de tirania política. Foi um
exemplo de hegemonia cultural.
Os marxistas libertários têm cada vez mais convencido a sociedade
de que a homossexualidade não é um estilo de vida alternativo,
mas, antes, um estilo de vida totalmente legítimo, um entre muitos,
nenhum sendo mais válido que o outro.
Em terceiro lugar, considere o direito. A filosofia do direito vem se
degenerando no Ocidente desde pelo menos o final do século XIX,
mas esse processo foi radicalizado pelos marxistas libertários.
Toda a ideia do estado de direito é que a lei é transcendente. É
impessoal. É cega. Não oscila entre um caso e outro. Mas isso
exige hierarquia — direito absoluto e agravo, ou pelo menos
legalidade absoluta e ilegalidade.
Para os marxistas libertários, em contrapartida, o objetivo da lei é
produzir resultados favoráveis. Ela deve ser usada para cumprir
uma agenda social. É daí que vêm as cotas sexuais, econômicas e
raciais. A visão mais antiga é que a lei deve ser sempre cega para o
sexo, para a cor da pele e para a renda de uma pessoa. Nem ricos
nem pobres, brancos ou negros, homens ou mulheres têm
permissão para roubar.
Nem deveria a lei dispensar-lhes tratamento preferencial nas
práticas de contratação e políticas de admissão. Isso é igualdade
perante a lei. Mas os marxistas libertários entendem que esse
sistema privilegia certas pessoas. Consequentemente, eles dizem
que um sistema legal que crie resultados iguais é preferível a um
que trate as pessoas de maneira igual.
Em quarto lugar, considere o crime, os criminosos e o sistema de
justiça criminal. Michel Foucault tentou convencer as pessoas de
que o que a sociedade chama de criminosos são apenas pessoas
que não se encaixam nos códigos aceitáveis de uma sociedade.
Não há nada de absoluto sobre o crime. O que os marxistas
libertários conseguiram foi transformar a sociedade em culpada do
crime e o criminoso em vítima.
Ladrões roubam porque determinada sociedade é injusta
economicamente.
Adolescentes promovem distúrbios em Londres e na Filadélfia
porque a sociedade não lhes dá o estilo de vida que eles julgam ter
direito.
Piratas somalis sequestram pessoas porque o Ocidente não tirou
seu país da pobreza.
Por fim, considere o multiculturalismo. O multiculturalismo é
simplesmente a aplicação global do marxismo libertário. Se
pudermos acabar com as hierarquias culturais em uma sociedade
específica, se não houver um estilo de vida ou moralidade em uma
determinada sociedade que deva ser privilegiado, então por que
uma determinada cultura do mundo deveria ter privilégios sobre
outra? Quem garante que o Ocidente é superior à África central?
Quem garante que a Grã-Bretanha do século XX é superior à cultura
islâmica?
Dessa forma, coisas que no passado valorizávamos na cultura
ocidental – frugalidade, trabalho duro, cavalheirismo, raciocínio
abstrato, música clássica – tornam-se símbolos da arrogância
ocidental e imperialismo cultural.
Por que é que uma vida de trabalho duro e produtividade deve ser
preferida a uma vida de ociosidade e mendicância?
Por que especialidades acadêmicas como lógica e
matemática são preferíveis à tecelagem e à sensibilidade de
gênero?
Uma dança primitiva subsaariana não é tão valiosa quanto
Bach ou Beethoven? Um simples verso livre da Nova Guiné não é
tão belo quanto Shakespeare?
Por que nossa cultura deve ser privilegiada? Por qual padrão
rotulamos algumas culturas como superiores e outras como
inferiores?
Esse nivelamento de todas as hierarquias tem sido o
programa bem-sucedido dos marxistas libertários. A razão desse
sucesso não é porque eles tenham elegido políticos simpatizantes
de sua agenda, mas por causa do uso primoroso que fazem das
alavancas de influência cultural — Hollywood, redes de televisão,
educação pública, instituições importantes — para levarem sua
mensagem.
Essa mensagem tornou-se uma ideologia invisível. Quero
dizer, com isso, que os pressupostos dos marxistas libertários
penetraram profundamente na consciência da maioria das pessoas
no Ocidente.
A questão não é que as pessoas virtuosas deveriam estar
(por exemplo) combatendo a homofobia e a liderança masculina. Dê
tempo ao tempo e as pessoas que mantinham essas perspectivas
desaparecerão gradualmente. Elas não são perigosas – são apenas
irrelevantes, na maioria das vezes.
É por isso que elas não precisam de políticos obrigando
todos a aceitarem suas perspectivas, como Lênin e Stálin
costumavam fazer.
Quando você conquistou uma cultura, a política não é tão
crucial.
Penso imediatamente na assombrosa predição de Alexis de
Tocqueville, autor de Democracia na América. Ele foi o famoso
francês que visitou os Estados Unidos no século XIX. Foi um
observador perspicaz de nosso país, e é impressionante como
muitas de suas predições têm se provado verdadeiras. Ele escreve
sobre a “tirania da maioria”. Essa é uma tirania nos estados
democráticos que é mais perigosa do que a tirania dos antigos
déspotas. Diz Tocqueville:

Grilhões e carrascos são instrumentos grosseiros, que a tirania


empregava outrora; mas em nossos dias a civilização aperfeiçoou até o
próprio despotismo, que parecia, contudo, nada mais ter a aprender.
Os príncipes tinham, por assim dizer, materializado a violência; as
repúblicas democráticas de nossos dias tornaram-na tão intelectual
quanto a vontade humana que ela quer coagir. Sob o governo absoluto
de um só, o despotismo, para chegar à alma, atingia grosseiramente o
corpo; e a alma, escapando desses golpes, se elevava gloriosa acima
dele. Mas, nas repúblicas democráticas, não é assim que a tirania
procede; ela deixa o corpo e vai direto à alma. O amo não diz mais:
“Pensará como eu ou morrerá”. Diz: “Você é livre de não pensar como
eu; sua vida, seus bens, tudo lhe resta; mas a partir deste dia você é
um estrangeiro entre nós. Irá conservar seus privilégios na cidade, mas
eles se tomarão inúteis, porque, se você lutar para obter a escolha de
seus concidadãos, eles não a darão, e mesmo se você pedir apenas a
estima deles, ainda assim simularão recusá-la. Você permanecerá
entre os homens, mas perderá seus direitos à humanidade. Quando se
aproximar de seus semelhantes, eles fugirão de você como de um ser
impuro, e os que acreditarem em sua inocência, mesmo estes o
abandonarão, porque os outros fugiriam dele por sua vez. Vá em paz,
deixo-lhe a vida, mas deixo-a pior, para você, do que a morte”.[26]

Essa é a tirania democrática do marxismo libertário. Poderíamos


chamá-la de ditadura do igualitário. Marx queria a ditadura do
proletariado; os marxistas libertários querem — e conseguiram — a
ditadura do igualitário. Eles querem uma sociedade em que a
igualdade dite tudo.

4. C

Pintei um retrato drástico e desolador. O sucesso final dos


marxistas libertários é inevitável? A visão cultural deles pode ser
frustrada?
A resposta é sim. Com Deus, tudo é possível (Mt 19.26). Seu reino
vencerá no tempo e na história (1Co 15.22-28). Podemos nos sentir
em desvantagem numérica. Isaías 1.9 diz: “Se o S dos
Exércitos não nos tivesse deixado alguns sobreviventes, já nos
teríamos tornado como Sodoma e semelhantes a Gomorra”. Mas
assim como Deus destruiu o antigo Império Romano e a poderosa
União Soviética, ele pode destruir culturas que guerreiam contra sua
verdade.
Em segundo lugar, devemos tomar cuidado para não sugerir que a
alternativa ao radicalismo da década de 1960 é o conservadorismo
que lhe antecedeu. Jamais devemos ser sobretudo conservadores.
Somos sobretudo o povo de Deus, comprometido com a sua
verdade. Havia defeitos de sobra no conservadorismo antecedente
à década de 1960: tradicionalismo, racismo, protecionismo
econômico. Que a cultura precisava mudar está acima de qualquer
dúvida; mas os marxistas libertários não eram as pessoas certas
para isso.
Em terceiro e último lugar, transformações culturais só podem ser
derrubadas por outras transformações culturais. Nada mais fará
isso.
Por exemplo, o marxismo libertário não será derrubado por vitórias
políticas, pela simples razão de que não foi estabelecido por elas.
Ele foi estabelecido por vitórias culturais. Foi estabelecido ao mudar
a maneira de pensar das pessoas, atuando, em seguida, sobre o
indivíduo, a família, a igreja, a economia, a tecnologia, o sexo, a
música, o direito e a educação.
O marxismo libertário será derrubado por algo não menos
revolucionário. E esse algo é a fé bíblica. Essa revolução é muito
maior que a igreja, e presumir que a transformação da igreja produz
transformação cultural é o cúmulo da ingenuidade. Sendo a cultura
muito mais ampla do que a igreja, logo, a revolução tem de ser
muito mais ampla do que a igreja.
Você e eu podemos — e devemos — ser parte dessa revolução.
Toda vez que um homem e uma mulher fazem votos públicos de
amar e cuidar um do outro, com o marido assumindo a liderança
autossacrificial e a esposa seguindo com zelo perseverante, eles
estão executando atos santos de revolução cultural.
Toda vez que um jovem cristão solteiro se compromete com a
abstinência sexual até o casamento e resiste à comercialização
sexual de nossa sociedade, esse jovem trabalha para derrubar
nossa cultura de marxismo libertário.
Toda vez que um advogado cristão se esforça para proteger famílias
e igrejas da invasão e hostilidade ilegítimas do governo, ele está
agindo como um revolucionário de Deus.
Toda vez que um empresário (ou empresária) cristão recusa
escolhas antiéticas, mesmo quando essa escolha estorva o
resultado final, ele está combatendo o marxismo libertário.
Toda vez que uma mãe cristã ensina a seus filhos que Deus é real e
que Jesus é o único caminho para a salvação, e que obedecer à
Bíblia é a única esperança de felicidade, ela está sendo uma
subversiva cultural.
Professar e praticar a fé bíblica, em todas as suas gloriosas e
graciosas hierarquias, é a alternativa revolucionária ao marxismo
libertário.
E, no fim, ela — e somente ela — vencerá.
III. Raízes teológicas da crise financeira

I [27]

Tudo na vida é religioso, e tudo na vida é teológico. A


questão nunca é se a vida é religiosa ou teológica, mas, antes, de
que religião e de que teologia estamos falando. O secularista mais
ardoroso é religioso — ele orienta sua religião em torno da aversão
ou abandono a Deus. Ele anseia pela certeza que somente a
religião pode dar, mesmo se essa certeza for a da incerteza e do
relativismo moral. É por isso, também, que o regime secular sempre
imita o religioso, como fez a antiga União Soviética, com sua própria
escritura (os escritos de Marx e Engels), seus próprios fiéis (os
membros do Partido Comunista), sua própria hierarquia (a
burocracia estatal), seus próprios pais da igreja (Lênin e Stálin), seu
próprio céu (o paraíso do proletariado) e seu próprio inferno (a
Gulag).
Isso se aplica igualmente à psicologia secular moderna. Ela é
uma substituta do cuidado espiritual vitalício da igreja, e até mesmo
não-cristãos prontamente reconhecem esse fato.[28]
Se esse mundo é o mundo de Deus; se ele o criou e o
sustenta pelo seu poder e graça; se conhecemos a Deus a partir de
sua revelação na natureza, na Bíblia, e principalmente em seu Filho
Jesus Cristo; se o mal neste mundo é o resultado do pecado
humano, incitado por uma criatura caída, Satanás; se Deus
tencionou redimir o homem e o mundo de sua pecaminosidade
enviando Jesus para morrer por nossos pecados e ressuscitar; se
Deus estabeleceu sua igreja para dar testemunho dessa redenção;
e se ele está conduzindo cada aspecto da história para um fim no
qual sua vontade perfeita é realizada no universo criado; se,
digamos, tudo isso é verdade (como a Bíblia ensina que é), então
cada aspecto da vida é religioso. Não há nenhuma explicação final
confiável que não seja teológica.[29]
Estamos considerando o colapso financeiro global de outubro
e novembro de 2008.[30] E se minhas premissas são verdadeiras,
não pode haver uma interpretação acurada mais ampla desse
colapso à parte de uma consideração da teologia. O discurso sobre
empresas de investimento gananciosas, amplo sobre-
endividamento, abundância de hipotecas de alto risco, swaps de
risco de incumprimento (CDS), empréstimos predatórios, mutuários
de hipoteca insensatos, agências de avaliação de crédito
inescrupulosas, securitização perigosamente complexa e
interferência política destrutiva no mercado levantam a pergunta:
qual a causa primária disto? Afinal de contas, toda a economia se
resume às ações humanas. Sucessos e colapsos econômicos não
são como infecções que você contrai de forças impessoais —
pessoas os produzem. Portanto, temos de perguntar, por que os
seres humanos agiram de forma a criar o colapso?
Poderíamos nos contentar em começar falando abstrata e
genericamente da tragédia da condição humana. É assim que
muitos conservadores não-teológicos prefeririam falar. A
humanidade é finita, limitada, fraca e arruinada. O homem só faz
besteira. A crise financeira não foi nenhuma surpresa. Nas palavras
imemoriais do filósofo iluminista Immanuel Kant, “de uma madeira
tão torta, como aquela com a qual o homem é feito, não se pode
construir nada inteiramente reto”. Não seria errado considerar esse
fato. Enquanto o homem vagar sobre a terra, não haverá utopia
econômica — utopia alguma de qualquer tipo. A condição
aparentemente mais imaculada logo se desintegra devido à
fraqueza, defeitos e erros de cálculo do homem.
Mas então somos impelidos a inquirir: “Por que o homem
nunca toma jeito? Por que ele costuma ser tão desonesto?”. Essa
pergunta nos impele à metafísica — e à teologia. A resposta cristã,
a resposta correta, é o pecado. O pecado é uma violação da lei
moral de Deus (1Jo 3.4). Ele não é inerente à condição humana. O
homem foi criado originalmente sem pecado, mas sucumbiu a ele e
toda a raça participa dessa depravação nativa. Como diz o adágio, o
pecado original é o único dogma do cristianismo que pode ser
verificado empiricamente.[31] Este pecado esteve na raiz da crise
financeira de 2008. De que formas?

1. A

Talvez seja apropriado começar com o padrão de juízo


compartilhado tanto por estatistas de esquerda como por populistas
de direita: a raiz do problema é a avareza de Wall Street. Perceba,
em primeiro lugar, que este é um juízo moral, e, portanto, um juízo
teológico. Assim, desde o início, o coro dos críticos, muitos deles
confessadamente seculares, reconhece, embora involuntariamente,
as raízes teológicas do colapso. Naturalmente, percebo que a
maioria nunca admitiria esse fato (eles acham que você pode ter
moralidade sem religião), mas ele é verdadeiro do mesmo jeito.
Quando fazemos juízos morais — especialmente juízos morais
universais que consideramos autoevidentes, com os quais
esperamos que todo mundo concorde — estamos invocando a
teologia. Dizer que “todo mundo sabe que avareza é errado” não
basta. A questão real é: “Por que eles sabem ou deveriam saber
disso?”. Se a humanidade é simplesmente o último estágio do
desenvolvimento evolucionário, então a moralidade é, como
Nietzsche argumentou, uma invenção humana — e sua moralidade
é tão boa quanto a minha. Pumas e esquilos não são criaturas
morais.[32] O homem está preocupado com a moralidade porque os
padrões de certo e errado lhe são impostos de fora (a moralidade é
inata) — o homem é feito à imagem de Deus e está encerrado, junto
com seus semelhantes, dentro de padrões morais universais. Ou
seja, dentro de padrões teológicos.
Então, quando as acusações começaram no outono de 2008,
foram acusações reconhecendo as raízes teológicas da crise —
independentemente do que os acusadores podiam ter alegado estar
reconhecendo.
Não há dúvidas de que a avareza era uma dessas raízes. Na
tradição cristã, ela é um dos sete pecados capitais. A Bíblia a
identifica como um pecado (1Co 5.10-11; Ef 4.19; 1Ts 2.5). A cobiça,
um sinônimo comum para avareza, é uma violação do décimo
mandamento. Jesus contou uma parábola explicitamente sobre o
pecado da avareza (Lc 12.15). O apóstolo Paulo a identifica como
idolatria (Cl 3.5), e diz que os avarentos não herdarão o reino de
Deus (1Co 6.10).
A avareza geralmente é identificada como “o desejo
excessivo por comida ou bebida, ou avidez em consumi-los… ou [o
desejo] por riqueza, por comida e bebida que vá além da razão e
evidencie um tipo crasso de egoísmo”.[33] Quanto de desejo é
“excessivo”? Um salário de 250 milhões de dólares por ano é “além
da razão”, enquanto um de 125 milhões não é? Uma BMW é
excessiva (espero que não, pois tenho uma), enquanto o Chevy
Lumia não (minha esposa tem um; ela não sofre com o problema da
avareza)? Aparentemente, alguns outros critérios são necessários
para identificar a avareza com mais precisão.[34] Jesus aponta dois
critérios precisos em sua parábola. Ele declara em seu prefácio a
essa parábola que “a vida de um homem não consiste na
abundância de bens que ele possui” (Lc 12.15). E conclui a parábola
advertindo sobre aquele que “entesoura para si mesmo e não é rico
para com Deus” (Lc 12.21). Ou seja, quando uma pessoa faz da
riqueza um bem em si mesma, desconsiderando Deus e sua
vontade e glória; quando acumula riqueza em vez de acumular
Deus; quando o fim principal do homem não é glorificar a Deus e
gozá-lo para sempre, mas adquirir riqueza e gozar dela para
sempre, ele peca. Ele cobiça. Ele é avarento. Esse é um pecado
que é cometido tanto por multimilionários quando por assistentes
sociais, pelos executivos de Wall Street e pelos caixas do Walmart.
A avareza não respeita conta bancária. Às vezes ouvimos a
expressão “podre de rico” acerca de uma pessoa que possui
(digamos) seis casas, vinte e cinco carros esportivos e um castelo
na Riviera Francesa. Mas, pensando bem, não seria bacana se todo
mundo tivesse essas coisas? Se a resposta é sim, estamos
reconhecendo que não é a riqueza que consideramos o problema,
mas algo mais. Talvez esse algo mais seja a avareza, mas se é este
o caso, certamente ela não pode limitar-se aos ricos. O universitário
desempregado que largou a faculdade e sobrevive recebendo
auxílio social indevido é avarento, talvez até mais do que o
multimilionário da Riviera Francesa. O denominador comum das
pessoas avarentas não é o tamanho de suas contas bancárias, mas
a proporção em que Deus e sua glória são excluídos de seus
desejos. Quem quer obter coisas à parte de Deus, de sua vontade e
de sua lei moral é culpado de avareza.
Por esse padrão — o padrão de Deus —, a ganância foi, de
fato, uma das raízes teológicas mais determinantes para a crise. A
ironia é que as raízes se aprofundam muito além do que os
acusadores esquerdistas superficiais estão dispostos a admitir. Não
há dúvidas de que os executivos de empresas, banqueiros de
investimentos, agentes de crédito e agências de classificação
cometeram esse pecado. É óbvio que os banqueiros de Wall Street
que estavam curtindo suas riquezas com prostitutas e cocaína eram
culpados.[35] É óbvio que os devedores que apagaram os padrões
de concessão de crédito para pegar empréstimos rápidos com vistas
a agrupá-los e vendê-los a investidores incautos (ou cautelosos)
para comprar iates maiores e mais carros de luxo e uma casa nova
à beira-mar em Hamptons eram culpados. Os executivos da Moody
que pressionaram os funcionários a fazer vistas grossas ao avaliar o
risco de títulos complexos e garantidos por hipotecas para que a
empresa pudesse manter os honorários desses clientes fluindo
eram igualmente culpados. O pecado, veja bem, não foram os iates,
carros e casas opulentos e agências de avaliação de risco bem-
sucedidas. O pecado foi a avidez por possessões imponentes sem
Deus — sem sua Palavra e vontade, a recusa de glorificá-lo, de
submeter-se à sua Palavra, de tratar o próximo como gostaria de ser
tratado. Sim, esse foi o pecado. Essa foi a avareza. Essa foi a
principal raiz teológica da crise.
Mas não podemos parar nos ditos executivos privilegiados
avarentos. E quanto aos mutuários de hipotecas magricelos? Não
pense que as pessoas da classe média ou até mesmo baixa não
possam ser avarentas. Lembre-se da definição de avareza: riqueza
como um fim em si mesma, que não leva em conta Deus e sua
palavra e vontade. As pessoas da classe pobre e média cometem
esse pecado todos os dias; e elas, como sua contraparte mais rica,
são culpadas de engendrar o colapso. Como? Ao tomar
empréstimos de alto risco — hipotecas ridículas nas quais
concordam em fazer pagamentos exorbitantes e de longo prazo na
esperança de poderem vender a casa enquanto ainda estão
fazendo pequenos pagamentos iniciais no curto prazo. Ou elas
apostam que, arranjando um emprego que pague melhor,
conseguirão ficar com a casa e arcar com as mensalidades.
Resumindo, entraram em um contrato irrevogável por uma casa que
não podem pagar. Elas viram. Cobiçaram. Aceitaram.
Os esquerdistas adoram rotular esses empréstimos de alto
risco de “predatórios”. Essa descrição só é justa se falarmos
igualmente sobre os mutuários predatórios. Não devemos nos
concentrar apenas nos credores que gananciosamente queriam
agilizar empréstimos desfavoráveis a um comprador para que
depois pudessem agrupá-los em títulos complexos; concentremo-
nos também nos mutuários que gananciosamente queriam entrar
em um empréstimo que eles simplesmente não podiam pagar. Havia
muita avareza para se evitar.
Podemos dizer, portanto, que a crise de 2008 foi precipitada
por um conluio de avareza — o desejo de adquirir riqueza sem
Deus.

2. Fraude

A segunda principal raiz teológica da crise financeira foi a


fraude. Ela é a combinação de dois outros pecados: roubo e
engano. Na verdade, a fraude é o roubo por meio do engano. A
Bíblia a proíbe (Lv 19.13; Mc 10.19). Pecados nunca vêm sozinhos;
eles alimentam e exigem um ao outro. A avareza muitas vezes gera
fraude: desejamos algo com intenções tão impuras que estamos
dispostos a defraudar nosso próximo para obtê-lo.
A fraude na crise de 2008 era palpável. E ela começou de
cima. Você sabia que “foi o governo, e não Wall Street, quem
primeiro securitizou os empréstimos modernos”?[36] Foram duas
organizações patrocinadas pelo governo, mais conhecidas como
Fannie Mae e Freddie Mac, quem compraram hipotecas de bancos.
Um custo que os bancos tiveram de assumir para livrar-se das
hipotecas e obter uma compensação completa delas foi
imediatamente aderir aos padrões de empréstimos estabelecidos
por Fannie e Freddie, o que significa padrões estabelecidos pelo
governo federal. Uma vez que o banco central (bem como os
principais partidos políticos) haviam concordado com “habitações a
preços acessíveis” — uma categoria política, não de mercado —, os
credores foram obrigados a relaxar seus padrões caso quisessem
vender seus empréstimos para Fannie e Freddie. E por que eles não
iriam querer? Diferente de quase todos os outros consumidores de
empréstimo em larga escala, Fannie e Freddie estavam respaldados
pela “plena fé e crédito” do governo federal. Os investidores
adoravam Fannie e Freddie. Se houvesse inadimplências nas
hipotecas, eles ainda receberiam seu dinheiro. Isso significa que os
pagadores de impostos salvariam esses empréstimos. Agora você
sabe por que Fannie e Freddie detinham — e detêm — a maior
parte das hipotecas dos Estados Unidos. Os investidores querem a
segurança garantida pelos pagadores de impostos. Uma vez que
esse plano socialista está associado com a pressão política sobre
essas agências patrocinadas pelo governo, a fraude é quase
garantida. Os credores que queriam vender hipotecas para Fannie e
Freddie eram obrigados a conceder empréstimos a pessoas que
geralmente não podiam pagá-los. Isso, por sua vez, promoveu
“financiamento criativo”, empréstimos de alto risco, empréstimos não
quitados, empréstimo com altos juros e assim por diante.
Quando os agentes de crédito preenchiam essas hipotecas (e
empréstimos hipotecários de segunda hipoteca e casas), muitas
vezes eles simplesmente falsificavam documentação — ou faziam
vistas grossas quando os mutuários claramente mentiam.[37] A vasta
maioria de todas as hipotecas de alto risco eram refinanciamentos.
[38] (Pense seriamente nisso.) Obviamente, elas não consistiam em

dar casas a pessoas de baixa renda. E seja como for, os agentes


financeiros estavam defraudando os bancos e empresas de
investimento que adquirissem esses empréstimos e que achavam
que estavam comprando crédito com documentação sólida.
Então vem a maior fraude de todas. Quando os bancos
vendiam esses créditos a bancos e empresas de investimento, eles
às vezes os agrupavam em pacotes enormes para vendê-los aos
investidores. Esses são instrumentos complexos que não quero
descrever, mas eles criaram a capacidade de incluir créditos
arriscados junto a créditos relativamente seguros cujos pagamentos
de hipotecas mensais foram convertidos em dinheiro para os
investidores. Mas os investidores querem garantir que os créditos
nos quais estão apostando são seguros, e é aí onde entram as
agências de classificação de crédito, como a Moody. Seu trabalho é
calcular o risco de crédito. A grande fraude que antecedeu o boom
imobiliário de 2008 foi quando as agências de classificação de
crédito deram uma nota de classificação de risco AAA para
empréstimos que mereciam menos do que AAA,[39] às vezes muito
menos. Eles fizeram isso porque foram pagos por esses clientes —
pagos pelas próprias pessoas cujos empréstimos estavam
avaliando. No fim, eles estavam mais preocupados em ganhar muito
dinheiro do que em falar a verdade. Se você é uma agente de
classificação de crédito, não há nada de errado em ganhar muito
dinheiro – desde que você fale a verdade. Eles não falaram. Bancos
e outros corretores hipotecários sabiam o que estavam vendendo,
mas os investidores não sabiam o que estavam comprando. Isso é
fraude.[40]
O grande uivo da esquerda foi o fracasso da
desregulamentação. De um ponto de vista, isso é correto: a fraude
não é apenas um pecado, mas também um crime e é (como deve
ser) punível pela lei. Se os conservadores não gostam dessa
intromissão no mercado, permita-me lembrar-lhes de que o mercado
só é possível por causa do estado de direito. Não cremos que não
deva haver nenhum tipo de interferência estatal. O papel do Estado
é refrear o roubo, a coerção e a fraude. A própria Bíblia exige pesos
e medidas justos (Lv 19.36), ou seja, o conteúdo da transação deve
ser transparente para ambas as partes. Por outro lado, foi
exatamente a tentativa do governo de regular as atividades de
empréstimo que estimulou a fraude. Os credores, via de regra, não
têm um incentivo para fazer empréstimos desfavoráveis; eles só têm
esse incentivo quando o governo lhes impõe um custo para a
transação e quando conseguem transferir esses empréstimos
rapidamente para investidores desavisados. Assim, bancos,
corretores hipotecários e agências de avaliação de crédito
cometeram fraude, e o governo os ajudou a cometê-la.
Tem mais gente aí: os mutuários de hipoteca inadimplentes.
Quando você se compromete a pagar, e não paga, você frauda (cf.
Nm 30.2; Ec 5.4; Rm 1.31). Imediatamente os esquerdistas
acusarão os credores de empurrarem “empréstimos predatórios”
sobre mutuários desavisados. Mas é de fato um mutuário muito
desavisado o sujeito que acha que consegue pagar uma casa de
seiscentos mil dólares ganhando um salário de trinta mil por ano, tão
desavisado a ponto de ser fraudulentamente ingênuo. Nos poucos
casos de mutuários que não falam inglês, ou que não leram os
detalhes, ou para quem os termos não foram esclarecidos, essa
falta de diligência e inocência são dignas de culpa, mesmo se eles
não cometeram fraude.
Além disso, a alavancagem financeira excessiva facilmente
conduz à fraude. Ela (em seu sentido básico) significa a proporção
de ativos para passivos. A Bíblia não exige que nossos ativos
sempre excedam nossos passivos (seja em nossa casa ou em uma
firma de investimentos multibilionária). Há ocasiões em que você
toma emprestado com o fim de gerar renda adicional. Mas se seu
empréstimo não leva em conta a possibilidade de redução drástica
de ativos, ou se baseia em passivos, você provavelmente
defraudará seus credores ou investidores quando eles precisarem
do dinheiro deles. A fraude se dá quando se passa a impressão
para as pessoas de que seu investimento é relativamente seguro,
quando, na verdade, não é. Quando a LongTerm Capital
Management[41] [Gestão de Capital a Longo Prazo] (já
abruptamente defunta) foi alavancada em 250 para 1, o que significa
que emprestou 250 dólares para cada dólar em seu balanço
patrimonial, foi possível ver que a fraude não vai muito longe.
Os mutuários estavam defraudando as companhias de
hipoteca. As agências de classificação de crédito estavam
defraudando os investidores. E o governo federal estava
estimulando essa fraude com a regulação do mercado.
Mas a fraude é quase sempre exposta, e ela o foi de maneira
poderosa em 2008 (e antes), quando mutuários não quitaram seus
empréstimos “criativamente” financiados, e o edifício inteiro
construído sobre alavancagem financeira excessiva caiu em
pedaços. Certamente seu pecado o encontrará (Nm 32.23). E o
pecado da fraude foi exposto de maneiras vigorosas.

3. Orgulho

Deixei a raiz mais importante por último. É o orgulho. Sim, o


orgulho. Uma definição padrão dos dicionários diz que ele é uma
“admiração excessiva de si próprio; soberba”.[42] Essa também é
uma definição bíblica implícita de orgulho,[43] e não é difícil de
entender. Como a avareza, ele por vezes é difícil de identificar.
Existe um orgulho saudável e legítimo: orgulho das realizações de
alguém, dos filhos, da igreja, do cônjuge, do país. O orgulho
pecaminoso, em contrapartida, é presunção. E ele é profundamente
teológico. A Bíblia adverte contra ele repetidas vezes.
Ele começou no Jardim, quando a Serpente apelou para a
autonomia de Eva — “Quem Deus pensa que é para dizer a você de
que árvore pode ou não comer? Você é adulta. Faça o que te der
vontade. Você pode ser um deus como Deus”. Satanás seduziu Eva
a renunciar a sua condição de criatura; ele a pediu para tornar-se a
Criadora. O pecado original foi a tentativa humana de se tornar um
deus.
O orgulho político é um gênero especial de orgulho. Todos os
grandes antigos impérios (egípcio, babilônico, persa, grego, romano)
foram construídos sobre ele, mas agora estou falando de uma
espécie peculiarmente moderna desse gênero — o orgulho político
alimentado pelo elitismo intelectual. Ele, também, tem uma linhagem
antiga. Platão achava que a sociedade deveria ser governada por
reis-filósofos. Mas desde o Iluminismo, o elitismo intelectual se
proliferou. Esse elitismo aflige as democracias modernas.
Essa, caso eu não esteja errado, é a principal raiz da crise de
2008. À guisa de ilustração, poderíamos começar com a matéria de
capa da revista Time, de 15 de fevereiro de 1999, com fotos de
busto de Roberto Rubin, Alan Greenspan e Larry Summers
identificados pela manchete ousada: “O comitê para salvar o
mundo”. A descrição era intencionalmente provocativa, mas ela
aponta para uma forma de orgulho quase tão antiga quanto a
própria humanidade: a busca por falsos messias. Nesse caso, eram
três homens e sua elite de compatriotas exibidos como salvadores
de uma ordem econômica que, de um ponto de vista prático,
prometeu expandir e nunca se retrair (a despeito de toda evidência
histórica de que os mercados são cíclicos). Esses gênios
econômicos estavam no banco do motorista, o veículo de uma vasta
economia global em suas mãos capazes, e nós, meros mortais, não
devíamos nos preocupar.
Pensando bem, essa fé é ostensivamente irônica. Todos eles
alegam ser proponentes do livre mercado, no entanto, qualquer um
que conheça o mínimo sobre livre mercado sabe que o que o faz
funcionar não são as escolhas estratégicas de alguns iluminados,
mas as escolhas ordinárias das massas não-iluminadas. Todos os
dias bilhões de pessoas tomam, coletivamente, trilhões de decisões
que impactam a economia global. A economia global funciona por
causa dessas decisões serenas – uma pessoa ou grupo fazendo
transações financeiras em prol de bens e serviços de outra pessoa
ou grupo, todos beneficiando uns aos outros na transação, e,
coletivamente, beneficiando o mundo. Esse sistema funciona não
por causa da política de umas poucas elites, mas a despeito dela.
“O comitê para salvar o mundo” é título mais adequado a marxistas
e outros regimes utópicos — um pequeno núcleo incumbido
(geralmente autoincumbido) de construir a sociedade perfeitamente
justa.
Na verdade, Rubin, Greenspan e Summers alegariam estar
apenas tentando melhorar os mercados, criando medidas políticas
favoráveis à liberdade econômica. Mas boas intenções politicamente
orientadas por liberais são, por vezes, não menos prejudiciais do
que boas intenções de suas contrapartes intervencionistas.
Quero deixar claro que não estou fazendo de Rubin,
Greenspan e Summers vilões (como muitos na esquerda fazem), e
louvo seus evidentes impulsos em direção ao livre mercado. Mas o
orgulho não respeita ideologias, e liberais orgulhosos podem causar
estragos tão rapidamente quanto socialistas orgulhosos.
Poderíamos falar interminavelmente sobre o orgulho de Wall
Street (o orgulho das firmas de investimento que quiseram esmagar
seus concorrentes a todo custo) e o orgulho dos investidores
individuais (o orgulho dos mutuários que os impulsionou a
acompanhar seus pares, mesmo que isso significasse adquirir
hipotecas que não se podia pagar e usar a casa como um cofrinho).
Resumindo, havia orgulho pecaminoso para dar e vender.
Mas o orgulho público mais flagrante durante os anos que
acarretaram na crise foi o orgulho dos políticos (de ambos os
partidos), representantes do Estado, elitistas convencidos de que
entendiam mais de justiça, proporcionalidade, direito e igualdade do
que todo mundo. Eles são, na expressão de Thomas Sowell, “os
ungidos”.[44] São os guardiões da sociedade, os fiscais de tudo o
que é verdadeiro e correto, os humildes, desinteressados, não
maculados por interesses pessoais, exercendo poderes divinos
sobre a sociedade. São os “substitutos dos tomadores de decisão”.
[45] Geralmente os cidadãos são bobos tapados e egoístas, mas

eles, os iluminados, os soberbos, a elite, os sábios, são dotados


pela providência secular para guiar o restante de nós, bobocas
autocentrados, à virtude, igualdade e justiça.
É importantíssimo entender que, no mundo moderno, os
intelectuais geralmente são contra a economia de livre mercado e a
favor da economia socialista ou, na melhor das hipóteses, de uma
economia ativamente intervencionista. Por quê? Existem duas
razões principais. Em primeiro lugar, os intelectuais tendem a não
ganhar muito dinheiro, pelo menos não tanto quanto os
empresários, e uma vez que eles se julgam intelectualmente
superiores a estes, ficam indignados com os empresários, bem
como com uma sociedade cujos arranjos econômicos recompensam
mais os empresários do que os intelectuais. Em outras palavras, são
invejosos, cobiçosos e ressentidos. Mas isso é exatamente o que o
livre mercado normalmente faz, e, por essa razão, eles se indignam
com ele.
Em segundo lugar, os intelectuais são dados a soluções
alinhadas e sistemáticas — especialmente aquelas idealizadas por
pessoas inteligentes. Como eles mesmos. O livre mercado privilegia
as decisões geralmente pequenas e individuais das massas. Essa
liberdade difundida de tomada de decisão parece demasiadamente
caótica para os intelectuais. Tudo isso não acabará em anarquia
econômica? O mundo não desmoronará se deixarmos as pessoas
livres para decidirem sozinhas sobre o que necessitam?
Curiosamente, não. O mercado contém um mecanismo de projeto
notavelmente não-planejado: esses trilhões de decisões diárias
absolutamente não acarretam no caos social, mas numa cultura
vibrante e cooperativa na qual as pessoas estão constantemente
servindo umas às outras e na qual, consequentemente, o produto
final das tomadas de decisão coletivamente não-planejadas é uma
sociedade que parece bem planejada. Mas a beleza de tudo
consiste em que nenhuma pessoa ou grupo de pessoas a planejou.
Todos planejaram.
Todavia, esse processo incômodo entrega controle
demasiado nas mãos de indivíduos comuns e pouco dotados. Além
disso, ele fomenta uma sociedade que ainda contém um grau de
pobreza, desigualdade e injustiça (apesar do fato de que ela contém
menos pobreza, desigualdade e injustiça que nas sociedades
intervencionistas). Os intelectuais, que querem a sociedade justa no
café da manhã da próxima quinta-feira, simplesmente não aceitam
uma sociedade economicamente livre.
A maioria dos políticos não é intelectual (nem chega perto),
mas visto que amam o poder, pegam dicas com os intelectuais, que
inventam sugestões criativas para o exercício do poder. Esse poder
é nutrido no famoso pecado do orgulho: nós sabemos; os outros,
não. Esses políticos soberbos ajudaram a desencadear a crise
financeira. Como?
Em primeiro lugar, foram convencidos de que “habitações a
preços acessíveis” eram um direito.[46] Com isso eles não queriam
dizer que todos deveriam ter um teto sobre a cabeça. Eles queriam
dizer que tantas pessoas quanto possíveis deveriam comprar uma
casa, ao invés de alugar. Quem os autorizou a agir com base nessa
pressuposição, servir-se das alavancas da coerção política para
seduzir os bancos a conceder empréstimos a pessoas claramente
desqualificadas para assumi-los? Essas são perguntas que nós,
plebeus, simplesmente não estamos autorizados a fazer.
Evidentemente, o número mais amplo possível — e particularmente
minorias “sub-representadas” — deve ter uma casa própria, e os
bancos devem ser incitados ou obrigados a conceder-lhes
empréstimos. Por quê? Porque isso é razoável e justo — e eles, a
elite, conseguem decidir o que é razoável e justo. Políticos tão
ideologicamente diferentes quanto Barney Frank e George W. Bush
endossaram “habitações a preços acessíveis” (que significam, na
realidade, “habitações a preços acessíveis por via da coação
política”).[47]
Quando um bando desses mutuários caiu em inadimplência
no início dos anos 2000, o castelo de cartas elitista começou a se
desintegrar. Começou a se desintegrar não primariamente por causa
de sua ignorância econômica, mas por causa de seu orgulho sem
limites.
Considere, além disso, a Reserva Federal. Falamos sobre um
dos salvadores do mundo, Alan Greenspan, por muito tempo
presidente do Banco Central americano. A persistente decisão de
Greenspan em manter as taxas de juros artificialmente baixas
alimentou hipotecas imobiliárias que um mercado verdadeiramente
livre não teria apoiado e, portanto, um boom habitacional artificial
que tornou o colapso mais doloroso quando veio. Greenspan
pensava que sabia melhor que o mercado como ajustar taxas de
juros.
Qual a razão primária para os preços das habitações serem
tão altos? Havia uma série de razões. Algumas eram forças de
mercado legítimas. Outras não. Algumas foram alimentadas pelo
orgulho político. No mercado, qualquer bem ou serviço desejável
que também é escasso é comparativamente caro. Se esses bens e
serviços são escassos porque Deus não forneceu muitos deles
(ouro e casas à beira-mar, por exemplo), ou porque é exigido um
esforço humano extraordinário para produzi-los (Rolls Royces e
sobretudos de pele, por exemplo), seu preço elevado é um reflexo
da providência. Mas o que dizer dos preços elevados (ou baixos)
que são o resultado do Estado implementando coercitivamente um
plano da elite? Especificamente, o que dizer das restrições de uso
do solo que impediram construtores de edificar em terrenos
perfeitamente bons, uma proibição que aumentou os preços devido
à escassez?[48] Alguns municípios não querem que as pessoas
morem muito próximas, e, em alguns casos, morar tão perto quanto
a três hectares de distância de alguém é muito perto. Então, eles
estabelecem restrições sobre tamanhos de lotes que podem ser
transformados em casas. Naturalmente, isso cria uma escassez
relativa, que, por seu turno, aumenta o preço das casas. Os políticos
decidem quantas casas existem, e quão afastadas as pessoas
devem morar umas das outras: eles, a elite, os iluminados, os
sábios — e, acima de tudo, os virtuosos. Isso é orgulho pecaminoso
puro e simples.
Ironicamente, muitas das mesmas pessoas que apoiam
“habitações a preços acessíveis” também apoiam extensas
restrições de uso da terra. Em outras palavras, elas implementam
uma medida que faz os preços das casas dispararem e, então,
reclamam dos preços elevados das casas e dos “construtores
gananciosos”, implementando uma medida obrigando os bancos a
emprestar dinheiro a pessoas que de outra forma não podem pagar
casas. Se essa combinação parece imbecil, é porque ela é.
Em vez de permitir que os cidadãos tomem suas próprias
decisões em harmonia com o cuidado universal de Deus pela
criação (pois ele envia suas dádivas providenciais tanto para justos
como para injustos [Mt 5.45]), as elites políticas criam esquemas
para modelar uma sociedade justa, igual e virtuosa. Eles arrogam
para si a tarefa que compete somente a Deus. Sua interferência na
economia nos anos que desencadearam o colapso é um exemplo
primário do orgulho que antecede a destruição, e do espírito
arrogante que precede a queda (Pv 16.18). E esses mesmos
elitistas — quando a queda vem — culparam os empresários, que
haviam sido obrigados a agir de acordo com medidas políticas não
ditadas pelo mercado. Vai entender.
O orgulho das elites socialistas é manifesto em sua confiança
ilimitada na sua própria capacidade de reordenar a sociedade de
acordo com padrões racionais de justiça — concebidos por eles e
outras elites, é claro.
O orgulho das elites capitalistas é evidenciado em suas
inquietações que, a menos que conduzam o mercado por escolhas
políticas sábias e promissoras, não permitirá que a economia cresça
e proveja capital, empregos e renda suficientes.
Ambas as formas de orgulho são erradas. Ambas são
pecado. E ambas conduzem, como ficou patente, à privação
econômica.

Se as raízes da crise financeira são teológicas, as raízes de


sua solução e prevenção no futuro também o são.
Sabemos que, em última instância, a única esperança do
homem está no Evangelho de Jesus Cristo, pois Deus transforma
aqueles que creem nele e, através deles, ele transforma o mundo.
Contudo, mesmo os descrentes, caso adiram a essa lei moral, serão
abençoados de uma forma que os desobedientes não serão,
inclusive em sua economia pessoal e cultura. Essa lei moral é uma
penúltima solução para os nossos infortúnios econômicos.
Encontramos essa lei na revelação de Deus: em sua criação e na
Bíblia.
A Bíblia não é um manual de economia, mas sua lei moral
articula a verdade econômica básica: o mundo pertence a Deus (Sl
50.10; 1Co 10.26). A propriedade (privada e familiar) é, grosso
modo, inviolável (Êx 20.15; At 5.4). A capacidade de tributação do
Estado é limitada (1Sm 8.11-18). O Estado deve refrear o roubo, a
coerção e a fraude (Êx 21.1; Lv 6.1-7), mas não pode arrancar a
riqueza à força para fins de “justiça distributiva” (Robin Hoods de
Jesus). Deus espera que seu povo cuide do pobre e do oprimido (Dt
15.11; Pv 28.27; Ml 3.5). Ele espera que seu povo use sua riqueza
para criar mais riqueza (Dt 15.6; 28.12; Mt 25.14-30). Ele promete
riqueza de longo prazo para aqueles que vivem vidas obedientes de
longo prazo (Dt 8.16-18; 30.2-16; Ec 5.19). O fato de a Bíblia ser um
livro pré-moderno não significa que ela seja irrelevante para a
cultura pós-moderna. Obviamente, esses ensinos bíblicos não são
compatíveis com o socialismo de Estado. O fato de a Bíblia não
idealizar uma sociedade avançada de livre mercado não significa
que ela possa ser usada para defender uma sociedade socialista
avançada.
Semelhantemente, refletir sobre a revelação natural de Deus
nos leva a adotar a economia de livre mercado. Não estou dizendo
que esse tipo de economia seja um aspecto da natureza. Sugiro,
contudo, que uma reflexão sábia sobre a natureza, especialmente
sobre como ela foi poluída pelo pecado, leva-nos a adotar o livre
mercado. Por quê? Por causa do pecado. O pecado introduziu uma
escassez de recursos na terra. Examinando o sistema econômico
que historicamente tem sido mais produtivo na expansão e
distribuição desses recursos, naturalmente chegamos no livre
mercado. A economia centralizada (como no comunismo) possui um
registro espetacular de fracasso absoluto, para não mencionar a
privação maciça da vida e liberdade humanas, enquanto as
economias agressivamente intervencionistas (como na maioria da
Europa moderna) desfrutam apenas de um sucesso medíocre.
Mercados que gozam de mais liberdade (como aqueles da Inglaterra
do século 19 e dos Estados Unidos do século 20) tiraram mais
pessoas da pobreza, aumentaram mais significativamente o padrão
de vida (não somente dos ricos), proporcionaram mais riqueza
mediante a qual enriqueceram o resto do mundo com o comércio, e
garantiram com mais segurança a liberdade individual do que
qualquer outro sistema econômico na história humana. Resumindo,
os livres mercados tornam o mundo melhor do que o encontramos
— ou seja, o mundo que, apesar de revelar a majestade e bondade
de Deus, foi assolado pelo pecado humano.
Uma vez que os mercados livres aumentam a liberdade
individual, protegem a propriedade, fomentam intercâmbios
pacíficos, aliviam a pobreza, incentivam que sirvamos nossos
semelhantes, diminuem o custo das tecnologias emergentes e,
principalmente, proporcionam o melhor ambiente para a transmissão
global do evangelho, a economia de livre mercado reflete as virtudes
manifestas na revelação de Deus com mais propriedade. Os
mercados livres não são perfeitos, e não pretendem ser o céu na
terra. Em um mundo pecaminoso, nada nem ninguém pode fazer
isso. E todas as tentativas de fazer daqui o céu nos arrasta para o
inferno. Mas os mercados livres são os meios mais efetivos de
distribuição de recursos escassos no mundo caído, e eles
funcionam em conjunto com a liberdade política e religiosa, o que se
harmoniza com a ideia cristã da dignidade do homem criado à
imagem de Deus.
Por critérios cristãos, muitos instrumentos e práticas
econômicas complexos são permissíveis. Hipotecas derivadas e
securitizadas são legítimas desde que sejam transparentes (evitem
a fraude) e não se voltem para o Estado em busca de garantias.
Não há dúvidas de que a enorme bolha imobiliária não teria crescido
de forma tão maciça sem as garantias politicamente sancionadas e
enredadas pelos empréstimos devorados por Fannie Mae e Freddie
Mac. Derivados e securitização são bons, desde que sejam
transparentes e inteiramente privados.
De forma análoga, a alavancagem financeira é permitida
desde que consiga resistir, de forma racional, ao ímpeto de liquidez
de uma crise econômica. Da mesma forma que a Bíblia não lhe
permite investir cada centavo de suas economias pessoais quando
você sabe que seu pai doente pode precisar de cuidados de saúde
a qualquer momento, então ela não permitirá essa alavancagem
extensa que não pode satisfazer as necessidades de seus credores
sob condições difíceis, o que, todavia, pode, com sensatez, ser algo
esperado.
As permutas de riscos de incumprimento resguardam as
instituições contra inadimplências em empréstimos massivos. Elas
são uma forma de seguro. Naturalmente, qualquer instituição que
assegure uma quantia maior do que pode sensatamente cobrir em
uma economia em baixa conspira para cometer fraude. O problema
não é o instrumento, mas o abuso. E por aí vai.
Mutuários que mentem sobre aplicações hipotecárias estão
cometendo fraude, assim como os agentes de crédito que são
convenientes com eles. Isso é fraude e roubo.
Mutuários que pegam emprestado mais do que podem pagar
também são avarentos. Não estou falando apenas de mutuários
individuais — incluo, também, as firmas de investimento. A
esquerda adora ralhar a “avareza corporativa”. Bem, “avareza
corporativa” é um fato triste.
Também triste é a ganância política, a ganância pelo poder.
Mas essa forma de avareza parece não chamar tanto a atenção da
esquerda. Contudo, a ganância política é não menos pecaminosa
que a ganância econômica.
Resumindo, e em conclusão: a vontade e Palavra de Deus
em seu mundo é a única maneira correta e, em última instância,
segura e bem-sucedida de adquirir, acumular e preservar a riqueza.
A mensagem de que a confiança e submissão ao Deus Triúno do
universo é o único caminho para a bênção permanente não é uma
mensagem acolhida por uma era rebelde e autônoma. Mas é a
mensagem correta. E é uma mensagem que a sociedade rejeita por
sua conta e risco.
Essa, no fim, é a grande lição da crise econômica de 2008.
IV. As pressuposições teológicas do esquerdismo
político

I [49]

A maioria das pessoas que leem estas linhas se consideram


politicamente conservadoras. Neste capítulo eu quero analisar os
nossos oponentes políticos, os esquerdistas[50] (algumas vezes
chamados eufemisticamente de “progressistas”). Esses termos são
condicionados culturalmente. Quero dizer, com isso, que eles
significam coisas diferentes em épocas e culturas diferentes. Os
conservadores de hoje devem muito de sua existência àquilo que é
conhecido como o liberalismo clássico do século XVIII.[51] É por isso
que alguns conservadores preferem ser chamados de liberais ― os
verdadeiros liberais, que enfatizam a liberdade individual. Nos
últimos dias da União Soviética, os conservadores apoiavam o
antigo e decadente regime comunista, enquanto os liberais
defendiam a mudança política: liberdade individual e livre mercado.
Isso é quase o oposto de como usamos esses termos em nossa
cultura. Por essa razão, o mais importante não são as palavras em
si mesmas, mas o que elas querem dizer. Em nosso contexto
americano, descrevemos como conservadores aqueles que
acreditam em liberdade individual e em “sociedade civil” (famílias
fortes e igrejas e outras instituições que servem como para-choque
entre o indivíduo e o Estado).[52] Os esquerdistas, por outro lado,
estão mais interessados em igualdade e justiça (como eles as
definem) impostas por um Estado grande e centralizado,
particularmente pelo governo federal.[53] Esse é um resumo de
como os termos conservador e liberal são entendidos de modo
geral, e é assim que trabalharei com eles.[54] Estou recuando e
analisando um amplo campo ideacional hoje. Nenhuma atividade
política bem-sucedida é possível sem registro de eleitores, reuniões
prévias e estratégia de partido. Esses são os elementos básicos da
política de sucesso. Contudo, gostaria que voltássemos e
examinássemos um pouco mais amplamente o programa com o
qual estamos comprometidos ― e, particularmente, com o qual os
nossos oponentes políticos estão comprometidos. Não estou
pedindo para que percamos a floresta em prol das árvores. Às
vezes precisamos ponderar o motivo das nossas ações, e quais
perspectivas estão motivando nossa atividade política ― e a de
nossos oponentes.

Cosmovisão e política

O argumento ambicioso que quero estabelecer aqui é que, quando


falamos de política, falamos de muito mais que de política. Estamos
falando de um sistema de vida ― uma cosmovisão, como dizemos.
Nossas perspectivas políticas são determinadas por nossa visão do
mundo, não simplesmente pelas necessidades do momento. Se
você quase sempre vota em um republicano, isso não acontece só
porque você está comprometido com o Partido Republicano. Você
está comprometido com uma visão específica de mundo que
combina mais com as ideias do Partido Republicano do que com as
do Partido Democrata. Votamos em nossa cosmovisão.
Mas então poderíamos imediatamente perguntar: “E as
cosmovisões, de onde vêm?”. Sem dúvida elas são determinadas
pela nossa história pessoal, nossos pais e amigos, nossa cultura e
nossas experiências de vida; mas até mesmo esses fatores são
interpretados em termos de algum crivo dominante. Esse crivo,
sugiro, é a religião.
A humanidade foi criada à imagem de Deus. Fomos feitos para
amar, glorificar e obedecer ao nosso Criador. Mas Adão e Eva
pecaram, e mergulharam nosso mundo no pecado. Cada um de nós
nasce pecador. Esse pecado contamina não somente nossas ações,
mas também nosso pensamento. Ele perverte nossa cosmovisão
desde a mais tenra idade. É por isso que o primeiro e principal
pecado é a idolatria, e também o motivo de o primeiro mandamento
de Iavé a Israel ser: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx
20.3). Esta é a maior tentação da humanidade: desviar-se do Deus
verdadeiro e adorar deuses falsos. Fomos feitos como seres
religiosos, ou seja, seres adoradores. Quando nos recusamos a
adorar a Deus, não deixamos de adorar. Adoramos outros deuses.
Adoramos algum aspecto da ordem criada, alguma outra pessoa ou
alguma outra coisa. Essa idolatria é apostasia do Deus verdadeiro.
Essa apostasia começa em nosso coração, o centro do nosso ser, e
de lá se exterioriza.[55] Logo, ela afeta cada aspecto do nosso
pensamento e de nossas vidas. Isso também inclui nossa política.

Cosmovisão, política e religião

Talvez você já tenha ouvido a expressão “política e religião não se


misturam”, mas ela é completamente falsa. É correto dizer que
igreja e Estado não devem se misturar (devidamente entendido),
mas religião e política devem se misturar porque a religião se
mistura com tudo na vida. Uma vez que fomos criados à imagem de
Deus, todo pensamento e ação, certo ou errado, é um ato religioso.
É por isso que toda política é religiosa, e isso se aplica a cada
indivíduo, sempre que ele estiver situado no espectro político.

Esquerdismo político como apostasia religiosa

Estou fazendo o que alguns considerariam uma proposição ousada:


o esquerdismo político é uma forma de apostasia do Deus
verdadeiro. (Conservadores podem apostatar também, mas este
não é o assunto deste capítulo.) Os apóstatas frequentemente
justificam sua apostasia: criam razões plausíveis para ela. Tanto
para eles como para os outros, eles precisam fazer sua apostasia
parecer sensata e racional. É exatamente isso o que os
esquerdistas fazem e têm feito. Essas são crenças que justificam e
dão suporte à sua apostasia, e tais crenças são fundamentalmente
religiosas e até mesmo teológicas.

Pior que conspirações

O Presidente Obama, Nancy Pelosi, Hilary Clinton e Harry Reid não


levantaram de manhã com a intenção de solapar e destruir os
Estados Unidos da América. Conheço alguns conservadores que
abraçam teorias da conspiração. Eles sugerem que os esquerdistas
conspiram secretamente para destruir os Estados Unidos. A
verdade é muito mais sinistra.[56] Ou ainda: a razão por que os
esquerdistas são tão perigosos não é porque eles estão tentando
destruir o nosso país, mas porque estão tentando ajudá-lo. Se
estivessem conscientemente tentando nos destruir, podiam ser
refreados pela consciência que Deus lhes deu. Eles são tão
prejudiciais porque não estão conscientemente tentando destruir os
Estados Unidos. Eles acreditam que estão fazendo o bem. É esse
“fazer o bem” deles que está nos matando. Vou expor brevemente o
fundamento lógico deles para essa benevolência destrutiva. Em sua
raiz, esse fundamento é religioso, até mesmo teológico. Pelo menos
três pressuposições teológicas básicas subjazem ao esquerdismo
político.

1. A

Em primeiro lugar, os esquerdistas creem na bondade inerente e na


perfectibilidade do homem. Anteriormente eu disse que nascemos
pecadores, mas os esquerdistas não acreditam nisso. Eles
acreditam que nascemos em um mundo pecaminoso, ou pelo
menos mau. Mas eles não creem que o mundo é pecaminoso sob a
alegação de que as pessoas são necessariamente pecadoras. Na
verdade, eles acreditam no contrário. Há mal no mundo, e ele pode
ter se originado totalmente por acaso, e esse mal é o que corrompe
as pessoas. Ele reside nas estruturas humanas como a família, a
propriedade privada, o comércio, a igreja e até mesmo no governo.
Se o mal principal não é que as pessoas são necessariamente más,
mas que elas se tornaram más, podemos mudá-las mudando essas
estruturas ― o ambiente ou cultura humanos. Depois, podemos ter
de volta o homem tal como se esperava que ele fosse. Portanto, se
conseguirmos mudar o mal na sociedade, o homem volta à sua
condição impoluta e original.
Precisamos entender este ponto-chave: os esquerdistas querem
mudar a sociedade porque, mudando-a, eles podem mudar o
homem. O homem se tornará o que deve ser se a sociedade se
tornar o que ela deve ser. Se ela redistribui sua riqueza, já não
haverá mais gananciosos. Se conseguirmos sanear as favelas e
habitações populares, não haverá motivo para as gangues
destruidoras. Se pudermos solapar a liderança masculina na família,
mulheres e crianças se sentirão menos oprimidas. Se dermos
emprego para jovens terroristas muçulmanos, eles deixarão de
crucificar cristãos e queimar crianças vivas. Essa gente não tem
corações maus. Eles estão corrompidos pelas estruturas más que
os rodeiam. Nossa tarefa é mudar as estruturas más. Homens e
mulheres podem mudar ― e ser mudados ― mudando-se o seu
ambiente cultural.

Perfectibilidade

Os esquerdistas creem que a natureza humana é plástica, ou


moldável. Ela não é fixa. Ela pode ser aperfeiçoada. É por isso que
eles creem na perfectibilidade do homem.[57] O homem pode ser
muito melhor e diferente do que é hoje. Assim como o corpo
humano evoluiu de animais inferiores até a sua atual condição física
superior, da mesma forma sua natureza ― sua constituição ética,
intelectual e emocional ― pode evoluir. Em mil anos, os humanos
poderiam ser muito diferentes dos humanos andando na terra hoje.
Na verdade, eles podem nem mesmo ser humanos. Podem ser
maiores que os humanos ― transumanos. O objetivo do
esquerdismo, consequentemente, é, no mínimo, construir um novo
tipo de ser humano. Essa expectativa, como você pode imaginar, é
um tipo de visão utópica:[58] é a versão esquerdista do céu na terra,
e é exatamente para isso que eles estão trabalhando. Esta é uma
perspectiva apóstata.

A visão (realista) cristã


A visão esquerdista é muito diferente da cristã. Os cristãos creem
que o homem nasce pecador (Rm 3.23). Ele só pode ser mudado
pelo Espírito Santo, com base na morte e ressurreição de Jesus
Cristo (2Co 5.17; Gl 2.20). Todas as tentativas naturalistas, incluindo
todas as tentativas políticas de mudar o homem são falhas.
Somente a graça de Deus, mediante o Espírito Santo, consegue
mudar o homem (Jo 3.3). A razão por que as instituições são más é
porque o coração humano é mau. É o homem quem as corrompe,
não o inverso. Se o homem precisa ser aperfeiçoado, ele só o pode
por Deus, não pelo homem. E ele só pode ser completa e
definitivamente aperfeiçoado na eternidade, quando o Pai usar seu
Filho para endireitar todas as coisas (Ap 22.14-15). O homem não
pode criar um plano político para produzir um homem melhorado.
Como você pôde perceber, essa não é a visão esquerdista da
perfectibilidade do homem, na qual o homem já possui as sementes
da perfectibilidade em si, e elas só precisam ser irrigadas e
alimentadas pelo ambiente cultural. Essa é uma visão distorcida da
natureza humana, e suas consequências são desastrosas quando
implementadas na sociedade por meios políticos. Permita-me
alguns exemplos.

O livre mercado

Considere os arranjos econômicos na sociedade. Se o homem é


pecador, especialmente se ele for egoísta, você ia querer adotar um
sistema econômico que tratasse essa pecaminosidade com o devido
realismo. É isso o que faz o livre mercado. Ele não necessariamente
incita as pessoas a serem gananciosas (afinal de contas, um monte
de gente quer ganhar um monte de dinheiro para que consigam
enriquecer outras pessoas, como amigos e família, não a si
mesmas). Mas o livre mercado não se aproveita da ganância
humana para beneficiar outras pessoas. Essa é a lei das
consequências involuntárias. A vendedora de sapatos pode não ter
muita estima por você, mas ela o trata bem e te vende sapatos para
que possa pôr a comida na mesa. Ela pode ser gananciosa, mas o
livre mercado a obriga a ajudá-lo, caso ela queira satisfazer sua
ganância. Na eternidade, não precisaremos da economia de livre
mercado porque lá haverá o bastante para todo mundo, e porque
ninguém será ganancioso. Mas ainda não estamos lá.
A cosmovisão cristã exige que sejamos realistas a respeito do
mundo, e no tocante à economia, esta exige o que hoje chamamos
de livre mercado.

Socialismo de Estado

Mas se você não crê que o homem é pecador por natureza, você
acha que pode livrar-se de sua ganância por meios naturalistas. Os
esquerdistas creem que podem purgar a ganância a partir da própria
natureza humana. Se o Estado cuida de todas as necessidades
físicas do homem, não há por que ele ser ganancioso.
Naturalmente, isso significa obrigar outras pessoas a desistirem de
seu próprio dinheiro e bens para compartilhar com os demais.
Em todo lugar em que se tentou implementar essa política,
conhecida como socialismo de Estado, os resultados têm sido
desastrosos. A China comunista e a União Soviética conseguiram
obrigar as pessoas a compartilhar, mas não conseguiram mudar o
egocentrismo delas. As pessoas ainda queriam a propriedade
privada. Ainda havia um mercado negro. Elas viviam com se
merecessem guardar o dinheiro que ganharam e as safras que
plantaram. A razão pela qual o socialismo fracassou, pela qual ele
sempre fracassou toda vez em que se tentou implementá-lo, é que
ele está baseado em pressuposições teológicas precárias, uma
visão ilusória da natureza humana. Ele supõe que as pessoas não
são pecadoras por natureza. E ao criar um arranjo político que não
leva em conta a pecaminosidade humana, ele tem sido um desastre
não apenas economicamente, mas também politicamente.

O sistema de reeducação criminal

Considere, então, o sistema de justiça criminal. Se as pessoas não


são inerentemente más, deve haver alguma outra explicação para o
crime. Uma explicação esquerdista comum para o crime é a
precariedade das instituições humanas: habitações populares;
discriminação contra minorias raciais por escolas e empregadores; e
verba insuficiente para escolas públicas. No entanto, cada vez mais
a explicação tornou-se a instabilidade mental. O pai do jovem
norueguês que matou aproximadamente setenta pessoas, incluindo
crianças, em um acampamento numa ilha, explicou que seu filho
“deve ser” mentalmente doente. Não havia outra explicação
possível.[59] A explicação real de que seu filho tinha um coração
perverso era simplesmente inconveniente. Ela não faz parte da
cosmovisão esquerdista. Os criminosos, portanto, são encarcerados
não tanto para pagar pelos seus crimes (a visão mais antiga e
conservadora), como para serem reeducados e reabilitados.
Falando de um ponto de vista prático, temos não tanto um sistema
de justiça criminal, mas um sistema de reeducação criminal. Se isso
se parecer com os campos de reeducação da China comunista e da
Camboja de Pol Pot, é porque ele é. Quando você se livrar do
pecado original, logo deve se livrar da justiça.

Empregos para terroristas

Como uma última prova dessa visão distorcida da natureza humana,


considere a política estrangeira esquerdista. Talvez você recorde do
comentário de Mary Harf, do Departamento de Estado dos Estados
Unidos: “Precisamos averiguar as causas fundamentais que levam
as pessoas a se juntarem a esses [islamofascistas] grupos [como o
ISIS], [incluindo] a falta de oportunidade de emprego”.[60] Essa é
uma explicação esquerdista clássica: não é possível que o ISIS seja
mau. Mas o fato é que muitos membros do ISIS, e certamente a sua
liderança, tinham empregos perfeitamente bons.[61] Obviamente, o
desemprego não os levou a crucificar cristãos e decapitar crianças.
Mas se não é este o caso, deve haver alguma outra explicação para
o seu (mau) comportamento. Ela está em suas pressuposições
religiosas malignas. Porém, o governo Obama jamais chamaria o
ISIS de terroristas islâmicos. Ele se recusa a reconhecer a
convicção entranhadamente religiosa de seus membros. De acordo
com os esquerdistas, visto que nenhuma religião é má, ela não leva
as pessoas a fazer coisas más (exceto, talvez, os que acreditam na
Bíblia, entre os quais estão os terroristas internos e direitistas que
“se agarram” a seu Deus e armas). Os esquerdistas defendem
incessantemente o diálogo e a diplomacia, mesmo com os ditadores
mais sangrentos e sedentos de poder como os líderes do ISIS e
Vladimir Putin, presidente da Rússia. Esses líderes não são maus;
estão apenas equivocados. Se nós, esquerdistas sensatos,
pudermos tão somente sentar e conversar com eles, poderíamos
persuadi-los de seus caminhos errôneos. É exatamente esse tipo de
política estrangeira completamente ingênua que fomenta mais
agressão e tirania.[62] Você está começando a perceber, espero,
como essas pressuposições teológicas espúrias têm levado a
consequências políticas danosas.
Mas a bondade e perfectibilidade humanas não são as únicas
pressuposições teológicas equivocadas do esquerdismo político.

2. O

Em segundo lugar, os esquerdistas creem que a sociedade justa é a


sociedade equitativa. Eles estão convencidos de que o principal
problema do mundo é a desigualdade. Uma das diferenças
fundamentais entre o esquerdismo político e o conservadorismo é
que os conservadores enfatizam a liberdade, enquanto os
esquerdistas, a igualdade[63]. Há uma pressuposição teológica
guiando cada uma dessas diferenças. Os esquerdistas estão
comprometidos com um mundo de igualdade radical porque
condenam a hierarquia criada por Deus. Essa hierarquia está
entremeada no universo. Ela começa com a diferença entre Deus e
a criação. Deus está acima de toda a criação. Isso é chamado de
distinção Criador-criatura (Rm 1.25). O homem pecador quer tornar-
se Deus. Esse foi o apelo da serpente a Eva no Jardim do Éden (Gn
3.5). Foi com vistas a isso que a humanidade construiu a Torre de
Babel (Gn 11.1-9): alcançar os céus e eliminar a distância entre
Deus e o homem. O homem quer ser igual a Deus. É por isso que o
movimento da Nova Era e a espiritualidade pagã estão ganhando
cada vez mais proeminência em nossa sociedade.[64] Os pagãos
modernos são, em muitos casos, panteístas. A deidade está no
homem e em tudo o mais. Tanto o homem como a natureza
participam de Deus. Como você pode imaginar, essa visão também
reforça o movimento ambientalista radical. Em agudo contraste, a
via cristã é a hierárquica: o homem é criado à imagem de Deus, e
está subordinado a ele, assim como o restante da criação está
subordinada ao homem (Gn 1.28-30).

A guerra sobre a hierarquia

As hierarquias na sociedade lembram ao homem da hierarquia


principal: entre Deus e o homem. O homem pecador gosta que as
coisas sejam justas, desde que seja ele quem defina o que é
“justiça”. Na realidade, ele quer nivelar todas as hierarquias.
Rebaixando Deus ao nível do homem, ele está alçando o homem ao
nível de Deus. Ao igualar todo mundo, o homem está combatendo a
autoridade hierárquica de Deus.
É por isso que os esquerdistas querem diminuir ou apagar a
autoridade das famílias, dos pais, dos comerciantes, da igreja, dos
pastores e sacerdotes, dos professores e administradores, da
polícia e outras figuras de autoridade estabelecidas por Deus. Se
eles puderem livrar-se delas, talvez possam fazer o mesmo com a
autoridade do Deus que ordena toda autoridade (Rm 13.1).
Por conseguinte, o discurso deles é carregado de igualdade. Em
alguns casos, a igualdade é uma virtude. Todos somos
espiritualmente iguais diante de Deus quando viemos ao mundo.
Somos todos pecadores, e carecemos da salvação de Jesus Cristo.
Fomos todos providos por nosso Criador, como reza a nossa
Declaração de Independência, com os direitos inalienáveis à vida,
liberdade e busca da felicidade. A revelação de Deus exige que
sejamos todos tratados por igual perante a lei (Lv 24.22). Essas são
formas legítimas de igualdade nas quais devemos insistir.
Mas a igualdade não é uma virtude em toda situação. Algumas
formas dela são absolutamente perversas. É por isso que o discurso
de igualdade dos esquerdistas pode ser tão sinistro. Sua definição
de igualdade é absolutamente diferente da definição conservadora.
Os conservadores creem em igualdade de processos, não de
resultados. Os esquerdistas creem exatamente no contrário. Os
conservadores se dispõem a tolerar a desigualdade de resultados,
desde que haja igualdade de processos. É importante entender a
diferença.
Dois tipos de igualdade e desigualdade

Os conservadores creem que, nas regras (leis) para a sociedade, é


preciso que haja condições equitativas. Essa era a verdade
fundamental da cultura ocidental, que foi moldada pela fé cristã. O
jogo só é justo na medida em que as regras se aplicam a todos os
participantes. Se o Oklahoma City Thunder derrota a equipe de
basquete da universidade local, o jogo não é injusto somente porque
o Thunder venceu por uma diferença de 60 pontos. O jogo é justo se
as regras forem as mesmas para todos.
O mesmo se aplica à sociedade. Se todos forem tratados
igualmente sob a lei, alguns se sairão melhor que outros. Por
exemplo, alguns podem conseguir um emprego melhor e ganhar
mais dinheiro. Algumas crianças podem conseguir estudar em
escolas melhores. Igualdade sob a lei não significa resultados iguais
para todos.
Esse fato leva a uma percepção interessante: quando a lei trata
todos indistintamente, mas os resultados são desiguais, essa
desigualdade deve resultar de alguma outra coisa que não a lei. A
explicação para essa discrepância é simples. É a diferença entre os
próprios seres humanos. Pessoas diferentes têm vantagens
diferentes nas quais nasceram ou se desenvolveram. Elas têm
habilidades diferentes. Diferentes hábitos de trabalho. Diferentes
hábitos de despesas e poupança. Diferentes virtudes e vícios. Se
essas diferenças são inatas ou adquiridas não importa. A questão é
que as pessoas são diferentes umas das outras, e se a lei trata
todos da mesma forma, essas diferenças vão se manifestar no que
elas podem conseguir (ou não) em uma sociedade. Se a lei trata
todos igualmente, isso só pode significar que a igualdade perante a
lei conduz a resultados desiguais.
Os esquerdistas não querem essa igualdade de processo (igualdade
sob a lei). O que eles realmente querem é igualdade de resultados.
Eles não querem que todos sejam tratados igualmente. Eles
queriam que todos tivessem a mesma quantidade de coisas.

Como igualar os resultados


Mas esse desejo levanta um grande problema. Como você pode
garantir que todos conseguirão a mesma quantidade de coisas se
todos são tratados igualmente sob a lei? A resposta é: você não
pode. Como consequência, é necessário que os esquerdistas
destruam a igualdade de processos para garantir a igualdade de
resultados. Eles precisam ajustar a lei a fim de garantir que algumas
pessoas consigam tanto quanto outras. Você faz o Thunder
arremessar a bola em uma cesta a 8 metros de altura, e a equipe da
universidade em uma a 2 metros.
O exemplo mais flagrante do compromisso atual do nosso
presidente com essa pressuposição esquerdista de desigualdade é
o seu suposto Affordable Care Act (“Obamacare”). Se todos são
tratados igualmente perante a lei, algumas pessoas terão acesso a
melhores planos de saúde que outras, e um grupo relativamente
pequeno pode não ter acesso de jeito nenhum. Essa é uma
igualdade de resultados que os esquerdistas simplesmente não
toleram. Consequentemente, eles precisam introduzir desigualdade
de processos para garantir que todos tenham plano de saúde. Isso
significa obrigar americanos jovens e saudáveis a pagar os custos
médicos dos americanos mais velhos e menos saudáveis. (Em
outros contextos, esse arranjo poderia ser chamado de roubo, mas
parece indelicado referir-se ao roubo governamental como roubo.)
É importante admitir que a igualdade de processos e a igualdade de
resultados são mutuamente excludentes. Ou, pelo menos, quanto
mais uma aumenta, mais a outra precisa diminuir. Quanto mais você
exige que os resultados sejam iguais, mais você precisa criar leis
desiguais. E quanto mais você exige que as leis tratem todos
igualmente, mais resultados desiguais você terá.
É por isso que, no Obamacare, ouvimos sobre vencedores e
perdedores. Os vencedores são aqueles que conseguem seguro
subsidiado com o dinheiro dos outros. Os perdedores são os que
perdem dinheiro por terem de subsidiar o seguro dos outros. Como
se sabe, os conservadores também acreditam em vencedores e
perdedores. Se todos recebem tratamento igual perante a lei
(igualdade de processos), alguns conseguem mais, talvez muito
mais, do que outros. Mas isso não é porque a lei é desigual. É
porque as pessoas são desiguais. Há vencedores e perdedores
porque pessoas são vencedoras e perdedoras, não porque a lei
escolhe vencedores e perdedores.

A relação opressão-libertação

Os esquerdistas estão numa cruzada fervorosa para igualar todos


na sociedade. Eles precisam de uma justificativa moral e
altissonante para fazer isso. E essa justificativa é a libertação. É por
isso que eles constantemente usam o discurso da opressão, o
oposto da libertação. A opressão leva à desigualdade, e todos
sabem (quem não sabe?) que toda desigualdade é ruim, portanto
devemos libertar todos os oprimidos e, se não encontrarmos
nenhum, precisaremos inventar algum.
Desde a Revolução Francesa os esquerdistas têm se envolvido em
um projeto de libertação maciço, que tem sido chamado de “a
relação opressão-libertação”.[65] A religião esquerdista tornou-se
uma das principais reivindicadoras da libertação da humanidade de
toda tirania, real ou imaginária: os secularistas devem ser libertos
dos religiosos, os fiéis do clero, o esclarecido do ignorante, os
cidadãos da realeza, o pobre do rico, os trabalhadores dos
capitalistas, os negros dos brancos, as mulheres dos homens, as
esposas dos maridos, as crianças dos pais, os devedores dos
credores, os empregados dos empregadores, os homossexuais dos
heterossexuais, os presidiários dos cumpridores da lei ― e em
breve, se as coisas continuarem como estão, os polígamos dos
monogâmicos e os pedófilos dos carcereiros. A Grande Libertação
agora se estende inclusive à natureza não-humana: a libertação “do
ambiente” de uma humanidade gananciosa.

O alto custo da libertação

Esses projetos de libertação esquerdistas sempre custam caro:


esposas são libertas dos maridos ― e da oferta de provisão e
cavalheirismo sincero que o marido hierárquico tem para dar.
Homossexuais são libertos da inconveniência da marginalização
social ― e o casamento tradicional (= casamento) aos poucos se
torna obsoleto. Os secularistas são libertos de um código legal
cristão ― mas é cada vez mais difícil justificar a liberdade em bases
seculares. Empregados são libertos dos caprichos dos
empregadores ― mas a negociação coletiva (via sindicatos) leva
muitas empresas a mudarem de país e deixam esses empregados
desempregados. Os esquerdistas não estão preocupados com esse
dano social. Afinal de contas, é um dano colateral, justificado pela
grande cruzada da libertação. Como diz o aforismo de Vladimir
Lenin, “você não pode fazer uma omelete sem quebrar alguns
ovos”. A igualdade social é uma grande omelete, e você precisa
quebrar muitos ovos para fazê-la.
Mas como você de fato quebra os ovos? Isso leva à terceira e última
pressuposição teológica do esquerdismo político.

3. A E

Os esquerdistas acreditam que o Estado deve ser o principal agente


de seu projeto de perfectibilidade, liberação e promoção de
igualdade. Se você perguntar à maioria das pessoas inteligentes a
principal diferença entre conservadores e esquerdistas, elas
responderiam que os conservadores creem em um Estado menor, e
os esquerdistas, num maior. Essa certamente é uma diferença
enorme entre os dois, mas o que muitas vezes não percebemos é a
teologia por trás dela. Esquerdistas não apoiam um Estado maior
porque querem mais autoridade no mundo. Na verdade, em quase
todas as áreas da vida, eles querem menos autoridade. Eles
querem que os indivíduos tenham liberdade para fazer quase tudo
quanto queiram, desde que não prejudiquem os outros ―
especialmente se se tratar de liberdade sexual.
Por que, então, os esquerdistas anseiam por mais autoridade sobre
a vida das pessoas? Por causa da segunda preocupação mais
importante deles, que é a que acabei de mencionar: uma grandiosa
visão para criar a sociedade igual. Eles não podem criar essa visão
igualitária sendo simplesmente libertários, ou seja, confiando que as
pessoas agirão como devem. Por isso eles precisam de um agente
na sociedade forte o bastante para obrigar todos a concretizarem
sua visão. Como se sabe, essa agência é o Estado. E essa é a
razão, a única razão por que os esquerdistas apoiam um Estado
maior. Estados maiores podem coagir todos à Utopia pela qual os
esquerdistas anseiam.
Sempre que os esquerdistas veem um arranjo social hierárquico,
eles cada vez mais sentem a necessidade de projetos de libertação.
No fim, eles precisam de um poder forte o bastante para impor
esses projetos, e no mundo moderno esse poder é o Estado. Assim,
para libertar as crianças dos pais, os esquerdistas precisam da
abolição das leis de notificação parental (no caso das meninas que
querem fazer aborto).[66] Para libertar os devedores dos credores,
eles precisam de leis de declaração de falência amplas. Para libertar
os homossexuais dos heterossexuais, eles precisam da legalização
do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo. Para libertar os fiéis
do clero, eles precisam de leis que proíbam as igrejas de disciplinar
membros imorais. O braço coercitivo do Estado destrói hierarquias;
ele faz o que os libertadores esquerdistas mandam. O Estado,
dessa forma, gradualmente atribui poder para si mesmo.

A elite sociopolítica

Os esquerdistas dizem que creem na democracia, em especial na


democracia direta, mas o que eles realmente apoiam é uma elite
dedicada que governa o restante de nós, pobres e ignorantes almas,
para o nosso próprio bem.[67] Os primeiros marxistas reconheceram
que “o oprimido” não se ergue naturalmente e se livra de seus
opressores; ele precisa de uma liderança instruída para esclarecê-lo
e inspirá-lo: uma elite sociopolítica. É exatamente nisso que os
esquerdistas creem hoje. Crianças, mulheres, hispânicos,
homossexuais e presidiários são oprimidos por um sistema
perverso, mas eles não percebem que são oprimidos até que um
iluminado entre nós lhes mostre. Eles, como se sabe, são os
iluminados, os raros, os virtuosos, os preocupados e, acima de tudo,
os humildes. Thomas Sowell gosta de chamá-los de “os ungidos”.[68]
Mais precisamente, talvez, os auto-ungidos.

Providência secular
O ponto-chave que estou tentando estabelecer é que, no fundo,
essa é uma pressuposição teológica. É isso: porque os esquerdistas
abandonaram a crença no poder de Deus, eles precisam descansar
no poder do Estado. Porque negam a regeneração, adotam a
revolução.
Os conservadores, especialmente os conservadores cristãos,
entendem que o homem pode gozar de liberdade dentro do Estado
de direito para desenvolver sua salvação com temor e tremor (Fp
2.12). Deus está trabalhando com o homem na história humana
para realizar seus propósitos. Indivíduos, famílias, igrejas e
comerciantes fazem escolhas, tanto certas como erradas, e essas
escolhas têm consequências que, em contrapartida, influenciam
escolhas subsequentes. As pessoas aprendem com seus erros. Ou
não. Mas Deus está trabalhando em todas as coisas.
Os esquerdistas abandonaram toda esperança na providência de
Deus na história. Portanto, eles precisam assegurar outra. Essa
providência é o Estado. Na verdade, para eles o Estado é a
providência secularizada. Quando não confiamos mais no Espírito
Santo, precisamos confiar no Estado ímpio.
Resumindo, para os esquerdistas o governo é o substituto de Deus,
e uma vez que Deus, qualquer deus, precisa ser muito grande, para
eles o Estado precisa ser muito grande.

Espero que você reconheça que o esquerdismo não é simplesmente


um amontoado desconexo de crenças e práticas. É uma
cosmovisão, toda uma forma de perceber a realidade. Ela mantém-
se coesa pela apostasia da religião verdadeira. Considere a
coerência entre os pontos que levantei aqui neste capítulo.
O homem pecador se desvia da verdade de que o homem foi criado
por Deus e veio a cair em pecado. O homem, portanto, crê que a
humanidade possui bondade e perfeição inatas. O mal no mundo,
consequentemente, é resultado de estruturas deficientes e de um
ambiente corrupto; e se tão somente pudermos mudar esse
ambiente, podemos mudar o homem. Esse ambiente é deficiente
em grande parte por causa da desigualdade entre as pessoas ― a
sociedade cria esse arranjo injusto. Para igualar todo mundo, o jeito
é criar uma agência forte o bastante para obrigar as pessoas a
serem iguais. Essa agência é o Estado. A maioria das pessoas não
são inteligentes o bastante para perceber que estão sendo
oprimidas pela desigualdade em nosso ambiente, então elas
precisam de uma elite sociopolítica para conduzi-las. Essa elite
sociopolítica se apodera das alavancas do Estado a fim de realizar
sua engenharia social.
Apenas resumi para você as principais características da
cosmovisão esquerdista.
Os conservadores não irão vencer essa cosmovisão apenas
pensando e agindo. Essa seria a forma esquerdista de atacar os
problemas. Precisamos depender do Deus Triúno para derrotar essa
cosmovisão e seus discípulos. Somos, todavia, chamados para a
obediência refletiva, e isso inclui dizer a verdade para desmascarar
as mentiras esquerdistas.
O Deus gracioso, todo-poderoso e Triúno criou o cosmos e tudo que
nele há para a sua glória. Criou a mulher e o homem à sua imagem
para exercerem a mordomia sobre o restante da criação (Gn 1.26-
28). Eles deviam fazer isso como seus representantes, debaixo de
sua autoridade. Todos estamos situados em condições diferentes,
com diferentes talentos e dons, e, portanto, nenhum é igual ao
outro; mas todos somos chamados a cumprir o mandato de domínio
sobre o mundo de Deus. Dentro dos termos da lei moral divina,
devemos gozar de liberdade para fazer isso. É por isso que os
conservadores cristãos enfatizam a liberdade individual; ela concede
ao homem a liberdade auferida por Deus para cumprirmos o seu
chamado. Embora o homem tenha pecado, Deus providenciou o
meio de salvação em seu Filho Jesus Cristo, que morreu na cruz e
ressuscitou. Mediante a confiança nele, Deus graciosamente nos
concede a vida eterna. Somos salvos do pecado não apenas para ir
para o céu quando morrermos, mas para cumprir o mandato santo
original da mordomia da terra e fazer todas as coisas para a glória
de Deus.[69] O homem nunca será perfeito antes da eternidade, e os
programas de engenharia social promovidos pelo governo
certamente não o aperfeiçoarão, mas ele pode obedecer, pelo poder
do Espírito Santo, ao mandato que Deus lhe deu.
Este é um resumo das pressuposições teológicas do
conservadorismo político, e, conforme você prontamente pode
detectar, elas divergem completamente das pressuposições do
esquerdismo político.
A maior batalha do nosso tempo, portanto, não é entre republicanos
e democratas, ou mesmo entre conservadores e esquerdistas
propriamente ditos, mas entre aqueles que estão comprometidos
com o método de Deus no mundo e aqueles que estão
comprometidos com o do homem. Essas cosmovisões são
mutuamente excludentes.
A única questão para nós, conservadores políticos, é se faremos
explicitamente as coisas do modo de Deus ou do modo do homem.
Apêndice 1: Cristianismo e capitalismo
R. J. Rushdoony
Recompensas e castigos[70]
Uma opinião comum em anos recentes sustenta que recompensas e
castigos representam um meio prejudicial de lidar com crianças ou
adultos. Somos informados que recompensas produzem motivos
errados naqueles que ganham e que são traumáticas para aqueles
que perdem. É dito também que o castigo é meramente uma
vingança. Sob essas premissas, alguns educadores têm eliminado a
atribuição de notas, bem como outras formas de recompensa e
castigo. Esse ódio por recompensa e castigo é uma forma de ataque
sobre os conceitos inter-relacionados de competição e disciplina.
Seja na esfera espiritual, com respeito ao céu, ou no mundo
acadêmico por notas, ou no mundo dos negócios por lucros,
castigos e recompensas (ou penalidades) motivam as pessoas (Sl
19.11; 58.11; 91.8; Mt 5.11; etc.). Essa motivação leva à competição,
e a competição requer disciplina, autodisciplina, disciplina sob a lei
civil e criminal, e disciplina sob Deus (Hb 12.1-11). E um resultado
da competição honesta é o caráter.
Mas, algumas pessoas objetam, por que não a cooperação?
Não é a cooperação um método superior à competição? Mas, como
declarado por Campbell, Potter e Adam em Economics and
Freedom [Economia e liberdade], “num mercado livre, a cooperação
voluntária e a competição são nomes para o mesmo conceito
econômico”. Historicamente, a competição do mercado livre tem
sido apenas possível onde uma cultura comum e uma fé comum
levam indivíduos a cooperarem uns com os outros. Os homens
competem por cooperação na confiança que outros respeitem a
qualidade, e eles constantemente melhoram seus produtos e
serviços para conseguir essa cooperação. A cooperação morre se a
competição morrer, pois então a “tração”, compulsão e a força
substituem as atividades livres e cooperativas do mercado.
Fundamentalmente, recompensas e castigos pressupõem
duas coisas. Primeiro, pressupõem Deus, que estabeleceu certos
retornos na forma de recompensas e penalidades na própria
natureza do universo, bem como em sua lei moral (Ex 20.5, 6; Jd
5.20). Assim, qualquer ataque sobre a ideia de recompensas e
castigos é um ataque sobre a ordem de Deus. Segundo,
recompensas e castigos pressupõem liberdade como básica para a
condição do homem. O homem é livre para esforçar-se, competir,
trabalhar por recompensas e sofrer penalidades. Dessa forma,
qualquer ataque a esses conceitos é também um ataque à
liberdade; insiste-se que que nivelar a igualdade com total controle é
uma condição melhor para o homem do que a liberdade é ou possa
ser. São Paulo declarou, “onde está o Espírito do Senhor, aí há
liberdade” (2Co 3.17). Deus e liberdade são inseparáveis. E a
liberdade pressupõe e requer a atividade livre; ela tem seu esforço,
suas recompensas e castigos, seu céu e inferno, seu êxito e
fracasso. Essas são as condições necessárias da liberdade. A
alternativa é a escravidão. A escravidão oferece uma forma muito
real de segurança, mas isso o faz também a morte e um cemitério
(Dt 30.15-20). Respeitar recompensas e castigos, competição e
disciplina, é respeitar a própria vida, e valorizar o caráter e a
autodisciplina. Isso significa, simplesmente, escolher a vida:
“escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Dt
30.19).
Liberdade sob Deus
Um dos grandes fundadores do sistema americano foi o rev. John
Cotton (1584-1658), que tornou básica para o governo colonial a
premissa que a lei e ordem piedosa significam poder limitado e
liberdade limitada. Nem o homem, nem o seu governo civil têm o
direito moral ao poder ilimitado ou à liberdade ilimitada. Em todos os
tempos é preciso que haja poder e liberdade sob a lei, e, em última
instância, sob Deus (Dt 17.14-20; Pv 8.15, 16; 1Rs 2.1-4, etc.).
Mas hoje temos exigências tanto para o poder como para a
liberdade ilimitada, que são ideias mutuamente contraditórias.
Temos também a crescente afirmação que a liberdade não é sob a
lei e sob Deus, mas fora da lei. Há aqueles que creem que podem
ser livres somente negando as afirmações de todas as leis e
afirmando que os verdadeiros direitos e a verdadeira liberdade
significam uma liberdade da lei.
A fé bíblica e essa lei verdadeira é um dom de Deus e o
fundamento da liberdade do homem (Dt 16.20). A lei é a condição
da vida do homem: assim como o homem fisicamente respira o ar
para viver, assim social e pessoalmente seu meio ambiente é a lei, a
qual a graça de Deus o capacita a reter e guardar (Sl 119; Pv 6.23).
O homem não pode viver sem lei, assim como não pode viver sem
comer. O propósito da lei de Deus é a vida; como Moisés declarou,
“o S nos ordenou que cumpríssemos todos estes estatutos…
para nos guardar em vida” (Dt 6.24). O homem foi criado e é salvo
por Deus para viver pela lei, pois sua disciplina é “o caminho da
vida” (Pv 6.23).
Aqui temos a grande divisão. Os americanos, educados
durante algumas gerações na perspectiva bíblica, têm visto a
liberdade como vida sob a lei de Deus, mas muitos hoje estão
afirmando que a liberdade é escapar da lei.
As alternativas à liberdade sob Deus, liberdade sob a lei,
foram declaradas claramente por Karl Marx. Elas são duplas.
Primeiro, alguém pode ter anarquia, todo homem sendo lei para si
mesmo, com nenhuma lei, e uma “liberdade” total de qualquer
responsabilidade para com alguém. Em segundo lugar, o indivíduo
pode substituir Deus pelo Estado, e a lei total do Estado substituir a
lei de Deus. A liberdade então desaparece e o estatismo ou
comunismo total para o “bem-estar” do homem concretiza-se. Isso é
uma negação da liberdade como um ideal “burguês”, e uma
substituição da liberdade pelo bem-estar planejado pelo Estado
como a verdadeira felicidade do homem.
Toda tentativa, portanto, de remover essa república de “sob a
autoridade de Deus” significa que o anarquismo ou comunismo
serão certamente a consequência, quer planejado ou não por
aqueles que atacam o lugar de Deus na vida americana. Essa é
uma alternativa inescapável.
Para restaurar a verdadeira liberdade, devemos restaurar a
verdadeira lei (Is 8.20). A Bíblia fala da “lei perfeita da liberdade” (Tg
1.25; 2.12), pois ela vê a lei de Deus como a própria fonte e
fundamento da liberdade do homem. Devemos abandonar a ideia
perigosa que liberdade significa uma fuga em relação à lei: isso
pode ser verdade somente se a fuga for para com o comunismo,
que não é lei verdadeira, mas sim tirania. O termo tirania vem de
uma palavra do grego antigo que possui um significado simples: o
governo secular ou humano no lugar da lei, no lugar da verdadeira
liberdade sob Deus. O sistema americano não é anarquia nem
tirania, mas liberdade sob Deus.
A riqueza é algo moral?
Muitos escritores atuais inferem que Jesus e a Bíblia falam contra a
riqueza como algo imoral. É verdade que a Parábola do Homem
Rico (Lc 16.19-31) nos mostra o homem rico no inferno e o pobre
Lázaro no céu, mas a condenação do homem injusto vem do rico
Abraão no céu. Novamente, embora Jesus tenha dito, “é mais fácil
passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico
no reino de Deus” (Mc 10.25; Mt 19.24), o mesmo capítulo deixa
claro que Jesus quis dizer que nenhum homem, rico ou pobre, pode
salvar a si mesmo: “Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo
é possível” (Mt 19.26). Em outras palavras, a salvação não é um
trabalho “faça você mesmo” para ninguém, rico ou pobre; é obra e
dom de Deus. Muitos homens e mulheres ricas estavam entre os
salvos que tinham um relacionamento próximo de Jesus (Lc 8.2-3;
19.1-19; 23.50-53).
A Bíblia condena a riqueza ganha de maneira fraudulenta,
mas declara que a riqueza honesta é uma bênção. Primeiro,
portanto, a riqueza honesta deve ser desejada como uma bênção de
Deus. “A bênção do S é que enriquece [i.e., rico
materialmente]; e não traz consigo dores” (Pv 10.22). A posse de
riqueza é legal e protegida nos Dez Mandamentos por dois
mandamentos: “Não furtarás” e “Não cobiçarás” (Ex 20.15, 17; Dt
5.19, 21). Jesus confirmou isso e assumiu a legalidade da riqueza
como um princípio piedoso (Mt 25.14-30; Lc 19.12-27; 16.1-8).
Jesus deixou claro que a riqueza moralmente adquirida é uma
bênção de e sob Deus: “Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua
justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.32s.; Lc
12.30s.), e não há nada errado em desejá-la, se andamos em
termos da prioridade da fé em, e obediência a, Deus.
Em segundo lugar, a riqueza é moralmente boa, mas é um
bem subordinado, um meio para uma vida melhor, e não um fim em
si mesmo. E ela é muito incerta para ser o objetivo da vida (Mt
6.19s.), e a riqueza pode coexistir com a pobreza de alma (Lc 12.16-
21;14:18s.; Mt 22.6s). Assim, a riqueza tem perigos morais quando
se torna primária, e não quando é secundária na vida de um
homem. Não é o dinheiro que é a raiz de todos os males, mas “o
amor ao dinheiro”, e a cobiça por dinheiro com esse amor pervertido
é citado como pecado por Paulo (1Tm 6.10). Os socialistas podem
ser tão culpados de “amor ao dinheiro” como qualquer outra pessoa.
Dessa forma, riqueza e prosperidade podem ser perigosas, se os
homens fazem dela o objetivo da vida, caso eles idolatrem-na.
O mal, então, não está na riqueza como tal, mas no coração
dos homens; e falar de riqueza como imoral é uma lógica falsa, uma
insistência de que as coisas são imorais, e não o homem. Mas,
como Paulo escreveu a Tito: “Todas as coisas são puras para os
puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu
entendimento e consciência estão contaminados” (Tt 1.15). Dessa
forma, embora homens imorais possam adquirir e usar
erroneamente riquezas, é o seu coração e ações que são imorais, e
não a riqueza em si. Em seu devido lugar, portanto, a riqueza não é
somente moral, mas também bendita, e pode ser honestamente
desejada, adquirida e mantida, e é um benefício para toda a
sociedade.
Capitalização é o produto de trabalho e parcimônia
Capitalização é o produto do trabalho e parcimônia, a acumulação
de riqueza e o uso sábio da riqueza acumulada.
Essa riqueza acumulada é investida em efeito no progresso,
pois é tornada disponível para o desenvolvimento dos recursos
naturais e a comercialização de mercadorias e produtos.
A parcimônia que leva à economia ou acúmulo de riqueza, à
capitalização, é um produto do caráter (Pv 6.6-15).
A capitalização foi um produto em cada período da
mentalidade puritana, de sua atitude de abrir mão de prazeres
presentes para acumular certa riqueza para propósitos futuros (Pv
14.23). Sem caráter, não há capitalização, mas sim
descapitalização, a exaustão contínua da riqueza.
Como resultado, o capitalismo é supremamente um produto
do cristianismo e, em particular, do puritanismo que, mais que
qualquer outra fé, tem promovido a capitalização.
Isso significa que antes que a descapitalização, seja na forma
de socialismo ou de inflação, possa ocorrer, deve haver um colapso
da fé e do caráter. Antes dos Estados Unidos começar seu percurso
no socialismo e na inflação, ele teve que abandonar sua posição
cristã. O povo passou a ver mais vantagem em gastar capital do que
em acumulá-lo, em desfrutar prazeres superficiais do que viver em
termos dos prazeres duradouros da família, fé e caráter.
Quando o socialismo e a inflação saem a caminho, tendo
começado no declínio da fé e do caráter, eles veem como seu
inimigo comum precisamente aquelas pessoas que ainda têm fé e
caráter.
Como haveremos de nos defender? E como podemos ter um
retorno ao capitalismo? O capitalismo revive somente se a
capitalização reviver, e a capitalização depende, em sua forma
melhor e mais clara, daquele caráter produzido pelo cristianismo
bíblico.
Isso é escrito por alguém que crê intensamente no
cristianismo ortodoxo e em nossa liberdade e herança cristã
histórica. É meu propósito promover aquela capitalização básica da
sociedade, da qual tudo o mais flui, o capital espiritual. Com o
capital espiritual de uma fé bíblica e centrada em Deus, nunca
podemos nos tornar espiritual e materialmente falidos (Pv 10.16).
Socialismo e inflação descapitalizam uma economia
Descapitalização significa a destruição progressiva de capital,
de forma que uma sociedade tem progressivamente menos
habilidade produtiva. Descapitalização é a dissipação da riqueza
acumulada (Pv 14.23).
Capitalização é o acúmulo de riqueza por meio do trabalho e
parcimônia. Uma economia livre, o capitalismo, é uma
impossibilidade sem capitalização (Pv 10.16).
Alguns dos países agrícolas potencialmente mais ricos são
importadores de produtos agrícolas, tais como a Venezuela e o
Chile. As áreas de pesca da Costa Pacífica da América do Sul são
algumas das mais ricas conhecidas no mundo, ricas o suficiente
para alimentar os países daquela área:
Pescadores chilenos não conseguem comercializar
peixe apropriadamente, e atiram quantidades incríveis
de peixes capturados no mar, pois não tem
armazenamento nem transporte suficiente para levar os
peixes aos mercados. Assim, não existe uma falta de
trabalho nem uma falta de mercado para os peixes, mas
a capitalização necessária para fornecer as facilidades
de reunir trabalho, produto e mercado onde isso está
faltando.
Muito do mundo está na mesma situação difícil: tem o
trabalho, os recursos naturais, e o comércio faminto por seus
produtos, mas carece do capital necessário para fazer o fluxo das
mercadorias possível. O socialismo tenta resolver este problema,
mas somente o agrava, pois aumenta a pobreza de todos
interessados. O socialismo e a inflação realizam o mesmo propósito:
eles descapitalizam uma economia.
A inflação acontece quando as pessoas têm latrocínio em seu
coração, e o mesmo é verdade do socialismo. O socialismo é
latrocínio organizado; como a inflação, ele toma de quem tem e dá a
quem não tem. Ao destruir o capital, ele destrói o progresso e
empurra a sociedade ao desastre.
À medida que os produtos da capitalização começam a se
esgotar, não existe novo capital para substituí-los, e o Estado não
tem capital próprio: ele somente empobrece cada vez mais o povo
e, portanto, a si mesmo, tentando criar capital por cobrança de
impostos.
Todo Estado socialista se descapitaliza progressivamente.
Ame teu próximo — o que isso significa?
Um versículo bíblico familiar é frequentemente usado por muitos
para justificar o socialismo e atacar a defesa da propriedade como
“egoísmo”. Mas o mandamento, “amarás o teu próximo como a ti
mesmo”, exige compartilhar a riqueza, para programas de bem-
estar, e para uma unidade mundial?
As principais passagens bíblicas explicando esse versículo
são: Levítico 19.15-18, 33-37; Mateus 19.18, 19; 22.34-40; e
Romanos 13.8-10. O que elas nos dizem?
Primeiro, quem é o meu próximo? Em Levítico 19.33-37,
Moisés deixa claro que nosso próximo significa qualquer um e todos
com quem nos associamos, incluindo nosso inimigo; e Jesus
enfatizou isso na parábola do Bom Samaritano (Lc 10.29-37),
citando a misericórdia do samaritano para com um inimigo, um
judeu.
Segundo, o que a Bíblia quer dizer por amor? A palavra amor
hoje é um termo que diz respeito ao sentimento, um sentimento que
é mais forte que os “laços” da lei. A palavra bíblica amor “é o
cumprimento da lei” (Rm 13.10). Além do mais, amor tem referência
primariamente ao cumprimento da lei de Deus; ele se relaciona à
justiça na Bíblia, e se refere à lei de Deus e ao tribunal da lei de
Deus. O homem moderno que quebra as leis sexuais ou de
propriedade em nome do amor está, dessa forma, carente de amor
da perspectiva bíblica, pois amor “é o cumprimento da lei”.
Terceiro, quais leis estão envolvidas no amor para com o
nosso próximo? De acordo com Jesus (Mt 19.18-19), e novamente
enfatizado por Paulo (Rm 13.8-10), amar o nosso próximo significa
guardar a segunda tábua dos Dez Mandamentos na relação para
com ele. Isso significa “não matarás”, ou não tomar a lei em nossas
próprias mãos; significa que você deve respeitar o direito à vida
dado por Deus ao seu próximo. “Não adulterarás” significa que você
deve respeitar a santidade do lar e da família do nosso próximo.
“Não furtarás” significa que devemos respeitar o direito à
propriedade dado por Deus ao nosso próximo (ou inimigo). “Não
levantarás falso testemunho” significa que devemos respeitar sua
reputação. E “não cobiçarás” requer uma obediência a essas leis em
pensamento e, de igual modo, em palavras e atos.
Dessa forma, “amarás o teu próximo como a ti mesmo” é a
base da verdadeira liberdade civil no mundo ocidental. Ele requer
que nós respeitemos em todos os homens e em nós mesmos os
direitos à vida, ao lar, à prosperidade e à reputação, em palavra,
pensamento e ação. A palavra bíblica amor não tem nada a ver com
amor erótico, que é antinomista. O amor bíblico “é o cumprimento da
lei” em relação a todos os homens. Ele não pede para que
gostemos de todos os homens, ou que os introduzamos em nossas
famílias e círculos, nem que compartilhemos nossas riquezas com
eles. A Bíblia simplesmente diz: ame o amigo, o inimigo e a si
mesmo, ao respeitar e defender esses direitos dados por Deus à
vida, lar, propriedade e reputação para todos. Os “humanitaristas”
modernos são, dessa forma, frequentemente culpados de violar a lei
de Deus em nome de um amor anarquista. O amor bíblico guarda a
lei.

[1] A política da prudência. Tradução Márcia Xavier de Brito. São Paulo: É


Realizações, 2013, p. 98.
[2] Isto significa que a queda não é de caráter metafísico, conforme apregoado
por algumas perspectivas religiosas, especialmente aquelas influenciadas
pelo espiritualismo oriental, que veem a origem do mal na finitude mesma do
homem, em contraposição à infinitude da divindade.
[3] Kenneth Minogue, em sua obra Alien Powers: The Pure Theory of Ideology,
define ideologia como toda “doutrina que apresente uma verdade oculta e
salvífica em relação aos males do mundo em forma de análise social”.
[4] E talvez neste ponto o evolucionismo se mostra mais entranhado mesmo
na cosmovisão de alguns cristãos, visto que a imagem de uma natureza
enquanto arena de sangrenta luta predatória é ainda prevalente. A Bíblia,
porém, demonstra o cuidado de Deus sobre todos os âmbitos de sua criação
(cf. Jó 39-39).
[5] A perfectibilidade do homem. Tradução Jesualdo Correia. Rio de Janeiro:
Topbooks, 2004.
[6] Jean-Marc Berthoud, num breve comentário sobre as consequências do
afastamento das várias ciências em relação à lei divina, afirma que as teorias
econômicas divergentes têm em comum a substituição da providência divina
por um dos aspectos da economia: “Uma concepção da economia cada vez
mais distante das normas éticas da lei divina – David Hume, Adam Smith,
David Ricardo, Karl Marx, Ludwig von Mises, John Maynard Keynes, Milton
Friedman” (O combate central da Reforma: a fé confessante. Tradução
Samara Geske. Brasília, DF: Monergismo, 2017, p. 123).
[7] Revolt Against Maturity. Vallecito, CA: Ross House Books: 1987, p. 65-66.
[8] The Long March: How the Cultural Revolution of the 1960s Changed
America. New York: Encounter Books, 2001, p. 261
[9] A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci. 4. ed.
São Paulo: Vide Editorial, 2014, p. 123-124.
[10] Este capítulo consiste em uma palestra que proferi em 25 de fevereiro de
2011, na Virtue of Prosperity Conference [Conferência Virtude da
Prosperidade], em Newport Beach, Califórnia. Ela foi revisada e expandida
para publicação. A conferência foi patrocinada pelo Acton Institute, o Bahnsen
Group, e o Center for Cultural Leadership. Outros palestrantes foram Robert
Sirico do Acton Institute, David L. Bahnsen do Bahnsen Group, Dinesh
D’Souza do King’s College, e Jay Richards do Discovery Institute. Devo
gratidão especial ao Bahnsen Group e ao Fieldstead and Company por
subscreverem o evento. Meu texto lida com uma das questões mais
prementes do nosso tempo: como o ateísmo invadiu nossa cultura sob a
forma de economia intervencionista — e como ele saqueia nossa liberdade,
muitas vezes com o consentimento tácito de uma igreja ingênua e em coma.
Para mais informações, veja www.moralcapitalism.com.
[11] Richard Tarnas, The Passion of the Western Mind (New York: Ballantine,
1991), p. 341-1.
[12] A Conflict of Visions (New York: William Morrow, 1987), cap. 1. Publicado
no Brasil como Conflito de visões: origens ideológicas das lutas políticas.
Tradução Margarita Maria Garcia Lamelo. São Paulo: É Realizações, 2011.
[13] Cornelius Van Til, The Defense of the Faith (Phillipsburg, New Jersey,
edição de 1967), p. 46-50.
[14] Sobre esse elitismo, veja Angelo M. Codevilla, The Ruling Class (New
York: Beaufort Books, 2010).
[15] Faço menção à providência prescritiva de Deus: o desejo divino em
relação ao mundo, como se encontra na Bíblia. Não me refiro à providência
decretiva, seus conselhos secretos não revelados ao homem antes de sua
ocorrência. Pode ser que a providência decretiva de Deus conduza à tirania
política (e econômica) de uma cultura (Hc 1.5-11), mas o homem deve viver
de acordo com a providência prescritiva, oposta à tirania (1Sm 8.1-18).
[16] “Transcript: Obama and Clinton Debate”, Disponível em:
<http://abcnews.go.com/Politics/DemocraticDebate/story?
id=4670271&page=3>. Acesso em: 16 mar. 2011.
[17] The Gate. New York: Alfred A. Knopf, 2003, p. 6-7.
[18] Clark H. Pinnock, “The Pursuit of Utopia”, in: Freedom, Justice and Hope,
Marvin Olasky (org.) (Wheaton, Illinois: Crossway, 1988), p. 76-82.
[19] Contrário à calúnia de tantos, os pós-milenaristas negam a utopia terrena,
como o faz aqui o pós-milenarista Andrew Sandlin. [N. do T.]
[20] Ronald Nash (org.), Liberation Theology (Milford, Michigan: Mott Media,
1984).
[21] Grand Rapids: Eerdmans, 2002.
[22] Ibid., p. 189, grifos do autor.
[23] Tipo de plano de aposentadoria patrocinado pelo empregador. [N. do T.]
[24]
Revisado e expandido de uma palestra que proferi na
Conferência Anual do Center for Cultural Leadership em 15 de
outubro de 2011, em São Francisco, Califórnia.
[25] Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. [N. do T.].
[26] Alex Tocqueville, Democracia na América. Tradução de Eduardo Brandão.
São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 299.
[27] Este capítulo compreende uma palestra que proferi na Virtuous Capitalism
and the Financial Crisis Conference, em 28 de abril de 2012, em Newport
Beach, Califórnia. Ela foi revisada a expandida para publicação. A conferência
foi patrocinada pelo Acton Institute, Bahnsen Group, Center for Cultural
Leadership e pelo Ruth Institute. Os outros palestrantes foram Roberto Sirico,
do Acton Institute; David L. Bahnsen, do Bahnsen Group; e Jennifer Roback
Morse, do Ruth Institute. Agradecimentos especiais ao Banhsen Group e ao
Fieldstead and Company por financiar o evento. Meu texto trata de uma
questão espinhosa mas vital: qual a causa primária da crise financeira de
2008? Quais os fatores humanos mais profundos que criaram a maior crise
financeira do Ocidente desde a Grande Depressão? Para mais informações,
acesse www.moralcapitalism.com.
[28] Richard Tarnas, The Passion of the Western Mind (New York: Ballantine,
1991), p. 387.
[29] Poucos documentaram esse fato de forma tão abrangente quanto
Cornelius Van Til. Para iniciantes, veja o seu livro The Defense of the Faith
(Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed, edição de 1967).
[30] Para uma narrativa envolvente de como a crise foi revelada, ver Andrew
Ross Sorkin, Too Big to Fall (New York: Penguin, 2009, 2010).
[31] Quem disse isso foi G. K. Chesterton, em seu clássico Ortodoxia. [N. do
T.]
[32] Jonathan Haidt afirma que a moralidade é genética (inata), porém forjada
nos genes ao longo das gerações por meio das ações de nossos ancestrais.
Aparentemente, a moralidade poderia ser prontamente eliminada pelo mesmo
método. Se a moralidade é realmente inata, a evolução biológica não é uma
explicação confiável. Veja seu livro The Righteous Mind (New York: Pantheon,
2012), p.269.
[33] H. F. Beck, “Greed”, in The Interpreter’s Dictionary of the Bible, ed. George
Buttrick et al. (Nashville: Abington, 1962, 1980), 2:479.
[34] John Frame faz isso em seu The Doctrine of the Christian Life
(Phillipsburg, New Jersey: P & R Publishing, 2008), p.844-848 [Publicado em
português como A doutrina da vida cristã (São Paulo, SP: Cultura Cristã,
2013)].
[35] Inside Job [DVD], dirigido por Charles Ferguson (Culver City, California:
Sony Pictures, 2011).

[36] Andrew Sorkin, Too Big to Fall, p. 7.


[37] Idem, p. 24.
[38] Idem, p. 92.
[39] Escala de notas das principais agências de classificação. Para um melhor
entendimento de como isso funciona, acesse:
<https://economia.uol.com.br/financas-pessoais/guias-financeiros/entenda-o-
que-e-grau-de-investimento.htm>. [N. do T.]
[40] Vide “Why Everyone Loved Moody’s,” in All the Devils Are Here, Bethany
McLean e Joe Nocera (Nova York: Portfolio/Penguin, 2010), p. 110-124.
[41] “A LTCM foi um grande fundo de hedge liderado por economistas
vencedores do Prêmio Nobel e empresários renomados de Wall Street que
quase arruinou o sistema global financeiro em 1998 como resultado de
estratégias de negociação de arbitragem de alto risco”. Fonte:
<https://www.investopedia.com/terms/l/longtermcapital.asp>. Acesso em: 27
nov 17. [N. do T.]
[42] Dicionário Online Caldas Aulete, verbete orgulho.
[43] R. K. Harrison, “Pride,” em Encyclopedia of Biblical & Christian Ethics, ed.
Harrison (Nashville: Thomas Nelson, 1992 edition), p. 323-324.
[44] Thomas Sowell, The Vision of the Anointed (New York: Basic Books,
1995).
[45] Idem, p. 115-124 e outros lugares.
[46] Thomas Sowell, The Housing Boom and Bust (New York: Basic Books,
2009), p. 31-56.
[47] Idem, p. 46, 49. Em seu crédito, Alan Greenspan divulgou avisos cada vez
mais firmes sobre a bolha imobiliária (p. 47-48).
[48] Ibidem, p. 11-18.
[49] Este capítulo contém uma versão ligeiramente revisada e expandida de
uma palestra que proferi em 1 de abril de 2015, no OCPAC, o Oklahoma City
Political Action Committee. Agradeço a meus amigos Lowell LeFervre e Bob
Linn por tornarem essa visita possível. Sob a liderança do recém-aposentado
Charlie Meadows, o OCPAC literalmente reconfigurou o mapa político de
Oklahoma. Ou seja, ela tornou-se radicalmente mais conservadora e cristã.
[50] A palavra inglesa “liberalism”, no sentido político-econômico norte-
americano, possui uma nuance que exige explicação aqui: quando aplicada
contrastando com “conservatism” (conservadorismo), ela não se refere, como
aqui no Brasil e também na Europa, ao liberalismo econômico tal como o
conhecemos (Adam Smith, Escola Austríaca etc.), mas à ala política oposta
aos conservadores. Nesse caso, optamos por traduzir o termo como
“esquerdismo”; consequentemente, “liberals” foi traduzido como
“esquerdistas”, apesar de existir um termo específico para ambos no inglês
(“leftism” e “leftists”, respectivamente). O próprio autor, logo adiante, explica
que “o mais importante não são as palavras em si mesmas, mas o que elas
querem dizer”. [N. do T.]
[51] José Guilherme Merquior, O liberalismo – antigo e moderno (São Paulo,
SP: É Realizações, 2014).
[52] Para um relato completo, veja Robert Nisbet, Conservatism: Dream and
Reality (New Brunswick, Nova Jersey: Transaction, 2002), p. 37-84.
[53] Uma breve porém persuasiva genealogia, mencionando a profunda
influência marxista sobre o liberalismo americano, está em Erik von Kuehnelt-
Leddihn, “The Iron Rod of American Liberalism”, Chronicles, Nov. 1988, p. 15-
17.
[54] Os liberais políticos de hoje são de estirpe muito diferente da dos liberais
“antigões” do século XX, como Franklin D. Roosevelt, John F. Kennedy e
Martin Luther King Jr. O que conhecemos como liberais hoje são
denominados com mais precisão de radicais. Diferente de seus
predecessores, eles não querem simplesmente corrigir desigualdades
específicas (reais ou imaginárias) da sociedade. Como os revolucionários
franceses e os marxistas, eles querem transformar a sociedade radicalmente.
Veja Barry Rubin, Silent Revolution: How the Left Rose to Political Power and
Cultural Dominance (Nova York: HarperCollins, 2014).
[55] Herman Dooyeewerd, No crespúculo do pensamento ocidental (São
Paulo, SP: Editora Hagnos, 2010).
[56] Lembro-me das palavras de Kuehnelt-Leddihn: “Em nossa era
fundamentalmente irracional, é provável que precisemos temer o poder
infernal da estupidez feroz mais do que a perversidade habitual”, em “The Iron
Rod of American Liberalism”, p. 17.
[57] John Passmore, The Perfectibility of Man (Nova York: Charles Scribner’s
Sons, 1970), p. 168-170.
[58] Thomas Molnar, Utopia, the Perennial Heresy (Nova York: Sheed & Ward,
1967).
[59] “Attorney: Norway suspect surprised attacks succeeded.” Disponível em:
http://www.cnn.com/2011/WOLRD/europe/07/26/norway.terror.attacks/. Acesso
em: 24 fev. 2015.
[60] “State Department spokeswoman floats jobs as answer to ISIS.”
Disponível em: <http://www.foxnews.com/politics/2015/02/17/state-
department-spokeswoman-floats-jobs-as-answer-to-isis/>. Acesso em: 24 fev.
2015.
[61] Graeme Wood, “What ISIS Really Wants.” Disponível em:
<http://www.theatlantic.com/features/archive/2015/02/what-isis-really-
wants/384980/>. Acesso em: 24 fev. 2015.
[62] Thomas Sowell, Os intelectuais e a sociedade (São Paulo, SP: É
Realizações, 2013), p. 247-316.
[63] Para mais detalhes sobre essa linha de pensamento, veja Russell Kirk,
The Conservative Mind (Chiago: Regney, 1953).
[64] Peter Jones, One or Two, Seeing a World of Difference (Escondido,
California: Main Entry, 2010).
[65] Kenneth Minogue, The Servile Mind: How Democracy Erodes the Moral
Life (New York: Encounter, 2010), p. 296.
[66] Em alguns estados dos EUA, as leis de notificação parental (“parental
notification laws”) permitem que meninas menores de 18 anos pratiquem
aborto sem a necessidade de autorização dos pais. [N. do T.]
[67] Angelo M. Codevilla, The Ruling Class (Nova York: Beaufort, 2010).
[68] Thomas Sowell, The Vision of the Anointed (Nova York: Basic Books,
1995).
[69] J. Richard Middleton, “A New Heaven and a New Earth: The Case for a
Holistic Reading of the Biblical Story of Redemption”, Journal for Christian
Theological Research 11 (2006): 77-82.
[70] O texto deste apêndice foi originalmente publicado pela Coast Federal
Savings Free Enterprise Department na década de 1960.

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