Doutrina e
Jurisprudência
Teoria Geral do Condomínio – Condomínio Comum –
Condomínio Edilício – Loteamento Fechado – Time-
Sharing – Shopping Center – Direito Processual
Condominial
ÍNDICE
SOBRE O AUTOR
DEDICATÓRIA
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO CONDOMÍNIO
1.1 DEFINIÇÃO DE CONDOMÍNIO
1.2 COMUNHÃO, CONDOMÍNIO E SOCIEDADE
1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONDOMÍNIO
1.4 NATUREZA JURÍDICA DO CONDOMÍNIO
1.5 ESPÉCIES DE CONDOMÍNIO
1.6 PROBLEMAS DO CONDOMÍNIO HORIZONTAL
1.7 NOVAS FORMAS DE CONDOMÍNIO
1.7.1 Loteamento fechado e loteamento aberto ou convencional
(condomínio de fato)
1.7.2 Multipropriedade, propriedade compartilhada ou time-sharing
1.7.3 Comunidade condominial em shopping center
1.7.4 Clubes de campo
1.7.5 Cemitérios privados
CAPÍTULO II – CONDOMÍNIO TRADICIONAL, GERAL OU COMUM
2.1 DEFINIÇÃO DE CONDOMÍNIO TRADICIONAL, GERAL OU
COMUM
2.2 ESPÉCIES DE CONDOMINIO TRADICIONAL, GERAL OU COMUM
2.3 CONDOMINIO VOLUNTÁRIO OU CONVENCIONAL
2.3.1 Conceito de condomínio voluntário ou convencional
2.3.2 Regras gerais do condomínio voluntário ou convencional
2.3.3 Direitos dos condôminos no condomínio voluntário ou convencional
2.3.3.1 Direito de usar a coisa comum
2.3.3.2 Direito de reivindicar a coisa comum de terceiros
2.3.3.3 Direito de alienar a parte indivisa
2.3.3.4 Direito de gravar de ônus real a parte indivisa
2.3.3.5 Direito a divisão da coisa comum
2.3.3.6 Deveres dos condôminos no condomínio voluntário ou
convencional
2.3.3.6.1 Quota-parte como elemento indispensável para fixação das
obrigações de cada condômino
2.3.3.6.2 Rateio das despesas e dívidas
2.3.3.6.3 Regime jurídico dos frutos da coisa comum
2.3.3.7 Defesa do bem condominial
2.3.3.8 Alienação ou Oneração do bem comum
2.3.3.9 Administração do condomínio voluntário ou convencional
2.3.3.10 Extinção do condomínio tradicional, geral ou comum
2.3.3.10.1 Das formas de extinção do condomínio
2.3.3.10.1.1 Da divisão da coisa comum
2.3.3.10.1.2 Da alienação da coisa comum
2.3.3.10.2 Ação de extinção do condomínio
2.4 CONDOMINIO NECESSÁRIO OU LEGAL
2.4.1 Condomínio forçado
2.4.2 Condomínio fortuito, incidente ou eventual
CAPÍTULO III – CONDOMÍNIO EDILÍCIO OU POR UNIDADES
AUTÔNOMAS
3.1 DEFINIÇÃO DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO OU POR UNIDADES
AUTÔNOMAS
3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
3.3 NATUREZA JURÍDICA DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
3.4 DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
3.4.1 Da evolução na interpretação da Lei n° 4.591, de 16.12.1964
3.4.2 Da consolidação jurisprudencial em passado recente atribuindo
personalidade jurídica ao condomínio edilício
3.4.3 Da consolidação doutrinária em passado recente em torno do
reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio edilício
3.4.4 Da aplicação do art. 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro
3.4.5 Do reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio no
Direito Comparado
3.5 ESPÉCIES DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO OU CONDOMÍNIO EM
EDIFICAÇÕES
3.6 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
3.6.1 O ato de instituição do condomínio
3.6.2 A convenção do condomínio
3.6.3 O regulamento interno do condomínio
3.6.4 Os regulamentos especializados
3.7 DIREITOS E DEVERES DOS CONDÔMINOS DO CONDOMÍNIO
EDILÍCIO
3.7.1 Direitos do condômino
3.7.2 Deveres do condômino
3.8 DESPESAS DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
3.8.1 Despesas condominiais em espécie
3.8.2 Orçamento das despesas e receitas do condomínio
3.8.3 Cota ou taxa de condomínio
3.8.4 Fundos e rateios extras
3.8.4.1 Fundos de reserva
3.8.4.2 Espécies de fundo e rateio
3.8.4.3 Quorum de aprovação e arrecadação
3.8.4.4 Participação de inquilinos e usufrutuários para formação de fundos
3.8.4.5 Gestão dos fundos
3.8.4.6 Inadimplência na arrecadação de fundos
3.9 SEGURO, INCÊNDIO, DEMOLIÇÃO E RECONSTRUÇÃO
OBRIGATÓRIA
3.9.1 Seguro da edificação
3.9.2 Sinistro e reconstrução ou venda do terreno e materiais
3.10 UTILIZAÇÃO DA EDIFICAÇÃO OU DO CONJUNTO DE
EDIFICAÇÕES
3.10.1 Utililização exclusiva de área comum
3.10.2 Limitações à utililização de área comum
3.10.3 Penalidades pela irregularidade na utililização de área comum
3.11 ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
3.11.1 A escolha do síndico
3.11.2 As atribuições do síndico
3.11.3 Remuneração do síndico
3.11.4 Prestação de contas do síndico
3.12 ASSEMBLEIA-GERAL DE CONDÔNIMOS
3.12.1 Espécies de assembleias
3.12.2 Presença dos condôminos nas assembleias
3.12.3 Uso excessivo de procurações nas assembleias
3.12.4 Ata de assembleia
3.13 CONSELHO CONSULTIVO OU CONSELHO FISCAL
3.14 EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
CAPÍTULO IV – LOTEAMENTO CONVENCIONAL FECHADO
4.1 LOTEAMENTO ABERTO OU CONVENCIONAL
4.2 LOTEAMENTO E SUA FUNÇÃO PÚBLICA
4.3 CONFUSÃO DOUTRINÁRIA A RESPEITO DAS ESPÉCIES DE
LOTEAMENTO
4.4 LOTEAMENTOS CONVENCIONAIS FECHADOS
4.5 TITULARIDADE DOMINIAL DOS BENS PÚBLICOS
4.6 O USO DOS BENS PÚBLICOS POR PARTICULARES
4.7 A CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO DAS ÁREAS
PÚBLICAS DOS LOTEAMENTOS CONVENCIONAIS
4.8 DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 17 DA LEI N° 6.766, DE 19.12.1979
4.9 RATEIO DAS COTAS DO LOTEAMENTO FECHADO E DO
CONDOMINIO DE FATO
CAPÍTULO V – MULTIPROPRIEDADE, PROPRIEDADE
COMPARTILHADA OU TIME-SHARING
5.1 DEFINIÇÃO DE MULTIPROPRIEDADE, PROPRIEDADE
COMPARTILHADA OU TIME SHARING
5.2 ETIOLOGIA HISTÓRICA DO TIME SHARING
5.3 NATUREZA JURÍODICA DO TIME SHARING
5.4 ESPÉCIES DE TIME SHARING
5.4.1 Deeded contracts (Contrato de Transferência)
5.4.2 Deeded ownership ou fractional ownership (Propriedade Fracionada)
5.4.3 Leasehold deeds (Título de Arrendamento)
5.4.4 Right-to-use contracts (Contrato de Direito de Uso)
5.4.5 Fixed Week Ownership (Propriedade de Semanda Fixa)
5.4.6 Floating-week ownership (Propriedade de Semanda Flutuante)
5.4.7 Rotating or flex week owership (Rotação ou Propriedade de Semanda
Flexível)
5.4.8 Points Programs (Programas de Pontos)
5.5 TIPOS E TAMANHOS DE TIME SHARING
5.6 LEGISLAÇÃO SOBRE TIME SHARING
5.7 REGULAMENTO DO SISTEMA DE TEMPO COMPARTILHADO EM
MEIOS DE HOSPEDAGEM DE TURISMO
5.7.1 Parte Geral do Regulamento do Sistema de Tempo Compartilhado
5.7.2 Funcionamento do Sistema de Tempo Compartilhado
5.7.3 Contrato de Tempo Compartilhado
5.7.4 Direitos e Obrigações da Partes do Contrato de Tempo Compartilhado
5.7.5 Responsabilidades do Empreendedor e do Comercializador
CAPÍTULO VI – CONDOMÍNIO EM SHOPPING CENTER
6.1 INTRODUÇÃO
6.2 NATUREZA JURÍDICA
6.3 CARACTERÍSTICAS CONTRATUAIS DO SHOPPING CENTER
6.3.1 Organização na forma de condomínio ordinário ou condomínio pro
indiviso
6.3.2 Organização na forma de condomínio edilício
6.3.3 Organização na forma de sociedade
6.3.4 Constituição jurídica da administração do shopping center: relação
entre os investidores e administradora
6.3.5 Operacionalidade do shopping center: relação entre investidores e
lojistas
6.3.5.1 Aspectos gerais dos contratos de locação de espaços em shopping
centers
6.3.5.2 Diversos contratos celebrados entre o empreendedor e o lojista de
shopping center
6.3.6 Registro da incorporação e organização em condomínio edilício
6.3.7 Receitas em shopping center
6.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS SHOPPING CENTERS
CAPÍTULO VII – CONDOMÍNIO EM CLUBES DE CAMPO
7.1 CARACTERÍSTICAS DOS CLUBES DE CAMPO
7.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CLUBES DE CAMPO
7.3 CONDOMÍNIO DE CLUBE DE CAMPO
CAPÍTULO VIII – CONDOMÍNIO EM CEMITÉRIOS PRIVADOS
8.1 INTRODUÇÃO
8.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CEMITÉRIO
8.3 ESPÉCIES DE CEMITÉRIOS
8.4 NATUREZA JURÍDICA DOS CEMITÉRIOS
8.4.1 Natureza jurídica dos cemitérios públicos
8.4.2 Natureza jurídica dos cemitérios privados
8.5 REGIME JURÍDICO DOS ESPAÇOS EM CEMITÉRIO E A TIME
SHARING
CAPÍTULO IX – DIREITO PROCESSUAL CONDOMINIAL
9.1 AÇÃO DE DEMARCAÇÃO OU DEMARCATÓRIA
9.2 AÇÃO DE DIVISÃO OU AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO
9.2.1 Fase contenciosa da ação de divisão de condomínio
9.2.2 Fase administrativa da ação de divisão de condomínio
9.3 AÇÃO DE ALIENAÇÃO JUDICIAL DA COISA COMUM
9.3.1 Introdução
9.3.2 Procedimento da ação de alienação de coisa comum
9.3.3 Do leilão judicial eletrônico
9.3.4 Do leilão judicial presencial
9.3.5 Normas de realização de leilão judicial
9.4 AÇÃO DE EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES ORDINÁRIAS OU
EXTRAORDINÁRIAS DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO
9.5 AÇÃO DE COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÕES ORDINÁRIAS OU
EXTRAORDINÁRIAS DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO
9.6 AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
9.6.1 Introdução
9.6.2 Primeira fase da ação de exibição de contas
9.6.3 Segunda fase da ação de exibição de contas
9.7 DA IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAR AÇÃO DE EXECUÇÃO DE
CONTRIBUIÇÕES ORDINÁRIAS OU EXTRAORDINÁRIAS DE
CONDOMÍNIO EDILÍCIO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
BIBLIOGRAFIA
AGRADECIMENTOS
À CRISTINA MARIA CÉSAR MARTINS DA SILVA, pelo auxílio na pesquisa para a
elaboração desta obra
.
APRESENTAÇÃO
Com o crescimento das comunidades humanas no sentido vertical, a vida
social foi tomada por inúmeras situações em que duas ou mais pessoas têm posse
ou propriedade sobre o mesmo bem. De fato, determinado direito pode pertencer
a várias pessoas ao mesmo tempo, caso em que temos a denominada
“comunhão”; se esta comunhão recai sobre um direito de propriedade, surge,
então, o que se costuma chamar de “condomínio, coposse ou copropriedade”. A
coposse, copropriedade ou condomínio constitui uma situação jurídica que vem
marcando profundamente os tempos mais recentes e atuais.
Neste diapasão, Condomínio é um livro dirigido aos profissionais do
Direito (advogados, juízes etc.) que atuam principalmente na área imobiliária,
bem como aos profissionais ligados à administração de imóveis e, porque não
dizer, dirigido também aos próprios proprietários que integram o condomínio.
Com efeito, embora dirigido prioritariamente a estudiosos da área
jurídica em geral e profissionais no exercício de suas atividades relacionadas ao
Direito, administradores de imóveis, por exemplo, poderão encontrar neste livro
algumas questões de interesse prático, como direitos e deveres de condôminos,
administração do condomínio, extinção do condomínio, condomínio em edifício
de apartamentos, etc.
Além disso, o leitor interessado em aprimorar seus conhecimentos a
respeito de da matéria ligada a administradores da coisa comum e condomínios,
encontrará neste livro algumas facilidades e seções dirigidas à Convenção, aos
Poderes Administrativos do condomínio, às administradoras que prestam
serviços ao condomínio, a parte financeira, a fiscalização dos síndicos ou
administradores, etc.
Os livros que se encontram disponibilizados no mercado especializado
restringem-se a comentar apenas a Lei n° 4.591, de 16.12.1964 (Lei do
Condomínio) e a parte do Código Civil de 2002 que trata desta matéria.
Ao contrário, a obra Condomínio tem por objetivo fornecer uma visão
muito mais abrangente das principais questões ligadas à disponibilização do
compartilhamento imobiliário de nosso tempo.
Queremos crer que ela seja única em sua abrangência, pois, dentro do
mesmo exemplar, em sete capítulos, trata da Teoria Geral do Condomínio;
Condomínio Tradicional, Geral ou Comum; Condomínio Edilício ou por
Unidades Autônomas; Loteamento Convencional Fechado; Multipropriedade,
Propriedade Compartilhada ou Time-Sharing; Condomínio em Shopping Center;
Condomínio em Clubes de Campo; Condomínios em Cemitérios Privados; e
Direito Processual Condominial.
A difícil relação entre condôminos; entre administração e condôminos; a
questão da personalidade jurídica do condomínio; o regulamento interno e seu
cumprimento por parte dos condôminos; as questões controvertidas a respeito
das frações ideais; o condomínio sem convenção ou com a sua convenção
desatualizada; o condomínio de fato, sem áreas comuns; o condomínio e as
questões trabalhistas; a administradoras que prestam serviços ao condomínio; os
setores prioritários na fiscalização dos síndicos e administradores; a segurança
contra incêndio e pânico nos prédios de apartamentos; as discussões sobre
garagens, vagas e abrigos; etc. Todas essas questões condominiais, de natureza
econômica, jurídica ou social, demonstram por si sós a importância deste livro
no contexto atual. Importância esta reforçada pela atualização dos temas
tratados, pela abrangência peculiar da matéria, pela organização didática dos
assuntos e pela facilidade da consulta a respeito dos temas específicos.
Trata-se de um livro jurídico, no qual se procura explicar, com clareza e
concisão, conceitos e problemas jurídicos fundamentais, de forma que os
estudantes e os profissionais possam ter uma melhor compreensão da realidade
condominial. Ele é o resultado da experiência do autor ministrando aulas de
Direito Imobiliário em cursos de graduação e pós-graduação, bem como em
cursos de extensão e especialização, para estudantes e profissionais das várias
áreas interessadas nos institutos jurídicos ligados aos condomínios.
Todas as nuances da teoria geral dos condomínios estão organizadas
sistematicamente na obra Condomínio. Não apenas isto! Encontram-se inseridos
nela, de maneira aprofundada, comentários a respeito das espécies de
condomínio imobiliário, informando, ainda, ao leitor a respeito das legislações
que regulamentam cada uma dessas espécies de condomínio.
Assim é que a obra comenta com minúcias os aspectos comuns dos
condomínios de um modo geral e especificamente dos condomínios regidos pela
Lei n° 4.591, de 16.12.1964 (Lei do Condomínio) e os condomínios regidos pelo
Código Civil de 2002.
Portanto o trabalho tem por finalidade apresentar estudo completo e
diversificado das espécies de condomínio, inclusive daqueles que geralmente
não são tratados pela literatura especializada. Por essa razão, a obra certamente
será de grande valia para estudo e acompanhamento de aulas pelos alunos
universitários, tanto da graduação como da extensão universitária e da pós-
graduação, bem como será de grande valia para consulta com o fim de sanar
dúvidas daqueles profissionais do Direito, que tratam costumeira ou
esporadicamente de temas relacionados com os condomínios.
Américo Luis Martins da Silva
CAPÍTULO I – TEORIA GERAL
DO CONDOMÍNIO
1.1 DEFINIÇÃO DE CONDOMÍNIO
O condomínio (copropriedade ou comunhão), termo proveniente do
latim condominium, ocorre quando existe um domínio de mais de uma pessoa
(condôminos), exercido simultaneamente sobre um determinado bem, ou partes
de um bem, ou a mesma coisa certa e comum (posse ou propriedade sobre o
mesmo bem).
O condomínio é uma espécie de propriedade, em que dois ou mais
sujeitos são titulares, em comum, de uma coisa indivisa, atribuindo-se a cada
condômino uma parte ou fração ideal da mesma coisa.[1] Por sinal, a indivisão é
situação jurídica daqueles que possuem propriedade em comum de um bem, sem
comportar divisão material de suas partes, seja por sua natureza, ou seja, por
causa da lei ou convenção das partes.
Condomínio é, pois, o estado da coisa indivisa sobre a qual duas ou mais
pessoas exercem, ao mesmo tempo, o direito de propriedade (relações jurídicas
em que se verifica uma pluralidade subjetiva com unicidade do objeto).[2]
No entanto, vale lembrar que esta ideia de condomínio tem origem no
Direito Romano, e por isso mesmo denominada condominium iuris romani
(condomínio do direito romano). Todavia ela não se confunde com o
condominium iuris germanici (condomínio do direito germânico), instituto este
que, por sinal, existe na Alemanha ao lado de outro instituto denominado
também de condomínio por quotas. É importante esclarecer que o sistema
germânico compreendia o condomínio de forma diversa, ou seja, no
condominium iuris germanici (condomínio do direito germânico), a coisa
pertence à coletividade e não aos condôminos, que, desta sorte, têm apenas
direitos de uso e gozo da coisa em razão da vinculação corporativa em que se
encontram e não em consequência de serem sujeitos, individualmente, de
direitos sobre a própria coisa. O elemento diferenciador do condomínio do
direito germânico reside, pois, no fato de se considerar como “propriedade
coletiva” ou “exercida como comunhão de mão comum” (Gesamnteigenthum ou
gemeinschaft zur gesammten Hand), isto é, cada consorte tinha direito de exercer
o domínio sobre a coisa. Não havia nessa comunhão a noção de parte ideal, pois
a coisa é objeto de uso e gozo comum. Trata-se de concepção do Direito Feudal.
[3]
CAPÍTULO II – CONDOMÍNIO
TRADICIONAL, GERAL OU
COMUM
2.1 DEFINIÇÃO DE CONDOMÍNIO TRADICIONAL,
GERAL OU COMUM
CLÓVIS BEVILÁQUA menciona que “o condomínio ou
compropriedade é a forma anormal da propriedade, em que o sujeito do direito
não é um indivíduo, que o exerça com exclusão dos outros; são dois ou mais
sujeitos, que exercem o direito simultaneamente”.[63] A esta modalidade de
condomínio o Código Civil brasileiro de 2002 designa por condomínio geral.
O condomínio ou copropriedade, também chamado compropriedade
pelo Código Civil português, foi identificado como propriedade plural por
HENRI DE PAGE, que a definiu como l’ attribution de la propriété d’ um même
bien à plusiurs personnes á la fois (“a atribuição da propriedade de um mesmo
bem à várias pessoas ao mesmo tempo”).[64]
Vale destacar que o poder de disposição sobre a coisa se materializa
simultaneamente em várias pessoas, e se encontra reciprocamente limitado no
exercício dos direitos concorrentes, compensando-se as vantagens e sacrifícios
dos condôminos. Visto conforme o seu aspecto objetivo, o condomínio ou
copropriedade caracteriza-se mesmo pela indivisão da coisa comum,
correspondendo ao estado em que se encontra uma coisa sobre a qual várias
pessoas têm direitos concorrentes. Já no aspecto subjetivo, o condomínio ou
copropriedade caracteriza-se por ser essencialmente comunhão entre duas ou
mais pessoas.
Comunhão pro diviso só existe de direito, não de fato, pois cada
condômino se localiza numa parte certa e determinada da coisa. Exercem sobre
um fatia ou fração concreta todos os atos de proprietário singular. Comunhão pro
indiviso é a que perdura de fato e de direito, permanecendo a coisa em estado de
indivisão perante os condôminos, e estes não se localizam, per se, na coisa.
Vale destacar que o condomínio tradicional, geral ou comum é aquele
disciplinado pelos arts. 1.314 a 1.330 do Código Civil brasileiro de 2002, se
caracterizando, em suma, na situação jurídica em que uma determinada coisa
indivisa tem 2 (dois) ou mais proprietários (podendo ser pessoas físicas ou
jurídicas) em comum, sendo que todos os condôminos têm direitos
qualitativamente iguais sobre a totalidade do bem, sofrendo limitações na
proporção qualitativa. Por sinal, LEANDRA SANTANA DE OLIVEIRA e
MARCO ANTÔNIO SILVA SOUZA lembram que a expressão
“qualitativamente iguais” quer dizer que, junto a terceiros, cada condômino pode
exercitar o direito de propriedade em igualdade de condições com os demais,
reivindicando a coisa em poder de terceiro. O elemento qualitativo, no caso, diz
respeito à parte pertencente, individualmente, aos condomínios, ou seja, todos
possuem cotas ideais sobre o objeto da propriedade. Contudo, o elemento
qualitativo não tem importância perante terceiros, sendo relevante apenas
internamente, entre os condôminos para efeito de partilha dos frutos e das
despesas e, ainda, na hipótese de extinção da copropriedade, quando então não
se terá a divisão do direito, que é uno, mas de seu objeto.[65]
Mas não se pode perder de vista que os condomínios, por um lado, são
qualitativamente iguais e, por outro, quantitativamente diferentes.
Quantitativamente diferente porque cada um dos condôminos tem sua cota-parte,
ou fração ideal. Apesar de quantitativamente diferente, eles exercem o mesmo
direito; por isso que são qualitativamente iguais.
Portanto, quando os direitos elementares do proprietário pertencerem a
mais de um titular, existirá o condomínio tradicional, geral ou comum de um
determinado bem, devendo os respectivos condôminos se submeter às regras de
utilização da coisa comum previstas no Código Civil de 2002. De maneira que o
condomínio tradicional, geral ou comum caracteriza-se pela multiplicidade de
sujeitos e unicidade do objeto.
O condomínio é, na realidade, uma exceção à regra pela qual toda
propriedade é exclusiva (art. 1.231 do Código Civil de 2002).[66] O condomínio
também impede o exercício pleno da propriedade. Em outras palavras, trata-se
de um limite ao direito de propriedade, pois embora cada condômino possa usar
a coisa toda (caput do art. 1.314 do Código Civil de 2002), é preciso respeitar a
vontade dos outros condôminos (parágrafo único do art. 1314 do Código Civil
de 2002). No entanto, não há nenhuma infringência ao caráter exclusivista da
propriedade (característica da propriedade). O condomínio tradicional, geral ou
comum mantém a exclusividade, só que essa exclusividade é exercida por 2
(duas) ou mais pessoas, como, por exemplo, no casamento ou na união estável (a
partir do regime de bens passam a ter o condomínio tradicional, geral ou comum
dos bens que pertence a meação) e, também, na sucessão hereditária (onde há
condomínio tradicional, geral ou comum entre todos os herdeiros).
De maneira que, no condomínio tradicional, geral ou comum (voluntário
e necessário) existem temos mais de um sujeito ativo, que são os proprietários,
exercendo o domínio sobre um mesmo objeto, móvel ou imóvel, divisível ou
indivisível (por exemplo, carro, barco, casa, roupa, apartamento, fazenda,
terreno, etc.). Ou seja, o direito subjetivo da propriedade é constituído por 2
(duas) ou mais pessoas, físicas ou jurídicas. De maneira que, se por um lado a lei
permite o condomínio, por outro criou uma ficção jurídica, de modo que cada
condomínio, na verdade, só é dono de uma fração ideal, de uma cota [por
exemplo, 50% (cinquenta por cento) se são 2 (dois) donos; 33% (trinta e três por
cento) se são 3 (três) donos; ou 30% (trinta por cento) pra um e 70% (setenta por
cento) pra outro; etc.]. Embora cada um seja dono de uma cota, para viabilizar o
condomínio cada um deles pode usar a coisa toda (art. 1.314 do Código Civil de
2002).
A esse respeito, PAULO NADER esclarece que, na linguagem do
Código Civil brasileiro de 2002, o vocábulo condomínio é um termo análogo,
pois apresenta 2 (dois) sentidos e ao mesmo tempo afins. Na acepção ampla,
indica que um objeto possui mais de um proprietário. Dá-se na hipótese, por
exemplo, quando duas ou mais pessoas herdam um casa ou compram o mesmo
computador. Existe, igualmente, no acervo de bens pertencentes a pessoas
casadas no regime de comunhão universal de bens. O objeto pode ser a coisa
móvel ou imóvel, divisível ou indivisível.[67] Podemos dizer, assim, que, sob o
ponto de vista subjetivo (em relação aos sujeitos) há uma comunhão, mas, sob o
ponto de vista objetivo há uma indivisão.
Não há menor dúvida de que o condomínio tradicional, geral ou comum
se trata de uma propriedade simultânea e concorrente, de modo que todos são
donos ao mesmo tempo (por isso é simultânea), e todos podem usar a coisa toda
(por isso é concorrente), dentro dos limites da convivência pacifica. Muitas
vezes esta harmonia é dificílima, tanto que os antigos romanos alegavam que o
condominium est mater discordiarum (“o condomínio é a mãe das discórdias”)
ou que a communio mater rixarum (“a comunhão é mãe das brigas”),[68] e a
realidade revela a exatidão desta expressão romana. É muito difícil dividir um
carro ou uma roupa com um irmão: muitas vezes o condomínio é inviável. Um
direito amplo, complexo e importante como a propriedade muitas vezes não
pode ser exercido harmoniosamente por mais de uma pessoa sobre a mesma
coisa. Exatamente por isso que lei permite a extinção do condomínio: communio
solet discordias excitare, nemoque ideo cogitur in communione persistire (“a
comunhão costuma excitar discórdias, e, portanto, ninguém é obrigado a persistir
nela”).
Visto isto, podemos dizer que as características fundamentais do
condomínio tradicional, geral ou comum são as seguintes: 1) indivisibilidade de
seu exercício: característica que se manifesta pela possibilidade de existência de
cotas ideais desiguais e, não obstante, a coisa se mantém una e indivisa, de sorte
que possam todos os condôminos, quaisquer que sejam as suas cotas ideais, ter,
de igual modo, o exercício de seu direito sobre todos os fragmentos da coisa. Daí
o condomínio tradicional, geral ou comum chamar-se pro indiviso. Isso significa
que o condômino de cota ideal a mais reduzida tem, quanto ao exercício, o
mesmo direito que o condômino de cota ideal mais elevada; 2) divisibilidade
quanto à sua extinção: o condomínio tradicional, geral ou comum é temporário.
Tal se revela como um ponto marcante de sua caracterização. Concerne em ter
cada condômino o arbítrio de promover a extinção do condomínio a qualquer
tempo. É o direito assegurado a cada um de retirar-se da comunhão no instante
em que quiser.
2.2 ESPÉCIES DE CONDOMINIO TRADICIONAL,
GERAL OU COMUM
O condomínio tradicional, geral ou comum é classificado pela legislação
brasileira como: 1) condomínio voluntário ou convencional (arts. 1.314 e
seguintes do Código Civil de 2002); e 2) condomínio necessário, legal, fortuito
ou forçado (arts. 1.327 e seguintes do Código Civil de 2002).
A comunhão voluntária ou convencional é de origem negocial tal como
a aquisição, doação e destinação em comum de bem para 2 (duas) ou mais
pessoas podem estas usá-lo e fruí-lo. O casamento em regime de comunhão
universal de bens a estabelece e provoca a conversão da propriedade individual
de um dos cônjuges em condomínio. Há na nossa sistemática jurídica diferenças
marcantes entre o sistema de comunhão e o sistema de condomínio. Embora que,
em nosso direito de família, sobrevivam resquícios do conceito de condomínio
germânico, que prevê a comunhão universal dos bens existentes entre os
cônjuges. Enquanto que a comunhão legal divide-se didaticamente em
comunhão forçada e comunhão fortuita. A forçada resultante de inevitável
estado de indivisão dos bens quer por imposição da ordem jurídica (como por
exemplo, o módulo rural) quer por cercas e muros. Por sinal, a comunhão legal
pode ser passageira ou perene. No primeiro caso a lei tem razões pragmáticas
para defender, o tempo todo, sua extinção. Será permanente enquanto sobreviver
a causa.
2.3 CONDOMINIO VOLUNTÁRIO OU
CONVENCIONAL
2.3.1 Conceito de condomínio voluntário ou convencional
PAULO NADER define condomínio voluntário ou convencional como
aquele que se forma espontaneamente e instaura-se, por exemplo, quando 2
(duas) ou mais pessoas compram coisa móvel ou imóvel ou alguém aliena fração
ideal de um objeto.[69] Portanto é aquele no qual 2 (duas) ou mais pessoas
adquirem um mesmo bem, devendo, então, ser baseado na vontade das partes.
Portanto, estamos diante de um condomínio voluntário ou convencional
quando 2 (duas) ou mais pessoas [multiplicidade de sujeitos] adquirem 1 (um)
mesmo bem [unicidade do objeto], ou quando 2 (duas) ou mais pessoas exercem
composse e todas adquirem a propriedade da coisa pela usucapião. De maneira
que o condomínio será voluntário ou convencional quando formado pela vontade
das partes (como por exemplo, regime de bens escolhido pelo casal). Portanto,
ocorre a voluntariedade no condomínio geral quando duas ou mais pessoas
decidem, por livre deliberação de vontade, se tornar proprietários comuns de
uma mesma coisa ou bem a fim de usar e fruir tal coisa. Justamente por seu
caráter voluntário é que assim quiseram as partes criar, usufruir, dispor e
reivindicar o bem ou objeto de acordo com as suas vontades deliberadas, sem
que agente externo os obrigassem a isso. Igualmente, a duração do condomínio
voluntário será enquanto as partes quiserem mantê-lo.
2.3.2 Regras gerais do condomínio voluntário ou convencional
Inicialmente é importante fazer uma pequena abordagem a respeito do
regime que deve prevalecer no condomínio voluntário ou convencional,
principalmente para definir os direitos e obrigações próprios de tal situação de
comunhão. Antes de qualquer outa coisa, para definir tais direitos e obrigações e
essencial a noção exata de parte ideal ou quota-parte.
Como vimos no capítulo 1, parte ideal ou quota-parte é a fração que, na
coisa indivisa, corresponde a cada condômino. Portanto, há justaposição de
direitos de propriedade sobre cotas abstratas.[70] No entanto, como bem
esclarece o professor da Universidade de Bruxelas e de Gand, RENÉ
DEKKERS, cada proprietário pode se dizer dono, por sua parte, da coisa
comum, na sua integralidade. Seu direito não se circunscreve, com efeito, à
fração ideal. Estende-se a toda a coisa.[71] De maneira que, os condôminos têm
direitos e deveres sobre sua parte ideal ou quota-parte e sobre a coisa comum.
Cada condômino tem, pois, disposição material in solidum [por inteiro, por
todos] e pro parte [por sua parte].
Visto isto, podemos dizer que o condomínio voluntário ou convencional
se norteia pelas seguintes regras gerais: a) cada condômino exerce seu direito de
propriedade sobre a coisa toda, delimitado, naturalmente, por igual direito dos
demais condôminos (caput do art. 1.314 do Código Civil de 2002). Em outras
palavras, sobre a parte ideal ou quota-parte, pode o condômino comportar-se
como proprietário exclusivo, independentemente, por conseguinte, do
consentimento dos outros condôminos; b) a todos pertence a utilidade econômica
da coisa (caput do art. 1.314 do Código Civil de 2002), ou seja, cada condômino
pode usar e fruir a coisa comum sem lhe mudar a destinação e sem ferir o igual
direito dos outros condôminos; c) o direito de cada condômino, em face de
terceiros, abrange a totalidade dos poderes referentes ao direito de propriedade.
Assim, o condômino, ainda que minoritário, pode mover ação de despejo contra
um inquilino, mesmo ante a omissão ou declarada oposição dos demais. O
condômino só pode reivindicar o imóvel contra terceiro e não contra os demais
condôminos (caput do art. 1.314 do Código Civil de 2002); d) cada condômino
tem seu direito delimitado pelo dos outros, na medida de suas quotas (art. 1.315
do Código Civil de 2002);[72] e) as quotas-parte ideais são apenas elementos
aferidos do valor econômico pertencem a cada condômino, para que possa dispor
da coisa (art. 1.315 do Código Civil de 2002).
2.3.3 Direitos dos condôminos no condomínio voluntário ou convencional
Nas relações internas, os direitos dos condôminos estão limitados
quantitativamente, pois a sua extensão depende da cota parte ou fração ideal do
respectivo condômino sobre o bem comum. A propósito, é importante destacar
que a fração ideal é a expressão da medida do aproveitamento econômico de
cada um dos condôminos.
Em assim sendo, no condomínio voluntário ou convencional, os
condôminos possuem os seguintes direitos: a) direito de usar livremente da coisa
conforme sua destinação ou utilização prática e sobre ela exercer todos os
direitos compatíveis com a indivisão, desde que não impeça que os demais
condôminos possam também exercer seus direitos sobre ela (caput do art. 1.314
do Código Civil de 2002); b) direito de reivindicá-la de terceiros (jus
vindicandi) e defender sua posse contra outrem (outro condômino ou terceiro)
que venha a turbá-la ou esbulhá-la, recorrendo aos interditos possessórios; c)
direito de alienar a respectiva parte indivisa, respeitando o direito de
preferência dos demais consortes (art. 1.322 do Código Civil de 2002).[73]; d)
direito de gravar de ônus real a parte indivisa, haja vista que cada condômino
tem o direito de gravar a parte ideal, se indivisível for a coisa (caput do art.
1.314 do Código Civil de 2002); e e) direito de a qualquer tempo requerer a
divisão da coisa comum (art. 1.320 do Código Civil de 2002).[74]
2.3.3.1 Direito de usar a coisa comum
Há de se esclarecer que não é verdade que o condômino pode usar
livremente da coisa. Ao contrário, o condômino tem de se resignar com a
deliberação da maioria e assim não gozar da liberdade apregoada pelo legislador.
Portanto, caso seja respeitada a finalidade e natureza da coisa comum,
cada condômino exerce seu direito como um todo, independentemente de sua
cota. Vale ressaltar a importância de se respeitas a destinação do bem comum..
Assim, cada condômino encontra-se sujeito a limitações à faculdade de
uso e fruição da coisa comum, visto que tais poderes não atendem somente o
interesse de uma pessoa, mas sim a de todos os condôminos. As restrições que a
lei impõe à faculdade de uso e fruição da coisa comum são as seguintes: a)
utilização da coisa comum segundo a sua destinação: um determinado bem
comum, como uma fazenda, pode ser utilizada para os mais diversos fins. Tal
bem pode se destinar, por exemplo, à cultura, à criação de gado ou à indústria,
mas o que vai determinar a destinação de tal bem é a vontade da maioria dos
condôminos. É, portanto, neste sentido que se deve entender a restrição da
utilização da coisa comum segundo a sua destinação. O condômino não pode
utilizar o bem comum para fins diversos da destinação definida pela maioria dos
condôminos (para moradia, para empréstimo, para locação, para comércio, etc.).
De maneira que a destinação do bem comum deve ser, necessariamente, decidida
por maioria das quotas-partes dos condôminos, sendo que, de acordo com o
parágrafo único do art. 1.314 do Código Civil de 2002, um dos condôminos não
pode alterar, de modo algum, a destinação da coisa, sem a anuência dos demais
condôminos, ou seja, sem a deliberação deve ser unânime. Isso pode, como
advertem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD,
representar um “entrave à funcionalização da propriedade, pois o titular de
pequena fração ideal da coisa poderá impedir a concessão de uma destinação
viável ao imóvel por um terceiro, por exemplo, ao discordar da formulação do
direito de superfície”.[75] LUDOVICO BARASSI cita ainda como exemplo, o
caso de um terreno que comporta várias aplicações, podendo ser alugado,
cultivado ou reservado à pastagem; se os condôminos, em maioria, resolvem
destiná-lo à cultura, não pode um deles, manifestando-se em dissidência, exigir
que sua parte seja aplicada na invernagem de gado. Neste fato reside, sem
dúvida, a debilidade do condomínio, pois o condômino sabe que a vontade dos
demais pode decidir soberanamente sobre a destinação da coisa. Portanto, o
condômino pode usar a coisa, de acordo com sua destinação e de modo a não
impedir que os demais condôminos se utilizem também de seus direitos; o
direito de um tem de se afeiçoar ao direito dos demais condôminos, de forma a
não excluí-los ou a não prejudicá-los.[76] b) concessão de posse, uso ou gozo do
bem a terceiros: outra limitação às faculdades de uso e fruição é a de que a
concessão de posse, uso ou gozo do bem a terceiros também depende de
consenso dos demais titulares. Assim, o condômino não pode, sem autorização
dos demais titulares, celebrar contrato de locação, comodato, ou instituir direitos
reais de fruição como o usufruto e a superfície sobre o bem. Entretanto, tal
restrição não se aplica ao condomínio pro diviso, uma vez que nesta modalidade,
como visto, o espaço de atuação do condômino está devidamente delimitado,
não havendo razões para se exigir autorização dos demais; c) exercício de todos
os direitos compatíveis com a indivisão: essa restrição reforça a anterior, no
sentido de condicionar o exercício dos direitos à realização do objetivo comum
dos condôminos; d) restrições em relação aos frutos: o exercício do poder de
fruição permite que o proprietário possa extrair as utilidades renováveis do bem
principal, isto é, os frutos, assim como permite a extração dos produtos –
utilidades não renováveis. No entanto, existem regras específicas no condomínio
que regulam o aproveitamento e a divisão desses frutos e produtos entre os
condôminos. A primeira regra é a de que o condômino responde aos outros pelos
frutos que recebeu da coisa (art. 1.319 do Código Civil de 2002). Por exemplo, a
hipótese de um ex-casal que aguarda o julgamento de uma ação divórcio
litigioso, na qual está pendente a partilha definitiva de bens. Neste caso, o ex-
cônjuge que permaneceu com a posse direta de um imóvel e recebeu os alugueis
deve restituir ao outro o valor correspondente a 50% (cinquenta por cento) dos
rendimentos auferidos. Da mesma forma, se um imóvel for arrendado, os frutos
civis (alugueis) serão repartidos entre os demais condôminos, na falta de
estipulação contrária ou disposição de última vontade, na proporção do quinhão
de cada um. Se os quinhões não foram especificados, entende-se que são iguais.
Entretanto, que tais regras também não se aplicam na hipótese de condomínio
pro diviso.
“Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de cobrança de
indenização entre ex-cônjuges, em decorrência do uso exclusivo
de imóvel ainda não partilhado. Estado de condomínio.
Indenização correspondente a metade do valor da renda de
estimado aluguel, diante da fruição exclusiva do bem comum por
um dos condôminos. Concorrência de ambos os condôminos nas
despesas de conservação da coisa e nos ônus a que estiver sujeita.
Possível dedução. Arts. 1.319 e 1.315 do CC/02. - Com a
separação do casal cessa a comunhão de bens, de modo que,
embora ainda não operada a partilha do patrimônio comum do
casal, é facultado a um dos ex-cônjuges exigir do outro, que
estiver na posse e uso exclusivos de determinado imóvel, a título
de indenização, parcela correspondente à metade da renda de um
presumido aluguel, devida a partir da citação. - Enquanto não
dividido o imóvel, a propriedade do casal sobre o bem
remanesce, sob as regras que regem o instituto do condomínio,
notadamente aquela que estabelece que cada condômino
responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa, nos
termos do art. 1.319 do CC/02. Assim, se apenas um dos
condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização
àquele que se encontra privado da fruição da coisa. - Subsiste, em
igual medida, a obrigação de ambos os condôminos, na
proporção de cada parte, de concorrer para as despesas inerentes
à manutenção da coisa, o que engloba os gastos resultantes da
necessária regularização do imóvel junto aos órgãos competentes,
dos impostos, taxas e encargos que porventura onerem o bem,
além, é claro, da obrigação de promover a sua venda, para que se
ultime a partilha, nos termos em que formulado o acordo entre as
partes. Inteligência do art. 1.315 do CC/02. Recurso especial
parcialmente provido”.[77]
Chama-se a atenção para o fato de, se se tratar de prédio urbano, pode
um dos condôminos ocupá-lo para a sua moradia. Em tais casos discute-se se os
demais condôminos podem ou não exigir-lhe aluguel; a questão tem sido
solucionada de modo contraditório, mas predomina o entendimento no sentido
de que aquele que foi residir em prédio comum obrigado é a pagar aluguel aos
demais condôminos;[78]
Outra questão reside no caso de o prédio comum estar alugado para
terceira pessoa e um dos condôminos pedir para uso próprio, promovendo o
despejo do inquilino; em tais casos, o entendimento predominante é no sentido
de que a retomada pode ser feita sem anuência dos demais condôminos, mas
implica no pagamento de aluguel para os demais condôminos que se privaram da
utilização da coisa.[79]
Finalmente, acrescentamos que um dos condôminos pode perfeitamente
exigir que o vizinho da coisa comum faça determinada obra de reparação em seu
prédio.[80]
2.3.3.2 Direito de reivindicar a coisa comum de terceiros
O direito de reivindicar a coisa comum de terceiros é inerente ao
exercício do direito de propriedade em comunhão. É a reivindicatio. Quer dizer,
reaver de quem quer que a possua ou detenha, injustamente. Até mesmo porque
este poder individual resulta, provavelmente, em benefício de todos. A
possibilidade de manejo da ação reivindicatória decorre, pois, da previsão do art.
1.314 do Código Civil de 2002, que permite ao condômino reivindicar a coisa de
terceiro.
Tanto doutrina como jurisprudência sustenta que o condômino pode
lançar mão das ações possessórias contra outros condôminos, desde que exerça
posse pro diviso; mas não terá direito de propor ação reivindicatória para haver
qualquer excesso porventura ocupado por outro condômino na coisa comum.
Portanto, o condômino não pode reivindicar a coisa de outro condômino, pois
este a detém justamente, consigo, e tem o direito de usar a coisa comum. Com
efeito não pode figurar no pólo passivo da ação reivindicatória algum outro
condômino, vez que a ação petitória é a ação específica do proprietário não
possuidor contra o possuidor não proprietário.
Por outro lado, a ação cabível entre condôminos é a ação de
reintegração de posse. De fato, as ações possessórias podem ser propostas contra
condômino, para que ele cesse com a turbação. Lembramos que turbação é o ato
de perturbar, embaraçar, por em desordem, agitar; é o impedimento ilegal do
livre exercício dos direitos alheios. Assim, turbação da posse é, segundo
ORLANDO GOMES DOS SANTOS, o “ato que embaraça o livre e normal
exercício da posse, haja ou não dano, tenha ou não o turbador melhor direito
sobre a coisa, haja, ou não, dano, tenha o turbador, ou não, melhor direito sobre a
coisa”;[81] igualmente, segundo MARIA HELENA DINIZ , é o “ato ilegítimo que
estorva o exercício da posse e dá o direito ao possuidor turbado de propor a ação
de manutenção de posse”.[82]
“CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. ÁREA COMUM.
CONDOMÍNIO. NÃO CABIMENTO. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. 1. O
condomínio, representado pelo síndico, tem legitimidade para
propor ação reivindicatória em defesa da área comum contra
terceiro, mas não contra outro condômino, conforme dispõe o
artigo 623, II, do Código Civil de 1916. 2. Malgrado a tese de
dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais
regentes da matéria (art. 541, parágrafo único, do CPC c/c art.
255 do RISTJ), de confronto, que não se satisfaz com a simples
transcrição de ementas, entre trechos do acórdão recorrido e das
decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as
circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos
confrontados. Ausente a demonstração analítica do dissenso,
incide a censura da súmula 284 do Supremo Tribunal Federal. 3.
Recurso especial não conhecido”.[83]
Portanto, tais ações intentadas por um dos consortes versarão sobre todo
o imóvel indiviso e não somente sobre a fração ideal daquele que as move. Da
mesma forma a sentença aproveitará a todos os comunheiros e não apenas ao
autor. Cada condômino poderá reivindicar de terceiro todo o bem indiviso e não
apenas a sua fração ideal, independentemente, sem a anuência dos demais
consortes e até mesmo contra a vontade destes (caput do art. 1.314 do Código
Civil de 2002).
“RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA -
TUTELA DE BEM DEIXADO PELO DE CUJUS - PARTILHA
AINDA NÃO VERIFICADA - CO-HERDEIRO -
LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA - RECURSO
ESPECIAL PROVIDO. 1. Sendo a herança uma universalidade,
é de rigor reconhecer-se que sobre ela os herdeiros detêm frações
ideais não individualizadas, pois, até a partilha. 2. Aberta a
sucessão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo
hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à
propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao
condomínio (artigo 1791, parágrafo único, do Código Civil). 3.
Tal como ocorre em relação a um condômino, ao co-herdeiro é
dada a legitimidade ad causam para reivindicar,
independentemente da formação de litisconsórcio com os demais
co-herdeiros, a coisa comum que esteja indevidamente em poder
de terceiro, nos moldes no artigo 1314 da lei civil. 4. O disposto
no artigo 12, V, do Código de Processo Civil não exclui, nas
hipóteses em que ainda não se verificou a partilha, a legitimidade
de cada herdeiro vindicar em juízo os bens recebidos a título de
herança, porquanto, in casu, trata-se de legitimação concorrente.
5. Recurso especial provido”.[84]
2.3.3.3 Direito de alienar a parte indivisa
Inicialmente, esclarecemos que o poder de disposição compreende todos
os atos de alteração material ou jurídica da coisa. Por alteração material
entendem-se os atos que impliquem a destruição da substância da coisa, como o
ato de consumo, e a alteração jurídica, quando parcial, importa na instituição de
um gravame (ônus real) sobre o bem, e quanto total, representa mudança da
própria titularidade, como se dá na alienação inter vivos. Especificamente em
relação ao poder de disposição jurídica total (por exemplo, alienação onerosa
por ato inter vivos) ou poder de disposição jurídica parcial (por exemplo,
instituição de hipoteca) da coisa, não há restrições ao exercício deste direito,
que, portanto, pode ser transferido independentemente da autorização dos
demais condôminos (parte final do caput do art. 1.314 do código Civil de 2002).
Portanto, o condômino pode livremente alhear (alienar) ou gravar de ônus real a
sua fração ideal a terceiros. Observa-se que a liberdade é quanto à alienação da
fração ideal, o que significa, a contrario sensu, que o condomínio não poderá
alienar o todo sem autorização dos demais. Se isto acontecer, ter-se-á uma
hipótese de ineficácia relativa do negócio jurídico em relação aos demais
condôminos – venda a non domino.
De fato, o art. 1.314 do Código Civil de 2002 permite que cada
condômino possa sozinho alhear sua parte indivisa sem o consentimento dos
demais. Não há como os demais consortes impedirem a venda da fração ideal.
No entanto, se, por um lado, cada condômino tem o direito de alienar a
respectiva parte indivisa (quota-parte), por outro, deve ser respeitando, porém, o
direito de preferência dos demais consortes. Ou seja, o condômino que pretende
alienar a sua parte na coisa comum precisar, antes, oferecer aos demais
condôminos. Este é o exercício de preferência ou preempção.
“AÇÃO DE PREFERÊNCIA - RENÚNCIA DE USUFRUTO
EM FAVOR DE CO-PROPRIETÁRIOS - AUSÊNCIA DE
ALIENAÇÃO DE QUINHÃO - ARTIGO 504 DO CÓDIGO
CIVIL - CARÊNCIA DE AÇÃO O artigo 504 do Código Civil é
aplicável na hipótese de venda de quinhão a terceiros estranhos,
não se enquadrando neste dispositivo a renúncia de usufruto em
favor de co-proprietários”.[85]
Desta maneira um tabelião de notas não pode lavrar escritura pública de
compra e venda de parte ideal de imóvel indivisível em que o alienante seja um
dos condôminos, sem obter o consentimento dos demais.
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PEREMPÇÃO - VENDA DE
PARCELA IDEAL CORRESPONDENTE A 50% DE BEM
IMÓVEL RURAL - AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO
CONDÔMINO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE
PREFERÊNCIA - RELAÇÃO CONDOMINIAL PRO
INDIVISO QUE NÃO SUGERE A INDIVISIBILIDADE DO
BEM - INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 504 DO CÓDIGO
CIVIL - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO”.[86]
“AÇÃO ANULATÓRIA - DIREITO DE PREFERÊNCIA -
CONDOMÍNIO - ALIENAÇÃO DE PARTE DO IMÓVEL -
AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO CONDÔMINO - ARTIGO
504 DO CÓDIGO CIVIL - DEPÓSITO DO PREÇO -
ANULAÇÃO DO NEGÓCIO - TRANSMISSÃO DO BEM AO
CONSORTE. Encontrando-se o bem em estado de indivisão, o
condômino que desejar alienar sua fração ideal do condomínio
deve obrigatoriamente notificar os demais condôminos para que
possam exercer o direito de preferência na aquisição, nos termos
do art. 504 do Código Civil. O condômino que não teve a
oportunidade de exercer o direito de preferência poderá fazê-lo
após a alienação do imóvel, depositando o preço e havendo para
si a parte vendida sem seu conhecimento”.[87]
Com efeito, o caput do art. 504 do Código Civil de 2002,[88] o qual tem
redação idêntica à do Código Civil de 1.916, prescreve que não pode um
condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte
a quiser, tanto por tanto. Se vender para terceiro e não oferecer para os demais
condôminos, qualquer destes pode depositar, nos primeiros 180 (cento e oitenta)
dias, o valor pactuado, e o negócio será desfeito. Isto porque o mesmo
dispositivo legal estabelece que o condômino, a quem não se der conhecimento
da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos,
se o requerer no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de decadência.
“RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE
NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO c/c ADJUDICAÇÃO
DE FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEL - CESSÃO DE QUOTA
PARTE A CONDÔMINO - ACÓRDÃO DO TRIBUNAL
ESTADUAL QUE, AO REFORMAR A SENTENÇA, ADOTA
ENTENDIMENTO DE QUE A PREEMPÇÃO DEVE SER
OBSERVADA TANTO PARA ALIENAÇÃO A ESTRANHOS
QUANTO A COMUNHEIROS - INTERPRETAÇÃO DO
DISPOSTO NO ARTIGO 504 DO CÓDIGO CIVIL.
INSURGÊNCIA DO RÉU. DIREITO DE PREFERÊNCIA -
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA - INAPLICABILIDADE
QUANDO SE TRATA DE NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO
ENTRE CONDÔMINOS. Hipótese: demanda visando à
declaração de nulidade de alienação de fração ideal a condômino,
ante o fundamento de inobservância ao direito de prelação dos
demais consortes. Tribunal a quo que, ao reformar a sentença de
improcedência, acolhe a pretensão veiculada na inicial, a fim de
declarar nula a cessão de quota parte do imóvel objeto da
demanda, assegurando aos autores o direito à aquisição do bem.
1. O direito legal de preferência atribuído aos condôminos de
bem indivisível (ou não dividido), nos termos do artigo 504 do
Código Civil, tem por escopo precípuo o de impedir o ingresso
de terceiros estranhos à comunhão, ante o potencial conflituoso
inerente a essa forma anômala de propriedade. 2. A
alienação/cessão de frações ideais entre condôminos refoge à
finalidade intrínseca ao direito de preferência, uma vez que não
se trata de hipótese de ingresso de terceiro/estranho à comunhão,
mas de manutenção dos consortes (à exceção daquele que alienou
integralmente a sua parcela), apenas com alterações no
percentual da parte ideal daquele que adquiriu a parte de outrem.
3. Inaplicabilidade dos artigos 1.322 do Código Civil e 1.118 do
Código de Processo Civil, visto que não instituem qualquer
direito de prelação, mas, tão-somente, os critérios a serem
adotados em caso de extinção do condomínio pela alienação da
coisa comum. Ademais, tratando-se de restrição à liberdade de
contratar, o instituto em comento - direito de preferência - deve
ser interpretado de forma restritiva. Assim, se a lei de regência -
artigo 504 - apenas o institui em relação às alienações a
estranhos, não cabe ao intérprete, extensivamente, aplicar tal
norma aos casos de compra e venda entre consortes. 4.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO, a fim de julgar
improcedentes os pedidos veiculados na inicial, restabelecendo-
se a sentença”.[89]
Não se pode perder de vista que o referido art. 504 do Código Civil de
2002 regulamenta o direito de preferência do condômino na aquisição do bem
indivisível. De maneira que a venda feita pelo condômino a estranho com
preterição dos demais só será definitiva após o decurso do prazo de decadência
de 180 (cento e oitenta) dias (contados a partir do momento em que cada
condômino teve conhecimento da venda) se reclamação alguma for apresentada
pelos demais condôminos. Portanto, a alienação, sem respeito à condicionante da
concessão do direito de preferência aos demais condôminos, fica eivada pela
ineficácia relativa, e não pela nulidade. Assim, o condômino traído em seu
direito de preferência tem o prazo de 180 (cento e oitenta) dias (prazo
decadencial) para desconstituir a alienação mediante o exercício potestativo de
depositar idêntico valor praticado àquela época e que fora pago por estranho. O
referido procedimento deve seguir a jurisdição voluntária, conforme o previsto
no inciso IV do art. 725 do Código de Processo Civil de 2015.[90] Vale destacar
que a disposição do art. 504 do Código Civil de 2002 opera distinção sobre a
possibilidade de constituição de ônus reais em bens divisíveis ou indivisíveis,
permitindo-se genericamente a constrição de bens que se encontrem em estado
de indivisão.
“AÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO - NULIDADE
DA SENTENÇA - OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE
FÍSICA DO JUIZ - PRECLUSÃO PRO JUDICATO - DIREITO
DE PREFERÊNCIA - ARTIGO 504 DO CÓDIGO CIVIL -
DEPÓSITO DO PREÇO NO PRAZO DE CENTO E OITENTA
DIAS - PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO
PROCESSO - INAPLICAÇÃO DO ARTIGO 284, CAPUT, DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. - A doutrina e a
jurisprudência pátrias têm proclamado que o principio da
identidade física do juiz não reveste-se de caráter absoluto,
merecendo prioridade os fins instrumentais do Processo Civil. -
Revela-se princípio salutar e comezinho do Direito Processual
Civil a inexistência de preclusão pro judicato ou em desfavor da
parte - temporal, consumativa ou lógica - no que tange ao
conhecimento de matéria de ordem pública, tal qual a
ilegitimidade das partes e demais discussões em torno das
condições da ação e pressupostos processuais e existência e
validade, podendo o interessado arguir estas questões
preliminares em qualquer tempo e grau de jurisdição, ainda que
tenha o magistrado delas conhecido e rejeitado em momento
anterior. - A comprovação de que o depósito do preço foi feito no
prazo de cento e oitenta dias constitui pressuposto de constituição
e desenvolvimento válido e regular do processo, sem o qual não
há como prosperar a ação de preferência de que trata o artigo 504
do Código Civil. - A falta de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido e regular do processo não se insere no
rol dos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil, como
defeito que possa ser sanado no prazo do artigo 284, caput, do
mesmo diploma legal. Hipótese em que, ademais, o prazo do
artigo 504 do Código Civil é decadencial”.[91]
“APELAÇÃO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. Artigo 504 do
Código Civil. PRAZO DECADENCIAL. Termo inicial a contar
do registro imobiliário. Decurso de prazo superior a 180 dias
entre o registro imobiliário e o ajuizamento da demanda. Recurso
improvido”.[92]
“DIREITO CIVIL. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS.
CONDOMÍNIO. INDIVISIBILIDADE. DIREITO DE
PREFERÊNCIA DOS CO-HERDEIROS. ART. 1139 DO
CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 504 DO CC EM VIGOR). 1.
"Os co-herdeiros, antes de ultimada a partilha, exercem a com
propriedade sobre os bens que integram o acervo hereditário 'pro-
indiviso', sendo exigível, daquele que pretenda ceder ou alhear
seu(s) quinhão(ões), conferir aos demais oportunidade para o
exercício de preferência na aquisição, nos moldes do que
preceitua o art. 1139, CC" (REsp n. 50.226/BA). 2. O art. 1.139
do Código Civil de 1916 (art. 504 do CC em vigor) não faz
nenhuma distinção entre indivisibilidade real e jurídica para
efeito de assegurar o direito de preferência ali especificado.
Interpretação em sintonia com a norma do art. 633 do mesmo
diploma legal, segundo a qual "nenhum condômino pode, sem
prévio consenso dos outros, dar posse, uso, ou gozo da
propriedade a estranhos" (art. 633). 3. Ao prescrever, do modo
taxativo, a indivisibilidade da herança, assim o fez o legislador
por divisar a necessidade de proteção de interesses específicos da
universalidade ali estabelecida, certamente não menos relevantes
do que os aspectos de ordem meramente prática que poderiam
inviabilizar a divisão física do patrimônio. 4. Recurso especial
provido”.[93]
No entanto, devemos alertar para o fato de que não é pacifico o
entendimento quanto ao inicio da contagem do prazo de decadência, neste caso.
Uma parte da doutrina acha que o termo inicial para a contagem do prazo
decadencial a que se refere o art. 504 do Código Civil de 2002, para o exercício
do direito de preferência, é a data do registro da escritura de compra e venda no
Registro de Imóveis, eis que o registro é que dá publicidade ao ato. Por sinal este
posicionamento está em consonância com o art. 1º da Lei n° 8.935, de
18.11.1994, a qual dispõe que os "serviços notariais e de registro são os de
organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos". Por outro lado, há os que
sustentam que o prazo decadencial somente fluirá a partir da ciência inequívoca
pelo condômino preterido na venda do bem indivisível, independentemente de
estar ou não a escritura registrada no Cartório do Registro de Imóveis,
entendimento este ao qual entendemos por bem aderir.
Em relação ao direito de preferência, é importante ainda destacar que,
além da hipótese prevista no art. 504 do Código Civil de 2002, pode ocorrer
também a existência de direito de preferência do locatário ou sublocatário da
coisa em relação àquele que não é condômino, quando em condições iguais a
este último, caso o mesmo não exerça seu direito, ressalvado que é impossível o
exercício do direito de preferência se o contrato de locação não for previamente
averbado junto ao Registro de Imóveis, de acordo com o número 16 do inciso II
do art. 167 da Lei n° 6.015, de 31.12.1973 [“No Registro de Imóveis, além da
matrícula, serão feitos (...) a averbação (...) do contrato de locação, para os fins
de exercício do direito de preferência (...)”].
Por sinal, a Lei do Inquilinato (Lei n° 8.245, de 18.10.1991), ao tratar do
exercício do direito de preferência pelo locatário e pelo sublocatário em relação
ao imóvel locado, ressalva que, em havendo condomínio no imóvel locado, a
preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário e sublocatário.
Com efeito, o seu art. 33 menciona expressamente que “o locatário preterido no
seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou,
depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o
imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato
no Cartório de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo
menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel”.[94]
“APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO ORDINÁRIA
DECLARATÓRIA DE NULIDADE POR SIMULAÇÃO
CUMULADA COM CANCELAMENTO DE REGISTRO
IMOBILIÁRIO CONEXA À AÇÃO DE COBRANÇA DE
ALUGUERES - COPROPRIEDADE ENTRE IRMÃS EM
PARTES IGUAIS - PRELIMINAR ARGUIDA EM
CONTRARRAZÕES - INTEMPESTIVIDADE - NÃO
ACOLHIMENTO.RECURSO DE APELAÇÃO. 1- AÇÃO
DECLARATÓRIA DE NULIDADE POR SIMULAÇÃO
CUMULADA COM CANCELAMENTO DE REGISTRO
IMOBILIÁRIO - FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEL ALIENADA
POR DUAS VEZES - PRIMEIRO AJUSTE - HIGIDEZ -
CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA
ATRELADO À PROCURAÇÃO PÚBLICA COM
CONTORNOS DE PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA -
AQUISIÇÃO CONFIGURADA - SEGUNDA COMPRA E
VENDA - SIMULAÇÃO CARACTERIZADA - NEGÓCIO
REALIZADO ENTRE IRMÃOS - COMPRADOR QUE TINHA
CIÊNCIA DA PRIMEIRA AVENÇA E TODAS AS
PARTICULARIDADES QUE A ENVOLVIA -
INTENCIONALIDADE DA SIMULAÇÃO, ACORDO ENTRE
AS PARTES E INTUITO DE PREJUDICAR TERCEIROS
EVIDENCIADOS - DIREITO DE PREFERÊNCIA - ARTIGO
5045 DO CÓDIGO CIVIL - DESATENDIMENTO - ÔNUS
SUCUMBENCIAL - INVERSÃO - VERBA HONORÁRIA
FIXADA SEGUNDO OS DITAMES DOS §§ 3º E 4º, DO
ARTIGO 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CVIL. Tribunal de
Justiça do Estado do ParanáRECURSO DE APELAÇÃO. 2-
SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO REFERENTE
À AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUERES POR
AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR - MANUTENÇÃO,
AINDA QUE SOB OUTRO FUNDAMENTO - DECLARAÇÃO
DE NULIDADE DA ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E
COMPRA QUE IMPLICA NO RECONHECIMENTO DA
ILEGITIMIDADE ATIVA - AUTORES QUE NÃO
DEMONSTRARAM SER LOCADORES OU
COPROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. I- Simulação - Indubitável
que a relação de parentesco constitui indício relevante de
simulação. Assim sendo, demonstrando os autos que a Escritura
Pública de Venda e Compra formalizada entre irmãos, sendo que
o comprador possuía, confessadamente, ciência de que a mesma
cota-parte de imóvel havia sido vendida a outra irmã, por meio de
procuração em causa própria, em um interstício de tempo de
pouco mais de um ano, torna imperiosa a declaração de sua
nulidade, uma vez averiguada a intencionalidade da simulação, o
acordo malicioso e de má-fé entre as partes e o intuito de
prejudicar terceiro, na medida em que o ato, indiscutivelmente,
pretendia retirar da esfera patrimonial da primeira compradora o
bem objeto da lide. II- Direito de preferência - O exercício do
direito de preferência disciplinado no artigo 504, Código Civil
corresponde à hipótese de venda da fração-ideal a estranho que,
por sua vez, entende-se como aquele que não é condômino da
coisa, em detrimento dos demais comproprietários. Sua
inobservância, pela parte vendedora, com vistas ao panorama
fático-probatório evidenciado nos autos, denota a sua má-fé e,
por conseguinte, corrobora o entendimento de que a segunda
compra e venda sobre a mesma fração-ideal é simulada. III-
Sucumbência - O acolhimento integral do pedido inicial, em sede
recursal, implica na inversão do ônus sucumbencial distribuído
pelo Juízo primevo. IV- Verba honorária - Em se tratando de ação
de cunho meramente declaratório, a verba honorária a ser fixada
deve ser apreciada equitativamente, nos moldes dos §§ 3º e 4°, do
artigo 20 do Código de Processo Civil. Tribunal de Justiça do
Estado do ParanáV - Da ilegitimidade ativa para cobrança dos
alugueres - O reconhecimento da simulação e a consequente
declaração de nulidade da escritura de venda e compra aniquila a
pretensão de cobrança de alugueres formulada pelos ora
apelantes, considerando que não possuem vínculo algum com o
imóvel objeto da lide. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.
RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO”.[95]
Em suma, se, por um lado, o condômino tem direito de alienar a parte
indivisa, por outro tem a obrigação de preferência aos demais condôminos. Mas
isto somente quando alguém quiser vender sua cota em coisa comum indivisível.
Com efeito, se a coisa comum é divisível (como, por exemplo, um terreno de
grandes dimensões) não precisa dar essa preferência (art. 504 do Código Civil de
2002). Outrossim, um dos condôminos pode alienar o todo da coisa comum e
indivisível, desde que haja a anuência dos demais condôminos.
“ADJUDICAÇÃO – CONDOMINOS. Aos condominos deve ser
estendido o direito de adjudicação, previsto na cabeça artigo 685-
A do Código de Processo Civil [art. 876 do CPC de 2015].
Inteligência dos artigos 504 do Código Civil c.c. o artigo 1118 do
Código de Processo Civil. RECURSO PROVIDO”.[96]
Por outro lado, conforme destaca CLÓVIS BEVILÁQUA, “não havendo
nenhuma das causas de preferência, o direito igual dos condôminos anula-se
reciprocamente, e a coisa será vendida ao estranho”.[97]
2.3.3.4 Direito de gravar de ônus real a parte indivisa
O §2° do art. 1.420 do Código Civil de 2002 [98] impede veemente que a
coisa comum seja dada em garantia na sua totalidade sem o consentimento de
todos, porém, permite que cada consorte possa dar sua fração ideal em garantia
(penhor, hipoteca ou anticrese), independentemente de sua natureza divisível ou
não.
Com efeito, cada condômino tem, de fato, o direito de gravar com ônus
real a sua quota-parte da coisa indivisível e comum. Como, por exemplo, o
condômino pode dar sua parte em penhora, hipotecá-la, dar em anticrese.
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. CO-
PROPRIEDADE. PENHORA. BEM INDIVISÍVEL.
POSSIBILIDADE. RESERVA DE VALOR. PREFERÊNCIA.
ARTIGOS 504, DO CÓDIGO CIVIL, E 1.118, DO CPC.
MEAÇÃO. 1. Em se tratando de bem indivisível, deve a penhora
recair sobre a totalidade do bem, sendo garantida, quando da
arrematação, a reserva do valor correspondente à parcela do co-
proprietário. 2. O co-proprietário goza de direito de preferência
na aquisição do bem, nos termos dos artigos 504, do Código
Civil, e 1.118, do CPC, podendo adquirir a parcela pertencente
àquele que promoveu alienação, consolidando o domínio. 3. A
proteção à meação do embargante está prevista no art. 655-B, do
CPC, o qual dispõe que ‘Tratando-se de penhora em bem
indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre
o produto da alienação do bem’”.[99]
Portanto, cada condômino pode, perfeitamente, dar seu quinhão em
hipoteca, mas não pode hipotecar, por exemplo, a propriedade sob condomínio,
em sua totalidade, sem o consenso dos demais coproprietários.
Esse consentimento, por igual, é indispensável, se indivisível a coisa,
porém, se divisível, desnecessária se torna a concordância dos demais
condôminos.
2.3.3.5 Direito a divisão da coisa comum
Há casos em que o condomínio perdura indefinidamente, como, por
exemplo, naqueles de condomínio necessário ou forçado, em que a lei não
permite divisão, ou esta é naturalmente excluída, por ser impossível, como por
exemplo, no caso de prédio indivisível, bem como no de tapumes divisórios,
quando comuns. No entanto, em se tratando de condomínio voluntário ou
convencional, objetivando coisa divisível, é transitório o estado de comunhão e a
qualquer condômino assiste o direito de exigir, a todo tempo, a divisão da coisa
comum.
Como dissemos em outra oportunidade e como destaca WASHINGTON
DE BARROS MONTEIRO, o direito assegurado no art. 1.320 do Código Civil
de 2002 baseia-se na experiência segundo a qual o condomínio, não raras vezes,
é “sementeira de discórdias”. Se não bastasse isto, está sobejamente
demonstrado que a propriedade individual sempre se evidencia mais fecunda e
mais produtiva que a propriedade comum.[100]
“APELAÇÃO – EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO – BEM
INDIVISÍVEL – ALIENAÇÃO JUDICIAL – POSSIBILIDADE
– DIREITO À MORADIA – INAPLICABILIDADE –
PRECLUSÃO TEMPORAL – OCORRÊNCIA. O condômino
poderá requerer, a qualquer tempo, a alienação da coisa comum,
a fim de se repartir o produto na proporção de cada quinhão
quando, por circunstância de fato ou por desacordo, não for
possível o uso e gozo em conjunto do imóvel indivisível,
resguardando-se o direito de preferência contido no art. 1.322 do
Código Civil. O direito a moradia não pode ser invocado para se
manter o condomínio de imóvel. A ausência da vontade de
manter a sociedade condominial é motivo legal para o seu
desfazimento. A inércia do litigante em praticar determinado ato
processual, a tempo e modo, o impede de perfazê-lo em momento
posterior”.[101]
Como visto, a qualquer momento o condômino insatisfeito com a
comunhão pode pedir a divisão ou alienação da coisa (art. 1.320 do Código Civil
de 2002). Esta regra sobre a possibilidade de extinguir o condomínio se justifica
em vista da frequência de discórdias em relação à utilização da coisa comum.
Assim é que se, por exemplo, 4 (quatro) pessoas são proprietárias de uma gleba
de terras e uma delas quiser vender tal coisa, sua vontade vai prevalecer sobre a
dos outros 3 (três) proprietários, e a gleba será vendida para dividir o dinheiro
apurado no negócio, salvo se estes 3 (três) proprietários quiserem comprar a
parte do condômino que quer vender. Igualmente, se 20 (vinte) pessoas têm um
determinado barco de pesca e apenas uma delas quiser vender, sua vontade vai
prevalecer sobre a dos outros 19 (dezenove), e a coisa comum será vendida para
dividir o dinheiro apurado na venda, salvo se estes 19 (dezenove) quiserem
comprar a parte do que quer vender (art. 1.322 do código Civil de 2002).
Portanto, o poder da maioria previsto no art. 1.325 do Código Civil de 2002,[102]
não prevalece em caso de venda da coisa comum, mas apenas em casos de
administração (como, por exemplo, explorar uma fazenda para pecuária ou
agricultura, alugar, emprestar, etc.), tal como disposto no art. 1.323 do Código
Civil de 2002.[103] De maneira que para vender a coisa comum basta apenas um
condômino querer, mas, para administrar a coisa comum, prevalece a vontade da
maioria.
“APELAÇÃO CÍVEL – EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO –
IMÓVEL – OPOSIÇÃO – DESCABIMENTO – DIREITO
POTESTATIVO DO CONDÔMINO – DIVISÃO DA COISA
COMUM OU ALIENAÇÃO DO BEM – HIPÓTESE LEGAL. I-
Havendo condomínio sobre o imóvel, não pode um condômino se
opor ao direito dos demais de exigir sua extinção, mediante a
divisão da coisa comum, conforme disposto pelo art.1.320 do
Código Civil. II- Caso constatada a impossibilidade de se dividir
o imóvel, impõe-se reconhecer o direito de qualquer dos
condôminos de requerer a sua alienação a terceiros, com a
divisão do valor da coisa, a teor do art. 1.322 do Código Civil. III
- Não comprovado nos os efetivos gastos com conservação e
manutenção da coisa comum, que excedam o que incumbe ao
morador, não há que se falar em compensação ou abatimento. IV-
A ausência de manifestação pelo juízo na primeira instância
sobre o pedido de gratuidade judiciária equivale ao deferimento
tácito do benefício. A mera declaração da parte, no sentido de
não possuir recursos suficientes para arcar com o pagamento das
despesas processuais, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua
família, é suficiente para o deferimento do benefício, conforme o
art. 4º, da Lei nº 1.060/50. O indeferimento de plano do benefício
pelo julgador imprescinde da presença de fundadas razões para
tanto (art. 5º, da Lei nº 1.060/1950), inexistentes na espécie”.[104]
No entanto, não se pode perder de vista que a regra contida no caput do
art. 1.320 do Código Civil de 2002 [“A todo tempo será lícito ao condômino
exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua
parte nas despesas da divisão”] deve ser interpretada em harmonia com a regra
estabelecida pelo § 1º do mesmo artigo, que autoriza o acordo de indivisão pelo
prazo máximo de 5 (cinco) anos, suscetível de prorrogação, sendo que tal
prorrogação pode ser feita mais de uma vez e sem qualquer limite. Entretanto,
nos casos de doação e testamento a indivisão estabelecida não pode ser superior
a 5 (cinco) anos. Caso se tenha fixado prazo maior, este deverá ser reduzido
àquele máximo (§ 2° do art. 1.320 do Código Civil de 2002). Passado o referido
prazo, o efeito não deve ser a divisão imediata da coisa comum, mas sim a
conversão à divisibilidade, ou seja, a coisa passa a ser suscetível de divisão a
qualquer momento e por iniciativa de um, de vários ou de todos os condôminos.
Mas, se existirem motivos graves que justifiquem a divisão da coisa comum
antes de passado o prazo convencionado para o estado de indivisão, o juiz,
mediante requerimento de qualquer interessado, pode perfeitamente determinar
que se a divida, extinguindo-se assim o condomínio (§ 3° do art. 1.320 do
Código Civil de 2002). De maneira que esse tipo de condomínio não pode ser
acordado “senão pelo prazo relativamente curto de 5 (cinco) anos, atendendo,
dessa forma, ao caráter instável e provisório do condomínio. A ação de divisão
(actio communi dividendo) pode ser exercida, em qualquer tempo, por qualquer
dos condôminos, mesmo sendo minoritário e até se a maioria desejar continuar
com o condomínio (art. 1.320 do Código Civil de 2002)”.[105]
“APELAÇÃO CÍVEL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL – INOCORRÊNCIA – EXTINÇÃO DE
CONDOMÍNIO – IMÓVEL – OPOSIÇÃO – DESCABIMENTO
– DIREITO POTESTATIVO DO CONDÔMINO – DIVISÃO DA
COISA COMUM OU ALIENAÇÃO DO BEM – HIPÓTESE
LEGAL. I- No caso, a sentença mostra-se cristalina,
encontrando-se devidamente fundamentada, tendo sido nela
apreciadas todas as questões levantadas dos autos, aplicando-se
as normas legais pertinentes à matéria, não havendo que se falar
em negativa de prestação jurisdicional. II- Havendo condomínio
sobre o imóvel, não pode um condômino se opor ao direito dos
demais de exigir sua extinção, mediante a divisão da coisa
comum, conforme disposto pelo art.1.320 do Código Civil. III-
Caso constatada a impossibilidade de se dividir o imóvel, impõe-
se reconhecer o direito de qualquer dos condôminos de requerer
sua adjudicação a um só, indenizando os outros, ou sua alienação
do bem a terceiros, com a divisão do valor da coisa, a teor do art.
1.322 do Código Civil, abatendo-se do preço auferido as
despesas tidas com a manutenção do imóvel”.[106]
O art. 1.321 do Código Civil de 2002 [107] prescreve que se aplicam à
divisão do condomínio, no que couber, as regras de partilha de herança,
previstas nos arts. 2.013 a 2.022 do Código Civil de 2002. Tais disposições
estabelecem as seguintes regras: 1) o condômino pode sempre requerer a
partilha, ainda que o instrumento de instituição do condomínio o proíba, cabendo
igual faculdade aos seus cessionários e credores (art. 2.013).[108] Portanto, os
cessionários e credores de condômino podem requerer a divisão, aplicando-se
supletivamente o disposto no art. 2.013 do Código Civil de 2002; 2) pode o
administrador indicar os bens e valores que devem compor os quinhões,
deliberando ele próprio a partilha, que prevalecerá, salvo se o valor dos bens não
corresponder às quotas estabelecidas (art. 2.014);[109] 3) se os condôminos forem
capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos
de extinção do condomínio, ou escrito particular, homologado pelo juiz. (art.
2.015);[110] 4) será sempre judicial a partilha, se os condôminos divergirem, assim
como se algum deles for incapaz (art. 2.106);[111] 5) no partilhar os bens,
observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade
possível (art. 2.107);[112] 6) é válida a partilha feita por ascendente, por ato entre
vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique quotas dos demais
condôminos (art. 2.018);[113] 7) os bens insuscetíveis de divisão cômoda, que não
couberem na quota de cada condômino ou na quota de um só condômino, serão
vendidos judicialmente, partilhando-se o valor apurado, a não ser que haja
acordo para serem adjudicados a todos (caput do art. 2.019);[114] 8) Não se fará a
venda judicial se um ou mais condôminos requererem lhes seja adjudicado o
bem, repondo aos outros, em dinheiro, a diferença, após avaliação atualizada
(§1° do art. 2.019); 9) se a adjudicação for requerida por mais de um condômino,
observar-se-á o processo da licitação (§2° do art. 2.019); 10) os condôminos em
posse dos bens comuns e o administrador do condomínio são obrigados a trazer
ao acervo os frutos que perceberam, desde a abertura da partilha; têm direito ao
reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram, e respondem pelo dano
a que, por dolo ou culpa, deram causa (art. 2.020);[115] 11) quando parte da coisa
comum consistir em bens remotos do lugar da partilha, litigiosos, ou de
liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos
outros, reservando-se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas, sob a guarda e a
administração do mesmo ou diverso administrador, e consentimento da maioria
dos condôminos (art. 2021);[116] 12) ficam sujeitos a sobrepartilha os bens
sonegados e quaisquer outros bens comuns de que se tiver ciência após a partilha
(art. 2.022).[117]
EMENTA DO VOGAL: “APELAÇÃO – AÇÃO
DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO – IMÓVEL INDIVISÍVEL
– ALIENAÇÃO JUDICIAL – AUTO DE AVALIAÇÃO –
PROPORÇÃO PARA CADA PARTE – BENFEITORIAS –
VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL. – Nada impede a divisão da
coisa imóvel comum, requerida pelo condômino interessado,
mediante alienação judicial, se o bem for indivisível e os
condôminos não concordarem em que seja adjudicado a um só,
indenizados os demais. – O valor a ser apurado na venda de bem,
objeto de condomínio, deve ser dividido entre as partes conforme
o quinhão de cada uma e proporcionalmente às benfeitorias
realizadas no imóvel”. EMENTA DO RELATOR: “DIREITO
CIVIL E PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE EXTINÇÃO DE
CONDOMÍNIO – IMÓVEL – ADJUDICAÇÃO DA COISA –
INTERESSE MÚTUO – SOLUÇÃO – ALIENAÇÃO
JUDICIAL DO BEM. Não mais sendo possível a continuação da
coisa comum, qualquer dos condôminos poderá requerer a
extinção do condomínio, o que se dará através da adjudicação do
todo a uma das partes, com indenização das demais, ou pela
venda da coisa, através de alienação judicial, nos termos dos
artigos 1.320 e 1.322 do Código Civil e dos artigos 1.117, II, e
1.118 do Código de Processo Civil”.[118]
A divisão do condomínio voluntário ou convencional pode ser feita de 2
(duas) maneiras distintas: amigável ou judicial. A divisão amigável efetua-se por
escritura pública, em que intervenham todos os condôminos, desde que maiores
e capazes; basta que seja um deles incapaz, ou não haja acordo, para que se
imponha a divisão judicial. A esse respeito, WASHINGTON DE BARROS
MONTEIRO esclarece que tanto a divisão amigável como a divisão judicial tem
por finalidade precípua declarar a porção real de propriedade, que corresponde à
quota ideal de cada condômino. Seu objetivo é a obtenção da autonomia de cada
quinhão, de modo a constituir um todo independente, perfeitamente individuado,
livre da ingerência dos demais condôminos e dos estranhos. Além do mais, põe
termo a situação indesejável, eterna fonte de conflitos econômicos, a comunhão,
contribuindo assim, poderosamente, para a paz social.[119]
A ação judicial cabível para se promover a divisão do condomínio
voluntário ou convencional é a ação de divisão (antiga communi dividundo). A
ação de divisão é disciplinada, atualmente, pelos arts. 946 a 949 e 967 a 981 do
Código de Processo Civil de 1973 (Lei n° 5.869, 11.01.1973) e, com a vigência
do novo diploma processual, passará a ser regulada pelos arts. 569 a 573 e 588 a
598 do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n° 13.105, de 16.03.2015).
Em relação à venda da coisa comum, esclarece MARIA HELENA
DINIZ que, se ocorrer ausência, incapacidade ou desentendimento que venha a
impedir ou a tornar difícil o uso e gozo da coisa comum, sendo impossível a
divisão, competirá aos condôminos deliberar se ele deverá ser vendido, alugado
ou administrado. Ou seja, 3 (três) são as alternativas que se oferecem aos
condôminos em tais casos: a) venda; b) locação; e c) administração. Para que
haja venda da coisa em comum bastará que um só condômino queira. Tal venda
apenas se dará se a unanimidade dos consortes entender que não é conveniente.
Se todos concordarem que não se venda o bem, a maioria deverá deliberar sobre
a locação ou administração da coisa comum.[120]
“APELAÇÃO. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO.
PRESENÇA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO. PEDIDO
JURIDICAMENTE POSSÍVEL. CERCEAMENTO DE
DEFESA. INOCORRÊNCIA. IMÓVEL. ALIENAÇÃO DO
BEM. Há interesse de agir quando a provimento judicial
postulado é capaz de proporcionar uma situação jurídica mais
favorável aos autores da demanda. Não existindo vedação no
ordenamento jurídico quanto à pretensão firmada na petição
inicial não há que se acolher a preliminar de impossibilidade
jurídica do pedido. Reunindo o feito os elementos necessários
para a sua apreciação não é de se reconhecer o cerceamento de
defesa para se determinar a reabertura da instrução processual em
primeira instância. Nos termos do artigo 1117, inciso II, do
Código de Processo Civil, é possível se alienar judicialmente a
coisa comum indivisível ou que, pela divisão, se tornar imprópria
ao seu destino”.[121]
De maneira que, se a coisa for indivisível ou se os condôminos não a
quiserem adjudicar a um só, indenizando os demais, poder-se-á vender a coisa
comum, amigável ou judicialmente, repartindo-se o preço apurado entre os
condôminos proporcionalmente ao valor de suas quotas, observando-se na venda
as preferências gradativas (caput do art. 1322 do Código Civil de 2002): o
condômino em iguais condições prefere ao estranho; entre consortes, o que tiver
na coisa benfeitorias de maior valor, e, nãos as havendo, o de maior quinhão.[122]
“EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO - BEM IMÓVEL
INDIVISÍVEL - ALIENAÇÃO JUDICIAL - POSSIBILIDADE.
- O condômino poderá requerer, a qualquer tempo, a alienação da
coisa comum, a fim de se repartir o produto, na proporção de
cada quinhão, quando, por circunstância de fato ou por
desacordo, não for possível o uso e gozo em conjunto do imóvel
indivisível, resguardando-se o direito de preferência contido no
art. 1.322 do código civil”.[123]
Vale esclarecer que bens divisíveis são os que se podem fracionar sem
alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso
a que se destinam (art. 87 do Código Civil de 2002).[124] Portanto, coisas
indivisíveis são as que se não podem partir em porções reais e distintas,
formando cada qual um todo perfeito e as que, embora naturalmente divisíveis,
se considerem indivisíveis por lei ou por vontade das partes (art. 88 do Código
Civil de 2002).[125]
Assim, serão indivisíveis um prédio residencial de pequenas proporções,
uma fábrica, um quadro, um automóvel e um imóvel rural que, pela divisão,
impróprio se torne ao seu destino. Em todos esses casos, desde que não mais
convenha a continuação do condomínio, se impõe sua extinção, a pedido de
qualquer condômino, por uma das formas seguintes: 1) adjudicação a um único
condômino, indenizando-se os demais; 2) venda do bem comum, se não existir
acordo quanto à adjudicação em favor de um dos condôminos.[126]
“APELAÇÃO CÍVEL – ALIENAÇÃO JUDICIAL DE COISA
COMUM – EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO –
POSSIBILIDADE – RECONHECIMENTO DO DIREITO
REAL DE HABITAÇÃO – IMPOSSBILIDADE – PARTE
AUTORA – CÔNJUGE – SENTENÇA MANTIDA. 1. A todo
tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum,
respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas
da divisão. 2. A ausência de acordo entre as partes, bem como a
impossibilidade fática de divisão do imóvel, a solução é a
decretação da extinção do condomínio, por intermédio da sua
alienação em hasta pública. 3. Não há como reconhecer o direito
de real de habitação, pois se trata de extinção do condomínio em
que a parte adversa é o ex-cônjuge que está sendo privado de seu
patrimônio. 4. Recurso conhecido e não provido”.[127]
Portanto, se, na hipótese de venda de coisa comum indivisível, nenhum
dos condôminos tiver feito benfeitorias, e sendo seus quinhões ideais iguais, far-
se-á licitação entre estranhos, e antes de se adjudicar o bem ao que oferecer
maior lance, procurar-se-á efetuar licitação entre os condôminos, para que a
coisa seja adjudicada ao que fizer a melhor oferta, preferindo-se, assim, em
condições iguais, o consorte e um estranho (parágrafo único do art. 1322 do
Código Civil de 2002).[128] Em outras palavras, a licitação, primeiro, implica na
disputa entre os condôminos (disputa interna). Não havendo condômino que
tivesse feito benfeitorias e sendo os quinhões iguais, a disputa será entre
condôminos e terceiros (fase externa). Se houver empate de oferta de um
condômino com um terceiro, será vencedor o condômino, pois este tem
preferência em relação ao terceiro. Antes de encerrar a licitação, portanto, dá-se
a oportunidade para os condôminos cobrirem a oferta de estranho.
A venda da coisa comum deve ser feita amigavelmente, caso não exista
divergência entre os condôminos interessados nela. No entanto, em não havendo
acordo quanto à adjudicação em favor de um dos condôminos, a extinção do
condomínio deve ser processada através de ação judicial. A ação judicial
cabível para se promover a venda judicial da coisa comum é a ação de alienação
judicial. A ação de divisão é disciplinada, atualmente, pelos arts. 1.113 a 1.119
do Código de Processo Civil de 1973 (Lei n° 5.869, 11.01.1973) e, com a
vigência do novo diploma processual, passará a ser regulada pelo art. 730,
combinado com os arts. 879 a 903, todos do Código de Processo Civil de 2015
(Lei n° 13.105, de 16.03.2015).
“DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE
EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO – IMÓVEL – ALIENAÇÃO
JUDICIAL DO BEM – RECURSO DESPROVIDO. Não mais
sendo possível a continuação da coisa comum, qualquer dos
condôminos poderá requerer a extinção do condomínio, o que se
dará através da adjudicação do todo a uma das partes, com
indenização das demais, ou pela venda da coisa, através de
alienação judicial, nos termos dos artigos 1.320 e 1.322 do
Código Civil e dos artigos 1.117, II, e 1.118 do Código de
Processo Civil”.[129].
No entanto, caso os condôminos tenham deliberado pela opção de
entrega da coisa comum em locação, em condições iguais terá preferência o
condômino à pessoa estranha. Se, porventura, entre os concorrentes houver mais
de um consorte, com ofertas idênticas ao estranho, terão eles preferência sobre
este e entre eles terá preferência aquele que tiver na coisa benfeitorias mais
valiosas, e, não as havendo, o que possuir o maior quinhão, excluindo-se assim
os demais interessados.
2.3.3.6 Deveres dos condôminos no condomínio voluntário ou convencional
Os deveres de cada condômino estão previstos no parágrafo único do art.
1.314 e no art. 1.315, ambos do Código Civil de 2002. Tais deveres estão
relacionados ao fato de que cada condômino tem a obrigação: a) de concorrer,
na proporção de sua quota, para as despesas e conservação ou divisão da coisa
comum (art. 1.315); b) de suportar, na proporção de sua quota, os ônus a que a
coisa comum está sujeita, como, por exemplo, hipoteca, servidão, etc. (art.
1.315); c) de não alterar a destinação da coisa comum sem o consentimento dos
outros, mesmo que seja para valorizá-la (parágrafo único do art. 1.314); d) de
não dar posse, uso ou gozo da coisa comum a estranhos, sem o consenso dos
outros (parágrafo único do art. 1.314).
2.3.3.6.1 Quota-parte como elemento indispensável para fixação das
obrigações de cada condômino
A parte ideal ou quota-parte de cada condômino é o elemento que
possibilita calcular o montante das vantagens e dos ônus que poderão ser
conferidos a cada um deles. Em regra, a parte ideal ou quota-parte está fixada
no título instituidor do condomínio voluntário ou convencional, se não o estiver,
a lei entende que deverá presumir que todos os quinhões sejam iguais (parágrafo
único do art. 1.315 do Código Civil de 2002), inclusive para efeito de partilha
dos frutos e dos produtos.
No entanto a presunção legal é juris tantum por admitir prova em
contrário. Com efeito, nada obsta que os condôminos produzam prova que venha
a desfazer a dúvida relativa ao valor da cota condominial para que se faça uma
distribuição das vantagens e dos ônus de conformidade com o seu valor e não em
partes iguais.
2.3.3.6.2 Rateio das despesas e dívidas
As obrigações propter rem,[130] como, por exemplo, as despesas
condominiais devem ser rateados entre os condôminos. No entanto, advertimos
que o dever do condomínio de arcar com obrigações propter rem não decorre
precisamente do art. 1.315 do Código Civil de 2002, mas sim em razão de regras
específicas que classificam tais despesas como ambulatórias. Tanto é assim que
o credor pode, perfeitamente, exigir o valor integral do condômino simplesmente
por ser este um dos proprietários da coisa comum. No entanto, o parágrafo único
do art. 1.315 do Código Civil de 2002 menciona expressamente que, se não
houver estipulação expressa entre condôminos, presume-se a igualdade das cotas
abstratas no rateio das despesas desse tipo.
AÇÃO DE COBRANÇA. A reclamante alega, em síntese, que o
reclamado não efetuou pagamento das taxas condominiais,
somando o montante de R$ 11.061,37. sentença procedente.
condenou o reclamado ao pagamento de R$ 11.061,37 a título de
taxas condominiais. reclamado, em sede recursal, pretende a
reforma da sentença recorrida a fim de excluir a condenação.
Sustenta que o imóvel foi vendido, sendo responsabilidade do
comprador o pagamento das taxas condominiais. O art. 1.315 do
Código Civil estabelece que ‘o condômino é obrigado, na
proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de
conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que está
sujeita’. É cediço que a taxa condominial como obrigação propter
rem é de responsabilidade do proprietário do imóvel. consta da
matrícula n.º 51.183 (mov. 70.1) que o imóvel é de propriedade
de An Ping Chia, de modo que é responsável pelo pagamento das
referida taxas. Ainda que imóvel tenha sido vendido, o registro
da matrícula do imóvel não foi transferido, ao passo que persiste
a obrigação do reclamado no pagamento das taxas condominiais.
Sentença mantida, por seus próprios fundamentos, servindo a
ementa como voto. recurso conhecido e desprovido. Condenação
do recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
unânime. resultado: recurso conhecido e desprovido”.[131]
Em relação às despesas e dívidas que pesam sobre a coisa comum,
podemos citar ainda as seguintes regras: a) cada condômino pode se isentar do
pagamento de despesas e dívidas como consequência de renúncia à parte ideal
(art. 1.316 do Código Civil de 2002);[132] b) quando o débito foi contraído por
todos condôminos, cada qual se obriga na proporcionalidade da sua parte ideal
ou quota-parte (art. 1.317 do Código Civil de 2002);[133] c) a dívida contraída
por um condômino em proveito da comunhão, e durante ela, obrigam o
contratante, mas terá este ação regressiva contra os demais (art. 1.318 do
Código Civil de 2002);[134] d) as despesas e dívidas de condomínio possuem
natureza jurídica de obrigação de direito pessoal, não havendo que se falar em
aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n° 8.078, de
11.09.1990), pois não há relação de consumo entre condomínio e condômino.
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. COBRANÇA DE
DESPESAS CONDOMINIAIS. PRESSUPOSTOS
PROCESSUAIS. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA.
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM REJEITADA.
INOVAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE DE AUDIENCIA DE
CONCILIAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. NATUREZA
JURÍDICA DAS DESPESAS CONDOMINIAIS. APLICAÇÃO
DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO PESSOAL.
PRESCRIÇÃO. AFASTADA. COMPROVANTE DE
AGENDAMENTO DE PAGAMENTO E DEPÓSITO EM
CONTA-CORRENTE POR MEIO DE ENVELOPES
BANCÁRIOS. QUITAÇÃO NÃO COMPROVADA.
APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DA SUPRESSIO E
SURRECTIO. NÃO COMPROVAÇÃO. Verificando-se que todos
os pressupostos processuais restam atendidos, encontra-se o
processo apto para a providencia jurisdicional definitiva. A
obrigação de pagar as despesas condominiais, enquanto o
condomínio não tem conhecimento acerca da transferência do
imóvel, permanece com a pessoa que figura como proprietário
perante o ente despersonalizado. Precedentes desta e. Corte e do
C. STJ. Não inova no pedido o autor que apenas reduz o pedido,
para cobrar somente as parcelas que não foram pagas. As
despesas de condomínio possuem natureza jurídica de obrigação
de direito pessoal, não havendo que se falar em aplicação do
CDC, pois não há relação de consumo entre condomínio e
condômino. Ausente a prescrição da pretensão quando o credor
cobra judicial o debito dentro do prazo do art. 205 do Código
Civil. Os comprovantes de agendamento de pagamento e de
depósito em conta-corrente por meio de envelopes bancários não
são documentos aptos a comprovar a quitação do débito.
Inaplicáveis os institutos jurídicos da surrectio e da supressio
quando não comprovados a presença de seus requisitos”.[135]
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXTINÇÃO DE
CONDOMÍNIO – ALIENAÇÃO JUDICIAL DE COISA
COMUM – BEM IMÓVEL – DIVISÃO CÔMODA –
IMPOSSIBILIDADE – VENDA – NECESSIDADE –
PROCEDÊNCIA DA DEMANDA. É possível a extinção do
condomínio por vontade de um ou alguns dos condôminos, com a
consequente alienação judicial do bem imóvel, quando a coisa for
indivisível ou não suportar cômoda divisão, indenizando-se os
outros, por força dos artigos 1.322 e seguintes do Código Civil.
Não restando comprovado nos autos a alegação de que a casa de
morada edificado no lote de terreno fora construída,
exclusivamente, por um dos condôminos, não se justifica o
pedido de indenização pelo bem requerida por um dos
condôminos”.[136]
Por sinal, inova substancialmente o art. 1.316 do Código Civil de 2002
ao permitir a renúncia à propriedade por parte do condômino que queira eximir-
se do pagamento dos débitos comuns, independentemente da natureza de tais
dívidas ou de quem se tenha obrigado ou não por elas. Por sinal, em termos
técnicos, a renúncia é ato jurídico unilateral, mas que não se confunde com o
abandono, que também é conhecido como derrelicção ou derelição (art. 1.275
do Código Civil de 2002).[137] Ambos são, na verdade, hipóteses de perda da
propriedade. A abdicação da parte ideal é a saída indicada pelo legislador
brasileiro para o condômino que não deseja participar do rateio das despesas.
Ainda na zona de interseção entre os dois institutos (renúncia e abandono), é
importante trazer à baila que, em ambos os casos, o bem rejeitado se torna coisa
sem dono (res nullius), já que nada se transmite; nada é adquirido por alguém.
Não era para menos, pois se a renúncia beneficiasse alguém, ela não seria um ato
de abdicação ou despojamento, mas sim verdadeira alienação (inclusive, a
renúncia à herança implica, excepcionalmente, aquisição patrimonial pelos
demais herdeiros da mesma classe).
O direito de renúncia à parte ideal, para não ter de arcar com o
pagamento de despesas e dívidas, previsto no art. 1.316 do Código Civil de 2002
é muito criticado pela doutrina. De maneira que, com a referida renúncia, surge o
direito de os outros condôminos assumirem essa quota-parte. É a assunção da
quota-parte do condômino renunciante. Não se pode perder de vista que, tanto
pelas despesas que ele não arca como pelas dívidas contraídas, haverá a extinção
do condomínio. Por exemplo, pela aplicação do referido art. 1.316 do Código
Civil de 2002, uma pessoa sendo proprietária de determinado apartamento em
condomínio com outras pessoas e mantem-se em dia com o pagamento das
despesas, mas o valor destas sobe de maneira insuportável para ela, que não tem
condições de pagar. Então esta pessoa renuncia a sua quota-parte e perde a
participação dominial no apartamento, que passa a ser dos condôminos
remanescentes, conforme as respectivas quotas-partes. Assim os demais
condôminos podem pagar a dívida e entrar na parte ideal do apartamento que
pertencia ao renunciante; mas, se ninguém pagá-la, haverá a extinção do
condomínio.
Indispensável, no entanto, como em qualquer caso de renúncia que esta
esteja devidamente formalizada em instrumento e registrado no ofício
imobiliário, hipótese bastante similar da renúncia à herança. Condiciona-se, no
entanto, que a eficácia da renúncia dependa do fato de um ou mais condôminos
assumam as despesas condominiais. Mas se nenhum dos demais condôminos
assumir tais encargos, só restarão duas vias: a visão amigável (por meio de
escritura pública entre maiores e capazes), ou a divisão judicial (em caso de
incapazes, ou falta de acordo dos capazes). Todavia, sendo indivisível o bem,
procede-se-à alienação do referido bem, com a divisão proporcional do preço
obtido.
Outrossim, na rubrica das despesas comuns podem ser incluídos
quaisquer custos, como tributos, cotas condominiais, valores gastos com reforma
do bem, etc. Aliás, algumas dessas despesas são obrigações propter rem e
vinculam o condômino mesmo sem ter ele se obrigado pessoalmente. Além
disso, as despesas relativas aos impostos, predial e territorial, e às cotas
condominiais dão azo à penhora da quota parte do condômino, mesmo em se
tratando de bem de família, por se referir à situação excepcional prevista no
inciso IV do art. 3º da Lei 8.009, de 29.03.1990 (dispõe sobre a
impenhorabilidade do bem de família).[138]
“PROCESSO CIVIL. PENHORA. UNIDADE RESIDENCIAL.
QUOTAS DE CONDOMÍNIO. A unidade residencial sob o
regime de condomínio está sujeita à penhora, se o respectivo
morador deixar de pagar o que, no rateio das despesas comuns,
lhe cabe; exceção, prevista na Lei nº 8.009, de 1990, à
impenhorabilidade do bem de família. Recurso especial não
conhecido”..[139]
Em relação às outras modalidades de despesas, tais como débitos
contraídos para a realização de benfeitorias, acessões, matéria prima para
atividade produtiva, etc., é necessário verificar se todos os condôminos ou
apenas um ou alguns deles se obrigaram pessoalmente. No primeiro caso, isto é,
se todos se obrigaram (dívida coletiva), cada um deles responde,
proporcionalmente, por tais despesas, exatamente como previsto nos arts. 1.315
e 1.317 do Código Civil de 2002, exceto se o contrato discriminou a parte de
cada um na obrigação ou contemplou cláusula de solidariedade. No entanto, se
apenas um ou alguns deles contraíram dívidas em proveito da comunhão, mas
sem prévia anuência dos demais condôminos (dívidas isoladas), somente os que
se obrigaram pessoalmente respondem pelo débito, exatamente como prescrito
no art. 1.318 do Código Civil de 2002.
A regra prevista no referido art. 1.318 do Código Civil de 2002 pode, a
primeira vista, parecer injusta, mas segue a lógica jurídica, pois o condômino
que contratou a dívida não atuou como representante/mandatário dos demais,
mas sim como mero gestor de negócio, que depende de ratificação dos demais
condômicos para vincular terceiros ao ato praticado por ele isoladamente. No
entanto, para evitar o enriquecimento sem causa, aquele que pagou tem o direito
de ajuizar ação regressiva contra os demais condôminos, assegurado pelo
referido dispositivo legal, pois, afinal, desde que tenha revertido algum proveito
em favor do condomínio. Portanto, em tais casos, os demais condôminos
respondem na medida da extensão de suas respectivas cotas ou frações ideais,
ressarcindo-se ainda aquele que arcou com a despesa isolada dos cutos das obras
caracterizadas como benfeitorias necessárias e úteis. Mas não se inclui na ação
regressiva a indenização das benfeitorias voluptuárias não autorizadas pelos
demais condôminos. Ademais, o condômino que não participou do negócio
responde perante o coproprietário, mas não em relação ao terceiro.
Conforme previsto no art. 1.315 do Código Civil de 2002, o rateio das
despesas e dívidas se dá proporcionalmente, ou seja, conforme o quinhão de
cada condômino. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte ideal ou
quota-parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa
comum, e a suportar os ônus a que estiver sujeita: multas, ônus fiscais, etc.
“PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ADESIVO.
PROTOCOLO EM VARA DIFERENTE. CONHECIMENTO.
PRESCRIÇÃO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. IMÓVEL.
COTITULARIDADE. RATEIO DE DESPESAS. ART. 1315 DO
CÓDIGO CIVIL. INCIDÊNCIA. COMODATO. USUCAPIÃO
DE CONDÔMINO. PAGAMENTO DE ALUGUERES. 1.
Consoante o Superior Tribunal de Justiça, Conquanto fique
patente a manobra da recorrente para contornar a perda de prazo
para interposição de recurso de apelação autônomo, preenchidos
os requisitos legais do art. 500 do CPC, não pode o Tribunal
deixar de analisar o recurso adesivo. (...) (REsp 864.579/SP, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
08/05/2007, DJ 29/05/2007, p. 276). 2.Viável superar o equívoco
da parte no protocolo tempestivo de recurso em vara incorreta, de
maneira a se reconhecer a tempestividade do recurso interposto.
3.Para fins de ressarcimento das despesas havidas com IPTU e
condomínio, realizadas por uma parte, sem a contribuição da
outra, considera-se o prazo prescricional de 3 (três) anos, previsto
no art. 206, §3°, inciso IV, do Código Civil, hipótese de
enriquecimento sem causa. 4. Uma vez demonstrada a
cotitularidade dos direitos patrimoniais incidentes sobre imóvel,
possuindo ambas as partes 50% (cinquenta por cento) dos
referidos direitos, após separação judicial, incide o disposto no
art. 1315 do Código Civil, segundo o qual “O condômino é
obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer com as despesas
de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que
estiver sujeita. 5. O condômino tem legitimidade para usucapir
em nome próprio, desde que exerça a posse exclusiva com
animus domini e sejam atendidos os requisitos legais da
usucapião. 6. Demonstrada a configuração e o fim do comodato,
viável o pagamento dos aluguéis. 7. Preliminar de não
conhecimento do recurso adesivo rejeitada. Prejudicial de
prescrição rejeitada. Recurso adesivo não provido. Apelação não
provida”.[140]
“CIVIL. TAXA DE CONDOMÍNIO. FIXAÇÃO
PROPORCIONAL À FRAÇÃO IDEAL. LEGALIDADE. 1. A
fixação da taxa de condomínio com base na fração ideal é
decorrência direta da aplicação do art. 1315 do Código Civil, que
não contém inconstitucionalidade sendo portanto norma cogente.
2. A presunção de igualdade prevista no § único do artigo
supramencionado aplica-se aos imóveis pró-indiviso, situação
inexistente em condomínios edilícios onde a fração ideal consta
da própria escritura do imóvel. 3. A fixação da taxa condominial
pelo efetivo uso impõe a apreciação de diversos elementos
inestimáveis, como o andar ocupado, que afeta o uso de
elevadores e escadas, número e idade dos ocupantes do imóvel,
que afetam consumo de água e de uso de áreas comuns, hábitos
pessoais, e muitos outros, o que inviabiliza essa forma de
cobrança, sendo esta a razão mater da norma inscrita no art. 1315
do Código Civil, que estabelece critério objetivo de cobrança. 4.
Recurso conhecido mas improvido. sentença mantida por seus
próprios fundamentos, a teor do art. 46 da Lei nº 9.099/95,
servindo a súmula de julgamento de acórdão. 5. Recorrente
sucumbente arcará com custas processuais. Sem honorários eis
que revel o recorrido”.[141]
“AÇÃO DE RESSARCIMENTO. Sentença proferida em ACP
determinando a restauração de imóvel. Coproprietários. Um deles
deu inicio à execução do projeto. Pretensão de ressarcimento da
quota parte do outro. Revelia. Presunção de veracidade dos fatos.
Alegações que não prosperam. Falta de documento essencial à
propositura da ação. Escritura pública comprovando o
condomínio. A ação não é real, mas pessoal. Ademais o próprio
réu afirma que é condômino do autor. Alegação infundada acerca
da infringência do artigo 10 do CPC . Não há discussão no feito
acerca da propriedade do bem imóvel descrito na inicial. A ação é
pessoal. Não há se falar em litisconsórcio ativo necessário. O
presente feito é de cunho obrigacional. Art. 1315 do Código Civil
. Alegação de ausência de interesse (art. 3º do CPC ). Existência
de uma sentença determinando que fosse feita a restauração do
imóvel comum. O coproprietário não é obrigado a fica
aguardando a boa vontade do outro para dar inicio ao
cumprimento da sentença. - Não provimento”.[142]
No entanto, presumem-se iguais as partes ideais ou quotas-partes dos
condôminos. Isto é, há presunção de que todos os condôminos têm partes iguais,
mas essa presunção é relativa, cabendo ao condômino provar que sua cota parte
é menor, para poder contribuir com menos.
Outrossim, aquele que não quer participar do rateio das despesas, pode
renunciar, para escapar das despesas do rateio, conforme admitido no art. 1.316
do Código Civil de 2002.
Por força do art. 1.317 do Código Civil de 2002, quando a dívida houver
sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um
na obrigação condominial, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada
qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum.
Há de se prestar a atenção na expressão “nem se estipular solidariedade”
do referido dispositivo legal: isto quer dizer que todos contraem a dívida em não
havendo solidariedade estipulada expressamente. Com efeito, não havendo
estipulação, não será o caso de solidariedade, pois a solidariedade resulta da lei
ou da vontade das partes. Deve estar expressa na lei ou no contrato (art. 265 do
Código Civil de 2002).[143] Portanto, cada um dos condôminos se obrigou,
segundo o seu respectivo quinhão (parte ideal ou quota-parte), a não ser no caso
de expressa solidariedade ou da discriminação da parte correspondente, no
quinhão. Por exemplo, uma pessoa combina de comprar um barco de pesca em
conjunto com outras; ela elabora contrato com os demais e compro a referida
embarcação, se obrigando com o vendedor; tem ela, pois, direito de regresso
contra cada um dos demais condôminos.
Por fim, lembra CRISTIANO DE FARIAS CHAVES e NELSON
ROSENVALD que, na hipótese de não haver quem faça os pagamentos das
despesas, a coisa comum deve ser divida, seja pela via amigável, por acordo
entre condôminos capazes, ou pela via contenciosa ou judicial, na hipótese de
litígio ou interesse de incapaz. Sendo indivisível o bem comum, procede-se à
alienação do bem, com a divisão proporcional do preço obtido na transmissão
para outrem.[144]
2.3.3.6.3 Regime jurídico dos frutos da coisa comum
Em relação às consequências pela utilização dos frutos da coisa comum,
tais frutos devem ser divididos entre os condôminos na proporção da parte ideal
ou quota-parte de cada um, e o condômino que causar dano à coisa deve
indenizar os demais nos termos do art. 1.319,[145] e do art. 1.326,[146] ambos do
Código Civil de 2002.
“AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. SENTENÇA
QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO.
CONDOMÍNIO SOBRE BEM IMÓVEL. USO EXCLUSIVO
DO BEM PELO EX-CÔNJUGE. PAGAMENTO DE ALUGUEL
QUE DEVE CORRESPONDER À PARTE IDEAL DO AUTOR.
TERMO INICIAL DO PAGAMENTO DE ALUGUEL.
CITAÇÃO. DESPESAS RELATIVAS AO IMÓVEL PAGAS
COM EXCLUSIVIDADE PELA RÉ. COMPENSAÇÃO. "Cada
condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da
coisa e pelo dano que lhe causou." (art. 1319 do Código Civil). O
uso exclusivo do imóvel e desprovido de remuneração não pode
prevalecer, sob pena de caracterizar enriquecimento indevido
(art. 884 do CC), de modo que incontroverso o condomínio
existente sobre o imóvel objeto da demanda, de rigor o
reconhecimento do direito do autor ao recebimento de aluguel. O
termo inicial de exigibilidade do aluguel deve coincidir com a
data de efetiva oposição à ocupação exclusiva, no caso a citação.
Dispõe o art. 1315 do Código Civil: "O condômino é obrigado,
na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de
conservação ou divisão da coisa, e a suportar o ônus a que estiver
sujeita". No caso, os valores comprovadamente pagos pela ré
com exclusividade a título de despesas relativas ao imóvel
deverão ser compensados com o valor do aluguel, observada a
sua quota parte ideal, tudo a ser apurado em regular liquidação de
sentença. Sentença parcialmente reformada. Recurso da ré
parcialmente provido. Negado provimento ao recurso do autor”.
[147]
Ou seja, cada condômino responde aos outros pelos frutos da coisa e
pelo dano que causou aos demais. Como exemplo, citamos a hipótese do casal
que resolve por fim ao casamento. Geralmente um dos cônjuges sai da residência
que era em comum enquanto o outro permanece utilizando-a. Se o imóvel é
comum, existe uma relação condominial. Aquele cônjuge que permanece no
imóvel comum deve, certamente, indenizar o outro que sai, pois acabou
utilizando-se sozinho da parte ideal ou quota-parte pertencente ao cônjuge-
condômino que ficou, assim, privado de usar a coisa comum. Portanto, tal
privação é compensada pelo recebimento do que, não raras vezes, é chamado de
“aluguel-indenização” (fruto civil ou rendimento), ou seja, o pagamento do
equivalente ao aluguel parte ideal ou quota-parte que está sendo utilizada sem
que tenha sido revertida ao seu patrimônio pessoal. O juiz, nesse caso, deve
mandar apurar o valor do aluguel da parte ideal ou quota-parte do cônjuge que
sai do imóvel comum e determinar ao que permaneceu proceder ao pagamento
para o outro até que seja efetivada a divisão da coisa comum, através da sua
alienação. Pode também determinar que os aluguéis-indenização apurados no
período de utilização seja descontado do saldo que tenha a receber como
resultado da venda do imóvel comum. De maneira que, se o imóvel comum foi
vendido por R$ 100.000,00, dos R$ 50.000,00 que caberia ao cônjuge que
permaneceu utilizando o imóvel comum deve ser descontado o saldo devedor
relativo aos aluguéis-indenização, caso eles não tenham sido pagos antes da
alienação do referido imóvel.
“AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. IMÓVEL.
COISA COMUM. SENTENÇA QUE JULGOU
PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO PARA
CONDENAR O RÉU AO PAGAMENTO DE 50% DO
ALUGUEL FIXADO EM R$ 1.500,00 NO PERÍODO DE
ABRIL A MAIO DE 2012 E, 25% DO ALUGUEL A PARTIR
DE MAIO DE 2012. IMÓVEL RECEBIDO NA SUCESSÃO DA
GENITORA E ESPOSA DAS PARTES. USO EXCLUSIVO DO
BEM PELO RÉU. PAGAMENTO DE ALUGUEL QUE DEVE
CORRESPONDER À PARTE IDEAL DA AUTORA. TERMO
INICIAL DO PAGAMENTO DE ALUGUEL. CITAÇÃO.
DESPESAS RELATIVAS AO IMÓVEL PAGAS COM
EXCLUSIVIDADE PELO RÉU. COMPENSAÇÃO. ‘Cada
condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da
coisa e pelo dano que lhe causou’ (art. 1319 do Código Civil). O
uso exclusivo do imóvel e desprovido de remuneração não pode
prevalecer, sob pena de caracterizar enriquecimento indevido
(art. 884 do CC), de modo que incontroverso o condomínio
existente sobre o imóvel objeto da demanda, de rigor o
reconhecimento do direito da autora ao recebimento de aluguel.
O réu, ao que tudo indica, doou 25% de sua parte ideal ao atual
cônjuge. Contudo, a doação ainda não foi registrada e não altera
a sua titularidade no imóvel. Ainda que o réu tenha doado 25%
de sua parte ideal ao seu cônjuge deve ser condenado ao
pagamento do aluguel correspondente à parte ideal da autora e
não à parte que ele tem no imóvel, visto que a autora está privada
dos frutos do imóvel pelo uso exclusivo do bem pelo réu. Há
entre as partes relação de condomínio. O réu usufrui de todas as
partes ideais do condomínio, inclusive a parte (50%) sobre a qual
recaem os direitos sucessórios dos herdeiros de sua esposa, no
caso, a parte ideal pertencente à autora. Logo, tem legitimidade
para responder por inteiro pelo aluguel da parte da autora,
proprietária de 50% do imóvel, recebido na sucessão de sua
genitora. O termo inicial de exigibilidade do aluguel deve
coincidir com a data de efetiva oposição à ocupação exclusiva,
no caso a citação. Dispõe o art. 1315 do Código Civil: ‘O
condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer
para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar
o ônus a que estiver sujeita’. No caso, os valores pagos pelo réu
com exclusividade a título de despesas relativas ao imóvel
deverão ser compensados com o valor do aluguel, observada a
sua quota parte ideal, tudo a ser apurado em regular liquidação de
sentença. Sentença parcialmente reformada. Recursos
parcialmente providos”.[148]
“AÇÃO DE COBRANÇA. COISA COMUM. CONDOMÍNIO
SOBRE BEM IMÓVEL INSTITUÍDO POR OCASIÃO DA
SEPARAÇÃO JUDICIAL. PRETENSÃO DO AUTOR AO
RESSARCIMENTO DAS DESPESAS PARA A REFORMA DO
BEM EXCLUSIVAMENTE PELA RÉ. IMPOSSIBILIDADE.
APLICAÇÃO DO ART. 1.315 DO CÓDIGO CIVIL.
PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART.
205 DO CÓDIGO CIVIL. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
AÇÃO CAUTELAR. Sentença que julgou improcedente o
pedido. Na hipótese dos autos, o autor pretende ser ressarcido
integralmente pelas despesas que efetuou com reforma realizada
em imóvel em que foi instituído o condomínio entre as partes por
ocasião de acordo celebrado nos autos da separação judicial do
casal. Enquanto não dividido o imóvel, a propriedade do casal
sobre o bem remanesce, sob as regras que regem o instituto do
condomínio, nos termos do art. 1.315 do Código Civil: "O
condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer
para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar
os ônus a que estiver sujeita". As despesas realizadas para a
reforma do imóvel devem ser dividas, em proporção igual, entre
as partes, afastada a pretensão do autor ao pagamento
exclusivamente pela ré. Prazo prescricional. Não há que se falar
em aplicação do prazo prescricional previsto no art. 206, §3°, do
Código Civil, pois não se caracterizou hipótese de ressarcimento
por enriquecimento indevido [art. 884 do Código Civil]. A
presente ação tem por objeto a cobrança de valores decorrentes
de reformas que foram realizadas no imóvel em que foi instituído
condomínio em razão da separação do casal, não se trata de
hipótese de ressarcimento por enriquecimento indevido. O
recebimento de aluguel pela ré, em razão da locação das salas de
sua propriedade não caracteriza enriquecimento à custa do réu,
visto que ambos são responsáveis pelas despesas do bem.
Aplicação do prazo prescricional previsto no art. 205 do Código
Civil. Interrupção da prescrição. Prescrição que foi interrompida
com o ajuizamento da ação cautelar de antecipação de provas.
Afastada a prescrição e reconhecido o direito do autor de haver o
seu crédito, a sentença deve ser reformada para condenar a ré ao
pagamento de apenas metade das despesas relativas à reforma do
imóvel mantido em comunhão. Sentença reformada. Recurso
parcialmente provido”.[149]
2.3.3.7 Defesa do bem condominial
Para prevenir conflitos entre os coproprietários ou perante a estranhos,
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD enumera 5
(cinco) formas de composição: a) utilização do bem conforme sua destinação
econômica, as decisões da maioria de certa forma cerceará e definirá qual sua
destinação econômica; Impossibilidade de condômino alterar sozinho a
destinação natural ou convencional da coisa; b) exercícios de todos os direitos
compatíveis com a indivisão; cada condômino encontra em seu consorte o limite
exato de seu direito de propriedade, vide o parágrafo único do art. 1.314 do
Código Civil de 2002, que ressalta as limitações ao exercício do domínio; c)
direito de reivindicar a coisa, ou seja, de exercer a pretensão reivindicatória do
vem contra terceiros que violam o dever genérico de não ofender ao direito
subjetivo de propriedade, podendo a referida ação ser intentada também contra
outro condômino., porém nenhum dos consortes pode opor propriedade sobre a
totalidade da coisa, pois esta se encontra fracionada; d) direito de exercer as
ações possessórias da mesma forma que qualquer possuidor, está autorizado a
ajuizá-las. A reintegração da posse mediante o esbulho, a manutenção da posse
frente à turbação e o interdito proibitório em face da iminente agressão dirigida a
posse (art. 1210 do Código Civil de 2002);[150] e) direito de alienar e gravar a
parte ideal é um corolário do direito de dispor a coisa pode ocorrer
individualmente desde que incidir em parte autônoma. [151]
Com efeito, segundo o art. 1.314 do Código Civil de 2002, em sua parte
final, cada condômino, independentemente de sua cota, pode reivindicar de
terceiro e defender a sua posse, ou seja, cada condômino pode exercer a ação
possessória e ação reivindicatória (posse ou propriedade) no todo ou em parte.
Portanto, o referido art. 1.314 do Código Civil de 2002 efetivamente disciplina
as relações intestinas entre os condôminos, e ainda com terceiros. Porém, perante
a terceiros, por mais ínfima e abstrata que seja o valor do quinhão do
condômino, este tem direito de ser respeitado. No entanto, para o manejo dos
interditos possessórias não basta ter a titularidade do direito de propriedade, se
deve mostrar ainda que exerce a condição de possuidor. Em assim sendo,
conforme menciona CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
ROSENVALD, propriedade e posse estão em planos distintos.[152]
Muito se tem questionado se é possível que um condômino utiliza-se
ação possessória e ação reivindicatória contra outro condômino. Certo é que,
quanto a terceiros não há discussão, a utilização da ação possessória e da ação
reivindicatória é plenamente possível. No entanto, quanto a outro condômino, a
utilização da ação possessória e da ação reivindicatória depende das seguintes
situações: 1) quando um condômino embaraçar a posse de outro condômico
(exercer a posse com a exclusividade para si), com esbulho ou turbação, cabe a
ação possessória; 2) o esbulho e a turbação são situações diferente do que ocorre
com a ação reivindicatória, pois neste caso discute-se a propriedade em si; 3)
assim, sendo ambos proprietários, torna-se inviável o manejo da ação
reivindicatória.
Em relação à propriedade e ao domínio, sempre existiram problemas
históricos para estabelecer a diferenciação entre esses institutos do Direito Real,
ou seja, do ramo do direito privado que trata dos direitos de posse e propriedade
dos bens móveis e imóveis, bem como das formas pelas quais esses direitos
podem ser transmitidos. Os direitos reais, que abrangem o direito de propriedade
e os direitos reais sobre coisa alheia (porém, não abarcam o direito à posse),
possuem previsão legal no art. 1225 do Código Civil de 2002.[153] Este artigo é
um rol taxativo que enumera quais são os direitos reais admitidos no direito
brasileiro, motivo pelo qual não se pode dizer que direito à posse é um direito
real. Não se pode perder de vista que essa designação de nenhum modo atribui
direitos às coisas: são pessoas, seres humanos, exclusivamente, os que podem ter
direitos.
Propriedade é o direito real que dá a uma pessoa (denominada então
“proprietário”) a posse de uma coisa, em todas as suas relações. É também o
direito ou faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, além do direito de reavê-la
de quem injustamente a possua ou detenha (art. 1.228 do Código Civil de 2002).
[154]
ORLANDO GOMES DOS SANTOS descreve que é ainda um direito
complexo [se bem que unitário, consiste num feixe de direitos consubstanciados
nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de
objeto], absoluto [confere ao titular poder de decidir se deve usar a coisa,
abandoná-la, aliená-la, destruí-la e, ainda, se lhe convém limitá-lo, constituindo,
por desmembramento, outros direitos reais em favor de terceiros – é oponível a
todos (oponibilidade erga omnes)], perpétuo [tem duração ilimitada e não se
extingue pelo não uso] e exclusivo [poder de proibir que terceiros exerçam sobre
a coisa qualquer senhorio – jus prohibendi].[155]
Já domínio é a supremacia sobre a coisa. É a situação fática de se poder
dirigir e governar a coisa de sua propriedade (direito de dispor da coisa).
Certamente, adquire-se a propriedade imóvel com a transcrição no
registro da escritura lavrada em cartório de ofício de notas no Cartório de
Registro de Imóveis (quem não registra seu título de aquisição não é
proprietário). Somente, pois, a partir do registro do título aquisitivo no Cartório
de Registro de Imóveis é que o adquirente se torna proprietário de um imóvel.
Mas, em alguns casos, pode se ter o direito de propriedade sobre este (direito de
dispor, usar e gozar da coisa) e não se ter a “posse” (no caso de ela estar
invandida, alugada, etc.). Em estando invadida a coisa e deixar que isso perdure
(sem se ajuizar ação de reintegração de posse), o invasor pode, perfeitamente,
ajuizar, a seu turno, ação de usucapião e, além da posse que adquiriu com a
invasão, também conseguir o domínio sobre a coisa.
Face a esta possibilidade assegurada ao invasor, podemos dizer que o
domínio ocorre quando a pessoa tem a simultaneidade dos 4 (quatro) poderes,
mesmo sem o título. Por exemplo, pessoa que reúne todos os requisitos para
ingressar com ação de usucapião.
Dai surge a seguinte questão: qual a ação judicial apropriada para aquele
que tem o domínio, mas não tem o título e quer defender o domínio? Certamente
não lhe cabe a ação reivindicatória exatamente em vista da falta do título, mas
lhe cabe a ação publiciana. Inclusive, deve-se ter em mente que a ação
publiciana é válida para a defesa do domínio sem título também no âmbito do
condomínio. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, por sua vez, vem
entendendo que no caso de promessa de compra e venda, onde ainda não se tem
a propriedade, por ser direito real de aquisição, o titular da promessa (promitente
adquirente ou promitente comprador), malgrado ainda não seja proprietário já
pode se valer de ação reivindicatória.
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATORIA.
PROMESSA DE COMPRA EVENDA REGISTRADA. 1. A
PROMESSA DE COMPRA E VENDA IRRETRATAVEL E
IRREVOGAVELTRANSFERE AO PROMITENTE
COMPRADOR OS DIREITOS INERENTES AOEXERCICIO
DO DOMINIO E CONFERE-LHE O DIREITO DE BUSCAR O
BEM QUESE ENCONTRA INJUSTAMENTE EM PODER DE
TERCEIRO. SERVE, POR ISSO,COMO TITULO PARA
EMBASAR AÇÃO REIVINDICATORIA. 2. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO”.[156]
“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. COMPROMISSO DE COMPRA
E VENDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO
DE MÉRITO POR CARÊNCIA DE AÇÃO. AUSÊNCIA DE
INTERESSE DE AGIR. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. –
Possibilidade de reivindicação de imóvel mesmo se tratando de
compromisso de compra e venda, desde que quitado o preço e
firmado em caráter irrevogável e irretratável. – ‘A promessa de
compra e venda irretratável e irrevogável transfere ao promitente
comprador os direitos inerentes ao exercício do domínio e
confere-lhe o direito de buscar o bem que se encontra
injustamente em poder de terceiro. Serve, por isso, como título
para embasar ação reivindicatória’ (REsp 252.020/RJ, Rel.
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 05/09/2000, DJ 13/11/2000 p.
144)”.[157]
Portanto, propriedade e ao domínio são intitutos de conteúdo distinto,
porém, o domínio está inserido no próprio direito de propriedade. Como dito, o
direito de propriedade é direito real que encerra diversas faculdades (faculdade
de dispor, faculdade de usar, faculdade de gozer, faculdade de reivindicar, etc.) e,
se consideradas em si mesmas, tornam-se outros direitos reais, tais como
usufruto, superfície, etc. Melhor dizendo, o domínio é considerado o conteúdo
mínimo do direito de propriedade. Fracionando-se o direito propriedade e se
tudo for tirado por outros direitos reais (face à constituição de usufruto, de
anticrese ou outro direito real), resta apenas o domíno na forma de posse indireta
do proprietário. Por isso é que alguns doutrinadores mencionam que o domínio
se reduz apenas ao registro, outros que seria a faculdade de dispor da coisa.
Assim, pode-se não ter os demais “direitos” (direito de usar, etc.) sobre um
determinado bem, mas se tendo o domínio, não se deixa de ser proprietário.
No entanto, o Código Civil de 1916 não tratou de diferenciá-los. Isso fez
com que toda a doutrina brasileira os utilizassem como sinônimos. Desta feita,
historicamente, a ação reivindicatória serviu tanto para assegurar a propriedade
como para assegurar o domínio. Por outro lado, a leitura atenta do art. 1.228 do
Código Civil de 2002 deixa claro que o proprietário tem a faculdade de usar,
gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha. Portanto, a propriedade é a concomitância dos
4 (quatro) poderes acima e desde que também se tenha o título respectivo.
Em assim sendo, na propriedade em comum, ou condomínio, cada
condômino ou consorte pode reivindica-la de terceiro, nos termos do art. 1.314
do Código Civil de 2002, No entanto, na ação reivindicatória o direito que
assegura o sucesso da demanda deve ser demonstrado com o título de aquisição
devidamente levado ao registro no Cartório de Registro de Imóveis. Nessas
condições, a referida ação se mostra inidônea para a defesa do domínio. Caso
contrário, em não havendo título, a ação publiciana é que se mostra inidônea
para reivindicar o referido domínio.
2.3.3.8 Alienação ou Oneração do bem comum
É importanto, inicialmente, se ter em mente que existe diferença entre
alienar e onerar o bem comum da cota parte.
Se o condômino pretende alienar ou onerar (dar em garantia) bem
comum, ele necessariamente depende do consentimento de todos (§2° do art.
1.420 do Código Civil de 2002).[158] Se um dos condomínios imotivadamente não
der o seu respectivo consentimento, o juiz pode, perfeitamente, suprir o referido
impedimento, por ser abuso de direito. Desta feita, a objeção motivada não cabe
o suprimento judicial. Própria cota parte ou fração ideal não precisa do
consentimento dos demais condôminos, bastando apenas a sua vontade (§2° do
art. 1.420 do Código Civil de 2002).
No entanto, é assegurado o direito de preferência, ou seja, o art. 504 do
Código Civil de 2002 traz uma importante regra que é a da preferência do
condômino ou preempção: “não pode um condômino em coisa indivisível vender
a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino,
a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver
para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias,
sob pena de decadência” (caput do art. 504 do Código Civil de 2002). No
entanto, “sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de
maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem
iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem,
depositando previamente o preço” (parágrafo único do art. 504 do Código Civil
de 2002).
Entretanto, não se pode perder de vista que só se exige a garantia de
preferência nas alienações onerosas. Nas alienações gratuitas não se exige, pois
a doação é mera liberalidade e, portanto, não existe direito de preferência dos
demais condôminos. Além disso, não exige garantia de preferência no
condomínio edilício.
É importante esclarecer que os arts. 27 e 28 da Lei n° 8.245, de
19.10.1991 (dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a
elas pertinentes)[159] são aplicados, por analogia, para se exercer o direito de
preferência que será materializado por meio de notificação, seja judicial ou
extrajudicial, com prazo mínimo de 30 (trinta) dias.
Se mais de um condômino pretende exercer o direito de preferência, eles
terão preferência na proporção de seu quinhão. Muito se tem questionado a
respeito das consequências no caso de condômino alienar, onerosamente, sem
respeitar o direito de preferência dos demais condôminos. Em tais casos, a
alienação onerosa praticada pelo condômino fica eivada de ineficácia relativa.
Isto é, o condômino preterido pode requerer a adjudicação compulsória no prazo
de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data do conhecimento do fato (caput do
art. 504 do Código Civil de 2002). Mas, se o terceiro adquirente estiver de boa-
fé, fará jus a perdas e danos junto ao condômino alienante.
Na adjudicação compulsória do condômino preterido, o depósito deve
ser tanto por tanto (valor do depósito acrescido das despesas tais como registro
do imóvel). Ademais, na ação de adjudicação compulsória haverá litisconsórcio
passivo necessário unitário (condômino alienante e o estranho adquirente).
2.3.3.9 Administração do condomínio voluntário ou convencional
Quando a coisa ou bem condominial for considerado de uso impossível
ou inconveniente, a maioria dos condôminos pode deliberar a sua venda ou sua
locação. Entretanto, os condôminos podem deliberar pela administração da coisa
ou bem comum (1ª parte do art. 1.323 do Código Civil de 2002).[160]
É indiscutível que administração do condomínio é fundamental, para
coexistência pacífica entre todos os condôminos, pois a coisa comum com
muitos proprietários, se não existe uma gestão centralizada, acaba ficando
desgovernada e, consequentemente, o caos se instala. Gestão centralizada,
hierarquia e direção são muito importantes para o sucesso de qualquer negócio, o
que não dizer no âmbito dos condomínios.
A administração do condomínio está disciplinada pelos arts. 1.323,
1.324, 1.325 e 1.326 do Código Civil de 2002.
Se os condôminos decidirem que a coisa ou bem comum deva ser
administrada, a maioria absoluta deve escolher o administrador, o qual pode ser
tanto um condômino como um terceiro estranho ao condomínio (2ª parte do art.
1.323 do Código Civil de 2002). De maneira que a administração do condomínio
pode ser exercida por qualquer um dos coproprietários, mas que seja eleito por
maioria absoluta do valor dos quinhões e, não pelo número per carpita de
comunheiros. As deliberações serão tomadas baseadas no critério econômico,
pelos votos que sejam mais da metade do total dos quinhões (art. 1.325 do
Código Civil de 2002).
Assim, se a maioria dos condôminos decidir que a coisa comum deverá
ser administrada, os comunheiros deverão escolher um administrador, estranho
ou não, que passará a ser o procurador comum, logo, tudo que ele fizer obrigará
a todos, ainda que dissidentes. E, além disso, representará o condomínio, ativa e
passivamente. Por exemplo, arrendamento celebrado com terceiro, desde que se
trata de coisa normalmente destinada à locação, vinculará os demais
condôminos, embora em divergência.[161]
Se estranho for escolhido administrador, será bom delimitar seus
poderes. Os condôminos deverão ainda sobre o regime de administração, da
remuneração do administrador, funções deste e a prestação de contas de sua
gestão. Seja como for, o administrador do condomínio responde ativa e
passivamente pelo condomínio.
Com efeito, o administrador eleito pela maioria dos condôminos
representa ativa e passivamente o condomínio (art. 1.324 do Código Civil de
2002), em juízo ou fora dele, não precisando de procuração dos condôminos, por
se tratar de função inserida no âmbito da administração ordinária. A ata de sua
eleição ou outro documento indicativo da deliberação da maioria dos
condôminos é o instrumento hábil para a representação dos condôminos, razão
pela qual se recomenda o seu registro do Cartório de Títulos e Documentos. O
administrador representa toda a comunidade condominial (representante
comum), ainda que eleito por maioria de votos. No entanto, como visto, suas
atribuições resumem-se aos interesses comuns do prédio, não tendo legitimidade
para atuar no interesse particular dos condôminos. Para determinadas ações,
como, por exemplo, a cobrança judicial de cotas em atraso, independe de
autorização dos condôminos. Se se omitir, estarão quaisquer condôminos,
excepcionalmente, legitimados para tomar as medidas judiciais na defesa de seu
direito.[162]
O inciso IX do art. 12 do Código de Processo Civil de 1973 e inciso XI
do art. 75 do Código de Processo Civil de 2015, estabelecem que o condomínio
será representado pelo “administrador” (condomínio geral) ou pelo “síndico”
(condomínio edilício). Portanto tal dispositivo processual usa o termo
“administrador” para se referir ao gestor do condomínio geral, disciplinado pelos
arts. 1.314 e seguintes do Código Civil de 2002, e o termo “síndico” para se
referir ao gestor do condomínio, edilício disciplinado pela Lei n° 4.591, de
16.12.1964.
Esclarecemos que, no caso, maioria diz respeito ao maior voto, maior
dos quinhões, segundo seu valor, ou o somatório dos votos segundo o valordos
quinhões (caput do art. 1.325 do Código Civil de 2002).[163] De maneira que, se
“a maioria será calculada pelo valor dos quinhões”, não importa a quantidade de
condôminos, mas o tamanho de seus quinhões.
Maioria absoluta, por sua vez, é o primeiro número inteiro acima da
metade do total (§1° do art. 1.325 do Código Civil de 2002), ou seja, se existem
37 (trinta e sete) condôminos, a metade de 37 (trinta e sete) é 18,5 (dezoito
vírgula cinco) e a metade mais um seria 19,5 (dezenove vírgula cinco), portanto,
seria necessário o quorum de 20 (vinte) condôminos para se ter a maioria
absoluta. Portanto, “a metade mais um” é um erro, pois a maioria absoluta, em
verdade, é 19 (dezenove).
Mas, por exemplo, se um determinado condômino detém 50%
(cinquenta por cento) do valor dos quinhões; outro condômino detém 15%
(quinze por cento); e um terceiro condômino, 25% (vinte e cinco por cento). Se o
primeiro condômino vota de uma forma, mas o segundo e terceiros condôminos
de outra, quem resolverá a questão é o Poder Judiciário, em ação movida por
qualquer dos condôminos, ouvidos os demais (§2° do art. 1.325 do Código Civil
de 2002). Outrossim, havendo dúvida quanto ao valor do quinhão, deve ser este
avaliado judicialmente (§3° do art. 1.325 do Código Civil de 2002).
Há que se ter em mente o fato de o condômino que administrar sem
oposição dos outros presume-se representante comum, ou seja, se não há um
administrador escolhido pela maioria absoluta dos condôminos e existe um dos
condôminos que faz, as vezes ou continuamente, de administrador, ele tem
mandato tácito. Em tal caso, não existe ato específico de nomeação do
administrador; um deles, porém, por sua iniciativa, assume a gestão da coisa
comum. Tal hipótese constitui, sem sombra de dúvida, de mandato tácito (art.
1.324 do Código Civil de 2002)[164] e, como tal, deve ser gratuito, salvo se
houver prévio acordo dos comunheiros nesse sentido. Assim, o condômino que
assumir a direção condominial não será administrador, mas tão-somente um
mandatário comum, uma vez que pelo mandato tácito passará a representar os
demais, devendo prestar contas de todos os seus atos, tendo direito de ser
reembolsado das despesas feitas em prol do condomínio. Seus atos de gestão
ficarão limitados à simples administração (conservação, aquisição, dentre
outros.), não tendo quaisquer poderes para alienar o bem ou conferir sua posse a
estranho sem o consenso dos demais condôminos.
Já administrador do condomínio escolhido por maioria absoluta
constitui administrador regular.
No entanto, se os condôminos não se entenderem a respeito da gestão do
condomínio, a solução final é requerer a intervenção do juiz, que nomeará um
administrador.
O administrador será remunerado, ficando sob sua responsabilidade as
atribuições compatíveis como as prestações de contas.
Ademais, alertamos que o administrador, regular ou tácito, não pode
pedir usucapião da coisa comum, pois não possui ânimo de dono (animus
domini), salvo em situações extraordinárias, em que o aludido ânimo for
demonstrado através de circunstâncias especiais.
São atribuídos ao administrador regular ou tácito os poderes de simples
administração, não podendo praticar atos que exijam poderes especiais, tais
como alienar a coisa comum, receber citações e intimações judiciais dentre
outros; pode, no entanto, alienar bens que se destinam à venda, como frutos ou
produtos de propriedade agrícola.
Quanto aos frutos da coisa comum, somente é lícito o administrador
dispor de coisas, que comumente, são destinadas à venda, tais como alienação de
frutos e produtos de uma propriedade agrícola. Por sinal, não havendo, em
contrário, estipulação ou disposição de última vontade, os frutos da coisa comum
devem ser partilhados na proporção dos quinhões (art. 1.326 do Código Civil de
2002).[165]
2.3.3.10 Extinção do condomínio tradicional, geral ou comum
É cada vez mais indiscutível que condomínio é uma verdadeira fonte de
conflitos, pois diferentes interesses convivem no meio da comunhão. A extinção
do condomínio voluntário é absolutamente natural pois o condomínio não é
agraciado com a perpetuidade. Ao revés é de sua essência, a transitoriedade.
ORLANDO GOMES DOS SANTOS já mencionava que a indivisão é estado
inorgânico, excepcional e que não deve perdurar, porque se contrapõe, à índole
econômica e social da forma natural do domínio.[166] Em vista disso, o legislador
civil facilitou à extinção do condomínio. Ademais, a faculdade de divisão da
propriedade é emanação peculiar do direito de propriedade e não se sujeitando
aos prazos prescricionais, daí o art. 1.320 do Código Civil de 2002 utilizar a
expressão “a todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa
comum”.[167]
2.3.3.10.1 Das formas de extinção do condomínio
Dentre as características enumeradas para o direito de propriedade, uma
delas é, certamente, o seu caráter perpétuo, o qual significa ser o bem vinculado
ao respectivo titular de tal direito, se assim for da vontade deste, por toda a sua
vida, sendo posteriormente transmitida aos seus respectivos herdeiros. Todavia,
como o condomínio é geralmente conhecido como um “manancial de discórdia e
conflito de interesses”, não é possível lhe atribuir a característica da
perpetuidade. Muito pelo contrário, a maior parte da boa doutrina tem em conta
que se trata de instituto caracterizado pela transitoriedade. Tal caráter é da sua
essência.
No entanto, a coisa comum pode ser divisível ou indivisível. Em assim
sendo, a extinção do condomínio se dá por 2 (duas) formas distintas: a) a divisão
da coisa comum: quando a coisa comum é divisível (por exemplo, uma grande
fazenda), então a qualquer momento, em ação imprescritível, o condômino pode
pedir a divisão e cada um fica com a propriedade exclusiva de uma parte
proporcional a seu quinhão (art. 1.320 do Código Civil de 2002); e b) a
alienação da coisa comum: seja a coisa comum divisível ou indivisível, pode ser
alienada a qualquer tempo para se dividir o dinheiro, e acabar com o
condomínio, fonte de discórdias (art. 1.322 do Código Civil de 2002).
2.3.3.10.1.1 Da divisão da coisa comum
A divisão do bem comum é essencialmente direito potestativo do
condômino no sentido de este poder ser exercido a qualquer tempo e
independentemente da vontade do demais (art. 1.320 do Código Civil de 2002).
Mesmo sendo direito potestativo, existem situações nas quais o condômino não
pode pretender a divisão do bem comum. Por exemplo, nas hipóteses de
condomínio necessário, como é o caso dos muros, cercas e tapumes divisórios de
prédios contíguos, não faz sentido o condômino pretender a divisão, pois os
marcos divisórios servem para garantir o “direito de tapagem” que assiste ao
titular (art. 1.297 do Código Civil de 2002).[168]
No caso de ser possível a divisão do bem comum, qualquer dos
consortes pode exigir sua divisão, inerentemente do tamanho de sua cota, e caso
não tenham estes avençado que permaneça indivisa por tempo superior a 5
(cinco) anos, passível de mais uma prorrogação por igual período (§1° do art.
1.320 do Código Civil de 2002). Com efeito, o Código Civil de 2002, no seu art.
1.320, permite que seja possível extinguir o condomínio pela divisão da coisa
comum, ao prescrever expressamente que “a todo tempo será lícito ao
condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um
pela sua parte nas despesas da divisão”.
Portanto, cada condômino pode requerer a todo tempo a divisão da coisa
comum, sendo, pois, imprescritível. Isso se dá por meio da ação de divisão,
prevista nos arts. 588 a 598 do Código de Processo Civil de 2015 (procedimento
especial). No entanto deve se ter em mente que a divisão apenas declara a
porção real da propriedade correspondente à parte ideal, eis que os direitos
estão previamente estabelecidos no título que gerou a indivisão. De maneira que
faz coisa julgada formal a sentença homologatória de divisão que tem natureza
executiva. Também nada impede a divisão parcial que é factível se todos os
comunheiros forem maiores e capazes. Ademais, conforme prescreve
expressamente o art. 1.321 do Código Civil de 2002, se aplica a divisão do
condomínio as regras alusivas a partilha da herança, naquilo que couber. Assim,
as regras de partilha, no caso da divisão do condomínio, são de natureza
supletiva.
Uma vez firmada, convencionalmente, a indivisão, o acordo vige não só
entre as partes, mas também para terceiros que venham a adquirir a fração ideal
de qualquer dos comunheiros, operando-se assim como se fosse uma obligatio
propter rem [obrigação real ou aquela que nasce de um direito real do devedor
sobre determinada coisa, a que aderem, acompanhando-o em suas mutações
subjetivas]. Na forma do §§ 1º e 2° do art. 1.320 do Código Civil de 2002, se o
condomínio se formou por doação ou testamento o prazo máximo é de 5 (cinco)
anos em que não poderá sofrer alteração, sendo tal prazo improrrogável e
ineficaz qualquer imposição excedente (§1° do art. 1.320 do Código Civil de
2002). Não se pode perder de vista que, no silêncio da liberalidade, o prazo será
mesmo de 5 (cinco) anos, evitando-se que perdure a indivisão ad infinitum.
Ao questionarem, francamente, se podem os condôminos
promiscuamente renovarem sucessivas prorrogações de 5 (cinco) anos,
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD opinam no
sentido de que isto não ´possível, pois, se isto fosse possível, se acabaria de
admitir a permanência da indivisão quase infinita do bem.[169] Assim o (§1° do
art. 1.320 do Código Civil de 2002) é peremptório, somente admitindo uma
única prorrogação.
No entanto, o prazo de indivisão pode ser mitigado, se houver grave
razão, e neste caso, o juiz pode determinar a divisão antes do prazo (§3º do art.
1.320 do Código Civil de 2002). Portanto qualquer dos condôminos tem acesso
ao Poder Judiciário para demonstrar que a indivisão é atentatória a função social
da propriedade, onde reste evidenciado o estado de animosidade e desagregação
vigentes entre os condôminos, situação que constitui grave razão para o
deferimento da antecipação do fim da indivisão.
Outra questão ligada a extinção do condomínio pela sua divisão refere-se
à hipótese em que a pretensão divisória pode sucumbir pela usucapião. Com
efeito, se um dos condôminos exercer posse qualificada sobre a totalidade do
bem, e preencher os demais requisitos legais, pode, perfeitamente, usucapir a
parte ideal dos demais condôminos.
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO. SÚMULA
7/STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO HOSTILIZADA PELAS
SUAS RAZÕES E FUNDAMENTOS. AGRAVO IMPROVIDO.
I- Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser possível ao
condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel.
Precedentes. II- Não houve qualquer argumento capaz de
modificar a conclusão alvitrada, que está em consonância com a
jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a decisão ser
mantida por seus próprios fundamentos. Agravo improvido”.[170]
Visto isto, o interessado em promover a divisão da coisa comum pode
optar pelas seguintes vias para se obter tal divisão do bem: 1) divisão pela via
extrajudicial: este tipo de divisão do bem comum pressupõe acordo de vontades
entre condôminos capazes, materializado em escritura pública ou instrumento
particular, conforme o caso; 2) divisão pela via judicial: este tipo de divisão do
bem comum é obtida diretamente perante o Poder Judiciário, de maneira
forçada, nas hipóteses de litígio ou quando um dos condôminos é incapaz. O
procedimento judicial para divisão do bem comum está previsto nos arts. 588 a
598 do Código de Processo Civil de 2015; 3) divisão pela venda judicial: este
tipo de divisão do bem comum é uma forma de extinção específica do
condomínio para bens material ou juridicamente indivisíveis. Esclarecemos que
são indivisíveis os bens cujo fracionamento acarreta a alteração da substância,
diminuição considerável do seu valor ou prejuízo do uso a que se destinam (art.
87 do Código Civil de 2002).[171] Melhor exemplo de bem juridicamente
indivisível é o imóvel urbano ou rural que não pode ser fracionado em prejuízo
do módulo mínimo determinado pelas leis de loteamentos urbanos ou pelo
Estatuto da Terra (Lei n° 4.504, de 30.11.1964), respectivamente. Por via de
consequência, peculiaridade a ser ressaltada na ação de venda do bem indivisível
é a de que o comunheiro tem preferência na aquisição do bem em relação a
terceiros (art. 504 c/c art. 1.322, ambos do Código Civil de 2002). Como visto,
no plano interno, ou seja, entre os comunheiros ou condôminos, prefere o que
tiver benfeitorias de maior valor ou, na falta destas, o que tiver o maior quinhão.
Persistindo, porém, a igualdade de quinhões, surge um terceiro e último critério,
que consiste na realização de uma licitação entre estranhos e entre os
condôminos, prevalecendo, em caso de empate, o lance oferecido pelo
comproprietário (parágrafo único do art; 504 do Código Civil de 2002).
2.3.3.10.1.2 Da alienação da coisa comum
Se a coisa comum for indivisível, o juiz ao invés de promover a divisão,
ele pode promover a licitação, ou seja, vender a coisa comum, para apurar a
melhor oferta. Neste caso, os condôminos preferem aos estranhos pelo mesmo
valor.
Além disso, sendo muitos os condôminos e havendo empate entre eles,
tem preferência o condômino que tiver realizado benfeitorias de maior valor, em
respeito à função social da propriedade, e, na falta de benfeitorias, o de quinhão
maior valor. Mas, se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os
comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço (parágrafo
único do art. 504 do Código Civil de 2002).[172]
Não se desejando a divisão da coisa comum, seja pala extinção mais
cômoda, seja para se manter o valor mercado da coisa comum, o professor de
Direito pela Universidade Estácio de Sá e desembargador do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO
esclarece que nesta hipótese vai ser indispensável a venda onerosa do bem
comum. Realmente, se não houver por parte dos condôminos o interesse em
manter o condomínio, esta será a única solução cabível, pois, como bem afirma
ele: “Se os condôminos não quiserem, ou não puderem, assumir as despesas
legadas pelo renunciante, a única solução jurídica viável será a alienação onerosa
do bem, dividindo-se proporcionalmente o preço alcançado”.[173]
2.3.3.10.2 Ação de extinção do condomínio
A ação de extinção de condomínio decorre da existência de um direito
potestativo (a possibilidade que tem um possuidor de um direito de penetrar na
esfera de direito de outro). Por isso é que se que o condomínio se dá “quando a
mesma coisa pertencer a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual
direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes”.
Isto ocrre, por exemplo, quando existe uma propriedade imóvel, que
pertence 50% (cinquenta por cento) à madrasta, 28% (vinte e oito por cento) ao
um determinado enteado e 22% (vinte e dois por cento) a outro enteado. O
condomínio pode se estender depois da partilha, porque todos querem. Mas se
apenas um dos enteados decide acabar com o condomínio, ele pode ingressar no
Poder Judiciário com a ação de extinção de condomínio, porque tem o direito de
acabar com o condomínio. Em tais casos, não é necessário a concordância dos
outros dois comproprietários.
Vale destacar que a sentença que extingue o condomínio é declaratória.
Ademais é possível extinguir o condomínio judicial ou extrajudicialmente. Mas
se houver o interesse de menor incapaz envolvido, obrigatoriamente tem que ser
extinção pela via judicial, com a presença do Ministério Público, sob pena de
nulidade.
2.4 CONDOMINIO NECESSÁRIO OU LEGAL
O condomínio necessário, forçado ou legal (ex lege) é aquele que se
forma por força de lei, sendo regulado pelos arts. 1.327 a 1.330 do Código Civil
de 2002.
Portanto, podemos dizer que o condomínio necessário, forçado ou legal
é o estabelecido por lei incidente em certos bens que permanecem em indivisão,
tais como paredes, muros, cercas e valas. A finalidade dessas obras é separar
propriedades vizinhas, presumindo-se comuns aos proprietários confiantes.
Todavia, a presunção de comunhão é relativa, pois admite prova em contrário.
As principais características do condomínio necessário são as seguintes:
a) impossibilidade de divisão (indivisão): ao contrário do condomínio
voluntário, que tem a característica marcante da transitoriedade, o condomínio
necessário não permite a divisão do bem pelos condôminos, isto é, institui-se
estado de indivisão permanente para o bem comum, que não pode ser
fracionado; b) impossibilidade de transmissão das partes ideais isoladamente:
quer dizer que não faz sentido considerar a alienação da parte ideal de um bem
submetido a condomínio forçado, como no caso dos muros e cercas divisórios ou
da parede-meia. O adquirente de determinado bem sempre tem em vista a
extração das utilidades e obtenção de frutos que este bem pode proporcionar e
não faria sentido a aquisição da meação de uma parede meia se o adquirente não
possui o bem principal, ou seja, o próprio imóvel.
Os principais exemplos apontados de bens que se sujeitam a condomínio
necessário, forçado ou legal (ex lege) são os marcos divisórios que sevem ao
exercício do direito de tapagem (§1° do art. 1.297 do Código Civil de 2002)[174] e
a parede-meia, que se relaciona com o direito de construir (art. 1.306 do Código
Civil de 2002).[175] No entanto, outros exemplos podem ser encontrados, tais
como a comunhão forçada em pastagens, a formação de ilhas (art. 1.249 do
Código Civil de 2002),[176] a comistão (arts. 1272 a 1274 do Código Civil de
2002),[177] a confusão (arts. 1272 a 1274 do Código Civil de 2002) e a adjunção
(arts. 1272 a 1274 do Código Civil de 2002), o achado do tesouro (arts. 1264 a
1.266 do Civil de 2002)[178] e o condomínio edilício (arts. 1331 a 1358 do Código
Civil de 2002 e arts. 1° a 27 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964).
Em relação aos marcos divisórios e a parede-meia, a lei presume
relativamente que existe condomínio. A presunção é relativa porque a aquisição
da meação [fração de 50% (cinquenta por cento)] depende do pagamento do
valor correspondente à metade do custo do bem. Um proprietário de terreno
contíguo tem o direito potestativo de adquirir a meação da parede-meia e se
tornar condômino dela, desde que pague o valor das despesas realizadas para a
sua construção (art. 1.328 do Código Civil de 2002).[179] Havendo divergência
em relação ao custo da obra, esta será dirimida judicialmente por perícia (art.
1.329 do Código Civil de 2002).[180]
Portanto, só existi condomínio necessário se os proprietários confinantes
erigirem obra divisória conjuntamente, ou se um erigir e o outro adquirir a
meação. Caso contrário, não haverá condomínio.
Seja qual for a modalidade de condomínio necessário ou legal, para a
relação condominial necessária também não é estabelecida a temporariedade de
existência, sendo, pois, de caráter transitório ou perpétuo. Essa espécie de
condomínio pode ser exercido de 2 (duas) maneiras distintas: a) na forma pro
diviso, para os bens que puderem ser divididos; ou ainda, a contrário senso, b) na
forma pro indiviso, ocorrerá quando a coisa ou bem não puder ser dividida.
O condomínio necessário ou legal se subdivide em nas seguintes tipos:
a) condomínio forçado; e b) condomínio fortuito, incidente ou eventual.
2.4.1 Condomínio forçado
O condomínio forçado ocorre, justamente, na situação em que
determinada coisa ou bem não pode ser dividida, como no caso da construção de
muros e cercas. Tal tipo de condomínio legal ocorre sem, ou mesmo contra a
vontade dos sujeitos.
O condomínio forçado é, portanto, aquele que se forma
imperativamente. Diante da situação ocorrida, terá o condomínio por força de
lei.
Em outras palavras, é o que a lei estabelece em relação a certos bens cuja
divisão deve ser permanentemente mantida. Por ser forçado, esse condomínio
não é necessariamente obrigatório. Com essa qualificação, significa-se que não
admite partilha. Além disso, releva notar que as partes ideais dos diversos
condôminos não podem ser transferidas isoladamente. Por fim, importante
assinalar que os direitos dos proprietários da coisa comum têm extensão maior
do que os dos condôminos voluntários, no que toca ao bem em condomínio.
Podemos citar, como exemplo, a situação em que há doação a várias
pessoas. Além disso, sempre que houver divisas, a lei forçadamente estabelece
esta modalidade de condomínio. Por sinal, segundo ORLANDO GOMES DOS
SANTOS,[181] o condomínio forçado verifica-se nos seguintes casos: a) paredes
(parede-meia), cercas, muros, tapumes e valas divisórios (arts. 1.297 e 1.298 do
Código Civil de 2002);[182] b) árvores divisórias (art. 1282 do Código Civil de
2002);[183] c) pastos e pastagens (compáscuos ou comunhão de pastagens); d)
formação de ilhas (art. 1.249 do Código Civil de 2002);[184] e) comistão,
confusão e adjunção (arts. 1.272 a 1.274 do Código Civil de 2002);[185] e f)
achado do tesouro (arts. 1.264 a 1.266).[186]
Por sinal, conforme prescreve o art. 1.327 do Código Civil de 2002, o
condomínio por meação de paredes, cercas, muros e valas regula-se pelo
disposto nos arts. 1.297, 1.298 e 1.304 a 1.307, todos do Código Civil de 2002.
[187]
CAPÍTULO III – CONDOMÍNIO
EDILÍCIO OU POR UNIDADES
AUTÔNOMAS
3.1 DEFINIÇÃO DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO OU
POR UNIDADES AUTÔNOMAS
Como visto no capítulo I desta obra, o termo em português
“condomínio” deriva do latim condominium, cujo termo é composto do prefixo
cum (que significa “com”) e de dominium (que significa “autoridade”). Portanto,
condomínio serve para designar influência ou soberania exercida em comum por
dois ou mais indivíduos, ou seja, o poder ou a propriedade exercida por mais de
um dono. Vale acrescentar que a palavra latina dominium está relacionada com
dominus, o qual significa soberano, autoridade e poder.
Certamente o termo “condomínio” sofreu significativa evolução ao
longo dos séculos, mas sem perder o significado primitivo. Com efeito,
atualmente ele tem também serve para exprimir despesas comuns pagas por
todos os moradores de um edifício ou de um conjunto de edifícios. No seu
sentido técnico, a palavra “condomínio”, segundo a legislação civil brasileira em
vigor, diz respeito ao direito exercido por mais de uma pessoa sobre a mesma
coisa (objeto coletivo ou coisa comum). No entanto, o termo é frequentemente
utilizado para definir o direito exercido por condôminos sobre suas unidades
condominiais e sobre as áreas de uso comum em edificações verticais bem como
horizontais.
O condomínio edilício é uma verdadeira interação orgânica entre duas
espécies de propriedade que se formam e mantem-se necessariamente juntas; é
um mix (mistura) entre propriedade individual e propriedade coletiva. De fato,
todo o condomínio edilício é necessariamente formado por unidades autônomas
(propriedade individual) e partes comuns (propriedade coletiva). Aplicam-se as
regras do condomínio edilício para vilas de casas, complexos empresariais, etc.
Portanto, não precisa ser um prédio. Não se admite separação das unidades
autônomas (propriedade individual) das partes comuns (propriedade coletiva),
pois se houver essa divisão, importa em extinção do condomínio edilício.
Inclusive, a doutrina brasileira, com alguma simpatia na jurisprudência, já
admite a existência no mundo jurídico do condomínio de fato, ou seja, aquele
que se forma por interesses comuns de proprietários autônomos (por exemplo,
ruas fechadas, etc).
Alertamos que o edifício pertencente a um só proprietário não é
condomínio.
Com efeito, tomemos o seguinte exemplo: os moradores de um edifício
desejam escolher um sindico ou administrador, pois não concordam com os
aumentos das taxas que vem sendo cobradas, o que atribuem ao fato de ser a
administração exercida por um cidadão, que é proprietário de todas as unidades.
Não se pode perder de vista que tal situação está fora dos efeitos da Lei n
° 4.591, de 16.12.1964, e dos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil de 2002, que
regem o condomínio edilício, pois quando se fala em “condomínio” pressupõe a
existência de mais de um proprietário sobre a mesma coisa e não mais de um
morador dentro do mesmo prédio. Portanto, tal situação se enquadra na esfera da
Lei do Inquilinato, ou seja, o proprietário é o único dono do prédio de
apartamentos e tem o direito de impor condições previstas na Lei do Inquilinato
e nos respectivos contratos de locação, principalmente dividir entre os inquilinos
ou moradores os gastos de manutenção, conservação, empregados, impostos
previdenciários e outros. Os inquilinos aceitaram tais condições. Se ocorrer
abuso ou dolo, resta aos inquilinos ou moradores recorrer ao Poder Judiciário
para sanar tal situação irregular. No entanto, é incabível em tal situação realizar
“assembleia” ou “destituir síndico ou administrador”.[195]
Outra questão que gera muita discussão é se a cobertura e a garagem e
seu horário de funcionamento fazem parte da área comum do condomínio.
Em relação à cobertura ou terraço, a regra geral é que, no silencio do
ato constitutivo do condomínio, a cobertura constitui efetivamente área comum,
repetindo, salvo disposição em contrário no ato de criação do condomínio. Se
um dos condôminos eventualmente desejar adquirir a parte comum, será possível
se houver decisão unânime dos demais condôminos. Assim, se um dos
condôminos não quiser anuir a tal aquisição, não pode ser efetivada a venda,
salvo se a recusa for abusiva (art. 187 do Código Civil de 2002),[196] caso em que
se soluciona a questão pelo suprimento judicial.
“RECURSO ESPECIAL - PRETENSÃO DE ANULAR
ASSEMBLEIA CONDOMINIAL QUE,POR MAIS DE DOIS
TERÇOS DOS VOTOS, EXPLICITOU A IMPOSSIBILIDADE
DE O USO EXCLUSIVO DE ÁREA COMUM (TERRAÇO)
SER TRANSMITIDO A TERCEIROS,ASSIM COMO IMPÔS
CONTRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA PELO EXERCÍCIO DE TAL
DIREITO, DE MODO A ALTERAR SITUAÇÃO
CONSOLIDADA POR MAIS DE TRINTA ANOS -
RECONHECIMENTO DA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO
PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INSURGÊNCIA DOS
DEMANDANTES. 1. Hipótese em que os condôminos,
proprietários da unidade mais alta do edifício, a quem foram
conferidos o uso exclusivo de área comum (terraço) por ocasião
da especificação condominial - cujo exercício prolonga-se por
mais de trinta anos -, pretendem o reconhecimento da nulidade da
assembleia de condomínio que, por mais de dois terços dos votos,
explicitou a impossibilidade de transmissão de tal direito por ato
inter vivos ou causa mortis, bem como impôs contribuição não
inferior à taxa condominial pelo correlato exercício. 1.1. Ação
julgada improcedente pelas instâncias ordinárias, ao fundamento
de que as alterações, além de se encontrarem arrimadas em
quorum legal suficiente, não obstaram o uso da área comum,
conforme concedido no ato instituidor. 1.2. A mera explicitação
de que o uso exclusivo do terraço não é transmissível a terceiros,
além de convergir com a natureza transitória do instituto, não
frustra qualquer expectativa do condômino beneficiado.
Entretanto, a superveniente exigência de uma remuneração pelo
uso (não inferior à taxa condominial), após o transcurso de mais
de trinta anos de exercício sem contraprestação de ordem
pecuniária (apenas de conservação e manutenção) destoa da boa-
fé objetiva que deve permear as relação jurídica sub judice. 2. A
destinação da área comum, em princípio, é definida
necessariamente pela convenção condominial, de modo a refletir,
naquele momento, a vontade dos condôminos. Tal destinação, é
certo, pode ser eventualmente alterada por meio de assembleia,
denotando, assim, além da transitoriedade de tal estipulação, a
necessária atuação dos demais envolvidos de modo a viabilizar o
exercício do direito (Artigos 1351 do Código Civil e 9º da Lei n.
4.591/61). Assim, não se afigura possível atribuir feições de
direito real ao uso exclusivo de área comum. A alteração da
convenção de condomínio, apenas explicitando que o direito de
uso privativo do terraço não poderá ser transferida por ato
intervivos ou causa mortis, além de não frustrar qualquer
expectativa do condômino beneficiado, já que preserva o direito
de uso enquanto perdurar a sua propriedade, é consentânea com a
própria natureza transitória do instituto. Do contrário, estar-se-ia
consolidando, em verdade, os direitos inerentes à propriedade de
área comum nas mãos de um dos condôminos, o que destoa dos
contornos gizados no § 2º do artigo 1331 do Código Civil. 3. Em
se tratando de relação contratual sui generis, o comportamento
dos contratantes deve, igualmente, pautar-se pelos princípios da
probidade e da boa-fé objetiva, com observância destacada dos
deveres de lealdade e de confiança entre si. 3.1. Nessa medida, a
alteração do direito de uso exclusivo de área comum conferido a
algum condômino somente se aperfeiçoará se não frustrar as
legítimas expectativas auferidas pelas partes envolvidas,
provenientes não só da conclusão do contrato (convenção), como
também de sua execução (Artigo 422 do Código Civil). 3.2. A
superveniente imposição de pagamento de determinada quantia
não só limita ou condiciona o uso do terraço, alterando, por si só,
uma situação inegavelmente consolidada no tempo (trinta anos),
mas também, a considerar o valor da contraprestação, pode, por
via transversa, perfeitamente inviabilizar o próprio exercício do
direito subjetivo de uso conferido aos condôminos beneficiados.
3.3. A legítima perspectiva dos proprietários beneficiados,
consistente no uso privativo e permanente do terraço,
responsabilizando-se, tão-somente, pelas despesas provenientes
desta área (conservação, limpeza, etc), é oriunda do proceder
convencional do condomínio, que, durante longos e seguidos
anos, reconheceu a suficiência da contraprestação assim exigida,
deixando (ou renunciando tacitamente) de exercer o direito de
instituir a pretendida contribuição de ocupação. 4. Recurso
Especial parcialmente provido”.[197]
“PROCESSUAL. CIVIL. CONDOMÍNIO. ÁREA COMUM.
UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA. USO PROLONGADO.
AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA CONDOMINIAL.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. RAZÃO
PONDERÁVEL. INOCORRÊNCIA. - Detenção concedida pelo
condomínio para que determinado condômino anexe à respectiva
unidade, um fundo de corredor inútil para uso coletivo.
Decorrido longo tempo e constatada a boa-fé, o condomínio, sem
demonstrar fato novo, não pode retomar a área objeto da
permissão”.[198]
Em relação à garagem, existem 3 (três) diferentes regimes jurídicos para
ela: 1º) a garagem é área comum: neste caso o seu uso é definido pela
convenção. Na verdade, nesta hipótese, tecnicamente nem se poderia falar em
garagem, mas sim, estacionamento. Por sinal, se a área é comum, a convenção
pode modificar a qualquer tempo o modo de uso do estacionamento. Outrossim,
pode ensejar a supressão se eventualmente se criou ao condômino a expectativa
justa dele usar aquela garagem indefinidamente; 2º) a garagem é acessório da
unidade autônoma: neste caso, quando se adquire a unidade autônoma, ela vem
acompanhada da garagem (o acessório segue o principal). Define-se esta
situação pela previsão expressa da garagem na matrícula imobiliária da unidade
autônoma no Registro Geral de Imóveis; 3º) a garagem é unidade autônoma:
nesta hipótese, a garagem foi adquirida de forma autônoma. Esta garagem, que
foi adquirida autonomamente, pode ser vendida normalmente.
No entanto, só se sabe ao certo o regime da garagem de acordo com o
que consta no ato de constituição do condomínio. É preciso verificar o referido
ato para saber qual o regime jurídico da garagem.
Em relação ao aluguel de garagem, podemos dizer que é perfeitamente
possível alugar uma determinada garagem, salvo disposição contrária na
convenção do condomínio. No entanto, em tais casos, o art. 1.338 do Código
civil de 2002 [199]assegura o direito de preferência dos condôminos em relação ao
terceiro estranho ao condomínio. Portanto, Permitindo o aluguel de garagem, os
condôminos terão preferência a terceiros.
Ademais, lembramos que o terreno em que se levantam a edificação ou o
conjunto de edificações e suas instalações, bem como as fundações, paredes
externas, o teto, as áreas internas de ventilação, e tudo o mais que sirva a
qualquer dependência de uso comum dos proprietários ou titulares de direito à
aquisição de unidades ou ocupantes, constituirão condomínio de todos, e serão
insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade
autônoma (art. 3° da Lei n° 4.591, de 16.12.1964).[200]
Outra questão que tem sido objeto de muitos debates é se as áreas
comuns de um determinado condomínio edilício estão sujeitas à usucapião. A
princípio se as áreas comuns são “insuscetíveis de divisão, ou de alienação
destacada da respectiva unidade autônoma”, evidentemente não poderia ser
objeto de aquisição pela usucapião. No entanto, a jurisprudência tem admitido
tal espécie de coisas.
Com efeito, apesar de insuscetível de usucapião a área comum de
condomínio edilício, o Superior Tribunal de Justiça – STJ vem admitindo o
supressio em relação a área comum de condomínio edilício.
“CIVIL. CONDOMÍNIO. É POSSÍVEL A UTILIZAÇÃO,
PELOS CONDÔMINOS, EM CARÁTER EXCLUSIVO, DE
PARTE DE ÁREA COMUM, QUANDO AUTORIZADOS POR
ASSEMBLEIA GERAL, NOS TERMOS DO ART. 9º, § 2º, DA
LEI Nº 4.591/64. ADECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM,
BASEADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO, NÃO PODE SER
REEXAMINADA, EM FACE DA SÚMULA 7/STJ. 1. O
Tribunal a quo decidiu a questão com base nas provas dos autos,
por isso a análise do recurso foge à mera interpretação da Lei de
Condomínios, eis que a circunstância fática influi na solução do
litígio. Incidência da Súmula 07/STJ. 2. O alcance da regra do
art. 3º, da Lei nº 4.591/64, que em sua parte final dispõe que as
áreas de uso comum são insuscetíveis de utilização exclusiva por
qualquer condômino", esbarra na determinação da própria lei de
que a convenção de condomínio deve estabelecer o "modo de
usar as coisas e serviços comuns", art. 3º, § 3º, c, da mencionada
Lei. Obedecido o quorum prescrito no art. 9º, § 2º da Lei de
Condomínio, não há falar em nulidade da convenção. 3.
Consoante precedentes desta Casa: ‘o princípio da boa-fé
objetiva tempera a regra do art. 3º da Lei nº 4.591/64’ e
recomenda a manutenção das situações consolidadas há vários
anos.(REsp nºs. 214680/SP e 356.821/RJ, dentre outros). Recurso
especial não conhecido”.[201]
“Processual Civil. Civil. Recurso Especial. Prequestionamento.
Condomínio. Área comum. Utilização. Exclusividade.
Circunstâncias concretas. Uso prolongado. Autorização dos
condôminos. Condições físicas de acesso. Expectativa dos
proprietários. Princípio da boa-fé objetiva. - O Recurso Especial
carece de prequestionamento quando a questão federal suscitada
não foi debatida no acórdão recorrido. - Diante das circunstâncias
concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades
condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade
comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos
moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com
acesso ao local, e estavam autorizados por Assembleia
condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do
princípio da boa-fé objetiva”.[202]
Se o condomínio gera uma expectativa em relação a determinado
condôminio, no sentido de usar a área comum, ocorre a supressio (abuso do
direito, ou seja, conduta ilícita daquele que criou a expectativa em determinada
pessoa de exercer um direito no lugar de outrem). O supressio é a proibição de se
criar expectativas ilegais. Não se discute o elemento subjetivo (intenção de
causar o dano).
Ademais, é possível se adquirir por usucapião área comum no
condomínio comum ou tradicional, desde que um dos condôminos estabeleça
posse com exclusividade, afastando os demais e sem prestar contas para
ninguém.
3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONDOMÍNIO
EDILÍCIO
O condomínio edilício, que também é conhecido como condomínio por
unidades autônomas, condomínio em plano horizontal, propriedade coletiva
horizontal, condomínio sui generes, condomínio por andares ou, ainda,
“condomínio em edifícios de andares ou apartamentos pertencentes a
proprietários diversos”, é uma modalidade especial de condomínio necessário
que surgiu depois da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), em razão da grave crise de
habitacional na ocasião, que provocou um desequilíbrio entre a oferta e a
procura, agravada por uma legislação de emergência sobre as relações de
locação, de certa maneira protraída e numero reduzido de construções e poderia
associar a esses fatores a implementação das atividades nas indústrias e também
o êxodo rural.[203]
Com o objetivo de amenizar tal situação, sobretudo, nas grandes cidades
com o aumento da população, gerando dificuldades na habitação e circulação,
surgiu o condomínio em edifícios de apartamentos. Esta substancial aceitação
ocorreu em virtude de 3 (três) fatores distintos: 1°) devido ao melhor
aproveitamento do solo, redundando, consequentemente, menores custos nas
construções. Esse tipo de empreendimento foi de grande aceitação no passado e
permanece assim até os dias atuais; 2°) as construções em edificação tornaram-
se mais econômicas, diminuindo a elevação do custo de vida com a coesão na
aquisição de grandes quantidades de materiais; 3°) passou a haver maior
facilidade na obtenção da casa própria, que a todos interessa fomentar, como
poderoso elemento de coesão familiar.[204] Segundo ANTONIO BUTERA, todo
homem deve cultivar a idéia de tornar-se proprietário da casa que habita. A
disseminação dos prédios de apartamentos, de certa forma, veio favorecer a
realização desse ideal;[205] 4°) com sua edificação, se possibilitou a fixação dos
respectivos donos nas imediações dos locais de trabalho.
Acrescenta WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO que, com o
decurso do tempo, a nova modalidade de condomínio obteve geral aceitação. Os
arranha-céus foram surgindo por toda parte. Tanto nos arrabaldes como nos
centros urbanos, conjuntos arquitetônicos e maciços, de grande envergadura,
ergueram-se do solo vazio numa rapidez de tirar o fôlego, imprimindo às cidades
aspecto grandioso e imponente. Nos dias atuais, esses edifícios, cada vez mais
altos, cada vez mais numerosos, se erguem de todos os lados, tanto para fins
residenciais, como para fins empresariais. Moradias, escritórios, hotéis, oficinas,
neles se instalam, podendo dizer-se que, atualmente, o progresso de uma cidade
se mede pelo seu sentido vertical.
Segundo ainda ele, o Código Civil de 1916 (Lei n° 3.071, de
01.01.1916), embora promulgado em plena 1ª Guerra Mundial, não teve intuição
do que viria a suceder em tal matéria. Por isso, amplamente justificável não se
encontrar entre suas disposições qualquer referência ao condomínio em prédios
de muitos pavimentos. De maneira que, nas suas origens, o “condomínio em
edifícios de andares ou apartamentos pertencentes a proprietários diversos”
passaram a serem disciplinados pelos usos e costumes, bem como pelas
disposições analógicas do condomínio geral (voluntário).
No entanto com o vertiginoso crescimento das edificações, fossem elas
residenciais ou empresariais, e devido a importância social e econômica, tornou-
se premente a elaboração de uma lei que regulasse as relações pertinentes a elas.
Assim, na segunda metade da década de 1920, foi emitido o Decreto n° 5.481, de
25.06.1928, que dispunha sobre a alienação parcial dos edificios de mais de
cinco andares, o qual tratava da disciplina do condomínio em prédios de muitos
pavimentos em seus arts. 2°, 4°, 5°, 6°, 8°, 9° e 10.[206] Todavia, relata JOSE
CANDIDO PIMENTEL DUARTE que na ocasião de sua emissão corria o
comentário de que o Decreto n° 5.481, de 25.06.1928, visava a proteger certo
capitalista que investira vultuosos capitais em imóveis.[207] Inclusive, o
respectivo projeto foi combatido no Congresso Nacional por Francisco Morato.
[208]
Posteriormente, o Decreto n° 5.481, de 25.06.1928, foi modificado pelo
Decreto-Lei n° 5.234, de 08.02.1943 (modificou o art. 1° do referido Decreto), e
pela Lei n° 285, de 05.06.1948 (modificou a redação do art. 1º do Decreto nº
5.481, de 25.06.1928, e revogou o Decreto-Lei n° 5.234, de 08.02.1943). Seja
como for, tais normas organizaram originariamente o disciplinamento jurídico do
condomínio em prédios de muitos pavimentos, sendo estas completadas por
outras disposições normativas avulsas, depois revogadas pela Lei n° 4.591, de
16.12.1964 (dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações
imobiliárias), com alterações da Lei n° 4.864, de 29.11.1965 (cria medidas de
estímulo à Indústria de Construção Civil).
No entanto, relata o magistrado, jurista e político brasileiro JOSÉ
PHILADELPHO DE BARROS E AZEVEDO (Rio de Janeiro, 13.03.1894 –
Haia, 07.05.1951) que as disposições sobre condomínio em edificações trazidas
pela vigência da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, foi, inicialmente, recebida com
certa desconfiança, pois temiam-s prováveis conflitos econômicos entre os
diversos proprietários, com inevitável repercussão na esfera judiciária.
Imaginou-se, realmente, que tais disposições se converteriam em fonte de
choques e de atritos. No entanto, tudo isto foi um falso alarme, pois não se
confirmaram esses prognósticos e relativamente poucos são os litígios oriundos
de prédios horizontalmente fracinados em partes autônomas e determinadas.
Entretanto, segundo JOSÉ PHILADELPHO DE BARROS E AZEVEDO, a
relativa promiscuidade nos babélicos edifícios de apartamentos trouxe vários
inconvenientes, porquanto neles maior se torna o devassamento do lar, cuja
intimidade pode ser ameaçada em muitos sentidos.[209]
A partir de 2003, o Código Civil de 2002 introduziu modificações
quanto à matéria referente ao condomínio, em relação ao seu antecessor (Código
Civil de 2016) e a principal novidade é justamente tratar também do condomínio
horizontal, objeto da contido na Lei n° 4.591, de 16.12.1964. O Código Civil de
2002 incluiu tais no capítulo VII (“Do Condomínio Edilício”) do Título III (“Da
Propriedade”) do Livro III (“Do Direito das Coisas”). Inclusive, o atual Código
Civil apresenta nova nomenclatura para o instituto, agora denominado de
“condomínio edilício”. De maneira que o condomínio edilício ou condomínio em
edificações é regulado, atualmente, pelos artigos 1331 a 1358 do Código Civil de
2002. Entretanto, não se pode olvidar que as disposições contidas no Código
Civil de 2002 sobre condomínio edilício não afastaram de nosso ordenamento
jurídico a Lei n° 4.591, de 16.12.1964, que se aplica quando a matéria nele
contida não estiver disciplinada no Código Civil de 2002.
3.3 NATUREZA JURÍDICA DO CONDOMÍNIO
EDILÍCIO
Esclarece WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO que são diversas
as teorias que tem por objetivo explicar a natureza jurídica do condomínio
edilício, ou seja, as relações que se estabelecem entre os proprietários das várias
unidades autônomas existinte na edificação.
Com efeito, ANTONIO BUTERA se ocupa pormenorizadamente de tais
[210]
teorias. Ele menciona que elas são as seguintes: 1) teoria acéfala: segundo
esta teoria se nega a existência de verdadeira propriedade no condomínio
edilício; 2) teoria das servidões: segundo esta teoria surgida no direito francês,
condomínio edilício se assemelha à uma servidão [direito real sobre imóvel
alheio (fração ideal) que se constitui em proveito de uma propriedade coletiva,
chamada de dominante, sobre outras propriedades individuais, denominadas
servientes, pertencentes a proprietários diferentes]; 3) teoria do direito de
superfície: segundo esta teoria surgida no direito alemão, condomínio edilício
está compreendido na parte relativa ao direito de superfície; 4) teoria da pessoa
coletiva ou jurídica: segundo esta teoria, no condomínio edilício ocorre a
existência de pessoa coletiva ou jurídica, proveniente da reunião dos vários
proprietários;[211] 5) teoria da associação ou associação de fato: segundo esta
teoria o condomínio edilício é instituído pela associação de fato de vários
proprietários individuais; 6) teoria da comunidade de direito: segundo esta teoria
o condomínio edilício é essencialmente uma comunidade de direito, de que são
titulares várias pessoas, incidindo sobre o mesmo objeto; 7) teoria da comunhão
relativa: esta teoria é defendida por MARCEL PLANIOL e GEORGES RIPERT,
os quais mencionam que, nos edifícios de andares ou apartamentos pertencentes
a proprietários diversos existe superposição de propriedades distintas e
separadas, complicada pela existência de comunhão relativa a determinadas
dependências de uso comum dos diversos proprietários;[212] 8) teoria da mistura
de propriedade exclusiva e condomínio: esta teoria é defendida por GABRIEL
BAUDRY-LACANTINERIE, o qual escreve que, considerando o aspecto
extravagante do condomínio edilício, defende-se que nele coexiste uma mistura
de propriedade exclusiva (unidades autônomas) e de condomínio (áreas
comuns).[213] Por sinal, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA
também é adpto de tal teoria, pois menciona que no condomínio edilício há
misto de comunhão e de não comunhão, de divisão e de indivisão.[214]
A posição mais aceita é a da teoria da comunidade de direito, ou seja,
aquela que sustenta qure o condomínio edilício é uma comunidade de direito de
que são titulares várias pessoas, incidindo sobre o mesmo objeto. Neste sentido,
é possível se sustentar que, nos edifícios de andares ou apartamentos
pertencentes a diferentes proprietários, existem áreas privativas e áreas comuns.
Áreas comuns abrangem o solo em que a edificação foi construída, as suas
fundações, as pilastras, os tetos, os vestíbulos, as escadas, os elevadores, os
pátios, em suma, todo espaço destinado a uso comum dos diversos proprietários.
De maneira que todo proprietário de unidade autônoma pode usar as áreas de uso
comum, segundo sua destinação de origem, desde que não prejudique a
coletividade. Já a área privativa corresponde aos apartamentos, também
referenciados como unidades autônomas, delimitadas pelas paredes divisórias,
onde incide o direito de propriedade uno, exclusivo e quase absoluto.
Em assim sendo, fundem-se no instituto do condomínio edilício, 2 (duas)
modalidades de propriedades distintas: a) a propriedade individual de utilização
exclusiva; e b) a propriedade de uso coletivo, onde ambas devem submeter-se ao
conceito de condomínio que pressupõe o exercício do direito de domínio por
mais de um dono, simultaneamente. Portanto, estão reunidos numa só figura
jurídica o conceito de propriedade e o conceito de concopropriedade, ou seja, o
mesmo indivíduo é ao mesmo tempo titular de uma propriedade individual
(propriedade exclusiva) e de uma copropriedade (propriedade coletiva).
Com efeito, a exclusividade da propriedade individual ocorre
exatamente quando o uso, o gozo, ou disposição não dependem da anuência de
nenhum outro condômino, salvo no que tange à alienação ou locação de
garagens prevista no art. 1.338 do Código Civil de 2002.[215] A exclusividade da
propriedade individual é personificada nas propriedades autônomas como
apartamento, salas, escritórios, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as
respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns (§1° do art. 1.331
do Código Civil de 2002, com redação dada pela Lei n° 12.607, de 04.04.2012).
[216]
A propriedade comum é aquela advinda de áreas comuns, onde, segundo o
§2° do art. 1.331 do Código Civil de 2002, podem ser utilizadas por todos os
condôminos, na medida da sua destinação.
Ainda dentro do tema natureza jurídica, devemos destacar que o
condomínio edilício escapa a regra da gravitação, ou seja, foge a regra de que o
acessório segue o principal. Se eventualmente um terceiro tiver um direito real
sobre o solo, ele não adquire o condomínio. Melhor exemplo disso é a
relativização do direito de hipoteca. Pode haver o direito de hipoteca sobre o
terreno, mas não sobre o prédio. Em relação ao recebimento do crédito, temos a
situação em que a hipoteca não será executada; será feita então a recuperação do
crédito por meio da indenização por perdas e danos. Isso ocorre muito no caso
de construtoras de prédios, quando elas hipotecam o terreno para poder construir
o prédio. Essa já é dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ, o qual
emitiu a Súmula nº 308: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente
financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda,
não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.[217]
3.4 DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO
CONDOMÍNIO EDILÍCIO
A doutrina e jurisprudência atualmente têm considerado que a
comunidade condominial de natureza real dúplice não pode ser considerada
simplesmente pessoa jurídica, entendendo que lhes faltam vários requisitos. No
entanto, tal entendimento nos parece inconcebível, principalmente por que a lei
em si não se manifesta expressamente nesse sentido, muito pelo contrário,
admite o exercício de direitos que somente podem ser efetivados por pessoa
dotada de personalidade jurídica (adquirir patrimônio imobiliário, etc.).
Com efeito, para esta corrente doutrinária e jurisprudencial dos dias de
hoje, o condomínio edilício não tem personalidade jurídica. É ente
despersonalizado, razão pela qual, não tem direitos de personalidade e, por conta
disso, não pode sofrer dano moral.
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONDOMÍNIO. DANOS
MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
PERSONALIDADE JURÍDICA. O condomínio não possui
personalidade jurídica de direito material, pois sua natureza
jurídica é tratada como uma massa patrimonial. Por certo que a
legislação reconhece que o condomínio possui capacidade de ser
parte no processo. A personalidade judiciária é a aptidão para, em
tese, ser sujeito da relação jurídica processual. Ora, o dano moral
representa uma violação à direito da personalidade, e se o autor
não possui personalidade jurídica de direito material, não pode
sofrer, em tese, danos morais. Ainda que se estabelecesse uma
analogia com as pessoas jurídicas de direito privado, o
condomínio autor não sofreria dano moral no presente caso.
Precedentes do TJERJ. Recurso manifestamente improcedente.
Seguimento negado”.[218]
Apesar de uma parte da jurisprudência negar a personalidade jurídica ao
condomínio edilício, ela mesma é forçada a reconhecer que este deve ter o
mesmo tratamento conferido à pessoa jurídica.
“CONDOMÍNIO. EQUIPARAÇÃO À PESSOA JURÍDICA.
DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE
PROVA DE OFENSA À HONRA OBJETIVA. PRECEDENTES
DO STJ. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. I. É ilegítima a suspensão do fornecimento de
energia elétrica, quando o débito decorrer de suposta fraude no
medidor de consumo de energia, apurada unilateralmente pela
concessionária. Precedentes do STJ. II. Embora o condomínio
não possua personalidade jurídica, deve-lhe ser assegurado o
tratamento conferido à pessoa jurídica, no que diz respeito à
possibilidade de condenação em danos morais, sendo-lhe
aplicável a Súmula 227 desta Corte, in verbis: ‘A pessoa jurídica
pode sofrer dano moral’. III. O acórdão recorrido encontra-se em
consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que
a pessoa jurídica pode sofrer dano moral - no caso, o Condomínio
-, desde que demonstrada ofensa à sua honra objetiva. IV. O
Tribunal a quo concluiu, em face das premissas fáticas firmadas
pelo acórdão de origem, que não houve ofensa à honra objetiva
do agravante, ou seja, à sua imagem, conceito e boa fama, de
modo que a revisão de tal entendimento demandaria,
inequivocamente, incursão na seara fático-probatória dos autos,
inviável, na via eleita, a teor do enunciado sumular 7/STJ. V.
Consoante a jurisprudência do STJ, ‘o mero corte no
fornecimento de energia elétrica não é, a princípio, motivo para
condenação da empresa concessionária em danos morais,
exigindo-se, para tanto, demonstração do comprometimento da
reputação da empresa. No caso, a partir das premissas firmadas
na origem, não há fato ou prova que demonstre ter a empresa
autora sofrido qualquer dano em sua honra objetiva, vale dizer,
na sua imagem, conceito e boa fama. O acórdão recorrido firmou
a indenização por danos morais com base, exclusivamente, no
fato de que houve interrupção no fornecimento do serviço
prestado devido à suposta fraude no medidor, que não veio a se
confirmar em juízo. Com base nesse arcabouço probatório, não é
possível condenar a concessionária em danos morais, sob pena de
presumi-lo a cada corte injustificado de energia elétrica, com
ilegítima inversão do ônus probatório’ (STJ, REsp 1.298.689/RS,
Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de
15/04/2013). VI. Agravo Regimental desprovido”.[219]
No entanto, o direito brasileiro é um dos poucos, senão o único que não
confere personalidade jurídica ao condomínio edilício.
Por outro lado, somos levados a alertar o leitor desavisado que não se
pode confundir personalidade com capacidade para exercer direitos. De fato,
apesar de esta corrente doutrinária e jurisprudencial advogar que o condomínio
edilício não tem personalidade, ela, em contradição, sustenta ser ele,
indiscutivelmente, um patrimônio personalizado, com capacidade processual,
com capacidade de realizar titulações, com capacidade de exercer certos direitos,
etc. Tanto é que o inciso XI do art. 75 do Código de Processo Civil de 2015
declara expressamente que o condomínio deve ser representado em juízo, ativa e
passivamente, pelo seu administrador.[220] Portanto, independentemente de ter ele
personalidade jurídica ou não, o condomínio goza de plena capacidade
processual, tanto ativa como passiva.
Outrossim, apesar de o § 3º do art. 63 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964,[221]
expressamente, prescrever a viabilidade do registro de escrituras públicas e/ou
carta de adjudicação de imóveis com atribuição de propriedade ao condomínio
edilício, a jurisprudência atual parece tender a rejeitar o comando legal,
estabelecendo um posicionamento de difícil aceitação, face à notória falta de
coerência.
“APELAÇÃO. DÚVIDA REGISTRÁRIA. PROCEDIMENTO
DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. REGISTRO DE
ESCRITURA DE COMPRA E VENDA EM FAVOR DE
CONDOMÍNIO EDILÍCIO. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE
PERSONALIDADE JURÍDICA. ITBI. FATO GERADOR. 1.
Nem todo grupo social constituído para a consecução de fim
comum é dotado de personalidade, porquanto, alguns, embora
detenham características peculiares à pessoa jurídica, não
apresentam os requisitos imprescindíveis à personificação,
porque são formados independentemente da vontade de seus
membros, ou por ato jurídico que vincula um corpo de bens
(Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro. volume I.
parte geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.192). 2. Sílvio de
Salvo Venosa elucida que, apesar de o condomínio poder figurar
extrajudicialmente em aquisição de direitos e contratação de
obrigações, não existe a affectio societatis, haja vista que ‘quem
adquire um apartamento não está buscando nenhum
relacionamento com os co-proprietários. esse relacionamento
decorre de situação fática e não de uma situação jurídica’ (in
Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2001,
p. 223). 3. Considerando-se a ausência de personalidade jurídica
do condomínio edilício, não se mostra viável o registro de
escrituras de compra e venda de imóveis com atribuição de
propriedade ao condomínio. 4. O fato gerador do itbi opera-se
com o efetivo registro do título translativo da propriedade do
imóvel no cartório de registro de imóveis, e não na data do
instrumento ou ato que servir de título à transmissão ou cessão do
bem imóvel (acórdão n. 314490, 20070020082037adi, relator:
José Divino de Oliveira, relator designado:natanael caetano,
Conselho Especial, data de julgamento: 06/05/2008, publicado no
dje: 19/08/2008. pág.: 8). 5. Deu-se provimento ao apelo do
Ministério Público, para julgar procedente a dúvida registrária”.
[222]
Se não bastasse isso, o inciso II do art. 4° da Instrução Normativa/RFB n
° 1.634, 06.05.2016, que dispõe sobre o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
(CNPJ),[223] tanto quanto suas antecessoras,[224] prescreve expressamente que os
condomínios estão obrigados a inscrever-se no Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica – CNPJ. Portanto o condomínio tem direito/dever de ser cadastrado no
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, malgrado a referida corrente
doutrinária e jurisprudencial entender não ser ele pessoa jurídica. Trata-se de um
posicionamento confuso, muito longe do bom senso: dar um cadastro de pessoa
jurídica a determinado ente e reconhecer personalidade jurídica apenas para fins
tributários, para uma pessoa/patrimônio personalizado que a maioria da
doutrinaa e jurisprudêencia vem considerando que ela não o é.
“TRIBUTÁRIO. CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS.
PERSONALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE ADESÃO À
PROGRAMA DE PARCELAMENTO. REFIS.
POSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se
condomínio edilício é considerado pessoa jurídica para fins de
adesão ao REFIS. 2. Consoante o art. 11 da Instrução Normativa
RFB 568/2005, os condomínios estão obrigados a inscrever-se no
CNPJ. A seu turno, a Instrução Normativa RFB 971, de 13 de
novembro de 2009, prevê, em seu art. 3º, § 4º, III, que os
condomínios são considerados empresas – para fins de
cumprimento de obrigações previdenciárias. 3. Se os
condomínios são considerados pessoas jurídicas para fins
tributários, não há como negar-lhes o direito de aderir ao
programa de parcelamento instituído pela Receita Federal. 4.
Embora o Código Civil de 2002 não atribua ao condomínio a
forma de pessoa jurídica, a jurisprudência do STJ tem-lhe
imputado referida personalidade jurídica, para fins tributários.
Essa conclusão encontra apoio em ambas as Turmas de Direito
Público: REsp 411832/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira
Turma, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005; REsp
1064455/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma,
julgado em 19/08/2008, DJe 11/09/2008. Recurso especial
improvido”.
“Agravo de instrumento. Execução de tíulo judicial. Ação de
cobrança de cotas condominiais. Alegação de ausência de
personalidade jurídica do condomínio agravado em razão do
cancelamento de seu CNPJ. A ciência processual, em face dos
fenômenos contemporâneos que a cercam, tem evoluído a fim de
considerar como legitimados para estar em juízo, portanto, com
capacidade de ser parte, entes sem personalidade jurídica, quer
dizer, possuidores, apenas, de personalidade judiciária. O
cancelamento administrativo da inscrição do autor no cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas da Receita Federal (CNPJ) não
tem o condão de lhe retirar a legitimação processual ou mesmo o
interesse em prosseguir na execução para o recebimento do seu
crédito já definido por coisa julgada. Recurso manifestamente
improcedente a que se nega seguimento com fulcro no artigo 557
do Código de Processo Civil”.[225]
No entanto, no âmbito das relações do trabalho, os nossos tribunais tem
reconhecido personalidade jurídica apenas aos condomínios edilícios
regularmente “constituídos mediante registro em cartório”. O que já é um grande
avanço.
“‘CONDOMÍNIO DA RUA KINGSTON”. INEXISTÊNCIA DE
REGISTRO EM CARTÓRIO. AUSÊNCIA DE
PERSONALIDADE JURÍDICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA
CONFIGURADA. O ‘Condomínio da Rua Kingston”,
empregador indicado pelo Autor na inicial, é figura inexistente,
pois o condomínio é constituído mediante registro em cartório e
representado em juízo pelo síndico eleito pelos condôminos,
condições estas que não foram observadas no caso, restando
configurada a ausência de personalidade jurídica do Reclamado.
Assim, embora fosse reconhecida a prestação de serviços
diretamente com os moradores indicados em contestação, sem a
figura do condomínio, estaríamos violando o princípio do devido
processo legal. Isso porque, aqueles moradores não fizeram parte
da relação jurídica processual, não havendo exercido o direito
constitucional ao contraditório e à ampla defesa. Por conseguinte,
há de ser mantida a sentença que extinguiu o feito sem resolução
do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC. Nego
provimento”.[226]
3.4.1 Da evolução na interpretação da Lei n° 4.591, de 16.12.1964
Partindo de uma visão formalista, nos primeiros tempos de vigência da
Lei n° 4.591, de 16.12.1964, cogitou-se em não se reconhecer a personalidade
judiciária do condomínio, sob o argumento exatamente de não se tratar de uma
pessoa jurídica, daí por que nas ações em que figurava como parte deveria se
fazer representar por todos os condôminos individualmente, em litisconsórcio
que, além de necessário, era unitário.
Mas, pouco a pouco, os tribunais brasileiros evoluíram no entendimento
de que o novo diploma legal, ao criar a figura de um condomínio especial
originou uma realidade jurídica denominada “pessoa formal”, legitimada para
em seu próprio nome e representada pelo síndico (administrador) atuar ativa ou
passivamente em juízo (art. 12 do antigo Código de Processo Civil de 1973)[227]
no resguardo dos direitos e interesses comuns, incluindo tudo o que fosse
relacionado com a manutenção do edifício e com a disciplina de sua utilização. E
assim aconteceu exatamente porque, se o Direito tem uma finalidade e o direito
processual é o meio para o seu resguardo, o instrumento deve ser manejado de
forma a cumprir, com a maior eficácia possível, a finalidade para a qual foi
desenvolvido: resolver os conflitos de interesse pela aplicação do Direito.[228]
Por sinal, RUBENS LIMONGE FRANÇA cita julgado com votação
unânime, relatado por Vieira de Moraes e com a participação dos juízes Lair
Loureiro e Yussef Cahali, onde se lê o seguinte: “(...) como vem ressaltando a
jurisprudência, (...) têm sido frequentes os casos em que determinadas
coletividades, tendo um patrimônio comum, buscam um fim de interesse geral,
sem constituir, no entanto, uma pessoa jurídica. É o que sucede com as
sociedades irregulares, consórcios e mesmo com adquirentes de unidades
residenciais, como na espécie, em que o incorporador abandona o
empreendimento. Não seria justo que ficassem ao desamparo os direitos e
interesses dessas pessoas, pela falta de capacidade jurídica. (...) É por isso que a
jurisprudência tem aceitado a presença em juízo desses comunheiros, tanto ativa,
como passivamente, emprestando-lhes não uma capacidade jurídica, mas
capacidade judiciária. Tais entidades têm, assim, capacidade de ser parte, ensina
Pontes de Miranda, são capazes processuais (cf. Comentários ao Código de
Processo Civil, t. II, p. 85)”.[229]
Portanto, do ponto de vista processual (personalidade judiciária), o
condomínio edilício é representado em juízo e fora dele pelo administrador ou
síndico (pessoa natural), nos termos do inciso IX do art. 12 do Código de
Processo Civil de 1973, e inciso XI do art. 75 da Lei n° 13.105, de
16.03.2015 (Código de Processo Civil de 2015).
Contudo, em que pese tais atributos, ainda não possui o condomínio
edilício personalidade jurídica plena, pois perante a lei civil não é considerado
pessoa jurídica, e o registro de sua instituição junto ao Serviço Imobiliário não
é, por si só, considerado apto a promover equiparação à pessoa jurídica, embora
de fato essa realidade já exista a partir da solene manifestação coletiva de
interesses comuns equalizados por meio de uma assembleia.
Ademais, no mundo dos negócios o condomínio edilício age tal qual
uma pessoa jurídica, sendo, inclusive, qualificado por SILVIO DE SALVO
VENOSA, como entidade com personificação anômala.[230] O condomínio
edilício compra e vende, contrata empregados, presta serviços, empresta, loca ou
dá em locação, transige, enfim, atua na vida negocial como qualquer pessoa
jurídica, dentro de seu âmbito de atuação. A realidade não admite outra solução.
O condomínio tem, portanto, existência formal.
Atenta contra a realidade do ordenamento o cartório imobiliário que, por
exemplo, se recusa a fazer registro em nome do condomínio edilício na
matrícula da unidade autônoma. Nada impede que a comunidade condominial
decida ser proprietária, por exemplo, de lojas ou estacionamento no edifício,
explorando-os comercialmente e com isso reduzindo as despesas condominiais
dos titulares das unidades autônomas. Nunca se negou a possibilidade de o
condomínio edilício deliberar e decidir locar dependência sua para restaurante
ou para outra finalidade mercantil. Além disso, apesar desse condomínio ter
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ e atuar nas relações jurídicas
com terceiros, inclusive de direito real, como se fosse verdadeira pessoa jurídica,
esse é considerado por muitos massa amorfa sem personalidade jurídica.
Segundo JOÃO BATISTA LOPES existe “personificação do patrimônio
comum”.[231] No entanto, SÍLVIO DE SALVO VENOSA opina no sentido de que
“não concluímos pela existência de personalidade jurídica no condomínio,
afirmação sem fundamento legal, mas por essa conceituação de personificação
anômala conferida pela própria lei condominial e pelo Código de Processo Civil,
bem como decorrente de fato social”.[232]
A verdade é que o Código Civil de 2002, ao disciplinar constituição e
funcionamento das pessoas jurídicas, perdeu a grande oportunidade de atribuir
personalidade jurídica ao condomínio edilício. No entanto, o fato do codex não
ter trazido essa tão necessária adequação da lei aos fatos, entendemos, com todo
respeito a opiniões contrária, não coloca ponto final nesta questão, nem extingue
os problemas advindos dessa omissão legislativa.
3.4.2 Da consolidação jurisprudencial em passado recente atribuindo
personalidade jurídica ao condomínio edilício
Todavia, coube ao Tribunal de Justiça do antigo Estado da Guanabara o
pioneirismo em reconhecer a personalidade jurídica do condomínio edilício em
acórdãos relatados pelos desembargadores Olavo Tostes (apelação cível n°
68.800, publicada na DJGB de 21.01.71, p. 37) e Salvador Pinto Filho (apelação
cível n° 79.382, publicada na RT 453/217), em 1971, reportando-se este último
aos ensinamentos de JOSÉ MARIA DE SERPA LOPES, para quem o
condomínio edilício é “um fenômeno societário dotado de personalidade
jurídica”.[233]
Além disso, o primeiro acórdão chama a atenção para o que, com seu
elevado alinhamento com a realidade, considera “a inconsistência do ponto de
vista segundo o qual é indispensável o reconhecimento estatal da existência das
pessoas jurídicas”, na medida em que “os partidários da escola realística viam
nesse reconhecimento um ato meramente declarativo”.[234]
Logo após, o 3º Grupo de Câmaras Cíveis do mesmo Tribunal de Justiça
do antigo Estado da Guanabara reafirmou o entendimento de que “o
condomínio não só pode adjudicar os direitos do condômino inadimplente como
também transmiti-los a terceiros, seja durante, seja após a construção (RT
467/206)”. Por sinal, neste julgado, o relator desembargador Santiago Costa,
fundamentou seu voto da seguinte maneira: “(...) lamentar que o legislador ainda
se omitisse em declarar expressamente ser o condomínio pessoa jurídica distinta
da pessoa de cada um de seus membros, tanto que tem órgãos próprios
(assembleia), contrata serviços, inclusive de utilidade pública, faz e desfaz
contratos de trabalho, mantém e movimenta contas bancárias etc.: Para a prática
de todos esses e outros atos suscetíveis de criar direitos e obrigações, tem-se-lhe
reconhecido, pacificamente, capacidade jurídica. Que lhe falta então para se lhe
atribuir personalidade jurídica? Simplesmente a declaração formal e expressa da
lei, que, entretanto a reconhece implicitamente, a admitir que o condomínio seja
capaz para o exercício de atos que, normalmente, só as pessoas físicas ou
jurídicas podem praticar e aos quais a ordem jurídica brasileira confere
legitimidade e eficácia incontestáveis (...)”.[235]
Depois desse julgamento, vários outros acórdãos têm admitido a
personalidade jurídica do condomínio para adjudicar o imóvel em hasta pública
em execução ou cumprimento de sentença ou mesmo para aquisição pura e
simples, bem como obter os registros respectivos, mediante determinadas
premissas, entre as quais prevalece a deliberação unânime dos condôminos em
assembleia.
Inclusive, a tendência da jurisprudência brasileira é perfeitamente
identificável com a situação de fato verificada nos condomínios edilícios que, em
muito, se assemelham a uma associação, já que praticam atos da vida civil,
quando: a) obtém seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ perante a
Secretaria da Receita Federal – SRF; b) abrem e movimentam conta corrente
perante instituições financeiras; c) admitem e registram empregados pela
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, para prestar serviços ao condomínio;
d) contratam empresa para prestação de serviços de segurança para o
condomínio; e) contratam empresa para administrar o condomínio.
“TRIBUTÁRIO. CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS.
PERSONALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE ADESÃO À
PROGRAMA DE PARCELAMENTO. REFIS.
POSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se
condomínio edilício é considerado pessoa jurídica para fins de
adesão ao REFIS. 2. Consoante o art. 11 da Instrução Normativa
RFB 568/2005, os condomínios estão obrigados a inscrever-se no
CNPJ. A seu turno, a Instrução Normativa RFB 971, de 13 de
novembro de 2009, prevê, em seu art. 3º, § 4º, III, que os
condomínios são considerados empresas - para fins de
cumprimento de obrigações previdenciárias. 3. Se os
condomínios são considerados pessoas jurídicas para fins
tributários, não há como negar-lhes o direito de aderir ao
programa de parcelamento instituído pela Receita Federal. 4.
Embora o Código Civil de 2002 não atribua ao condomínio a
forma de pessoa jurídica, a jurisprudência do STJ tem-lhe
imputado referida personalidade jurídica, para fins tributários.
Essa conclusão encontra apoio em ambas as Turmas de Direito
Público: REsp 411832/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira
Turma, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005; REsp
1064455/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma,
julgado em 19/08/2008, DJe 11/09/2008. Recurso especial
improvido”.[236]
E, independentemente, inclusive, da situação jurídica do condomínio ser
irregular, por ausência de registro da Convenção de Condomínio no Cartório de
Registro de Imóveis (§1° do art. 9° da Lei n° 4.591, de 16.12.1964), por
exemplo, o condomínio efetivamente pratica os mesmos atos antes mencionados,
a ponto de o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, reconhecendo tal
circunstância, em 1993, ter decidido que o “condomínio sem registro dos seus
atos constitutivos, no mundo fático e praticando atos da vida civil, possui
capacidade de direitos e obrigações”.
“EMENTA: AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS PELO
PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO - CONDOMÍNIO - FALTA
DE REGISTRO CARTORIAL - PERSONALIDADE JURÍDICA
- CAPACIDADE PROCESSUAL. OS ATOS CONSTITUTIVOS
DOS CONDOMÍNIOS EM ÁREAS URBANAS DO DF, EM
FACE DA REGULARIZAÇÃO PERANTE O PODER
PÚBLICO, DESDE QUE LIVREMENTE PACTUADOS EM
ASSEMBLEIAS REGULARMENTE CONVOCADAS E
TENDO SEUS TERMOS REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE
TÍTULOS E DOCUMENTOS, CONFIGURAM A
EXISTÊNCIA DE PESSOAS JURÍDICAS, DE ACORDO COM
O ART. 18 DO CC. INOBSTANTE NÃO ESTEJAM
REGISTRADOS SEUS ATOS CONSTITUTIVOS, MAS
EXISTINDO O CONDOMÍNIO NO MUNDO FÁTICO E
PRATICANDO ATOS DA VIDA CIVIL, POSSUI
CAPACIDADE DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES, HAVENDO
TAMBÉM QUE SUBMIR-SE ÀS REGRAS DA
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO. Decisão:
CONHECER. PROVER. UNÂNIME”.[237]
Como se pode observar, o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, acima transcrito, atribuiu ao condomínio edilício irregular (por
desatender o disposto no §1° do art. 9° da Lei n° 4.591, de 16.12.1964), mas
registrado em Cartório de Títulos e Documentos, a qualidade de pessoa jurídica,
de conformidade com o disposto no art. 18 do Código Civil de 1916 [238] e art. 45
do Código Civil de 2002,[239] dotando-o, por conseguinte, de personalidade
jurídica.
Outro julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal foi mais além
em 2001, reconhecendo a personalidade jurídica ao condomínio, a partir de sua
constituição de fato, isto é, a partir da utilização das unidades condominiais, o
que definiria a existência de verdadeira comunhão de interesses, vinculando
todos os condôminos.
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE
TAXAS. IRREGULARIDADE DA CONSTITUIÇÃO DE
CONDOMÍNIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
JULGAMENTO DO MÉRITO. ILEGITIMIDADE AD
CAUSAM. A PERSONALIDADE JURÍDICA DO
CONDOMÍNIO E SUA CAPACIDADE PARA ESTAR EM
JUÍZO SURGEM COM SUA CONSTITUIÇÃO DE FATO, OU
SEJA, QUANDO UTILIZADAS AS UNIDADES QUE O
COMPÕEM, APRESENTANDO-SE UMA COMUNHÃO DE
INTERESSES QUE A TODA VINCULA. AINDA QUE
DESATENDIDOS OS REQUISITOS FORMAIS DO ART. 24,
DA LEI 4.591/64, POR AUSÊNCIA DO VÍNCULO
INSTRUMENTAL DE UM CONTRATO OU DA
FORMALIZAÇÃO DE SEU REGISTRO EM CARTÓRIO,
NÃO PODE O CONDÔMINO EXIMIR-SE DO PAGAMENTO
DE TAXAS ESTABELECIDAS EM ASSEMBLEIA. AS
DELIBERAÇÕES COLETIVAS TÊM VALIDADE
ENQUANTO NÃO ANULADAS. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO. Decisão: CONHECER. NEGAR. UNÂNIME”.
[240]
Adotando a mesma linha de entendimento do precedente de 1993, em
relação à existência e validade dos condomínios irregulares no mundo jurídico,
o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proferido em 1999, postou-
se no sentido de que esses condomínios constituiriam uma realidade que o
direito não pode ignorar.
“EMENTA: COBRANÇA - CONDOMÍNIO IRREGULAR -
LEGITIMIDADE ATIVA. CONDOMÍNIOS NÃO
REGISTRADOS OU INSUFICIENTEMENTE FORMADOS
CONSTITUEM REALIDADE QUE O DIREITO NÃO PODE
IGNORAR, PODENDO SER REPRESENTADAS EM JUÍZO
ATIVA E PASSIVAMENTE. RECURSO PROVIDO. Decisão:
CONHECER, PARA CASSAR A SENTENÇA. UNÂNIME”.[241]
No mesmo sentido, o juiz MARCELO GUIMARÃES RODRIGUES,
em sentença proferida no processo de dúvida deflagrada pelo 5º Serviço de
Registro de Imóveis de Belo Horizonte, na condição de titular, à época, da Vara
de Registros Públicos no Fórum Lafayette da Capital Mineira (como de fato
ocorrera igualmente em outros Estados) mostrou nitidamente que o § 3º do art.
63 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, atribui personalidade jurídica ao condomínio
edilício, ao reconhecer expressamente o direito desta pessoa abstrata adquirir a
unidade autônoma, quando da construção do edifício, no caso do
inadimplemento do condômino.
“Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte.
Proc. n. 024.05.801.569-4. Sentença. Dúvida deflagrada perante
este Juízo especializado pela Oficiala Substituta do 1º Serviço de
Registro de Imóveis de Belo Horizonte, a requerimento de
Condomínio do Edifício Algídia Ribas, a propósito de escritura
pública de compra e venda tendo por objeto o imóvel matriculado
sob o n. 46.288. Aponta a Oficiala Registradora que o imóvel foi
adquirido pelo condomínio, e que, de acordo com a orientação
doutrinária e jurisprudencial, condomínio não tem personalidade
jurídica para adquirir bens, salvo a hipótese do art. 63, § 3º, da
Lei n. 4.591, de 1964, o que não é o caso apresentado.
Irresignado com a recusa da Oficiala em registrar o título,
requereu a suscitação de Dúvida. Todavia, apesar de devidamente
notificado e transcorrido o prazo legal, não apresentou
impugnação. O Dr. Curador de Registros Públicos absteve-se de
exarar parecer em face da ausência de impugnação. É a síntese,
no essencial. DECIDO. Em melhor e detida análise do presente
caso, estou a firmar entendimento de que o condomínio possui
personalidade jurídica para adquirir imóvel, desde que
preenchidos alguns requisitos legais. É certo que a Lei n. 4.591,
de 1964, em seu art. 63, § 3º, atribui personalidade jurídica ao
condomínio para adquirir a unidade autônoma, quando da
construção do edifício, no caso do inadimplemento do
condômino. Entretanto, há uma lacuna na legislação concernente
aos condomínios edilícios e especiais com relação a esta matéria.
Em artigo de autoria de J. Nascimento Franco, publicado em
1982, este defendia o reconhecimento desta personalidade
jurídica ao condomínio. Ressalta o jurista que: ‘Em suma, não se
justifica mais a obstinação em se negar ao condomínio em
edifício, cujo instrumento de instituição esteja registrado no
Cartório de Registro de Imóveis, o direito de adquirir bens
imóveis, notadamente quando a assembleia geral autorizar o
síndico a celebrar os contratos e a assinar a respectiva escritura’.
‘O instrumento de instituição e convenção, uma vez registrado,
equipara o condomínio, quando mais não seja, às sociedades
irregulares, que praticam centenas de atos no mundo dos
negócios. Na realidade, o condomínio em edifício distingue-se
perfeitamente da pessoa de cada um dos condôminos.
Consequentemente, nada mais razoável do que considerá-lo com
personalidade jurídica para as aquisições de que necessite e
autorizadas por sua assembleia geral’ (Revista de Direito
Imobiliário do IRIB). Neste sentido, deve o Oficial Registrador
se ater a alguns requisitos para que possa registrar o título em sua
tábula, como a presença de ata da assembleia geral do
condomínio com deliberação e aprovação da aquisição ou
alienação do imóvel, pela unanimidade dos presentes à
assembleia. Ademais, o condomínio deverá estar quite com todas
as suas obrigações fiscais. Há de se ressaltar que já existem
decisões semelhantes em Tribunais Superiores, como se pode ver
pelo recente acórdão do Conselho Superior da Magistratura de
São Paulo, no qual se decidiu pela possibilidade de registro de
adjudicação em favor do condomínio, em caso similar ao dos
presentes autos: ‘Registro de Imóveis. Dúvida julgada
procedente. Registro de carta de adjudicação. Condomínio
Especial como adquirente. Ausência de personalidade jurídica.
Viabilidade de aquisição, em tese, mediante aplicação analógica
do artigo 63, § 3º, da Lei n. 4.591, de 1964. Necessidade de
aprovação da aquisição, em assembleia geral dos condôminos.
Recurso Provido’ (Ac. n 273-6/7, de 23.02.2005). Pelo exposto,
julgo improcedente a presente Nota de Dúvida, recomendando à
Oficiala Registradora a observância dos critérios aqui apontados
para o registro do título, sem prejuízo das demais formalidades
legais. Isento de custas. Com o trânsito, cumpra-se o disposto no
art. 203, II, da Lei n. 6.015, de 1973, seguindo-se à baixa e
arquivo dos autos. P. R. I. Belo Horizonte, 18 de outubro de
2005”.
Também entendemos importante citar que a promotora de justiça
DENISE MARIA DURO REIS, da Promotoria de Justiça Cível, Registros
Públicos e Acidentes do Trabalho de Porto Alegre, recebeu, em ofício enviado
pela 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
voto de louvor pelo parecer exarado nos autos da Apelação Cível nº
70018806737, por ocasião da sessão de julgamento daquele Tribunal. Com
efeito, o desembargador relator Carlos Cini Marchionatti reproduziu, e adotou
como razão de decidir em seu voto, parte do parecer da Promotora de Justiça,
consignando, expressamente, que o mesmo continha uma “análise jurídica
significativamente expressiva e por demais criteriosa no Processo”.
1. “A princípio, uma vez apresentado o título judicial – carta de
adjudicação – cumpre ao Oficial de Registro de Imóveis o exame
da documentação à luz das disposições legais e normativas e dos
princípios que norteiam a matéria registrária, no procedimento
que se chama de qualificação registrária”.
2. “Assevere-se que é cediço que mesmo os títulos judiciais se
submetem à qualificação registraria, eis que o registro depende
de atendimento de certos requisitos legais, bem como a
observância dos princípios que norteiam a matéria registral e tem
por fim garantir a segurança jurídica do tráfego imobiliário”.
3. “De outro lado, a qualificação registraria, como já definiu o
Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, não diminui,
contraria ou reduz os efeitos da decisão judicial, até por que tal
seria inconstitucional, apenas se prestaria a habilitar a ordem
judicial para que esta venha a produzir sua eficácia própria na
esfera de direitos de terceiros”.
4. “Portanto, é justamente para essa realização da conquista
eficacial plena que se torna necessária a verificação da afetação
ou interferência sobre direitos de terceiros, do que resulta a
necessidade de averiguação da observância dos princípios
registrários, dentre eles o da continuidade (art.195 da LRP, da
unitariedade, (art. 176, §1º, I, da LRP), da especialidade
(decorrente de todo texto legal), princípio da legitimação
registraria (art. 252 da LRP), e princípio da legalidade (art. 221
da LRP)”.
5. “A qualificação registral, em que pese seu alcance, não pode
impedir os efeitos de decisão judicial, salvo quando esta venha a
produzir efeitos estranhos ao próprio comando judicial (efeitos
não pretendidos pelo julgador), atingindo direito de terceiros não
envolvidos na lide. Afora tal situação, que confere à
“qualificação” prerrogativas para obstar os efeitos imediatos da
ordem, não há como se impedir os efeitos de decisão judicial. A
questão objeto da presente dúvida diz quanto á possibilidade do
registro de título judicial aquisitivo em favor de Condomínio
Edilício”.
6. “Examinando os precedentes jurisprudenciais, constata-se que
os Julgados do E. Conselho Superior da Magistratura de São
Paulo se mostram unânimes em declarar e reconhecer a ausência
de personificação dos CONDOMÍNIOS de que trata a Lei
4.591/64 e o atual Código Civil, concluindo que em face de tal
delineamento jurídico, não se encontram os CONDOMÍNIOS
EDILÍCIOS credenciados para a aquisição imobiliária”.
7. “As decisões sobre o tema apresentam argumentos consistentes
e coerentes, destacando que a FACULDADE que confere aos
CONDOMÍNIOS atributos postulatórios em juízo, não é se
afigura suficiente ou capaz de lhes outorgar PERSONALIDADE
JURÍDICA. Ademais, ressaltam que a previsão do art. 63, da Lei
4.591/64 que estabelece a possibilidade do CONDOMÍNIO
incorporador ADJUDICAR imóvel de adquirente inadimplente,
igualmente não atribui a este, a condição ou atributo de “pessoa
jurídica”. O entendimento jurisprudencial assinala e observa que
tal dispositivo representa uma “exceção” à regra geral, e como
tal, apenas se prestando para confirmar o conteúdo e alcance da
própria REGRA”.
8. “Todavia, independentemente da força dos argumentos,
pareceria que a questão poderia ser reexaminada, de forma a dar
maior alcance às funções hodiernamente desempenhadas pelos
Condomínios, a quem se atribui responsabilidade fiscal,
trabalhista, assim como perante os condôminos, em relação à
expressividade dos valores que administram, tudo objetivando o
interesse da coletividade”.
9. “O entendimento que considera que os condomínios especiais
têm apenas CAPACIDADE POSTULATÓRIA ou capacidade
para estar em juízo, mas não possuem PERSONALIDADE
JURÍDICA, se antagoniza com esta realidade, e decorre de uma
interpretação que visualiza em todos os dispositivos que
permitem vida jurídica plena aos CONDOMÍNIOS, a condição
de disposições excepcionais, que se prestam apenas para
confirmar a regra da despersonalização (Inclusione unius fit
exclusio alterius. Qui de uno dicit, de altero negat. Qui de uno
negat, de altero dicit)”.
10. “Observa-se que o próprio art. 12, do Código de Processo
Civil [art. 75 do CPC de 2015], em seu art. 12, trata em incisos
separados as sociedades sem personalidade jurídica e os
condomínios (incisos VII e IX), o que viria a reforçar a teste que
não se tratam de entidade idênticas”.
11. “Também por este prisma, seriam os "condomínios
registrados", PESSOAS DE DIREITO PRIVADO, e como tal,
dotados de personalidade jurídica como uma forma peculiar de
ASSOCIAÇÃO”.
12. “Como definição da personalidade jurídica, (aptidão genérica
para adquirir direitos e contrair obrigações), há que se reconhecer
que atualmente os CONDOMÍNIOS não têm quaisquer restrições
relativas à conquista de direitos ou mesmo pertinentes a assunção
de obrigações. Possuem todos os requisitos para exercer em sua
integralidade, a vida jurídica plena, posto que são dotados de
todo instrumental jurídico para o desempenho dos mais diversos
papeis nas relações rotineiras”.
13. “Possuem CNPJ (CGC); são empregadores; podem
subscrever os mais variados contratos; aplicam recursos
financeiros e tomam todas as decisões ligadas a seus interesses
peculiares e próprios. Assim como uma sociedade ou uma
associação, são os condomínios limitados ao respectivo estatuto.
No mais atuam com liberdade, inexistindo pacto ou contrato que,
em princípio, não possa ser celebrado validamente pelo
representante autorizado pelo órgão coletivo. O reconhecimento
de PERSONALIDADE JURÍDICA para os condomínios não
acarreta qualquer ameaça para os interesses dos condôminos,
pois é a ASSEMBLEIA CONDOMINIAL que, soberanamente,
decide sobre a gestão, os destinos e a forma de proceder do
CONDOMÍNIO autorizando ou negando a compra ou
adjudicação de imóvel ou dando ou negando poderes para o
síndico tomar decisão neste sentido”.
14. “Tendo personalidade jurídica o CONDOMÍNIO pode
adquirir imóvel de devedor inadimplente, quando tal conduta
atenda aos propósitos ligados a uma melhor e mais eficiente
arrecadação. O condomínio, no entanto, não poderá se distanciar
de seus objetivos, pois neste caso, estaria agindo contra legem”.
15. “A adjudicação ou arrematação de bem imóvel pelo
condomínio em ação de cobrança da taxa interna, atende,
evidentemente, os propósitos condominiais. Evidente que nestes
casos pode nascer uma nova obrigação tributária determinada
pelo eventual LUCRO IMOBILIÁRIO, o que não significa risco
ou prejuízo para os condôminos. As unidades autônomas sempre
estarão preservadas, pois não compõe o acervo coletivo ou
condominial, assim como a parte comum (que mesmo estando
registrada em nome do condomínio, representam frações que
tocam a cada um dos condôminos)”.
16. “Sobre a matéria, assim se posiciona FREDERICO
HENRIQUE VIEGAS DE LIMA: ‘A personalidade jurídica do
condomínio é um tema muito pouco desenvolvido na doutrina
que lhe confere pouca importância, justamente em virtude do
binômio referido entre propriedade exclusiva e co-propriedade’”.
17. “Dessa forma, para a grande maioria dos autores, o
importante é a figura dos condôminos e suas relações jurídicas,
quer sejam internas ou externas”.
18. “Contudo, não se pode negar que na atualidade, dada a
complexidade de atuações e relações jurídicas que um
condomínio desenvolve, não se pode negar a existência de uma
personalidade jurídica ampla, comparável com a das sociedades e
associações, sendo indispensável o elastecimento da
compreensão do art. 44 do CC – que possui o numerus clausus de
pessoas de direito privado, para contemplar também o
condomínio edilício”.
19. “Tanto é assim que as mesmas jornadas de direito civil
organizadas pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça
Federal, em seu Enunciado 90, embora de maneira tímida, já
realizavam a previsão da necessidade de se dotar os condomínios
edilícios de personalidade jurídica, embora de forma restrita. O
que não nos parece o mais adequado”.
20. “Estabelece o Enunciado 90: ‘Art. 1.331. Deve ser
reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas
relações jurídicas inerentes à atividade de seu peculiar
interesse’”.
21. “Se por um lado, podemos visualizar um avanço quando o
referido enunciado idealiza a situação da possibilidade de se
conceder aos condomínios edilícios uma personalidade jurídica,
não nos parece admissível que ela seja restrita às atividades de
seu interesse”.
22. “Estar-se-ia criando uma personalidade jurídica de segunda
categoria em nítida contradição às garantias constitucionais de
igualdade entre as pessoas, nas quais não duvidamos incluir as
pessoas jurídicas”.
23. “Se essas razões não forem suficientes – mesmo porque
demandam um estudo mais aprofundado sobre o assunto, e não
uma simples sentença enunciativa – também é imperioso saber
quais as situações em que os condomínios edilícios exercem
atividades de seu peculiar interesse e quais as que agem
desinteressadamente”.
24. “‘Situações que, em nosso sentir, constituem uma linha tênue
de diferenciação, que deve ser objeto de melhor análise’”.
25. “Por fim, assevere-se que já existem entendimentos
jurisprudenciais no sentido do reconhecimento da personalidade
jurídica do Condomínio Edilício: ‘CONDOMÍNIO -
Legitimidade de parte - Ação proposta contra os condôminos em
virtude da falta de segurança no edifício - Inadmissibilidade –
Entidade jurídica distinta de cada um dos condôminos –
Ilegitimidade passiva reconhecida – Recurso não provido Uma
vez instituído esse condomínio constitui um ente jurídico que se
distingue perfeitamente dos titulares de cada uma das entidades
autônomas, da mesma forma pela qual se distingue da sociedade
a pessoa de cada um dos sócios. Numa fase primitiva do sistema,
poder-se-ia admitir que ao condomínio em edifícios faltasse
personalidade jurídica. Mas a jurisprudência e a doutrina vêm
evoluindo no sentido de lhe reconhecer ampla capacidade, e, com
esta, plena’ (CSM SP Agravo de Instrumento n. 219.610-1 – São
Paulo - 03.05.94)”.
26. “‘CARTA DE ADJUDICAÇÃO. CONDOMÍNIO.
PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA. FAZENDA
NACIONAL. 1. A preferência decorrente da penhora é fato
processual. O Oficial registrador deve acatar as ordens judiciais
na justa e adequada medida de seus “efeitos”, reconhecendo a
preferência da penhora que em primeiro lugar foi registrada, mas
sem proceder a qualquer juízo de valor a este respeito. Existindo
penhoras anteriores, como prioridade sobre a última, estas não
podem ser desfeitas ou canceladas. Devem permanecer no fólio
conquanto o adjudicante recebeu o bem com tais onerações. Deve
o registrador, por averbação, declarar a higidez das penhoras
anteriores. 2. O condomínio tem legitimidade para adquirir bens
imóveis em decorrência de execuções’ [Decisão 1ª VRPSP, Data:
12/2/2004 Fonte: 000.03.130345-5 Localidade: São Paulo (5º RI)
Relator: Venício Antonio de Paula Salles Legislação: Lei
8.212/91 (art. 53, § 1º). Lei 8.953/94 e Lei 10.444/02]”.
27. “Ademais, é bom que se afirme que o reconhecimento da
personalidade jurídica teria se efetuado perante o Juízo que
expediu a carta de adjudicação, pois se entendesse que o
exequente não detém capacidade para adquiri bem imóvel
deveria ter negado a adjudicação, não se autorizando, desta
forma, que este Juízo, de cunho eminentemente administrativo
recuse título formalmente perfeito, sob argumentação de questão
de fundo, implicando, desta forma, em negar vigência ao
comando jurisdicional”.
28. “PELO EXPOSTO, opina pela improcedência da presente
dúvida, para o fim de determinar o registro da carta de
adjudicação apresentada, atribuindo-se efeito normativo à
decisão de forma a disciplinar situações análogas”.
Por sinal, até mesmo o Superior Tribunal de Justiça – STJ, não raras
vezes, tem se quedado ao fato de condomínio ter, sim, aptidão para adquirir e
exercer direitos e contrair obrigações e, ainda que não vise ao lucro, não pode
ser tratado como simples estado de indivisão de bens. Portanto, o condomínio
edilício é ente com personalidade jurídica (somente as pessoas físicas e jurídicas
tem capacidade para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações – art. 1°
do Código Civil de 2002),[242] constituído para gerir um patrimônio comum, deve
realizar o seu mister com eficiência, objetivando sempre a preservação e o
cumprimento dos direitos e deveres que lhe são atribuídos pela Assembleia de
Condôminos.
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À
EXECUÇÃO. PENHORA DE MÃO PRÓPRIA.
EQUIPARAÇÃO A DEPÓSITO EM DINHEIRO. PENHORA
SOBRE ARRECADAÇÃO MENSAL DE CONDOMÍNIO. -
Embora a lei não trate expressamente da penhora de mão própria,
consistente na possibilidade da constrição recair sobre crédito
que o executado possui frente ao próprio exequente, tal
modalidade de penhora encontra viabilidade na dicção do art.
671, II, do CPC [inciso II do art. 855 do CPC de 2015], apenas
com a peculiaridade de que o terceiro devedor, nesta hipótese, é o
próprio exequente. - A penhora de mão própria só é possível se
ambos os créditos forem certos, líquidos e exigíveis, hipótese em
que, mais do que a garantia do juízo, haverá a compensação ope
legis, até o limite do crédito do executado frente ao exequente. -
Considerando que o crédito objeto de penhora de mão própria
terá como resultado final sua compensação automática com o
débito em execução, não há como deixar de incluí-lo em primeiro
lugar, juntamente com o depósito em dinheiro, na ordem de
gradação do art. 655 do CPC (art. 835 do CPC de 2015], visto
que esta segue o critério da liquidez, isto é, da maior facilidade
do bem ser utilizado para quitação da dívida. Se a compensação
opera-se automaticamente, dispensando até mesmo a necessidade
de conversão em moeda, conclui-se que essa forma de garantia
do juízo é a mais eficaz e célere, indo ao encontro dos princípios
constitucionais da economia processual e da razoável duração do
processo, bem como de realização da execução pelo modo menos
gravoso para o devedor. - A despeito da sua personalidade
restrita, é inegável que o condomínio tem aptidão para adquirir e
exercer direitos e contrair obrigações. Ainda que não vise ao
lucro, não pode ser tratado como simples estado de indivisão de
bens. O condomínio, enquanto ente constituído para gerir um
patrimônio comum, deve realizar o seu mister com eficiência,
objetivando sempre a preservação e o cumprimento dos direitos e
deveres de condôminos e terceiros. Diante disso, conclui-se pela
possibilidade de penhora sobre a arrecadação mensal do
condomínio. A medida, porém, além de ter de respeitar a
gradação legal do art. 655 do CPC, deve obedecer a outro
requisito, que já era jurisprudencialmente exigido por este STJ e
que agora se encontra no art. 655-A, § 3º, do CPC, qual seja, a
nomeação de “depositário, com a atribuição de submeter à
aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem
como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as
quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da
dívida”. Na hipótese específica do condomínio, nomeia-se um
depositário, a quem incumbirá apresentar, para aprovação do
Juiz, a forma de levantamento dos recursos e o esquema de
pagamento do débito, cuidando inclusive para que o percentual
fixado sobre a arrecadação mensal do condomínio não inviabilize
o próprio funcionamento deste. Recurso especial parcialmente
provido”.[243]
3.4.3 Da consolidação doutrinária em passado recente em torno do
reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio edilício
Reforçando a jurisprudência que reconhece personalidade jurídica do
condomínio edilício, CARLOS ALBERTO BITTAR menciona que as entidades
assim personalizadas chamam-se pessoas jurídicas, intelectuais, morais, ou
coletivas. São unidades jurídicas que resultam de comunidades humanas,
organizadas de forma própria e que, com o registro público correspondente,
assumem personalidades distintas das de seus componentes. Voltadas para certos
fins, em função dos quais se desenvolvem as respectivas atividades, essas
entidades assumem autonomia no cenário jurídico, com patrimônio, voz e
vontade própria, responsabilizando-se, em consequência, pelos atos e negócios
normais em seu nome exercitados. Têm suas linhas básicas traçadas no Código
Civil (arts. 13 e segs. do Código Civil de 1916 e arts. 40 e segs. do Código Civil
de 2002), regendo-se, no mais, pelas disposições de seu estatuto, ou de seu
contrato social, conforme o caso. Formam-se com a reunião de duas ou mais
pessoas, unidas pelo vínculo psicológico que as prende em torno das finalidades
perseguidas, observados os pressupostos e os requisitos necessários para sua
constituição, com o que ganham personalidade jurídica, ingressando como atores
no plano jurídico (sociedades e associações). Adquirem existência, patrimônio e
personalidade próprios, podendo exercer direitos e obrigações no plano da
realidade concreta; daí, porque prosperam ora as teorias realistas quanto à sua
natureza.[244]
Como se pode observar, a boa doutrina consagra o entendimento no
sentido de que o condomínio edilício se equipara a uma associação e somente
recebe diferente registro, porque lei especial (Lei n° 4.591, de 16.12.1964) assim
o determina, de modo que, se a associação tem personalidade jurídica, o
condomínio edilício também tem que o ter.
Esta premissa decorre da análise conjunta das disposições contidas no
art. 45 do Código Civil de 2002 [“começa a existência legal das pessoas jurídicas
de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro”],
com as disposições contidas no caput do art. 1.332 e do art. 1.333 do mesmo
diploma legal,[245] que apresenta como obrigatória à existência de uma
Convenção de Condomínio, registrada no Cartório Registro de Imóveis.
Destarte, uma vez praticado o ato de “registro”, indiscutivelmente, ocorre o
nascimento legal da pessoa jurídica do condomínio. Portanto, sem sombra de
dúvidas, a Convenção de Condomínio registrada (art. 1.332 do Código Civil) ou
a simples Minuta de Convenção de Condomínio arquivada (alínea j do art. 32 da
Lei n° 4.591, de 16.12.1964);[246] ou, ainda, a Minuta de Convenção de
Condomínio registrada em Cartório de Títulos e Documentos (art. 45 do Código
Civil de 2002), promovem a publicidade objetivada pelo art. 45 do Código Civil
de 2002, permitindo que o condomínio edilício pratique os atos da vida civil,
introduzindo-o no mundo do direito e lhe atribuindo personalidade jurídica, com
a qual pratica atos, principalmente os lícitos, que geram efeitos jurídicos,
incontestavelmente.
FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, por sua vez,
menciona que a pessoa jurídica é tão oriunda de fático quanto à pessoa física. A
pessoa jurídica é tão real quanto à pessoa física. Ser pessoa é ser capaz de
direitos e deveres. Ser pessoa jurídica é ser capaz de direitos e deveres,
separadamente; isto é, distinguidos o seu patrimônio e os patrimônios dos que a
compõem, ou dirigem.[247]
3.4.4 Da aplicação do art. 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro
É importante destacar que o reconhecimento da personalidade jurídica
no condomínio está diretamente ligado à diretriz imposta pelo art. 5° da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n° 4.657, de
04.09.1942), o qual prescreve que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Portanto, o emprego da norma contida no art. 5° da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro, para identificação da personalidade jurídica no
condomínio, é medida que se impõe. CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA
esclarece que, exatamente pelo fato de a Lei n° 4.591, de 16.12.1964, ter surgido
para proteger os adquirentes de imóveis ainda na planta, já muito prejudicados,
àquela época, pelos desmandos que vinham sendo praticados pelos construtores
e incorporadores, como bem frisa, é que não se pode negar a personalidade
jurídica ao condomínio edilício e, com isso, impossibilitar seu livre trânsito pelo
mundo do direito.[248]
Como se vê, na aplicação da lei, o juiz deve atender aos fins sociais a
que ela se destina e às exigências do bem comum. Portanto, o reconhecimento da
personalidade jurídica no condomínio edilício, criado pela Lei n° 4.591, de
16.12.1964, e, atualmente, também disciplinado pelo Código Civil de 2002, é
medida que se impõe como absolutamente necessária, frente à realidade e para
que o condomínio, enquanto ente constituído para gerir um patrimônio comum,
possa realizar o seu mister com eficiência, objetivando sempre a preservação e o
cumprimento dos direitos e deveres de condôminos e terceiros.
3.4.5 Do reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio no Direito
Comparado
Não é necessário fazer um estudo muito aprofundado do Direito
Comparado para se concluir com segurança a respeito do tamanho do
descompasso entre a legislação brasileira e as principais legislações estrangeiras
que disciplinam a matéria.
Com efeito, na França, desde 1965, o art. 14 da Lei n° 60.577, de
10.7.65, reconhece pura e simplesmente a personalidade jurídica do que lá se
denomina syndicat des propriétaires (“sindicato de proprietários”).
Também na Colômbia, desde a vigência da Lei n° 675, de 2001, o
condomínio é dotado de personalidade jurídica expressa, após a devida inscrição
no órgão municipal próprio.
O mesmo ocorre na Argentina, já que com a vigência da Lei n° 13.512,
de 1948, é reconhecida a personalidade jurídica do condomínio, medida
normativa que apenas tratou de “confirmar o que já vinha sendo decidido e
aplicado pelos tribunais de todo o país com aplausos de todos os doutrinadores”.
[249]
O Superior Tribunal de Justiça – STJ também vem entendendo que é
possível penhorar bem de família para pagamento de “cota de condomínio” ou
“taxa condominial”, porque há um interesse coletivo que supera o interesse
individual.
“PENHORA. Bem de família. Lei nº 8.009/90. Condomínio.
Contribuição condominial. A Quarta Turma alterou o seu
posicionamento anterior para passar a admitir a penhora de
imóvel residencial na execução promovida pelo condomínio para
a cobrança de quotas condominiais sobre ele incidentes. Recurso
conhecido pela divergência, mas improvido”.[340]
“COBRANÇA DE QUOTAS CONDOMINIAIS. PENHORA
INCIDENTE SOBRE DIREITOS DE COMPROMISSO DE
COMPRA E VENDA, RELATIVO A IMÓVEL FINANCIADO
PELO SFH. EMBARGOS DE TERCEIRO QUE VISAM
DESCONSTITUIR O ATO CONSTRITIVO, SOB A
ALEGAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL.
IMPENHORABILIDADE AFASTADA. PREVALÊNCIA DO
DIREITO DO CONDOMÍNIO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM.
SE A SUPOSTA AFRONTA A DISPOSITIVO LEGAL
OCORRER NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO,
NECESSÁRIA A INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO, A FIM DE QUE A MATÉRIA SEJA
PREQUESTIONADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. 1. Em sede de recurso
especial não se examina arguição de ofensa a texto da Lei Maior.
2. Se a questão federal surgir no julgamento da apelação, sem que
sobre ela tenha o Tribunal local se manifestado, cumpre ao
recorrente ventilá-la em embargos de declaração, sob pena de a
omissão inviabilizar o conhecimento do recurso por falta de
prequestionamento. 3. Precedentes das duas Turmas que integram
a Segunda Seção deste Tribunal, admitem a penhora de imóvel
financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação para pagamento
de taxas condominiais, não obstando o fato de ser considerado
bem de família, a teor do art. 3º, IV, da Lei nº 8.009/90. 4.
Hipótese em que o ato constritivo não recaiu sobre o imóvel em
si, mas sobre os direitos que exerce o compromissário-
comprador. 5 Ausência de interesse da entidade integrante do
SFH para arguir a impenhorabilidade prevista na Lei n.º
8.009/90. 6. Sendo a ação principal uma demanda de cobrança de
despesas condominiais (obrigação "propter rem"), não se pode
afirmar que o interesse da promitente-vendedora seja
predominante em relação ao do Condomínio. Precedente da 3ª
Turma. 7. No tocante ao dissídio interpretativo, a recorrente não
cuidou de cumprir o disposto no art. 541, parágrafo único, do
CPC e 255, § 2º, do RISTJ, mencionando as circunstâncias que
identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas. Recurso
não conhecido”.[341]
Todavia o mesmo Superior Tribunal de Justiça – STJ impede a cobrança
abusiva (não estar ainda na posse do imóvel; colocar o nome do inadimplente
dentro do elevador ou em quadro de avisos; etc) ou ainda suspensão de serviços
comuns. No entanto, a simples colocação do nome dos devedores no balanço
patrimonial, não gera dano moral.
“CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE
IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. COBRANÇA INDEVIDA
DE TAXAS CONDOMINIAIS ANTES DA ENTREGA DAS
CHAVES. DEVOLUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1.
Cobrança indevida confere ao consumidor o direito à repetição
do indébito e, se demonstrada má-fé do credor, por valor igual ao
dobro do que pagou em excesso. Assim, o erro justificado pela
previsão contratual provoca a incidência da exceção prevista no
parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do
Consumidor. 2. Recurso conhecido e não provido”.[342]
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA
CUMULADA COM PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR
DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO
OCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO DE TAXAS
CONDOMINIAIS. DESPROGRAMAÇÃO DOS
ELEVADORES. SUSPENSÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS.
IMPOSSIBILIDADE. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DA
SITUAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA. VIOLAÇÃO DE
DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS.
CARACTERIZAÇÃO. 1. Ação declaratória distribuída em
22.03.2011, da qual foi extraído o presente recurso especial,
concluso ao Gabinete em 26.09.2013. 2. Cinge-se a controvérsia,
além de apreciar a existência de omissão no acórdão recorrido, a
definir se é possível impor restrição ao condômino inadimplente
quanto à utilização dos elevadores e, caso verificada a ilegalidade
da medida, se a restrição enseja compensação por danos morais.
3. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os
embargos de declaração. 4. O inadimplemento de taxas
condominiais não autoriza a suspensão, por determinação da
assembleia geral de condôminos, quanto ao uso de serviços
essenciais, em clara afronta ao direito de propriedade e sua
função social e à dignidade da pessoa humana, em detrimento da
utilização de meios expressamente previstos em lei para a
cobrança da dívida condominial. 5. Não sendo o elevador um
mero conforto em se tratando de edifício de diversos pavimentos,
com apenas um apartamento por andar, localizando-se o
apartamento da recorrente no oitavo pavimento, o equipamento
passa a ter status de essencial à própria utilização da propriedade
exclusiva. 6. O corte do serviço dos elevadores gerou dano
moral, tanto do ponto de vista subjetivo, analisando as
peculiaridades da situação concreta, em que a condição de
inadimplente restou ostensivamente exposta, como haveria,
também, tal dano in re ipsa, pela mera violação de um direito da
personalidade. 7. Recurso especial provido”.[343]
Nos condomínios mistos (residencial e comercial). Não é dado aquele
que tem área comercial o direito de usar áreas de lazer, razão pela qual ele não
tem o dever de pagar tal serviço não disponibilizado nem útil.
“CIVIL. CONDOMÍNIO. LOJA AUTÔNOMA. DESPESAS
COMUNS. OMISSÃO DA CONVENÇÃO. COTA-PARTE
LIMITADA AOS SERVIÇOS DISPONÍVEIS E ÚTEIS.
RECURSO PROVIDO. I- A convenção do condomínio é que
deve prever o critério de rateio das despesas comuns, nos termos
do art. 12 da Lei 4.591/64. II- Sendo omissa a convenção, a
utilização ou não dos serviços comuns, a quantidade do seu uso e
a impossibilidade de renúncia do condômino aos serviços
prestados conduzem ao critério da disponibilização do serviço a
cada unidade, para fins de cálculo da cota-parte das despesas
condominiais”.[344]
3.8.4 Fundos e rateios extras
3.8.4.1 Fundos de reserva
Fundo de reserva é constituído através da arrecadação de recursos junto
aos condôminos, em separado do valor referente à cota condominial, objetivando
suportar as despesas não previstas no orçamento do condomínio, ou seja, é
criado para atender a gastos emergenciais, indispensáveis e imprevistos, tais
como vazamentos, rompimento de tubulações, etc., evitando, assim, a
necessidade de emissão de sucessivas cotas extras. Portanto, a principal
destinação do fundo de reserva é garantir a continuidade e o bom funcionamento
do condomínio em caso de despesas imprevistas e emergênciais, além de
acumular recursos para viabilizar a necessidade grandes reformas futuras, por
exemplo.
Não podemos nos furtar de mencionar que a obrigatoriedade de sua
instituição é polêmica. A discussão que gira em torno da revogação ou não da
Lei n° 4.591, de 16.12.1964 (Lei dos Condomínios) pelo Código Civil de 2002
parece não ter fim. Com efeito, a entrada em vigor do referido Código Civil fez
surgir 2 (duas) correntes doutrinárias conflitantes: uma que entende que o
Código Civil de 2002 revogou os artigos 1º a 27 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964,
sob a alegação de que lei posterior revoga lei anterior; e outra, com fulcro no que
dispõe o §1° do art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
que entende ter havido a derrogação de parte da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, no
que tange aos artigos que sejam antagônicos ao Código Civil de 2002, uma vez
que este não exauriu toda a matéria de condomínios.
Como visto, a Lei n° 4.591, de 16.12.1964, prevê expressamente, na
alínea j do §3° do art. 9° da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, a obrigatoriedade da
constituição do fundo de reserva, uma vez que determina que a Convenção
condominial deve instituir a sua forma de contribuição, o que implicitamente
obriga os condomínios a constituírem o fundo de reserva através da sua
Convenção condominial. Por sua vez, o Código Civil de 2002 não faz menção
expressa à constituição do fundo de reserva. No entanto, ao dispor sobre as
normas a serem inseridas na Convenção condominial, ressalta, em seu art. 1.334,
que: “Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados
houverem por bem estipular, a Convenção determinará (...)”. Assim, no que diz
respeito à criação do fundo de reserva, sob a ótica do Código Civil, ele pode ser
instituído e regulamentado através da Convenção condominial, do Regimento
Interno ou através de deliberação em assembleia, a quem caberá, também,
especificar os casos em que ele poderá ser utilizado, bem como a quem caberá
autorizar a sua movimentação.
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DA
TAXA DE CONDOMÍNIO. IMÓVEL ARREMATADO EM
PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL.
RESPONSABILIDDE DO ADQUIRENTE PELAS DESPESAS
CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. FUNDO
DE RESERVA. 1. As taxas e contribuições do condomínio
constituem obrigação propter rem, ou seja, que adere ao bem
imóvel, respondendo o adquirente pelo adimplemento, ainda que
se trate de parcelas vencidas antes da sua aquisição. 2. O dever
do condômino em contribuir para as despesas de condomínio,
arcando com os encargos pelo inadimplemento, conforme
determinado na convenção do condomínio, decorre de lei (art.
1.336 do Código Civil vigente), obrigando todos os proprietários
do imóvel, atuais e futuros, ao seu cumprimento. 3. Afigura-se
legítima a cobrança do Fundo de Reserva, considerando sua
previsão na Convenção de Condomínio e, ainda, em Assembleia
Geral Ordinária realizada pelo condomínio. 4. Sentença
reformada. 5. Apelação provida”.[345]
“PRETENSÃO DECLARATÓRIA - CONDOMÍNIO MISTO
DE LOJAS E SALAS COMERCIAIS - PREVISÃO DA
CONVENÇÃO SOBRE O RATEIO DAS DESPESAS - FUNDO
DE RESERVA. PRETENSÃO DECLARATÓRIA -
CONDOMÍNIO MISTO DE LOJAS E SALAS COMERCIAIS -
PREVISÃO DA CONVENÇÃO SOBRE O RATEIO DAS
DESPESAS - FUNDO DE RESERVA. Previsão convencional
para obrigação dos condôminos no pagamento das despesas
comuns e do fundo de reserva, ficando estabelecida na
Convenção a divisão de rateios e despesas do grupo de
condôminos formado pelas lojas e o outro grupo dos condôminos
formado pelas salas comerciais integrantes do edifício do 3º ao
13º andares. Orçamentos e despesas separados com a declaração
de que um grupo não tem obrigação de contribuir para o fundo de
reserva do outro grupo e vice-versa. Acolhimento da pretensão
declaratória da inexigibilidade da contribuição das lojas para o
fundo de reserva das salas. Recurso provido”.[346]
Mesmo assim, entendemos que a existência do fundo de reserva e a
necessodade de ser pago por todos os condôminos revela-se em razão de uma
boa causa, ou seja, com o objetivo de fazer frente a despesas de conservação do
prédio. Afinal de contas, a conservação é necessária também para garantir a
segurança de todos os condôminos e moradores do prédio.
Normalmente, o fundo de reserva é expresso em percentual da cota ou
taxa condominial, previsto na convenção de condomínio que deve ser destinado
a conta do referido fundo. Em geral, esse percentual ou alíquota varia de 5%
(cinco por cento) a 10% (dez por cento), mas a quantia destinada ao fundo de
reserva pode ser superior a 10% (dez por cento), se assim for deliberado na
assembleia-geral de condôminos, mas não pode ser inferior ao percentual
aprovado.
Na prática, os fundos de reserva são, em essência, uma forma de separar
uma parcela de dinheiro da conta comum do condomínio. Assim, fica mais fácil
gerir uma arrecadação para certo fim. Por se tratar de uma arrecadação na
maioria das vezes de médio a longo prazo, fundos de reserva costumam
acumular valores consideráveis. Portanto, é importante que o montante
acumulado seja aplicado em instituições financeiras para não perder seu valor
real.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE MULTA E
OUTRAS VERBAS C.C. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.
DESPESAS EXIGIDAS EM BOLETO ÚNICO.
IMPUGNAÇÃO À COBRANÇA DE MULTA POR INFRAÇÃO
CONTRATUAL E VALOR ATINENTE A FUNDO DE
RESERVA. DECISÃO QUE REJEITOU A CONSIGNAÇÃO
DE VALORES EM JUÍZO. CABIMENTO DO DEPÓSITO
JUDICIAL, EMBORA TÃO-SOMENTE DOS VALORES
EXIGIDOS PELO CONDOMÍNIO, EXLUINDO-SE QUANTIA
REFERENTE À SANÇÃO IMPUGNADA. Havendo recusa
quanto ao desmembramento da cobrança de multa contratual no
boleto envolvendo outras despesas exigidas pelo condomínio,
afigura-se legítima a consignação em juízo das verbas, excetuada
a sanção, cuja exigibilidade demanda cognição ampla.
Consignação em pagamento admitida com fundamento nos
artigos 273 do CPC e 335, I, do Codigo Civil em vigor. Recurso
parcialmente provido”.[347]
3.8.4.2 Espécies de fundo e rateio
Aliás, o fundo de reserva é a única forma de arrecadação extra a figurar
nas convenções condominiais. No entanto, outras formas de arrecadação podem
existir, tais como fundo de obras, fundos para outros fins e rateios extras, porém
todos eles devem ser criados por assembleias-gerais de condôminos.
Seja com for, para que haja transparência no processo da criação de
fundos e rateios é importante que esteja expressamente previstas informações
básicas, tais como a duração da arrecadação, o quanto se quer levantar, e,
principalmente, seu objetivo.
Os tipos mais comuns de fundos e rateios são os seguintes: 1) fundo de
obras: este tipo de fundo serve para proporcionar melhorias na infraestrutura do
prédio. Troca de itens como canos, impermeabilização de lajes, pintura na
garagem. Esse tipo de reforma, comum em tantos condomínios, é, em geral,
custeada pelo fundo de obras; 2) fundo de equipagem: este tipo de fundo é muito
usado em condomínios novos; é voltado para compras diversas como carrinhos
de compras, tapetes, acolchoados para elevadores, lixeiras, acessórios para
banheiros de áreas comuns, mobiliário para piscina, e até em alguns casos, a
instalação de circuito fechado de tv e proteção perimetral. Nesse caso, como é
muito difícil prever o término desses custos, a arrecadação dura o tempo que for
necessário para sanar essas compras; 3) rateios extras: este tipo de arrecadação,
apesar de tão impopulares, constituem também fundos. Seu excesso deve ser
evitado, pois muitos rateios extras colaboram com a alta inadimplência e
também dão ideia de gestão fraca no condomínio. Oscondomínios se
provisionam com rateios extras ou quando um grande imprevisto acontece,
quando está para acontecer, como uma sentença judicial contrária ao
condomínio, ou para se provisionar para meses de maiores gastos, como
novembro e dezembro – quando há o pagamento do dissídio dos funcionários e
também do décimo terceiro salário.
Alertamos que o que mais incomoda os condôminos e moradores de um
condomínio é o uso de um fundo ou rateio para suprir outro problema não
previsto ou estranho aos motivos de sua criação. Mas o síndico pode, sim, se
utilizar daquela conta de fundo ou rateio para sanar alguma outra emergência,
como, por exemplo, um elevador parado por falta de conserto. Nesse caso, o uso
parcial ou total do fundo ou rateio deve ser reposto e para que não haja
questionamentos por parte dos condôminos, também deve ser ratificado em ata
na próxima assembleia-geral.
Mesmo assim, os usos possíveis do fundo de reserva, especificamente,
devem estar expressamente citados na convenção do condomínio. Caso não haja
menção a isso, quando houver necessidade do uso dessa arrecadação, uma
votação em assembleia-geral deve ratificá-la.
3.8.4.3 Quorum de aprovação e arrecadação
Seja através da criação de fundos (como um fundo de obras, por
exemplo) ou de rateios extras, para conseguir uma nova arrecadação, o síndico
deve contar com maioria simplesa fim de obter sua aprovação.
Uma vez aprovada a criação de fundos ou de rateios extras, o pagamento
das respectivas parcelas está ligado ao conceito de fração ideal, ou seja, quem
possuir 2 (duas) unidades autônomas deve pagar o dobro do que o proprietários
de uma única unidade autônoa terá de arcar. O mesmo vale para coberturas,
desde que respeitada a proporcionalidade das frações ideais correspondentes à
unidade autônoma.
3.8.4.4 Participação de inquilinos e usufrutuários para formação de fundos
Muito se questiona sobre a participação dos inquilinos para a formação
de fundos dos mais diversos em condomínios.
O aceito é que os inquilinos arquem com as despesas ordinárias, como
água, luz e pagamento de funcionários. Já condôminos, proprietários de unidade
autônoma, são os responsáveis por investir em melhorias, como pintura de
fachada, e obras no jardim – já que esse tipo de benfeitoria aumenta o valor do
imóvel.
“CONTRATO DE LOCAÇÃO. RESTITUIÇÃO DE COTAS DE
FUNDO DE RESERVA. Relata a reclamante, em síntese, que
reside no apartamento nº 901 do Edifício Radio Londrina, ora
reclamado, desde março de 1977. Aduz que embora o contrato de
locação esteja em nome de seu irmão sidney cury, todas as
despesas da locação (alugueis, taxas de condomínio, etc.), são
sempre foram custeadas pela reclamante. Sustenta que desde o
início da locação o valor da taxa referente ao fundo de reserva
que compõe o total da taxa de condomínio nunca foi restituído à
reclamante, por meio de abatimento no valor do aluguel.
sobreveio sentença que julgou extinto o processo sem resolução
do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC. Insurge-se
a reclamante. argumenta a recorrente que apesar de não constar
seu nome no contrato de locação firmado com o recorrido, mas
sim o nome do seu irmão, sr. Sidney Cury, o recorrido não negou
que tem conhecimento de que a reclamante é quem reside de fato
no imóvel. Aduz que possui legitimidade para reaver os valores,
pois foi a responsável pelos pagamentos. Preliminar de
ilegitimidade ativa. abstrai-se dos autos que o contrato, bem
como os boletos das taxas condominiais estão em nome de sidney
cury, locador do imóvel (mov. 1.5/1.15 e 36.2). A reclamante
alega ser a responsável pelos pagamentos, pois detém todos os
comprovantes em seu poder. Nos termos do art. 6° do Código de
Processo Civil: ‘Ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei’. Trata-se de
demanda relacionada com contrato de locação, portanto, possui
legitimidade para propor a ação em comento apenas aquele que
figura como locatário no contrato entabulado entre as partes.
portanto, escorreita a sentença monocrática que declarou a
ilegitimidade ativa da reclamante. Sentença mantida na íntegra
pelos próprios fundamentos. Recurso conhecido e desprovido.
Condeno a recorrente ao pagamento dos honorários advocatícios
fixados em 10% sobre o valor da causa. Entretanto, resta
sobrestada referida condenação em razão das concessão dos
benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do art. 12
da lei 1.060/50. Serve a presente ementa como voto. Unânime”.
[348]
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - INÉPCIA DA
INICIAL NÃO CONFIGURADA - SENTENÇA ULTRA
PETITA - REDUÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO - ARTIGOS
128 E 460 DO CPC - NULIDADE NÃO-OCORRENTE -
FUNDO DE RESERVA PARA DESPESAS
EXTRAORDINÁRIAS DE CONDOMÍNIO -
RESPONSABILIDADE DO LOCADOR. Não é inepta a petição
inicial que, embora singela, permita ao julgador e à parte adversa
apurar o teor da pretensão jurídica da parte autora. A petição
inicial só é inepta quando, da narração do fato não se puder
verificar qual a causa da lide ou, ainda, quando os fundamentos
jurídicos do pedido não se aplicarem à espécie, não se podendo,
outrossim, saber, com exatidão, qual o pedido. A lide deve ser
julgada nos exatos limites da postulação trazida pela parte, nos
ditames dos artigos 128 e 460, do Código de Processo Civil,
oferecendo uma resposta às questões inseridas no processo. A
sentença que decide além do pedido - ultra petita - não é nula,
apenas comportando decotes quanto ao excesso verificado. A
obrigação pelo pagamento do fundo de reserva compete ao
locador, por servir para cobrir despesas extraordinárias do
condomínio. Apelação principal desprovida e apelação adesiva
provida”.[349]
Outrossim, sendo os valores atinentes à constituição de fundos relativos
às despesa extraordinária, e não se tratando de despesa ordinária de conservação
das áreas comuns do condomínio, também não podem eles ser imputados ao
usufrutuário.
“APELAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA - CONDOMÍNIO -
SENTENÇA SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA -
AUSÊNCIA DE NULIDADE - REGRA DE DISTRIBUIÇÃO
DO ÔNUS DA PROVA (CPC, ART. 333)- INEXISTÊNCIA DE
OFENSA AO CONTRADITÓRIO - USUFRUTUÁRIO -
RESPONSABILIDADE PELAS DESPESAS ORDINÁRIAS DE
CONSERVAÇÃO DO BEM - FUNDO DE RESERVA -
DESPESA EXTRAORDINÁRIA - RESPONSABILIDADE
EXCLUSIVA DO PROPRIETÁRIO - JUROS MORATÓRIOS -
1% A.M. - MULTA - LIMITAÇÃO A 2% - CÓDIGO CIVIL DE
2002 - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. Da leitura do decisum de f. 43-
46, verifica-se que o julgador a quo expôs, suficientemente, as
razões de fato e de direito que o levaram a rejeitar a prefacial de
ilegitimidade passiva ad causam, consignando que as despesas
relativas à constituição de fundo de reserva, não obstante
qualificadas na Lei nº 8.245/91 como ‘extraordinárias’, se
destinam à conservação do bem, sendo, portanto, de
responsabilidade do usufrutuário. A jurisprudência tem entendido
que, apresentando a sentença, ainda que de forma sucinta, as
razões pelas quais se chegou a determinado resultado, não há que
se falar em nulidade, por ausência de fundamentação. Na
hipótese em tela, cuidando-se de ação de cobrança de taxas
condominiais, cuja obrigação de pagamento, a cargo do
condômino, decorre da lei (art. 12, da Lei nº 4.591/64), e tendo o
condomínio-autor instruído a inicial com a planilha de f. 13,
como forma de demonstrar o débito reclamado, competia à ré,
ora apelante, o ônus de desconstituir o direito do requerente, nos
termos do art. 333, II, do CPC. Portanto, o magistrado primevo,
ao imputar ao réu o ônus de comprovar que os valores cobrados
não são legítimos, limitou-se a aplicar a lei processual, não
deixando de observar o contraditório. Os valores atinentes à
constituição de fundo de reserva constituem despesa
extraordinária, razão pela qual, não se tratando de despesa
ordinária de conservação da coisa, não pode ser imputada ao
usufrutuário”.[350]
Para facilitar a contabilidade – e a separação das contas – o ideal é a
abertura de cadernetas de poupanças separadas: uma para despesas ordinárias e
outras para fundos específicos. Mas há também casos em que inquilinos devem
arcar com os rateios extras. Isto ocorre quando o rateio extra for criado para ser
usado em despesas ordinárias. Em casos de alta inadimplência, por exemplo,
pode-se usar arrecadação extra para pagar as contas do mês. Nesse caso, os
inquilinos devem, sim, contribuir para a sua restauração.
3.8.4.5 Gestão dos fundos
Os fundos e rateios extras o condomínio devem ser prontamente
depósitados numa instituição financeira e a sua gestão compete à assembleia-
geral de condôminos e ao administrador ou síndico, sendo que o este não deve
movimentar a referida conta sem a assembleia-geral o aprovar primeiro.
A conta do fundo ou do rateio extras deve ser providenciada pelo
administrador do condomínio, visto que isto faz parte das suas funções. É
preferível depósito a prazo para o fundo ou rateio, pois este serve para financiar
despesas de obras de manutenção, que são normalmente realizadas em geral de 8
(oito) em 8 (oito) anos, caso não sejam necessárias antes desse tempo.
No entanto, o fundo ou rateio não deve ser utilizado para obras em
unidades autônomas. Neste caso, os custos de tais obras fora das áreas comuns
devem ser suportados pelo condômino proprietário da fração ideal e não por
todos os condôminos do prédio.
Ademais, a reserva de capital, uma vez formada, incorpora-se ao
patrimônio do condomínio definitivamente. De maneir que o condômino que se
retira, por ter vendido a sua unidade autônoma, não se reembolsa da parte que
contribuiu para a sua formação, porque a própria destinação daquela verba a isso
se opõe.[351]
Seja como for, a reserva de capital bem administrada certamente evita
grandes desfalques nas finanças particulares de cada condômino, sem contar a
valorização do patrimônio comum que dai sobrevem. Ao contrário, a má
administração dos fundos comuns é a porta aberta para a imprevidência, para
constantes desabamentos totais ou parciais de edifícios, para incêndios
decorrentes de curtos-circuitos nas instalações elétricas das áreas comuns, para
acidentes com elevadores e até mesmo para envenenamentos provenientes de
encanamentos e tubulações deteriorados, ligados aos sistemas de gás, água,
esgoto e eletricidade.
3.8.4.6 Inadimplência na arrecadação de fundos
Se um dos condôminos decidir não contribuir para o fundo comum ou
rateio extra, a administração do condomínio deve sempre tentar um acordo
extrajudicial para a solução da inadimplência, pois tal problema pode não passar
de um mal-entendido.
No entanto, caso as tentativas de acordo extrajudicial não obtenham
resultado, o condomínio pode acionar, pelos meios legais disponíveis, para
conseguir a arrecadação do fundo comum ou rateio extra, devidamente aprovado
em assembleia-geral de condôminos. Neste caso, o administrador do condomínio
deve instruir a ação judicial com cópia autenticada da ata da assembleia em que
as contribuições de cada um foram deliberadas.
“AÇÃO DE COBRANCA DE ENCARGOS CONDOMINAIS E
RECONVENCAO. RECURSO TEMPESTIVO. E
TEMPESTIVA A APELACAO DEPOSITADA EM CARTORIO
DENTRO DE QUINZE (15) DIAS, AINDA QUE NESSE
PERIODO NAO SEJA DESPACHADA PELO JUIZ.
DESPESAS DE CONDOMÍNIO E FUNDO DE RESERVA.
CLASSIFICACAO, NATUREZA E DESTINO. O fundo de
reserva por se não confundir com as despesas ordinárias do
condomínio nao pode ser subtraido, separado daquela quota, por
ser um acréscimo, uma parcela a mais, a ser utilizada para as
despesas imprevisiveis e de carater urgente. Todas as ‘chamadas
extraordinarias’ aprovadas por deliberacao de assembleia geral
regular são obrigatorias para os condominos, e cobraveis por
parte do condomínio. A cobranca independe de realizacao das
obras ou melhorias a que se destinam. Juros e multa
convencionais. Inexistencia do registro imobiliario da convenção.
As regras da convenção obrigam a todos os condôminos do
edificio, independente do registro no album imobiliario, o qual
tem apenas a finalidade de ressalvar os direitos de terceiros, e não
dos proprietarios de unidades condominiais. Constituido em mora
o condomino, na forma e pelo prazo estabelecido pela
convenção, são devidos juros e a multa por ela fixados.
Preliminar rejeitada. Apelo improvido”.[352]
“DESPESAS DE CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA.
PETIÇÃO APTA. INSTRUÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL COM
ATAS DAS ASSEMBLEIAS E DEMAIS DOCUMENTOS
SOBRE A ORIGEM DA DÍVIDA. DESNECESSIDADE.
OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. INCLUSÃO DAS
PARCELAS VINCENDAS ATÉ A SATISFAÇÃO DA
OBRIGAÇÃO. EXEGESE DO ART. 290 DO CPC. MULTA
MORATÓRIA QUE DEVE INCIDIR SOBRE O FUNDO DE
RESERVA INADIMPLIDO. APLICAÇÃO INCORRETA DA
CORREÇÃO MONETÁRIA NÃO DEMONSTRADA. Não se
há de falar em inépcia da petição inicial, tendo em vista que da
narração dos fatos decorre logicamente a conclusão e o pedido é
juridicamente possível. Desnecessidade de ser a petição inicial
instruída com a ata da assembleia-geral ordinária que aprovou as
despesas. Por força do art. 290 do CPC, incluem-se as prestações
vincendas no pedido, integrando a condenação até que satisfeita a
obrigação. Convenção condominial que prevê a aplicação da
multa moratória em relação a todas as despesas condominiais.
Incidência sobre o fundo de reserva não adimplido. Incumbia aos
réus apresentarem planilha de cálculo a fim de demonstrar que a
correção monetária estava sendo aplicada incorretamente. Mera
alegação genérica de incorreção do cálculo que não merece
prosperar. Recurso desprovido”.[353]
3.9 SEGURO, INCÊNDIO, DEMOLIÇÃO E
RECONSTRUÇÃO OBRIGATÓRIA
3.9.1 Seguro da edificação
O art. 1.346 do Código Civil de 2002 é claríssimo: “É obrigatório o
seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição, total ou
parcial”.
Na realidade este dispositivo reafirma o que dispõe a Lei n° 4.591, de
16.12.1964, sobre o assunto, em seus arts. 13 a 16, bem como o art. 23 do
Decreto n° 61.867, de 11.12.1967 (regulamenta os seguros obrigatórios previstos
no artigo 20 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966).[354] De maneira
que o seguro da edificação é obrigatório e tem como objetivo a prevenção contra
incêndio ou sinistro que cause destruição total ou parcial do edifício.
“APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. CONDOMÍNIO
RESIDENCIAL. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DAS
COBERTURAS PACTUADAS. AUSÊNCIA DE
CONTRATAÇÃO PARA DESABAMENTO DO IMÓVEL. 1. O
contrato de seguro tem o objetivo de garantir o pagamento de
indenização para a hipótese de ocorrer à condição suspensiva,
consubstanciada no evento danoso previsto contratualmente, cuja
obrigação do segurado é o pagamento do prêmio devido e de
prestar as informações necessárias para a avaliação do risco. Em
contrapartida a seguradora deve informar as garantias dadas e
pagar a indenização devida no lapso de tempo estipulado.
Inteligência do art. 757 do Código Civil. 2. Igualmente, é
elemento essencial deste tipo de pacto a boa-fé, caracterizado
pela sinceridade e lealdade nas informações prestadas pelas
partes e cumprimento das obrigações avençadas, nos termos do
art. 422 da atual legislação civil. 3. Contudo, desonera-se a
seguradora de satisfazer a obrigação assumida apenas na hipótese
de ser comprovado o dolo ou má-fé do segurado para a
implementação do risco e obtenção da referida indenização. 4.
Assim, caso seja agravado intencionalmente o risco estipulado,
ocorrerá o desequilíbrio da relação contratual, onde a seguradora
receberá um prêmio inferior à condição de perigo de dano
garantida, em desconformidade com o avençado e o disposto no
art. 768 da lei civil, não bastando para tanto a mera negligência
ou imprudência do segurado. 5. No caso em exame a parte autora
busca a cobertura securitária por desabamento de imóvel,
resultante de contrato de seguro firmado com a demandada. 6. No
entanto, como se pode observar da Apólice de Seguro
Condomínio Residencial colacionada aos autos, não foi
contratada a cobertura para desabamento do imóvel. 7. Note-se
que o desabamento do bem resultou de defeitos no projeto e na
construção, mais especificamente da perda de resistência
mecânica do pilar, segundo o inquérito policial colacionado ao
presente feito, além da péssima qualidade do material empregado
na obra. 8. Destarte, inexistindo cobertura para o evento descrito
na inicial, descabe a condenação da seguradora ao pagamento do
valor da indenização postulado pela parte autora. Negado
provimento ao apelo”.[355]
Em assim sendo, além de obrigatório os seguros para condomínios, estes
estão sujeitos as seguintes regras: 1) o seguro da edificação ou do conjunto de
edificações deve abranger todas as unidades autônomas e partes comuns tanto
contra incêndio como destruição total ou parcial, ou seja, tanto a Lei n° 4.591,
de 16.12.1964, como o Código Civil de 2002 estabelece a obrigatoriedade da
contratação de seguro, que cubra toda a edificação contra o risco de incêndio
ou outro evento qualquer, que possa causar destruição total ou parcial das
instalações seguradas (art. 1.346 do Código Civil de 2002 e caput do art. 13 da
Lei n° 4.591, de 16.12.1964).[356] Isto porque, no caso de sinistro, poderia afetar
também as unidades autônomas e não somente a parte de uso comum do
edifício; 2) entretanto, o seguro da edificação ou do conjunto de edificações não
cobre conteúdo da unidade autônoma (móveis e objetos pessoais, as benfeitorias
e outros bens que não integrem a unidade padrão), de propriedade privada do
condômino, ou seja, tais bens não estarão obrigatoriamente amparados pela
garantia do seguro. Cada condômino, assim desejando, pode contratar com
qualquer seguradora para garantia que julgar conveniente para os seus bens
particulares e que não integrem a unidade padrão; 3) os danos decorrentes de
incêndio ou destruição total ou parcial causados à unidade autônoma, os bens
que integram a unidade autônoma padrão (janelas, portas, vasos sanitários e
outros agregados ao imóvel na sua construção) e as partes comuns deverão, em
tese, ser cobertos pelo seguro obrigatório, mesmo que tenha o condômino dado
causa a ocorrência, salvo no caso de má-fé comprovada; 4) a contratação do
primeiro seguro deve ser realizada, no máximo, até 120 (cento e vinte) dias da
concessão do “habite-se”, sob pena de ficar o condomínio sujeito à multa mensal
equivalente a 1/12 (um doze avos) do Imposto Predial e Territrial Urbano –
IPTU, cobrável executivamente pelo Município onde está localizado o prédio
(parágrafo único do art. 13 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964. Portanto, a
fiscalização e a cobrança competem ao Municipio em razão de ser o responsável
pelo cumprimento das demais normas e posturas relativas á segurança e higiene
dos prédios urbanos; 5) a realidade recomenda, no entanto, que seja feita a
contratação do seguro da edificação ou do conjunto de edificações tão logo a
ocupação do imóvel seja iniciada; 6) as renovações do seguro da edificação ou
do conjunto de edificações devem ser continuadas, sem interrupções, e com uma
periodicidade anual quando não prevista na convenção; 7) o síndico, de acordo
com o inciso IX do art. 1.348 do Código Civil de 2002, responde ativa e
passivamente, em juízo ou fora dele, por qualquer inadequação ou insuficiência
de seguro constatada. No entanto, a obrigação de contratar o seguro do
condomínio não é apenas do síndico, mas subsidiariamente também dos
condôminos, pois o proveito desta proteção é de todos; 8) uma vez que a
legislação não especifica que outros eventos devem ser segurados além de
incêndio ou destruição, total ou parcial, deixando vaga a definição das
coberturas obrigatórias, deve-se contratar um seguro que garanta todos os
eventos a que o condomínio esteja efetivamente sujeito, entre os quais
destacamos: raio, explosão, queda de aeronaves, danos elétricos, vendaval,
impacto de veículos, quebra de vidros, roubo e os seguros de responsabilidade
civil do condomínio, síndico, dos portões e veículos. Portanto, o síndico deve
observar com cuidado as cláusulas e disposições da apólice de seguro, tal como
valor de cobertura, as situações descritas em que o dano pode ser verificado e em
que poderia ocorrer direito à indenização, bem como negociar com o corretor de
seguros ou companhia de seguros a possibilidade de ampliar a cobertura [os
principais tipos de apólices de seguros para condomínios são as seguintes: a)
responsabilidade civil do condomínio; b) incêndio, raio e explosão; c) quebra de
vidros e espelhos; d) morte e invalidez de empregados; e) responsabilidade civil
por guarda de veículo; f) danos elétricos; g) vendaval; h) impacto de veículos
terrestres; i) roubo de bens de moradores; j) desmoronamento; k) tumultos e
greves; l) roubo de bens do condomínio; m) portões eletrônicos; n) assalto e
sequestro; e o) projétil perdido]. De qualquer forma, outra alternativa neste caso,
é contratar seguro suplementar, tendo em vista melhoramentos que ocorreram no
edifício. Assim, deve constar na apólice complementar, a existência de seguro
básico de reposição da unidade padronizada e das benfeitorias no novo seguro
complementar; 9) não se pode perder de vista, outrossim, que as unidades
habitacionais adquiridas através de financiamento, possuem outro tipo de seguro
contratado no ato da compra, o seguro contratual. No entanto destacamos que,
apesar da existência deste seguro condominial contratual, derivado de contratos
de financiamento, ele não se sobrepõe ao Código Civil de 2002 e à Lei n° 4.591,
de 16.12.1964, que prescrevem a necessidade de toda edificação possuir o
seguro obrigatório da edificação ou do conjunto de edificações, pois o poder
regulamentar não pode contrariar disposição de lei.; 10) a responsabilidade pela
renovação do seguro da edificação ou do conjunto de edificações recai sobre o
síndico, em cujo mandato a apólice foi emitida, não se justificando a
insuficiência de coberturas em apólices vencidas, como isenção de
responsabilidade do síndico no caso de sinistro. A renovação do seguro da
edificação ou do conjunto de edificações é obrigação do condomínio que recai
sobre o síndico, considerando que a este compete a administração do
condomínio bem como a prática de todos os atos de defesa dos interesses
comuns dos condôminos. Sendo constatada a negligência, omissão e até
imperícia do síndico na mencionada renovação recairá sobre ele a
responsabilidade civil e até criminal. Assim, pois, inexistindo o seguro
obrigatório, a responsabilidade recairá sobre o condomínio, especificamente
sobre o síndico, uma vez que este tem o dever de contratar o seguro, na forma
como se expressa a lei; 11) é essencial a revisão de valores e de coberturas a
cada renovação; 12) o condômino não pode deixar de contribuir com o seguro
legal e obrigatório, no total de sua cota parte, mesmo que já tenha contratado
seguro estipulado pela financiadora do imóvel. Até mesmo porque, o seguro
contratual cobre apenas a unidade habitacional objeto do financiamento,
enquanto o seguro legal e obrigatório cobre toda a edificação, as unidades
habitacionais e áreas comuns não privativas. O seguro legal e obrigatório é mais
completo, abrangendo toda a estrutura edificada, para proteção dos condôminos,
áreas privativas, comuns e também terceiros; 13) ainda em relação a obrigação
de contribuir com o seguro, o §2° do art. 12 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, se
aplica ao seguro obrigatório, pois estabelece que “cabe ao síndico arrecadar as
contribuições, competindo-lhe promover, por via executiva, a cobrança judicial
das quotas atrasadas”; 14) para a contratação do seguro obrigatório, não há
necessidade de aprovação em assembleia-geral de condôminos, ao contrário das
coberturas opcionais. Portanto, o síndico não necessita de assembleia para
aprovar a contratação de seguros, mas deve propô-lo para escolher a companhia
e estabelecer a distribuição de valores para as unidades e partes comuns. De
maneira que os seguros obrigatórios devem ser computados como despesa
ordinária e, por via de consequência, até mesmo o inquilino deve contribuir, já
que os seguros estipulam a participação do condomínio como um todo
indivisível. Todas as unidades autônomas são incluídas na obrigação de arcar
proporcionalmente com o seguro legal e obrigatório e devem colaborar de
acordo com as frações ideais correspondentes.
“APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA.
SEGURO CONDOMÍNIO. VENDAVAL. DANO EM
UNIDADE AUTÔNOMA. RISCO EXCLUÍDO DO
CONTRATO. DEVER DE INFORMAÇÃO OBSERVADO.
AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. INDENIZAÇÃO
SECURITÁRIA INDEVIDA. Trata-se de ação de cobrança de
indenização securitária decorrente de contrato de seguro
condomínio, julgada improcedente na origem. A possibilidade de
o segurador excluir determinados riscos do contrato possui
previsão legal no artigo 757 do Código Civil, desde que seja dado
ao segurado a devida ciência a respeito, ou seja, o contratante
deve ter conhecimento, ab initio, dos limites da cobertura
securitária. In casu, as condições gerais do contrato de seguro
foram acostadas aos autos pelo próprio segurado e a cláusula
restritiva se encontra redigida de forma clara e em destaque (em
negrito), razão pela qual, embora a relação havida entre as partes
seja de consumo, incidindo, por consequência, as regras do
Código de Defesa do Consumidor, não há falar em infringência
ao dever de informação, tampouco em abusividade de exclusão
de riscos, sendo legítima a recusa da seguradora, pois baseada em
cláusula contratual válida. Precedentes. A contratação da
cobertura denominada de "assistência condomínio", não dá
cobertura para danos causados a terceiros e/ou moradores, dando
direito apenas a prestação de serviços de assistência ao
condomínio. APELAÇÃO DESPROVIDA”.[357]
“RECURSO INOMINADO. SEGURO CONTRA INCENDIO
REALIZADO PELO CONDOMÍNIO ONDE SE LOCALIZA A
LOJA AUTORA. APOLICE QUE NÃO PREVÊ A
COBERTURA SOBRE O CONTEÚDO DA LOJA
(MERCADORIAS). Cláusulas gerais inseridas no manual do
segurado que devem ser interpretadas em conjunto com a apólice,
documento apto para verificar o que extamente foi segurado no
contrato realizado entre as partes. Não havendo cláusula expressa
a respeito de seguro das mercadorias dos lojistas que atuam no
condomínio, não há que se falar em indenização. Embargos de
declaração que não podem ser considerados como ma-fe
processual. Recurso provido”.[358]
“SEGURO DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. RELAÇÃO
CONSUMERISTA EVIDENCIADA. APLICAÇÃO DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Quando se trata de
contrato de seguro, as relações contratuais securitárias
encontram-se ao abrigo do Código de Defesa do Consumidor,
conforme inteligência que dimana do artigo 3°, § 2°. A presença
da hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança das suas
alegações autoriza a inversão do ônus da prova, por aplicação do
disposto no artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do
Cosumidor. VENDAVAL. NEGATIVA EM COMPLEMENTAR
O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA.
DEVER DE INDENIZAR. Comprovada a ocorrência do sinistro
- no caso, vendaval - deve a seguradora pagar a indenização ao
beneficiário, uma vez que o contrato de seguro encontrava-se
vigente na data do evento danoso, assim como comprovados os
danos mediante a prova pericial. SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO NÃO PROVIDO”.[359]
“Seguro facultativo – Condomínio residencial – Ação de
cobrança de diferença de indenização – Demanda de condomínio
segurado em face de seguradora – Sentença de improcedência –
Manutenção do julgado – Necessidade – Veículo de condômino
danificado por portão, que fechou repentinamente – Existência de
cobertura securitária para tal dano – Reparos no veículo que
ocorreram sem autorização da seguradora, em oficina não
referenciada – Vistoria realizada quando o bem já estava sendo
submetido aos reparos – Indenização paga com base em
estimativa de custos elaborada pela seguradora - Cabimento –
Diferença de indenização não devida. Apelo do autor
desprovido”.[360]
Vale acrescentar que o valor contratável deve abranger, necessariamente,
o da reconstrução do prédio, em caso de sinistro, sempre devidamente atualizado
na forma que convier as partes contratantes. Portanto, as seguradoras se obrigam
a indenizar apenas o custo da reconstrução.
3.9.2 Sinistro e reconstrução ou venda do terreno e materiais
Na hipótese de correr sinistro total ou que destrua mais de 2/3 (dois
terços) da edificação condominial, os condôminos devem se reunir em
assembleia especial (exclusivamente convocada para tal fim), com o objetivo
especifico de deliberarem sobre a reconstrução ou venda do terreno e materiais,
por quorum mínimo de votos que representem metade mais uma das frações
ideais do respectivo terreno. Portanto, os condôminos devem decidir se realizam:
1) a reconstrução do imóvel; ou 2) a venda do terreno e dos materiais que forem
salvos, aprovando-se a partilha do valor do seguro global entre os condôminos,
sem prejuízo do que receber cada um pelo seguro facultativo de sua unidade
autônoma (art. 14 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964).[361]
É importante observar que o Código Civil de 2002, em seu art. 1.357,[362]
ao tratar da extinção do condomínio pela destruição da edificação ou ameaça de
ruina, menciona expressamente a possibilidade de reconstrução ou de venda,
mas é omisso em relação ao seguro. Seja como for, prescreve o Código Civil
também que a deliberação da assembleia geral especial, para a reconstrução ou
para a venda, deve ser aprovada por quorum de metade mais uma das frações
ideias.
Esclarece ARNALDO RIZZARDO que o quorum estabelecido de
metade e mais uma das frações ideais do terreno requer que se compute o
número total dos votantes, presentes ou ausentes. Não se trata de contagem
envolvendo somente os votos dos presentes.[363]
Se for aprovada a reconstrução do prédio ou os reparos das partes
danificadas, deve ser observado, necessariamente, o mesmo destino original, a
mesma forma e a mesma disposição interna do prédio, a menos que haja
aprovação da assembleia em relação a modificações no destino, forma ou
disposição. No entanto, num ou noutro caso, a minoria (condôminos dissidentes)
não estão obrigados a aderir à reconstrução do prédio ou os reparos das partes
danificadas, sendo, neste caso, facultado à maioria proceder a adjudicação das
quotas dos condôminos dissidentes (§§ 2° e 3° do art. 14 da Lei n° 4.591, de
16.12.1964).
Além disso, pode, perfeitamente, os condôminos eximirem-se do
pagamento das respectivas despesas de reconstrução do prédio ou os reparos
das partes danificadas (despesas com as obras que dizem respeito à estrutura
integral da edificação ou conjunto de edificações, ou ao serviço comum),
alienando os seus direitos a outros condôminos que convergiram no pertinente ao
total dos gastos, procedendo-se avaliação judicial de tais direitos (§ 1° do art.
1.357 do Código Civil de 2002).
“Condomínio. Despesas extraordinárias. Inovações introduzidas
na construção, com a feitura de sacadas, a que se opuseram
alguns condôminos. Impossibilidade de obrigá-los a concorrer
para o pagamento de tais despesas. Interpretação do artigo 12, §
4º da Lei 4.591/64”.[364]
A referida avaliação judicial dos direitos dos condôminos discordantes
deve seguir o procedimento de jurisdição voluntária disciplinado nos arts. 719 a
725 do Código de Processo Civil de 2015,[365] por força da previsão existente no
inciso V do art. 725 do mesmo diploma legal, bem como o disposto no art. 15 da
Lei n° 4.591, de 16.12.1964.[366] De maneira que, depois de ser apurado o valor
de tais direitos, seja extrajudicial ou judicialmente, o adquirente deve proceder o
depósito, o qual será levantado pelos condôminos que não aquiesceram com as
despesas da reconstrução, proporcionalmente ao valor das suas unidades
autônomas (§ 2° do art. 1.357 do Código Civil de 2002). Em assim sendo, sendo
levantado o depósito assegura-se a adjudicação das quotas ideias dos
condôminos discordantes.
Em caso de sinistro que destrua menos de 2/3 (dois terços) da edificação,
o síndico deve promover o recebimento do seguro e proceder a reconstrução ou
os reparos nas partes danificadas, não precisando de autorização de assembleia,
bastando para fazer a compra dos materiais necessários à reconstrução de no
mínimo 3 (três) orçamentos e obter a provação do Conselho Consultivo, por se
tratar de emergência (art. 16 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964).[367]
Ademais, sempre que a indenização for insuficiente, cabe o suprimento
pelos condôminos, mediante a apresentação do orçamento do custo das obras e o
cálculo do rateio da diferença entre todos, exigindo-se, antes da cobrança, a
prévia aprovação pela assembleia geral, por força do §4° do art. 12 da Lei n°
4.591, de 16.12.1964. No entanto, repetimos, a imposição aos condôminos do
referido suprimento a fim de fazer frente às despesas com as obras reconstrução
ou os reparos nas partes danificadas devem se restringire àquelas que dizem
respeito à estrutura integral da edificação ou conjunto de edificações, ou ao
serviço comum.
Os condôminos que representem pelo menos 2/3 (dois terços) do total de
unidades isoladas e frações ideais correspondentes a 80% (oitenta por cento) do
terreno e coisas comuns poderão decidir sobre a demolição e reconstrução do
prédio, ou sua alienação, por motivos urbanísticos ou arquitetônicos, ou, ainda,
no caso de condenação do edifício pela autoridade pública, em razão de sua
insegurança ou insalubridade (caput do art. 17 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964,
com redação dada pela Lei n° 6.709, de 31.10.1979).[368]
Todavia, a minoria não está obrigada a contribuir para as obras, mas
assegura-se à maioria o direito de adquirir as partes dos dissidentes, mediante
avaliação judicial (§1° do art. 17 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, com redação
dada pela Lei n° 6.709, de 31.10.1979). Como vimos tal avaliação judicial deve
seguir o procedimento de jurisdição voluntária disciplinado nos arts. 719 a 725
do Código de Processo Civil de 2015, por força da previsão existente no inciso V
do art. 725 do mesmo diploma legal, bem como o disposto no art. 15 da Lei n°
4.591, de 16.12.1964.
Ocorrendo desgaste, pela ação do tempo, das unidades habitacionais de
uma edificação, que deprecie seu valor unitário em relação ao valor global do
terreno onde se acha construída, os condôminos, pelo quorum mínimo de votos
que representem 2/3 (dois terços) das unidades isoladas e frações ideais
correspondentes a 80% (oitenta por cento) do terreno e coisas comuns, poderão
decidir por sua alienação total, procedendo-se em relação à minoria (§2° do art.
17 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, com redação dada pela Lei n° 6.709, de
31.10.1979).
Outrossim, a aquisição parcial da edificação ou do conjunto de
edificações, ainda que por força de desapropriação, importa, necessariamente, o
ingresso do adquirente no condomínio, ficando este sujeito às disposições da Lei
n° 4.591, de 16.12.1964 e do Código Civil de 2002, bem assim às normas
previstas na convenção do condomínio e do Regulamento Interno ou Regimento
Interno (art. 18 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, com redação dada pela Lei n°
6.709, de 31.10.1979).[369]
3.10 UTILIZAÇÃO DA EDIFICAÇÃO OU DO
CONJUNTO DE EDIFICAÇÕES
3.10.1 Utililização exclusiva de área comum
Como vimos, o condomínio edilício possui espaços de propriedade de
todos os condôminos, chamadas de áreas comuns e as áreas de propriedade
exclusiva, utilizadas de forma independente. Entretanto, deve-se ter em mente
que, mesmo sendo a área comum suscetível de utilização por todos os
condôminos, observam-se situações em que é reservado ao titular da propriedade
habitacional o direito exclusivo de utilizar e usufruir dessas áreas, conferindo
destinação diversa daquela originalmente estipulada por lei. Aliás, áreas comuns
acessíveis por apenas uma unidade — fique ela na laje [uso pelo proprietário da
unidade autônoma do último andar] ou no térreo — não são exatamente algo
incomum nos prédios residenciais da cidade. Em especial, nos prédios mais
antigos.
Por exemplo, os §§1° e 2° do art. 1.331 do Código Civil de 2002
prescrevem que as partes comuns, dentro da edificação, não comportam divisão
e são inalienáveis, e de acordo com o art. 3º da Lei n° 4.591, de 16.12.1964 [“O
terreno em que se levantam a edificação ou o conjunto de edificações e suas
instalações, bem como as fundações, paredes externas, o teto, as áreas internas
de ventilação, e tudo o mais que sirva a qualquer dependência de uso comum dos
proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades ou ocupantes,
constituirão condomínio de todos, e serão insuscetíveis de divisão, ou de
alienação destacada da respectiva unidade. Serão, também, insuscetíveis de
utilização exclusiva por qualquer condômino”], é inadmissível o usucapião de
área comum do condomínio edilício.
Não obstante tal vedação, é entendimento pacífico da doutrina e já
consolidado nas decisões dos nossos Tribunais, que há a possibilidade de um
condômino utilizar, exclusivamente, da área comum, alterando a destinação legal
conferida a essa. Nesse mesmo sentido dispõe o enunciado n° 247, aprovado
pela III Jornada de Direito Civil do Superior Tribunal de Justiça – STJ: “Art.
1.331 do Código Civil – No condomínio edilício é possível a utilização
exclusiva de área ‘comum’ que, pelas próprias características da edificação, não
se preste ao ‘uso comum’ dos demais condôminos”.
Por sinal, CARLOS ALBERTO DABUS MALUF e MÁRCIO
ANTERO MOTTA RAMOS MARQUES sustentam que “a jurisprudência tem
entendido que o uso de propriedade comum exclusivamente por alguns
condôminos, por longo espaço de tempo, sendo eles os únicos com acesso ao
local, e com autorização assemblar, caracteriza essa área como propriedade
comum de uso exclusiva”.[370] No entanto, não se pode perder de vista que, para
tal situação, é necessária a anuência de todos os condôminos, sendo esta obtida
em assembleia-geral extraordinária e, devidamente formalizada na convenção de
condomínio, que deve ser registrada no Cartório de Registro Geral de Imóveis.
Ainda, em virtude do uso restrito da área comum, o condômino deve arcar com
as despesas correspondentes para manter essa unidade coletiva e ainda agregada
ao condomínio edilício.
A necessidade de obter a concordância dos condôminos e o registro da
respectiva alteração no Cartório de Registro Geral de Imóveis, sob o aspecto
formal da questão, justifica-se em vista de que, pelo transcurso do tempo e o
dinamismo das relações condominiais, ao depois, pode não ser mais da vontade
dos demais condôminos a permanência dessa situação, pretendendo, após perder
o interesse em que a área comum seja exclusivamente apenas de um morador,
reaver o uso da área comum por ele utilizada com exclusividade. Nesse caso,
mesmo existindo a copropriedade sobre as partes comuns, decisões do Superior
Tribunal de Justiça – STJ, apresentam-se favoráveis a manter a respectiva área,
sob os cuidados do titular da propriedade habitacional, considerando que falta
motivação relevante por parte do condomínio para a retomada da parte comum, a
ausência de utilidade da área para o funcionamento do prédio, bem como a
legítima confiança depositada pelo condômino, na estabilidade da situação.
“PROCESSUAL. CIVIL. CONDOMÍNIO. ÁREA COMUM.
UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA. USO PROLONGADO.
AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA CONDOMINIAL.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. RAZÃO
PONDERÁVEL. INOCORRÊNCIA. - Detenção concedida pelo
condomínio para que determinado condômino anexe à respectiva
unidade, um fundo de corredor inútil para uso coletivo.
Decorrido longo tempo e constatada a boa-fé, o condomínio, sem
demonstrar fato novo, não pode retomar a área objeto da
permissão”.[371]
“CIVIL. CONDOMÍNIO. É POSSÍVEL A UTILIZAÇÃO,
PELOS CONDÔMINOS, EM CARÁTER EXCLUSIVO, DE
PARTE DE ÁREA COMUM, QUANDO AUTORIZADOS POR
ASSEMBLEIA GERAL, NOS TERMOS DO ART. 9º, § 2º, DA
LEI Nº 4.591/64. A DECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM,
BASEADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO, NÃO PODE SER
REEXAMINADA, EM FACE DA SÚMULA 7/STJ. 1. O
Tribunal ‘a quo’ decidiu a questão com base nas provas dos
autos, por isso a análise do recurso foge à mera interpretação da
Lei de Condomínios, eis que a circunstância fática influi na
solução do litígio. Incidência da Súmula 07/STJ. 2. O alcance da
regra do art. 3º, da Lei nº 4.591/64, que em sua parte final dispõe
que as áreas de uso comum são insuscetíveis de utilização
exclusiva por qualquer condômino, esbarra na determinação da
própria lei de que a convenção de condomínio deve estabelecer o
‘modo de usar as coisas e serviços comuns’, art. 3º, § 3º, ‘c’, da
mencionada Lei. Obedecido o quorum prescrito no art. 9º, § 2º da
Lei de Condomínio, não há falar em nulidade da convenção. 3.
Consoante precedentes desta Casa: ‘o princípio da boa-fé
objetiva tempera a regra do art. 3º da Lei nº 4.591/64’ e
recomenda a manutenção das situações consolidadas há vários
anos.(Resp' nº.s 214680/SP e 356.821/RJ, dentre outros). Recurso
especial não conhecido”.[372]
“PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
PREQUESTIONAMENTO. CONDOMÍNIO. ÁREA COMUM.
UTILIZAÇÃO. EXCLUSIVIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS
CONCRETAS. USO PROLONGADO. AUTORIZAÇÃO DOS
CONDÔMINOS. CONDIÇÕES FÍSICAS DE ACESSO.
EXPECTATIVA DOS PROPRIETÁRIOS. PRINCÍPIO DA
BOA-FÉ OBJETIVA. - O Recurso Especial carece de
prequestionamento quando a questão federal suscitada não foi
debatida no acórdão recorrido. - Diante das circunstâncias
concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades
condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade
comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos
moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com
acesso ao local, e estavam autorizados por Assembleia
condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do
princípio da boa-fé objetiva”.[373]
Acrescenta-se que em tais casos, a jurisprudência também vem
entendendo que se o condômino utiliza exclusivamente a área comum por longo
tempo sem pagar nada ao condomínio, é considerado que este condômino tem
direito adquirido também em relação ao não pagamento da taxa de condomínio
referente à área comum utilizada exclusivamente por ele. Inclusive, é muito
comum ocorrer tais situações. As pessoas fazem um acordo, mas os anos
passam, os condôminos mudam, e os que chegam têm interesses diferentes. Tais
situações são mais comuns em prédios antigos que, ou não tem convenção, ou
têm convenções ultrapassadas, omissas sobre a utilização exclusiva de área
comum.
No entanto, o direito adquirido de não pagar taxa de condomínio sobre a
área comum de utilização exclusiva, não elide a obrigação de arcar com as
despesas relacionadas à ela. Com efeito, mesmo o fato de existir ressalva
[“disposição contrária da escritura de constituição do condomínio”] à regra geral
no sentido de que o terraço de cobertura é parte comum (por exemplo, o morador
da cobertura se utilizar dessa área com exclusividade se assim constar da
constituição do condomínio ou na convenção condominial).Porém,o Código
Civil de 2002, em seus artigos 1.340 e 1.341 autorizam o uso da área em comum
com exclusividade por um dos condôminos, obedecendo-se a alguns critérios: 1)
as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de
alguns deles, incumbem a quem delas se serve (art. 1.340 do Código Civil de
2002). Vale lembrar que quanto a necessidade do condômino beneficiado com o
uso exclusivo da área arcar com sua despesa, o art. 1.340 do Código Civil de
2002 não tem correspondente no Código Civil de 1916 nem na Lei n° 4.591, de
16.12.1964. Este dispositivo legal consagra o entendimento sedimentado dos
tribunais sobre a matéria, com base na teoria que veda o enriquecimento sem
causa. O que visa tal preceito é evitar o enriquecimento sem causa, hoje
positivado como cláusula geral no art. 884 do Código Civil de 2002, do
condômino ou grupo de condômino em proveito dos quais reverte o proveito
exclusivo de certas despesas, pagas, porém, pela totalidade dos comunheiros;[374]
2) ao proprietário do terraço de cobertura incumbem as despesas da sua
conservação, de modo que não haja danos às unidades imobiliárias inferiores
(art. 1.344 do Código Civil de 2002). O art. 1.344 do Código Civil de 2002
também não tem correspondente no Código Civil de 1916 nem na Lei n° 4.591,
de 16.12.1964. O terraço de cobertura pode ser área comum ou privativa de uma
unidade autônoma. Caso seja comum, pode ser de uso privativo ou não da
unidade do último piso, consoante disposto na instituição de condomínio ou
deliberação unânime da assembleia. A regra, portanto, deve se lida do seguinte
modo: a manutenção e a conservação do terraço de cobertura incumbem ao
condômino quanto integrar a propriedade exclusiva da unidade autônoma ou,
ainda que de propriedade comum, for de uso exclusivo de um condômino, que
dele se serve. Por exclusão, terraços, lajes, e telhados de propriedade e uso
comum devem ser mantidos e conservados pelo condomínio. Prescreve o atual
Código Civil que a conservação deve ser feita de molde a não causar dano aos
demais condôminos. A responsabilidade, como ocorre no direito de vizinhança, é
objetiva e alcança tanto vazamentos como quedas e calhas, reboco e outros
objetos. Cabe aos condôminos prejudicados, ou sob risco, tanto ação de dano
infecto como indenizatórias, ou de execução de fazer ou não fazer, com tutela
específica, além de pedido cominatório.[375]
Além disso, CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
ROSENVALD não se restringe aos limites das decisões Superior Tribunal de
Justiça – STJ. Com efeito, eles advogam a possibilidade de aquisição da área
comum, quando em assembleia-geral extraordinária, todos os condôminos
votarem e decidirem pela venda da área: “Mas, se a cobertura tiver sido
convencionada como área comum, poderá haver deliberação unânime dos
moradores em assembleia extraordinária no sentindo de conversão em área
particular a ser utilizada pelo morador do andar superior. Mais além, é possível
que um dos condôminos possa adquirir a área comum dos demais, com
alterações das frações ideais do imóvel, registrada no RGI”.[376]
Sendo assim, a convenção de condomínio edilício constitui instrumento
fundamental para definir a utilização exclusiva de áreas comuns, pois ela
vincula e obriga a todos ao cumprimento das normas impostas ao convívio social
e, ainda, fixa a destinação e utilização de tais espaços coletivos. Por tal razão,
não basta, para o uso e alienação, a permissão obtida em assembleia-geral de
condôminos, sendo essencial tal anuência estar prevista na convenção de
condomínio edilício e devidamente registrada, para valer contra terceiros,
demais condôminos e seus respectivos sucessores.
3.10.2 Limitações à utililização de área comum
Fora esta questão de utilização exclusiva de área comum por algum
condômino em especial, a regra geral é aquela contida no caput do art. 19 da Lei
n° 4.591, de 16.12.1964 [“Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com
exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e
interêsses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá
usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos
demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das
mesmas partes por todos”] e no §2° [solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede
geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e
refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao
logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo
ser alienados separadamente, ou divididos], no §4° [“Nenhuma unidade
imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público”] e no §5° [“O
terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de
constituição do condomínio”], todos do art. 1.331 do Código Civil de 2002.
As limitações contidas no art. 19 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, e no
art. 1.331 do Código Civil de 2002, não se trata de limitação ao uso da unidade
autônoma e sim, da área comum, tais como corredores, elevadores, etc. A
posição da jurisprudência é ser possível, perfeitamente, estabelecer limites ao
uso de área comum, na medida em que se está protegendo o interesse coletivo
(comunidade de condôminos) e não de fazer prevalecer o interesse individual.
Ademais, aplicam-se ao ocupante do imóvel, a qualquer título (locatários,
usufrutuários, etc.), todas as obrigações referentes ao uso, fruição e destino da
unidade (art. 20 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964).[377]
O respeito ao direito de todos de utilizar as áreas de uso comum do
condomínio constitui, certamente, a grande maioria dos problemas verificados
nos condomínios edilícios. O uso indevido das áreas de uso comum ganha
destaque em qualquer análise que se faça a respeito do tema “condomínio
edilício”. Ao tentarmos enumerar o uso correto das áreas comuns, vem logo à
tona algumas observações: 1) uso da garagem: o número de vagas na garagem
do condomínio geralmente é dividido igualmente entre os seus condôminos, seja
discriminada ou indiscriminadamente. Os moradores do prédio devem entender
que, mesmo que existam alguns condôminos que não possuem automóveis, eles
têm direito a sua respectiva vaga (numerada ou não). O bom convívio
recomenda que não se deve ocupar desautorizadamente vaga que não lhe
pertence; 2) uso do salão de festas: geralmente os condomínios possuem salão
de festa pelo fato de os apartamentos não comportarem muitas pessoas em vista
do seu limitado tamanho. Este é beneficio que facilita a vida de todos os
condôminos, então nada mais correto do que zelar pelo cuidado do local. Cada
condômino deve se responsabilizar pelo comportamento de seus convidados e de
entregar o salão de festa da mesma forma a qual recebeu, sem nenhuma parte
danificada ou faltando alguns utensílios; 3) uso do playground e da área de
lazer: estas partes garantem aos moradores do prédio (principalmente aos mais
jovens) momentos de diversão e lazer. Cuidados como higiene, preservação e
manutenção dos equipamentos destes locais também são de responsabilidade de
todos os condôminos que os utilizam; 4) as áreas de uso em comum não são
aquelas que não pertencem a ninguém e sim aquelas que pertencem a todos os
condôminos. Estas áreas são verdadeiras extensões das unidades autônomas dos
condôminos, então nada mais correto do que preservá-las e fazer o uso da melhor
maneira possível.
Entre as irregularidades praticadas nas áreas comuns dos condomínios
edilícios, podem ser citados os seguintes casos: 1) em conjuntos de casas
geminadas, onde há áreas de circulação amplas e áreas livres localizadas nos
extremos do terreno, o coproprietário de uma unidade, às vezes, cerca parte
dessa área limítrofe, ignorando que ela pertence a todos os vizinhos; 2) da
mesma forma, num edifício, o dono de uma unidade autônoma viola a legislação
em vigor ao isolar com grade ou parede parte do corredor, do vão da laje ou área
do edifício, o que pode gerar, além de outros inconvenientes, a redução da
ventilação e da luminosidade para as unidades autônomas vizinhas; 3) há
também aquele condômino que coloca diversos vasos de plantas no corredor ou
na garagem, sendo que esta se destina obviamente à guarda de veículos e não à
floricultura, sendo obrigação legal deixar essas áreas comuns livres para
circulação de todos. Outras irregularidades são frequentes, sendo impossível
enumerar todas elas.
Seja como for, há normas legais para irregularidades praticadas nas áreas
comuns dos condomínios edilícios, dentre elas o art. 19 da Lei n° 4.591, de
16.12.1964, que enumera os deveres dos condôminos e art. 1.336 do Código
Civil de 2002, com as alterações determinadas pela Lei n° 10.931, de 2004, que
os reproduz: I- contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas
frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; II- não realizar obras
que comprometam a segurança da edificação; III- não alterar a forma e a cor da
fachada, das partes e esquadrias externas; IV- dar às suas partes a mesma
destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao
sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
3.10.3 Penalidades pela irregularidade na utililização de área comum
Vale alertar para o fato de, mesmo que a convenção do condomínio seja
silente sobre as sanções por irregularidades praticadas no uso das áreas comuns
dos condomínios edilícios, na forma do art. 21 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964,
[378]
do §2º do art. 1.336 [“O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres
estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou
na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas
contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem;
não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no
mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa”] e do
art. 1337,[379] ambos do Código Civil de 2002, é possível aplicar ao condômino
infrator que descumprir seus deveres, multa prevista no ato constitutivo ou na
convenção condminial, não podendo ela ser superior a 5 (cinco) vezes o valor de
suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se
apurarem.
Não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por 2/3
(dois terços) no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da
multa (§2º, in fine, do art. 1.336 do Código Civil de 2002).
Entretanto, vale destacar que o Supremo Tribunal Federal – STF
entende que se aplica o devido processo legal nas relações privadas, ou seja, só
pode ser multado o condômino se for respeitado o princípio contraditório e da
ampla defesa.
“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO
BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO
SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO
CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO
DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações
a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das
relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações
travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição
vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando
direcionados também à proteção dos particulares em face dos
poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS
ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não
conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à
revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos
postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da
Constituição da República, notadamente em tema de proteção às
liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia
privada garantido pela Constituição às associações não está
imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram
o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A
autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem
jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito
aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles
positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade
não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e
atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas
e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força
normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de
suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III.
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE
QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-
ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO.
EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO
CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem
função predominante em determinado âmbito econômico e/ou
social, mantendo seus associados em relações de dependência
econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de
espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de
Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra
a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada
para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais
de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da
UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório,
ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o
recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos
autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das
garantias constitucionais do devido processo legal acaba por
restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio.
O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a
dependência do vínculo associativo para o exercício profissional
de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos
direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao
contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO”.[380]
3.11 ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
EDILÍCIO
3.11.1 A escolha do síndico
A administração do condomínio edilício é legalmente exercida pelo
síndico ou administrador, no cumprimento dos poderes de representação e das
funções administrativas (gestão condominial), observando e fazendo observar a
convenção condominial, mas pode ser auxiliado por um Conselho Consultivo ou
Conselho Fiscal (os seus membros devem ser sempre condôminos), o qual deve
funciona como colegiado de consulta do síndico ou administrador e fiscalização,
para assessorá-lo na solução dos problemas que digam respeito ao condomínio,
podendo a convenção do condomínio definir suas atribuições específicas (art. 22
da da Lei n° 4.591, de 16.12.1964).[381]
O síndico ou administrador é escolhido pela assembleia-geral de
condôminos, para administrar o condomínio, por prazo não superior a 2 (dois)
anos, prazo este que pode ser renovado (art. 1.341 do Código Civil de 2002,[382] e
art. 22 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964),[383] porém a convenção pode impedir a
reeleição por mais de um encargo. Com efeito, não é adequada a perpetuidade no
cargo, mas a lei não proíbe inflexivelmente reeleições. Em assim sendo, ambos,
síndico e subsíndico (escolha facvultativa), são eleitos pela assembleia-geral de
condôminos por período de 2 (dois) anos, podendo ambos serem reeleitos.
Porém a convenção condominial pode estipular que o síndico ou administrador
seja, preferencialmente (e assim a experiência recomenda), morador do edifício,
proprietário ou não. De maneira que, o síndico ou administrador, com presença
e envolvimento constante na vida condominial, realiza o papel mais importante
do condomínio, não só porque concebe ativa e passivamente em juízo, mas
também porque cumpre as funções executivas de administrador, pertencendo ao
sindico o encargo de amparar direitos e interesses comuns dos condôminos
A eleição do síndico ou administrador é regulada pela convenção de
condomínio. A forma mais usual de escolha, na assmbléia-geral de condomínios
para tanto convocada, é aquela feita através de votação, com a presença de, pelo
menos, 2/3 (dois terços) das frações ideais do terreno (§ 5º do art. 22 da da Lei n
° 4.591, de 16.12.1964), evitando-se o critério da maioria simples (50%), como
geralmente consta das convenções condominiais. Mas, sem dúvida, em segunda
convocação, admite-se qualquer número de condôminos votantes, valendo as
decisões aprovadas pela maioria de presentes.[384]
No entanto, o caput do art. 1.352 do Código Civil de 2002,[385]
reformulando as regras da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, exige a maioria
representativa da metade das frações ideais (50%), a menos que diferentemente
venha ser estabelecido na convenção condominial. Além disso, nunca é demais
lembrar que, conforme previstono parágrafo único do art. 1.352 do Código Civil
de 2002, os votos devem ser proporcionais às frações ideais no solo e nas outras
partes comunspertencentes ao condomínio, salvo disposição diversa da
convenção de constituição do condomínio. Em segunda convocação, outrossim,
conforme estabelece o art. 1.353 do Código Civil de 2002,[386] a assembleia-
geral de condôminos pode deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo
quando exigido pela convenção condominial quorum especial. No entanto, não
se pode perder de vista que a assembleia-geral de condôminos não pode
deliberar se todos os condôminos não forem convocados para a reunião (art.
1.354 do Código Civil de 2002).[387]
Por outro lado síndico ou administrador pode não ser condômino ou
proprietário das unidades autônomas (pessoa física ou jurídica); pode ser tereiro
estranho ao quadro de condôminos (pessoa física ou jurídica). A partir dessa
aprovação da assembleia-geral de condôminos, passa o síndico ou administrador
a ser órgão executor de suas deliberações. Além disso, ele é o representente legal
dos condôminos, dos quais é considerado mandatário. Inclusive, o inciso XI do
art. 75 do Código de Processo Civil de 2015 é claríssimo: “Serão representados
em juízo, ativa e passivamente (...) o condomínio, pelo administrador ou
síndico”.[388]
3.11.2 As atribuições do síndico
O art. 1.348 do Código Civil de 2002,[389] e o art. 22 da Lei n° 4.591, de
16.12.1964, tratam da competência do síndico ou administrador. As principais
atribuições dele são as seguintes: 1) representar ativa e passivamente, o
condomínio, em juízo ou fora dele, e praticar os atos de defesa dos interesses
comuns, nos limites das atribuições conferidas pela Lei n° 4.591, de 16.12.1964,
pelo Código Civil de 2002, ou pela convenção do condomínio (alínea a do art.
22 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964, e inciso II do art. 1.348 do Código Civil de
2002); 2) exercer a administração interna da edificação ou do conjunto de
edificações, no que respeita à sua vigência, moralidade e segurança, bem como
diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns (patrimônio
condominial) e zelar pela prestação dos serviços que interessem a todos os
possuidores e moradores (alínea b do art. 22 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964 e
inciso V do art. 1.348 do Código Civil de 2002); 3) praticar os atos que lhe
atribuírem as leis, a convenção do condomínio e o Regulamento Interno ou
Regimento Interno (alínea c do art. 22 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964); 4) impor
as multas estabelecidas na lei, na convenção do condomínio ou no Regulamento
Interno ou Regimento Interno (alínea d do art. 22 da Lei n° 4.591, de
16.12.1964); 5) cumprir e fazer cumprir a convenção do condomínio e o
Regulamento Interno ou Regimento Interno, bem como executar e fazer executar
as deliberações da assembleia-geral de condôminos (alínea e do art. 22 da Lei n°
4.591, de 16.12.1964); 6) prestar contas à assembleia-geral de condôminos,
anualmente e quando exigidas (alínea f do art. 22 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964,
e inciso VIII do art. 1.348 do Código Civil de 2002); 7) manter em dia a
escrituração contábil do condomínio, rubricada por 2 (dois) ou mais condôminos
designados pela assembleia-geral de condôminos; 8) manter guardada durante o
prazo de 5 (cinco) anos para eventuais necessidade de verificação contábil, toda
a documentação relativa ao condomínio (alínea gdo art. 22 da Lei n° 4.591, de
16.12.1964); 9) convocar a assembleia-geral de condôminos (inciso I do art.
1.348 do Código Civil de 2002); 10) dar imediato conhecimento à assembleia-
geral de condôminos da existência de procedimento judicial ou administrativo,
de interesse do condomínio (inciso III do art. 1.348 do Código Civil de 2002);
11) elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano (inciso VI
do art. 1.348 do Código Civil de 2002); 12) cobrar dos condôminos as suas
contribuições, bem como cobrar as multas devidas pela sua imposição conforme
lei, na convenção do condomínio ou no Regulamento Interno ou Regimento
Interno, e promover a competente ação executiva ou ação de cobrança, conforme
o caso (inciso VII do art. 1.348 do Código Civil de 2002); 13) realizar o seguro
da edificação (inciso IX do art. 1.348 do Código Civil de 2002); 14) com
autorização judicial, mandar desmanchar, à custa do transgressor, se este não a
desfizer no prazo que lhe for estipulado, as obras irregulares feitas pelo
condôminos que: a) alterarem a forma externa da fachada; b) decorarem as
partes e esquadriais externas com tonalidades ou cores diversas das empregadas
no conjunto da edificação; c) destinarem a unidade autônoma a utilização
diversa de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao
sossêgo, à salubridade e à segurança dos demais condôminos; d) embaraçarem o
uso das partes comuns (§1° do art. 10 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964);[390] 15)
executar ou contratar a execução de obras que interessarem à estrutura integral
da edificação ou conjunto de edificações e dos serviços comuns aprovados pela
assembleia-geral de condôminos (§4° do art. 12 da Lei n° 4.591, de 16.12.1964,
e caput do do art. 1.341 do Código Civil de 2002);[391] 16) admitir e demitir
empregados do condomínio, cumprindo as obrigações trabalhistas e outros
encargos legais; 17) ordenar a realização de obras necessária e urgentes,
especialmente as relativas a vazamento nos canos de água e esgoto, defeitos
elétricos, instalações hidráulicas e sanitárias, até o limite do valor permitido na
convenção do condomínio (§1° do art. 1.341 do Código Civil de 2002); 18) dar
ciência à assembleia-geral de condôminos, que deverá ser imediatamente
convocada, das obras ou reparos necessários e urgentes que importaram em
despesas excessivas (§2° do art. 1.341 do Código Civil de 2002).
“CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. CONDOMINÍO. DESPESAS. PRÓ-LABORE. EX-
SÍNDICO. ÔNUS DA PROVA. HONORÁRIOS DE
ADVOGADO. Ação de repetição de indébito cumulada com
indenizatória fundada na má gestão do síndico porque recebia
pró-labore contra expressa previsão da convenção, apesar de
aprovado em assembleias ordinárias, e fez despesas com obras
sem prévia autorização da assembleia condominial. Embora
decretada por sentença transitada em julgado proferida em outra
lide, a nulidade das assembleias que deliberaram o pagamento do
pró-labore ao Réu, na verdade não ostentavam vício formal, por
isso caracterizam atos anuláveis, cujos efeitos se produzem
somente para depois da decisão judicial. Incontroverso que o Réu
celebrou contratos de serviços diversos, todos relativos a obras
necessárias, sem autorização prévia da assembleia. No entanto,
somente responderia pelos danos se comprovada a alegada má
gestão da receita, seja pelo valor pago, seja pela incapacidade do
prestador do serviço. O Autor em momento algum fez prova do
dano, o que era seu ônus. Além disso, tendo em vista que os
serviços foram efetivamente prestados, a restituição dos valores
importaria em enriquecimento sem causa. Ausente o dano moral,
pois o ilícito cometido pelo Réu (contratar obras sem autorização
da assembleia) não provoca lesão de ordem extrapatrimonial.
Honorários de advogado corretamente arbitrados na sentença.
Recursos desprovidos”.[392]
Portanto, o síndico ou administrador é quem admite, pune, demite e fixa
a remuneração dos empregados do condomínio, mas dentro das verbas
orçamentárias aprovadas em assembleia-geral de condôminos. O síndico
também escolhe a Administradora de Condomínios (quando for o caso) e indica
a Companhia Seguradora, mas sempre com ad referendum da assembleia-geral
de condôminos. O síndico ou administrador é quem determina os reparos, obras
urgentes, mas também dentro das verbas orçamentárias ou, então, até o limite
fixado à sua disposição. Excedido este, deve recorrer ao Conselho
Consultivo/Conselho Fiscal, ou à assembleia-geral de condôminos, segundo o
vulto a ser proposto. Conforme costuma-se dizer, o síndico é a chave de uma boa
ou má administração e responsável pela segurança, moralidade, respeito,
disciplina e patrimônio, e os artigos deste capítulo da convenção devem ser
minuciosos neste sentido. Também tem ele que aguardar no posto a passagem do
cargo e transmiti-lo ao seu sucessor, de maneira que não haja interrupção na
gestão do condomínio. No entanto, o síndico não é responsável, pessoalmente,
pelas obrigações contraídas em nome do condomínio, desde que tenha agido no
exercício regular de suas atribuições; porém responde pelo excesso de
representação e pelos prejuízos a que der causa por dolo ou omissão. Por tudo
isto, é oportuno alertamos para o fato que os condôminos presentes na
assembleia-geral de condôminos devem escolher com cuidado o síndico ou
administrador, quanto às suas qualidades de administrador, o qual deve
conhecer, especialmente, contabilidade e as Leis do Trabalho e as Leis da
Previdência Social.
Enfim, tal como escreve ADOLPHO SHERMANN, o candidato a
assembleia-geral de condôminos deve ser pessoa sadia, séria, enérgica, não
importando o seu sexo, Como é óbvio, nada de rodízios ou sorteios para escolha
do síndico. Este deve impor o respeito, e não ser ditador. Ele é acima de tudo um
sacrificado. Não deve ser confundido com um empregado (no caso de ser
também condômino). Se não houver outra solução o cargo deve ser entregue a
uma administradora ou a um especialista (morador ou não). Locatário e firmas
podem exercer essa função, tal a dificuldade em encontrar quem queira ser
síndico, mesmo bem remunerado.[393]
Outrossim, o §2° do art. 1.348 do Código Civil de 2002 autoriza o
síndico ou administrador a transferir a outrem (pessoa física ou jurídica,
estranha ao condomínio), total ou parcialmente, os poderes de representação ou
as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia-geral de
condôminos, salvo disposição em contrário da convenção do condomínio. Ou
seja, não podendo o síndico ou administrador dedicar-se, direta e absolutamente,
à gestão do condomínio, pode ele delegar suas funções as empresas
especializadas, que lhe fará às vezes, sempre sob sua responsabilidade. Na
pratica, não é difícil testemunhar que a maioria dos prédios é dirigida por
empresas especializadas, que são organizadas para realizar o imprescindível, não
raro a árdua atribuição de receber dezenas e dezenas de condôminos, elaborar
orçamentos, provir à concorrência para fornecimentos e obras, etc. No entanto, a
assembleia-geral de condôminos, especialmente convocada para o fim de
aprovar a transferência, total ou parcialmente, dos poderes de representação ou
das funções administrativas, pode, por voto da maioria absoluta de seus
membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou
não administrar convenientemente o condomínio (art. 1.349 do Código Civil de
2002).[394]
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO.
DESTITUIÇÃO DE SÍNDICO. QUÓRUM DE VOTAÇÃO EM
ASSEMBLEIA EXTRAORDINÁRIA. NULIDADE.
RECONDUÇÃO AO CARGO. RECEBIMENTO DE PRÓ-
LABORE. REGULARIDADE. DANOS MATERIAIS.
RECONVENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Prevendo a
convenção condominial, regra máxima entre os condôminos, o
quórum mínimo necessário para a aprovação da destituição do
síndico, em conformidade com a legislação civil sobre o tema, tal
regra deve ser observada, sob pena de nulidade da deliberação. 2.
Levando-se em consideração o fato de que a lei não contém
expressões inúteis, a maioria absoluta de que trata o artigo 1.349
do Código Civil não pode ser interpretada de forma a contrariar o
seu sentido técnico-jurídico, a fim de que seja considerada válida
votação obtida por maioria simples. 3. Reconhecida a nulidade da
votação que destituiu o autor do cargo de síndico e tendo este se
mantido na administração do condomínio durante esse período,
não é cabível a restituição do pró-labore respectivo. 4. Aapuração
de eventuais irregularidades na gestão do síndico e a consequente
reparação de danos ser objeto de ação de prestação de contas. 5.
Recurso conhecido e provido”.[395]
3.11.3 Remuneração do síndico
Nos dias de hoje a função de síndico ou administrador de condomínio
exige certo profissionalismo dada a complexidade do exercício de tal atribuição:
o síndico precisa saber gerir uma equipe de profissionais, sejam eles próprios ou
terceirizados, contratar prestadores de serviços e ainda lidar com conflitos entre
moradores. Tudo isso muitas vezes com um caixa diminuto, sacrificado pela alta
inadimplência, tão comum nos condomínios da atualidade. Tanto trabalho chega,
em alguns casos, a não ser remunerado: alguns síndicos contam com a isenção
da sua cota condominial (remuneração in natura); outros, nem isso (prestação de
serviços comunitários gratuitos). Investem tempo e energia em prol da
comunidade de condôminos sem receberem qualquer tipo de remuneração
(prestação de serviços comunitários gratuitos).
As remunerações dos síndicos ou administradores de condomínio
edilício (remuneração in pecunia) vão de 1 (um) a vários salários-mínimos ou
isenção do pagamento da quota de condomínio, mas nunca deve ser incluída
nessa remuneração a isenção de quota extra. Conta-se que uma síndica, no cargo
a 14 (quatorze) anos, administrando um condomínio com 7 (sete) torres, com
728 (setecentos e vinte e oito) apartamentos, com mais de 70 (setenta)
empregados, com cerca de 3.000 (três mil) moradores e com área de 44.000
(quarenta e quatro mil) metros quadrados, paga a cota condominial da sua
unidade autônoma, mas recebe remuneração de 12 (doze) salários mínimos. Na
realidade, valor da remuneração era de 2 (dois) salários mínimos e foi reajustado
numa assembleia-geral de condôminos. Tal remuneração consta da convenção
do condomínio, mas o valor foi alterado em assembleia-geral de condôminos, há
cerca de 10 (dez) anos. Conforme o desempenho do síndico, a assembleia-geral
de condôminos pode novamente modificar esse valor. Nesse caso síndico ou
administrador não é empregado do condomínio, mas fica o dia todo à disposição
do referido condomínio, sem ter vínculo empregatício, nem benefícios tais como
férias ou 13° salário. O que o síndico ou administrador recebe é pró-labore para
representar o condomínio. Ademais, a estrutura administrativa do mencionado
condomínio conta com um subsíndico por torre, os quais recebem a isenção da
cota de condomínio (apenas das despesas ordinárias). Já os conselheiros não
podem ser remunerados.[396]
“PRÓ-LABORE. REDUÇÃO DO VALOR DA
REMUNERAÇÃO NO CURSO DO MANDATO, EM
DESACORDO COM O DISPOSTO NA CONVENÇÃO DO
CONDOMÍNIO. INVALIDADE. PAGAMENTO DA
DIFERENÇA A TÍTULO DE PRÓ-LABORE DEVIDA.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA
CONFIRMADA. 1. Apresentam-se sem validade as deliberações
tomadas contrariamente às disposições da convenção do
condomínio. 2. Nos termos do parágrafo único do art. 28 da
convenção do condomínio em análise, a remuneração do síndico
geral e do síndico da quadra será fixada exclusivamente na
assembleia que o eleger (fl. 43). 3. Na hipótese, arguiu o
autor/recorrido a nulidade da deliberação tomada em assembleia
realizada em 09/05/2008, a qual reduziu o pró-labore do síndico
de R$1.000,00 para R$ 500,00, e pede a condenação do réu ao
pagamento da diferença de rendimentos resultante da indevida
minoração. Verifica-se que o autor foi eleito síndico em
assembleia geral extraordinária realizada em 03/05/2007, não
constando da ata o pró-labore para o período da gestão, pelo que
se deduz que não seria alterado o valor percebido pelo antigo
síndico. Não tendo o réu/recorrente produzido prova em
contrário, considera-se que o valor do pró-labore do síndico de
quadra, quando da eleição do autor, era R$ 1.000,00, nos termos
do documento de fl. 16. 4. Não aproveita ao réu/recorrente a
alegação de que a assembleia que instituiu o valor do pró-labore
em R$ 1.000,00, ocorrida em 2006 (fl.16), também se encontraria
eivada da mesma nulidade, posto que, o que se discute nos autos
é a vedação de alteração do pró-labore do síndico após a sua
eleição, constando da convenção condominial disposição
expressa no sentido de que a remuneração do síndico somente
poderá ser alterada ou instituída na mesma assembleia que dispor
sobre sua eleição. no mais, ainda que ocorrente irregularidade,
esta restou sanada porquanto ratificada na assembleia geral
extraordinaria realizada em 03/05/2007, a qual não dispos, nem
alterou a remuneração do síndico. 5. Portanto, configurada a
irregularidade na alteração dos rendimentos do autor, a título de
pró-labore, a procedência do pedido é medida que se impõe. 6.
Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida por seus
próprios fundamentos, com súmula de julgamento servindo de
acórdão, na forma do art. 46, da Lei 9.099/95. Sem custas
adicionais e sem condenação em honorários advocatícios, em
razão da parte recorrida não ter oferecido contrarrazões”.[397]
Seja como for, o valor aprovado como remuneração do síndico ou
administrador deve, necessariamente, constar da convenção do condomínio. Não
apenas isto, o valor de tal remuneração deve ser objeto, necessariamente, de
deliberação da assembleia-geral de condôminos.
“DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO.
REMUNERAÇÃO DO SÍNDICO. PRO-LABORE.
PRESCRIÇÃO. OBRIGAÇÃO DE PAGAR. AUSÊNCIA DE
AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA. 1- Prescrição.
Remuneração do síndico. A remuneração do síndico não se
encontra disciplinada em nenhuma das hipóteses de trata o art.
206 do Código Civil. Aplicável, pois, o prazo de prescrição
decenal, na forma do art. 205 do mesmo Código. Preliminar
suscitada pelo 1º Vogal que se afasta. 2- Remuneração do síndico.
Pro-labore. Ainda que haja previsão na Convenção de
Condomínio, a remuneração do síndico, a título pro labore, deve
ser objeto de deliberação da Assembleia de Condomínio,
conforme disposição convencional. Sem prova de que tenha
havido deliberação, a pretensão ao pagamento não tem
fundamento jurídico, mesmo porque a vedação ao trabalho
gratuito se restringe ao trabalho assalariado. Sentença que se
confirma pelos seus próprios fundamentos. 3- Recurso
conhecido, mas não provido”.[398]
“COBRANÇA. VÍCIO DE REPRESENTAÇÃO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO.
RESSARCIMENTO DE VALORES DESEMBOLSADOS PELO
SÍNDICO PARA PAGAMENTO DE SERVIÇOS E PRODUTOS
QUE BENEFICIARAM O CONDOMÍNIO. PERÍCIA
CONTÁBIL. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR A
ORIGEM E AS CIRCUNSTÂNCIAS DAS DESPESAS. PRÓ-
LABORE DO SÍNDICO NÃO TRATADA EM CONVENÇÃO,
REGIMENTO INTERNO OU ATAS DE ASSEMBLEIAS.
HONORÁRIOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não merece
acolhida a preliminar suscitada de vício de representação se o
substabelecimento de procuração foi acostado aos autos no prazo
assinado pelo juiz singular. 2. O Código de Processo Civil não
confere ao julgador mera faculdade de rechaçar provas que
reputar inúteis, mas verdadeiro poder-dever, zelando pela
celeridade do processo. na espécie, prescindível a oitiva da
testemunha indicada, porquanto suficientes as provas documental
e pericial produzidas. 3. ‘A realização de obras no condomínio
depende de voto dos condôminos, sendo que as obras ou
reparações necessárias podem ser realizadas independentemente
de autorização, devendo, no último caso, o síndico ou o
condômino que tomou a iniciativa dar ciência à assembleia, que
deverá ser convocada imediatamente’ (CC, art. 1.341). 4. Se não
há documento nos autos que comprove a fixação do pró-labore
do síndico no período vindicado, imperioso o não acolhimento da
pretensão. 5. Tratando-se de ação com certa complexidade e o
tempo dispendioso para o causídico, no que diz respeito ao tempo
de trabalho e tramitação do feito, o arbitramento deve ficar na
média e nos termos do §3° do art. 20 do CPC, ou seja, em torno
de 10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa. 6. Rejeitada a
preliminar. Recurso desprovido. Unânime”.[399]
Muitas vezes observa-se que a convenção do condomínio é omissa em
relação a tal tipo de remuneração para síndico proprietário ou morador ou nada
trata a respeito do assunto e a assembleia-geral de condôminos que elege o
síndico ou administrador pode determinar a remuneração; outras vezes, observa-
se que a convenção não permite expressamente remuneração para síndico
proprietário ou morador, caso em que não há como remunerá-lo, seja de forma
direta ou indiretamente. No entanto pode haver reembolso de despesas.
Entretanto, tais regras não se aplicam no caso de remuneração de síndico
contratado, ou seja, síndico profissional, pois prevalece o cumprimento da
obrigação contratual.
“AÇÃO ANULATÓRIA - CONDOMÍNIO - NULIDADE DA
SENTENÇA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO -
INOCORRÊNCIA - DEVOLUÇÃO DO PRÓ-LABORE -
SÍNDICO EM FÉRIAS - AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA
CONVENÇÃO - INOCORRÊNCIA DE DELIBERAÇÃO
SOBRE O ASSUNTO NA ASSEMBLEIA ORDINÁRIA QUE O
ELEGEU - SENTENÇA MANTIDA. 1) - Não há se falar em
nulidade da sentença por falta de fundamentação jurídica quando
a decisão se fundamenta na própria convenção de condomínio. 2)
- Dispondo a convenção do condomínio que a remuneração dos
administradores deve ser definida na assembleia que os eleger, as
matérias relativas ao assunto devem ser decididas no início da
gestão e não posteriormente. 3) - Carece de razoabilidade o
entendimento de que os condôminos podem determinar a
restituição de valores recebidos pelo síndico em época de férias
quando, antes do início de sua gestão, não havia disposição que o
proibisse de receber tais valores. 4) -Inviável a devolução de pró-
labore pelo síndico referente ao período que ele entrou de férias
quando não há disposição nesse sentido na assembleia geral
ordinária que amparou a sua eleição. 5) - Recurso conhecido e
não provido. Preliminar rejeitada”.[400]
“CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRÓ-LABORE. SÍNDICO.
ALEGAÇÃO DE A JUIZAMENTO DE AÇÃO DE
PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO CONDOMÍNIO.
AUSÊNCIA DE PROVA DA EXISTÊNCIA DE FATO
IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO
DIREITO DO AUTOR. RECURSO CONHECIDO E
IMPROVIDO. 1. Confirma-se a sentença que julgou procedente
o pedido para condenar o condomínio a pagar ao síndico o valor
referente ao seu pró-labore, se o recorrente se limita apenas a
afirmar que a juizou ação de prestação de contas. 2. conforme a
expressa disposição do art. 333, do CPC, o ônus da prova
incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao
réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor. 3. Recurso conhecido e improvido.
4. sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos,
com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do
artigo 46 da Lei nº 9.099/95. 5. Diante da sucumbência, nos
termos do artigo 55 da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº
9.099/95), condeno o apelante ao pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez
por cento) sobre o valor corrigido da causa”.[401]
Verifica-se, ainda, convenções que permitem a remuneração ao síndico
ou administrador, porém restringem esse valor (nestes casos há restrição do
valor e a assembleia-geral de condôminos não pode alterá-lo, salvo na
contratação de síndico profissional); também há outros casos em que
asconvenções não restringem (cabe então à assembleia-geral de condôminos que
escolhe o síndico ou administrador definir o valor e forma de pagamento).[402]
“AÇÃO ORDINÁRIA - CONDOMÍNIO - SÍNDICO - PRÓ-
LABORE - RETIRADA INDEVIDA. I- Nos termos da
convenção do condomínio, cabe à assembleia geral extraordinária
eleger o administrador ou síndico, fixando o pró-labore. II-
Qualquer retirada acima do autorizado, mesmo que aprovada
pelo conselho fiscal, deve ser devolvida. III- Recurso conhecido
e não provido. Decisão unânime”.[403]
Daí podemos dizer que existem 3 (três) formas distintas de remuneração
do síndico ou administrador, a sabr: 1) remuneração direta (remuneração in
pecunia): remuneração por meio do pagamento de determinado valor
diretamente ao síndico ou administrador; 2) remuneração indireta (remuneração
in natura): remuneração por meio de isenção da sua cota condominial, ou seja, a
unidade autônoma do síndico ou administrador fica isenta do pagamento da
contribuição condominial ordinária; e 3) remuneração mista (remuneração
diversificada): tal tipo de remuneração se caracteriza quando, além da isenção da
sua cota condominial (remuneração in natura), é feito pagamento de parte da
remuneração em espécie (remuneração in pecúnia). Seja qual for a modalidade
utilizada para remunerar o síndico ou administrador, ela deve estar devidamente
especificada na convenção do condomínio ou aprovada por assembleia-geral de
condôminos (inciso II do art. 1334 do Código Civil. de 2002).[404]
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO.
AÇÃO DE COBRANÇA. CONDOMÍNIO. SÍNDICO. PRÓ-
LABORE. TAXAS. ATRASADOS. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. EXISTÊNCIA DE CRÉDITOS/DÉBITOS
RECÍPROCOS. COMPENSAÇÃO. Se credor e devedor em um
processo são, inversamente, ao mesmo tempo, devedor e credor,
possível é a compensação das obrigações até o montante em que
se igualam, na forma prevista no artigo 368 , do Código Civil .
Exige-se apenas que os referidos créditos sejam líquidos, certos e
exigíveis. É o caso dos autos, mormente porque ambos os casos
encontram-se em fase de cumprimento de sentença. Apelação
conhecida e desprovida”.[405]
Outra questão que tem gerado muita discussão diz respeito ao
recolhimento de contribuição previdenciária devida em razão da remuneração
do síndico ou administrador. A respeito desse assunto, ROSELY BENEVIDES
DE OLIVEIRA SCHWARTZ menciona que, em tais casos, a contribuição
previdenciária deve ser recolhida até o dia 2 (dois) de cada mês; caso caia em
sábado, domingo ou feriado, deve ser antecipado para o dia anterior. Na guia de
recolhimento deve ser informado o valor do pró-labore do síndico ou, se for o
caso, do valor da isenção da sua cota condominial. Esclarece ela que a isenção
da sua cota condominial, como remuneração in natura devida ao síndico ou
administrador, é entendida como uma forma de remuneração e, portanto, sujeita
à incidência de contribuição previdenciária. O condomínio tem de pagar a parte
da contribuição previdenciária que lhe cabe, ou seja, 20% (vinte por cento)
sobre a remuneração e também retem 11% (onze por cento) para repassar ao
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, totalizando 31% (trinta e um por
cento). O condomínio somente não retém os 11% (onze por cento) se o síndico
ou administrador comprovar que já recolhe tal valor ao Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS pelo teto. De maneira que o não pagamento da
contribuição previdenciária pode sujeitar o responsável pela retenção e
recolhimento (condomínio) a multa.[406]
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O PRÓ-
LABORE E SOBRE A ISENÇÃO DA QUOTA
CONDOMINIAL DOS SÍNDICOS. ART. 1° DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 84/96. CONDOMÍNIO.
CARACTERIZAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. ACOLHIMENTO PARA FINS DE
ESCLARECIMENTO E MELHOR ADEQUAÇÃO DA
FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. I- A
contribuição social sobre o pagamento do pro-labore aos síndicos
de condomínios imobiliários, assim como sobre a isenção da taxa
condominial devida a eles é devida, segundo explicita, de forma
cristalina, a Instrução Normativa n. 06/96, posta nestes termos: "I
- A contribuição a cargo da empresa é de 15% (quinze por cento)
sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer
título, no decorrer do mês, inclusive sobre os ganhos habituais
sob a forma de utilidades, pelos serviços que lhe são prestados
por: (...) síndico de condomínio". (grifamos). II- O acórdão
embargado tratou das características específicas do condomínio,
não sendo pertinente a argumentação que tende à mera reforma
do julgado, ante a inconformidade do embargante com a
conclusão de se constituir em pessoa jurídica, para fins da
tributação rechaçada. III- Afinal, relativamente a ter o aresto
enfrentando questão atinente à tributação imposta ao síndico, a
despeito de a ação vertente discutir "apenas a contribuição
exigida do condomínio diante da existência de síndico", com
razão o embargante, de modo que, não pertinente à hipótese, há
de ser afastada do acórdão embargado tal fundamentação. IV-
Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeito
modificativo”.[407]
3.11.4 Prestação de contas do síndico
Todo aquele que administra bens de outrem deve prestar contas. De
maneira que o síndico ou administrador de condomínio edilício está obrigado a
prestar contas da sua gestão, sendo que tal prestação de contas, por sua própria
natureza, tem evidentes reflexos na vida de todos os condôminos, uma vez que
tal obrigação importa na transparência e publicidade dos gastos efetuados com a
administração do condomínio no exercício encerrado, e serve de referência para
a previsão orçamentária do exercício seguinte. Em outras palavras cumpre,
legalmente, ao síndico ou administrador o gerenciamento da vida econômica e
social do condomínio e por ser seu representante legal, o mandatário dos
condôminos, deve satisfação sobre os atos de sua gestão.
No entanto, não se pode perder de vista que prestar contas significa
fazer alguém a outrem, pormenorizadamente, parcela por parcela, a exposição
dos componentes de débito e crédito resultantes de determinada relação jurídica,
concluindo pela apuração aritmética do saldo credor ou devedor, ou de sua
inexistência.[408] Acrescenta ADROALDO FURTADO FABRÍCIO que a
natureza jurídica dessa relação pode variar muito, de um modo geral pode-se
dizer que deve contas quem quer que administre bens, negócios ou interesses de
outrem a qualquer título. Há de prestar contas, por outras palavras, aquele que
efetua ou recebe pagamentos por conta de outrem, movimentando recursos
próprios ou daqueles em cujo interesse se realizam pagamentos e recebimentos.
[409]
CAPÍTULO IV – LOTEAMENTO
CONVENCIONAL FECHADO
4.1 LOTEAMENTO ABERTO OU CONVENCIONAL
A Lei do Parcelamento do Solo Urbano conceitua o loteamento para fins
urbanos (espécie de parcelamento do solo) como sendo a “subdivisão de gleba
em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de
logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias
existentes” (§ 1º do art. 2º da Lei n° 6.766, de 19.12.1979).[453]
Na definição de EURICO DE ANDRADE AZEVEDO, o parcelamento
do solo é a divisão de uma gleba em lotes, que passam a ter vida autônoma, com
acesso direto à via pública. A gleba parcelada perde a sua individualidade, a sua
caracterização originária, dando nascimento a várias parcelas individualizadas,
que recebem o nome de “lotes”. Daí a denominação de “loteamento” (lotear uma
área urbana). Com efeito, o parcelamento para fins urbanos ou parcelamento
urbanístico destina-se a integrar a gleba na cidade, permitindo que ela passe a
ter usos urbanos, ou seja, uso residencial, comercial, industrial e institucional.
[454]
4.4 LOTEAMENTOS CONVENCIONAIS FECHADOS
Os loteamentos convencionais regidos pela da Lei n° 6.766, de
19.12.1979, segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, são fechados por ato do
loteador ou de uma associação de moradores, demonstrando a sua ilegalidade.
Com efeito, “os tais loteamentos fechados juridicamente não existem; não há
legislação que os ampare, constituem uma distorção e uma deformação de duas
instituições jurídicas: do aproveitamento condominial de espaço e do loteamento
ou do desmembramento. É mais uma técnica de especulação imobiliária, sem as
limitações, as obrigações e os ônus que o Direito Urbanístico impõe aos
arruadores e loteadores do solo”.[479]
Na opinião de EROS ROBERTO GRAU, a proliferação dos loteamentos
em condomínio encontra razão de ser na indisfarçável forma de escapar às
exigências da Lei n° 6.766, de 19.12.1979, na medida em que sua instituição não
se dá em razão de iniciativa de incorporação imobiliária regida pela Lei n°
4.591, de 16.12.64, porque o empreendedor não assume a obrigação de neles
edificar as casas, como preceitua o art. 8º desse diploma. E arremata o jurista que
as chamadas áreas de passagem comum desses condomínios fechados “não
podem ser cercadas ou bloquedas, de modo que impeça o seu uso normal por
qualquer pessoa, evitando-se o acesso a quem quer que seja ao condomínio”.[480]
Da mesma forma, DIÓGENES GASPARINI, ao analisar a criação dos
chamados loteamentos privé, loteamentos integrados, loteamentos especiais,
loteamentos integrais, loteamentos fechados ou loteamentos em condomínio,
expressa o entendimento no sentido de que de reconhecer a ilegalidade do ato da
Administração que os autoriza. “Não se subsumindo tais loteamentos ao regime
do Código Civil e não se submetendo aos ditames da Lei de Condomínio, não se
tem como legalizá-los. O nosso ordenamento jurídico, pelo menos até o
momento, não os acolhe e a atividade administrativa para autorizá-los não se
legitima, dado que não está a presidi-la o princípio da legalidade”.[481]
“LOTEAMENTO. - Associação de moradores devidamente
constituída - Legitimidade ativa configurada - Cobrança de taxa
de manutenção e conservação - Não cabimento - Condomínio
fechado não caracterizado - Área aberta e sem cancelas -
Existência de estabelecimentos comerciais - Serviços prestados
pelo Poder Público - Taxas que só podem ser cobradas dos
associados - Recurso desprovido”.[482]
“Apelação. Ação de cobrança. Associação de moradores.
Loteamento não constituído como condomínio. Apesar de ser
possível, em tese, para que a associação possa cobrar taxa dos
moradores do loteamento, é necessária previsão no ato
convencional do loteamento. Ausência de comprovação de que o
loteamento seria fechado, além de não demonstração de adesão
do réu à associação. Elementos dos autos que indicam que seu
imóvel sequer era beneficiado pelo serviço de vigilância.
Pretensão improcedente. Honorários advocatícios fixados em R$
1.000,00. Litigância de má-fé não configurada. Recurso
parcialmente provido”.[483]
DIÓGENES GASPARINI e JOSÉ AFONSO DA SILVA são unânimes
em concluir que os Municípios não podem autorizar essa forma de loteamento
condominial. De maneira que Lei municipal que preveja ou regule sua
implantação contamina o ato de aprovação de flagrante ilegalidade, porque “o
Município não tem competência legislativa em matéria de condomínio”.[484]
No condomínio de fato, os proprietários de imóveis oriundos de
loteamento convencional, regido pela Lei n° 6.766, de 19.12.1979, reúnem-se
informalmente e passam a se comportar como condôminos regidos pela Lei n°
4.591, de 16.12.64, criando-se, assim, a figura de um condomínio aparente,
através das associações de moradores.[485]
A associação de moradores é o instrumento que os residentes de
determinado loteamento utilizam para realizar suas aspirações e para se
protegerem, principalmente, da violência urbana que assola o nosso país. Utiliza-
se, portanto, o instituto da associação, na forma dos arts. 53 a 61 do Código
Civil, e não o instituto das sociedades, pois se constituem as associações pela
união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Ressalvo que a
expressão “fins não econômicos” mencionada no art. 53 do Código Civil é
imprópria. Segundo CÉSAR FIUZA “as associações têm o mesmo conceito de
sociedade, possuindo, entretanto, diferença específica em sua definição, ou seja,
não visam ao lucro. Em outras palavras, as associações são sociedades que não
têm interesse no lucro, embora nada as impeça de ter lucro”.[486] Pois toda e
qualquer associação pode exercer ou participar de atividades econômicas. O que
é vedado é que essas atividades tenham finalidade lucrativa.[487]
O direito de associar-se é constitucionalmente assegurado, não podendo,
contudo, as pessoas serem obrigadas a associar-se ou a permanecer associadas,
tal é o disposto no artigo 5º, XVIII e XX da Constituição Federal, com a seguinte
redação, respectivamente: “a criação de associações e, na forma da lei, a de
cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em
seu funcionamento;” e, “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a
permanecer associado”.
Referente à ordem constitucional das associações, explica
ALEXANDRE DE MORAIS: “É plena a liberdade de associação, de tal forma
que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou mesmo permanecer
associado, desde que para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar, sendo que
sua criação e, na forma da lei, a de cooperativa independem de autorização,
vedada a interferência estatal em seu funcionamento, constituindo-se um direito
que, embora atribuída a cada pessoa (titular), somente poderá ser exercido de
forma coletiva, com várias pessoas”.[488]
Como requisito legal para formação do condomínio de fato, através de
associação de moradores, deverá possuir, sob pena de nulidade: a denominação,
os fins e a sede da associação; os requisitos para admissão, demissão e exclusão
de associados; os direitos e deveres dos associados; as fontes de recurso para sua
manutenção; o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e
administrativos; as condições para alteração das disposições estatutárias e para a
dissolução.
Todos os associados no condomínio atípico ou condomínio de fato
devem ter iguais direitos, mas pode o estatuto instituir categorias com vantagens
especiais, o que, na prática, permite criar categorias que diferenciem o valor do
rateio das despesas mensais entre casas e terrenos e cotas proporcionais à medida
dos imóveis.
O art. 58 do Código Civil de 2002 dispõe que “nenhum associado poderá
ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente
conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos em lei ou no estatuto”. Esta
norma vem limitar a discricionariedade no âmbito das associações e pode
interferir diretamente na administração do condomínio de fato, pois, na prática,
confere-se a possibilidade de incluir no estatuto do condomínio de fato as
penalidades para aqueles que não cumprirem regras impostas. Pode-se, ainda,
criar regulamento interno para uma melhor convivência social, desde que este
esteja expressamente previsto no estatuto. Outro exemplo de penalidade que
pode ser inserido no estatuto é a proibição do associado que não está em dia com
o pagamento das cotas condominiais de poder votar e ser votado nas
assembleias.
A associação de moradores, a autonomia privada e a busca de
segurança aglutinaram-se, pois, como ponto de partida ante a insuficiência do
poder público na prestação adequada de serviços, que levou os proprietários de
lotes individuais a se agruparem informalmente, de modo a comportarem-se
como condôminos, sem que houvesse uma efetiva relação condominial. Esses
proprietários, através de associações denominadas condomínios de adesão,
irregulares ou de fato, elegem a figura de um administrador, para que tome frente
face as suas necessidades, e, desse modo, contratam serviços de terceiros para
suprir a deficiência provocada pelo ente público.[489]
A doutrina destaca a legitimidade ad causam da associação de
moradores, para mover ação de cobrança de cotas condominiais, mesmo não
havendo convenção registrada, pois não tem apoio no direito autorizar que
aquele que é beneficiado pela manutenção das área comuns deixe de pagar as
despesas respectivas, prevista a incumbência da associação para esse fim,
vedando-se assim o enriquecimento sem causa.[490]
A representação da vontade dos proprietários através da associação de
moradores pode ser apreciada no relatório apresentado pelo eminente
desembargador Sergio Cavalieri Filho: “Tornaram-se comuns em nossos dias os
chamados condomínios de fato. Pessoas de posses adquirem imóveis residenciais
ou de veraneio em loteamentos fechados, normalmente em lugares aprazíveis,
em busca de conforto, comodidade, lazer, segurança, etc. Em muitos desses
loteamentos, mormente em região de praia ou serrana, os serviços públicos
essenciais ainda não chegaram, de sorte que são providos pelos próprios
interessados através de associação de moradores, empresa comercial ou sem fins
lucrativos, de modo a tornarem efetivos os objetivos a que se destina o
loteamento”.[491]
Assim, as associações de moradores são criadas para beneficiar as áreas
comuns que, por consequência, favorecem a propriedade individual, realizando
benfeitorias e serviços comuns, inclusive com a contratação de empregados para
cuidar da conservação e segurança de todos. Fica evidente que as despesas
comuns necessárias para a manutenção e conservação desse condomínio de fato
terão que ser rateadas entre todos os integrantes do loteamento, na proporção dos
benefícios recebidos, independentemente até de contrato escrito, convenção ou
estatuto social.
Quanto às características básicas do condomínio atípico ou condomínio
de fato, podemos dizer que elas são as seguintes: 1) as vias e espaços livres
pertencem ao Município, alterando-se apenas o direito de uso, que é retirado da
coletividade e assegurado aos moradores do local; 2) o proprietário do lote, casa
ou terreno goza do direito de propriedade de forma tradicional, ou seja, como
todo e qualquer titular do domínio; 3) as praças, ruas, vias de comunicação e
outros espaços livres tem seu uso limitado aos proprietários dos lotes; 4) há
domínio comum sobre determinados bens, tais como guaritas e seus acessórios,
bombas de água e reservatórios, materiais utilizados na manutenção e
conservação das vias e espaços públicos; 5) serviços de vigilância e segurança,
coleta de lixo, distribuição de água e rede de esgoto, pavimentação e
conservação das partes comuns e dos serviços; 6) administração e
funcionamento, normalmente a cargo de uma entidade associativa dos
moradores locais; 7) rateio de despesas necessárias a manutenção e conservação
das partes comuns e dos serviços.
4.5 TITULARIDADE DOMINIAL DOS BENS
PÚBLICOS
Em relação às áreas públicas dos chamados loteamentos fechados,
merecem que façamos um estudo a respeito da titularidade dos bens públicos e
sua utilização regular.
A tradicional classificação da dominialidade pública abrange 3 (três)
modalidades distintas: 1) os bens públicos de uso comum do povo (aqueles que,
por sua natureza ou determinação legal, são destinados à utilização coletiva:
ruas, estradas, praças, rios, etc.); 2) os bens públicos de uso especial (os que são
afetados à realização de serviços públicos: edifícios ou terrenos destinados a
serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou
municipal, inclusive os de suas autarquias); e 3) os bens públicos dominicais
(que pertencem ao patrimônio disponível das pessoas jurídicas de direito
público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades)
[arts. 98 a 103 do Código Civil de 2002].[492]. Os bens públicos de uso comum do
povo e os bens públicos de uso especial são bens inalienáveis, na forma da lei, e
estão fora do comércio (art. 100 do Código Civil de 2002). Já os bens públicos
dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei (art. 101 do
Código Civil de 2002).
Os bens de uso comum do povo pertencem ao domínio eminente do
Estado (lato sensu), que submete todas as coisas de seu território à sua vontade,
como uma das manifestações de soberania interna, mas seu titular é o povo. Não
constitui um direito de propriedade ou domínio patrimonial de que o Estado
possa dispor, segundo as normas de Direito Civil. O Estado é gestor desses bens
públicos e, assim, tem o dever de sua superintendência, vigilância, tutela e
fiscalização para assegurar sua utilização comum.[493]
A melhor doutrina brasileira sustenta que o domínio eminente é um
poder sujeito ao direito; não é um poder arbitrário. Sua fruição é coletiva. Os
usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os
membros da coletividade – uti universi – razão pela qual ninguém tem direito ao
uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo
limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus
dele resultantes”.[494]
Quanto à relação que o particular (o utente) guarda com os bens
públicos, esclarece JOSÉ CRETELLA JÚNIOR que ruas, praças, parques,
logradouros de toda espécie podem ser utilizados pelo cidadão, mas se algum
particular entender de apossar-se deles, à evidência que compete ao Estado
tomar as providências legais como proprietário, visto que à Administração
compete zelar pelos bens de uso comum do povo. Jamais os bens públicos de
uso comum, como as ruas, praças, parques, estradas podem ser objeto de posse
dos particulares, mas de simples detenção. O princípio geral que rege a
utilização dos bens de uso comum é o de que o uso de um seja transitório e
precário, não impedindo o uso dos demais, reservando-se a Administração, em
casos especiais, o direito de utilização privilegiada, quando se trata do interesse
público”.[495]
4.6 O USO DOS BENS PÚBLICOS POR
PARTICULARES
Essas 3 (três) categorias de bens públicos (bens de uso comum do povo,
bens públicos de uso especial e bens públicos dominicais) certamente admitem
usos comuns e especiais. Assim é que JOSÉ CRETELLA JÚNIOR menciona
que todo cidadão que preencher os requisitos exigidos pelo Estado é investido no
direito subjetivo público de utilizar os bens públicos dos 3 (três) tipos – uso
comum, uso especial e dominical –, desde que a utilização seja compatível com
a destinação do bem, tendo o particular o direito de recorrer ao Poder Judiciário,
caso seja impedido do exercício de seu direito”.[496]
Há que se ter em mente que todos os bens públicos admitem uso sem
discriminação, em igualdade de condições por todos cidadãos,
independentemente de qualificação ou consentimento pessoal, devendo ser
exercido de forma anônima e gratuita (exceto na hipótese de pedágio nas
estradas ou rodovias, que o Poder Público cobra como contraprestação pela sua
conservação, sem inibir o uso coletivo).
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR acrescenta, então, que o uso comum desses
bens públicos, uti univers, se constitui no exercício natural de uma faculdade
que faz parte integrante da esfera de liberdade humana, que o homem tem como
homem, não apenas como habitante de um determinado lugar,[497] ou aquele uso
que se destina a atender ao homem, em virtude de sua qualidade humana, tendo,
pois, por objetivo principal e imediato a satisfação de necessidades físicas
indispensáveis para a própria vida, de todos, sem distinção, permitindo ainda o
desenvolvimento e projeção da personalidade humana no campo da liberdad.[498]
Todavia, esses bens públicos também podem ser utilizados com
exclusividade, por pessoas determinadas, mediante título jurídico conferido
individualmente pela Administração Pública, por ato ou contrato, mediante
autorização legal ou regulamentar, ou através de consentimento pela autoridade
competente. Denomina-se uso especial (uti singuli) pelo qual o particular irá
extrair do bem público algumas utilidades não conferidas, em caráter genérico,
aos demais usuários, cabendo-lhe o poder de privar outras pessoas do direito de
exercer igual utilização sobre a mesma parcela do domínio público.[499]
No que tange aos bens dominicais, o uso especial pode comportar
fruição pelos institutos de Direito Civil, tais como a locação, enfiteuse,
arrendamento, concessão de direito real de uso e comodato, mas, como não
poderia deixar de ser, com influência significativa dos princípios de direito
público.
Já a utilização dos bens de uso comum do povo ou utilização dos bens
públicos de uso especial pode ser feita por instrumentos jurídicos de direito
público, tais como a autorização, a permissão e a concessão de uso, uma vez
que, estando eles afetados a finalidade pública, a sua vinculação a título
jurídico de direito privado, que coloca o particular em igualdade de condições
com a Administração Pública, viria em prejuízo do interesse geral, pois retiraria
à Administração Pública a possibilidade de apreciar a todo momento a
conveniência da utilização privativa consentida e de extingui-la quando
prejudicial à finalidade precípua a que o bem se destina. Todas as relações
jurídicas que têm por objeto os bens de uso comum e os de uso especial
sujeitam-se a regime jurídico de direito público; daí as razões de afirmar-se que
os bens dessa natureza estão fora do comércio jurídico de direito privado.[500]
Vale lembrar que a autorização de uso é ato precário, unilateral e
discricionário, visa atividades transitórias e irrelevantes ao interesse público, é
conferida com exclusividade e no interesse privado do beneficiário, pode ser a
título gratuito ou oneroso, dispensa autorização legislativa e licitação e não cria
para o usuário o dever de utilização (como na permissão ou concessão de uso),
mas mera faculdade. São exemplos: a ocupação de terrenos baldios; a retirada de
água de fontes não abertas ao uso comum do povo; o depósito de material na via
pública; o tráfego de caminhões pesados, de certo porte e altura ou que
conduzam produtos inflamáveis, em horários e locais específicos; a utilização de
vias públicas para a realização de festas, lazer, cortejos e provas desportivas.
Permissão de uso é ato negocial, precário, discricionário e unilateral que
a Administração faculta ao particular para a utilização individual de bem
público. Pode ou não ser estabelecida sob condições, por tempo certo ou
indeterminado, revogável ou modificável unilateralmente pela Administração,
indenizável quando operada a revogação se assim for disposto no termo que a
concedeu. Qualquer bem público admite a permissão de uso especial, desde que
a utilização seja também de interesse da coletividade que irá fruir certas
vantagens desse uso, como acontece na instalação de serviços de bar nas
calçadas (colocação de mesas, cadeiras e toldos), de bancas de jornais e de feiras
livres, vestiários em praias, na utilização de boxes nos mercados municipais, no
estacionamento de táxis nas vias públicas, etc. Por sinal, a permissão de uso
deve ser deferida mediante prévia licitação (art. 2° da Lei n° 8666, de
21.06.1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal,
institui normas para licitações e contratos da Administração Pública)[501] e, se não
houver interesse para a comunidade, mas tão-somente para o particular, o uso
especial não deve ser permitido nem concedido, mas simplesmente autorizado,
em caráter precaríssimo.[502]
A concessão de uso, por sua vez, é contrato de direito público,
sinalagmático, gratuito ou oneroso, comutativo e realizado intuitu personae,
utilizado preferentemente à permissão, nas hipóteses em que a utilização do bem
público visa ao exercício de atividades de maior vulto e mais onerosas, firmado
geralmente com prazos longos que garantam certa estabilidade ao
concessionário. Quando implicar na utilização de bem de uso comum do povo,
sua outorga só será possível para fins de interesse público e se for compatível
com a destinação principal do bem. Ela investe o concessionário na posse da
parcela do bem objeto do contrato e sua rescisão pela Administração Pública,
antes do termo, exige justa indenização. São exemplos a concessão para a
exploração de minas e águas (hidrelétricas), ou para o uso de dependências
aeroportuárias (para abrigo, reparação e abastecimento de aeronaves), de
cemitérios para sepulturas (inumação de cadáveres).
Certamente, os atos da Administração Pública são norteados pelos
princípios constitucionais da legalidade, finalidade e interesse público (caput do
art. 37 da Constituição Federal),[503] razão por que o ato administrativo municipal
que faculta a utilização de bens de uso comum do povo a particulares deve
sempre render obediência a esses princípios, em especial o da prevalência do
interesse público, o qual, embora não esteja expresso na Constituição Federal
como princípio da Administração Pública (assim como o da finalidade), para a
doutrina ele é considerado um desdobramento do princípio da legalidade, pois o
ato administrativo só é válido quando atende ao seu fim legal e a finalidade é
inafastável do interesse público, de sorte que o administrador tem que praticar o
ato com finalidade pública, sob pena de desvio de finalidade, uma das mais
incidiosas modalidades de abuso de poder.[504]
4.7 A CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO
DAS ÁREAS PÚBLICAS DOS LOTEAMENTOS
CONVENCIONAIS
O fechamento dos loteamentos convencionais da Lei n° 6.766, de
19.12.1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, operado
mediante obstrução das vias internas ao acesso do público, com a colocação de
obstáculos, cancelas e guaritas, é sustentado por alguns autores como lícito,
sendo frequente o argumento de que o Município pode viabilizá-lo pelo instituto
da concessão de direito real de uso das áreas públicas, previsto no art. 7º do
Decreto-Lei n° 271, de 28.02.1967 (dispõe sobre loteamento urbano e
responsabilidade do loteador concessão de uso e espaço aéreo),[505] e também
disciplinado pelo §2° do art. 17 da Lei de Licitações Públicas (Lei n° 8666, de
21.06.1993).[506]
A parte da doutrina que sustenta essa tese se apoia no art. 3º do Decreto-
Lei n° 271, de 28.02.1967,[507] que equiparava o loteador ao incorporador, os
compradores de lote aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção da
edificação, determinando a aplicação da Lei n° 4591, de 16.12.1964 (dispõe
sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias) aos
loteamentos. No entanto, não se aplicam ao caso as disposições da Lei n° 4591,
de 16.12.1964, por força do mencionado art. 3º do Decreto-Lei n° 271, de
28.02.1967, não apenas porque abrogado pela Lei n° 6.766, de 19.12.1979, que
dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, como ainda por não ser auto-
aplicável tal dispositivo legal, porquanto a regulamentação determinada em seu
§1° jamais foi feita.[508]
Uma interpretação superficial do art. 7º do Decreto-Lei n° 271, de
28.02.1967, pode levar o intérprete menos atento àquela conclusão. Todavia, a
tese, embora de certa forma atraente, não resiste a análise mais atenta a respeito
da natureza jurídica e a extensão dessa espécie de trespasse de uso da
propriedade pública. De natureza contratual (portanto, bilateral, com direitos e
obrigações recíprocas), a concessão de direito real de uso de imóvel público
torna acessível ao particular seu uso sem os percalços da enfiteuse, as
inconveniências da locação (para a Administração Pública), a precariedade das
permissões e cessões de uso e a inflexível natureza da concessão de uso. Ela é
vantajosa para a Administração Pública, que deve sempre preferir essa forma de
utilização ao invés de dispor do patrimônio imobiliário, através da venda ou
doação, mas sempre dependerá de autorização legal e de licitação.[509]
Entretanto, não podemos perder de vista que a fruição de imóvel público,
através do instrumento de concessão de direito real de uso, só pode ser conferida
para os bens dominicais, sendo incompatível para os bens de uso comum ou
especial, enquanto destinados aos fins precípuos.[510] Com efeito, os bens de uso
comum ou especial, para poderem ser usados discriminadamente ou por
concessão exclusiva do uso, exigem prévia desafetação, porque a utilização, por
exemplo, das vias públicas (bens de uso comum) não é uma simples
possibilidade, mas poder legal exercitável erga omnes, não podendo a
Administração Pública impedir o trânsito de pessoas de maneira estável, a menos
que, antes, desafete a referida via.[511] Inclusive, a desafetação de uma
determinada rua, ainda que precedida de autorização legislativa, deve conter o
elemento fundamental: de ter perdido, de fato, sua utilização pública ou seu
sentido de via de circulação ter desaparecido ao se tornar desabitada. Não basta a
lei para desafetá-la. É preciso atender ao interesse público, como qualquer ato
administrativo, sem o qual haverá fundamento para contestar a transmudação
operada pela lei ordinária que promove a desafetação.[512]
Se não bastasse isso, algumas características que informam essa
modalidade de uso são prejudiciais aos interesses da Administração Pública,
favorecendo ao particular, haja vista que a concessão de direito real de uso não
está vinculada à totalidade dos princípios publicísticos, derrogatórios e
exorbitantes do direito comum que deveriam nortear a relação entre o Poder
Público e os particulares, em prol do interesse coletivo (precariedade e
unilateralidade).
Acrescenta RICARDO PEREIRA LIRA que o direito real gerado pela
concessão de uso de imóvel público, ainda quando possa ser considerado um
direito real administrativo, não é resolúvel ao nuto da Administração Pública,
discricionariamente, mas apenas naquelas hipóteses expressamente previstas no
§ 3 do art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28.02.1967: dar, o concessionário,
destinação diversa da prevista no título; descumprir o concessionário cláusula
contratual cujo inadimplemento tenha por consequência a resolução do ajuste.
Assim, o concessionário tem direito à posse, uso, administração e fruição do
terreno durante o prazo da concessão, bem como, quando finda esta, de ser
indenizado, salvo disposição em contrário, pelas acessões e benfeitorias
realizadas no imóvel concedido, com direito de retenção, que deriva dos efeitos
dessa posse.[513] Além disso, devemos ter em conta que esse instituto é
estigmatizado por uma finalidade não individualista (caput do art. 7° do Decreto-
Lei nº 271, de 28.02.1967).
De fato, ressalta renomado e consagrado professor administrativista
CAIO TÁCITO SÁ VIANA PEREIRA DE VASCONCELOS que se trata de
modalidade de direito real resolúvel que não absorve nem extingue o domínio
público. Constitui-se por uma fruição qualificada de interesse social, e tem
como escopo uma atividade específica de acentuado teor social, e não a mera
fruição de interesse privado, importando o desvio de finalidade na extinção do
direito, mesmo antes de seu termo.[514]
Na concessão de direito real de uso de ruas, praças, espaços livres,
áreas verdes e institucionais para a formação dos loteamentos fechados,
prevalece o desejo ou interesse exclusivo dos moradores na sua utilização
privativa, de caráter individual (sossego, segurança e conforto pessoais),
contrapondo o interesse privado ao coletivo, porque essas áreas públicas estão
vocacionadas ao uso comum do povo. Por conseguinte, essa modalidade de
concessão de direito real de uso não se presta à utilização de bens de uso
comum, que pressupõem a universalidade, a impessoalidade e a gratuidade de
uso, sem contraprestação pecuniária ou indenização ao particular, além do que o
princípio geral que rege a utilização dos bens de uso comum é o de que o uso de
um seja transitório e precário, não impedindo o uso dos demais.[515]
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ALEGAÇÃO DE
IRREGULARIDADE EM LOTEAMENTO "FECHADO" –
CONCESSÃO DE ÁREAS PÚBLICAS – OBSERVÂNCIA DE
REGRAMENTOS E ENCARGOS AOS CONDÔMINOS –
PROPRIETÁRIOS – NÃO INFRINGENCIA DE PRECEITO
CONSTITUCIONAL – LEGISLAÇÃO PRECEDENTE – NÃO
INFRINGENTE DE DIREITO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA.
O Ministério Público objetivou a declaração de
inconstitucionalidade de legislação autorizadora de cessão de
bem público existente em loteamento "fechado", constituído de
ruas e áreas de preservação; não caracterização de tal vício;
encargos assumidos pela Associação de proprietários, no sentido
de manutenção, conservação, admitida remuneração pelos
proprietários; descabimento da pretensão de
inconstitucionalidade de legislação municipal, a qual atende
preceito constitucional (art. 23 e 30, CF). Mantença do
condomínio fechado e da improcedência da ação, admitido
cobrança. Recurso negado”.[516]
4.8 DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 17 DA LEI N° 6.766,
DE 19.12.1979
O fechamento dos loteamentos caracteriza, na realidade, tentativa de
burlar a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n° 6.766, de 19.12.1979) e
tentativa de contornar a vedação urbanística imposta pelas Leis e Constituições
Estaduais.
Nos termos do art. 17 da Lei n° 6.766, de 19.12.1979, o loteador não
pode alterar a destinação dos espaços livres de uso comum, as vias e praças, as
áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes
do projeto e memorial descritivo (incisos III e IV do § 2º do art. 9 da Lei n°
6.766, de 19.12.1979).
Esse dispositivo também obriga o Município, que recebe essas áreas
quando do registro do loteamento (art. 22 da Lei n° 6.766, de 19.12.1979),[517]
porque os bens públicos adquiridos com a implantação do projeto de loteamento
urbano guardam consigo, por razão ontológica, afetação específica ao interesse
público reconhecido pelo Município ao aprovar o projeto.[518]
Como a Lei n° 6.766, de 19.12.1979, só disciplina os loteamentos
convencionais, abertos, com espaços e áreas públicas franqueadas ao acesso de
todos, alertam JOSÉ AFONSO DA SILVA [519] e DIÓGENES GASPARINI [520]
que a aprovação pelo Município dos loteamentos fechados não é lícita, pois não
lhe preside o princípio da legalidade, nem a legislação municipal editada para
tratar do assunto lhe dá foros de legitimidade, porque a matéria, por sua natureza
condominial, é da competência da União Federal.
Há que se ter em mente o fato de as áreas públicas de um loteamento
(espaços livres de uso comum, áreas verdes, vias, praças, áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos), visam a atender às
necessidades coletivas urbanas. Algumas estão voltadas à circulação de
veículos, pedestres e semoventes (vias urbanas). Outras destinam-se à
ornamentação urbana (fim paisagístico e estético), têm função higiênica, de
defesa e recuperação do meio ambiente, atendem à circulação, à recreação e ao
lazer (praças, jardins, parques, áreas verdes e de lazer).
De maneira que o fechamento das vias de circulação, por ato do
loteador ou associação de moradores, com ou sem aprovação do Município,
infringe o comando legal previsto no art. 17 da Lei n° 6.766, de 19.12.1979, na
medida em que, subtraindo-as da fruição geral, altera a destinação, os objetivos e
a finalidade congênitos dessas áreas, predispostas que estão para atender ao
público indistintamente.
Por sinal, SÉRGIO ALBERTO FRAZÃO DO COUTO esclarece que a
destinação de áreas públicas pelo loteador é imposição legal para atender às
necessidades da comunidade: assim como se exige do empresário o destaque de
parte de sua gleba para a implantação de equipamentos urbanos, impõe a Lei, no
mesmo dispositivo, a separação de áreas destinadas a equipamentos
comunitários, entendidas essas como áreas reservadas a estabelecimentos
educacionais, culturais, de saúde, de lazer e similares, cujas considerações mais
detalhadas faremos adiante, esclarecendo desde já, no entanto, que mencionados
equipamentos desempenharão papel de grande importância para o equilíbrio
sócio-político-cultural-psicológico da população e como fator de escape das
tensões geradas pela vida em comunidade. Como a própria expressão dá a
entender, esses equipamentos servirão à comunidade que habitará os lotes
criados pelo parcelamento urbano e, por isso mesmo, deverão ser porporcionais
à densidade de ocupação prevista para a gleba, tendo por fim satisfazer às
necessidades assistenciais e hedonísticas da coletividade. Equipamentos
comunitários vêm a ser, portanto, os aprestos do sistema social da comunidade
previstos para atender a suas necessidades de educação, cultura, saúde e lazer.[521]
Ainda que o loteamento seja concebido com as áreas públicas dispostas
para fora de seu perímetro, ficando somente com as ruas em seu interior, para a
circulação restrita aos moradores, ainda assim o fechamento das vias públicas
não encontra ressonância em nosso ordenamento jurídico. É que o conceito de
área institucional comporta exegese mais ampla. Com efeito, as áreas verdes,
não obrigatoriamente matas, podem se destinar a preservação da vegetação já
existente ou reservada ao lazer da população, com a implantação de gramados,
bosques ou jardins. Desde que assim instituídas por lei, passam a ser,
inequivocadamente, áreas institucionais, complemento do equipamento urbano.
Portanto, as áreas destinadas à implantação de equipamento urbano e
comunitário e os espaços livres de uso público são áreas institucionais. Nesse
mesmo sentido DIÓGENES GASPARINI menciona que as áreas institucionais
são as consagradas, por força de lei, pelo loteador, a fim comunitário e de
utilidade pública. De maneira que, dúvida não resta de que se trata de área
destinada a sistema de lazer, destacada das áreas reservadas ao sistema de
circulação, tais como ruas, praças e avenidas. É área reservada para fim
específico comunitário e de utilidade pública, como é o lazer.[522]
Em assim sendo, somos forçados a concluir que as ruas (espécies de vias
de circulação) são também reservas institucionais do loteamento, porque
objetivam atender a uma necessidade pública de circular. Presta-se a exercitar os
direitos de locomoção inatos ao homem (ir e vir), de permanecer no local, como
expressão do direito de reunião, e de estacionar veículos, respeitadas as
vedações da legislação de trânsito.
CINO VITTA [523] e JOSÉ CRETELLA JÚNIOR [524] alertam que não se
nega que há, efetivamente, um uso especial conferido a um morador de uma rua
ou ocupante de imóvel fronteiriço à via pública, quando se lhe garante
continuamente, por exemplo, o acesso ao seu imóvel, mediante abertura de porta
sobre a via pública, o despejo de águas pluviais e servidas, a abertura de janelas
sobre a via, para receber luz, ar, etc. Mas nem por isso se está diante de
fenômeno diverso do uso geral referente aos demais particulares, visto que não
varia a substância do fato com sua repetição.
Portanto, segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA [525] e JOSÉ CRETELLA
JÚNIOR,[526] é inconcebível a posse dos bens de uso comum pelo usuário, que só
tem mera detenção física. Também, segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA [527] e
HELY LOPES MEIRELLES,[528] se mostra inadmissível a existência de ruas
particulares. Bem como, alerta BIASI RUGGIERO, juridicamente impossível a
instituição de condomínio, à base da Lei n° 4.591, de 16.12.1964 (dispõe sôbre o
condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias), em rua ou
loteamento regular.[529]
Por via de consequência, perfeitamente justificável o combate aos
loteamentos fechados implantados, por exemplo, na orla marítima, que
inviabilizam seu acesso a qualquer pessoa estranha ao empreendimento, que não
seja proprietária de lote, privatizando as praias do nosso litoral. Nesses casos,
além dos princípios acima lembrados, aplica-se uma legislação específica que
assegura a livre acessibilidade às praias, por qualquer do povo. Tal legislação
refere-se ao art. 10 da Lei n° 7661, de 16.05. 1988 (instituiu o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro).[530]
Não podemos no furtar de mencionar que, não raras vezes, o Poder
Público Municipal tolera a utilização exclusiva da via pública ou com
perturbação de seu uso comum pelo povo, mas de forma temporária, mediante
autorização expressa das autoridades públicas, tais como ocorre nas
competições desportivas de rua. Também o Poder Público Municipal admite a
utilização com exclusividade, de maneira permanente, embora precária, no uso
especial que se permite ou concede sem embaraçar a utilização normal da via
pública pelo povo, desde que traga alguma utilidade para a população, como
acontece para a instalação de bancas de jornais nos passeios, de feiras-livres nas
ruas e dos boxes dos mercados municipais para vazão direta da produção
agrícola. Mas isso não deve ser justificativa para a privatização do uso dos
espaços públicos em detrimento da coletividade (cujo prejuízo presume-se, ao
ser colocada à margem dessa utilização), ainda que com a anuência do Poder
Público Municipal, o que só beneficia uns poucos habitantes, atribuindo-lhes
privilégios, instituindo verdadeiros guetos.
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Birigui. Villa do Chafariz.
Irregularidade em loteamento fechado. – 1. Loteamento fechado.
Inconstitucionalidade. Ao editar as leis municipais e decretos
autorizadores da criação dos bolsões residenciais e implantação
dos condomínios fechados, o Poder Público Municipal, baseado
na discricionariedade que lhe é atribuída, permitiu que os bens
públicos fossem utilizados de acordo com a finalidade do
empreendimento. Não há abuso ou delegação de
discricionariedade ao particular. O controle de acesso ao
condomínio não significa prejuízo ao direito de ir e vir dos
munícipes nem em restrição abusiva, garantindo segurança aos
moradores do local, às suas expensas, sem ônus ao Poder
Público. Interesse público preservado. Posicionamento pacificado
neste Tribunal. – 2. Associação. Rateio de despesas. O
loteamento em questão praticamente nasceu ‘fechado’; os
adquirentes dos lotes desde o momento da compra sabiam que
estavam comprando imóvel em área residencial fechada; a
associação de moradores já estava constituída quando os lotes
foram adquiridos, de modo que ao adquirir o imóvel eram
sabidas as regras que deveriam ser seguidas. Os serviços
prestados e pagos com as contribuições dos proprietários são
revertidos em prol de todos os moradores e a admissão de que o
pagamento é meramente facultativo implica em enriquecimento
sem causa daqueles que não contribuem com a associação, já que
usufruem dos benefícios sem o respectivo ônus. Precedente do
STF. – Improcedência. Recurso do Ministério Público
desprovido”.[531]
Inclusive, a essa prática com a anuência do Poder Público Municipal,
contrapõe-se os princípios constitucionais, como objetivo fundamental da
República, a redução das desigualdades sociais e a erradicação da
marginalização (inciso III do art. 3° da Constituição Federal)[532] e, como
garantias fundamentais da pessoa humana, previstas no caput [“Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”], inciso XV [“é livre
a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa,
nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”] e inciso
XVI [“todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao
público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra
reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido
prévio aviso à autoridade competente”], todos do art. 5º da Constituição Federal.
Garantias estas de aplicação imediata conforme previsto no § 1º do art. 5º da
Constituição Federal [“As normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”]. Portanto, o direito de circular, ou seja,
de ir e vir (viajar e migrar), e também o direito de permanecer (para exercer o
direito de reunião e de estacionar) deve ser respeitado, pois, como esclareve
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, em matéria de bens terrestres, de uso comum, no
Brasil, a utilização de quisque de populo compreende o trânsito e o
estacionamento, podendo este ser momentâneo - parar - e prolongado –
estacionar.[533]
Ensina EDUARDO ESPÍNOLA qua a liberdade de locomoção consiste
no poder que todos têm, sem necessidade de pedir autorização, de dirigir suas
atividades e de dispor de seu tempo, como bem lhes parecer, em princípio,
cumprindo-lhes, entretanto, respeitar as medidas impostas pela lei, no interesse
comum, e abster-se de atos lesivos dos direitos de outrem.[534] Acrescenta JOSÉ
AFONSO DA SILVA que é de duvidosa constitucionalidade lei que estabeleça
limitações ao direito de locomoção no território nacional, em tempo de paz, só
possível de ser editada em tempo de guerra, desde que não elimine a liberdade
como instituição.[535]
Por fim JOSÉ CRETELLA JÚNIOR [536] e MARIA SYLVIA ZANELLA
DI PIETRO [537] arrematam a questão lembrando que o princípio vigente na
utilização dos bens de uso comum é o de que o uso de um seja transitório,
precário, compatível com a destinação do bem (de servir a todos), sem obstar a
fruição dos demais.
4.9 RATEIO DAS COTAS DO LOTEAMENTO
FECHADO E DO CONDOMINIO DE FATO
Como demonstrado, o loteamente fechado e o condomínio de fato surgiu
da necessidade de alguns proprietários ou moradores de um determinado
logradouro suprirem os serviços que deveriam ser prestados pelo ente público ou
fornecidos de modo satisfatório, como segurança pública, conservação das vias,
distribuição de água, recolhimento de lixo e outros serviços cujo suprimento
demande uma organização e participação coletiva dos interessados.
Suscita discussões a questão relativa à obrigatoriedade ou não do
pagamento de contribuições referentes aos serviços prestados, para associações
de moradores, em vista de dois princípios constitucionais: o primeiro de que
“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, na
forma do art. 5º, XX, da Constituição Federal vigente, ou seja, o princípio da
livre associação; o segundo, calcado no princípio que veda o enriquecimento
sem causa, por seu turno, encontra-se amparado no art. 3º, I da Constituição
Federal, como fator relevante de uma sociedade mais justa e solidária,
consagrada, pois, como objetivo fundamental da República,[538] e nos arts. 884 a
886 do Código Civil”.[539]
O princípio da livre associação confronta com o da condenação do
enriquecimento sem causa no que diz respeito às associações em condomínio de
fato. O que suscita debates, pois, de um lado prima-se pela liberdade de
associação que cada pessoa possui; do outro, pela contrariedade de os
indivíduos se beneficiarem, mesmo que de forma indireta, dos outros
condôminos que arcam com as despesas comuns do loteamente fechado e o
condomínio de fato.
Causa impacto doutrinário e jurisprudencial o rateio das cotas
condominiais e a aplicação dos princípios ora aludidos, enfatiza DANIELLE
MACHADO SOARES sobre os impasses: “1º- O primeiro princípio prega a
liberdade de associação que cada indivíduo possui, pois é inerente a sua
personalidade; em contra partida, o segundo princípio prega a condenação
daquele que se beneficia, ainda que de forma indireta, às custas de outros
indivíduos, sem uma causa justa ou legal; 2º- O princípio da liberdade
associativa está inserido em sede constitucional, ao passo que o da condenação
ao locupletamento sem causa reside em sede doutrinária, o que em outras
palavras significa dizer que o primeiro é hierarquicamente superior ao segundo”.
[540]
CAPÍTULO V –
MULTIPROPRIEDADE,
PROPRIEDADE
COMPARTILHADA OU TIME-
SHARING
5.1 DEFINIÇÃO DE MULTIPROPRIEDADE,
PROPRIEDADE COMPARTILHADA OU TIME
SHARING
GUSTAVO TEPPEDINO define o sistema time sharing como verdadeira
multipropriedade de forma genérica. É a relação jurídica de aproveitamento
econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de
tempo, de modo que, cada qual a se turno, diversos titulares possam utilizar-se
da coisa com exclusividade e de maneira perpétua.[568]
Time sharing (às vezes chamado vacation ownership) é uma propriedade
com forma particular de propriedade ou direitos de uso. Essas propriedades são
normalmente unidades de condomínio resort, em que várias partes detêm
direitos de uso da propriedade, e cada participante é atribuído um período de
tempo (normalmente uma semana e quase sempre a mesma hora todos os anos)
em que eles podem usar a propriedade. As unidades podem estar em uma
propriedade parcial, arrendamento ou “direito básico de usar”, em que o
participante não detém qualquer dirieot de reivindicação da propriedade do
imóvel.
Dúvida não resta de que algumas dificuldades têm de ser enfrentadas
para se chegar à conceituação da multipropriedade ou propriedade
compartilhada. No entanto, podemos dizer que suas principais características
são as seguintes: 1) a transitoriedade de toda propriedade em comunhão: a
transitoriedade do condomínio imobiliário é de ser, no caso da multipropriedade,
obstada pela finalidade lógica do instituto, que é a do uso de todos os
multiproprietários. Admitida, no caso e na espécie, a transitoriedade genérica,
teremos a destruição do destino da própria base material da estrutura. Seria tanto
um contrasenso e agressão à legítima pretensão de uso por todos os contratantes
da multipropriedade, quando não há nada que a proíba e ao contrário existe a
garantia constitucional de sua existência, via do direito de associar-se e
contratar; 2) a divisibilidade da coisa: a divisibilidade, também, não poderá ser
admitida, visto que além de se adotar as mesmas razões acima contra a
transitoriedade, é de se adicionar as do interesse e utilidade social, para que se
mantenha o estado de comunhão, com o aumento de empregos, do crescimento
econômico e da satisfação dos seus titulares ou contratantes; e 3) o direito de
preferência dos coproprietários, quando da alienação de parte da coisa comum:
o direito de preferência nas alienações, da mesma forma, não é de ser aqui
admitido, em nome do critério de exclusividade da multipropriedade, encontrada
com o tempo dividido em turnos para satisfação de todos os seus titulares. Por
analogia é de ser feita a adoção das regras do condomínio especial da Lei n°
4.591, de 16.12.1964 (dispõe sobre o condomínio em edificações e as
incorporações imobiliárias), e da Lei n° 4.864, 29.11.1965 (cria medidas de
estímulo à Indústria de Construção Civil), onde as unidades individuais são
exclusivas de seus proprietários, substituídas, analogicamente, aquelas pela
multipropriedade de unidades condominiais, que se dividem por turnos de
utilização.
No Brasil, tal fenômeno do time-sharing surgiu timidamente sem
legislação específica, sendo assim, nasceu dificuldade de conceituar a
multipropriedade como direito real. Nesse sistema, todos os multiproprietários
são condôminos, mas esse condomínio somente será exclusivo na unidade
autônoma no tempo fixado no pacto. Sem permissão legal, contudo, não pode ser
conferido direito real aos multiproprietários. Uma das soluções encontradas é
registrar o empreendimento em nome de pessoa centralizadora de contratos
(trustee), que concede e organiza a utilização periódica. Nesse caso, a relação
dos multiusuários é de direito obrigacional com o proprietário da coisa. Outra
solução é constar na escritura a aquisição por vários titulares de períodos de sete
dias em cada ano, atribuindo-se a cada unidade cinquenta e dois períodos
compartilhados. Todos os adquirentes são coproprietários de fração ideal, não se
identificando a unidade, a não ser no vínculo obrigacional. Um pacto adjeto
meramente contratual o fará. Não existe, desse modo, constituição de unidades
autônomas, invocando-se as normas típicas do condomínio ordinário. A relação
de tempo fica exposta em regulamento. A administração é atribuída a empresa,
que normalmente reserva para si frações ideais, correspondentes a duas semanas
do ano todos os apartamentos.[569]
O maior atrativo para a propriedade compartilhada é o turístico. Com
efeito, o sistema de timesharing é comumente utilizado no ramo turístico por
meio de contrato de tempo compartilhado, bem como de contrato de adesão a
clube ou programa de férias.
No entanto, o sistema time-sharing ela pode ser aplicada em diversos
setores da vida moderna, principalmente o compartilhamento para fins
econômicos. Com a globalização e competição instaladas nos negócios, os
produtos e serviços têm de se ater a 3 (três) condições básicas: 1) o preço mais
baixo; 2) a melhor qualidade; e 3) a rapidez no atendimento do consumidor. O
valor mais acessível é encontrado com o custo baixo da produção, e o último
implica no corte de gastos e enxugamento de despesas. A melhor qualidade é a
resultante da aplicação dos melhores aparelhamentos e técnicas. A rapidez é
fruto da produção sustentada por instalações e expedientes modernos. O corte de
gastos ou enxugamentos, os melhores aparelhos e técnicas e as instalações
modernas significam altas despesas, que se contradizem com a necessidade do
custo baixo do produto ou do serviço. O instrumento conciliador desses 2 (dois)
extremos é encontrado no “contrato de compartilhamento” para uso conjunto de
instalações industriais, comerciais e de serviços, como escritórios e outros. Duas
ou mais empresas utilizando-se das mesmas instalações e serviços significa
diminuição de seus custos de produção.
A grande inovação do sistema time sharing (multipropriedade) de um
modo geral é a divisão do tempo em turnos de dias, semanas, meses ou horários
de usos. Os primeiros são mais indicados na multipropriedade de habitações
para temporadas e a última multipropriedade para a vida negocial. Esta última
já é facilmente encontrada em consultórios médicos ou odontológicos e o que
pode ser estendido para advogados, corretores, produção industrial e atividades
outras. Uma mesma instalação servindo a vários empreendimentos, para melhor
aproveitamento econômico, repartida em unidades fixas de tempo, onde a
empresa multiproprietária exercita o seu direito de maneira exclusiva e perpétua,
é economia certa de custos da produção e aumento de seu poder de competição.
Por sinal, para que se melhor compreenda o instituto da propriedade
compartilhada, o advogado goiano ARTHUR RIOS apresenta os seus principais
pontos de distinção: 1) o conceito de direito de propriedade continua em
evolução diante das constantes alterações sociológicas. Longe está ele de ter uma
concepção definida, diante da globalização e das mutações sociais que
enfrentamos; 2) a nominação contratual do direito real de habitação periódica é
reclamo social à ciência jurídica. A falta de configuração legal produz prejuízos
sociais e individuais de credibilidade nas atividades turísticas; 3) os contratos de
compartilhamento de solo não podem ser confundidos com locações ou
comodatos. Diferenciam-se, com aqueles admitindo a utilização comum de
compartilhantes e compartilhatários, em turnos de tempo diferenciados, o que
não ocorre com os últimos; 4) a função social integra, atualmente, o conceito de
propriedade ao lado do direito de usar, gozar, dispor e reivindicar; 5) a
humanização do direito de propriedade é a própria busca de sua melhor função
social, sem que se prejudique o uso normal do seu titular; 6) a propriedade
temporária, multipropriedade ou propriedade compartilhada de lazer é uma
questão de higidez social; 7) o compartilhamento da propriedade, para fins
econômicos, significa menos custo da produção ou dos serviços das empresas
compartilhantes ou compartilhatárias, tornando-as mais competitivas no
mercado; 8) a criatividade humana tem de ser preservada pelo direito e deve ser
colocado à frente do contexto jurídico o princípio “ninguém é obrigado a deixar
de fazer a não ser por proibição legal”; 9) a multipropriedade ou propriedade
compartilhada é a propriedade comum com a divisão temporal de sua base
material individualizada, o que não é vedado no direito brasileiro; 10) a
“transitoriedade” jurídica da propriedade em comunhão, a “precariedade” legal
da indivisão do imóvel e o `direito de preferência' do condômino de direito
comum caem por terra, diante da propriedade compartilhada ou
multipropriedade. A admissão dos mesmos seria a destruição da base material da
estrutura do objetivo lícito dos compartilhatários, em afronta ao princípio
constitucional da liberdade de contratar; 11) no registro imobiliário brasileiro, a
adoção do princípio do `numerus clausus', ou de somente se levar ao fólio
registral os casos tipificados da lei é negativa do princípio constitucional da
autonomia da vontade. É a adoção do intervencionismo estatal sem lei prévia
determinando-o. É o engessamento desnecessário do direito, diante dos reclamos
sociais em sentido contrário; 12) a fixação de tempo para o uso de cada
proprietário, titular do compartilhamento, não desnatura a propriedade. Ser
proprietário não significa não poder dispor da posse direta, para terceiros.[570]
Em relação aos métodos de uso do time sharing (multipropriedade),
podemos enumerar o seguinte: 1) os proprietários podem: a) usar seu tempo de
uso; b) alugaro seu uso próprio; c) dar como um presente; d) doá-lo para uma
instituição de caridade (se a instituição de caridade escolher aceitar o ônus dos
pagamentos de manutenção associados); e) intercâmbio interno dentro do
mesmo resort ou grupo de resort; f) trocá-lo externamente por outro entre
milhares de resorts existentes; g) vende-lo através de publicidade tradicional,
online ou usando corretor licenciado; contratos de time sharing permitem a
transferência através da venda, no entanto, raramente é realizada assim; 2)
recentemente, com a maioria dos sistemas de pontos, os proprietários podem
optar por: a) atribuir seu tempo de uso ao sistema de pontos a ser trocado por
passagens aéreas, hotéis, pacotes de viagem, cruzeiros, bilhetes para parques de
diversões; b) em vez de alugar todo o seu tempo de uso real, alugar parte de seus
pontos sem realmente obter qualquer tempo de uso e usar o resto dos pontos; c)
alugar mais pontos da entidade de câmbio interna ou outro proprietário para
obter uma unidade maior, mais tempo de férias ou para uma localização melhor;
d) salvar ou mover pontos de um ano para outro. Algumas empresas de resorts,
no entanto, podem limitar quais dessas opções estão disponíveis em suas
respectivas propriedades. Os proprietários podem optar por ficar no seu resort
durante o período prescrito, que varia dependendo da natureza de sua
propriedade. Em muitos resorts, eles podem alugar a sua semana ou dar-lhe
como um presente para amigos e familiares.
Outra questão que vem à baila é a do denominado “time sharing”. Time
sharing é o contrato de termo compartilhado, ou seja, uma multipropriedade
mobiliária. Nada mais é do que o contrato de condomínio no tempo e não no
espaço. Por exemplo, cada parte exerce o direito de propriedade por
determinado tempo. É muito usado em área de lazer. Ao invés de comprar uma
casa de praia, os interessados serão proprietários desta casa por determinados
dias no ano.
Certamente, as regras do condomínio edilício servem para orientar o time
sharing, tais como as normas que disciplinam os atos de administração do
síndico, etc. Além disso, deve se ter uma administradora, para conciliar os
diferentes interesses. No entanto, a relação da administradora do time sharing
com os condomínios é de consumo, conforme já decidiu o próprio Superior
Tribunal de Justiça – STJ e outros Tribunais. Diferentee da relação existente
entre o condômino e condomínio, que certamente não é de consumo.
5.2 ETIOLOGIA HISTÓRICA DO TIME SHARING
O termo time sharing foi introduzido no Reino Unido no início dos anos
1960 expandindo em um sistema de férias que se tornou popular após a Segunda
Guerra Mundial.[571] Este compartilhamento de casas de férias, também
conhecido como partilha de casas de férias, envolveu 4 (quatro) famílias
europeias que iriam comprar uma casa de férias em conjunto, cada uma tendo
uso exclusivo da propriedade para 1 (uma) das 4 (quatro) estações. Eles
rotacionavam estações a cada ano, então cada família desfrutou as estações
prime igualmente. Este conceito foi usado principalmente por famílias bem
relacionadas, porque a propriedade conjunta exige confiança entre elas e que
nenhum gerente de propriedade esteja envolvido. No entanto, poucas famílias
em férias poderiam usar a casa durante uma temporada inteira de cada vez. De
modo que as casas de férias ou propriedades partilhas ficaram muitas vezes
vagas por longos períodos.
Mentes empreendedoras na Inglaterra decidiram dar um passo além e
dividir 1 (um) quarto de resort em 1/50 de propriedade, tendo 2 (duas) semanas
por ano para reparos e melhorias e sendo cobrada uma taxa de manutenção para
cada proprietário. Demorou quase uma década para time sharing, na Europa,
evoluir para negócio bem sucedido e bem sucedido utilização compartilhada.
O primeiro time sharing nos Estados Unidos foi iniciado em 1974 pela
Caribbean International Corporation – CIC, com sede em Fort Lauderdale,
Flórida. Ele ofereceu o que foi chamado uma licença de 25 (vinte e cinco) anos
de férias, em vez de propriedade. A empresa possuía 2 (dois) outros resorts o
titular da licença de férias poderia alternar suas semanas de férias com: um em
St. Croix e um em St. Thomas; ambos em Virgin Islands. As propriedades de
Virgin Islands começaram suas vendas do time sharing em 1973 com os
proprietários Hillie Meyers, Don Saunders, e Arthur Zimand.
O contrato era simples e direto. A empresa Caribbean International
Corporation – CIC prometeu manter e fornecer o tipo de acomodação
especificado (um estúdio, um quarto ou dois quartos) para uso pelo “proprietário
da licença” por um período de 25 (vinte e cinco) anos (até 1999, a partir de 1974,
por exemplo) na temporada especificada e o número de semanas acordado, com
apenas 2 (duas) taxas extras: 1) uma taxa diária de US $ 15,00 (por noite),
congelada a esse custo pela tempo do contrato; e 2) uma taxa de mudança de US
$ 25,00, caso o titular de licença decidisse usar sua semana ou semanas em um
dos outros resorts. A lógica da apresentação baseava-se no fato de que o custo da
licença e da diária era pequena em comparação com o custo projetado das taxas
de hotel, as quais subiriam nos próximos 25 (vinte e cinco) anos para mais de US
$ 100,00 por noite. Isto iria poupar o proprietário da licença muitos dólares
gastos em férias, caso optasse pelo contrato de licença. Ao proprietário da
licença era ainda permitido alugar ou dar sua semana ausente como presente
num ano em particular. A única estipulação era que a diária de US $ 15,00 devia
ser pago todos os anos se a unidade fosse ocupada ou não. Esta “taxa anual que
devia ser paga” se tornaria raízes do que é conhecido hoje como “taxas de
manutenção” (Homeowners Association – HOA),[572] uma vez que o Florida
Departament of Real Estate se envolveu na regulamentação do time sharing.
O conceito de time sharing nos Estados Unidos chamou a atenção de
muitos empresários devido aos enormes lucros a serem feitos vendendo a mesma
sala 52 (cinquenta e duas) vezes para 52 (cinquenta e dois) proprietários
diferentes a um preço médio, no período de 1974-1976, de US $ 3.500,00 por
semana. Pouco tempo depois, a Florida Real Estate Commission entrou em cena,
promulgando legislação para regulamentar os time sharing da Flórida e torná-los
sujeitos às fee simple ownership (“taxa de propriedade simples”). Isso
significava que, além do preço da semana de férias do proprietário, uma “taxas
de manutenção” (Homeowners Association – HOA) e a associação de
proprietários, tiveram que arcar com mais um ônus. Esta taxa simples sobre
propriedade também gerou intercâmbio entre localizações de time sharing, no
âmbito de empresas como Interval International – II e Resort Condominiums
International – RCI. De maneira que proprietários em qualquer área poderia
trocar sua semana com os proprietários em outras áreas.
A idéia de proprietários trocar sua semana, independentemente ou
através de agências de câmbio, foi usada como base para atrair grande massa de
interessados para a compra de um time sharing,.[573] Existem várias agências de
intercâmbio, mas apenas 2 (duas) são frequentemente mencionadas na indústria.
Elas são as duas maiores: Interval International – II e Resort Condominiums
International – RCI; que combinadas, têm mais de 7.000 (sete mil) resorts. Elas
têm programas de resort afiliados e os membros só podem trocar com resorts
afiliados. É mais comum que um resort, para ser afiliado, deve estar vinculado a
apenas uma das maiores agências de intercâmbio, embora resorts com dupla
afiliações não sejam incomuns. O resort do sistema time sharing , no momento
da compra dos direitos, determina quais das empresas de câmbio podem ser
usadas para fazer trocas. Resort Condominiums International – RCI e Interval
International – II cobram uma taxa de adesão anual e taxas adicionais para
quando houver requerimento de troca por um membro e membros que alugaram
determinadas semanas para que eles possam trocar.
Os proprietários também podem trocar suas semanas ou pontos através
de empresas de câmbio independentes. Proprietários podem trocar sem precisar
do resort para ter um acordo de filiação formal com as empresas, se o resort,
onde está localizada sua propriedade, concordar com tais acordos no contrato
original.
Devido à promessa de troca, proprietários de time sharing muitas vezes
vendem sua unidade independentemente da localização dela. O que não é
frequentemente divulgado é a diferença no poder de negociação, dependendo da
localização e época da propriedade. Se um resort está, por exemplo, no Havei ou
no Sul da Califórnia, ele vai poder trocar muito bem, dependendo da época e da
semana que é atribuída à unidade em particular a qual se vai tentar fazer uma
troca. No entanto, time sharing em locais altamente desejáveis e slots de época
considerada alta temporada são os mais caros do mundo, sujeito à demanda
típica de qualquer área de férias pesadamente negociada. Se acontecer de possuir
um time sharing em Palm Springs, Califórnia, no meio de julho ou agosto, por
exemplo, o seu poder de negociação é muito diminuída, porque aqueles que
procuram um resort num momento em que as temperaturas são superiores a 110
graus Fahrenheit são poucos.
No entanto, cancelamentos ou rescisão do contrato de time sharing
permaneceram o maior obstáculo da indústria até a data de hoje.
“COMPETÊNCIA RECURSAL. - Ação visando a renúncia de
quatro módulos semanais de utilização compartilhada, no sistema
‘time sharing’. –Possibilidade. Sentença de procedência. Recurso
não provido”.[574]
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO
RESCISÓRIA E INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS
E MORAIS. RITO ORDINÁRIO. CONTRATO DE CESSÃO
DE DIREITO DE USO DE IMÓVEL EM SISTEMA DE
TEMPO COMPARTILHADO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DE
PONTOS (TIME SHARING). SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA PARCIAL CONDENANDO O RÉU À
DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO PELO AUTOR,
DEDUZINDO-SE 15% (QUINZE POR CENTO) DO PREÇO
TOTAL DO CONTRATO. APELO DO AUTOR.
PROVIMENTO EM PARTE. RECONHECIMENTO DE
ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS ENSEJANDO A
RESCISÃO DO CONTRATO E A DEVOLUÇÃO DE 80% DO
VALOR DAS PARCELAS INTEGRALIZADAS PELO
CESSIONÁRIO. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. 1.
Autor que celebrou com a ré BEACH PARK HOTEIS E
TURISMO S/A, em setembro de 2009, ¿Contrato de cessão de
direito de uso de imóvel em sistema de tempo compartilhado
mediante utilização de pontos¿, pelo prazo de 10 (dez) anos, no
valor total de R$ 40.660,00, a ser pago da seguinte maneira: uma
entrada no valor de R$ 14.440,00 e mais 30 parcelas de R$
874,00, através de boleto bancário. Sustenta o autor que pagou o
valor da entrada e 12 parcelas do contrato. Aduz que, à época da
celebração do contrato, era alto executivo de uma empresa, no
entanto, teve seu contrato de trabalho rescindido, por isso, não
pôde mais arcar com as prestações do contrato e pede a sua
rescisão. Alega que jamais utilizou os serviços da ré. Afirma que
solicitou a extinção do contrato junto à ré, mas esta negou
qualquer devolução de valores pagos, fundamento sua negativa
na cláusula 10.2 e seguintes do contrato, a qual prevê a retenção
de 35% do valor total do contrato, em caso de rescisão por parte
do cessionário contratante. Assim, pretende a rescisão do referido
contrato, a devolução a título de danos materiais do valor total
pago à ré e indenização por danos morais. 2. Sentença de parcial
procedência condenando o réu à devolução do valor pago pelo
autor, deduzindo-se 15% (quinze por cento) do preço total do
contrato. 3. Inconformismo do autor. Provimento em parte. 4. A
hipótese é de evidente relação de consumo, a teor do que
dispõem os artigos 2° e 3°, §2° do Código de Defesa do
Consumidor. 5. Neste particular, há de se ressaltar que referida
legislação prevê no artigo 47 que ¿as cláusulas contratuais serão
interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor¿, e que o
artigo 51, § 1º, inciso III, dispõe que se presume exagerada, entre
outros casos, a vantagem que ‘se mostra excessivamente onerosa
para o consumidor, considerando- se a natureza e conteúdo do
contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares
ao caso’. 6. Cabe acentuar que as cláusulas contratuais de nº 10.2
e seguintes colocam o autor/consumidor em desvantagem
exagerada, eis que trata desigualmente a resilição contratual de
iniciativa do cessionário, pois estabelecem retenção de 35%
sobre o valor de todo o contrato, ao passo que, na hipótese de
resilição promovida pelo cedente, não há sequer cláusula
específica tratando da hipótese. 7. Considerando as
circunstâncias acima, não se afigura razoável compelir o autor ao
cumprimento integral do contrato, o qual impõe o pagamento das
parcelas vencidas e vincendas, nem tampouco que o mesmo fique
vinculado ao contrato até o seu termo final, sendo perfeitamente
possível a resolução do contrato de execução continuada ou
diferida, sobrevindo circunstância que torna a prestação de uma
das partes excessivamente onerosa, nos termos do que dispõe o
artigo 478 e seguintes do Código Civil. 8. Destarte, evidencia-se
a abusividade do ajuste diante da estipulação de obrigação que
coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo
incompatível com a boa-fé e a equidade. 9. Ademais, impõe-se a
restituição das parcelas que chegaram a ser integralizadas pelo
autor, sob pena de se prestigiar o enriquecimento sem causa, nos
termos do que dispõem os artigos 884 a 886 do Código Civil. 10.
Contudo, afigura-se razoável que, a título de indenização pelas
despesas decorrentes da administração do negócio, que a
devolução das parcelas pagas não se faça de forma integral e sim
com o abatimento de 20% das prestações quitadas. Precedentes
desta Corte. 11. Quanto ao dano moral, não ignora este Relator
decisões favoráveis desta Corte ao seu deferimento em situações
aproximadas, todavia, entendo que o dano moral, aqui, não restou
devidamente caracterizado. Em que pese a retenção abusiva pela
ré de 35% do valor total do contrato se mostrar excessiva para
compensar os gastos, é certo que aquela compensação estava
prevista no contrato, ao qual anuiu a parte autora, sem qualquer
vício de vontade. Ora, se a parte adversa agiu amparada em
cláusula contratual, ainda que abusiva, é certo que a parte autora
com ela anuiu, não havendo por que ser indenizada moralmente
apenas porque a parte ré insistiu no seu cumprimento. Por outro
lado, não restou demonstrado qualquer fato relacionado ao dano
moral do autor, que, nas circunstâncias, não pode ser
simplesmente presumido. 13. Sentença que se reforma em parte
para (a) declarar rescindido o contrato celebrado entre as partes;
(b) determinar que a ré devolva ao autor 80% dos valores pagos
por este, ficando, assim, autorizada a reter 20% do valor pago
pelo autor, e não 15% do preço total do contrato, mantendo-se os
demais termos da sentença, inclusive a sucumbência recíproca.
14. APELAÇÃO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO”.[575]
5.3 NATUREZA JURÍODICA DO TIME SHARING
A natureza jurídica do time sharing ou da multipropriedade é matéria
controversa na doutrina jurídica de todos os países.
Destacamos que os primeiros passos nessa discussão para defini-la
ocorreram na Europa, justamente onde surgiu o time-sharing. Segundo DARIO
DA SILVA OLIVEIRA JUNIOR e VICTOR EMANUEL CHRISTOFARI, tal
sistema é por vezes considerado direito pessoal, direito real, forma de
comunidade de bens, propriedade quatridimensional ou mesmo como um novo
regime jurídico imobiliário.[576]
A respeito da natureza jurídica do time sharing ou da multipropriedade,
acrescentam ainda DARIO DA SILVA OLIVEIRA JUNIOR e VICTOR
EMANUEL CHRISTOFARI o seguinte: a) multipropriedade como direito
pessoal: considerando tanto a perspectiva de um pacto entre os comproprietários
de cotas indivisas de determinado imóvel (inclusive de apartamento em regime
de propriedade horizontal), quanto no âmbito de uma sociedade civil,
cooperativa ou mesmo uma sociedade anônima; b) multipropriedade como
forma de comunidade de bens: ideia sustentada por doutrinadores espanhóis, no
qual a multipropriedade derivaria do instituto das comunidades de bens,
constante do ordenamento jurídico espanhol; c) multipropriedade como direito
real: posto que o domínio, segundo a doutrina clássica do direito das coisas,
contém em si uma série de direitos como usar, gozar, fruir e dispor, ainda que
restritos a um determinado lapso temporal no caso do time-sharing; d)
multipropriedade como um novo regime jurídico imobiliário: já que a intenção
perene e a prática repetitiva de utilização sazonal do imóvel configuraria o que
se denominou posteriormente de “turnos de utilização/habitação”; e)
multipropriedade como propriedade quatridimensional: teoria esta
eminentemente italiana, que considera o tempo de uso do imóvel como uma
quarta dimensão da propriedade. O direito dos multiproprietários sobre o imóvel,
bem delineado pela conjugação dos fatores espaciais e temporais, não
configuraria uma cotitularidade, visto que o fator temporal permitiria
individualizar o direito de propriedade de cada um dos multiproprietários.[577]
Na verdade, o instituto de multipropriedade imobiliária é considerado
por alguns doutrinadores como uma espécie de condomínio, por isso sustenta tal
corrente que deve ser aplicado a ele as normas que disciplinam o condomínio
edilício.
“AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDAS E
DANOS. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME
SHARING). ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA. GOZO
DO PERÍODO DE FRUIÇÃO A QUE FARIAM JUS OS
AUTORES EM OUTROS IMÓVEIS. CONCORDÂNCIA
QUANTO AO PROCEDIMENTO ADOTADO. PROVEITO
ECONÔMICO COM O AJUSTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO
MATERIAL. ENLEIO PRESERVADO. SENTENÇA
MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O sistema time
sharing ou multipropriedade imobiliária é uma espécie
condominial relativa aos locais de prazer, pela qual há um
aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé,
apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em
unidades fixas de tempo, assegurando a cada co-titular o seu uso
exclusivo e perpétuo durante certo período anual (DINIZ, Maria
Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 4º volume. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 212) 2. Atrasada a conclusão do
empreendimento múltiplo, com violação de cláusula específica,
assistia aos autores o direito à resolução, ou então, perseguir o
cumprimento do enleio, nos termos do art. 1.092 do Código Civil
de 1916 (art. 475 do CC/2002). Exercida a fruição de férias em
outros imóveis da rede, equivalente à segunda opção, sem
indicativo de prejuízo até que o resort ficou pronto, e sem
demonstração de impossibilidade do uso ulterior, observa-se
proveito econômico bastante à rejeição do pedido de ruptura
negocial lançado de forma tardia. 3. Recurso desprovido”.[578]
No mesmo sentido, ultimamente o Superior Tribunal de Justiça – STJ
tem se quedado a considerar a natureza jurídica do time sharing ou
multipropriedade imobiliária como uma espécie de condomínio, ou seja,
natureza jurídica de direito real.
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE
IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE
DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO
EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO
ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO.
PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO E PROVIDO. 1. O sistema time-sharing ou
multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo
Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer
no qual se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel
(casa, chalé, apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas
de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo
durante certo período do ano. 2. Extremamente acobertada por
princípios que encerram os direitos reais, a multipropriedade
imobiliária, nada obstante ter feição obrigacional aferida por
muitos, detém forte liame com o instituto da propriedade, se não
for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina
contemporânea, inclusive num contexto de não se reprimir a
autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante da
preponderância da tipicidade dos direitos reais e do sistema de
numerus clausus. 3. No contexto do Código Civil de 2002, não há
óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de
caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e
imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225. 4. O
vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior,
não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de
consagrar novos direitos reais. Além disso, com os atributos dos
direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a
um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata
aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e
disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de
compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos
fixos de tempo. 5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não
efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real,
harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol
previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no
caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-
temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o
instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto
de constrição. 6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade
do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese
em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de
cessão de direitos em que figurou como cessionária. 7. Recurso
especial conhecido e provido”.[579]
5.4 ESPÉCIES DE TIME SHARING
Em relação à transferência e aos contratos direito de usar o time
sharing, podemos classifica-los da seguinte maneira: 1) deeded contracts
(contrato de transferência); 2) deeded ownership ou fractional ownership
(propriedade fracionada); 3) leasehold deeds (título de arrendamento); 4) right-
to-use contracts (contratos de direito de uso); 5) fixed-week ownership
(propriedade de semana fixa); 6) floating-week ownership (propriedade de
semanda flutuante); 7) rotating or flex-week ownership (rotação ou propriedade
de semana flexível); 8) points programs (programas de pontos).
5.4.1 Deeded contracts (Contrato de Transferência)
Com deeded contracts (contrato de transferência), o uso do resort
costuma ser dividido em incrementos de uma semana e são vendidos como
propriedade real através de propriedade fraccionada.
Como com qualquer outra fração de imóveis, o proprietário pode fazer o
que é desejado: usar a semana, alugá-lo, dá-lo, deixá-lo aos herdeiros, ou vender
a semana para outro comprador em potencial.
O proprietário também é responsável por uma parcela igual dos impostos
imobiliários, que geralmente são cobrados com taxas de manutenção do
condomínio.
O proprietário pode potencialmente deduzir algumas despesas
relacionadas com a propriedade, tais como impostos imobiliários da renda
tributável.[580]
5.4.2 Deeded ownership ou fractional ownership (Propriedade Fracionada)
O deeded ownership ou fractional ownership (propriedade fracionada) é
um método em que várias partes não relacionadas podem compartilhar e mitigar
o risco de propriedade de um ativo tangível de alto valor, geralmente um jato,
um iate ou um pedaço de imóvel de resort.
Pode ser feito por razões estritamente monetárias, mas normalmente há
alguma quantidade de acesso pessoal envolvido. Um dos principais motivadores
para uma compra fracionária é a capacidade de compartilhar os custos de
manutenção de um ativo que não será usado em tempo integral por um
proprietário.
No entanto, cada empreendimento fracionário requer algum tipo de
gestão, para administrar as regras e regulamentos (que são acordados antes da
fração ser adquirida) e manter o ativo ao grau estabelecido nos documentos de
propriedade. Geralmente, a gerência supervisionará o funcionamento diário de
mais de uma propriedade, embora não seja necessário. Um único ativo
fracionado pode ser gerido por uma única entidade.
Cada proprietário é garantido um montante prescrito de acesso ao ativo,
que normalmente pode ser usado ou oferecido ao público como aluguel ou
fretamento, a renda é geralmente dividida entre a empresa de gestão eo
proprietário fracionário, a menos que o proprietário encontra o próprio locatário.
Além disso, cada proprietário paga uma parcela das taxas de gestão anuais e de
manutenção, em relação à percentagem de propriedade.
Nos negócios, a propriedade fracionária é uma porcentagem de um
ativo caro. As ações são vendidas a particulares. Normalmente, uma empresa
gerencia o ativo em nome dos proprietários, que pagam taxas mensais/anuais
para a administração mais taxas de uso variáveis (por exemplo, por hora, por
dia).
Para ativos depreciando rapidamente, a empresa de gestão pode vender o
ativo e distribuir os rendimentos de volta para os proprietários, que podem então
reivindicar uma perda de capital e, opcionalmente, comprar uma fração de um
novo ativo.
No entanto, se a propriedade fracionária oferece uma vantagem
financeira sobre o arrendamento é um debate permanente, e alguns países e
regiões têm leis fiscais que fornecem benefícios adicionais para os proprietários,
tais como subsídios de perda de capital, enquanto outros podem penalizar a
propriedade sobre o arrendamento.
Como se pode observar, o deeded ownership ou fractional ownership
(propriedade fracionada) pode ser tão complexo quanto a propriedade direta ou
propriedade em que a estrutura de ações variam de acordo com as leis locais
sobre direito de propriedade.
5.4.3 Leasehold deeds (Título de Arrendamento)
Os leasehold deeds (título de arrendamento) são comuns e oferecem
propriedade por um período de tempo fixo após o qual a propriedade reverte
para o proprietário livre.
Ocasionalmente, escrituras de arrendamento são oferecidas em
perpetuidade, porém muitas ações não transmitem a propriedade da terra, mas
apenas o apartamento ou unidade (habitação) do alojamento.
5.4.4 Right-to-use contracts (Contrato de Direito de Uso)
Com right-to-use contracts (contratos de direito de uso), o comprador
tem o direito de usar a propriedade de acordo com o contrato, mas em algum
momento o contrato termina e todos os direitos revertem para o proprietário da
propriedade. Assim, um contrato direito de uso concede o direito de usar o resort
para um número específico de anos.
Em muitos países há limites severos na propriedade de propriedade
estrangeira. De maneira que este é um método comum para desenvolver recursos
em países tais como México. Deve-se ter cuidado com esta forma de
propriedade, uma vez que o direito de utilização assume frequentemente a forma
de uma associação ao clube ou o direito de utilizar o sistema de reservas,
quando o sistema de reserva é propriedade de uma empresa que não está sob o
controle dos proprietários.
O direito de uso pode ser perdido com a quebra da empresa
controladora, porque o direito de usar o contrato do comprador geralmente é
apenas bom com o proprietário atual, e se esse proprietário vende o imóvel, o
titular do direito de uso pode estar fora do ajuste, dependendo da estrutura do
contrato e/ou das leis atuais em locais estrangeiros.
“Embargos de Terceiro – Ação julgada parcialmente procedente
para declarar insubsistente a penhora – Penhora incidente sobre
imóvel que integra empreendimento direitos no sistema "Time
Sharing" – Negócio jurídico que não confere ao cessionário a
copropriedade do imóvel penhorado – Relação obrigacional –
Manutenção da penhora – Sentença reformada – Recurso
provido”.[581]
As questões relativas ao direito de usar foi a principal razão em locais
dos Estados Unidos, que o US Departament of Real Estate se envolveu com as
compras de time sharing, e as vendas de time sharing sujeitas à fee simple
ownership (“taxa de propriedade simples”) . De fato, com a fee simple
ownership, a segurança aumentou, juntamente com os custos, que atualmente
tem de incluir as “taxas de manutenção” (Homeowners Association – HOA), e
outras taxas de manutenção: custo contínuo para os proprietários e seus
herdeiros, a menos ou até que o tempo é transferido/vendido a um novo
proprietário.
Uma variante de time share baseado em imóveis que combina recursos
de deeded contracts (contrato de transferência) com right-to-use contracts
(contratos de direito de uso) foi desenvolvido pela Disney Vacation Club – DVC
em 1991. Compradores de Disney Vacation Club – DVC compartilham
interesses, a quem Disney Vacation Club – DVC chama de membros recebem
escritura transmitindo propriedade real indivisa em uma unidade de time
sharing. Os direitos de propriedade de cada membro do Disney Vacation Club –
DVC são acompanhados por uma parcela anual de pontos de férias em proporção
ao tamanho do interesse de propriedade. Sistema de pontos de férias do Disney
Vacation Club – DVC é comercializado como altamente flexível e pode ser usado
em incrementos diferentes para estadias de férias em resorts do Disney Vacation
Club – DVC com uma variedade de acomodações de estúdios para moradias de 3
(três) quartos. Pontos de férias do Disney Vacation Club – DVC podem ser
trocados por férias em todo o mundo em resorts não-Disney Vacation Club –
DVC, ou podem ser depositados ou emprestados em anos futuros. A estrutura de
deeded contracts (contrato de transferência) ou right-to-use contracts (contratos
de direito de uso) do Disney Vacation Club – DVC, que tem sido utilizado em
todos os seus times sharings resorts, foi adotado por outros grandes
empreendedores de time sharing, incluindo o Hilton Grand Vacations Company,
o Marriot Vacation Club, o Hyatt Residence Club e o Accor, na França.
5.4.5 Fixed Week Ownership (Propriedade de Semanda Fixa)
A unidade de venda no sistema time sharing mais comum é o contrato de
uma semana fixa, ou seja, o fixed-week ownership (propriedade de semana fixa).
Neste caso o resort terá um calendário enumerando as semanas
aproximadamente de cada proprietário, coincidindo o começo com a primeira
semana do colendário do ano.
Um proprietário pode possuir uma escritura para usar uma unidade por
uma única semana especificada. Por exemplo, a semana 26 (vinte e seis)
normalmente inclui o período equivalente ao primeiro quarto de julho de férias;
a semana 51 (cinquenta e um), normalmente engloca o Natal; e assim por diante.
Se um proprietário adquiriu a semana 26 (vinte e seis) da propriedade num
determinado resort, ele ou ela só poderá usar essa semana em particular a cada
ano.
5.4.6 Floating-week ownership (Propriedade de Semanda Flutuante)
Às vezes as unidades são vendidas como semanas flutuantes, ou seja,
floating-week ownership (propriedade de semanda flutuante). Neste caso, a
propriedade será específica sobre quantas semanas o proprietário possui e de
quais semanas o proprietário pode selecionar para a estadia do proprietário.
Um bom exemplo disso pode ser uma semana flutuante de verão, onde o
proprietário pode solicitar qualquer semana durante a temporada de verão,
geralmente semanas 22 (vinte e dois) a 36 (trinta e seis). Neste exemplo, haveria
concorrência para semanas de “grandes feriados”, como as semanas de “Semana
Santa”, “Natal”, “Ano Novo” e “Dia do Trabalhador”.
As semanas em que as escolas ainda podem estar em plena atividade,
com aulas diárias, não seriam consideradas tão altas na demanda do resort.
Todavia, é importante ter em mente que alguns floating-week ownership
(propriedade de semanda flutuante) excluem, expressamente, grandes feriados
para que possam ser vendidos como fixed-week ownership (propriedade de
semana fixa).
5.4.7 Rotating or flex week owership (Rotação ou Propriedade de Semanda
Flexível)
Alguns tims sharings são vendidos como semanas de rotação,
comumente referido como semanas flexíveis. Tal sistema ganha a denominação
de rotating or flex-week ownership (rotação ou propriedade de semana flexível).
Em tentativa de dar a todos os proprietários chance de usufruírem as
melhores semanas, estas são giradas para frente ou para trás através do
calendário, por isso no ano 1 (um) o proprietário pode ter uso da semana 25
(vinte e cinco), então a semana 26 (vinte e seis) no ano 2 (dois) e, em seguida,
semana 27 (vinte e sete) no Ano 3 (três) do contrato.
Este método de time sharing dá a cada proprietário a justa oportunidade
para utilização de semanas diferentes, mas ao contrário de seu nome, não é
flexível.
5.4.8 Points Programs (Programas de Pontos)
Os points programs (programas de pontos), baseados em resorts,
também são vendidos como contrato de transferência de propriedade e como
contrato de direito de uso.
Points programs (programas de pontos) anualmente dão ao proprietário
uma quantidade de pontos iguais ao nível de propriedade. Por sinal, o
proprietário num desses programas pode usar esses pontos para fazer arranjos de
viagem dentro do grupo resort.
Muitos points programs (programas de pontos) são afiliados a grandes
grupos de resort, oferecendo grande variedade de opções para o destino.
Ademais, muitos desses programas possuem o recurso de fornecer a
flexibilidade da estadia em semanas tradicionais. Os membros do points
programs (programas de pontos), tais como World Mark by Wyndham, podem
pedir de todo o inventário disponível do grupo de resort.
Um membro do points programs (programas de pontos) pode muitas
vezes solicitar semanas fracionárias, bem como estadias de semana completa ou
múltipla. O número de pontos necessários para permanecer no resort em questão
variará com base em um gráfico de pontos. O gráfico de pontos permitirá fatores
como: 1) popularidade do resort; 2) tamanho das acomodações; 3) numero de
noites; 4) destaque da temporada.
5.5 TIPOS E TAMANHOS DE TIME SHARING
Em relação aos tipos e tamanhos de acomodações, podemos dizer que
propriedades no sistema time sharing tendem a ser estilo de apartamento com
acomodações variando em tamanho de unidade padrão [com espaço para 2 (dois)
quartos], unidade para 3 (três) e 4 (quatro) quartos. Estas unidades maiores
geralmente podem acomodar confortavelmente famílias grandes.
Seja qual for o estilo, as unidades normalmente incluem cozinhas
totalmente equipadas com uma área de jantar, máquina de lavar louça,
televisores, leitores de DVD, etc. Não é incomum ter lavadoras e secadoras na
unidade ou acessível na propriedade do resort. A área da cozinha e amenidades
irão refletir no tamanho da unidade em questão.
Unidades do sistema time sharing são geralmente listadas por quantas
pessoas na unidade vão dormir e quantos a unidade tem a capacidade de
ocupação em particular. Tradicional, mas não exclusivamente: 1) capacidade 2/2,
seria normalmente 2 (duas) pessoas para unidade de 1(um) quarto ou unidade
padrão de 2 (dois) quartos); 2) capacidade 6/4 seria normalmente 6 (seis) pessoas
para unidade padrão de 2 (dois) quartos com 1 (um) sofá-cama.
Vale acrescentar que time sharing são vendidos em todo o mundo e cada
local tem suas próprias descrições exclusivas. Por exemplo, sleep privately,
geralmente, refere-se ao número de convidados que não terão de caminhar
através da área de dormir de outro convidado para usar um banheiro. No entanto,
o sistema time sharing resorts tendem a ser rigorosos sobre o número de
convidados permitidos por unidade.
Vale ainda ressaltar que o tamanho da unidade afeta o custo e a demanda
em qualquer resort. O mesmo não é verdade comparando resorts em diferentes
locais. Uma unidade de 1 (um) quarto em um local muito desejável pode ainda
ser mais caro e em maior demanda do que uma acomodação de 2 (dois) quartos
em um resort com menos demanda. Um exemplo disto pode ser 1 (um) quarto
em um resort de praia muito desejável em comparação com uma unidade de 2
(dois) quartos em um resort localizado no interior da mesma praia.
5.6 LEGISLAÇÃO SOBRE TIME SHARING
É sabido que a maioria dos estados europeus não redigiu legislação
específica para o sistema de time sharing, o qual não obedece a um padrão
contratual especial, mantendo-se as discussões sobre a presença de um direito
obrigacional ou um direito real nessa modalidade condominial. Seja como for, a
utilização do time sharing vem sendo verificada em diversos ramos, dentre os
quais destacamos: 1) carros de luxo; 2) aeronaves particulares; 3) barcos, navios
e iates particulares; e 4) casas de praia/férias e resorts. Em vista disso, a Grécia,
por exemplo, acabou regulamentando a multipropriedade imobiliária como
modalidade de locação, sendo um dos primeiros países a fazê-lo, em 1986.
Assim como em boa parte dos estados europeus, não há legislação
específica a tratar do time sharing no Brasil. Entretanto, um dos grandes
impasses enfrentados para difundir esse instituto no território brasileiro é a falta
de regulamentação específica. Uma vez que o instituto de multipropriedade
imobiliária é considerado por alguns doutrinadores como uma espécie de
condomínio, analogamente se usam certos conceitos do Código Civil Brasileiro,
em seu capítulo de “Condomínio Edilício”.
Seja como for, o marco regulatório do time sharing no Brasil se deu
somente em 12.08.1997 com a edição da Deliberação Normativa nº 378 pela
qual o Ministério do Turismo, através do Instituto Brasileiro de Turismo –
EMBRATUR, implementou o sistema de tempo compartilhado em meios de
hospedagem de turismo, considerando, para tanto, a importância que o Sistema
de Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem vem adquirindo em todo o
mundo, bem como considerando que este sistema, embora em franco
desenvolvimento necessita de diversos agentes intervenientes, sendo o elo mais
fraco nesta cadeia o consumidor adquirente ou destinatário final que precisa ter
seus direitos protegidos pelo poder publico.
É importante alertar para o fato de que, embora a Deliberação
Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997, não tenha densidade normativa,
tal documento versa sobre o regulamento do sistema de time sharing em Meios
de Hospedagem de Turismo, bem como seu funcionamento e os direitos e
obrigações das partes nesse sistema, observada a sua crescente utilização em
todo o mundo.
Posteriormente, o Decreto nº 7.381, de 01.12.2010 (regulamenta a Lei n°
11.771, de 17.09.2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo e define
as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo
ao setor turístico), apresentou definição para o sistema de time sharing, ou tempo
corpartilhado, em seu art. 28: “Considera-se hospedagem por sistema de tempo
compartilhado a relação em que o prestador de serviço de hotelaria cede a
terceiro o direito de uso de unidades habitacionais por determinados períodos de
ocupação, compreendidos dentro de intervalo de tempo ajustado
contratualmente”.[582]
5.7 REGULAMENTO DO SISTEMA DE TEMPO
COMPARTILHADO EM MEIOS DE HOSPEDAGEM
DE TURISMO
Sistema de Tempo Compartilhado (time sharing sistem), também
denominado multitasking, refere-se a um sistema operacional específico, o qual é
uma extensão lógica da multiprogramação.
Basicamente, o Sistema de Tempo Compartilhado (time sharing sistem),
utilizado pelo mercado imobiliário, consiste em alternar entre diferentes épocas
do ano de forma que o usuário/proprietário do imóvel tenha a percepção que os
interesses de todos os usuários/proprietários estão sendo atendidos
alternativamente durante o ano, permitindo a interação com múltiplos direitos de
uso em exercício. Esta percepção é dada pela concretização das trocas de tempos
em que os vários exercícios do direito de uso ocorrem, sendo tão certos nas
épocas definidas e disponíveis que se tornam não perceptíveis do ponto de vista
de cada um dos usuários/proprietário[583]
O conceito de Sistema de Tempo Compartilhado (time sharing sistem)
significa compartilhamento de tempo, ou seja, o tempo ocioso de um
determinado usuário/proprietário de imóvel é compartilhado com outros
usuários/proprietários para dinamizar o sistema, comum em locais muito
procurados para férias. Múltiplas ocupações são executadas sequencialmente. Os
usuários/proprietários exercem seu respectivo direito de uso, em sequência, por
um determinado tempo. Os tempos dedicados para cada ocupação de
usuário/proprietário são pequenos o suficiente para dar a ilusão de que os
direitos de uso estão sendo execidos alternadamente durante todo ano.
5.7.1 Parte Geral do Regulamento do Sistema de Tempo Compartilhado
O art. 1° da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997,
reconhece, para todos os efeitos, o interesse turístico do Sistema de Tempo
Compartilhado em Meios de Hospedagem de Turismo, por meio da cessão pelo
prazo mínimo de 05 (cinco) anos e a qualquer titulo, do direito de ocupação de
suas unidades habitacionais, por períodos determinados do ano.
As seguintes pessoas fazem parte integrante do Sistema de Tempo
Compartilhado: I- o empreendedor: como tal entendido o titular do domínio e
posse do Meio de Hospedagem de Turismo implantado ou em implantação, no
qual, integral ou parcialmente, o sistema funcione; II- o comercializador: como
tal entendido o contratado pelo empreendedor, para promover e comercializar o
direito de ocupação em unidades habitacionais do Meio de Hospedagem de
Turismo que tenha aderido ao sistema e nele funcione regularmente; III- o
operador: como tal entendido o responsável pela prestação dos serviços
ajustados entre o empreendedor e o cessionário, na forma e qualidade por ele
contratada, atendendo os pedidos de reservas efetuadas e zelando pela
manutenção de regime de utilização dos espaços, bens e serviços, em
conformidade com sua destinação; IV- o administrador de intercâmbio: como tal
entendido o responsável pela promoção e organização de permuta de períodos de
ocupaca entre cessionários de unidades habitacionais de distintos Meios de
Hospedagem de Turismo, que funcionem, no Pais ou no Exterior, no Sistema de
Tempo Compartilhado; V- o cessionário do direito de ocupação: como tal
entendido 0 detentor do uso e ocupação, por determinado período de tempo, de
unidade habitacional de determinado meio de hospedagem de turismo
participante do sistema (art. 2° da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378,
de 12.08.1997).
Compete ao empreendedor do Sistema de Tempo Compartilhado em
Meios de Hospedagem de Turismo o seguinte: I- ceder o direito de ocupação por
um ou mais períodos e prazos determinados do ano, de uma ou mais unidades
habitacionais do Meio de Hospedagem de Turismo, devidamente mobiliada e
equipada; II- permitir ao cessionário do direito de ocupação o uso dos espaços,
coisas e serviços comuns do Meio de Hospedagem de Turismo; III- operar, por si
ou por terceiros, as unidades habitacionais, espaços, coisas e serviços cuja
utilização estiver compreendida na cessão, incluindo o regulamento
correspondente; IV- manter a unidade habitacional hoteleira cuja ocupação for
cedida e as demais instalações e serviços do empreendimento em estado
adequado para utilização; V- cobrir as despesas operacionais das unidades
habitacionais cujo direito de ocupação não tenha sido cedido ou das unidades
temporais não cedidas; VI- receber dos cessionários do direito de ocupação,
diretamente ou por terceiros, correspondentes aos períodos de utilização por eles
contratados (art. 3° da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de
12.08.1997).
Compete ao comercializador do Sistema de Tempo Compartilhado em
Meios de Hospedagem de Turismo o seguinte: I- oferecer e contratar, em nome
do empreendedor, a cessão do direito de ocupação de unidades habitacionais em
Meio de Hospedagem de Turismo; II- divulgar de forma adequada os atributos
do empreendimento e os serviços nele existentes ou a serem implantados; III-
esclarecer os consumidores sobre as reais características da cessão do direito de
ocupação e o conteúdo do respectivo contrato (art. 4° da Deliberação
Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
Compete ao operador do Sistema de Tempo Compartilhado em Meios de
Hospedagem de Turismo o seguinte: I- manter o regime de utilização dos
espaços, bens e serviços conforme o seu destino: II- prestar os serviços ajustados
entre o empreendedor e o cessionário na forma e qualidade por eles contratada;
III- atender os pedidos de reservas dos períodos de ocupação das unidades
habitacionais observando os direitos dos cessionários e a prioridade das
solicitações; IV- verificar o cumprimento das obrigações dos cessionários,
adotando as providencias contratuais caso não ocorra; V- manter controle de
registro dos cessionários, com a qualificação completa de seu contrato e
lançamento de ocorrências; VI- manter controle e documentação hábil de
registros financeiros e contábeis; VII- aplicar corretamente a taxa de manutenção
paga pelos cessionários (art. 5° da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378,
de 12.08.1997).
Compete ao administrador de intercâmbio do Sistema de Tempo
Compartilhado em Meios de Hospedagem de Turismo o seguinte: I- afiliar os
Meios de Hospedagem de Turismo segundo os padrões por eles estabelecidos; II-
aceitar os pedidos de associação dos cessionários do direito de ocupação de
unidades em Meios de Hospedagem de Turismo filiados, que desejem utilizar a
possibilidade de permuta; III- efetivar a permuta solicitada pelos associados
segundo as regras constantes do contrato de associação; IV- manter seus
associados informados sobre os Meios de Hospedagem de Turismo que integram
a rede de intercâmbio e respectivas normas de permuta (art. 6° da Deliberação
Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
Compete ao cessionário do direito de ocupação do Sistema de Tempo
Compartilhado em Meios de Hospedagem de Turismo o seguinte: I- pagar o
preço ajustado no respectivo contrato de cessão para exercer o direito de
ocupação; II- pagar, na forma, proporção e prazo ajustados, os valores
correspondentes a taxa de manutenção estabelecida no contrato, ao
empreendedor ou à sua conta; III- ocupar a unidade habitacional cedida ou
permutada e os espaços, bens e serviços de uso comum de acordo com os
regulamentos correspondentes (art. 7° da Deliberação Normativa/EMBRATUR
nº 378, de 12.08.1997).
Esclarecido isto, podemos dizer que os períodos de ocupação, por ano,
nos quais o cessionário do direito de ocupação, por força do respectivo contrato,
pode utilizar a unidade habitacional e os serviços comuns do Meio de
Hospedagem de Turismo, podem ser das seguintes modalidades: I- fixos ou
flutuantes; II- determinados em dias, semanas ou meses; III- específicos, ou não,
a determinado tipo e categoria de Meio de Hospedagem de Turismo e/ou unidade
habitacional (art. 8° da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de
12.08.1997).
Contratos de tempo compartilhado são instrumentos, públicos ou
privados, pelos quais o empreendedor, por si ou por meio do comercializador,
cede, por períodos, o direito de ocupação de unidades habitacionais equipadas e
mobiliadas em Meios de Hospedagem de Turismo de seu domínio ou posse,
permitindo o uso de seus espaços, bens e serviços comuns, e assumindo, por si
ou por terceiro, a sua operação (art. 9° da Deliberação Normativa/EMBRATUR
nº 378, de 12.08.1997).
5.7.2 Funcionamento do Sistema de Tempo Compartilhado
Os empreendedores, operadores, comercializadores e administradores
de intercâmbio de Sistemas de Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem
de Turismo só podem funcionar no Brasil após o devido cadastramento no
Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR, mediante comprovação de
capacidade jurídica, técnica e econômico-financeira compatível com suas
respectivas responsabilidades; na forma por ela estabelecida e verificada. Tal
cadastramento é' igualmente obrigatório para comercializadores de
empreendimentos localizados no exterior (caput e §1° do art. 10 da Deliberação
Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
O cadastramento de empreendedores está' sujeito, ainda, a comprovação
do seguinte: a) titularidade de domínio ou posse das unidades habitacionais
destinadas ao Sistema de Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem de
Turismo, por força de instrumento próprio, devidamente registrado, e, no caso do
Meio de Hospedagem de Turismo, ter ônus real, averbação da anuência do credor
à cessão do direito de ocupação das unidades habitacionais no Sistema de Tempo
Compartilhado em Meios de Hospedagem de Turismo; b) registro do sistema na
matricula do imóvel, com as características de funcionamento e o prazo para a
implantação e duração, durante o qual a alteração de destinação implicará
anuência de todos os cessionários de direito de ocupação (§2° do art. 10 da
Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
É importante acrescentar que o referido cadastro pode', a critério do
Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR, ser renovado, periodicamente,
mediante exigência das atualizações comprobatórias previstas (§3° do art. 10 da
Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
5.7.3 Contrato de Tempo Compartilhado
Os Contratos de Tempo Compartilhado devem conter, entre outras,
cláusulas referentes aos seguintes aspectos relativos aos bens e serviços: I-
descrição e identificação cadastral do Meio de Hospedagem de Turismo; II-
especificação dos bens e instalações previstos no projeto aprovado da obra; III-
indicação da proporção de unidades habitacionais destinadas aos Sistemas de
Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem de Turismo; IV- determinação
dos espaços, bens e serviços de ocupação e utilização privativa e comum; V-
numero máximo de pessoas que poderão ocupar as unidades habitacionais
durante cada período de utilização; VI- normas de utilização das unidades
habitacionais, bens, espaços e serviços de uso comum, e respectivas sanções pelo
seu não cumprimento; VII- procedimento para a implantação adicional de
unidade habitacional, espaços, coisas ou serviços de uso comum; VIII- regras
sobre casos de destruição parcial ou total dos imóveis e móveis relacionados; IX-
comprovação de seguro de cobertura contra risco de incêndio (art. 11 da
Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
Os Contratos de Tempo Compartilhado devem, também, regular, de
forma clara, os seguintes direitos dos cessionários de direito de ocupação: I-
continuidade do direito de ocupação no caso de transferencia do imóve1, a
qualquer titulo, ou de alteração total ou parcial de sua destinação; II- natureza e
espécie do direito cedido e correspondente prazo de duração; III- procedimento
para a transmissão dos direitos pelos cessionários de direito de ocupação; IV-
determinação, duração e categoria dos períodos de tempo cedidos e
procedimentos para sua modificação e solicitação de disponibilidade pelos
cessionários de direito de ocupação; V- regimes de deliberação e decisão sobre
as questões relativas à gestão e utilização dos bens e serviços contidos na cessão;
VI- hipóteses de rescisão do contrato, e seus efeitos para as partes (caput do art.
12 da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
“RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. RESCISÃO DE
CONTRATO COM DEVOLUÇÃO DE VALORES.
CONTRATO DE HOSPEDAGEM EM SISTEMA TIME
SHARING. LEGITIMIDADE PASSIVA DA RECORRIDA.
PRELIMINAR CONTRARRECURSAL DE INDEFERIMENTO
DA AJG REJEITADA. DESISTÊNCIA DO CONTRATO PELO
AUTOR. MULTA CONTRATUAL. REDUÇAO PELA
SENTENÇA PARA 10%. MANUTENÇÃO. DEVOLUÇÃO
DOS VALORES PAGOS QUE ULTRAPASSAM ESSA
QUANTIA. PROVA DOS PAGAMENTOS PELO
RECORRENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”.[584]
Os Contratos de Tempo Compartilhado devem prever, de forma
expressa, a possibilidade de os cessionários de direito de ocupação exercerem o
direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11.09.1990
(dispõe sobre a proteção do consumidor),[585] com devolução integral dos valores
pagos ou entregues (§1° do art. 12 da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº
378, de 12.08.1997).
Os Contratos de Tempo Compartilhado devem prever, também, de forma
expressa, a cláusula penal aplicável as suas rescisões imotivadas por qualquer
das partes, sem prejuízo da composição de perdas e danos (§2° do art. 12 da
Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
Outrossim, os Contratos de Tempo Compartilhado devem, ainda, regular
os seguintes aspectos relativos a operação de bens e serviços cuja ocupação e
utilização forem cedidas: I- forma de designação e alteração do operador, com
respectivos direitos e obrigações, inclusive remuneração; II- determinação dos
valores necessários para as despesas operacionais a serem pagos pelos
cessionários de direito de ocupação e forma de pagamento correspondente; III-
indicação de responsabilidade de pagamento das despesas operacionais no caso
de períodos de ocupação não cedidos; IV- previsão de fundo de reserva na taxa
de manutenção estabelecida no contrato, para manter o empreendimento no
padrão ajustado; V- indicação das hipóteses em que poderá ser instruída taxa de
manutenção extraordinária; VI- indicação do valor dos serviços não incluídos
no direito de ocupação e nas despesas operacionais ou fundo de reserva; VII-
procedimentos para aprovação de eventual alteração da taxa de manutenção;
VIII- normas relativas a encargos rnoratórios e penalidades; IX- cobertura
contra incêndio (caput do art. 13 da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº
378, de 12.08.1997).
Entretanto, são consideradas nulas, sujeitando seus responsáveis as
penalidades previstas em lei, as clausulas abusivas (art. 39 da Lei nº 8.078, de
11.09.1990),[586] as propagandas enganosas (art. 37 da Lei nº 8.078, de
11.09.1990),[587] a estratégia de venda que venha a iludir o consumidor (arts. 30
a 35 da Lei nº 8.078, de 11.09.1990)[588] e a cobrança de serviços cujas
condições não estejam conveniente e suficientemente explicitadas para os
consumidores e cessionários de direito de ocupação (parágrafo único do art. 13
da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
“APELAÇÃO. CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
CESSÃO DE DIREITOS EM UNIDADE OCUPACIONAL.
SISTEMA DE MULTIPROPRIEDADE (TIME-SHARE, OU
TIME-SHARING TURÍSTICO, OU TEMPO
COMPARTILHADO). AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL
CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E
INDENIZAÇÃO POR DANO E MORAL. PARCIAL
PROCEDÊNCIA PARA EXCLUIR O PEDIDO DE
INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL. DANO MORAL
TIPIFICADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$
12.000,00. RECURSO DOS AUTORES PROVIDO. O acervo
probatório coligido nos autos é suficiente em demonstrar a
aplicabilidade, na espécie, do CDC. Considera-se tipificado o
dano moral em seu aspecto pedagógico punitivo, na medida em
que tal espécie de prestação defeituosa dos serviços não deve ser
tolerada pelo consumidor, impondo às apeladas o aprimoramento
na prestação de seus serviços. Por isso, mantendo-se sempre os
critérios de razoabilidade e proporcionalidade que as
circunstâncias do processo apresentam, serve a verba indenizável
também de consolo ao sofrimento experimentado pelos
consumidores. Às causadoras do dano, tem a medida a finalidade
de evitar novas vítimas e ocorrências semelhantes. APELAÇÃO.
CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CESSÃO DE
DIREITOS EM UNIDADE OCUPACIONAL. SISTEMA DE
MULTIPROPRIEDADE (TIME-SHARE, OU TIME-SHARING
TURÍSTICO, OU TEMPO COMPARTILHADO). AÇÃO DE
RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM
RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANO
E MORAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
INOCORRÊNCIA. IMPOSIÇÃO DE REALIZAÇÃO DE
PROVA NEGATIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. INTELECÇÃO
DO ART. 333, II, DO CPC. MULTA PENAL
COMPENSATÓRIA. EXIGÍVEL. RECURSO DA RÉ
IMPROVIDO. As rés não se desincumbiram do ônus de
desconstituir as alegações dos autores, nos termos do art. 333, II,
do CPC. Indiscutível, de outro vértice, a hipossuficiência dos
acionantes, bem assim, a necessidade de cominação da multa
penal compensatória adrede pactuada. Correta a devolução dos
valores alusivos aos pontos não utilizados. PROCESSUAL
CIVIL. ALTERAÇÃO DA CONDENAÇÃO COM A
INCLUSÃO DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL.
REDISTRUIÇÃO DA VERBA SUCUMBENCIAL.
NECESSIDADE. RECURSO DOS AUTORES PROVIDO.
Tendo em vista a alteração da condenação para incluir a
reparação do dano moral, mostra-se imperiosa, por via de
consequência, a alteração do percentual dos honorários
advocatícios, que neste ato são fixados em 20% (vinte por cento)
sobre o montante da condenação, devendo ser suportados
solidariamente pelas rés”.[589]
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO
ESPECIFICADO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL
COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
SISTEMA DE TEMPO COMPARTILHADO - TIME SHARING.
HOSPEDAGEM INDISPONÍVEL NO MOMENTO EM QUE
SOLICITADO PELOS ADERENTES. AUSÊNCIA DE
INFORMAÇÕES CLARAS E PRECISAS A RESPEITO DA
PACTUAÇÃO. RESOLUÇÃO CONTRATUAL DEFERIDA.
DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. INEXECUÇÃO
CONTRATUAL RECONHECIDA. NEGARAM
[590]
PROVIMENTO. UNÂNIME”.
“AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C PEDIDO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AÇÃO JULGADA
PROCEDENTE. ALEGAÇÃO RECURSAL DE
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR DA CAUSA.
VALOR DA CAUSA QUE NÃO CORRESPONDE AO VALOR
DO CONTRATO, MAS SIM À PRETENSÃO ECONÔMICA
DO AUTOR, NO CASO VALOR DO SINAL E DANOS
MORAIS, OS QUAIS TOTALIZAM MENOS DE 40
SALÁRIOS MÍNIMOS. CONTRATO DE TIME SHARING.
SERVIÇOS DE HOTELARIA NO SISTEMA DE TEMPO
COMPARTILHADO. MARKETING AGRESSIVO.
AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES CLARAS E PRECISAS A
RESPEITO DA PACTUAÇÃO. NECESSIDADE DE
PAGAMENTO DE UMA TAXA, QUE NÃO FOI INFORMADA
NO MOMENTO DA CONTRATAÇÃO, PARA QUE O
CONSUMIDOR PUDESSE RESERVAR UM HOTEL.
INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE BOA-FÉ OBJETIVA.
RESOLUÇÃO CONTRATUAL DEFERIDA. DEVOLUÇÃO
DOS VALORES PAGOS DE FORMA SIMPLES.
CONDENAÇÃO EM DANO MORAL NO VALOR DE R$
4.000,00 PARA CADA AUTOR. VALOR PROPORCIONAL ÀS
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. 1. Nos termos do
enunciado 39 do FONAJE: ‘Em observância ao art. 2° da Lei
9.099/1995, o valor da causa corresponderá à pretensão
econômica objeto do pedido’. 2. O marketing utilizado no ?time
sharings? gera um desequilíbrio contratual, pois os funcionários
da empresa são treinados para exagerar nas vantagens do
negócio, deixando o consumidor cansado e confuso, o qual não
dispondo de condições e de tempo necessário para refletir sobre a
contratação. 3. Falta de dever de informação, pois quando da
contratação não houve a informação de que o consumidor haveria
de pagar uma taxa anual 4. Precedentes Judiciais: A)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO
ESPECIFICADO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL
COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
SISTEMA DE TEMPO COMPARTILHADO - TIME SHARING.
HOSPEDAGEM INDISPONÍVEL NO MOMENTO EM QUE
SOLICITADO PELOS ADERENTES. AUSÊNCIA DE
INFORMAÇÕES CLARAS E PRECISAS A RESPEITO DA
PACTUAÇÃO. RESOLUÇÃO CONTRATUAL DEFERIDA.
DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. INEXECUÇÃO
CONTRATUAL RECONHECIDA. NEGARAM
PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70062043757,
Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 16/04/2015). 2) PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS. CONTRATO DE PROMESSA DE CESSÃO
DE USO DE FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEL (TIME SHARING).
DECLARATÓRIA DE RESCISÃO DE Isso posto, voto pelo
CONHECIMENTO DO RECURSO, e em seu mérito pelo
DESPROVIMENTO”.[591]
A vedação de mudança da destinação prevista no instrumento registrado
que instituir os Sistemas de Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem de
Turismo não impede que o empreendedor comercialize, de outro modo, os
períodos de tempo que não forem cedidos sob o regime de tempo compartilhado.
A referida alteração do instrumento, observado o procedimento aplicável, deve'
ser igualmente registrado junto à matricula do imóvel (art. 14 da Deliberação
Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
Os Sistemas de Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem de
Turismo deve ser extinto, caso não seja implantado no prazo previsto no
respectivo instrumento registrado de instituição, cabendo, neste caso, a
restituição integral dos valores pagos pelos cessionários, até então constituídos,
com atualização e juros legais. A extinção também ocorre se rescindidos todos
os contratos ou por vencimento do prazo de duração previsto no instrumento
registrado da instituição (art. 15 da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378,
de 12.08.1997).
5.7.4 Direitos e Obrigações da Partes do Contrato de Tempo Compartilhado
Conforme previsto no art. 16 da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº
378, de 12.08.1997, são obrigações do empreendedor: I- manter os serviços e a
afiliação a administrador de intercâmbio previsto no instrumento registrado de
instituição; II- observar as características técnicas e os prazos contratuais, em
caso de Meios de Hospedagem de Turismo em construção, oferecendo garantia;
de sua implantação; III- defender os cessionários de direito de ocupação contra
eventuais esbulhos ou turbações de posse; IV- cumprir ou fazer cumprir as
obrigações impostas ao operador dos Sistemas de Tempo Compartilhado em
Meios de Hospedagem de Turismo; V- informar ao administrador do
intercâmbio as cessões havidas, até 30 (trinta) dias após sua formalização; VI -
colocar à disposição dos cessionários de direito de ocupação unidade
habitacional alternativa no empreendimento ou outro no mesmo destino, com
características e categoria semelhante caso a cedida não esteja disponível; VII -
exigir do comercializador o cadastramento, o treinamento de seu pessoal de
vendas bem corno a elaboração e cumprimento de um Manual Ético de Venda ao
Consumidor. Este pessoal de vendas é considerado, para todos os efeitos legais,
proposto do comercializador, respondendo este e, subsidiariamente, a empresa
responsável pela sua contratação, por todos os atos de oferta e comercialização
que praticarem em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor e com a
legislação de turismo em vigor; VIII - comunicar aos cessionários de direito de
ocupação s a constituição de ônus real ou a instituição de penhora sobre o
imóvel de situação do Meio de Hospedagem de Turismo ou sobre os direitos de
ocupação e utilização, e o ajuizamento de ações judiciais que possam, direta ou
indiretamente, afetar o instrumento registrado de instituição dos Sistemas de
Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem de Turismo ou os contratos de
cessão.
Os cessionários de direito de ocupação devem: I- declarar
expressamente o conhecimento e aceitação das condições da cessão; II- ocupar e
utilizar os bens e serviços conforme o seu destino; III- não exceder o número de
ocupantes previsto no contrato; IV- permitir o acesso do pessoal de limpeza,
manutenção e administração do Meio de Hospedagem de Turismo; V- comunicar
qualquer dano dos bens e por ele responder quando o causar por si, seus
acompanhantes ou pessoas que hajam autorizado; VI- desocupar na data e
horários previstos a unidade habitacional; VII- comunicar toda cessão temporal
ou definitiva de seus direitos, observando o procedimento contratual previsto;
VIII- pagar pontualmente a taxa de manutenção estabelecida no contrato, No
entanto, eventual falha no serviço não pode ser causa para o descumprimento
desta obrigação, o qual impede os cessionários de direito de ocupação de
exercerem o direito adquirido; IX- manter sua ficha cadastral atualizada (art. 17
da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378, de 12.08.1997).
5.7.5 Responsabilidades do Empreendedor e do Comercializador
O empreendedor e, subsidiariamente, o comercializador, são
responsáveis perante o cessionário de direito de ocupação pela legitimidade para
ceder os direitos previstos nos Sistemas de Tempo Compartilhado em Meios de
Hospedagem de Turismo, pela entrega dos bens e serviços contratados e pela
restituição de valores recebidos que devam ser devolvidos. Ademais, a referida
responsabilidade subsidiária ocorre ao tempo de celebração do Contrato de
Tempo Compartilhado (art. 18 da Deliberação Normativa/EMBRATUR nº 378,
de 12.08.1997).
“I- JUIZADOS ESPECIAIS. CONSUMIDOR E PROCESSUAL
CIVIL. SERVIÇO TURÍSTICO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS PELO SISTEMA DE TEMPO
COMPARTILHADO EM MEIOS DE HOSPEDAGEM DE
TURISMO. EMPRESAS ENVOLVIDAS EM ATIVIDADE
ECONÔMICA VOLTADA AO DESENVOLVIMENTO DO
TURISMO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS
PESSOAS JURÍDICAS PARCEIRAS - (A) EMPREENDEDOR,
(B) OPERADOR E (C) ADMINISTRADOR DE
INTERCÂMBIO - PELA ADEQUADA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO CONTRATADO PELO CONSUMIDOR (D).
PRESTAÇÃO DEFEITUOSA. RESPONSABILIDADE CIVIL
RECONHECIDA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO.
II- PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE PASSIVA E
CERCEAMENTO DE DEFESA. VÍCIOS NÃO
CONFIGURADOS. II.1 - Empresa prestadora de serviços de
intercâmbio. pessoa jurídica que integra sistema de tempo
compartilhado em meios de hospedagem. necessário
reconhecimento de que vigente regime de solidariedade entre
empresas parceiras que desempenham atividades no setor de
turismo. pessoas jurídicas ligadas por vínculos estabelecidos em
razão de conjunta participação na mencionada atividade
econômica, o que as faz integrar cadeia de responsabilidade pela
prestação de serviços turísticos. consumidor. adquirente de
serviços que se diz prejudicado. cumprimento afirmado
defeituoso de obrigações contratuais. ilícito contratual causador
de danos materiais. pertinência subjetiva da demanda
devidamente caracterizada. preliminar de ilegitimidade passiva
rejeitada. II.1.1 - OPERADOR (B). SOCIEDADE COMERCIAL
RESPONSÁVEL PELA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
AJUSTADA ENTRE O EMPREENDEDOR (A), TITULAR DE
DOMÍNIO E POSSE DO MEIO DE HOSPEDAGEM DE
TURISMO, E O CESSIONÁRIO (D), TITULAR DE DIREITO
DE USO E OCUPAÇÃO POR UM OU MAIS PERÍODOS,
SEGUNDO PRAZOS DETERMINADOS AO ANO, DE UMA
OU MAIS UNIDADES HABITACIONAIS HOTELEIRA.
ADMINISTRADOR DE INTERCÂMBIO (C). Sociedade
comercial responsável pela promoção e organização de permuta
de períodos de ocupação entre cessionários de unidades
habitacionais de distintos meios de hospedagem de turismo.
II.1.2 - Empreendedor, operador e administrador. Empresas
integrantes do sistema de tempo compartilhado e que atuam de
forma interdependente de modo a permitir o funcionamento do
sistema de tempo compartilhado. Negócio de necessária atuação
conjunta de diversos agentes intervenientes que se associam para
implementar e incrementar suas respectivas atividades
comerciais. Regime de solidariedade reconhecido entre as
pessoas jurídicas que integram a cadeia de responsabilidade pela
prestação de serviços de turismo. Responsabilidade objetiva.
teoria do risco da atividade. Inteligência dos artigos 7°, parágrafo
único, e 14, ambos do Código de Defesa do Consumidor, e dos
artigos 2º e 10º da Deliberação Normativa 378, de 12/08/1997 da
EMBRATUR. Direito certificado ao consumidor de exercer
opção de demandar em juízo em desfavor de um, alguns ou todos
os responsáveis pela prestação de serviço de turismo
defeituosamente ofertada. II.2 - CERCEAMENTO DE DEFESA.
RECURSO INOMINADO. INSURGÊNCIA EM QUE
ADUZIDA, EM PRELIMINAR, VIOLAÇÃO A DIREITO DE
DEFESA EM FACE DO ANTECIPADO JULGAMENTO DA
LIDE. CHAMAMENTO REGULAR DA EMPRESA
ADMINISTRADORA DE INTERCÂMBIO QUE SE FEZ
REVEL. VÍCIO INEXISTENTE. Inadmissibilidade de alteração
da marcha processual para fazer a demanda retornar à fase de
realização de atos próprios à fase postulatória do processo de
conhecimento. Impossibilidade de consideração pela corte
revisora, sob pena de supressão de instância, de matéria de defesa
não apresentada a exame do poder judiciário em tempo oportuno.
Questão preclusa. Procedimento hígido. II.2.1 - PRELIMINAR
DE CERCEAMENTO DO DEFESA REJEITADA. III -
MÉRITO. III.1 - MERCADO IMOBILIÁRIO. EMPRESAS
QUE ATUAM EM SISTEMA TIME SHARING. CONTRATO
DE CESSÃO DE DIREITOS DE HOSPEDAGEM EM
UNIDADE HABITACIONAL DE HOTELARIA EM TEMPO
COMPARTILHADO VINCULADO A CONTRATO DE
INTERCÂMBIO COM OUTRAS UNIDADES
HABITACIONAIS DISPONIBILIZADAS POR HOTÉIS
CREDENCIADOS. ASSOCIAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS
QUE ATUAM NO RAMO DE TURISMO PARA DIMINUIÇÃO
DE CUSTOS DE SERVIÇOS E AUMENTO DA
COMPETITIVIDADE. PROVEITO ECONÔMICO DE QUE
TOMAM PARTE TODOS OS AGENTES INTERVENIENTES.
III.1.1 - INÁBIL A DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DE
CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE (ART. 14,
§3°, II, CDC) MERA ALEGAÇÃO ADUZIDA PELA
EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE
INTERCÂMBIO DE QUE NÃO AUFERIU PROVEITO
ECONÔMICO COM OS PAGAMENTOS EFETUADOS
PELOS AUTORES/RECORRIDOS À SOCIEDADE
COMERCIAL RESPONSÁVEL PELA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DE HOSPEDAGEM. EXTENSÃO DE
BENEFÍCIOS PRESUMIDA PELA PRÓPRIA NATUREZA
DAS OPERAÇÕES COMERCIAIS ENVOLVIDAS EM
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE TEMPO
COMPARTILHADO DE IMÓVEL. III.1.2 - CONSUMIDOR
TITULAR DE DIREITOS DE MULTIPROPRIEDADE OU
PROPRIEDADE COMPARTILHADA QUE SE VÊ IMPEDIDO
DE USAR A UNIDADE HABITACIONAL QUE ADQUIRIU
EM SISTEMA TIME SHARING. OBSTÁCULO OPOSTO POR
CONTA DE EXIGÊNCIAS INDEVIDAS DE PAGAMENTOS
NÃO AJUSTADOS. EMBARAÇO IMOTIVADO QUE TORNA
LEGÍTIMO O INTERESSE DEDUZIDO EM JUÍZO DE
DESFAZER O NEGÓCIO JURÍDICO. Responsabilidade pelo
rompimento do contrato que é de ser atribuida às empresas
parceiras que insuficientemente explicitam no ajuste escrito
firmado as condições de pagamento de taxa de manutenção.
Disposições contratuais estabelecidas de modo contraditório.
III.1.3 - Induz a erro o instrumento de contrato em que a forma
de pagamento trienal fixada para a taxa de manutenção se revela,
quando da execução do ajuste, mero chamariz. Vantagem
propagada do negócio que se opõe a disposição outra constante
do acordo de vontades, a qual torna exigível a mencionada taxa
antes da disponibilizaçao da unidade pela empresa de
intercâmbio, ficando assim afastado o triênio. Antinomia
utilizada pelos réus/recorrentes para atenuar sua responsabilidade
perante os autores/compradores. Cláusulas contratuais
incoerentes e, portanto, nulas. Abusividade configurada
conforme comandos NORMATIVOS POSTOS NOS INCISOS I
E IV DO ARTIGO 51 DO Código de Defesa do consumidor e no
parágrafo único do artigo 13 da Deliberação Normativa 378/97 -
EMBRATUR. III.2 - Razões recursais aduzidas em desfavor de
condenação dita imposta por violação a direito da personalidade.
Insurgência inapta a atacar os fundamentos da sentença porque
não condizente com a pretensão deduzida na peça vestibular e
reconhecida legítima pelo magistrado de primeira instância.
Irresignação de conhecimento inviável, conforme orientação
sumulada pelo superior tribunal de justiça em Enunciado 182. IV
- RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO DA EMPRESA
RCI BRASIL. PRELIMINARES REJEITADAS. NO MÉRITO,
NA PARTE EM QUE CONHECIDO, IMPROVIDO.
CONHECIDO O RECURSO DA EMPRESA BRASIL USA. NO
MÉRITO, IMPROVIDO. 1.SENTENÇA MANTIDA POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 2.EM FACE DA
SUCUMBÊNCIA, FIXO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM
20% (VINTE POR CENTO) SOBRE O VALOR DA CAUSA,
DEVENDO TAMBÉM AS RECORRENTES SUPORTAR O
PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS, CONFORME
DISPOSIÇÃO EXPRESSA NO CAPUT DO ART. 55 DA LEI
9.099/95. 3.ACÓRDÃO LAVRADO POR SÚMULA DE
JULGAMENTO, CONFORME PERMISSÃO POSTA NO ART.
46 DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS”.[592]
CAPÍTULO VI – CONDOMÍNIO
EM SHOPPING CENTER
6.1 INTRODUÇÃO
A questão mais polêmica no âmbito do mercado de shopping centers,
certamente é a da figura do condomínio em shopping center.
Segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers – ABRASCE,
entidade representativa da maioria dos empreendedores de shopping centers no
Brasil, shopping center é “um centro comercial planejado sob uma
administração única, composto de lojas destinadas exploração comercial e à
prestação de serviços, sujeitas a normas contratuais padronizadas, para manter o
equilíbrio da oferta e da funcionalidade, assegurando a convivência integrada e
pagando um valor de conformidade com o faturamento”.[593]
Mas, para compreendermos o condomínio em shopping center, merece
o esforço no sentido de definir, inicialmente, condomínio de uma forma
genérica, apenas para delimitar um entendimento, assim, condomínio é a
propriedade de um imóvel, bem ou coisa exercida em conjunto por 2 (duas) ou
mais pessoas.
Entretanto, o instituto condomínio, quando aplicado nos negócios de
shopping center, ganha aspectos peculiares e bastante complexos.
Com efeito, o condomínio não é a propriedade ou imóvel ou o bem, o
condomínio é o vínculo entre seus diversos proprietários que têm obrigações e
direitos que recaem sobre a propriedade em comum. Como pressuposto
fundamental de determinado shopping center, o condomínio parece ser, em
última análise, forma coerente, adequada e sistemática para permitir que o
empreendimento seja gerido com uniformidade, indivisibilidade e coesão. E isso
não poderia ser visto de outra maneira, afinal de contas, se cada parte do
shopping center fosse administrada por um proprietário ou um locatário, não
seria possível coordenar todos os esforços, ações e medidas necessárias para
preservar a estratégia na consecução de objetivos claros e bem definidos. Cada
um dos proprietários ou cada um dos locatários faria o que achasse melhor ou
que estivesse dentro do seu exclusivo interesse, e isso não daria certo numa
organização padrão de shopping center.
Inclusive, de acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers
– ABRASCE, os empreendimentos desse tipo tem que satisfazer os seguintes
requisitos básicos: 1) sejam construídos como um conjunto planejado de lojas,
operando de forma integrada, sob administração única e centralizada; 2) sejam
compostos de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados ou
especializados de comércio e prestação de serviços (tenant mix);[594] 3) estejam
os locatários sujeitos a normas contratuais padronizadas, permanecendo a
maioria das lojas sujeitas à locação cujo preço, varie, ao menos em parte, de
acordo com o faturamento dos lojistas; 4) possuam lojas âncoras [595] ou
características estruturais e mercadológicas especiais, que funcionem como força
de atração e assegurem ao shopping center o tráfego de consumidores essencial
ao bom desempenho do empreendimento; 5) ofereçam estacionamento
compatível com a área de lojas e correspondente afluência de veículos ao
shopping center; 6) estejam sobre controle acionário e administrativo de pessoas
ou grupos de comprovada idoneidade e reconhecida capacidade empresarial.[596]
Assim, a Associação Brasileira de Shopping Centers – ABRASCE
considera shopping center somente os empreendimentos com Área Bruta
Locável – ABL,[597] normalmente, superior a 5.000 (cinco mil) m², formados por
diversas unidades comerciais, com administração única e centralizada, que
pratica aluguel fixo e percentual. Na maioria das vezes, dispõe de lojas âncoras e
vagas de estacionamento compatível com a legislação da região onde está
instalado.[598]
CLASSIFICAÇÃO DE SHOPPING CENTERS POR TIPO DE
EMPREENDIMENTO
Tipo Porte Área Bruta Locável –
ABL
Tradicional Mega Acima de 60.000 m²
Tradicional Regional De 30.000 a 59.999 m²
Tradicional Médios De 20.000 a 29.999 m²
Tradicional Pequenos Até 19.999 m²
Especializado (podem ser Grandes Acima de 20.000 m²
[599]
do tipo outlet, life stile
[600]
ou temáticos)[601]
Especializado (podem ser Médios De 10.000 a 19.999 m²
do tipo outlet, life stile ou
temáticos)
Especializado (podem ser Pequenos Até 9.999 m²
do tipo outlet, life stile ou
temáticos)
Fonte: Associação Brasileira de Shopping Centers – ABRASCE
De maneira que o shopping center não se assemelha a um centro
comercial, exatamente em razão do planejamento total do empreendimento, o
qual traz consigo uma série de novidades no cenário empresarial. Uma das
grandes inovações trazidas pelos shoppings centers foi a relação contratual, até
então desconhecida em nosso ordenamento, onde é assegurado ao empreendedor
a participação no faturamento das atividades desenvolvidas no empreendimento,
tornando-se, assim, possível constante integração entre os empreendedores e
lojistas, dando embasamento à realização posterior de ganhos de produtividade.
O controle exercido pelos empreendedores em relação ao faturamento de seus
lojistas, com vistas à remuneração a eles devida, os coloca em posição jurídica
de empresários e não como meros investidores imobiliários, circunstância que
traz desdobramentos importantes na esfera jurídico-fiscal.
Dados do Setor de Shopping Center em Janeiro de 2017
Número Total de Shoppings 558
Área Bruta Locável (Em milhões de m²) 15,237
Área Construída (Em milhões de m²) 35,98
Vagas para Carros 851.162
Total de Lojas 99.990
Lojas Âncora 3.403
Megalojas 2.381
Lojas Satélites 70.738
Lazer 1.235
Alimentação 14.408
Lojas de Serviços 7.825
Salas de Cinema 2.707
Empregos Gerados 1.016.428
Fonte: Associação Brasileira de Shopping Centers – ABRASCE
É verdade que há shopping centers em que cada lojista é o próprio
proprietário do seu espaço comercial e/ou loja, mas mesmo nesses
empreendimentos, que são minoria no universo dos shoppings centers, a
administração é feita por uma única pessoa, empresa, síndico ou entidade
representante de todos os proprietários. Portanto a figura do administrador
(como elo entre empreendedores e lojistas) tem singular importância, na medida
em que a ele cabe, com sua criatividade, organização e liderança, concretizar o
empreendimento tal como planejado pelos investidores, assegurando, outrossim,
a regularidade das transações empresariais.
Acontece, porém, que o instituto do condomínio não foi criado para
servir ao modelo de negócio de shopping center, então, sua aplicação e
compreensão precisa passar por diversas adaptações, para que seja uma forma
útil e correta de administrar um tipo de empreendimento tão complexo e
dinâmico.
Essencialmente, os condomínios de shopping center são constituídos
exclusivamente para permitir o rateio das despesas do empreendimento, criando,
assim, uma proporção justa da participação de cada um dos locatários ou
proprietários sobre o custeio das despesas denominadas “comuns”, sendo que as
despesas denominadas “privativas” e/ou “específicas” são assumidas
individualmente por quem se beneficiou delas.
Como vimos, no Brasil, existem 2 (duas) modalidades básicas de
condomínio: a) condomínio voluntário (condomínio ordinário ou pro indiviso); e
b) condomínio especial ou edilício. O condomínio voluntário é aquele
condomínio genérico, que surge da simples copropriedade, por 2 (duas) ou mais
pessoas, sobre determinado imóvel, bem ou coisa. Já condomínio edilício se
mostra diferente do condomínio genérico, em vista de pressupor que a
propriedade pode ser dividida em partes ideais (frações ideais), uma parte
comum a todos os coproprietários (áreas comuns ou coletivas) e outra parte
individualizada para cada um dos condôminos (unidade autônoma).
No modelo de negócio amplamente praticado pelo mercado de
shopping centers, o empreendimento evolui no interior de imóvel indivisível, ou
seja, que mantém estrutura física que não pode ser totalmente dividida em partes
individualizadas, ainda que os espaços comerciais e/ou lojas possam ser
divididas e identificadas uma a uma, outras áreas como o mall,[602] as docas
[local na área de logística (geralmente expedição), destinado ao embarque e
desembarque de produtos em vários modais (carretas, vans, etc.)], o
estacionamento (área dos shopping centers, onde os motoristas podem estacionar
seu carro em área demarcada), etc., são partes comuns do empreendimento,
razão pela qual o shopping center se assemelha bastante com a figura do
condomínio edilício, e assim tem sido tratado por todos, e também pela
legislação em vigor.
No entanto, não se pode perder de vista que, bem diferente do que
ocorre num prédio de unidades autônomas residenciais, as partes que podem ser
individualizadas (áreas privadas), tais como espaços comerciais e/ou as lojas
também são propriedade dos proprietários do shopping center, sendo que, estes,
cedem a unidade privada em locação para os locatários e/ou lojistas para que
eles possam exercer seus negócios, empresas e operações comerciais. É
justamente por essa razão particular que os locatários e/ou lojistas acabam
assumindo os deveres, as obrigações e as responsabilidades como se fossem
verdadeiros condôminos, mas, na verdade, eles não são condôminos, porque só
são condôminos os proprietários que mantêm a propriedade em comum do
imóvel, bem ou coisa.
Daí emerge a questão no sentido de se saber exatamente qual a regra
que se aplica nos condomínios de shopping centers. O locatário e/ou lojista está
subordinado também à convenção do condomínio de shopping centers ou
somente ao contrato de locação que foi firmado com o proprietário (condômino).
A esse respeito, lembramos que o condomínio edilício é constituído através da
convenção do condomínio, que é, na sua essencial, o conjunto de regras que vão
disciplinar todas as relações entre os condôminos, determinando quais são os
direitos e deveres que cada um deles deve exercer na propriedade em comum.
De maneira que, como em geral o locatário e/ou lojista não é o condômino,
porque não é coproprietário do shopping center, as regras da convenção do
condomínio não se aplicam diretamente a eles, mas tão somente aos proprietários
do shopping center, que, em verdade são os condôminos. Aos locatários e/ou
lojistas o que se aplica são as cláusulas do contrato de locação firmado com o
proprietário ou condômino, bem como as normas gerais de locação. Portanto, é
justamente o contrato de locação, conjunto de normas gerais que disciplinam,
determinam e estabelecem as regras, direitos e deveres que todos os locatários
e/ou lojistas, que regulamenta tais pessoas no âmbito do shopping center.
É importante destar ainda que os direitos e deveres dos locatários e/ou
lojistas do shopping center são diferentes dos locatários de prédio de unidades
autônomas residenciais. Com efeito, no caso das relações entre locatários e/ou
lojistas de shopping centers, o limite de tais direitos e deveres é mitigado, é
reduzido para determinadas espécies de despesas, denominadas “despesas
extraordinárias”. Assim, no condomínio de shopping center, o locador ou
proprietário precisa assumir algumas das despesas extraordinárias definidas na
lei, que são as despesas com obras de reformas ou acréscimos que interessem à
estrutura integral do imóvel; com pintura das fachadas, empenas, poços de
aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas; e indenizações
trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data
anterior ao início da locação, bem como as despesas com obras ou substituições
de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo
da data do habite-se [603] e obras de paisagismo nas partes de uso comum. No
entanto, não são todas as despesas extraordinárias que os proprietários do
shopping center precisam arcar, apenas as acima mencionadas, porque no
restante das possíveis e eventuais despesas do shopping center, a própria lei
assegura que as regras ficam a cargo do contrato de locação, ou seja, prevalece
aquilo que o locador e o locatário e/ou lojista estabelecerem em contrato de
locação.
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL.
LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER.
CLÁUSULA CONTRATUAL LIMITADORA DO VALOR DA
REVISÃO JUDICIAL DO ALUGUEL MENSAL MÍNIMO.
RENÚNCIA PARCIAL. VALIDADE. PRESERVAÇÃO DO
PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. 1. Ação declaratória
de nulidade de cláusula contratual cumulada com pedido
revisional do valor do aluguel mensal mínimo. 2. Recurso
especial que veicula a pretensão de que seja reconhecida a
validade de cláusula de contrato de locação de imóvel situado em
shopping center que estabelece critérios para a revisão judicial do
aluguel mensal mínimo. 3. O princípio do pacta sunt servanda,
embora temperado pela necessidade de observância da função
social do contrato, da probidade e da boa-fé, especialmente no
âmbito das relações empresariais, deve prevalecer. 4. A cláusula
que institui parâmetros para a revisão judicial do aluguel mínimo
visa a estabelecer o equilíbrio econômico do contrato e viabilizar
a continuidade da relação negocial firmada, além de derivar da
forma organizacional dos shoppings centers, que têm como uma
de suas características a intensa cooperação entre os
empreendedores e os lojistas. 5. A renúncia parcial ao direito de
revisão é compatível com a legislação pertinente, os princípios e
as particularidades aplicáveis à complexa modalidade de locação
de espaço em shopping center. 6. Recurso especial provido”.[604]
Exatamente em vista dessa razão é que existe o condomínio dos
shoppings center, para que seja possível administrar as partes comuns e as partes
privativas e/ou específicas do empreendimento, mitigando, dividindo e
repartindo o custo das despesas entre os locatários e/ou lojistas, na forma de
despesas comuns e despesas privativas e/ou específicas. De maneira que o
condomínio dos shoppings center é constituído entre os coproprietários do
imóvel, bem ou coisa, transferindo para cada um dos locatários e/ou lojistas os
custos decorrentes das despesas comuns (proporcionais) e privativas e/ou
específicas inerentes aos espaços comerciais e/ou lojas que cada um deles
recebeu em locação.
Outra questão importante reside na maneira como deve ser formada e
dividida a proporção das despesas comuns, normalmente estabelecida através de
Coeficiente de Rateio de Despesas – CRD e não proporcional às frações ideias.
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE
COBRANÇA DE TAXA DECONDOMÍNIO DE SHOPPING
CENTER. MATÉRIA RELATIVA À FORMA DE
CÁLCULODA TAXA DEFINIDA EM DEMANDA ANTERIOR
ENTRE AS MESMAS PARTES.EFICÁCIA PRECLUSIVA DA
COISA JULGADA. 1. Pretensão de condomínio de shopping
center de cobrar diferenças de taxas condominiais, em face de
modificação operada na respectiva convenção. 2. Critério de
cálculo da taxa condominial, considerando a fração ideal do
imóvel, definido em ação declaratória cumulada com
consignatória movida pela condômina. 3. Alteração na forma de
cálculo da taxa condominial operada no curso da demanda
anterior, para o coeficiente de rateio das despesas (CRD), que não
foi comunicada ao juízo. 4. Inaplicabilidade da regra contida no
artigo 471, I, do Código de Processo Civil, referente às relações
jurídicas continuativas, que somente tem incidência nas
alterações posteriores ao trânsito em julgado da ação anterior, em
face do disposto no artigo 474 do mesmo diploma legal. 5.
Interpretação sistemática e teleológica da legislação processual.
6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO”.[605]
Como dito, a administração do shopping center depende da coerência,
coesão e harmonia na convivência de todos os locatários e/ou lojistas, assim
considerados entre eles, e também considerados em relação aos proprietários
e/ou locadores do empreendimento. Justamente por está razão em particular que
a Lei de Locação desloca a maior parte das regras de locação em shopping
center para serem tratadas por meio do contrato de locação. Somente o ajuste
personalizado pode criar regras concebidas, organizadas e sistematizadas de
maneira adequada, especialmente para garantir que a existência e a manutenção
do shopping center seja preservada quanto à sua indivisibilidade, organização e
finalidade.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISIONAL DE
CONTRATO DE LOCAÇÃO. SHOPPING CENTER. Impõe-se
a manutenção da decisão agravada que indeferiu o pedido de
antecipação de tutela, em que pretende a autora seja autorizada a
readequação do valor do aluguel, com fixação em percentual
sobre o faturamento. Locação em Shopping Center, avença
atípica, prevalecendo as condições do contrato. Recurso a que se
nega seguimento”.[606]
“LOCAÇÃO. REVISIONAL. SHOPPING CENTER. Preliminar
rejeitada. Previsão contratual de décimo terceiro aluguel no mês
de dezembro. Abusividade não vislumbrada. Inteligência do art.
54 da Lei de Locações. Precedentes da jurisprudência. Recurso
desprovido”.[607]
Por outro lado, vale chamar a atenção para o fato de que os shoppings
centers diferem bastante das lojas comerciais situadas em ruas, na medida em
que possuem uma administração centralizada, em que os interesses coletivos
prevalecem em relação a aqueles interesses individuais, já que se trata de
empreendimento que consiste numa organização comercial complexa.
Justamente como consequência dessa complexidade comercial, o mix
(distribuição das diversas atividades e respectiva localização) nos shopping
centers é objeto de constante preocupação por parte de seus administradores, que
mantêm serviço especializado de assessoria comercial, com o fito de substituir
os lojistas que não estejam atingindo resultados esperados e de sempre trazer
novos lojistas e/ou novas atividades que sejam do anseio dos respectivos
consumidores. De maneira que o shopping center, em virtude de uma gama de
peculiaridades, possui regras específicas, que naturalmente fogem à realidade de
outros empreendimentos imobiliários. Por exemplo, a parcela de contribuição de
cada lojista para as despesas comuns do shopping center é calculada partindo de
algumas premissas, entre as quais, de que, quanto maior for a área por ele
ocupada (loja âncora), menor será a sua contribuição por metro quadrado. A
contrario sensu, quanto menor for sua área locada (loja satélite),[608] maior será
essa contribuição. Tal prática decorre do fato de que cada shopping center
funciona como um todo, possuindo uma estrutura de apoio, que será mais ou
menos necessária, dependendo de cada atividade desenvolvida nos seus espaços.
Por sinal, DARCY BESSONE equipara a atividade desenvolvida no
interior de um shopping center a um resort e a um navio. De fato, quem se
hospeda num resort ou viaja em navio não tem como objetivo principal ocupar
um quarto, mas se servir de toda a estrutura organizacional que, em ambos os
exemplos, é colocada à disposição do seu hóspede, ou viajante. Da mesma
forma, no shopping center, o lojista não conta, tão simplesmente, com o espaço
comercial onde desenvolve sua atividade empresarial, mas com toda a
infraestrutura mantida pelo shopping center e que se constitui em atrativo
essencial ao consumidor.[609]
Como consequência, os encargos condominiais cobrados pelo
shopping center a seus lojistas possui características acentuadamente diversas
daqueles exigidos em prédios convencionais, sejam residenciais, sejam
comerciais. Ocorre que inúmeros shoppings centers se encontram localizados em
prédios regidos por condomínios especiais. Atualmente, a cobrança dos encargos
condominiais é regulada pelo Código Civil de 2002, em cujo inciso I do art.
1.336 está precrito que “são deveres do condômino (...) contribuir para as
despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais”. No entanto,
anteriormente, a Lei n° 4.591, de 16.12.1964, que dispunha sobre a cobrança de
encargos condominiais, previa a possibilidade de estes serem fixados com base
em outro critério, desde que previsto na convenção condominial. Então, para os
condomínios existentes anteriormente à vigência do Código Civil de 2002, não
existe problema na fixação do rateio desses encargos, observando-se os
princípios que norteiam as atividades em shopping centers, já que o Código
Civil de 2002 não pode alcançar os atos jurídicos praticados antes de
11.01.2.003, nos estritos termos do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição
Federal, respaldado por mansa e pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal – STF e até do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Mas, os condomínios
constituídos a partir de 11.01.2.003 estão sempre sujeitos às regras do Código
Civil de 2002 e, no caso dos shoppings centers, a adoção da regra do
mencionado art. 1336 configuraria a impossibilidade fática da realização desse
tipo de empreendimento.
As alternativas para solucionar este problema são as seguintes: a)
adotar a forma de condomínio civil (mais adequada a esta modalidade de
empreendimento); ou b) utilizar construção interpretativa do Código Civil de
2002 como saída, na hipótese de se adotar o condomínio especial no prédio em
que o shopping center será desenvolvido. Na hipótese da alínea b acima, é
importante ter em mente que o Código Civil de 2002 se refere à fração ideal no
condomínio edilício: a) no seu art. 1.332, que impõe, na convenção de
condomínio, entre outras, a obrigação da “determinação da fração ideal atribuída
a cada unidade, relativamente ao terreno e às partes comuns”; e b) no art. 1.334,
que dispõe que, “além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os
interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará: I- a quota
proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para
atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio; (...)”.
No entanto, se o art. 1.332 do Código Civil de 2002 já prevê a
determinação da fração ideal de cada unidade autônoma e o seu art. 1.336
estipula a cobrança dos encargos condominiais com base na fração ideal, por que
haveria o art. 1.334 de prescrever “além das cláusulas referidas no art. 1.332”,
referindo-se, no seu §1°, à “quota proporcional”? Certamente, o princípio de
hermenêutica menciona que não existem expressões inúteis na lei. De maneira
que o mencionado §1° do art. 1.334 do Código Civil de 2002 poderia
simplesmente aludir ao “modo de pagamento das contribuições dos
condôminos”, porém não o fêz, preferindo o legislador se referir expressamente
à “quota proporcional”, ao invés de fração ideal. Assim, se quota “proporcional”
fosse sinônimo de fração ideal, haveria total contradição com o caput do referido
art. 1.334 do Código Civil de 2002, que menciona: “Além das cláusulas referidas
no art. 1.332”.
A interpretação que, de forma sistemática, se coadunaria com a
cobrança de encargos, em condomínio edilício, que não seja com base na fração
ideal seria a de que: a regra geral (cobrança de encargos condominiais com base
na fração ideal) é a prevista no art. 1.336 do Código Civil de 2002; a exceção,
prevista no inciso I do art. 1.334 do Código Civil de 2002, que estipula a “quota
proporcional”, nos casos em que a atividade a ser exercida no condomínio
edilício não fosse compatível com a escolha da fração ideal como forma de
cobrança desses encargos condominiais. O fato concreto consiste em que não é
possível conceber que o Código Civil de 2002 tenha tornado inviável o
desenvolvimento de novos shoppings centers no País a partir de 11.01.2.003, sob
a forma de condomínio edilício, em função da obrigatoriedade de estipulação da
fração ideal do terreno como critério de cobrança dos encargos condominiais.
Por outro lado, o inciso I do art. 1.334 do Código Civil de 2002 prescreve
alternativa à regra geral, mencionada no inciso I do art. 1.336 do Código Civil de
2002, para casos restritos.
Considerar esta alternativa é algo que o bom senso recomenda, pois é
inquestionável a relevância conquistada pelos shoppings centers no âmbito das
sociedades civilizadas. Mas, diante de sua complexa estrutura e das implicações
jurídicas inerentes à atividade, abordam-se os diversos aspectos que envolvem a
constituição do empreendimento e a celebração dos múltiplos contratos nele
envolvidos. Certamente a figura do shopping center é uma criação exclusiva do
mundo empresarial. No Direito não havia, há pouco tempo atrás, figura
correspondente ao shopping center. de uma série de contratos coligados que, em
sua unidade, exprimiam o shopping center.
6.2 NATUREZA JURÍDICA
Para IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, os shoppings centers são a
natural consequência do crescimento das cidades e da também crescente
necessidade de o comércio, em economia de mercado e competitividade, unir-se
ao lazer. Realidade pertinente à mercancia moderna, objetiva ofertar ao usuário
horas de satisfação, assim como de compras, em que as alternativas que lhe são
apresentadas, terminam por lhe propiciar o usufruto de umas, de outras, ou de
ambas.[610]
Já FÁBIO ULHOA COELHO escreve que, de fato, o empreendimento
denominado shopping center é mais complexo. Além da construção do prédio,
propriamente dita, o empresário deve organizar os gêneros de atividade
econômica que nele se instalarão. A idéia básica do negócio é por à disposição
dos consumidores, em um local único, de cômodo acesso e seguro, a mais
variada sorte de produtos e serviços. Assim, as locações devem ser planejadas,
atendendo às múltiplas necessidades do consumidor. Geralmente, não podem
faltar em um shopping center certos tipos de serviços (correios, bancos, cinemas,
lazer, etc.) ou comércios (restaurantes, lanchonetes, papelarias, etc.), mesmo que
a principal atividade comercial seja estritamente definida (utilidades domésticas,
moda, material de construção, etc.), pois o objetivo do empreendimento volta-se
a atender muitas das necessidades do consumidor. É esta concentração variada
de fornecedores que acaba por atrair maiores contingentes de consumidores,
redundando em benefício para todos os negociantes.[611]
No entanto, há que se alertar para o fato de que a natureza jurídica de
shopping center não ser exclusivamente de condomínio. Embora os lojistas,
antes mesmo do prédio estar construído, já comecem a contribuir com certa
quantia para ultimação do empreendimento, pagam uma res sperata, que é o
sobrefundo de comércio do shopping center, ou seja, pagam para ter um lugar no
centro comercial, não para adquirirem a propriedade do imóvel (fala-se a
respeito em ágio). E sem domínio, não pode haver condomínio.
Por outro lado, uma vez edificada a obra, os lojistas continuam
despendendo um quantum mensal em favor do proprietário do imóvel,
denominado “empreendedor”, que parece ser o título de locação (art. 54 da Lei n
° 8.245, de 18.10.1991).[612] Mas é mera aparência, pois só haveria locação se o
preço pago decorresse unicamente do uso e gozo da coisa, ou melhor se a causa
do contrato fosse a posse do imóvel; o que não é o caso, já que essa quantia é
variável segundo o lucro do lojista que também pode ser o valor devido,
dependendo de qual é o maior. Se a porcentagem sobre o lucro bruto superar a
quantia mínima (fixa), aquele será o valor devido; se não houver a superação, a
quantia impõe-se. Ademais, em dezembro a quantia mínima é sempre cobrada
em dobro, o que mostra que efetivamente se tem em mira, nesse contrato, o lucro
obtido pelo lojista, já que é de supor-se que esse mês é o de maior incremento de
vendas. De outra parte, o comerciante instalado em shopping center sofre sérias
restrições no uso do imóvel uma vez que qualquer alteração a que ele vise
realizar tem de seguir os rígidos padrões do tenant mix (planta do centro
comercial); sem olvidar o fato de que o empreendedor (proprietário do imóvel)
pode exercer severa fiscalização sobre os ganhos brutos dos lojistas, o que
definitivamente descaracteriza esse contrato como sendo de locação.
Em vista disso, chegou-se até mesmo a levantar a hipótese de que o
shopping center seria uma sociedade em cota de participação, pela comunhão de
interesse que há entre os lojistas e o empreendedor pois ambos almejam o lucro.
Todavia, um único argumento pode profligar essa tese: falta a affectio societatis
no contrato de shopping center. E isso tanto é verdade que, se imaginássemos os
lojistas como sócios do empreendedor só pelo fato de buscarem o lucro,
estaríamos admitindo que um empregado que aufere percentagens sobre vendas
seria igualmente sócio de seu empregador, já que ambos buscam o máximo de
vendas possível.
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO DE
ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. ALUGUEL COM BASE
EM PERCENTUAL DE RENDA BRUTA. MANUTENÇÃO DE
PONTO DE VENDAS PELA INTERNET NO INTERIOR DA
LOJA. PRODUTOS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO
FATURADOS EM NOME DE EMPRESA DIVERSA.
DISSIMULAÇÃO DO FATURAMENTO DA LOCATÁRIA.
VALOR DO ALUGUEL PAGO A MENOR.
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DESPEJO.
CABIMENTO. 1. O lojista que se estabelece em um shopping
center integra a sua empresa com o empreendimento para
usufruir do planejamento, organização e clientela que o
frequenta. Portanto, mais que um simples contrato de locação, há
uma relação associativa na qual a colaboração entre os lojistas e
o empreendimento é necessária para concretizar-se esse modelo
de exploração comercial. 2. Nos contratos de locação de loja em
shopping center, é fixada a cobrança de aluguel percentual,
proporcional ao faturamento bruto mensal da atividade
comercial, e que se justifica devido à infraestrutura do
empreendimento, que colabora para o sucesso do lojista locatário.
O aluguel percentual representa um rateio do sucesso, que em
parte é possibilitado pela estrutura e planejamento oferecidos
pelo shopping center. 3. Representa violação contratual a conduta
do locatário que, a despeito de ter assumido a obrigação de
efetuar o pagamento do aluguel com base no faturamento, instala
ponto de vendas de produtos pela internet, que são faturados em
nome de empresa diversa. Os ganhos com o comércio eletrônico
não ingressam no faturamento da loja situada no shopping center
locador e, por isso, não integram a base para o cálculo do
aluguel. 4. A violação contratual acerca da contraprestação
devida pelo uso do espaço locado autoriza o desfazimento da
locação, nos termos do art. 9°, II, da Lei 8.245/1991. 5. Não se
pode presumir a aquiescência do locador apenas em razão das
renovações contratuais, uma vez que ele ainda não tinha ciência
da sonegação de parte do aluguel. 6. Recurso especial provido”.
[613]
Alguma outra doutrina chegou a sustentar que o shopping center seria
uma joint venture, ou seja, uma associação de duas ou mais empresas, por tempo
limitado, para a consecução de um fim lucrativo comum, sob uma única
personalidade jurídica. É facilmente rechaçável esse pensamento, basta dizer que
o shopping center não possui personalidade jurídica.
Na verdade, apesar da difusão dos shoppings centers como tipos sociais,
[614]
não existe um consenso acerca da definição da natureza jurídica de seus
contratos de instalação de lojistas. As teses aventadas passam por institutos
consolidados como o contrato de sociedade (associações), a cessão de
estabelecimento comercial, o contrato de arrendamento, os contratos coligados,
chegando até a sua qualificação como contrato atípico misto, embora guarde
características de todos os contratos supracitados, não se confunde com nenhum
deles; tem unidade orgânica autônoma, por consistir em instrumento jurídico que
reflete, em boa parte, a complexidade econômica do shopping center.
6.3 CARACTERÍSTICAS CONTRATUAIS DO
SHOPPING CENTER
Considerando a natureza jurídica de contratos coligados, a criação de
shopping centers, fruto do processo inventivo humano, a ciência jurídica se vale
dos contratos coligados os quais costuram as seguintes finalidades: a)
constituição jurídica do empreendimento: relação entre os investidores [havendo
3 (três) formas de se constituir o shopping center, no que se refere aos
investidores: condomínio ordinário ou pro indiviso; condomínio especial ou
edilício e sociedade];[615] b) constituição jurídica da administração: relação
entre investidores e administração; c) funcionamento do empreendimento:
relação entre investidores, lojistas e administração.
6.3.1 Organização na forma de condomínio ordinário ou condomínio pro
indiviso
Na modalidade de organização em condomínio ordinário ou condomínio
pro indiviso, verifica-se o domínio dos titulares (proprietários) sobre frações
ideais do empreendimento, em maior ou menor proporção do todo. Portanto, o
shopping center é considerado uma unidade indivisível, existindo com apenas
uma matrícula no Cartório do Registro Geral de Imóveis.
Isto se explica pelo simples fato de que o shopping center é formado por
um grupo de estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e
construído em terreno planejado e desenvolvido, obedecendo, as lojas, a uma
distribuição no estabelecimento global, de acordo com o dinamismo empresarial,
que admite, periodicamente, reestruturação dos espaços, bem como a mudança
na exploração de ramos diversificados de comércio. Logo, este se enquadra na
definição de coisa indivisível prevista no art. 88 do Código Civil de 2002,[616] por
força da vontade dos próprios empreendedores.
Tendo adotado a espécie de shopping center constituído como
condomínio pro indiviso, as relações entre os empreendedores são reguladas
pelos arts. 1.314 a 1.326 do Código Civil de 2002, que estipulam,
essencialmente, a necessidade de observância, pelos condôminos, da destinação
da coisa comum, bem como a partilha dos ônus e bônus segundo a proporção das
quotas de cada proprietário e a administração por deliberações da maioria
absoluta, considerando os valores dos quinhões.
Em assim sendo, o direito de propriedade se exerce de modo exclusivo
sobre frações ideais ou quotas abstratas, possibilitando-se ao condômino, em
caso de compra e venda, o direito de preferência, observada na sua aquisição a
ordem inicial por aqueles que possuírem maior quinhão, em caso de igual oferta,
de acordo com o art. 1.322 do Código Civil de 2002. Também é atribuído a cada
quotista o uso de todos os direitos atribuídos por lei ao titular do domínio.
Tomando-se por base que o negócio jurídico relacionado à shopping
center pressupõe uma unidade direcional determinante da política empresarial
adotada para o empreendimento, característica essa que lhe confere um inegável
caráter de indivisibilidade, entende-se que o preceito do art. 1.320 do Código
Civil de 2002, que possibilita a qualquer tempo a divisão da coisa comum, não
se aplica ao caso dos shopping centers.
Na hipótese de determinado shopping center com mais de um
empreendedor, não tem o menor cabimento um dos condôminos requerer a
extinção do condomínio, com a consequente partilha das lojas, pois estas
passariam a existir sem qualquer comprometimento com a universalidade de
direito, situação que afrontaria a razão do negócio.
Os empreendedores, adotando então essa forma de organização
condominial, o contrato que vier a ser celebrado entre eles deve prever,
expressamente, a fração ideal atribuída a cada condômino; regular a destinação
das diferentes áreas e as respectivas restrições; a forma como deve ser exercida a
administração; as regras atinentes às assembleias de condôminos, determinando
ainda a forma de rateio das despesas comuns e da elaboração de orçamentos a
elas relativas.
6.3.2 Organização na forma de condomínio edilício
Inicialmente destacamos que, na modalidade de organização na forma
de condomínio edilício, está caracterizada a coexistência de 2 (duas)
propriedades distintas: a propriedade individual sobre determinado bem imóvel,
convivendo paralelamente com a propriedade comum das partes fundamentais à
solidificação da comunhão dominial, sendo que, entre si, a primeira é divisível e
a segunda indivisível.
Na modalidade de organização na forma de condomínio edilício, a
legislação em vigor exige a construção sob forma de unidades autônomas.
Portanto, em se tratando de shopping center, é necessário que haja unidades
autônomas formadas por lojas ou, no mínimo, por espaços fracionados
previamente, cada qual com sua matrícula individual no Cartório do Registro
Geral de Imóveis.
Também por exigência de legislação em vigor, cada unidade autônoma
deve corresponder uma quota ou fração ideal do terreno relativa à parte comum.
Cada unidade autônoma deve, ainda, ter acesso à via pública (ruas, travessas,
estradas, avenidas, etc.), podendo tê-lo de forma direta, como é o caso de lojas,
dos compartimentos em mercados etc., ou de forma indireta, através de escada,
corredor, rampa ou ascensor. De maneira que a legislação aplicável veda a
apropriação da rota de comunicação por uma só pessoa, alheia ou não ao
condomínio, ou que ela se efetue por unidade autônoma pertencente a um, ou
que este esteja, a qualquer título, dono da passagem.
Todavia, não há qualquer obstáculo legal impedindo que determinado
shopping center seja estruturado mediante a adoção de organização na forma de
condomínio especial entre os empreendedores, ou até entre eles e alguns poucos
lojistas. O que interessa, nessa hipótese, é a constituição do sistema comercial
moderno, decorrente, não da exploração do imóvel condominial, mas da
exploração do comércio pelas lojas integradas individualmente, cada uma delas,
no shopping center.
Por outro lado, considerada a alienação dos espaços aos lojistas, a
organização que restará presente não será mais a de um shopping center, e sim
de um simples centro comercial ou galeria de lojas (corredor interno ou externo
em um edifício, que se situa no mesmo nível das outras peças do mesmo andar,
comunicando-as ou separando-as, composto por estabelecimentos comerciais),
em face dos inafastáveis elementos necessários à sua constituição, elementos
esses constantes da definição fornecida pela Associação Brasileira de Shopping
Centers – ABRASCE, antes mencionada.
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO
CUMULADA COM COMPENSAÇÃO, DEPÓSITO,
ANULAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS
E PERDAS E DANOS - AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE
PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA -
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - EMBARGOS À
EXECUÇÃO - SENTENÇA ÚNICA. RECURSO DA
LOCATÁRIA (APELAÇÃO 1): DESCARACTERIZAÇÃO DO
EMPREENDIMENTO DE SHOPPING PARA GALERIA -
PERDAS E DANOS - INOCORRÊNCIA - LOCATÁRIA QUE
NO MOMENTO DA ASSINATURA DO CONTRATO JÁ
TINHA CONHECIMENTO DA ESTRUTURA QUE
CONTRATAVA - NÃO DEMONSTRAÇÃO DA
INVIABILIDADE ECONÔMICA DO NEGÓCIO; RES
SPERATA (LUVAS) - IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA
PORQUE O EMPREENDIMENTO NÃO É SHOPPING
CENTER - AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE
DEVOLUÇÃO DE VALORES PORQUE A COBRANÇA NÃO
FOI PROVADA; TENANT MIX - AUSÊNCIA DE PREVISÃO
CONTRATUAL DE EXCLUSIVIDADE - EXISTÊNCIA DE
MAIS DE UMA LANCHONETE EM GALERIAS E
SHOPPINGS É FATO COMUM; VALOR DO ALUGUEL -
IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO - ALUGUEL
COBRADO CONDIZ COM O VALOR DE MERCADO;
TAXAS CONDOMINIAIS - COBRANÇA QUE RESPEITA O
DEFINIDO EM CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO; DANO
MORAL - AUSÊNCIA DE ABALO À HONRA OBJETIVA DA
PESSOA JURÍDICA NO CASO - INEXISTÊNCIA DO DEVER
DE INDENIZAR; RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS
VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS -
IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ NA
COBRANÇA; PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR
ACESSÕES - IMPROCEDÊNCIA - CONTRATO COM
CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAÇÃO E DE AUSÊNCIA DE
DIREITO DE RETENÇÃO - VALIDADE; SUSPENSÃO
DETERMINAÇÃO DE DESPEJO - IMPOSSIBILIDADE NO
CASO - INADIMPLÊNCIA CARACTERIZADA; INVERSÃO
DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - IMPOSSIBILIDADE.
APELAÇÃO DA LOCATÁRIA NÃO PROVIDA. RECURSO
DO CONDOMÍNIO (APELAÇÃO 2): AGRAVO RETIDO:
TESE DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR INOBSERVÂNCIA DO
PRAZO MÍNIMO PARA A REVISÃO CONTRATUAL -
INAPLICABILIDADE NO CASO DO ARTIGO 19 DA LEI Nº
8425/91 - AGRAVO RETIDO NÃO PROVIDO; MÉRITO DA
APELAÇÃO: AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO -
CARÁTER PROTELATÓRIO - INOCORRÊNCIA -
EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO; TESE DE
CONFIGURAÇÃO DO EMPREENDIMENTO COMO
"SHOPPING CENTER" - IMPROCEDÊNCIA - MERA
GALERIA DE LOJAS - CONTRATO COM
CARACTERÍSTICAS DE LOCAÇÃO COMERCIAL;
COBRANÇA DE 13º ALUGUEL E FUNDO DE RESERVA -
IMPOSSIBILIDADE - RUBRICAS QUE PODEM SER
COBRADAS SOMENTE DE LOJAS DE SHOPPINGS
CENTERS; FUNDO DE RESERVA - ALEGAÇÃO DE
SENTENÇA EXTRA PETITA - INOCORRÊNCIA - PLEITO
DE RESTITUIÇÃO DEDUZIDO NA INICIAL; DEVOLUÇÃO
DE VALORES INDEVIDOS - CABIMENTO
INDEPENDENTEMENTE DE PROVA DE ERRO OU
QUALQUER CONDIÇÃO - OBRIGAÇÃO DO CONDOMÍNIO
DE RESTITUIR À LOCATÁRIA AS QUANTIAS
ILEGALMENTE COBRADAS; ALEGADA INOCORRÊNCIA
DE LITISPENDÊNCIA - IMPROCEDÊNCIA -
LITISPENDÊNCIA CARACTERIZADA EM RAZÃO DA
COBRANÇA DÚPLICE DE ALUGUERES (NA EXECUÇÃO E
EM AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA) -
CONDOMÍNIO QUE ABRIU MÃO DA DEMANDA
EXECUTÓRIA AO FORMULAR O PEDIDO DE COBRANÇA
DE ALUGUÉIS NA AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE
PAGAMENTO; PRETENSÃO DE READEQUAÇÃO DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DA AÇÃO DE REVISÃO
DE CONTRATO - PROCEDÊNCIA - SENTENÇA QUE FIXOU
O VALOR DE FORMA INVERTIDA; PEDIDO DE
MINORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
FIXADOS NA EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL -
VALOR ARBITRADO COM BASE NO ARTIGO 20, §4º, DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E EM PATAMAR
ADEQUADO. APELAÇÃO DO CONDOMÍNIO PROVIDA
EM PARTE (PARA READEQUAR OS HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS FIXADOS NA AÇÃO DE REVISÃO DE
CONTRATO)”.[617]
“APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DECLARATÓRIA C/C
RESOLUÇÃO CONTRATUAL E PEDIDO CONDENATÓRIO -
CONTRATO DE SHOPPING CENTER CASO DE GALERIA
DE HIPERMERCADO QUE NÃO PODE SER TRATADO
COMO SHOPPING CENTER COBRANÇA DE 13º
ALUGUEL E RES SPERATA IMPOSSIBILIDADE -
ENTENDIMENTO REITERADO DESTA CORTE TAXA DE
ADMINISTRAÇÃO REMUNERAÇÃO DE SERVIÇOS
ESPECÍFICOS NÃO CABIMENTO SERVIÇOS QUE ERAM
PRESTADOS DE FORMA INSATISFATÓRIA PELA
DEMANDADA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO”.
[618]
“APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA.
AÇÃO DE DESPEJO. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
SENTENÇA ÚNICA. APELAÇÃO 1.
DESCARACTERIZAÇÃO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING
CENTER PARA LOCAÇÃO NÃO- RESIDENCIAL COMUM.
JUSTIFICATIVA. LOJA LOCALIZADA DENTRO DE
GALERIA DE HIPERMERCADO. NÃO CONFIGURAÇÃO
DE SHOPPING CENTER. RES SPERATA E 13º ALUGUEL.
DEVOLUÇÃO DEVIDA. CONCORRÊNCIA DESLEAL.
CONFIGURAÇÃO. FIADOR. LEGITIMIDADE. RECURSO
PROVIDO SOMENTE NESTE ASPECTO. APELAÇÃO 2.
DESPEJO. CABIMENTO. FIXAÇÃO DE CRITÉRIO PARA
LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO NA
CONCORRÊNCIA DESLEAL. INCIDÊNCIA DO ART. 210, II,
DA LEI FEDERAL 9279/96. REVISÃO DE ALUGUEL.
IMPOSSIBILIDADE. ACESSÕES. INEXISTÊNCIA.
INDENIZAÇÃO E RETENÇÃO DO IMÓVEL.
IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
COMPENSAÇÃO. LEGALIDADE. INTELIGÊNCIA DA
SÚMULA 306 DO STJ. HONORÁRIOS DA AÇÃO
DECLARATÓRIA. FIXAÇÃO COM BASE NO §3º, DO
ART.20, DO CPC. RECURSO DE APELAÇÃO 1
CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. RECURSO DE
APELAÇÃO 2 CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE”.[619]
“CIVIL. CONTRATO DE RESERVA DE LOCALIZAÇÃO.
MULTIFEIRA. COBRANÇA DE RES SPERATA.
ILEGALIDADE. NULIDADE DE CLÁUSULA. 1. O
EMPREENDIMENTO DENOMINADO MULTIFEIRA NÃO
SE CARACTERIZA COMO SHOPPING CENTER E ASSIM
NÃO PODE COBRAR RESERVA DE LOCALIZAÇÃO NA
COMERCIALIZAÇÃO DE BOXES E QUIOSQUES. 2. A
DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA CLÁUSULA QUE
PREVÊ A RESERVA DE LOCALIZAÇÃO TEM COMO
CONSECTÁRIO A DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS A ESSE
TÍTULO COBRADAS. 3.RECURSO PROVIDO, EM P ARTE”.
[620]
De maneira que, em se tratando de shopping center, o sistema de
organização na forma de condomínio edilício somente tem eficiência nos casos
em que a totalidade das unidades autônomas pertença a um mesmo proprietário,
pois este poderá conferir às unidades a planificação própria de um shopping
center. Do contrário, estariam ausentes alguns requisitos fundamentais à
existência do negócio, tais como o tenant mix (planejamento prévio feito em
relação às necessidades da localidade, posicionamento das lojas no shopping
center e organização das lojas), que reside na capacidade por parte do
empreendedor de alocar, em função de razões mercadológicas, os espaços a
partir do grupamento de determinados ramos de comércio, o que, é claro, não
ocorreria num empreendimento em que cada lojista fosse dono de sua loja, nele
podendo comercializar o produto que bem entender.
Portanto, a divisão da totalidade dos espaços existentes em shopping
center e a consequente comercialização a diversos proprietários descaracteriza a
sua finalidade primordial, conferindo ao shopping center características
antagônicas ao dinamismo que o negócio empresarial moderno exige.
6.3.3 Organização na forma de sociedade
A maior parte dos shoppings centers brasileiros adotaram a organização
em forma condominial como sua estrutura jurídica, em razão da disciplina
societária regulada pelo antigo Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de
01.01.1916), que vigorou até janeiro de 2003, e como meio de elisão fiscal.[621]
Contudo não havia impedimento legal que inviabilizasse a criação de um
shopping center sob a forma de uma sociedade comercial. No entanto, nos dias
de hoje, com as mudanças legais postas em vigor com o Código Civil de 2002, a
estrutura societária mostra-se perfeitamente adequada aos propósitos de
empreendedores de shopping center.
De fato, o desenvolvimento do capitalismo moderno provocou, como
efeito colateral, o distanciamento da sociedade comercial da pessoa do sócio,
reestruturando-a em torno do resultado almejado, que é o lucro. Assim, a
sociedade tradicional, de cunho pessoal, familiar, em que a affectio societatis
[622]
era a alma do empreendimento comercial, cedeu lugar a modelo em que
pessoas podem ser sócias sem compromisso direto com a administração ou com
o vínculo com os demais sócios. Ao lado das já existentes sociedades anônimas,
cuja característica é a divisão do capital por ações e a responsabilidade dos
sócios limitada às ações que possuem, o disciplinamento empresarial de 2002
criou a sociedade limitada de capital, com peculiaridades que se assemelham à
sociedade por ações, sem os inconvenientes desta, principalmente em relação ao
não-anonimato dos sócios. Este modelo admite a gestão do negócio por pessoa
estranha ao quadro societário (o que proporciona flexibilidade para contratação
de profissional especializado em shopping center) e permite a ampla
cessibilidade das quotas, inclusive para não-sócios.
Portanto nenhuma incompatibilidade há em relação à constituição de
uma sociedade para a exploração comercial de coisa imóvel. O exemplo mais
comum é o da exploração comercial de propriedades rurais, aptas ao plantio e à
exploração pecuária. No entanto, a forma societária não é indicada quando
empreendedores são entes que não podem, por disposição legal, ser sócios em
empresas, como é o caso de certos servidores públicos, de determinadas
entidades sem fins lucrativos, ou entidades com destinação específica (caso de
fundações e cooperativas).
As vantagens na adoção de organização na forma de sociedade residem,
sobretudo, no campo tributário. Uma vez que o intuito da sociedade é a
obtenção de lucro, os empreendedores, na qualidade de sócios, não necessitam
de empresa intermediária para o recebimento das rendas de aluguéis, da locação
esporádica de espaços e do estacionamento, e podem diretamente proceder à
divisão dos lucros.
A intermediação de administração por uma empresa terceirizada traz
ônus excessivos decorrentes das necessárias transferências dos rendimentos de
capital para os quotistas do empreendimento. Com efeito, os órgãos federal e
estaduais da receita atualmente entendem que as receitas do shopping center
devem ser tributadas na qualidade de faturamento da empresa administradora.
Assim, esses rendimentos acabam sofrendo bitributação quando distribuídos aos
empreendedores-condôminos, que devem recolher Imposto de Renda em forma
de carnê-leão.[623]
6.3.4 Constituição jurídica da administração do shopping center: relação entre
os investidores e administradora
Tendo os empreendedores optado pela constituição do shopping center
sob a organização na forma de condomínio, a relação entre os investidores e a
administradora passa a ser de suma importância. No entanto, atualmente, não se
considera mais a forma de condomínio a mais adequada para estruturar as
relações entre os empreendedores de shopping center. Entretanto, se essa for a
opção dos investidores, outra alternativa não resta senão a de contratar empresa
especializada na administração de shopping center para a boa administração do
empreendimento.
Inclusive, vale lembrar que o serviço de administração de shopping
center, terceirizado ou não, abrange a atuação nas áreas jurídica, comercial, de
planejamento [definição da planta comercial; melhor aproveitamento da Área
Bruta Locável – ABL; análise financeira e viabilidade econômica; avaliação para
estimar as luvas e aluguéis; análise detalhada para a definição de ancoragem;
adequação de lojas e orientação à comercialização e elaboração; implantação e
acompanhamento do tenant mix, Coeficiente de Rateio de Despesas – CRD [624] e<