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Copyright © dos Autores Capa: Moema Cavaleanti Mustragao de capa: Mariano Revisto: Ee Mine Indice sitricdyy cibioven an nne Apresentagao — Roberto Schwarz . Lh ais" Notas sobre os vadios na literatura colonial do século XVIII Antonil e Teixeira Coelao / — Laura de Mello e Soura.. 9 Gregorio de Matos Guerra ao portugués — Antonio Dimas... 13 “O pobre, porque & pobre. pague tudo" / Gonzaga / — Alexandre Eulalio ........ fees real No espelho do paleo / Martins Pena /— Vilma Areas... 26 Imagens do remediado / M. A. de Almeida / — Silviano Santiago ........ EOE St AAs pobres mulheres pobres no teatro de Alencar — Flavio Aguiar 38 © nosso poeta dos eseravas / Casiro Alves /— Aleides Villaga 40 Uma auséneia / Euelides da Cunha / — Walnice Nogueira Galvao . Rembrandis e papangus / Domingos Olimpio /—~ Zulmira Ribeiro Tavares, “Para cantar de preferéncia ohorri —Zenir Campos Reis, pi i Mutilados da Belleépoque / Jodo do Rio / — Antonio Arnoni Prado nt OF i Lima Barreto: a oped pela margindlia—Beatri Resende... 73 sl 7 Augusto dos Anjos / Palavra de ouro, cidade de palha / literatura anarquista / — Francisco Foot Hardmaa «..... a) i Joao Simego Lopes Blau ou aarte de ser Zaoris — 1 = Chiap- editorabrasiliense s.a, pini Moraes Leite. . 88 01223 — r. general jardim, 160 Jeca Tatu em tr8s tempos / Monteiro Lobato / ~ Marisa Laiolo 101 O humilde cotidiano de Manucl Bandeira — Davi Arrigueci Jr. 106 6 INDICE Riqueza de pobre / Mario de Andrade / — Telé Porto Ancona Lopez... +++ ne Greahiga Oswald de Andrade, a Tuta da posse contra @ # propriedade = Maria Eugenia Boaventura. .. 129 Virado & paulista / A. de Aledntara Machado / — Vera Maria Chalmers 136 Na praca de convites / C. Drummond de Andrade / — Yumna ces 140 Sobre Vidas Secas / Graciliano Ramos / —- Alfredo Bosi 149 ‘Jovem com ferrugem / C. Lispector / — Suzi Frankl Sperber . 154 Severinos e comendadores / J. Cabral de Mello Neto / — Apresentacao. Modesto Carone 165 wala ‘Samba, esteredtipos, desforra, t ‘Adoniran Barbosa. — José brasileiras? Um primeiro contingente destes trabalhos foi publicado numa revista voltada para assuntos politicos e econdmicos." A idéia era trazer — ainda que em escala minima — a influéncia anti-simplista ce antidogmatica da literatura ao debate sobre as classes sociais. Algum tempo atrés, um plano destes seria recebido como, prova de conteudismo e cegueira para os valores propriamente esté- tigos. Hoje, depois do banho formalista dos tltimos anos, a des- confianga parece que perdeu a razao de ser. O.contra-senso de usar Paulo Paes ...- i - 175 Arte pobre, tempo de pobreza, poesia menos / Machado, Oswald, Graciliano, Cabral, Augusto de Campos / — Haroldo de Campos = 181 Dois pobres, duas medidas / Ferreira Gullar / — Joo Luiz Luiz Lafeta me. 190: ‘A medida do cafajeste / Dalton Trevisan / Berta Waldman... 201 ‘Trabalho, pobreza e trabalho intelectual / Carolina Maria de Jesus / — Carlos Vogt «+++» rapt, a ficedo como documento bruto se desprestigiou. Entretanto, nem ri jranda da malandragem — Jesus Antonio por isso a questo da realidade deixou de existr, ese de fato ainsis- at — igre. aoes 214 téncia na forma, na primazia da organizagao sobre as elementos de “ -iificgads aes Y Chis) jae Aaah conteilo serviu para distinguir a linguagem artistica das demas, Ie peeras Mence ee vale clashes pennte 0 on/fon9 algn Gn ura compete ete as linguagens, devolvendo a literatura a dimensao de conhecimento que ela evidentemente tem. Basta no confundir poesia ¢ obra de ciéncia, e nao ser pedante, para dar-se conta do dbvio: que poetas saber muito sobre muita coisa, inclusive, por exemplo, sobre a pobreza, Embora a lista de autores estudados venha da Colénia aos nossos dias, ndo houve intencdo de amarrar uma Historia, nem de ser exaustivo. Ao propor o tema a eventuais colaboradores, no procurei fixar pontos de vista em comum, e deixei por sua conta as definigdes € a escotha dos angulos criticos. Num livro escrito a sessenta miios o interesse tem de estar na diversidade de eritérios, ¢ nas surpresas, ronda do Anticristo / Adélia Prado / —~ Haquira Osakabe. . ‘As mulheres de Tijucopapo; a conspiragao do siléncio ¢ ae palavra / Marilene Felinco / — Teresa Vara. = 22 © sertanejo valente na literatura de cordel — Maria José Londres. . Bees " Novas Estudos CEBRAP. Sto Paulo, vol. {.n? 2, abril de 1982. i APRESENTAGAO Por que tantos autores? Simplesmente (¢ sem intengao de fazer espirito) porque os criticos ¢ os professores de letras hoje so muitos, 0 que & um fato novo, com impasses visiveis ¢ possibili- dades inexploradas. As teses, os especialistas ¢ as verbas multi ‘caram-se nos iiltimos anos, sem vantagem tangivel para a critica nova. O mais provavel é que este crescimento quantitativo se eseote no interior da propria maquina de suscitar € anular pensamento que é a universidade. Haverd possibilidade de socializar um pouco ‘a forga de pesquisa ¢ de reflexdo dos professores, de chami-la a ‘questdes estéticas que a realidade prope, e que, contrariamente a0 preconceito, sdoimportanifssimas ? Uma vez que prefacios existe para divagar, penso em algo como 0 esforgo de critica que neste ‘momento est fazendo uma ala numerosa e notavel de economistas, {que nos permite seguir de olhos abertos as desgragas que 0 futuro, © regime e outros economistas nos preparam. ; ‘Terminando, valha lembrar que as crises da literatura con- tempordnea ¢ da sociedade de classes so irmas, e que a investida das artes modernas contra as condigdes de sua linguagem tem a ver ‘com a impossibilidade progressiva, para a consciéncia atualizada, de aceitar a dominacao de classe. Assim, num sentido que no esta suficientemente examinado, a situagao da literatura diante da pobreza é uma questo estética radical. Roberto Schwarz julho de 83 Notas sobre os vadios na literatura colonial do século XVIII Laura de Mello e Souza Os homens livres potres expropriados ¢ sem ocupagao fixa ovoaram as Memérias, as Instrugdes, as CrOnicas coloniais com maior frequéncia do que se considera habitualmente. Apesar disso, foram pouguissimas as ocasides em que, a partir desse tipo de lite- Fatura, passaram a integrar os trabalhos historiogratficos e as gran- des explicagdes do Brasil. Essa omissao sistematica das camadas socialmente desclassificadas tem implicagdes ideologicas, mas no as analisaremos estas anotacoes.' Antonil e Teixeira Coelho registraram em seus escritos a pre- senga dos vadios na forma;ao social da coldnia. O primeira € 0 autor celebrado de Cultura e Opuléncia do Brasil por suas Drogas ¢ ‘Minas, obra escrita possivelmente nos primeiros anos do século XVIII e publicada em 1711 — tendo, de imediato, seus exemplares, confiseados e destruidos com tamanhaeficicia que constitui verda- deiro milagre 0 fato de alguns deles terem chegado até nds. O segundo, magistrado e alto funcionério da burocracia colonial, escrevew uma nstrugdo para 0 Governo da Capitania de Minas Gerais, local onde exerceu 0 cargo de Intendente da Fazenda; 0 trabalho foi publicado em 1780, e € um documento precioso e indis- Pensével a compreensao do século XVIII minciro. Durante todo 0 periodo colonial, os homens livres pobres foram muitas vezes designados com a expresso vadio, o seu modo peculiar de viver sendo classificado de vadiagem. Entretanto, nem Sempre essa nomenclatura abarcou individuos desocupados: era vadio na coldnia todo aquele que nao se inseria nos padrdes de tra- " Este pequeno artigo correspondea passagens um pouco modificaday de un cap tulo de meu livre, Os desclassifeados do.ouro, Sto Paulo, Brasilinse, 1983, La ovmelor a ‘iicados soca. 10 LAURA DE MELLO E SOUZA balho norteados pela obtengio do lucro imediato, e grande gama de individuos entreeues a atividades esporadicas e intermitentes se viu coberta por essa designacdo.. AS conotacdes assumidas pela palavra vadio no trabalho de Anionil dio uma idéia da multipticidade de acepcdes a que cla remetia nos fins do século XVII e inicios do século XVIII: “Para vadios, tenha enxada ¢ foices, ¢ se se quiserem deter no engenho, mande-thes dizer pelo feitor que, trabathando, hes pagarao seu Jornal, E, desta sorte, ou seguirdo seu caminho, ou de ¥ farao jornaleiros"”2 © vadio & aqui 0 individuo nao inserido na estrutura da produgdo colonial, € que pode, de um momento para ‘outro, ser aproveitado por ela; os instrumentos de trabalho sio 0 meio da sua redencao: caso os utilize, deixar de ser vadio e passard a integrar o mundo bem constituido da producdo; caso nao opte pelo trabalho, devera voltar para o mundo itinerante de que veio — “seguirao seu caminho” —, continuando, portanto, a carregar a pecha da vadiagem. Mais adiante, Anionil reitera a oposigao entre a parte sa da sociedade — aquela que trabalha ¢ produz valores — e a parte cor- rompida, desocupada, nula economicamente, deixando claro que considera vadio todo aquele que nao gera ou possui tiqueza: “Con- vidaram a fama das minas tfo abundantes do Brasil homens de toda a casta e de todas as partes, uns de cabedal, ¢ outros vadios".’ Pouco depois, a palavra adquire nova cor: “Os vadios que vo as minas para tirar ouro nao dos ribeiros, mas dos canuidos em que o ajuntam ¢ guardam os que trabalham nas catas, usaram de traigdes lanientaveis e de mortes mais que cruéis, ficando estes crimes sem castigo”.* Aqui, em vez de se entregar & ocupacdo labo- riosa, 0 vadio prefere lanear mao do roubo e do assassinio, corpo- rificando, mais uma vez, a negacao do trabalho que dignifica 0 homem, ¢ enveredando pelo mundo da transgressdo. A formulacdo subentende que Ihe foi dada a possibilidade de optar entre a ativi- dade regular, normal — 0 “tirar ouro dos ribeiros"” — ¢ os meios escusos para a obtencao de riqueza — as “traicdes lamentéveis” ¢ as “‘mortes mais que cruéis"*: o crime fica, assim, determinado pela [André Joao Antoni, Cultura © Opuléncia do Brasil por suas Dros € Minas. iredhugie enotas de Alice P. Canabrava, Sio Pau, Compania Faiora Nacie- hal, 2 eda, Sa, p 168. * eden 303 Idem. p. 303. NOTAS SOBRE OS VADIOS NA LITERATURA COLONIAL... II Ind indole do individuo, o funcionamento harmonioso do sistema no sendo, obviamente, questionado. Mais para o final do século, 0 desembargador Teixeira Coelho se estendia sobre 05 vadios com atengdo especial: “Os vadios sao 0 ‘xlio de todas as nagéescivilizadas, c contra eles se tem muitas vezes legislado; porém, as regras comuns relativas a este ponto néo podem ser aplicaveis ao territério de Minas; porque estes vadios, que em outra parte seriam prejudiciais, sdo ali ites: eles, & excegao de um pequeno nimero de brancos, so todos mulatos, caboclos, estigos, € negros forros: por estes homens atrevidos é que so povoados of sitios remotos do Cuieté, Abre Campo, Pecanha ¢ outros: deles € que se compoem as esquadras que defendem o presi- dio do mesmo Cuieté da irrpgao do gentio barbaro e que pene- tram, como feras, os mato virgens, no seguimento do mesmo deles é, finalmente, que se compoem também as esquia- ras, que muitas vezes se espalham pelos matos, para destruir os quilombos dos negros fugides, e que ajudam as justicas nas prisoes dos réus?™ Essa passagem ¢ impar na literatura por pregar a utilizagao de lum contingente humano normalmente considerado iniitil — nao s6 no Brasil, mas em todo 0 Ocidente da época. Os vadios eram parte constitutiva do momento histérico, ¢ contra eles incidia toda legislagao repressiva que, tendo florescido com especial vigor nos séculos XVI ¢ XVII, entrava pelo século XVIII. Em toda parte, cram motivo de preocupagao para as autoridades, que os fechavam em workhouses, em hospicios, em instituigses de caridade, Como tum jurista de Lyon que, em 1566, definiu vagabundo como “peso inGtil da terra’”, Antonil viu sobretudo 0 lado oneroso que esse tipo de gente representava, 05 custos que acarretaya com sua reprodu- <0, 9 peso que constituia para a parte s2 e bem constituida do corpo social. Extremamente licido, o desembargador Teixeit Coelho vinculou a ocorréncia desta camada social na colnia com as legides de expropriados que a desarticulagao do sistema feudal ¢ a gestacdo do capitalismo vinham, ha alguns séculos, engendrando nna Europa; mais ainda: por detris do mus mais aparente, vistum- brou a utilidade potencial dos vadios, que também os governos absolutistas da Europa aproveitavam em manufaturas e obras pit- J.J. Teixeira Coelho, ““ostrucio para poserno da capitania de Minas Gerais” KRevisiado Arquivo Pablico Minera, \ol- Mul. p. 79 2 LAURA DE MELLO E SOUZA blicas, Assim, esse contingente humano serviria de “pau para toda obra’” na sociedade colonial escravista, povoando pontos distantes, acossaddos por indios; engrossando as expedicdes que entravam mato a dentro na destrui¢ao de quilombos ¢ no exterminio dos foragidos; realizando, enfim, uma série de tarefas alternativas que niio podiam ser cumpridas pela mao-de-obra escrava, nem pelos homens laboriosos, conforme afirma mais adiante Teixeira Coethi Porque como a conservagao desta conquista (do Cuieté) era necessaria, ¢ se ndo podia conseguir, sem que nela hou- ‘esse um corpo de tropas da dita qualidade, para se opor aos assal- tos dos indios, Ihe pareceu que era mais conforme a razao, 0 ser a mesma tropa composta de homens vadios, ¢ facinorosos, do que de homens bem morigerados, e precisos para a cultura das terras".’ De fato, num sistema escravista, essa gente estava destinada a se localizar nos intersticios que a mo-de-obra eserava nfo ocupava, € que os “homens bem morigerados” — melhor situados ¢ defini- dos no seio de uma formacao social tao fluida eimprecisa como era a da colénia — também nao podiam preencher. Sem deixar de fazer a distingdo entre os membros sadios € 05 corrompidos — “dio de todas as nagdes civilizadas” —, Teixeira Coelho deu mostras, cntretanto, de compreender 0 problema de modo mais agucado. Se para Antonil os homens livres pobres apareciam como sendo, antes de mais nada, onerosos, 0 intendente da Fazenda da capitania de Minas os enxergou basicamente no seu lado aproveitivel. Onus ¢ utilidade corresponderam, através dos tempos, a dois enfoques possiveis na andlise dos homens livres pobres — nao s6 na colénia, ‘como no periodo subseqiiente; compreendendo-os na segunda acepgdo ¢, simultaneamente, nao perdendo de vista o lado oneroso que também os earacterizava, Teixeira Coelho representou entao os primeiros alvores de uma mentalidade capitalista, * idem, p49. Gregorio de Matos Guerra ao portugués Antonia-Dinngy 2. 2) Wanions 2 UeiiRee NONNNIOEURY ai Inquieto diante da massa de novidades que ia arrancando da boca de Brandénio, Alviano nio se refrciae dale ‘me ides contando mais estranhezas, e tais que, pela qualidade no capac enendimento pod as haer ne monde Brandénio ¢ Alviano discorrem, longa ¢ macigamente, sobre fas exceléncias do Brasil. O primeiro j se adaptara a terra nova, enquanto que o segundo, mal chegado, ouve-Ihe as noticias, entre Iinerédulo e curioso. Atribui-se essa conversa simulada ao cristao-nove Ambrosio Fernandes Brandao, que a teria composto por volta de 1618, dando-the o titulo de Didlogos das Grandezas do Brasil. Indepen- dente da autoria ou da datacdo precisa, os Didlogos integram uma fextensa literatura informative e referencial sobre os primeiros mo- mentos da colonizacao portuguesa no Brasil, ao mesmo tempo em ue revelam uma preocupacao formal em sua composicao, j& que fin seu interior alternam-se as vozes representativas de um proceso. de ajustamento reciproco, ‘Sem derivar para a hipérbole, traco comum na crénica do Descobrimento, Brand6nio desfia seu relato com seguranca, pru- encia e minticia, decorrendo dessas caracteristicas, talvez, a atra- filo do texto, bem pouco tinto de ufanismo. Cauteloso, Brandénio fenta restringir-se aos fatos, embora isso nao impeca que um tom de maravithamento e estranheza miticos percorra os seis didlogos, de ponta a ponta. Como ele proprio reconhece, logo no inicio do "Dillogo Terceiro”, “‘séo tio grandes as riquezas deste novo Ambrosio Fernandes Brandio, Déioeos das Grandezas do rast A indesas lo Broil, intro. de Capistrano de Abreu, notas de Rodolfo Garcia, Salvador, Livraria Progreso Fiditora, 1936, p, 297 “ ANTONIO DIMAS mundo ¢ da mesma maneira sua fertiidade e abundancia, que nfo sei por qual das cousas comece primeiramente; mas, pois todas elas, silo de muita consideracao, farei uma salada da melhor forma que souber, para que fiquem claras e dém (sic) gosto”? No preparo dessa salada, segundo opiniao de Branddnio, centravam seis ingredientes basicos: a lavoura de aciicar; a mercan- cia; o pau-brasil; 0 algodao e a madeira; a agricultura, em geral; ¢0 ‘ado. Por meio de um deles ou de sua combinacao, alcancava-se facil a riqueza, meta primeira do colonizador. ‘A imagem apetitosa e suculenta de Brandénio repercute, ‘num poeta do século XVII, que se incumbe de modi- , acrescentando-lhe porcdo mais generosa de sal, pi- menta e vinagre. ‘A poesia satirica de Gregdrio de Matos (16367-1696) acentua © paladar da salada, restaura-lhe 0 aspecto multifoliado ¢, de quebra, oferece-nos uma visio do prato em processo... ¢ nfo pronto. Por meio de sua sétira social, esquadrinhamos 0 lado escuso da colonizagao e nos afastamos da imagem edénica que os cronistas, teimam em passar adiante. Por meio dela somos levados ao ventre ‘da Coldnia e nos certificamos de que a construsio social foi uma ‘empresa arriscada e nem sempre saudavel sob uma perspectiva ética Diferente de um Antonil ou de um Gabriel Soares de Sousa, propagandistas da uberdade americana potencialmente rentavel, Gregrio de Matos converte a realidade em poesia, domaa referen- cialidade lingtiistica, ‘lumina cantos suspeitos da sua sociedade e, ‘desse modo, lega-nos um testemunho — literario, é verdade — da condigdo colonial. Sabendo-o de temperamento exaltado e afeito a0 Barroco, uma estética que no suportava a sobriedade expressiva, torna-se temerario recorrer, @ vontade, ao seu texto para dele extrair tracos identificadores da sociedade em montagem. Todavia, a leitura cri- teriosa de seus poemas, aliada ao subsidio hist6rico, permite-nos elaborar um quadro do qual saem arranhadas a virtude € a empresa ‘mercantilista portuguesa. Houve quem 0 rotulasse de ‘“um notabilissimo canalha’” ¢ justificasse sua mordacidade invocando a corroséo do meio ambien te, que nele teria provocado uma espécie de regressao cultural. A rd, bide, 9-149. AeaseeiAd ire Cotes ey drtiida' pe Altai Conti, i ie! Saakoy ‘MEC-Cas de Rui Barbosa, vo. I, 1960, p. 393, GREGORIO DE MATOSGUERRA AO PORTUGUES 15, essa corrosdo regressiva, Araripe Jr. deu o nome de “‘obnubilacao”” ¢ figurou-a como uma asfixia pelo éxtase: “Portugueses, franceses, espanhdis, apenas saltavam 20 Brasil e internavam-se, perdendo de vista as suas pinacas e caravelas, esqueciam as origens respectivas, Dominados pela rudez do meio, entontecidos pela natureza tropi- cal, abracados com a terra, todos eles se transformavam quase em selvagens; e se um niicleo forte de colonos, renovado para conti- ‘nuas viagens, ndo os sustinha na luta, raro era que nao acabassem pintando © corpo de jeniparo e urucu e adotando ideias, costumes até as brutalidades dos indigenas”™* Atenuar a viruléncia de Gregorio de Matos através dessa tese determinista; insistir numa rejeigao de seus poemas satiricos em nome de uma ética dominanie e falaz; ou, ainda, alijé-los do nosso Fepertério com o pretexto de caréncia edética sao argumentos me- nores, além de externos, os dois primeiros, a essencia poétic Num pais que germinava sob pesado centralismo administra- tivo ede insaciavel gula fiscal, © que melhor que um poeta barroco para surpreender os vicios ¢ ¢s enganos de uma cultura que ja subes- timava tudo aquilo que nao fosse branco, ocidental ¢ argentitio? Gragas 4 fusdo da sensibilidade pessoal com os pressupostos estéticas do Barroco, Gregorio de Matos decompde sua realidade ¢ aponta-the as partes, ora aos pedacos, ora em contrastes. Em sua mao, transformismo caracteristico do Barroco, no qual seembute 4 nogio da mutabilidade constante e veloz, encontra campo Fértil quando o poeta nos alerta para a ascensio social do colonizador que, de artesao, passa ripido 4 condicio de fidalgo. ‘Neste mundo é mais rico © que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais earepa; Com sua lingua, a0 nobre o vil decepa: O velhaco maior sempre tem capa. Mostra o patife da nobreza 0 mapa: Quem tem mao de agarrar, ligeiro trepas Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. “Adem, biden, 9, $07. 16 ANTONIO DIMAS A flor baixa se inculca por tulipa; Bengala hoje na milo, ontem garlopa: Mais isento se mostra 0 que mais chupa Para a tropa do trapo vazo a tripa, E mais nao digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa.”* Um verso como “Bengala hoje na mao, ontem garlopa’” emblematiza e sumaria toda uma postura estética e politica (2) Perante o mundo que circunda o poeta. De um ponto de vista da conversio desse mundo em material pottico, importa ressaltar que a metonimia fragmenta a realidade, dela retirando dois objetos em flagrante antagonismo. “'Garlopa”” remete a trabalho, necessidade cotidiana ¢ rasteira, esforgo fisico que redunda em suor esujeira. A cla opde-se a ‘*bengala”” enquanto sindnimo de nobreza, écio, fatui- dade e arrogancia. Situagdes opostas no tempo, mas contiguas no espago demandam um verso que as materialize. Dai o poeta ajeita- Jas de forma a caberem no mesmo verso, respeitada a distancia que as separa: ambas ocupam as extremidades do verso. No entanto, como nessa sociedade 0 que importa é a aparéncia exterior, aquilo ‘que primeiro se mostra e vem na frente, nada mais justo do que pri- vilegiar a posigdo da *‘bengala’’, colocando-a em primeiro lugar, imediatamente antes de “'garlopa’, a fim de que nao se desmanche a hierarquia que simbolizam uma e outra. Além disso, para que no se perca de vista que seu proprietario pode ser o mesmo, & pre- ferivel situar a ‘‘mao” que as carrega numa posigio intermedia, Instalada no meio do verso, a “mao” atende a tempos diferentes; € ponte cujos extremos se antagonizam, mas se complementam. Por- tanto, deve postar-se no meio, uma vez que se presta a dois momen- tos antitéticos. E como se nao bastasse a posicao medial do termo “mao”, a sugerir contigiiidade, imiscuem-se os sons “ga” ¢ “la/lo” que também atuam como reforco dessa nogéo de prolon- gamento, Em seu conjunto, 0 soneto nao & sendio uma ilustracao poe- tica da danca social em que estavam metidos os colonizadores, a0 ‘mesmo tempo em que exibe, com fartura, a extraordinaria inventi- Gireporin de Matos, Poemas Escothudos, se. Introd. © Motes Ge JOSE Miguel Wisnik, Sao Paulo, Editora Cull, 1976 p GREGORIO DE MATOS GUERRA AO PORTUGUES 17 vidade lidica do poeta, aliada & malicia de quem critica, mas se res- ‘guarda. Se observarmos bem 0s versos, notaremos uma divisto hori- zontal acentuada, onde dois blocos verticais se alternam, um apon- tando para uma condi¢ao favorecida e outro indicando o oposto. Desse modo, alinham-se, rrimeiro, “rico”, “limpo”” ¢ “nobre’ contrapondo-se a “‘rapa’, “carepa’” e “vil"”. Em seguida, ‘‘velha- co", “patife”” e “flor baixa’’ confrontam-se com “capa”, “nobre- 2a" ¢ “tulipa’”. Mais abaizo, ‘bengala”” e “isento” arrepiam-se diante de “garlopa"* e de "‘chupa””. Se dispusermos esses termos em coluna — rico rapa limpo carepa nobre vill velhaco capa patie nobreza flor baixa tulipa bengala garlopa isento ‘thipa’ — veremos que a condigao favoravel ou desfavordvel acima apon- {ada no conhece lugar fixo no interior do poema e que essa mobili- dade topogrdfica bem poderia ser tomada como figuracao mimé da labilidade social de entao. Nessa coexisténcia ag6nica, de futuro incerto, de moral du dosa ena qual os valores estéo em constante mutagdo, poeta nao se atreve a privilegiar um determinado tipo de léxico. As incertezas sto tantas e tamanhas que mais vale uma conciliagao proviséria, do ue uma escolha comprometedora, por apressada. Dai apelar ele ora para um vocabulario mais polido (“inculea", ‘isento”, “inerepa”), ‘ora para termos mais vulgares como “‘chupa”, “tripa’’, “trepa’”, “trapo" etc. Ademais, se 0 que esta em discussdo & a oposigao entre fezmentos sociais convém ditingui-tes pelo suposto universo voca- lar, Para acompanhar essa danga social, que nao significa neces- sariamente progresso social, Gregério de Matos recorre a uta so- noridade intensa, que nao se limita as rimas t@o-somente, mas que 8 ANTONIO DIMAS. se expande pelo interior do verso, a ponto de atingir alto momento aliterativo em ‘Para a tropa do trapo vazo a tripa””. ‘Ao verso chulo € depreciador, segue-se uma mencao tardia € conveniente a Musa, figura erudita e semidivina. Enquanto erudi- ‘elo, recupera ela a grosseria momentnca; enquanto semidivindade, tla absolve o poeta da insolencia do verso anterior e se poe solidaria com sua voz que, s6 no final do poema, coloca-se frontalmente em primeira pessoa. No entanto, como a protegdo da Musa pode mio ‘ser segura, dada sua existéncia impalpavel ¢ mitica, e como o tom da critica ¢ contundente, € melhor néo prosseguir na escalada, sob pena de auto-exposicao excessiva, convite A repressio. Por outro Tado, abandonar o discurso sem um final to consistente quanto & ‘exposigdo de motivos anterior € incompativel com a dignidade pot tiew e critica, além de favorecer uma impressio de recuo ou até mes mo de covardia, O que fazer, entdo? A solucao é a criagdo de um ‘verso aparentemente irresponsdvel ¢ inocuo, calcado em puro jogo Sonoro, de significado vazio, mas que se vincula aos versos ante- ores pelo malabarismo de som. Sua vacuidade aparente desapa- eee e nese espaco instala-se 0 riso. O gratuito, marca tangivel do Barroco, ganha funcionalidade, deixando de ser valor absoluto. F esse processo emerge outro indice estético do periodo: a relativi dade das coisas, A esse jogo entre o gratuito e o funcional, Gregorio de Matos adiciona, a seu modo, mais um ingrediente na salada poé- tica: ao enfileirar versos curtos ¢ aforismaticos, 0 poeta dissemina informagdes ao longo do poema que exigem um lago final. Segundo ‘um dos pressupostos estéticos do Barroco, cabia ao poeta recolher no fim do poema tudo aquilo que semeara antes. B a chamada téc- thica da “‘disseminagdo e recolho"”. Pois bem, neste soneto, Gregorio ide Matos segue a receita a risca, mas repele 0 risco. Dado que suas sentengas vao num crescendo, nao the interessa conclui-las com um verso taxativo... ¢ perigoso. Diante disso, o recurso ¢ abandonar versos carregados de significado ¢ langar mao de um outro que so contenha significante. Agindo dessa maneira, cumpre-se 0 preceito podtico, disseminando-se significados recolhidos num significante. Junto com a tripa, esvaziou-se, de modo estratégico € matreiro, & ‘cabeca do poeta, agora no mais capaz de emitir sons com recheio. No entanto, os significantes esqueléticos ganham a carne da mall- cia, a ser doada pela argicia do leitor que for mais astuto. ‘Nem sempre, todavia, a poesia satirica de Gregorio de Matos contempla 0 mundo miscravel de forma a suscitar o riso ¢ muito menos o faz através de um Angulo tinico. GREGORIO DE MATOSGUERRA AOPORTUGUES 19 _pEtentualente,defrontamo-nos om passages oe desta se 0 bom humor ¢ em seu lugar surge um azedume sidico nem um Pouco estranho a outro trago barroco: a crueldade fsica, empe- nada em exploraro sentimento de culpa do eritao. Em um poeta no gual oe Inmenta a pobre desorente da exploragdo mera sta, 0 poeta deplora: ‘quem o dinheiro nos arran: com ates Ticats lcci AAU cna” server "Som mas individuasdo a Fiicia com que ox Stranos soem a arunar sua repibliea”,” Gregorio de Maios na um omange em quads deredondha maior, cua pina esrofe constitu em verdad reprimenda 8 ngratidao mater nal da Bahia: “Senhora Dona Bahia’ nob e opulenta ciade,/ rasta dos naturais,/ ¢ dos estrangciros madre:/"". I ston Neh JON Boe abrandams os reerostsics mais ostensivos da poesia barroca, porque o poeta prefere a visto rimiea mi pansies mien a else. Demos dads com le stron a psi pel cade ciscentsta, capital da Colénia ¢ a inica rival de Lisboa, dentro do Imrie portugués de endo! Na sua companti, subindo ¢ dex endo as ladeiras baianas, topamos com os mais diversos tipos hie Imanes. Ao pf da orsha,susurasnos ele ergem socal dessa fentee deserevesos a iiss or que passaram para aleangat 0 austen. Aqui o peateno comeciante que logo se torn ereador; ali o mascate que virou burgués emproado; mais & frente © andnimo miserével que se fez usineiro; do outro lado da rua, 0 padre simoniaco ¢jatifundiio. Nese pans de transformismo Sxl rnido, surge a dissimuaeio generalizad ea pobreca dena de ser apenas material para se evidenciar sob outra i iar sob outras modalid De um lado, a de comportamento social canhesto, qu tral oan vismoe aruda de bere; de outro, acarencia de xii terra bronca, 5 logo desmase eae tra ¢ faz luzente, logo desmascarada pela verve impla- Sea exploracdo econdmica mutila o individuo, como ja vimos linha ts, € natural que mate anda mais pas. Assim snd, & curioso constatar que na oposicao entre Portugal ¢ Brasil, 0 poeta idem, idem, 9. 44, Mier. ibidem, p. &. CR. Hoxer. A Made de Ouro no Brasil (Denes de crescienent de sina sii ei Gee ata ac ae lacional, 2? ed. rev., 1969, p. 148, Aah a 2» ANTONIO DIMAS nao s6 exeere a espoliagao comercial, responsdvel por nossa penii- ria, como também exalte o culpado por essa situacao. Enquanto fonte de males, 0 portugués identifica-se, necessa- riamente, com o homem rico, fartura e bem-estar antagdnicos a pobreza, localizada, quase sempre, no individu nascido aqui Nesse sentido, a visto do poeta no é dialética, ja que distribui os papéis de forma maniqueista: portugués : fartura :: brasileiro : mi- séria. Por outro lado, sentindo-se combatente solitario ¢ despresti- giado, o poeta tende a idealizar um tempo e um espaco distantes, nos quais sua condigao pessoal era mais satisfatéria. Enquanto beneficiério do sistema, pois, nenhuma objegao: “Era eu em Por- ugal/ sibio, discreto, entendido,/ poeta, melhor que alguns,/ douto como os meus vizinhos.// Chegando a esta cidade,/ logo ‘no fui nada disto:/ porque o diteito entre 0 torto/ parece que anda torcido./"".” Adepto convicto e praticante de uma estética que prefere ver ‘9 mundo de forma radicalmente antindmica, Gregorio de Matos encontra, no Brasil, terreno propicio para construir antiteses que a lade the oferecia de mao beijada. Num pais carente de mei tons em termos de distribuicao de classes sociais, 0 pocta satirico solta-se e acaba por nos passar uma visio mais esquematica ainda da sociedade. Uma sociedade na qual ele associa a pobreza indivi- dual 4 honestidade initil e a pobreza coletiva ao dominio econd- ‘ico estrangeiro, Trezentos anos depois de sua morte, ainda no conseguimos desmenti-lo. * Greninio de Matos, Poemas Eseothdes, op. cts 1. “O pobre, porque é pobre, pague tudo” (Carta VIII, 255) Alene lata 5 Ws voit a la nen Ges Chlenasofetezm um mapa topoerdtico extrema Iente rico eanimado do ambiguo mundo colonial brasileiro, Pan. crito em verso, bem escandidos decasslabos brancos, ful com o impeto e a limpidez de uma torrente de montanha. O inte. Fesse daquilo que narra nfo decresce um s6 instante: ‘uments antes, com a sucessio vertiginosa de quadros e episodios que repro” sluzem os desmandos de Fanfarrao Minésio* no governo “da nossa * Mako ones 46 Meroe, tin nome de Yeo re , tino nome de fama de Dom La da Con, foreman de Mim Goth cote AB shes ‘noms ht es Contan ce Cl En oy er sido subtldo pl tice de vison ot Bana ese ma dls anos & ent a Copan ak Mins, gun dandes ear hve cng ido om Ubon. Funjet Chase Sami tin ao Sind actancos gue ate a a Ima avone ener comsn A pines Cae toes eae cae Fever pare RCH open Uinta Barbee a go iene te prevam mehore tempore vende Se Sauer ede a {Rat Accent Goma bare fend ore apna 0 tempo da Conjra do Tradenes ns So da Denese ene referéncias a esses “pasquins em verso", lidos com avic pa ares Desi ett era dado A boca poten, comm ator da Sb 9 Se es rl on wird in ne 8 ep Deh ina ques cosenara so pincte noe a io apttogena ns 0 rotons dana ges es Ter anger entre nds dede o saulo XIX, cou de aver nor todas {ios putea do lead sad eM Ross tae anaes et im pretena Mitre e floss (hlo de incver Wah ae ‘Selmentnent a ht atstein, ace ede Sn e Ihrer pears 0 omar Far hence Pel on we ‘cin eno ats vara mace doiceenien aoe eee ss Cartas, Crit, homenagesa¢ Cricom, do fsulta espanol Baltasar Ore 2 ALEXANDRE EULALIO narrador, recheados de cultura neoclassica, ¢ que buscam amenizar dizeres da lingua-de-preto, que acentuam a cor local sem perda da tania de Minas, no ultimo decénio do século XvIU, com uma de Peru, além de diversas referéncias a Dom Quixote e Sancho sio, em um Reino estranho! Feliz Reino ¢ felices Grandes [de Por- ‘corrompe nao apenas a administracao, enformada a imagem ¢ se- methanga dele, mas ainda o pais que The est sujeito. Um anacrd- nico regresso ao arbitrio feudal, aos privilégios de cuteto © barago inerentes a fidalguia, os quais, garantidos pelo pulso da tropa, ram logo apoiados pela clientela que, num abrir e fechar de olhos, criou-se em redor de tal desgoverno. Enfrentam-no, na ardente deniincia em verso de Critilo, o ideal superior de decoro burgués, 0 culto do legalismo juridico, a consciéncia limpa do defensor das " to “engenhos” mals rarosdo (1584-165; “censor facundo” dose empo um dos “engenhos” mak aros da ol, €exror hoje de novo argamenterevalrzado. aden {So nome desja protongar portanto'afcticiahisponidad do texto, no exo “Qu barroquismo es ote Salamanca-a nessa Chile “0 POBRE, PORQUE E POBRE, PAGI TUDO" 2 {ivees. O desforgo tem lugar entre razdo e bel-prazer, arbitrio puro fe defesa das “santas leis do Reino", distribuigdo imparcial de jus- Alva e cornucopia de favores = benesses, aberta corrupsao admini {ativa € lisura do teal proceder. Oposi¢des bindrias que as Cartas Philenas abordam em tom passional, procurando envolver o leitor fw repulsa aos Turtos e despautérios do odioso procénsul. Assina- lim assim, com nitidez, as agudas divergéncias de um momento de ‘vise da classe dirigente colonial. Sem deixar de acusar, nos inters- Aisios ideoldgicos da escrita, os pontos de vista e os particulares feconceitos de quem se esconde atris da mascara de Critilo (0 nis vistoso destes € 0 altane'ro desprezo de casta pelos “vis mula- los", “infames bodes"), 0 poema apresenta ainda empolgante isla panordmica da constante agressividade e das asperczas extre- Wns da vida colonial. Que lugar ocupam ‘05 pobres”” nesse painel elaboradamente tsbogado pelo poeta? Hay que distinguir. O texto das Cartas Chi- emas quase sempre chama de “pobres"” aos pequenos proprictarios, “bisonhos roceiros”, ““lavradores da terra'’, sitiantes isolados, de Poses modestas; aqueles que ndo pesam nem influem de mancira Alguina nas decisées tltimas da administragao superior, por nao porem de acesso aos canis que encaminham empenhos, pre- senles, pressdes, ao executivo e A magistratura. Moradores rurais sie limitada fazenda, possuem pequena escravaria e parcas comodi- tindles. Espathados pelo continente das Minas, exploram catas ¢ is de ouro ao lado de pequenas lavouras de subsisténcia. Lidam alguns bois e carros de tracdo, diversas vezes requisitados para 1s piblicas julgadas prioritarias pelas instancias superiores, {yopa de linha ou familiares do capitao-general. Os mais habeis, de Waior iniciativa, associam-se entre eles, ou com moradores de itaiaise vilas, organizando tropas que transportam e fornecem vi- eres & populacdo de vastas éreas da Capitania. Com o comércio praticado nas vendas que funcionam nos povoados, esta é uma das fnciras certas de fazer fortuna; as duas atividades sao insepara- Nels do contrabando das pedras de preco e do ouro, intensamente [ifuticado apesar da repressdo oficial e de continuas buscas ¢ revistas Wlos fiscais da Coroa, que sabem fechar um olho quando conforta- WWos como se deve. ‘Ao lado portanto desses “pobres””, embora dispondo de menor Pestigio, estdo os *tendeiros”’, pequenos comerciantes de toucinho # cachaga, donos de seus trés e quatro cativos, que os substituem, Jiyando necessario, nos balcdes de secos e mothados. Durante 0 go- 4 ALEXANDRE FULALIO verno de Fanfarrio, consoante a deniincia de Critilo, os “ricos taverneiros" recebem grande incentivo a fim de organizarem, a cexpensas deles, tergos de tropa aunxiliar; aqueles que consezuem cumprir essa faganha — que qualifica Minésio junto & Administra- ‘do Ultramarina e & Coroa — merecem, nao importa a cor da pele, © titulo de comandante e todos os privilégios, regalias ¢ imuni- dades; devem atengdo apenas ao capitéo-mor, 0 mais conspicuo entre eles, Pois conforme entoa 0 poeta: “Os postos, Doroteu, aqui se vendem/ e, como as outras drogas que se compram,/ devem daqueles ser que mais nos pagam’”. (C. VI, 35-37). Com duas ou trés geragdes passarao a integrar os “grandes da terra", os “rica- 0s", 08 “‘ricos rendeiros”, que constituem “homens bons” € “nobreza™™ — nata social a quem esto reservados os cargos da vereanca e outros postos hanorificos. Dai o dito corrente: ‘de pin- gante passou a potentado"* (C. 1V, 257). Sem essa relativa mobilidade, nas vilas — cabegas de Comarea ou na sede do Governo —, entre a gente livre sem fortuna, povo acomodado, contam-se os oficiais mecnicos, “sapateiros’”, “alfaia- tes", “mercadores”, “‘mogos de taberna’”, “‘pretos ja livres” “amas de expostos”, “boticarios"”, 0 mulato ‘que a vida ganha por tocar rabeca", até as “pobres mozas””, “sujas mogas"” que vvencem 0 sustento a eusta do proprio corpo. Remanescentes do espirito corporativo, trasladado do Reino, associam:se ¢ protezem- se nas Ordens Terceiras de Pardos, Negros Crioulos ¢ Negros Afi ‘canos. Sdo os “pequenos”, a que se refere a Epistola em louvor de Critilo, que o destinatario das Cartas, Doroteu, endereca a0 amigo. © “triste povo”, que tem de se conformar com a corrupgao sem freio, as continuas exagdes, © mandonismo exacerbado das pode- 10505. ‘Objeto de propriedade, a escravaria, que constitui a maior parcela da populacao, ocupa a base dessa sociedade. Mantida pelos senhores nas ‘vis senzalas” rurais ou nas sumérias dependéncias dos sobrados urbanos, so freqiientemente alugados para servigos de terceiros, sublocados a obras do governo da Capitania. Daqueles que funcionam nos trabalhos monumentais da falbrica da Camara- €-Cadeia (que Mingsio levanta, impassivel, “sobre 08 ossos dos ino- centes"), sabemos até quanto ai percebiam: ‘*Aqueles que carre- ‘gam cal e pedra/ sO ganham, por semana, meia oitava;/ aqueles ‘que trabalham de canteiro/ ao menos ganham, cada dia, um quar~ to’. (O que nao impede, nesse geral regime de Favor, quatro negros de “certa mocinha”, sendo apenas “'serventes’ e ainda faltando *O POBRE, PORQUEE POBRE, PAGUE TUDO” 2s ‘muitos dias ao trabalho, recebam para sua senhora, sem desconto, ‘© mesmo quarto de jornal.) Os cativos mais ousados conseguem eseapar. Organizam-se uns em quilombos isolados — como o de “Pai Ambrosio”, jocosamemte referida na Carta 1X; ocasional- mente exercem rapina sobre areas circunvizinhas que se demons- {rem sem defesa. Outros, de temperamento pacifico, refugindo da fome € maus-iratos infligidos pelos “'senhores desumanos”, disse- minam-se mato dentro, por serra e serio, sempre ameagados pelas batidas das tropas reais, que os avassalam de novo. Mais inermes que eles, contudo, 20 os “*vadios", brancos ¢ mulatos sem ocupagao certa, andejos e vagamundos, que preo- cupam governantes e prepostos. Estes sflo os verdadeiros desva- lidos, a0 lado de quilombolas e escravos amontados, pois 0 rela- cionamento deles com os demcis segmentos sociais permanece sem- pre problematico. Geralmente debaixo da suspeita, revéis em potencial, so por certo “delingientes”, pois nada “largam"™” as autoridades pior ou melhor constituidas. Colaboradores certos de uarimpos e faisqueiras furtives, podem ser sumariamente depor- lados para regides desertas, sem recurso de apelagdo, mesmo por autoridades subalternas, Ou por estas integrados a forca na tropa auxiliar, quando nao se tornam, pela simples decisao policial, gales ‘em obras piblicas, igual a maifeitores que tivessem sido condena- dos & morte civil. Vistos como “revoltosos”” em potencial e contra- bandistas implicitos, sao as vitimas preferenciais da opresso mi- hicira, durante 0 fongo ocaso do dominio metropolitano nas Minas Gerais. Motivadas pela irreprimivel indignagao que, no seu autor, brovocou 0 descompasso ideologico entre poderosos resquicios de um =aeee ainda feudal e a nova mentalidade da magistra- jue a moderniza¢ao pombalina havia permitido surgit em Portugal, as Cartas Chilenas continuam a ser um Somers rario € histérico tinico. Um documento que fornece 0 flagrante ‘mais vivo do cotidiano mineiro setecentista durante uma crise que a io da escrita e a alta qualidade do texto nao fazem sendo tor nar mais aguda e palpavel para 0 futuro. No espelho do palco Vilma Aréas A Fausto. Cupertine 1 sine ved pet onto de ua eta come (eos ere or una asinetia ben, qe crete rl a Ge pawomagrs sem corespandeca de pars 0s 388 2 tyes numanas em ¥0z€ 7420, enenides de caratric on a chicoteados, empurrados visa teabahar todo 0 tempo. ras sai enqanto um palo ama, arama dienes € 08 demais personagens giram segundo 0 viv se ae a nsession ao st popoament mens do mea ra eo uma o Miners Brailense de 1S abi de 84 ce prac tral, mas raalar neo serra" et personages fram nace los, marcha ‘o colorido das farsas, sugerindo, s¢ quisermos, ‘elementos pi Outre historia, submersa no texto No entano, o fundamen il ysfera ou de detalhe des= ipeiaen vos nos arrastam na diré dialética, de contraponto, comentando-as ou Fr GuisAssim, trabalhando sem interrupedo, aa . momento do logro. guigosos pelos hor “yma inteligéncia prios ladrdes que os enganam, no exato NO ESPELHO DO PALCO n Em Os Dous oO Inglés Maquinista, Cleméncia, ironicamente batizada as avessas, interrompe a conversinha social para ir 1a dentro chicotear as “‘negras””, a propésito de loucas efetivamente quebradas pelo cao. A volta, afogueada, tomando respiragio arranjando 0 lengo ao redo- do pescago, comenta: “eu no gosto de dar pancada". E leva os visitantes a admirarem o *‘seu afticano”, reventemente adquirido através de transagOes ilicitas, que envolviam deputados, desembargadores e ministros. Contrariando a reputagdo do teatro de Martins Pena como essencialmente ingénuo, quando nao simplesmente pitoresco, epi- sOdios assim sarcasticos melindraram cronistas da Corte e da pro- vincia, merecendo Os Dous discursos inflamados na Camara dos Deputados, em 1845.' Dias da Mota censurou a cena na qual “aparece um contrabandista de africanos trazendo um debaixo de lum cesto”, enquanto France Leite nao estranha a representagio de “tais e quejandas pecas"’; aconselha, todavia, 0 povo a nao aplaudir 08 contrabandistas “que em tao dificil posicdo nos hao posto... Revolvia, portanto, Martins Pena a delicada questao do tré- fico negreiro unida as intromissdes inglesas, vital na épaca (os dois "vildes”” da pega sto um coatrabandisia endinheirado ¢ um ingles expotiador), Deste modo, a imagem do pais ‘livre eilustrado”” era irreme- diavelmente abalada pelo jogo cOmico, que abria aos eseravos um |uigar inesperado, inexistente no teatro da época, fosse europeu ou brasileiro. Além disso, nosso autor nao faz nenhum esforeo, quer ara continuar uma tradieao, fazendo do escravo mero “gracioso”, ‘exemplo aqui seguido por Alencar, quer para inaugurar com ele um Hoyo personagem-tipo, inserido em uma nova convencao. A nivel de afirmacao pol’mica, podemos observar que tais Personagens apontam na direedo de um certo teatro moderno ¢ emporaneo, construido a partir da montagem de episédios istantes, de inspiragdo brechtiana: na peca, ingredientes intei- famente distintos interrompem o fluxo ¢ tornam “‘estranha’” a ligllo. Pois do ponto de vista da tradig&o cmica ou farsesca, real gaia até entiio, muitos desses episédios nao se encaixam, desafinam esngracavelmente e desequilibram o tom da farsa tradicional. Assim funcionam a cena 16 de O Cigano, sem diivida excessi- mente patética (quando o escravo ¢ enganado pelo malsim) ou a teen 5 de O Namorador, calcada sobre a farsa portuguesa, mas dela ‘Anis do Partanento, $.9.1845, 9. 868, 8 VILMA AREAS inesperadamente se afastando, ao exibir a amargura ¢ 0 rancor dos pobes quando oman sonsclnsa de ua exporato els os (No exemplo citado, traa-se de um imigrante portugués, preso a0 fazendeiro pela serviddo por divida ¢ feitor de seus escravos, vvez, tiraniza.) quem entanto, no slo os escravos os pincpais pesonagens de ‘Martins Pena, por fundamentas que sejam parao foco das imagens, 1g espelho do paleo. Embora todos os segmentos socials seam d rmados A ribalta, & no homem pobre ¢ livre, no que chamariamos hoje de pequena burguesia, que a atencto das pecas se concentra. Esmagada entre as classes dirigentes ¢ os eseravos, essa gente acaba votada a um irremediivel parasitismo, pee atravi jientes ilegais, fraudes ou pequenos furtos. x earessenos levadositesistvelmente & Pensa em Manuel Anti de Almeida, que também explora, mas “em suspenstio”, tal faixa social. Contudo, em Martins Pena, a transgressto do pequeno faz mais que reproduzir, em escala ordinaria, o modelo de corrup- 80 dos grandes, esta realizada sob a protesdo da tele “As leis criminais fizeram-se para os pobres””, ensina sig no solilaquio que abre O Noviro. Se eu o denunciasse, ia @ senhor para a cadeiae dela fugiria, como acontece a muitos da su3 lui’, firma Faustino ao falsirio, resolvendo fazer justica pelas proprias maos (O Judas em Sébado de Aleluia). E em Os Melt ios, Jose Patusco, um dos oficiais de justiga, resume a feicao bbasica nacioni oteira render mais do “-Regra geral; toda a vez que uma maroteira ren que 0 cumprimento de um dever, havera no mundo maior rniimero de velhacos do que de homens de bem’. pe i iadas sociais: Essa regra geral 6 0 & porque atinge todas as cam «os cos, porque nao podem abrir mao dos lures, 0s pobres, porque tém de comer e 0 que ganham ¢ insuficiente, se honestamente desempenharem seu oficio. y "A sniface das comédias recai sobre esses iltimos, ocupando os adios profissionais, “‘peraltas”” ou “brejciros””, para usarmos @ saborosa linguagem da época, lugar secundirio, ‘yezes no intemporal do “tipo” - Xt sio, de O Novico, acabado vilao de melodrama, ou Fréis Figuel de Os Meirinhos, ou ainda Gaudéncio, de O Diletante, iluidos muitas, featral. Basta-nos pensar em Ambro- esses, 0 homem pobre merece minuciosas cr6- NO ESPELHO DO PALCO 2 as de Martins Pena, Na aparente anomia social, ou numa orga- hiza¢ao que privilegia a transeressdo, recebe ele o peso da lei, ou 0 rigor da autoridade, ou ainca a exclusdo de uma inflexivel ordem social. Teoricamente livre, desfila pela cena, numa extensa serie: silo 0s ciganos e seus pequenss furtos, alvo de preconceitos de seus préprios edmplices, so 0s donos de vendinhas, invejando os pro- prietarios dos armazéns sortides, sfo os irmaos das almas, na ‘‘profissio"” lobrigando oportunidades de Furto, meirinhos embri tgados, cocheiros de Gnibus, soldados, amas-de-lete alvo das inves- {idas sexuais dos patrdes, cambistas de teatro, floristas e costureiras aineiros, ec., etc, etc. Pobres diabos mergulha- econdmica do Império. Em O Juiz de Paz da Roca, composicao ainda hesitante, Martins Pena tenta articular uma estrutura de comédia clissica, com 0 contexto brasileiro (a ro¢a), através da figura arquetipica do juiz, ligado ao mesmo tempo a realidade nacional ¢ as masearas da tradieao cOmica. Da perspectiva que nos nteressa, a pecinha pode ser resumida nas relagdes do homem potre e livre com as demais instancias sociais e politicas do Brasil do século XIX, e 0 que ela nos mostra & ‘\ inteira impossibilidade de esse homem vencer a brutalidade de sua alienagao, na medida em que esté mergulhado no arbitrio da auto- ridade ¢ da dominagto pesscal. Nessa comunidade de lavradores pobres (nessa época desenvolve-se a roga de subsisténcia) vemo-laa ‘omer com as maos (as criangas na mesma cuia com 0s ces) e a trabalhar dentro da maior pobreza nas técnicas de exploragao da hatureza. A pentiria geral do pais, agravada pelas comocdes euro- péias © aqui sentidas através dos efeitos da dependéncia, levava mnistura da coisa publica com negécios privados, além da impossi- bilidade evidente, por parte do Estado, de limitar a ago da poli ¢ da justica a individuos tecnicamente aptos. Resumindo, perce- bemos articulados num mesmo conjunto a debilidade material dos poderes piiblicos, 0 uso de aparelhos governamentais como pro- priedade privada, mais as técaicas pessoais de dominagao. Dentro desse quuadro, nada mais natural do que a alienacdo dios personagens ¢ a asfixia de sua consciéncia politica, geradoras, ddo ponto de vista teatral, dos achados cBmicos da pega. Na cidade, o personagem que talvez maior importancia pos- sua, a partir de tal perspectiva, & 0 caixeiro, naturalmente em Face dda emergéncia de sua figura ne ambiente urbano do Rio de Janciro dla epoca, 0 VILMA AREAS Com a Independéncia, o Brasil dispensou a mediagao portu- uesa e integrourse nas correntes internacionais do comércio, enta0 fem pleno desenvolvimento. Que tais atividades eram ainda extre- mamente limitadas na Corte brasileira, mostra-o a figura de nosso caixeiro, perambulando pela rua da Quitanda, sem chapéu e sem fravata (cuja auséncia revelava condigao servil), os pés descaleos metidos em tamancos. I ‘A personagem surge em muitissimas peas, em varios estagios * da proc mas oes lente espordos. Jorge, eva, magens do remediado em O Irmao das Almas, recorda as noites passadas em cima do balcdo, com um presunto por travesseiro, usando roupas (20 suas, aque antes se quebravam que se rasgavam. E Manuel, em O Caixeiro da Taverna, denuncia que os caixeiros pagavam direitos alfande- ci , dion “como uma saca de café, um burro, wm cavalo”. aaa ee eee ae Ser a partir da perspectiva desses segmentos que as insttui- ee ‘cbes sto discutidas, fato responsdvel, sem diivida, pelo “*melancd- ive 0 retacisaatoeWale cet Beane or infeliz e cita- Silviano Santiago Tico retrato” do pais, tragado por Martins Pena, acrescentando-se a hoo da guess diy i isso a evidencia de que, de 1837 a 1849, justamente no periodo de hanes CoN RS et ee sua produgdo teatral, a politica brasileira percorreu a mais caracte- por uma aproxit Pe Suis a costuma encobrir a disténcia rizada trajetoria reacionaria de sua historia, até entdo. aro. 0. crastaivenbat ea eta agaesctieene toe cles aoe ‘Martins Pena, segundo o proprio juizo (“tudo ¢ parcialidade’”, jeliepredse=! bias slip beohiirenr barcrep de firma nos Folhetins) anota as conseqiiéncias desse estado de coisas. | iene cee nip liey) ae es Cota eae izaao” € a iltima e a mais requin- 'No entanto, quando tenta diagnosticar, nas pegas, as razies 4 Le {ada das formas do brejeiro. A graca e 0 riso no discurso roméintico dle nosso atraso e miséria, atribui o mal ignordncia dos homens ¢ Be Cis plin (0 Ultimo grande autor romant corrupgio do Estado. Seri o jogo de relagdes que a cena estabelece Laie hell iar ley) ces tre (a semelhanga da presenca do escravo, deslocadora de sentido), que vela-se Luzes da Cldade. HA por isso, infeliz ¢ pobre felin — desocard a repost busca par oul lugar: a rasto do sri, Ines let ecep sapere tae transforma o Brasil na “tapera de Santa Cruz”, segundo suas Pee ee ea ate ee ee ae proprias palavras, repousa em nossa estrutura social ¢ econémica, do dinheiro que nao traz_a fdicidade iateiacee Gependente do exterior ¢ com a escravidao em seu centro, permean- en ee re a oat ee i . Encontram-se numa iz" ddo, a partir dai, toda a sociedade, com as conseqiiéncias que se sabe. encic Cauicaaginine Sy aaErace ee fol [Na vertigem da farsa, as abstragdes perdem a altura, a empé- O “feliz”, € ; : eliz”, & claro, en 5 sua ver in fia dissolve-se ao choque do cotidiano, ¢ empalidecem, @ luz da Posto michtcine ee Wes WnleasgiaG eas ee ribalta, os equivocos do pensamento ilustrado ou as tolices do ula Pocnenci-tepfse ea fescihal el derasccense ee oI sa da fel ica saem todos, pobres ¢ io. Mens sles, ge shogtos um sia srs ns ios. Memérias trapaccia maravilhosamente i m ‘com a oposigaio entre pobre ¢ rico (fidalgos ¢ escravos), colocando-a como discretissimo pao de fando para a ado do romance, Como em todo tet pit sco, esse pano de fundo representa as figuras pelo vontraste de luz ¢ sombra: tristeza e alegria (no nosso caso devidamente reco- ao 2 SILVIANO SANTIAGO bertas pela ironia). A casa de um “fidalgo de valimento”’ tinha “um aspecto triste no exterior; quanto ao interior, andava pelo mesmo conseguinte’”. Na procissao, 0 rancho das baianas, pela ‘araga das roupas, era promessa de “perdicdo e de pecados””. Pena ‘que nfo fossem brancas. Trapaca feita, resta 0 segmento social que tem a pobreza e a riqueza extremas como pardmetro para 0 seu ‘comportamento: da pobreza, quer a felicidade (0 dcio e a festa); da riqueza, o dinheiro. Eis os “homens livres’ e a “dialética da malan- dragem’’, como a configurou Ant6nio Candido, ‘Memérias de wm Sargento de Milicias nio tematiza nem a riqueza nem a pobreza absolutas. S6 os percalgos dos remediados. Eis alguns deles. Otdrio. Os remediados vivem de expediente para poder sobre- viver economicamente — como € o caso do Caboclo velho que tem “por oficio dar fortuna’. Atestando sobre o seu passedo que 0 romance silencia, fala sua condicao atual que ¢ duplamente miserd- vel: tal cara, tal casa. A cara é hedionda ¢ imunda, e 0 corpo, coberto de farrapos. Ao lado de um charco, a casa aparcee enla- meada,’com paus, esteiras e caixotes servindo de méveis. B esta casa miserdvel de um miseravel que serve de ponto de encontro para os niecessitados da sorte, tanto “gente do povo"” quanto “smuitas pessoas da alta sociedade’’. Estas e aquelas vao ali ““com- prar’? (0 termo é textual) 0 que o dinheiro nao traz: venturas e feli- cidades. is a mercadoria que esse negro presumivelmente alforriado cencontrou para vender, pois as provas de nigromancia comevavam por uma ‘contribuigdo pecuniéria’”. Como em toda transa de expediente, a mercadoria de que se vale o vendedor é ilicita, sua comercializagao estando cercada portanto de risco € perigo. Dai o aparecimento consecutivo do Vidigal, chefe de policia implacavel curioso — sera to curioso assim num romance omisso na representagdo do todo social? — & que nada se sabe do destino judi cidrio do Caboclo velho, assim como nada se soube do seu passado social. Leonardo Pataca foi parar na cadeia. Eis 0 toque de verossi- milhanga ideologica: vitima é s6 0 comprador, ele € que transeride a lei. Otario € quem compra; esperto € quem vende. Herdeiro de araque. © compadre, barbeiro de profissao, foi menino-solto no mundo. Por isto, entenda-se personagem a quem se nega a possibilidade de uma referéncia precisa a arvore genealogica (diferente do negro, onde ha apenas silencio; diferente da familia de Tomas da Sé, onde ha apenas enfado do narrador). IMAGENSDO REMEDIADO x Diz o romance: “Se alguém perguntar a0 compadre por seus pai Por seus parentes, por seu nascimento, nada saberia responder, Porque nada sabia a respeito", Sem familia que o encaminhe na vide, aprega-se a uma, onde & a mesmo tempo famulo filo, Jovem, vive de “'ganchos” para se sustentar. Rebelde eforagido de casa, € mésico de araque num navionewreio. A aprende liga de vida: otdrio & quem toma per legitimo 0 falso. “Filho-solto no mundo encontra no navio, onde serve de *mé- ico”, 0 pai-solto no mundo que Ihe corresponde nesta ética da aventura individual e do expediente, A beira da morte, 0 velho ‘maryjo entreya-Ihe a fortuna para ser encaminhada &sua filha le ‘ima. O futuro compadre pensa estratagema melhor ao desembarcar no porto do Rio de Janeiro: “insttu-se herdero do eapit’o”. Leak timo por legitimo, também 0 é o de araque. Depende da tice, Eis a origem da fortuna que Leonardo filho, o afilhado, reccbe to dia do seu easamento com Luisinha. A outra vem pelas mos da ¢sposa: a heranca de Dona Maria. Duplamente afortunado. Futuro risonho pela frente send /27ma do mercantiimo. A maiova da gente ve oosa « feliz, €0 € porque é desempregada, Por isso busca formas estraté- sicas de se obter dinheiro com a mercadoria que podem inventar ¢ Sender. (Salirio s6tém 0s osciosos que estao a servico do rel, como 0. oficial que dormitam no “patio dos bichos”) Os ciganos sto tenteaxosa de poucosesrUpulos ¢ por isso mes fetes. ‘odo dia € dia de festa. © écic ao se contaminar pelo negocio perde 0 camino liner da etd moral. Ocio — negicio = vehacaria 0 forte dos ciganos: “ninguéin que tivesse julzo se metia com eles «em neg6cios, porque tinha cereza de levar carolo”.O fim é prevsi vel, haja otros. Qualquer coisa pode ser mercadoria no mundo dos ociosos. CChico-Juea vende aforea dos bragos ea coragem para a briga. Temi do e respeitado, “nfo havia taverneiro que the ndo fiasse ¢ nao tratasse muito bem’. Ninguém fica sem vender © que tem por causa dda ma tama: capitaliza-se sem qualquer mengdo aos valores éticos, Os ciganos continuam negociantes apesar da (mé) fama e para anter a (ma) fama Chico-Jusa & capaz de brigar grits. Pode-se vender também a sua condigdo de macho. Leonardo, sem profissao e destinado a ser vadio-tipo, aproxima-se da sobrinha de Dona Maia assim como 6 tagarea © mentiroso José Manuel. ona Maria era, como dissemos, rica ¢ velha; ni tinha outro herder sendo sta sobraha: se morrsse Dona Matin, Laisata fee eee eee achasse (...) em disponibilidade”’. O romance nao seca ‘a dramatizacao das intengdes masculinas, aclara-as: Yo nen i" ‘enxergava na sobrinha de Dona Maria um meio de ie crete para o seu rapaz”’. Ha meios € mcios de vida, a mercantil pee penis pelo golpe do bai é 0 mais a mio: para os sites sem for As pobres mulheres pobres no teatro de Alencar lévio Agi © teatro foi um projeto de juventude (literdria) para José de Alencar. Duplamente desiludido, pela censura imposta a As Asas de wm Anjo (em 1838) ¢ pelarecusa de Joao Cactano de representar O Jesuita (em 1861), provavelmente ja encantado pelo espetaculo de cAmara da politica imperial, Alencar aos poucos se afasta da ribalta, Quando dela se aproxima novamente, seré para novas amarguras — a questo dos direitos autorais da adaptagio de O Guarani para o teatro, 0 retumbante fracasso da encenagio de Jesuita (em 1875), @ polémica acre com Nabuco. Alencar fez.parte, na primeira linha, com Quintino Bocaitiva, Francisco Otaviano, o jovem critico Machado, entre outros, de luma geracao de intelectuais publicistas que se afirmou, primeiro, pelo jornal, Distantes do pazo (ao contrario de Magalhaes, Porto Alegre) estes homens trabalharam seu caminho até a literatura. Hi um qué de ética protestante na trajetéria literaria de Alencar: tra- balha, acumula, ¢ terds tua recompensa — tanto no ouro literério que sao a gléria € 0 prestigio quanto na limpida sensagao do dever ‘cumprido, Quando, pois, Alencar aderiu ao teatro realista francés, capi- taneado por Dumas Fils foi certamente menos por moda do que or profunda conviceao intima. A afirmacao da ideologia burguesa na sociedade e na familia, 0 elogio do casamento e da honra, a lou- vagiio do trabalho que viajavam com o teatro realista serviram como Iuva ao jovem empreendedor literdrio disposto a uma litera- ‘ura patriota, O teatro de tese, moralista, discursivo, se engrenou muito bem com 0s projetos daquela sua gérarao de publicistas, preocupada em forjar uma élite literiria, retora da sociedade, independente, uma espécie de self'made generation. Esta geragao, a quem, no teatro, Alencar deu sem diivida a melhor voz. (quanto Machaco na critica) desenvolveu uma visto 6 FLAVIO AGUIAR empenhadamente saneadora em relagdo a dramaturgia. Para cla 0 trabalho assume ares de redenedo da inércia, do atraso, do cio. A riqueza, por ele obtida, deve temperar a abastanga com uma espé- ie de caridade laica, da qual a emotividade da mulher € a pedra fundamental. A pobreza, se é fatalidade adversa, € também cami- ho de provaedo; exige abnegacdo estdica, mas € passaporte sceuro para as riquezas da alma, pois a sua vivencia ou contemplagao asse- ‘aura a compreensio do valor social da acumulacao. 'As personagens deste mundo esto a cada passo diante de luma encruzilhada, entre 0 bem ¢ 0 mal, o trabalho ¢ 0 écio (ou a vadiagem), a acumulagdo decente e o luxo facil. Tudo uma ques- 180 de ética para esta visio que nivela todos os tipos de trabalho, pois os vé sempre do Angulo daquele que organiza trabalho bragal. ‘O her6i desta auténtica panacéia liberal ¢ o engenheiro — o homem em disponibilidade para gerir a relacdo frutifera entre trabalho ¢ capital. Como no Rio das décadas de 50 ¢ 60 a realidade era o brago escravo, essa harmonia dirigida entre capital ¢ trabalho virava uma ‘utopia burguesa, portanto Fazia-se mais harménica, meliflua, doce, ‘aacenar promessas de arrancar a todos da pobreza crOnica, provin- ciana, servil — vista a partir dai como parte do legado maldito da ex-condigao colonial. Nas origens esse elogio do trabalho era a face externa de um drama de bastidor, que podia-se expressar mais ou menos assim: ‘uma vez decapitada a aristocracia de seu rei ¢ a sociedade do dircito- divino, como justificar a riqueza enquanto apropriagao privada? Pelo trabalho... naturalmente. Mas este auténtico lance de dados no tabuleiro ideoldgico criava um novo mosaico de problemas. Ele incorporava, sem maiores dificuldades, © homem, « quem cabia 0 trabalho segundo tal ‘*naturalidade” — mas deixava de fora a mulher, deserdada que fora (em tal imagindrio) da bem-aventu- tanga de seu dote. O que pode o homem fazer diante da pobreza? Trabalhar. Ea mulher? Afora as costurinhas de ocasiao, podera prostituir-se ou... viver um grande amor. Sendo ambos. Enxertando tal drama com 0 condimento nacional da escravi {dao (0 que fara Nabuco bufar de c6lera), a dramaturgia de Alencar ferece uma variedade de vivencias e respostas a essa “questa feminina’’. Ha pobrezas que fazem parte do cenario — que la esto ‘como condigio de verossimilhanca no daguerredtipo de uma socie- dade por ela vincada e para ajudar os herdis e heroinas, bem como seus coadjuvantes (jamais os vilbes) no exercicio da caridade. Ha ‘muitas mulheres desassistidas a quem os protagonistas do esmolas AS POBRES MULHERES POBRES NO TEATRO DE ALENCAR 37 ou distribuem pequenos servigos. O caso extremo, ness li Helen, askovscra que wins pecitode Cupid nas Aces dle um Anjo) e depois, em Expiacdo ,€0 braco armado da caridade desta, levando suas comiss0es a familias pobres e mogas em apuro, Mas ndo ¢ essa pobreza-cenirio que interessa esmiugar. Mais rica” €a pobreza-problema, aquela que entra na vida dos (das) protagonistas, a exigir uma solugdo (no um paliativo), aquela que peas heroinas diante dos dilemas “da época’’: amor ou deprava- silo, adoragdo ou desprezo, esposa ou cortesd, segurana ou prazer Henriqueta, heroina de O Deménio Famiiar, vive em ambiente decentemente aburguesado ¢ bem-posto. Nao é pobre, propria- mente; mas correo risco de ser negociada pelas vidas do pai. O pretendente que assim deseja seus dotes, perdoando-lhe o dote, é 0 janota afrancesado Azevedo. Para ele, ela vale sobretudo como joia mundana, a ser exibida nos saldes talvez para seus futuros of ne a se vé, Como diz 0 moleque Pedro, escravo-deménic fnticheréi da pega, mogo Azevedo é ‘muito desfrutdvel"™ I, portato, dos “recursos da mocidade”. Ser necasdro quee Neri Eduardo, médico, érfto de pai, sacuda a pocira senil do Yelho pai da moca, mais a pocira pouco viril do outro para que ido se encaixe no devido lugar e a heroina encontre seu vero des. Wino. De quebra, Eduardo faz de seu escravo Pedro um liberto, pondo as culpas de tudo na escravidao. b 54 Olimpia, de O Crédita, vive em familia onde os recursos lo parcos, mas gosta (ela) do luxo. Da-se assim ao luxo de ter um (nlvoamante um agiote que empresa dinheito 20 marido e que a ibe como prova de seu capital. Ambos sequer se tocam, senao Por este comercio de ostenta¢ao. O herdi da peca — Rodrigo (enge- Wheiro) — a corrigira, depois de ela ter-Ihe dirigido ensaios de um Yerdadeiro amor. Ele, fingindo amar a filha de Olimpia, da-lhe 0 ‘feessiirio choque moral para que ela caia em si. No final da pega Dt Olimpia anda de dnibus, veste simples, mora em bairro afastado f costura para sie para fora (com a filha), ajudando © marido a Jar as dividas que ela ajudou a contrair. O pseudo-amante foi 3s favas ¢ € methor a emenda qu: o soneto Os dois casos — de Herriqueta e Olimpia — most Alencar deseja cobrr a pobreza, t8o comum em solo braiero, hm 0 manto da respeitabilidade. O préprio herdi de O Crédito, Wicilando entre usurarios no saléo de seu futuro sogro, entrega-se ‘posto de declarar-se “tpobre’’. Quanto as mulheres, convém ao ‘Henos um grdo de pobreza, mesmo que por metonimia; Julieta, a — 8 FLAVIO AGUIAR heroina da pega, exerce a caridade. Nao convém a cla a miséria, hem apenas a riqueza. Os excessos so sempre danosos. Trans~ pondo-nos ao mundo romanesco de Alencar, € bom nao esquecer Que foram a peniiria e a febre amarela que fizeram, de Maria da Gloria, Liicia e depois Luciola. A pobre Aurélia em Senhora é des- prezada pelo homem a quem mais tarde, afortunada, compra. Tals Excessos, se alimentam a imaginacdo romanesca, sao inconvenientes como solugao. Espelham, no plano emocional, o drama da desi- fgualdade social que Alencar desejava aplainar pela implantacao gradual do trabalho “livre” Carolina, de As Asas de um Anjo ¢ Expiacao, nos leva a um outro ngulo da relagdo entre mulher ¢ pobreza. Carolina se perde tse prostitul em parte como consequéncia da rudeza e da ignordn- cia de seu ambiente pobre (pouco antes de sua seduco seu pai the fala brusca e grosseiramente em casamento com o primo). Tal ambiente, associado aos delirios imaginativos dos romances, a fazem presa facil dos sonhos de riqueza, jéias e prazeres. Perdida, Carolina persegue obstinadamente o dinheiro — que Ihe aparece como garantia contra a velhice, o tempo, o fantasma da feitira e 0 destino de miséria. ‘Tal destino ronda como pesadelo Elisa, a moga casadoira de Mae. pai esta quebrado, ¢ nada tem a oferecer-Ihe sendo o suici- dio, o abandono e conseqentemente a esperada desonra. Chega sugerirthe, no final do primeiro ato, que se mate com ele (“0 que ‘ar deste vidro [de veneno] é a tinica heranca de teu pai, Elisa). Calma: néo ha razdo ainda para desatar-se 0 pranto. Joana, a mulata-escrava-heroina da pega, se oferece como penhor da divida, propiciando assim que seu filho Jorge se case com a sinhazinha branca a quem ama. Depois, para apagar qualquer vestigio de que le, seu filho, tem por mae uma escrava, Joana se mata, tomando 0 veneno que 6 pai de Flisa se destinava e que por uma destas linhas tortas de Deus viera ter a suas maos. O ambiente geral (a peca se Jorge ‘numa desenrola ora na casa de Gomes, ora na de Jorge) é “‘pobre” mesmo no tem outro recurso sendo dar a mae como penhor, Venda com cléusula retroativa em caso de devolucdo da soma € juros devidos. Mae € caso extremo em que pobreza ¢ desonra se centrelacam de modo complicado e de dificil destinde. De qualquer modo, com as outras pecas, evidencia que & mulher cabe o papel decisivo na ética burguesa de gerir a economia do lar, custe 0 que custar, mesmo se for © seu corpo ¢ a sua vida. ‘Com O Jesuita encontramos a mais pobre das pobres mulheres pessoa; para a dedicagao extremosa de Jo: radical de Olimpi ey 4 Carolina, que se prostitui e vive um ‘ ue ui e vive um grande amor, sem sucumbir, como suas congéneres Marguerite e Luciola i AS POBRES MULHERES POBRES NO TEATRO DE ALENCAR 39 ie Atsscar:« pain, Paradonal pobre, tia kde Hants natureza wn focus de edna ¢ pastoral opaltnie, © aie a anobree€ ua condi sana, a expe engi ba fe urns nacto, oc desamparo da bastardia, Toor dos quire pro ponistas da pega — Samuel, o jesuita conspirador; Esté Ree Mh espirtual; Constanea,o srande amor do jovem — alo narra lama “enjads da oe Ama ha natal do Cone ie Boas, que exc ode de explo dos os Sine consiaror uma pattern omada ret en agens e a patria dessa “condigao de bastardia’”. Para isso. pres so queas flags psoas seinstucionalizem: anova pla Sr is iba do casamento entre Estevla e Coastanea do queda cone crn ei predomi Cone ot smn Aono oi protana aaa Soa pes de ciclo de gues, cap de ang iret da fog A pra deve ascends dss conto ere uma condo onde se exerea em plenitude o dito natural © contrat live das vontadessoberanes, eonforme 4 idsologia Hera Ee pano de fundo patrio é fundamental para se compreender a trajeria das pobres mulher pobres de Alencar, No forge de istanaivar ama, deta aos fda ele ie condiment ¢iipttacladh tl pa 5 seninente lvalgar ent ae nei com que Henrique enftenta a prtensa nereancia de ee ara a recuperagao E principalmente para a graca que ¢ dada viver A medida em que se desilude do teatro Alencar se desilude também da Corte como um todo. Sua busca do solo patrio se afas- {acd por campos mais imaginos0s e distantes — o pampa, o sertio os “verdes mares bravios da minha terra natal, numa’ 5 ‘mesmo tempo ideolégica © utépica que, sempreviva, continua conosco, como se leado, ds vezs maf, as vezes Benigno, 01 negado, mas sempre apaixonante, como queria seu criador. uma busca a0, O nosso poeta dos escravos Alcides Villaga toma os trilhos da Aboligio e da Repablica. Mas imagem € re the desertou ha milénios.' O escravo, humilhado “na senza ub ‘ groan Yous WAL , 2 ESS EEaY mr dos ponmas Tai or “Proms © NOSSO POETA DOS ESCRAVOS 41 ha segunda, predominam quadros dramaticos cujos protagonistas sto 0 cativo entoando junto ao fogo, a mae escrava eo filho amea- ssado, a mae enlouquecida, o escravo morto, tal como se vé em “A cangao do africano”, “Mater dolorosa””, ““Tragédia no lar”, “A. cruz da estrada", ““A 6rf@ na sepultura”, ““Antitese”, “A mae do cativo””." O esquema nao faz justica, é claro, a0 que ha de visualli- dade ¢ descritivismo nos poerras do primeiro grupo, nem ao que ha de forgosamente “‘conceitual” nos do segundo; aponto tendéncias para seguir argumentando. I~ Poemas como “0 navi neereiro” e“Adeus, meu canto”” slo nitidamente pegas para efeito de entusiasmo piblico, ainda quando esse pblico escapa de ser uma jovem roda académica ¢ amplia-se nos senhores ¢ senhoras (de escravos) que frequentam os leatros e as sociedades. Declamados do alto do balcao, do cama- fote, da sacada, passam a indignaglo reformista pelo acento da fetorica e adquirem, nao ha divida, prestigio como espethos de cultura: “Pinheiro Guimaraes, em livro sobre seu pai, descreve um sarau em casa de familie abastada pelo fim do século. Num ambiente luxuoso, entre pegas magnificas de jacarandé lavra- do e reposteiros de seda, homens e mulheres em trajes cuida- dos ouvem uma jovem recitar poemas com acompanha- mento de piano. E um desses poemas obrigatérios na época era ‘O navio negreiro’ “Que das tuzernas avermelha o brilho Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de agoit Legides de homens negros como a noite Horrendos a dangat (...)""" Reforgo com um depoimento préprio, ilustrative porque Pada extraordinario: por voltade 1955 ouvia em casa versos aboli- Hlonistas de um jovem académizo de Direito, que declamava sobre- fwdo sua obra-prima, “A travessia do (umbeiro", cujo primeiro PPescuido um protagonist importante: 0 “Lucas”, de A cachoeira de Paulo Afonso. A rardo esta num dos verses do préprio poem: "O selvager surgi, Payers, Rasmond,O negro na hteranira brasiera Rio de Janciso, © Cruzeiro, 1958, 7.220 e LictDESVIEUAGA! © NOSSO POETA DOS ESCRAVOS a intento que, uma vez cumprido, seria de outra pessoa e daria em verso se espraiava: “Gemendo saudades da terra distante (...)"”. 0 caso & sério: ha um “sublime’’ na retdrica como ha “‘dignidade”” no idealismo liberal vestido de revolucionario. Ja a0 tempo de Castro Alves, a munigdo ficava para os conciliadores mais espertos e prag- maticos, como 0 positivista Pereira Barreto, que pontificava? outra poesia. TIL — Se em poemas como os anteriores a indignacao leva ao brado e inclui nele a afirmagio de reformas e ideais, em outros, onde se centraliza a figura mesma do escravo, a voz assume tonali- “De um lado esto 0s abolicionistas armados na metalisica dades de impoténcia patética ou fatalidade amargurada. E exemplo revolucionaria, estribando-se no sentimentalismo retérico, de do primeiro caso **Tragédia no lar” ¢ do segundo **A cruz da estra- ‘outro, os lavradores (aqui, proprietarios de terra) na defesa’ da. A aproximacao (literér'a) do cativo (tipificado em trés ou de seus interesses mais imediatos. Em auxilio dos abolicionis- quatro figuras basicas) deixa stuar o que é mais verdadeiro do lado tas, atuam as idéias do século que empolgam todas as camadas. do poeta: o sentimento de caritas, invocado, alias, por Castro sociais, em amparo dos lavradores militam irrefragaveis moti Alves, quando chama as “senhoras baianas”” a campanha de arre- vos de ordem econdmica ¢ condigdes sociais. (...) Cada eadagiio de fundos para uma sociedade abolicionista: campo tem a seu lado uma meia razao ¢ so na fusdo dos dois pontos de vista poder-se-a chegar a uma transagao satisfatoria, SA caridade pede a yds que sois @ caridade. v5 E que nosso coragaio acostumou-se a encarnar a virtude pri- £ nossa firme intengao conciliar a ordem com o progresso”” a os ee meira do Cristianismo na forma purissima de mulher — Cha- ‘Chamada aos poemas para um desempenho simbélico, a figura’ ritas"™* do escravo se apequena diante de elementos que s8o, mais organi Z A camente, simbolos: a luz, a Aguia, a voz, 0 vo, 0 mar... Em “O esse sentimento que o eva.a tentar compreender por dentro cae negreiro”. por exemplo, o quadro dos cativos supiciados no 4 angiistia da mae escrava na iminéncia da venda do filho: ‘tombaditho — em principio motivo central razao de ser do poema “Por que tremes, mulher? Que estranho crime, —é répido e apenas parte de um conjunto de imagens fortes, como ‘Que remorso cruel assim te oprime 2 do albatroz ‘*Leviata do espago”, a do mar “selvagem livre poe- Ete curva a cerviz? sia’, a dos marinheiros helenos, a da bandeira ‘‘manto impuro de O que nas dobras do vestido ocultas? Bacante fria’. Além do que, a causa especifica por que batalha o E um roubo talvez que ai sepultas? poema (Fechamento dos mares aos traficantes) era causa ganha ja £ seu filho... Infelizl...” ha dezoito anos (0 poema é de 1868). Por ai se nota que o poema de eh ons ambicao histérica pode se desgarrar de sua raiz, mas no deixa de Ci Trnatia estan) aludir a ela na tentativa (as vezes inconsciente) de dar a retorica ‘uma base outra de sustentagdo social. Ha momentos em que Castro Alves pressente tais contradigdes, em lampejos como 0 que esta em “A Virgem Santa pedi “Adeus, meu canto”: aqui, o reconhecimento de que o '*fadario" Com prantos por oragao"” do poeta '€ er irmao do escravo que trabalha”” faz com que aquele problematize (mas por muito pouco tempo) seu simbolo mais caro: mas é também o sentimento que atribui a escrava a devogdo da Virgem: ‘© que permitiu a Mario de Ancrade aproximar a siiplica da mae aos seus senhores da que faz Inés de Castro ao monarca.” ‘Condor, sem rumo, errante, que esvoaca, Deixo-te entregue ao vento da desgraca” * obra compa de Caro Alves, “Coreen nod. notade rai ae Rio de Janeiro, Nacional, 3? ed., 1944, p. 552, ce “curs Ale dips de eee res St Ply Marin vere A Sh Pel, Marin, 6, 5 Apud Emilia Vint da Coste, Da senzala d colonia, ‘las Humanas Lida. 2¥ ed, pp. 36263. 4 ALCIDES VILLAGA ONOSSO POETA DOS ESCRAVOS 4s ‘ligos ¢ discursos mais avangados da epoca, cuja diresao muitos poemas abolicionistas acompanham, com o impacto proprio do ‘objeto literario da declamagto enfatica. 0s pocmas libertirios de Castro Alves se Iéem hoje com fatal ‘yaciamento: no so propriamente documentais, pelo que thes fulta de atencao mais particularizadora, a nivel da percepeto: nem ‘onservam grande vitalidade artistica (apesar de tudo), porque sua tealizacdo interna atendeu a situagdes € expectativas por demais dleterminadas ideologicamente. Ele sera sempre o “nosso poeta dos ‘sscravos”, titulo em si mesma problematico, mas que confirma a dlimenszo simbélica por vezes dada aos artistas representativos de Naiores culturais. Em “A 6rfa na sepultura”” mae e filha escravas tém profundo fervor cristo. Na meméria da filha, a mae € evocada fazendo a seguinte oracao: “Senhior Deus, que apds a noite Mandas a luz do arrebol, ‘Que vestes a esfarrapada Com 0 manto rieo do sol Gi Que minha filha algum dia Eu veja livre e feliz... Santa Virgem Maria, ‘Se mae da pobre infeli Ja em ““A cruz da estrada"? 6 sentimento se acha mais livre € convincente. Diante da sepultura de um eseravo, a piedade ¢ a sublimagtto da morte (“Hi pouco a liberdade o desposou."') alean~ ‘cam um tom sereno e comovido, que assim é porque de fato expressa ‘uma possibilidade auténtica do pathos de Castro Alves. O tema da libertagdo da alma ganha um aspecto expressivo ao compor-se com ‘a imagem mais particularizadora do corpo que se liberta do cati- veiro, Também sentimentalmente poderoso resulta 0 tema da morte ‘emt vida, em ““A mae do cativo”, onde 0 pocta afasta qualquer pro- vidéncia sublimadora e antecipa cruamente 0 destino: “0 Mae do cativo! que fias & noite As roupas do fitho na choca de patha! Melhor tu farias se ao pobre pequeno ‘Tecesses o pano de branca mortalha.” Pela via sentimental ou dramatica, o romantismo hugoano de Castro Alves estiliza 0 paciente da mais profunda violéncia da &poca. Se nao ha nele (e como poderia haver?) idealizagao do negro cativo, como houvera do indio guerreiro, hé uma frequente trans- posigdo dos sofrimentos tipicos da condigaio escrava (reificagdo, tortura exemplar, desenraizamento) para situagdes mais genéricas (orfandade, sentiment materno violentado, loucura), de empatia segura no piblico disponivel. Sua poesia perde com isso © poder ‘maior que adviria de uma exploragdo mais pessoal do mundo, capaz de suspender as interpretagdes dadas pela ideologia e os cdnones imediatamente dferecidos pela convengao estética. Ainda assim, sineeramente arrebatada pelas ‘idéias do século”, cla traduz ¢ amplia sentimentos que dominam seu piblico. Fungao também dos A velha pobre e o retratista Roberto Schwarz. ‘Tudo nos romanees de Machado de Assis ¢ tingido pela volubi- lidade — abusada em graus variaveis — de seu narrador. Os criticos, de hibito a encaram pelo Angulo da técnica literaria ou do humo- rismo. Ela ganharia, entretanto, em ser vista como a estilizagao uma conduta de classe dominante brasil! i? Em vez de buscar a isengio, e a confianga que a imparciali- dade susci que vao da picuinha a semostracao mente, resulta um retrato social que € mais revelador que 0 dos: contemporaneos naturalistas, os quais entretanto ambicionavam objetividade. E uma vez que nosso assunto € a representacto di pobreza, note-se também que a mé-fé deliberada no trato dos pobres exaspera o sentimento da injustiga no leitor, mais intima- mente talver que as descrigdes macigas praticadas pelo mesm Naturalismo. Alias, 0 recurso a desfagatez literdria, com finalidac de revelagdo critica, ndo era inédito na época. Ja Baudelaire, por sentimento dito filantrapico, aconselhava espancar os mendigos rua, tinico meio de forga-los a reencontrar a dignidade perdida quando tentassem o revide.' ‘ (O mestre-escola, a quem Bras Cubas deve as primeiras letras, hhavia ensinado meninos "durante vinte e trés anos, calado, obscuroy pontual, metido numa casinha da rua do Piolho"”. Ao morrer, nin» ‘uém — ‘nem eu", como diz o proprio narrador com escarnio — chorou. Uma vida de trabalho humilde e honrado, que nao col reconhecimento algum: este ¢ 0 X do episodio. Noutro passo, ‘quando encontra um amigo de infancia em andrajos e mendigando, "Cf Charles Baudelaire, “Acabemos com o pobre!” Le Spleen de Paris, 1869, para uina andlie pollen dente pete poume en prose, ver Dolf Ochler, Par Bilder (1830-1848), Frankturt/M., ed. Subrkamp, 1979 A VELHA POBRE F 0 RETRATISTA ” 4 reaglo & inversa: 0 que Bris lastima é que o antigo coleguinha desdenhe o trabalho ¢ ndo se dé ao respeito. “Quisera ver-Ihe a mistria digna.’” Em suma, a dignidade que Bras nao reconhece 20 trabalho efetivo, ele a exige do vadio. Nos dois casos, trata-se para le de ficar por cima, ou mais exatamente, de ficar desobrigado diante da pobreza: ndo devo nada a quem trabalhou, e quem nao trabalhou nao tem dircito a nada (salvo a reprovagao moral). Se- undo @ conveniéncia, valem a norma burguesa ou o desprezo por cla. Esta escandalosa duplicidade ou alternancia de critério, mus cada em compasso vivo, € 0 essencial da volubilidade que suger mos a principio. Ela € da situagao histérica das camadas dirigentes brasileiras no século XIX, que tinham um pe no instituto da escr Vidao, ¢ outro no progresso europeu, nos dois casos com proveito. A situagao dos pobres define-se complementarmente, € 0 que ¢ folga hist6rica para os ricos — os dois pesos e as duas medidas — para eles ¢ falta de garantia. Nao tendo propriedade, ¢ estando 0 principal da producao econémica a cargo dos escravos, vivem em terreno escorregadio: se ndo ‘rabalham slo uns desclassificados, e se trabalham s6 por muito favor serio pagos ou reconhecidos. Assim, conforme uma queixa corrente, a existéncia da escra- viddo desmerecia o trabalho livre. Em conseqiiéncia, e sem que isto Fepresente uma atenuante, a ética do trabalho — um dos pilares da ideologia burguesa contemporanea — nao encontrava muita f€ entre nds.? Jano século XX, combirando-se a sinais de esgotamento histé- rico geral da ideologia do trabalho, aquele nosso ceticismo de “atra- sados" foi retomado com sinal positivo, e pode se universalizar nas meditagdes da preguica, de Mario de Andrade e Raul Bopp, bem como nas utopias de Oswald.’ Recentemente, Antonio Candido mostrou quanto este ceticismo havia contribuide desde o inicio para a originalidade ¢ 0 alcance do romance brasileiro.‘ Possivel- mente mais moderno que os Modernistas, cuja nota de euforia nao siste @ reflexdo, Machado viu a outra face da moeda: em plena era burguesa, o trabalho sem mérito ou valor € um apice de frustra- Para contraste entre a stages eoropdine brasileira, quanto a0 que era dbvioe 1 que ra neceysari demonstra, lame os prinros parakratos da Critica ao Programa de Gouha, 1875. Ai, Mars combate a valorizagta mitica do trabalho ne “metior do prdpeio movimento operdrie,lembrando due ela ¢ expressao de inte esses burgueses A envergadurafilosotica do intersse de Mario pea prego me fo assinalada por Gilda de Mello « Soure, “ Antonio Candido, “Dialética da Nalandragen™, Sto Paulo, Revista de Estudos Brasiteros,n? 8, 1972. A VELHA POBRE EO RETRATISTA % 48 ROBERTO SCHWARZ, jumber ‘um resultado eritico, um elemento de razao indispensavel ‘uma concepedo social mais avangada. Sem 0 gosto pré-capitalista pela particularidade dos oficios e pela ordem corporativa (posto em Neque pelas realidades do trabalho abstrato), e sem a valorizagao hurguesa desse mesmo trabalho (desmentida pelo cativeiro), reste na nocao radicalmente desideologizada do esforgo, 0 qual & des- do de mérito intrinseco. Esta nogdo nao se presta a mistificagao, @ nos faz respirar a atmosfera rarefeita da grande literatura. Com tata diferente, uma conversao analoga de privacao em lucidez anima 00s versos de Drummond: **Herdis enchem os parques da cidade em que te arrastas,/ e preconizama virtude, a rentincia, o sangue-frio, ‘| concepgo”".* Noutro plano, estamos proximos da formula de Marx, que atras das ilusdes da riqueza moderna vé o esforco mus- ular ¢ cerebral dos trabalhadores, e nada mais. Enfim, um senti- mento materialista do trabalho — isto &, desabusado e esclarecido cuja atualidade transcende a ordem burguesa, jé que 0 socialismo sontemporaineo & por sua vez, produtivista Mas € inexato que a vida de D. Placida nao tenha sentido. Se 4 triste senhora perguntasse por que viera ao mundo, Bras Cubas Imagina que os pais the diriam o seguinte: “— Chamamos-te para gueimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou no comer, andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sirando, com 0 fim de tornar a adoecer e sarar outra vez, triste ora, logo desesperada, amanha resignada, mas sempre com as dos no tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na lama ou hho hospital; foi para isso que te chamamos, num momento de sim- patia’®.“ © escarnio destas linhas € complexo. Primeiramente ele esidi em fingir que as inaceitaveis realidades da pobreea moderna correspondem a um propésito (**para isso te chamamos”). A con- enagao € de mao dupla: a realidade social & negativa porque nao fem sentido humano, como também € negativo o anseio de achar- the uma finalidade a qualquer prego, anseio em que, voltairiana- mente, estdo expostas ao ridiculo as ilusdes da Divina Providencia ¢ ile seus sucedineos secularizados. Em suma, nem a ordem vigente hem @ apologética satisfazem a Razo, que lhes assinala a irracio- halidade. Por outro lado, veja-se igualmente que a pobreza esta tdescrita em seu ciclo regrado, por assim dizer funcional, e que nao falta método a seu absurdo. Neste sentido ela tem sim uma finali- ¢¢80 hist6rica. Sirva de exemplo o retrato de D. Plicida, nas Mer ras Péstumas, que & dos momentos mais altos e duros da literati brasileira. ‘A vida de D. Placida cabe em poucas | de trabalhos insanos, de desgracas, doencas e frustragdes, 0 que em sindo é notavel, nem é suficiente para explicar o efeito atroz do sédio. A pobre mulher costura, faz doces para fora, ensina criank do bairro, tudo indiferentemente ¢ sem descanso, “‘para comer no eair’”. Cair, no caso, é um eufemismo para contingéncias como pedir esmola na rua ou faltar aos bons costumes, degradacdes estas fa que no entanto nao haverd como fugir, conforme anota o narra- dor, com evidente satisfacdo. Adiante, forgada pela miséria, Dy Placida acaba prestando servigos de alcoviteira, embora seja uma devota sincera do casamento ¢ da honestidade familiar. Do mesmo modo, apesar de incansavelmente trabalhadora, chega 0 momento fem que se ve obrigada a buscar a proterao de uma familia de posses, & qual se agrega, o que tampouco impede que morra na indigencia. Em suma, a vida honesta ¢ independente nao esta a0 aleance do pobre, mesmo estéico, que aos olhos dos abastados & presungoso quando a pretende, ¢ desprezivel quando cede, 0 que alias € uma das formulas do abjeto humor de classe de Bras Cubasy formalizado e exposto por Machado de Assis. Mas voltemos as canseiras de D. Placida. O trabalho indife- rente d finalidade concreta (costurar, cozinhar ou ensinar), e sem ‘objetivo além do saldrio, pertence ao universo do capitalismo. Ao paso que a nenhuma estima pelo esforgo & do universo escravisia. Paralelamente, note-se que os beneficios complementares daqueles males esto ausentes, a saber, a dignificagao burguesa do trabalho. “em geral””, bem como a folga que o escravismo pode proporcionar. ‘aos ndo-escravos. Noutras palavras, em D, Placida esta sintetizado, © pior de dois mundos: trabalho abstrato, mas sem direito a reco- nnhecimento social. Seus esforgos, cuja paga material ¢ incerta ¢ minima, ficam sem compensacao também no plano moral, 0 que talver seja a explicagdo da singular tristeza da personagem. A dureza que no tem a redengao do sentido ¢ absoluta. Do ponto de vista do realismo brasileiro, 0 tipo de D. Placida @ capital, e jf ficaram indicadas a sua generalidade de classe ¢ a correspondéncia com a estrutura social do pais. Entretanto, a jus teza de um retrato tem forca literdria s6 quando propicia perspec- tivas nao-evidentes. Neste sentido, veja-se que a pobreza despojadia até mesmo de consolagdes é nao s6 um retrato da destitui¢ao, como, ‘lepia 1938". in Sentimenta do Mundo Memiries Péstumas de Bras Cubas, cap, LXXY. 30 ROBERTO SCHWARZ, dade, ainda que humanamente insustentavel, a de reproduzir a ‘ordem social que é sua desgraga. Como ficamos? Resulta algo como ‘oescéirnio do escirnio, uma espécie de choro seco, ao qual ¢ preciso ‘acrescentar também 0 gozo que tanta inferioridade proporciona a superioridade social do narrador. Sao raz0es de scr, enfim, que pertencem ao mundo moderno, com afinidade cientifica — repro- ugao da especie, da sociedade e da injustiga — e sem justificacao transcendente. Visto 0 conjunto, trata-se do revezamento vertigi= osamente comprimido das perspectivas do providencialismo, da ‘Aufklaerung e do cientificismo, segundo as conveniéncias da cama- da dirigente brasileira, a qual deste modo wniversaliza as suas incongruéncias. ‘O horizonte desta mescla é moderno, e estamos longe do vale de lagrimas cristo, de que no entanto a prosa empresta otimbre na descrigo dos sofrimentos e trabalhos. Ocorre que em contexto la cizado a humilde conformidade dos termos soa como um acinte a mais, Esta jung do que os estilos artisticos ea logica das concep- (es tendem a separar é uma constante e uma forca de Machado. Note-se, ainda neste sentido, que a explicacdo do propésito da vida. de D. Placida tem a brevidade sintética do conto filos6fico setecen- tista, mas abarcando a esfera de fatalidades macigas circunscrita pelo Naturalismo oitocentista, sem esquecer que a sua frieza anali- tica — universalista e ckissica pelo estilo — tem um qué escarninho € amalucado, que serve de cor local brasileira na caracterizago de classe de Bras Cubas. Por sua vez, a sem-cerimdnia com que esta multiplicidade de registros prestigiosos € manipulada & de van- guarda. Noutras patavras, 0 espelhamento das posi¢des sociais umas nas outras ¢ na diversidade dos estilos historicos nao desmancha a realidade das classes sociais, como pensam os puristas do ponto de vista popular. Pelo contrério, ela consubstancia a absoluta media- flo reciproca das classes — em sua complicacio profunda — que ‘uma nogdo mais cotidiana ou também mais doutrindria da veross milhanga deixa escapar, E este realismo intensificado que da a hhumilde figura de D. Plcida a sua extraordinaria plenitude de refe- réncias, além da pertinéneia historica, resgatando @ sua obscuridade € aparente limitagdo, Uma envergadura na comprcenstio da pobreza que s6 um escritor culto € requintado, a vontade na variedade dos estos, das filosofias e das experiéncias de classe pode alcancar —€ ferecer — o que, de um ponto de vista dialético, nao é um para- doxo. Uma auséncia Walnice Nogueira Galvao “0 martirio do homem, ali, €o reflexo de tortura maior, mais completa, abrangendo a econcmia geral da Vida./ Nasce do marti- rio secular da Terra...”” Com esta opuléncia retorica Euclides da Cunha costuma al A questéo da pobreza, n'Os Sertdes eno sertdo. Esta definida, aqui, uma das variaveis com que sua escrita vai lidar em duplo registro: no plano do pensamento, o determinismo, no caso 0 do meio ambiente fisico; no plano da expressao literdria desse pensamento, © veiculo contaminado das imagens. Firmemente assentada esta, logo sera introduzida a segunda. Quase inevitavel, la vem seu correlato, no plano do pensamento, a variavel da raga. A pobreza decorre, ento, do meio ambiente fisico somado a degenera¢ao racial mestiga. A demonstrago parece lim- pida, & parte o adjetivo subjetiva e a clausula restritiva: “0 mesmo desconforto e, sobretudo, a mesma pobreza repug- ante, traduzindo de certo modo, mais do que a miséria do homem, a decrepitude da raga”. Nesta passagem, em meio a apresentacao de Canudos, Eucli- des sumaria, interpretando também, o interior doméstico dos mora- ores do arraial. Mas, se fosse simples assim, ndo se trataria deste autor. Cer lamente esta ausente de seu livro uma reflexo sobre a pobreza —e sta iltima frase transcrita € das raras que chamam pobreza e misé- Fia por seus nomes, quase sem o concurso de imagens ¢ rebuscadas figuras de retérica. Por isso, para apanhar esta reflexao ausente, € preciso Forgar um pouco a incoeréneia do texto, tendo em mente 20 mesmo tempo as grandes linhas-mestras do livro ¢ as parcas men- ‘ees menos ou mais diretas. Euclides esta preocupado com a descoberta positiva das causas 2 WALNICE NOGUEIRA GALVAO UMA AUSENCIA, 3 e escandalizado com as conseqiéncias, As causas, é evidente, sé mesolégicas no mais estrito sentido determinista (meio ambient fisico e raga). Ja as conseqtiéncias so mais complicadas, incluem insurreicao popular, milenarismo, religido ¢ guerra. ‘A partir de um ponto de vista remotissimo, 0 autor procede ‘metodicamente, indo do geral para o singular, efetuando o trajeto de modo tal que a sociedade brasileira inclusiva desaparece. ‘Tudo se passa como se s6 houvesse pobreza no sertao, nunca nna cidade, e muito menos na faixa litoranea. Tomando impulso em_ Hegel, no Saara e na Pré-Historia, vai afunilando sua observagao. até se fixar em Canudos, onde ha pobres rebelados. Entremeia-se nessa observagao, todavia, uma visio paradi- siaca da pobreza, quando na paz. , Em primeiro lugar, os pobres, que nao existem fora do serio, exibem costumes curiosos e pitorescos. Dao festas, criam miisica € poesia, tém superstigdes, praticam uma religiosidade rastica. Po- breza, entdo, ¢ folclore. Em segundo lugar, esses pobres so austeros ¢ herdicos. Sujei tos a uma cultura da eseasser, vivem com exigiidade de recursos, ‘quanto a comida, roupas, habitagao. Sua existéncia ¢ dedicada a combater 9 meio inclemente, terra estéril, vegetacaio agressiva, secas, bichos. Tudo isso da tempera ao carter. Pobreza, enido, & virtude. E neste quadro, incompativel com o outro, o da degeneragio mestiga, que o sertaneio é, antes de tudo, um forte, tal como se mostrara na guerra. Euclides nao poderia deixar de se preocupar com as solugbes possiveis, que viessem a decapitar as causas de suas consequiéncias, (ou, J quie as causas esto determinadas, impedir as mesmas con- seqiiéncias. Grosso modo, pode-se incluir o conjunto das solugdes. timidamente avangadas na ja conhecida linha da falacia ilustrada. Sugere, é claro, ¢ por exemplo, medidas praticas ¢ baratas para mmitizar os resultados das secas. Pensa mais no progresso através da educagio, pois 0 pobre é um retardatario (de trés seculos, diz ele varias veres), Nao pensa ainda, como pensar&o seus posteros € aliados na mesma faldcia, em progresso enquanto industria e mo- demnizagao teenologica. A educacdo vira de fora, de la, de onde se encaminhara ao encontro das pobres no sertdo; pobre ndo deve ser tratado a bala, mas sim a cartilha. ‘Ainda mais, pobre deve ter acesso ao Direito, e deixar de ser enfrentado como um fora-da-lei, como foi em Canudos, com 0 qui Euclides nao est de acordo. Barragem, cartilha, lei compdem 0 pé para evitar outras guerras como essa. Em tempo: o percurso intelectual do escritor 5 intel ‘no se esgota §'Os Sertdes. Mais tarde, em seus estudos sobre a Amaz6nia e em ‘Um velho problema”, artigo datado ostensivamente de um 12 de aio © que termina fazendo surpreendente apanhado da relagao enire operario e maquina, cutro ja & o nivel da reflexdo. Os vin- culos da expropriagdo estan. mais nitidos, a categoria trabalho mais visivel, © conjunto da sociedade levado em conta, E talver revoltas no campo nao sejan © momento pri rivilegiado para perce- ber trabalho ¢ expropriagaio. mesmo autores calgados numa linha Aa Uneslsy Coa apUN ceil casita vio able a pessen aca wean rete ger ene tv. oF FOSSA eran eR SURE ee sind EEE perenne tes ee ae tial, Victor Hugo, Sue, Dickens, Dostoievski — incorporando a peculiaridade do regime russo —, mais tarde Zola, trazem para a Treat gigi op emcee ee tics ere does et auc ee ee aes ae Rembrandts e Papangus Zulmira Ribeiro Tavares Fins do século dezenove foi para o Ceara o periodo da grande Ja em 1824 a provincia possuia néicleos habitados com densi- dade de populagdo, entre eles, Sobral, onde se passa Luzia-Homem (1903)*. AA situacdo florescente de Sobral, que se manteve sem queda ‘até a grande seca, participa de uma condig&o geografica bastante favordvel. Situada ao norte de uma regifio que abarca muitas eleva- des ¢ um maior indice de pluviosidade, permitiu uma atividade agricola considerada boa e complementar ao centro de suas ativida- des: 0 comércio com o gado bovino. Mas durante trés anos (de 1877 a 1880) no choveu no Ceara, morrendo pastagens e rebanhos ja que 08 rios da regitio sto temporarios, desaparecendo na estacao. seca. A regido de maior densidade de populagdo, onde se inclui So~ bral, abarca todo o norte do Ceara estendendo-se par ao sul, acom- panhando a divisa com o Piaui chegando até Cratéus. Encontram- se ai varias serras, entre elas a da Meruoca, ponto iltimo do itiner’- rio de Luzia-Homem, vinda do sul impelida pela seca, como outros relirantes, em diregdo ao norte ¢ ao litoral ‘Uma imagem que Domingos Olimpio nos dit de Sobral liga-se de abastanga e a Agua: “‘A cidade como um enorme crustaceo farto sesta’” (106). Na iiltima, vista do atalho que leva ao alto da serra da Meruoca, 0 autor, ainda pelos othos de Luiza-Homem, mostra-a fortemente tingida pela desgraca, a analogia com o elemento liqui- do prolonga-se na sua condicdo deletéria, de estagnagao, putrefa- do: ‘em agrupamento informe, apenas esbocado, as casas das fa- Zendas abandonadas, ponteando, aqui ¢ ali, a planicie devasiada e quieta, como um imenso péntano” (144). Diversos de uma ¢ outra As paginas ctadas sequem a muneracao da edicao do Asien, 1980 REMBRANDTSE PAPANGUS 3 sito 0s dois breves clichés cunhados pelo homem piiblico que foi o cscritor, dias breves indicagdes “oficiais” enumerando as qualida- des da cidade: “intelectual, rica e populosa, emporio do comérci do norte da provincia, na qual o Governo estabelecera opulentos celeiros"* (116); “formosa ¢ opulenta, o oasis hospitaleiro anelado pelas caravanas de pegureiros esqualidos"* (116). Ou ainda a nitida deserigdio de seu tragado urbano bem-sucedido: “A casaria branca alinhada em ruas extensas ¢ lergas, os telhados vermelhos e as altas torres dos templos" (11), Anarrativa de LH situase exatamente no auge da grande seca, no ano de 1878, quando a extenso da calamidade ja havia sido per- cebida ¢ algumas medidas tomadas a nivel de Provincia ¢ Império, As linhas do curso migratério continuo, sempre mais para 0 norte, para as serras (onde ainda se encontravam olhos-d'agua vivos, as nascentes vivas) ou para o litoral, passavam por Sobral no perio do, parada temporaria ou definitiva, pois oferecia aos retirantes possibilidades de trabalho. E é exatamente com o mundo do traba- |. na relagdo retirante-operario, que os pobres do LH aleangam, pela dimensdo literdria, sua revelagao humana. Caminhando por assim dizer na contra-mao do fluxo narrativo, interceptando e des- locando tipos e circunstancias falseados, sem qualquer realidade Psicoldgica ou psicossocial — esses operarios-retirantes adquirem a sua dimensao de realidade a medida mesma que o autor no os con- segue individualizar. Paisagem movedi¢a, @ nessa condigao de homens-de-fundo que ganham o primeiro plano. A microgeografia humana de Sobral, existindo para 0 autor como simples cendrio de uma trama improvavel, inverte a desvantagem inicial no enfoque da miséria a partir da prépria insuficiéncia romanesca, que dela pouco sabe. A enorme distancia entre narrador e narrado vem a ser a medida de verdade do livro. Sao duplamente pobres esses pobres de LH, porque além de nao ‘erem nada de seu ndo t@m quem os descubra como ser. Ao permanecerem ao longo do livro, rigorosa- ‘mente outros, permanecem também sempre rigorosamente paupe- rizados. O autor leva o leitor a cles nao por um processo de ligagao, mas de sincope. Nao por aproximé-los mas por afasté-los, separd- los, corté-fos da intriga. Naturalmente sua pretenso é outra, Na verdade Domingos Olimpio supostamente retira todos os seus per- sonagens do meio, um a um: Luzia da Conceigdo, Alexandre, Rau lino, 0 sargento Capriuna. Todavia a armacdo romanesea que os ‘mantém de pé ndo deita raizes nesse mesmo meio, A narrativa adianta-se trihando uma causalidade Fantasiosa que tampouco segue 56 ZULMIRA RIBEIRO TAVARES ‘obedientemente 0 modelo naturalista. O fatalismo, © pitoresco, implicitos na descrigao de grande parte dos episédios, no obede- cem a nenhum padrio definido de patologia psicofisica na sua inserao naturalista, “Puras"”, ‘libricos”, “fortes"”, ‘*deforma- dos", “despericados do mundo", “tindomiveis”, “‘castos”, ete. ‘0s personagens compdem um quadro certamente maniquetsta mas também bastante desnivelado na seriagdo dos modelos literdrios. ‘A cadeia episédica é livremente elaborada pelo autor que no con- segue, a ndo ser em poucos momentos, estabelecer algum nexo real entre enredo, personagem e meio. Sendo tudo, a0 contrario, desco- exo: © cliché roméntico, o tragado regionalista, a informacao objetiva — 0 que chega ao leitor contempordneo por meio desse conjunto que afinal de contas ndo o é sdo exatamente os pobres, objetivo perseguido pelo autor que Ihe escapa na estruturagdo r0- ‘manesca, Sua inexisténcia no plano da intriga como participantes ‘corresponde em suma sua inexisténcia como participantes dos frutos do progresso de Sobral. © vortice dessa dupla inexisténcia € 0 morro do curral do, “Acougue, local da construgo da nova cadeia, onde “‘havia trabalho para todos” (12). Na verdade a construgao do “‘castelo da pristio"” (11) aglutina a maior parte da mao-de-obra retirante. As outras fontes de trabalho que Sobral, segundo 0 autor, oferece aos que ‘chegam, localizam-se na estrada de ferro ¢ nos agudes. Colocam-se ‘também como perspectiva de trabalho as obras do cemitério novo ¢ a da estrada pela serra da Meruoca. O trabalho nos agudes pertence 4 historia da prosperidade de Sobral, a sua condigao indicada atras de emporio ¢ de celeiro da provincia, ¢ de certa forma esta é tam- bém a situacdo da nova estrada pela Meruoca, por facilitar 0 acesso As regides mais frescas, menos castigadas pela seca. Mas na narrati- vva 08 acudes so apenas citados eo trabalho na Meruoca surge unit- ‘camente como perspectiva frustrada de nova vida para Luzia- Homem, iitimo ponto de seu itinerario e cenario de sua morte. Na verdade é com a descrig20 minuciosa da mao-de-obra que se movi menta no morro do curral do Agougue que a miséria se revela pelo tniverso do trabalho. A miséria tem o seu desdobramento igual- ‘mente sombrio na construco do novo cemitério, e ainda que este rnio tenha qualquer destaque na narrativa, a simples indicacao de mais uma perspectiva de trabalho para o retirante adquire no caso uum acento proprio, de violenta confirmacao do vinculo estabeleci- do entre trabalho ¢ destituigto. O retirante, o aperdrio, 0 preso, 0 morto, 0s quatro sao um $6, © mesmo — diligentemente juntos 0 REMBRANDTS E PAPANGUS. s 4 dos, pares, submis. Esto dentro de Sob, fora, & pars gem. Oretrane que desaarece da obra € dado como “mont ou emigrado” (75), Morte miraco,excust, rela: um s6 pe, ceso, Eso li, un go bmi de eprops condi pele fo csota0 mor Osan: rap dea “scrdadias gues pre as infloes eau, ago al Magelo d se (11), stale aliments com “ard rang inoxicanes,plmitos amas” (1). Ainda: a Comino de Se sro oid a et os Mahan aao9 “smal dees pet salir cmaiva™ (I) vale diese sti meant usin jada de aba. A coies de taba ds aca so stars rane epi sinaeiant an isc noo A

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