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RESENHA CRÍTICA DO LIVRO: DIREITO, JUSTIÇA

SOCIAL E NEOLIBERALISMO

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Sumário

INTRODUÇÃO............................................................................3
DESENVOLVIMENTO DA RESENHA CRÍTICA....................3
CONCLUSÃO...........................................................................14
BIBLIOGRAFIA........................................................................15

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INTRODUÇÃO
Realizarei a resenha crítica do livro “Direito, Justiça Social e
Neoliberalismo” do autor Plauto Faraco de Azevedo.

O autor é doutor em Direito pela Universidade Católica de Louvain;


professor no curso de pós-graduação em Direito na UFRS e
pesquisador do CNPq.

O livro foi lançado pela Editora Revista dos Tribunais no ano de


1999.

DESENVOLVIMENTO DA RESENHA CRÍTICA


O livro começa falando do surgimento da Escola da Exegese. O Método
tradicional ou clássico foi adotado pela chamada Escola da Exegese, na
França no século XIX. O pensamento predominante da Escola era codicista,
de supervalorização do código. Pensavam os seus adeptos, que o código
encerrava todo o direito. Não havia qualquer outra fonte jurídica. Além do
código, o intérprete não deveria pesquisar o Direito na organização social,
política ou econômica. Em seu teor, o código era considerado absoluto, com
regras para qualquer problema social, que houvesse escapado à previsão do
narrador.

Grandes mestres que obedeceram a essa tendência achavam que os


usos e costumes não poderiam valer, a não ser quando lhe fosse feita
expressa referência.

O principal objetivo desse método era o de revelar a vontade do


legislador, daquele que planejou e fez a lei. A única interpretação correta seria
a que traduzisse o pensamento do seu autor. Consequência dos postulados
expressos pela Escola foi o entendimento de que o Estado era o único autor
do Direito, pois detinha o monopólio da lei e do código.

O legalismo-jurídico sendo consolidado, apagou-se a distinção


costumeira entre legalidade e legitimidade. Para o criador da Teoria Pura do
Direito, tudo aquilo que é conteúdo pode ser direito. Adotando, ainda, a
norma fundamental, governo legítimo do Estado é aquele que, com base numa
Constituição precisa, estabelece normas gerais e individuais também precisas.
Apesar de tudo, todo o conteúdo das normas jurídicas tornam-se irrelevantes,
sendo que todas elas foram elaboradas em consonância com a norma
fundamental. O que realmente importa é se as normas realmente funcionam,
independentemente de sua forma de estabelecimento.

O que tem prevalecido, sobretudo na América Latina, é o aspecto


restritivo das idéias de Kelsen, o que favorece a aceitação dos golpes de
Estado. Também contribui para a aceitação desse discurso jurídico a

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separação da Ciência Jurídica do seu verdadeiro sentido, tanto sua dimensão
crítico-valorativa, quanto de suas projeções sociais e sua contribuição
histórica. Isso faz, de algum modo, com que a sociedade não seja tão
participante, isola as aspirações populares, criando uma distinta divisão entre
leigos e juristas.

Apesar de tudo isso, devemos convir que Kelsen deixou importantes


contribuições de sua obra. Um grande exemplo são as contribuições deixadas
à Teoria Geral do Direito, com a concepção piramidal do ordenamento jurídico,
onde se apóia sua elaboração sua elaboração e aplicação, bem como a
fundamentação da instituição dos tribunais constitucionais. Ora, não há como
orientar o raciocínio jurídico sem essa noção de hierarquia das fontes do
direito. Kelsen contribuiu para que a Constituição adentrasse no mundo
jurídico com a mesma intensidade do mundo político. Além disso, preocupou-
se com a real aplicação das normas constitucionais como superiores e
condicionantes de toda legislação, contribuiu para fixação das competências
de uma Corte Constitucional.

A grande importância de Kelsen, restringindo à América Latina e, em


especial, o Brasil, foi a concepção normativista do direito. Essa concepção,
além de afastar os fundamentos filosóficos e sociais, reduziu o direito a uma
simples forma que aceita qualquer conteúdo. Isso é bem conveniente para
aqueles que preferem não se ocuparem com a questão da justiça, ou mesmo
para o aplicador do direito que prefere não assumir riscos, procurando se
esconder sob uma capa de neutralidade política.

Apesar de sua limitação metodológica insolúvel, o positivismo promoveu


o conhecimento do lado existencial do direito.

O purismo gnosiológico de Kelsen, entretanto, não impediu sua


percepção do caráter necessariamente criador da aplicação judicial do direito.
Pela concepção piramidal da ordem jurídica, a relação existente entre normas
de diferente escalões é de determinação ou vinculação. Uma determinação
nunca é completa, devendo sempre ficar à margem das normas de um escalão
superior.

Sob o direito, notou-se que não havia um único método de aplicação, já


que é feito através da interpretação. Com isso, várias possibilidades ficam em
aberto.

Quando há uma interpretação judicial feita pelos tribunais, órgão


superiores, os juizes ficam relativamente livres para se utilizarem dessa
interpretação ou não. Isso não impede que Kelsen se mantenha dentro de um
purismo metodológico, já que não é um problema de teoria do Direito, mas de
política jurídica.

Para Kelsen o direito deve ser positivista, como sendo um campo das
ciências exatas. As interpretações e opiniões devem ser alheios ao direito.
Porém um direito extremamente positivista, com todas as suas formalidades,

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impede a assimilação do Estado de Direito ao Estado naicional-socialista. Ou
seja, o Estado estará sempre subordinado a esse positivismo.

Observando que a Ciência do Direito propões toda uma dimensão


axiológica, o purismo Kelsiano falha. Pois justamente as valorações e
interpretações não têm a necessidade de apresentar resultados tão precisos
como nas áreas exatas. Esses raciocínios jurídicos são, sem dúvida alguma,
cercados de controvérsias, que muitas vezes são solucionados por certo
critérios. Afinal de contas, nossa ciência exercita a argumentação.

Caso utilizássemos o direito positivo, onde o judiciário não pudesse agir


com coerência e justeza, seriam beneficiados certos inimigos declarados. O
direito implica em juízos de valor, traduzindo suas escolhas. Se o sistema
normativo se diferencia e separa da sociedade não se entenderia plenamente
o mundo jurídico.

A Ciência do Direito deve lembrar seu papel de destinação social,


ligando-se a determinado contexto histórico. Há várias posições críticas, de
procedências diversas, tendo por alvo superar o reducionismo logicista e
formalista em que se encontra a Ciência do Direito. Por esse motivo, não se
pode limitar o aplicador do direito ao conhecimento técnico-jurídico dos
diplomas legais.

Não se deve fazer a ciência “pura”, mas sim a melhor ciência que busca e
considera as necessidades humanas, contribuindo para o encontro da
“humanidade ao homem”. Ou seja, com o objetivo de aplicar o direito
valorizando a lei, e tendo em vista a situação de cada caso individualmente.

Há o perigo dos códigos completos que tomam como base o estado em


que se encontra, sem preocupação de modificá-lo ou aperfeiçoa-lo, como
normalmente se conduz nos progressos científicos.

A Ciência do Direito deve ser criativa, aumentando seu campo de


investigação, aumentando também o poder de atuação do juiz e dos juristas. A
atitude exegética não passa de uma inatividade, com uma visão simplista.

No segundo capítulo da “Parte I” o autor continua “batendo na mesma


tecla” sobre o positivismo. Nesse aspecto, concordando com o autor, ele tenta
esclarecer as deficiências de um direito positivista.

O poder judiciário, em certo momento, entrou em crise na Itália por causa


das transformações da sociedade. Houve a percepção das limitações do
Judiciário frente aos conflitos políticos e sociais. Desde então houve uma
tomada de consciência, por parte do Judiciário, de seu alcance e relevância. O
juiz, por exemplo, compreendeu os riscos e possibilidades de seu trabalho na
atual sociedade.

Para que o jurista tenha a possibilidade de agir nessa perspectiva, é


necessário que este esteja comprometido com uma maior democratização,
sendo capaz de notar e suprir as deficiências que há no direito positivo. O

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Poder Judiciário não deve submeter-se ao Poder Executivo, principalmente
quando o último pretende usurpar da democracia com objetivos duvidosos.
Muito pelo contrário, o jurista deve indignar-se diante de tal situação buscando
a democratização. A resistência à leis injustas deve partir principalmente do
próprios juristas.

Os próprios magistrados tem mais poder de pressionar o Estado em


resistência à leis injustas. Afinal, são os próprios magistrados que empregam
argumentos retóricos de que o Estado utiliza com o intuito de impor seus
objetivos. Porém, para que isso ocorra, há de considerarem o direito
criticamente. Os juristas, operadores do direito, devem saber de onde parte o
vetor determinante da solução de seus casos, pois se o jurista se
conscientiza, pode agir ideologicamente imaginando estar sendo imparcial e
neutro.

Em nossa atormentada época, no presente, a zona crítica das fontes


tornou-se intocável, está propícia ao repensar nos grandes problemas, a teoria
das fontes tem de ser reexaminadas buscando uma maior flexibilidade do
direito. Envolvidos na especialização do direito positivo, não se pode suscitar
questões de método, o que contribui para o empobrecimento da cultura
jurídica, ficando sem um espírito crítico.

No Estado Moderno não há uma divisão exara entre político e o judicial.


A justiça moderna não pode se abster da política, ainda mais, devemos
reconhecer que o Judiciário é governo. Enquanto o direito positivo se limitar à
estrutura interna, jamais será capaz de conduzir a resultados condizentes com
as exigências da vida.

Tomando por base que “uma ideologia é uma imagem simplificada do


mundo”, é necessário, então, desideologizar o pensamento, pois na política e
no direito positivo a força da ideologia é tanta que não deve ser desprezado, o
que foi detectado por Karl Marx. Já que a ideologia é bastante atuante na
Ciência do Direito, é melhor encará-la com realidade, sem medo de “sujar os
punhos de renda dos juristas com sua impureza”. O jurista continua estranho à
realidade e o jurista-político, apesar de não se ter ainda configurado, é o
pressuposto indispensável de uma sociedade política. Para se acabar com a
concentração de juristas conservadores apolíticos, seria necessário uma
análise no âmbito psicológico e social dos próprios juristas para que, então, se
possa entender melhor a gênese de seus pensamentos.

Apesar do conceito de política ser mais amplo e anterior ao de Estado, o


último tem por finalidade a realização política. Embora não faça, a função do
Estado é de servir ao bem público.

O conceito de política está estreitamente ligado ao de poder, pertencendo


à categoria geral de dominante sobre dominado. O que caracteriza dois
grupos atuantes num determinado contexto social. Já para os fins da política
não há nada estabelecido, muito menos um fim que os compreenda como seu
verdadeiro fim.

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Cabe ao Estado, ente político por excelência, a determinação dos
objetivos fundamentais que tende à ordenação e coordenação dos objetivos
societários fundamentais.

Qualquer divergência de interesses de todas as naturezas pode chegar,


em algum momento, à rivalidade e conflitos que daí pode evoluir para um
confronto de grupos de interesses, lutas de poder, tornando-se político. Para
que isso se resolva, o Estado submete-se ao direito.

Um primeiro meio de submissão do Estado ao direito, no âmbito nacional,


organiza-se no controle da atividade dos governantes pelo grupo social. Um
grande exemplo disso são as eleições. Deve-se observar que a simples
distribuição de poder entre vários órgãos, outro modo de conduzir poder ao
direito, é insuficiente a evitar a falibilidade política. Encontrou-se na jurisdição
o modo mais eficaz de evitar o abuso de poder. Porém, devido a atuação dos
órgãos jurisdicionais, tal sistema é restrito.

Na medida em que a justiça controla, ela governa ao menos de forma


negativa. O juiz não faz mais do que efetivar a vontade do legislador. Não
havendo uma regulação positiva, a própria lei, ou se usa jurisprudência, ou o
juiz verdadeiramente governa. Os tribunais criam o direito, desempenhando
tarefa política. A política influi todas as funções sociais, e a questão Judicial é,
primeiramente, uma questão política.

Lembrando o argumento freqüentemente feito contra a politicidade da


aplicação judicial do direito, que surge quando o judiciário assume um papel
politicamente mais ativo, quando faz valer o seu poder de controle da
constitucionalidade. Segundo Montesquieu, juiz é a boca que pronuncia as
palavras da lei, seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força
nem o rigor. Isso não passa de uma posição iluminista que busca uma unidade
de todas decisões judiciais. Já que o juiz, segundo concepção de
Montesquieu, é um ser inanimado, pode bem ser trocado por um computador.
Nessa época não foi levado em consideração que a interpretação da lei não
pode ser realizada mediante consulta apenas do texto isolado, atento `a
hierarquia das normas na ordem jurídica. Não existe a neutralidade na função
do Judiciário, é imprescindível que seja independente e imparcial.

Muitas vezes os juristas não são homens habituados a encarar a


realidade social, preferindo viver em um mundo abstrato e idealizado, em que
apenas convivem com as normas reguladoras de um dever ser. São
considerados importantes ponto de partida para a pesquisa nas ciências
sociais a pobreza, analfabetismo e cerceamento político. Os juristas devem
encarar de frente os fatos sociais, os princípios devem se modelar sobre a
vida.

A Ciência do Direito não pode cultivar o direito positivo, a exemplo do


Direito Romano onde os conteúdos jurídicos foram tratados como objeto de
conhecimento de uma ciência rigorosamente fundada na lógica científica de
sua época. A Ciência do Direito, hoje, já não busca o rigor formal do

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raciocínio, ela vale mais da experiência. Isso quer dizer que o direito não pode
ser desligado das condições histórico-culturais.

No terceiro e último capítulo da “Parte I” , o autor continua um


desenvolvimento que havia se iniciado no capítulo anterior. Ele atenta para o
fato ca Ciência Jurídica fazer parte da sociedade, da democracia. Já que uma
Ciência Jurídica não permite o alcance do direito à toda sociedade, ele propõe
que o direito tenha um caráter mais social, podendo assim, atingir o seu real
objetivo de justiça.

O liberalismo político e cultural da Ciência Jurídica positivista é


constituído de bases para o conhecimento racional e crítico da realidade
objetivando uma construção da democracia.

A Ciência Jurídica não pode repousar no formalismo conceitual, fechando


os olhos para a realidade, visto que a situação humana atualmente é
degradante. Ele precisa, necessariamente, ultrapassar essa teoria positivista,
puramente jurídico, acordando para a vida e a realidade da sociedade. Para
que isso ocorra, e para que os juristas possam assumir uma atitude de
responsabilidade, deve-se ir além dessa formação positivista.

Ao contrário das ciências matemáticas, a Ciência Jurídica não é apenas


uma mera técnica, vai muito além disso. É ciência na medida que desenvolve
certos métodos que se dirijam a um conhecimento racionalmente comparável,
logicamente sem a exatidão das ciências da natureza. Se torna, então,
indispensável ligar vários aspectos, dessa forma a visão ampla de Ciência
Jurídica pode desempenhar, de modo satisfatório, a tarefa social que lhe é
incumbido.

Uma poderosa Dogmática Jurídica, tendo por base o ‘Direito Romano


Atual’ foi construída pelos pandectistas na segunda metade do século XIX. A
Pandectística tinha por base demonstrar a cientificidade do direito, segundo o
modelo cientificista da época. Eles tiveram por mira a construção de conceitos
jurídicos, os quais derivam do direito positivo, porém o esforço intelectual dos
juristas deveria chegar a dar-lhes um valor geral, independente da
consagração em qualquer sistema.

Deve ser levado em conta que muitas pretensões cientificistas hoje se


encontram superadas. As ciências da natureza, por exemplo, oferecem
esquemas cuja verificação se observa na procura da realidade, ao invés de
buscar as leis gerais da natureza. Inclusive as ciências matemáticas
constituem um sistema de relações que pode partir de diversos pressupostos.
Já as ciências sociais têm problemas e características próprios, superando
seus métodos e preocupações tanto das tradicionais disciplinas humanísticas
quanto das ciências naturais.

Para se buscar o objeto da Ciência do Direito positivo, em seu sentido


ontológico, capaz de apreender a realidade jurídica, é necessário considerar o
curso do pensamento jurídico, aferindo a contribuição tanto dos cientistas

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quanto dos filósofos do direito. São consideradas três eixos: Dogmática
Jurídica, a Lógica Jurídica e a Estimativa Jurídica.

A Dogmática Jurídica trabalha com o que há de contingente no fenômeno


jurídico, mesmo que não se reconheça mais o pressuposto teórico da absoluta
contingência de dados jurídicos. A Dogmática acredita que não tem como
chegar à verdade do fenômeno jurídico com apenas mera apreciação do dado
jurídico, há de se levar em conta a teoria que dá conta daquele fenômeno.

A Lógica Jurídica se constitui como um “descobrimento” de Kelsen.


Cuidando a Ciência Jurídica do direito vivido, para tratá-lo cientificamente é
necessário teorizá-lo com a lógica que lhe é próprio. Não se deve confundir
Ciência do Direito com Lógica Jurídica, pois como se sabe, têm significados
diferentes. Não há lógica jurídica sem a ciência jurídica, e vice-versa.

Já a Estimativa Jurídica aborda aspectos de recente delineamento, por


obra da Filosofia de Valores, cuja contribuição sabe-se que a experiência
jurídica é estimativa, valiosa. Esses valores são apenas relevantes à Ciência
Jurídica enquanto integrantes da conduta bilateral e interferência
intersubjetiva de ações. Pode-se dizer que a lei define, ao Juiz, certa ordem,
paz, justiça, entregando-lhe uma qualidade. Essa inclusão da valoração
jurídica, na Ciência do Direito, é importantíssima, tendo em vista suas
ressonâncias práticas.

É indispensável a tríplice perspectiva dogmática-lógica-estimulativa para


se compreender o direito captando-o em sua individualidade diferenciada.
Desenvolveu o direito positivo, historicamente, sem um organização prévia,
fazendo necessárias definições para poder distinguir as instituições jurídicas
umas das outras. E esse tipo de conceituação constitui a base direta da
Ciência do Direito. O problema que se põe, na verdade, é a importância que
há de ter a conceituação na Ciência Jurídica.

A Ciência Jurídica de caráter sistemático-dogmático tem a matemática


por modelo. O trato do direito positivo é seu objetivo, buscando um sistema
lógico de conceitos, onde um conceito geral recolhe a todos os demais.

A Ciência do Direito necessita de uma reformulação urgente, tendo em


vista as aquisições passadas, reconsideradas tendo em vistas as
necessidades dos tempos atuais. O jurista deve saber “ler o silêncio” da
ordem jurídica, cuja eloqüência pode até ser maior que a própria escrita. Nas
entrelinhas da leis, com freqüência, são comentados os privilégios e se
afunilam as oportunidades.

Lembremos que a Ciência do Direito, na sua tarefa organizadora, não


deve ser indiferente ao conteúdo das normas e à sua capacidade de
adequação às necessidades e problemas sociais. Se, para o jurista, o direito é
algo que lhe vem dado, cabe-lhe determinar o significado do direito, para
então poder aplicá-lo corretamente à sociedade.

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É evidente a importância da aplicação jurisdicional do direito, cabendo
aos juízes realizar isso na prática. Há uma exigência fundamental para que a
afirmação do direito de ser livre corresponda à possibilidade de ser livre, o
direito autenticamente elaborado seja realmente aplicado às sociedades.

Na segunda parte do livro o autor aborda outros temas, principalmente o


liberalismo. Faz interessantes observações acerca da Revolução Industrial e
sua utilização descontrolada. Além disso aborda as idéias das duas grandes
guerras mundiais.

O Estado liberal representou um esforço inconfundível de controlar o


poder, inclusive da delimitação jurídica, subentende-se que determinar é
negar o poder absoluto através da imposição de demarcações intransponíveis.
Entretanto ao mesmo tempo em que limitava o poder, o liberalismo
oitocentista entendia que o Estado se reduzia à um mínimo necessário à
manutenção da ordem.

A chamada Escola Clássica do Direito Natural veio à luz no contexto do


pensamento liberal, se malogrou na busca de um sistema jurídico que fosse
ideal para todos os casos. Nesse pensamento, também, começou a delinear-
se a noção de direito subjetivo.

Apesar da incontestável relevância do pensamento liberal, para o direito


e a filosofia política os anseios primaveris da Revolução Francesa não se
realizaram.

Se consideramos que o liberalismo incentivou a discussão social e a


tolerância, os excessos advindos de seu braço econômico, por outro lado o
capitalismo terminou por desnaturar a idéia de liberdade.

A situação dos trabalhadores nessa época era de tal dificuldade e


desumanidade que até os governos dos Estados europeus, insensíveis
historicamente, perceberam esse caráter insustentável e passaram a elaborar
normas jurídicas do tipo assistencial, com a finalidade de proteger os menores
de idade e diminuir a jornada de trabalho. O impulso para amenizar esse
quadro era tolhido pelos empresários de criar condições desfavoráveis em
relação aos demais, levando eles a incapacidade de enfrentar a concorrência
no mercado. Mais uma vez, se observa, o dinheiro passando por cima de
todas as regras morais e humanas.

Com essa situação insustentável, foi conduzida a elaboração das


primeiras leis de proteção ao trabalho. A diferença entre as classes sociais
permitia a constante exploração da classe trabalhadora.

Assim como a obra de Marx e Engels, a corrente doutrinária crítica do


capitalismo, denunciou seus excessos, estudando e prevendo a sua
destruição. Esses estudos tiveram grande repercussão principalmente devido
ao triunfo obtido pela Revolução Russa em 1917. Abalou o mundo, criou uma
força verdadeiramente concreta oposta ao capitalismo, produzindo grande
literatura explicitando as contradições existentes no capitalismo.

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A Revolução Russa em 1917 foi resultante da guerra do século XX,
devido à enorme tensão na qual os estado envolvidos foram submetidos por
longa quantidade de tempo. Os efeitos dessa revolução percorreram todo o
século XX, a União Soviética demonstrava imune a todos os obstáculos que
podiam aparecer.

As consequências das duas grandes guerras foram de enorme proporção.


À primeira vista, parecia que ao findar a Primeira Guerra a economia pudesse
voltar ao normal, porém não foi bem isso que aconteceu. Na Alemanha, por
exemplo, a crise chegou a grandes proporções e o sistema monetário foi
drasticamente reduzido, passando a Alemanha ficar dependente de
empréstimos e boa vontade de países estrangeiros. Além disso, o desemprego
da Europa Oriental era assustador, sendo ainda mais agravado com a crise de
1929 nos EUA.

A situação havia chegado a tal ponto que não se encontrava mais saída
para tantas crises, dentro do receituário da economia liberal não havia solução
que parecesse capaz de solucionar tal estado de coisas.

A obra e atuação de John Maynard Keynes viriam, neste contexto, indicar


novos rumos à teoria e à política econômicas. Ele sempre se empenhou numa
intensa reflexão acerca dos fundamentos da ação humana, elaborou uma
teoria alternativa à economia de livre mercado. Em 1936 lançou um livro que
foi bastante respeitado, com isso foi o economista mais lido e comentado em
várias décadas pelo fato da capacidade de oferecer meios de salvar o então
falido liberalismo.

Keynes tinha a convicção de que a lógica determinista tem pouco a ver


com a ação humana. A intervenção de Keynes foi decisiva para salvar o
capitalismo. Porém os neoliberais, avessos a toda interferência do Estado, o
execram mais do que a Marx. Bem verdade que hoje, com a pobreza e
desemprego crescente nos países de capitalismo avançado, se ignora as
lições de Keynes. Após a crise de 29, ao invés de se produzirem revoluções
sociais, o que aconteceu na verdade foi uma total fraqueza de movimento
comunista.

Na visão de Azevedo, "com a diminuição momentânea da estagnação


econômica aumentam os investimentos em prol do livre-mercado, que mama
cinicamente na teta pública proclamada desprezível". O homem, asperamente
forçado pela violência do conflito e da concorrência a um egoísmo rude, torna-
se algoz de seu semelhante, moldando-se ao perfil hobbesiano de homo
homini lupus. Trata-se, em suma, da pregação de uma competitividade
desenfreada, em uma visão negocista da história, que nega lugar para a
fraternidade e a solidariedade.

Veio levantar-se a ideologia do neoliberal, contra a realização deste


imperativo de introdução de maior fraternidade ou solidariedade, pretendendo
decretar, autoritariamente, o fim do Estado Social.

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O neoliberalismo se constitui uma reação teórica e política veemente
contra o Estado intervencionista e do bem-estar. Toda e qualquer intervenção
estatal, destinada a limitar os mecanismos de mercado, é vista como ameaça
à liberdade, não somente econômica, mas também política.

Uma das características fundamentais do Liberalismo tem sido a de organizar


suas idéias e sua militância visando a consecução de objetivos a longo prazo. Isso
permitiu que o velho Liberalismo sobrevivesse em meio à adversidade das crises
internas e sucessivas do capitalismo e em face do socialismo real.

A estabilidade monetária deveria ser meta de qualquer governo e, para atingi-


la é necessário disciplina orcamentária e a restauração da taxa natural de
desemprego. Para incentivar os agentes econômicos se deveriam operar reduções
de impostos sobre rendimentos mais altos e sobre as rendas.

As teses neoliberais ganharam prestígio e difusão, o que contribuiu para que


se perdesse o fulcro dos acontecimentos. Porém, as mesmas idéias foram
professadas pelos economistas vieram presidir um período global de depressão,
que mais uma vez não puderam entender, muito menos resolver.

O neoliberalismo vale-se do saber de seus ideólogos ativos e conceptivos que


entretêm a ilusão-deformação da realidade que lhe convém. Libertados da moral,
vai pouco além do conhecimento e manejo de tenebrosos desvãos do poder. Dentre
as promessas indispensáveis figuram o equilíbrio orçamentário mediante cortes de
subsídios, combate à inflação, ajuste fiscal, privatizações. Ou seja, percebe-se que
a política estatal vai se tornando cada vez mais inviável. Com isso as opções são
cada vez menores, fazendo do Estado dependente de capital internacional.

Com essa situação dramática de desestruturação econômica, persiste a


democracia em sentido político, mas se ausenta em sua dimensão social, impedindo
a sua longa duração. O neoliberalismo propõe, nada menos, que uma marcha ré
histórica, retomando ao contexto novecentista. Progressivamente liberada de todo o
contraste, a entidade providencial do mercado ilimitado mostra a sua face diabólica,
consagrando a exclusão social, agredindo as conquistas do próprio liberalismo e os
direitos sociais. O neoliberalismo, pode-se assim dizer, despreza totalmente o
direito. Na verdade o que é importante é o lucro, o desenvolvimento, mesmo que
para isso milhões de vidas sejam sacrificadas.

O mal devia-se pois a essa aliança espúria entre o Estado de Bem-estar social
e os sindicatos. A reforma que apregoavam devia passar pela substituição do
Estado de Bem-estar social e pela repressão aos sindicatos. O estado deveria ser
desmontado e gradativamente desativado, com a diminuição dos tributos e a
privatização das empresas estatais, enquanto os sindicatos seriam esvaziados por
uma retomada da política de desemprego, contraposta à política keynesiana do
pleno emprego. Enfraquecendo a classe trabalhadora e diminuindo ou neutralizando
a força dos sindicatos, haveria novas perspectivas de investimento, atraindo
novamente os capitalistas de volta ao mercado.

A sociedade é o cenário da competição, da concorrência. Se aceitamos a


existência de vencedores, devemos também concluir que deve haver perdedores. A

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sociedade teatraliza em todas a instâncias a luta pela sobrevivência. Inspirados no
darwinismo, que afirma a vontade do mais apto, concluem que somente os fortes
sobrevivem cabendo aos fracos conformarem-se com a exclusão natural. Esses, por
sua vez, devem ser atendidos não pelo Estado de Bem-estar, que estimula o
parasitismo e a irresponsabilidade, mas pela caridade feita por associações e
instituições privadas, que ameniza a vida dos infortunados. Qualquer política
assistencialista mais intensa joga os pobres nos braços da preguiça e da inércia.
Deve-se abolir o salário-minimo e os custos sociais, porque falsificam o valor da
mão-de-obra encarecendo-a, pressionando os preços para o alto, gerando inflação.

Para o neoliberalismo o Estado se apresenta na forma do estado. O estado


intervencionista. Dele é que partem as políticas restritivas à expansão das
iniciativas. Incuravelmente paternalista, tenta demagogicamente solucionar os
problemas de desigualdade e da pobreza por meio de uma política tributária e fiscal
que termina apenas por provocar mais inflação e desajustes orçamentários. Seu
zelo pelas classe trabalhadoras leva-o a uma prática assistencialista que se torna
um poço sem fim. As demandas por bem-estar e melhoria da qualidade de vida não
terminam nunca, fazendo com que seus custos sociais sejam cobrados dos
investimentos e das fortunas.

Ao intervir como regulador ou mesmo como estado-empresário, ele se desvia das


suas funções naturais, limitadas à segurança interna e externa, a saúde e à
educação. O estrago maior ocorre devido a sua filosofia intervencionista. O mercado
auto-regulado e auto-suficiente dispensa qualquer tipo de controle. É uma Cosmo
próprio, com leis próprias, impulsionadas pelas leis econômicas tradicionais (oferta e
procura, taxa decrescente dos lucros, renda da terra, etc...). O Estado deve pois ser
enxugado, diminuído em todos os sentidos. Deve-se limitar o número de
funcionários e desestimular a função pública.

O neoliberalismo afina-se com qualquer regime que assegure os direitos da


propriedade privada. Para ele é indiferente se o regime é democrata, autoritário ou
mesmo ditatorial. O regime político ideal é o que consegue neutralizar os sindicatos
e diminuir a carga fiscal sobre os lucros e fortunas, ao mesmo tempo que desregula
o máximo possível a economia. Pode conviver tanto com a democracia parlamentar
inglesa, como durante o governo da Sra. M. Tatcher, como com a ditadura do Gen.
A.Pinochet no Chile. Sua associação com regimes autoritários é tático e justificada
dentro de uma situação de emergência (evitar uma revolução social ou a ascensão
de um grupo revolucionário). A longo prazo o regime autoritário, ao assegurar os
direitos privados, mais tarde ou mais cedo, dará lugar a uma democracia.

CONCLUSÃO
O livro “Direito, Justiça Social e Neoliberalismo” se constitui uma excelente
obra.

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Primeiramente abordado o direito positivista e suas acepções, o autor
esclarece a necessidade do direito estar próximo da realidade social, para que
assim seja feita a justiça, o principal objetivo da Ciência do Direito.

Já falando sobre o neoliberalismo, o autor abre os olhos do leitor para a


verdadeira realidade que nos cerca. Sempre ouvimos falar de neoliberalismo sem
saber, na verdade, o que significa isso em nossa vida.

O autor utiliza de uma linguagem que não se distancia do usual, permitindo


uma fácil acessibilidade e interpretação. O livro se constitui como uma leitura
indispensável, não só para o estudante de Direito, mas para todas as pessoas que
ainda não entendem o mundo “globalizado” que nos cerca.

A justiça deve ser buscada por todos nós, através da interpretação e aplicação
justa das leis. O autor deixa bem claro que não se deve apenas utilizar as leis sem
compromisso com a democracia e a justiça.

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BIBLIOGRAFIA

- Azevedo, Plauto Faraco de


Direito, justiça social e neoliberalismo / Plauto Faraco de Azevedo - São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 1999

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