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2005
São Paulo/Brasil
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2005
São Paulo/Brasil
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BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
4
ABSTRACT
created by Keith Johnstone and applied at the Theatresports and its contribution to
This work intents to present the method and its author through a description
of the historical path and the environment in which experiments, ideas and primitive
the potentialities of using Keith Johnstone's ideas as a work tool for the actor in
audience and the actors, in a piece in which spontaneity occupies a distinct place.
RESUMO
O trabalho tem por meta apresentar o método e seu autor, através de uma
espetáculo como uma experiência teatral viva, que estabelece uma comunicação
direta entre público e atores, num trabalho no qual a espontaneidade ocupa lugar
de destaque.
AGRADECIMENTOS
Aos meus alunos, pelas horas divertidas e pelas cenas que criaram e que
me ajudaram a melhor compreender as idéias contidas neste método.
À minha irmã Sonia Achatkin, meu braço direito, pela paciência e empenho
dedicados, fundamentais para a realização deste e de tantos outros sonhos.
A Keith Johnstone, por suas idéias, razão de ser deste trabalho, cuja
aplicação me possibilitou construir uma ponte de ligação entre as minhas duas
formações, Psicologia e Teatro.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 2
DEFINIÇÃO ............................................................................................. 6
O IMPROVISO ............................................................................................. 8
O MÉTODO ............................................................................................. 39
ACEITAÇÃO ............................................................................ 49
BLOQUEIO .............................................................................. 55
A CENA ............................................................................................. 94
CONCLUSÂO
BIBLIOGRAFIA
9
INTRODUÇÃO
uma co-produção entre Brasil e Dinamarca, que tratava do tema Ecologia sob a
ótica das mitologias nórdica e indígena4, desfrutavam uma das folgas da turnê
dinamarquesa.
cinzento e chuvoso.
manter sério. Havia também um sofá com dois grupos de atores que se
entendíamos uma só palavra, mas pelas ações físicas que os atores do programa
captar o sentido geral das cenas que criavam. A cada duas cenas, uma de cada
grupo, havia uma espécie de julgamento. Um grupo ficava feliz e o outro nem
tanto.
minha relação com ela não fosse das melhores, sentenciei que esse tipo de
trabalho teria vida curta, pois em pouco tempo a criatividade se esgotaria porque
não é possível que um ator produza idéias novas todo o tempo e porque também
constrangiam. Não me sentia de fato criando algo, nem à vontade para isso.
rapidez dos atores, com a fluidez das cenas e com a nítida satisfação que
Meu primeiro contato com o Teatro-Esporte foi assim. Não no palco, não
Levei algum tempo para compreender que o fato de eu ter sérias ressalvas
propriamente dita, mas sim dos métodos ou da forma como eles me foram sempre
em uma determinada linha e não em outra. Seja como for, essas descobertas
espetáculo havia me causado foi se dissolvendo. A platéia dava idéias, gritava, ria,
vaiava, enfim, participava ativamente de tudo que estava sendo criado pelos
atores. O meu olhar se dividia entre o que acontecia no palco e o que acontecia na
platéia. Ver a satisfação estampada nos olhos vivos do público, seus corpos se
5
Talvez hoje muitos atores, inclusive no Brasil, estejam entrando em contato com esse jeito de improvisar da
mesma forma que eu. O canal da Sony apresenta um programa semanal chamado Whose line is it anyway?,
que trabalha também com princípios e jogos do Teatro-Esporte.
13
desconhecia o seu funcionamento? Talvez para muitas pessoas isso pareça óbvio,
mas para mim não era. Saber que tudo tem regras é uma coisa. Mas, conhecê-las
compreendido, de fato, que não se pode apreciar o que se desconhece. Foi uma
grande felicidade ter descoberto o óbvio. E mais excitante ainda foi ter descoberto
trabalho.
cursos e oficinas. O método, que não tem nome e às vezes se confunde com o
primeiro livro do autor, foi criado entre as décadas de cinqüenta e sessenta pelo
DEFINIÇÃO
improvisar, mediados por pelo menos um juiz. O público participa tanto torcendo
como lançando desafios para os times; sugerindo temas, títulos, épocas, estilos ou
o que quer que seja que os times desejem ou necessitem para criar as suas
cenas. As cenas podem ser livres ou criadas a partir de algum dos jogos que
forma à partida), para realizar os desafios. Ao final de cada rodada, as cenas são
julgadas (ora pela platéia, ora pelo juiz ou juízes convidados, de acordo com o tipo
Cada gol vale cinco pontos e os times poderão receber bônus por suas atuações,
Die Deutsche Bühne, que sempre ficou admirado com o público dos estádios e
6
Embora o Theatresports seja uma marca registrada, prefiro a versão traduzida, pois a mim parece estranho
usar o nome em inglês, no Brasil, e num espetáculo tão popular.
7
A partida convencional conta com o julgamento do juiz ou juízes desde o primeiro jogo, enquanto na partida
dinamarquesa o público julga as cenas no primeiro tempo de jogo e o juiz ou juízes no segundo tempo.
Detalhes sobre as diferentes versões oficiais encontram-se descritas no capítulo correspondente.
15
Criticado por alguns, por fazer um teatro não intelectual, e amado por
outros, por seu teatro atingir o público de forma tão direta, o fato é que ano a ano
de teatro mundo afora e um público que normalmente não se interessa por teatro
8
Publicação de novembro de 1990, pp. 54 e 55.
16
O IMPROVISO
uma tendência a considerá-la como algo norteado apenas pelo imediato, feito sem
como algo ligado aos primeiros passos no mundo do Teatro, ou como fase
É comum ouvirmos: Se você não tiver tal coisa (o objeto desejado), você
pode improvisar com isso (o objeto substituto). Em primeiro lugar, a frase contém
um erro, pois esse “improvisar com isso” é uma alternativa já pensada, prevista e
substitui, pelo menos temporariamente, algo maior e mais valioso. Seja esse algo,
prévia e dispondo apenas dos meios que estão à mão.”9 Se é uma criação, então
estamos falando de algo que acontece por si, no tempo presente, e não se repete.
Então, poderíamos considerar, a partir deste ponto de vista, que improvisar é ser
livre.
provavelmente a Commedia dell’ Arte, que reinou na Europa do século XVI até
9
Vários Autores. Grande Dicionário Larousse Cultural. São Paulo: Ed Nova Cultural, 1999, p. 513.
10
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 357.
11
Idem, p. 357
18
obscuridade até que, separadamente e espontaneamente, foi, por assim dizer, “re-
Johnstone.
Brasil12, mas não é sobre ela que versa esta dissertação. Todavia, ao falar da
metodologia criada por Keith Johnstone, paralelos entre as duas correntes serão
Brasil. Alguns poucos artistas conhecem a sua obra e um número menor ainda
respeito no Brasil.
12
Dos trabalhos existentes, o de Ingrid Dormien Koudela é, na minha opinião, o mais importante, por ela ter
introduzido o sistema criado por Viola Spolin no Brasil, traduzido sua obra e contribuído de forma
significativa para a implantação do Teatro-Educação em nosso país, segundo aquele sistema.
19
agora será possível compartilhar experiências, e esse novo panorama aponta para
outros países.
20
BREVE HISTÓRICO
Certo é que, do homem primitivo, muito do que acreditamos ter sido sua
comparações com alguns grupos humanos que ainda sobrevivem em nossos dias,
elementos comuns que nos permitem vislumbrar como teriam sido esses primeiros
tempos.
primitivo naturalmente faria uso da voz. E o faria não porque isso fosse belo, mas
porque fisicamente a tarefa seria facilitada pela emissão do som. A mimese desta
lhe permitiria treinar as habilidades necessárias para a repetição desta ação com
ocidental, decorrem milênios dos quais poucos registros existem. Por essa razão,
tragédia, enquanto Aristófanes, cinqüenta anos mais tarde, teria feito o mesmo
13
BRUNA, Jaime. A Poética Clássica. São Paulo: Cultrix, 1981, p. 23.
22
que se afasta da religião e cujo foco está no texto dramatúrgico, apresentado nos
festivais para um júri de dez pessoas e realizado num espaço especial: o edifício
teatral.
tragédias) não era o verdadeiro teatro do povo, que este estaria nas vilas e no
O teatro do povo existia nas festas populares, realizadas nos vilarejos, nos
encontramos:
transformado em paródia.
23
eleva à condição de arte. O que o público tem diante de si não é o herói da lenda
financeira, por exemplo, leva à suspensão da Coregia, imposto cobrado dos ricos
interesse por debates políticos ou lutas partidárias, como encontramos nos textos
amor.
avarentos, etc.
influenciado, na cultura romana o teatro vai surgir das competições. Ele, para o
paródia.
14
BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego: tragédia e comédia. Rio de Janeiro: Vozes, 1984, 2ª ed., p. 71.
24
obsceno.
a mais conhecida, por ser considerada como a manifestação teatral que teria dado
espetáculo.
Teatro. Porém, esta não foi total, já que com relação ao teatro de improviso o
que com o passar do tempo sucumbe à sua força profana e acaba por retornar às
pressupõe.
na Itália uma forma de expressão teatral, cuja força se faria sentir por toda a
Europa e reinaria soberana por dois séculos e, embora sem o mesmo prestígio,
Fortemente influenciada pelas atelanas, ou como uma evolução destas, ela vai
texto obra do ator. No início, chamava-se alguém para escrever um esboço, mas
especialização pode até ser questionada, já que, sem dúvida, limitou a liberdade
profunda especialização fez com que os textos, mesmo não sendo escritos,
teatros de variedades, nos cabarés e nos circos, ou seja, mais uma vez, junto do
povo.
seja como fonte de pesquisa de novas linguagens teatrais, seja como estudo
particular e espetáculo.
15
Canovaccio ou soggetto eram roteiros ou esquemas usados pelos atores, a partir do qual criavam o
espetáculo. A Commedia dell’arte era também chamada de Commedia a soggetto.
27
que gostaria, aliás, de ter levado o seu teatro a um jogo livre em que os
teatro livre de tudo o que desvia a atenção daquilo que é essencial: o ator. Para
Viola Spolin inicia o seu trabalho no final dos anos 30, em oficinas para
mundo do Teatro. Para tal, cria um sistema cuja aplicação contribuiu de forma
criação de cenas.
28
Johnstone, é nos anos 60 que a transposição para o palco ganha impulso e suas
idéias começam a ser difundidas com a publicação do livro Improvisation for the
companhia de improviso Second City, de Chicago, fundada nos anos 50 por Paul
Sills, e depois em 1965, também com seu filho, funda o Game Theatre, em
improvisação que tem como ponto de partida o método de Stanislavski e que, por
alguns estudiosos, ocorrido nos anos 60, simultaneamente nos dois continentes, e
traduzido, principalmente, no trabalho dos dois teatrólogos, talvez seja reflexo das
ocorridas no período, mas sinaliza também a força desse tipo de teatro, que não
16
BEDORE, Bob. Improv Games for children and adults. Alameda: Hunter House, 2004, p. 101.
17
Improvisação para o teatro foi traduzido para o português por Ingrid Dormien Koudela e Eduardo José de
Almeida Amos.
29
consegue se render por muito tempo a padrões estéticos que não levam em
Stanislavski o que deu o impulso que lhe faltava para colocar em prática suas
18
Em termos de Brasil, Augusto Boal e o seu Teatro do Oprimido também representam essa tendência. Com
respeito ao teatrólogo brasileiro, a título de curiosidade, nota-se nos últimos anos um interesse crescente e
significativo de algumas companhias de improviso, no exterior, incluindo as de Teatro-Esporte, por seu
trabalho.
30
encontrava-se estagnada. Por mais que olhasse ao seu redor, não conseguia
manter contato com outras pessoas estava bastante prejudicada. Não conseguia
expor suas idéias nem manter vínculos afetivos. Nada lhe parecia suficientemente
que lhe teria acontecido. Como podia ser possível que alguém, depois de tantos
anos de estudo, não fosse capaz de devolver ao mundo alguma coisa que
prestasse?
O curso, no entanto, não trouxe o que ele esperava. Porém, foi justamente
saída, achou que “daria um banho” nessa disciplina. O “banho” que levou foi tão
19
JOHNSTONE, Keith. Impro – Improvisation and the theatre. Londres: Methuen. 1983, 3ª ed., p. 18.
31
grande, que acabou por ser um dos pontos de partida para o método que ele viria
a criar anos mais tarde. A Anthony Stirling, esse professor a quem chama de
cima de um monociclo. A seguir, pediu para que pintassem com tinta preta as
palhaço?, pensava Keith Johnstone. Não! Ele precisava mostrar que era criativo.
Que era um artista. Decidiu misturar um pouco de tinta azul ao preto. O professor
instruiu os alunos para preencherem com tinta colorida os espaços criados pelas
marcas do pneu. Esse homem deve ser um maluco!, a classe começou a provocá-
com o mesmo exercício e espalhou-as pelo chão. Eram lindas. As cores eram
vibrantes. As folhas deviam pertencer a uma turma mais adiantada. Bem, afinal,
esse homem devia ter algo para nos ensinar, pensou. Mas, foi aí que Keith
Johnstone se deparou com algo que chamou a sua atenção. As assinaturas eram
feitas com uma caligrafia muito instável. Aqueles desenhos pertenciam a crianças.
32
sua curta carreira, como professor de ensino fundamental numa escola da periferia
20
Idem, p. 25.
33
Dificilmente uma obra é forjada como fruto exclusivo de uma única fonte. O
influências são inegáveis, seja pela força das convicções que abraçam, seja pelo
O Royal Court Theatre, sem dúvida, ocupa lugar de destaque, sem o qual,
Devine.
próprio Teatro-Esporte.
21
DEVINE, George Apud ROBERTS, Philip. The Royal Court Theatre and the modern stage. Cambridge:
University Press, 1999, p. 45
34
presente da cena.
com Michel Saint-Denis, de quem fôra aluno e que considerava como mentor e
possíveis para manter o Studio aberto, mas, com a eclosão da 2ª Guerra Mundial,
Logo se tornaria claro para Saint-Denis que não havia mercado para suas
idéias em Londres, mas ele tampouco queria voltar para a França. Assim, junto
sonhos do amigo, não desistiu e acabou por criar os esboços para o que mais
tarde viria a se tornar o Old Vic Theatre Center, o centro de pesquisa teatral do
rapazes”.
três rapazes logo se veriam sob forte pressão. O teatro que faziam estava na mira
dos agentes do governo responsáveis pela cultura. A Câmara dos Lordes queria a
criação de um Teatro Nacional, tendo o Old Vic Theatre como centro. O pouco
Vic Company. Ao mesmo tempo, fez questão de deixar claro que a situação do
Old Vic Theatre Center era instável. Esher não concordava com a linha
Esse foi o marco para o início do fim do projeto criado por Devine e Saint-
Denis.
No início de 1951, Lorde Esher anunciou que só haveria verba para três
1955. Não havia mais atmosfera para continuar o trabalho e, em maio do mesmo
ano, Saint-Denis, Devine e Byan Shaw pediram demissão, que foi prontamente
aceita. Nos meses seguintes, com a chegada dos dois novos diretores, o
Apesar de ter trabalhado muito, num curto período, Devine não aceitava a
derrota e fazia planos. Seu desejo de tornar as idéias do Old Vic novamente uma
um novo trabalho em teatro para os atores; ele estava agora empolgado com a
época, o The Times informava o arrendamento do Royal Court Theatre, por Alfred
37
Esdaile, por um período de quarenta anos e meio. O Royal Court Theatre estava
achou que esse era o teatro perfeito para desenvolver o seu projeto. Durante dois
anos, lutou junto com Richardson para comprar de Alfred Esdaile o direito de uso
esboços.
como seu assistente. O repertório deveria ser composto, em sua grande maioria,
por textos novos; seria criado um clube e projetos de treinamento de ator deveriam
Na verdade, essa proposta não era de todo inovadora. Muitas das idéias
de Saint-Denis, que por sua vez derivavam das de Jacques Copeau, estavam
novos.
22
Idem, p. 9
38
teatro só para associados. Esdaile, por sua vez, como a insistência fosse grande e
O Conselho de Arte, por sua vez, achava que o projeto de Devine deveria
público.
contato com Esdaile, em 1954, e a montar a sua própria companhia. Dos sete
Theatre, mas problemas legais em torno do nome da companhia fizeram com que
que uma companhia de teatro usasse o Royal Court como sede administrativa.
39
um diretor artístico de peso. E, por uma guinada de sorte, em toda essa confusa
negociação, o diretor indicado por Esdaile não foi ninguém menos do que George
Devine.
faltava.
história do Royal Court Theatre. Uma história que se mistura à história do teatro
contemporâneo inglês.
do teatro moderno, por uma companhia forjada no pós-guerra, cuja criação reflete
a feroz batalha travada contra uma tradição teatral secular e contra a censura.
portas para o Royal Court Theatre. Nem por isso os primeiros tempos no teatro
planejado durante anos. Para isso, Devine reuniu parte de suas antigas equipes, e
Theatre Studio e o Old Vic Theatre Center, mas com diferenças. Os trabalhos não
eram tão meticulosos como o método de Saint-Denis exigia, e Devine dava mais
O fato é que Devine estava tentando não repetir o passado, e sua maior
Lewenstein insatisfeitos, porque durante meses nem um texto novo sequer havia
sido lido, alguns haviam mesmo sido rejeitados, e isso contrariava a base da
política do teatro.
por essa razão, relutou em aceitar de imediato. Mas, como era um emprego e na
ocasião estivesse sem dinheiro, mesmo sabendo de suas limitações, acabou por
aceitar a oferta.
Seu trabalho consistia em fazer a primeira triagem dos textos enviados por
Keith Johnstone saiu-se muito bem na tarefa, afinal ele próprio gostava
roteiros para cinema. Logo se tornou chefe do departamento de textos, que, aliás,
possuía apenas dois funcionários, dos quais ele era um. Isso exemplifica a
teatro. Nada e nenhum dos textos selecionados poderia chegar às suas mãos nem
o trabalho em si era muito fácil porque a maioria dos textos eram cópias ou
expressiva de pessoas talentosas, que não tinham tido acesso a uma boa
42
educação. Não se tratava de uma idéia original, mas o fato de Devine, com seu
original.
Isso criou uma espécie de mito, em torno do qual dizia-se que uma “horda
fosse o Royal Court, e muito menos poderiam reclamar para si o título de autores.
Eram amadores que vinham das mais diversas profissões. Havia um padeiro, um
grandes expectativas quanto aos próximos trabalhos. Não havia como prever o
24
WARDLE, Irving. The Theatres of George Devine. Londres: Johnathan Cape, 1978, p.194.
25
Idem, p. 195.
26
Ibidem, p. 198.
43
que aconteceria, nem classificar o que faziam. Tudo era sempre novo e diferente.
O que todos, no entanto, percebiam é que ali estava sendo criada uma
ensaios e cadeira cativa nos espetáculos. As peças deveriam ser conhecidas pelo
nome de seus autores e não por seus títulos. Assim, se ocorresse de um mesmo
autor ter duas peças encenadas ao mesmo tempo, todos deveriam referir-se a
seus autores, e admirasse pessoas com habilidade verbal, porque sentia que essa
desenvolveram fez-se sentir por todo o teatro e uma nova área da dramaturgia
George Devine, por sua vez, segundo relatos, não nutria sentimentos muito
positivos em relação ao grupo. Não chegava a ser hostil, mas para ele tratava-se
28
JONHSTONE, Keith. Impro,Op. cit., p. 26.
29
WARDLE, Irving. The Theatres of George Devine. Op. cit., p. 195
30
Idem, p. 199-200.
45
segunda categoria, por seis semanas, e a terceira, por apenas três semanas.
teatro.
31
ROBERTS, Philip. The Royal Court Theatre and the Modern Stage. Op. cit., p. 72.
46
Nos três anos que se seguiram, até a morte de Devine, em 1966, Keith
Esporte.
47
O MÉTODO
por alguns críticos e estudiosos, como primo da Commedia dell' Arte, por outros,
trata, na verdade, de princípios básicos do teatro. Aquilo que acreditamos ter sido
a relação do público e dos atores na origem do próprio teatro. Ou, ainda, talvez, o
Brecht dizia que o teatro deveria ser como o futebol, capaz de mobilizar o
Stanislavski dizia que era necessário buscar os motivos das ações, gestos
suas personagens.
exortavam a natureza para que a vida florescesse e fosse boa para todos.
48
PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS
O método que ele criou tem por objetivo devolver a espontaneidade ao ator,
cujo passo inicial seria a aceitação de suas próprias idéias. Para isso, ele lança
mão do jogo, que na visão aristotélica é uma atividade que se executa por si
Para J. Huizinga, o jogo “se insinua como atividade temporária, que tem
uma finalidade autônoma e se realiza tendo em vista uma satisfação que consiste
espírito quando pensa. E por pensamento entende, segundo suas palavras, “tudo
o que acontece em nós, de tal modo que o percebamos imediatamente por nós
mesmos; por isso não só entender, querer e imaginar, mas, também, sentir é o
projeto cuja existência só se dará se presentificada pelo ser-aí (dasein), que para
partir dessa condição de abertura para a experiência ele pode captar o mundo e
32
HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004, 5ª ed, p. 12 .
33
ABBAGNANO Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 751.
49
sendo-aí que o homem constrói o seu modo de ser, a sua existência, a sua
história.
Keith Johnstone afirma que a questão não está em ter ou não idéias, mas
problema, pois, embora do ponto de vista metafísico a perfeição não seja jamais
reservado para esse fim, de forma organizada), em geral, nos leva a acreditar que
acabamos por nos lançar numa busca desenfreada pela perfeição. Porém, quanto
temos nas mãos. Vamos, sem que percebamos, deteriorando nossa capacidade
de ver e escutar os apelos que nos são feitos a cada momento. Vamos destruindo
digam!). Ter idéias, para nós, passa a ser considerado como uma tarefa que
E no Teatro?
O que ocorre com um ator no momento em que se pede para que dê uma
frente, como se existisse um local definido para o mundo das idéias. Então, alguns
provavelmente com um sorriso embaraçado nos lábios, que não teve nenhuma
idéia. A cabeça penderá para baixo e ele terá muita dificuldade em manter o
Lidar com as idéias, tanto com as que buscamos, como com as que
aparecem em nossa mente sem serem chamadas, é uma tarefa muito difícil. Difícil
porque tentamos exercer controle sobre elas. Para Keith Johnstone, o que ocorre
é que as primeiras idéias que vêm à mente são, em geral, obscenas, psicóticas e
não originais. Por isso, vamos jogando fora essas idéias, esperando por aquela
que nos tornará, aos olhos do interlocutor (do mundo), alguém digno de ser
ouvido. O problema é que nenhuma idéia será boa o bastante. Então, de fato,
Freud, ao descrever a luta infinda entre as três estruturas mentais (id, ego e
Johnstone.
Mas, se um ator correr o risco de dizer a primeira coisa que lhe vier à
como que tentando evitar que mais alguma coisa escape. Cairá na risada, seu
pensamentos.
c) Espontaneidade e criatividade.
52
ACEITAÇÃO E BLOQUEIO
criação de cenas. O ator deve ser capaz, em primeiro lugar, de reconhecer o modo
como ele cria ou como chega à ação. Talvez a melhor maneira de dar início a esse
processo de análise seja propor ao ator que observe o seu modo habitual de se
relacionar na vida com as tarefas que tem para executar, ou os problemas que
surgem em seu dia-a-dia. O que ele faz e como faz. Como funciona o seu
normalmente: penso antes de agir ou ajo por impulso? Longe de ser uma questão
Filosofia, a resposta a essa questão dará ao ator a dimensão do trabalho que tem
à sua frente, para que possa se lançar na improvisação sem receio do resultado e
considerar o fato de que o que ele é e o que possui como atributos em seu
não é diferente. Porém, o que estará em foco e será objeto de exaustivo trabalho
Caso 1
planejamento a priori, ou seja, se ele se considera alguém que pensa muito antes
lidar com a primeira idéia, uma vez que a sua tendência será a de considerar as
idéias que vêm à sua mente não como idéias, mas como cenas acabadas, já
apresentadas e julgadas pelo observador, o que exige dele muito esforço, pois
precisará ter executado uma operação mental que envolve grande planejamento;
que possam estar envolvidas na construção da cena junto com ele, além dos
implica existência de tempo, tempo esse que não existe quando trabalhamos com
cena nem texto nem a figura de um diretor, o que deixa o ator à mercê de suas
idéias. Quanto mais disposto ao planejamento ele for, maior será o seu temor em
aceitar a primeira idéia e maior será a sua prontidão para bloquear as idéias,
real, portanto, o que fizer nele não lhe trará as mesmas conseqüências que atos
realizados na vida real. Mas, por mais curioso que pareça, embora esse ator saiba
de tudo isso e que é de sua profissão criar, inventar, se expor, quando se trata de
ele não fosse o ator e sim a pessoa da vida real, sujeita às regras e convenções
Digamos que seja proposta a criação de uma cena cujo título é O terremoto.
Um ator se lança no palco e daí pára por poucos segundos, olha em volta e
começa a falar sobre o chão que está tremendo, sobre as casas que estão caindo,
etc. Seu corpo não tem vitalidade. A cena do relato do terremoto termina e o ator
cessou e ele se viu no palco com a responsabilidade de criar a cena. Talvez sua
primeira idéia tenha sido gritar, mas ele não a aceitou porque poderia parecer
maluco. Seu corpo queria tremer, mas ele não sabia como um corpo treme num
55
terremoto e não queria provocar riso. Então ficou buscando algo que o tirasse da
protegeu, mas a cena, que é o que queríamos ver, não aconteceu. A opção pelo
relato ainda assim poderia tê-lo colocado dentro da situação do terremoto, como
sua análise, talvez, a parecer ridículo. O curioso é que se essa fosse a cena de
uma peça, esse mesmo ator não teria tido todas essas preocupações. Haveria
enfim vários suportes e garantias e, em último caso, algo ou alguém para culpar
caso fracassasse. E, se nada disso fosse suficiente para desculpar uma possível
falha, ele ainda poderia argumentar não estar nos seus melhores dias.
confiam nas de seus companheiros de cena e, por esta razão, por medo de um
Caso 2
alguém que já possui prontidão para a improvisação, o que não significa que esta
Há atores que possuem grande facilidade em iniciar uma cena, mas não
se estar diante de alguém cuja caixa craniana é pequena demais para conter as
idéias que fervilham dentro dela. As idéias transbordam na cena e o ator se deleita
com a quantidade de idéias que é capaz de produzir, mas não presta atenção a
elas e nem se fixa de fato em nenhuma. Suas cenas são confusas, sem eixo. O
tema pode mudar a qualquer momento, sem razão aparente, só porque surgiu
uma idéia que ele considerou mais interessante e não queria desperdiçar.
A grande tarefa deste ator será concentrar-se em sua primeira idéia, o que
temporariamente, das demais que não param de surgir em sua cabeça. No palco,
assim como na vida, estamos sujeitos a fazer escolhas a cada momento, e para
escolha.
Além disso, atores que produzem idéias com muita facilidade possuem a
apenas em sua primeira idéia. Com freqüência argumentam que a cena se tornará
Tanto num caso como no outro estaremos diante de atores que têm
segundo porque não lhe presta a devida atenção. Se avançarmos um pouco mais
mantendo a atenção voltada para o possível julgamento que um outro possa fazer
57
equivale a dizer que a grande tarefa do ator será aceitar idéias e dar forma a elas.
ACEITAÇÃO
Dizer “sim”.
Essa é a primeira condição para que algo seja criado no palco. Aceitar a
primeira idéia que venha à cabeça, por mais simples, óbvia, banal, absurda ou
Se um ator cobrir a cabeça, cubra a sua também. Os dois podem não saber
porque fizeram isso, mas a disposição para descobrir a razão está lá, presente.
mundo desaba sobre suas cabeças, ou uma cena sobre uma nova dança, moda
35
JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 92.
58
disseram “sim”. Aceitaram a idéia. Caso contrário, nenhum desses exemplos teria
está presente e ela terá de disputar o afeto do professor não mais pelas eventuais
gracinhas que possa fazer, mas pelo raciocínio e inteligência. O que diz, pensa e
primeira fila e lhe pede para ler o primeiro parágrafo. Depois, aponta o seguinte e
pede que leia o segundo parágrafo. Aponta o seguinte e pede que leia o terceiro
parágrafo, e assim por diante. Para nós, sentados na última carteira da terceira
quão bem sabemos ler e, quem sabe, receber algum elogio, rapidamente fazemos
acontece de, ao chegar a nossa vez, o professor nos pedir outra coisa e, aí,
objeto em questão. Se, ao invés de nos preocuparmos com o efeito que nossa
para o texto que estava sendo lido, teríamos tido menos dificuldade em procurar
nem sempre elas surgem de nós. Ou seja, alguém foi mais rápido e propôs
primeiro.
não oferecer indícios claros do porquê o fez; seja do ponto de vista gestual, seja
do ponto de vista verbal. Essa situação não seria grave e não comprometeria a
cena, se o autor da situação tivesse consciência de que fez uma oferta cega, que
60
poderá ser entendida de múltiplas maneiras por um segundo ator que entre em
cena para contracenar com ele. Ofertas cegas, termo usado por Keith Johnstone,
manterem atenção redobrada no outro. Mas, nem sempre é isso o que ocorre. Ao
invés da satisfação por ter conquistado uma parceria e poder jogar com alguém,
muitos atores se irritam com o que o segundo ator propõe, argumentando não ter
este ator entendido o que ele estava fazendo e, em decorrência disso, ter
idéia, se o que ele quer está em sua cabeça, não há como o outro descobrir. Esse
é um dado que, apesar de óbvio, geralmente acaba sendo fonte de muito trabalho.
espaço de tempo, suspira. Um segundo ator entra, pára ao seu lado e, depois de
aguarda maiores informações para prosseguir, porque o que ele fez não foi claro o
suficiente.
faça, por mínima que seja, irá conduzir a cena para frente. Mas, se ele repetir o
abertas porque ele não sabe, naquele momento, como prosseguir e, portanto,
precisa de ajuda. Caberá ao segundo ator, a partir deste dado, dar um norte para
61
Portanto, o que quer que tenha pensado, ao se lançar no palco, deixou de ter
importância porque ele não revelou nem deu indícios de que havia alguma idéia
além ou por detrás do suspiro. Todas as portas estão abertas para o segundo ator.
Se este repetir o suspiro, estará informando ao primeiro ator que também ainda
não sabe como prosseguir, mas que suspirar é uma boa idéia. Os dois poderão se
diferentes formas de suspirar até encontrarem uma solução. Ou, o segundo ator
poderia dizer, por exemplo, “hoje faz dois anos que ele/ela se foi, sinto sua falta”,
primeiro ator da dificuldade inicial, dando sentido à sua ação. Porém, por mais
vezes de forma explícita e até agressiva, as idéias que ele traz para a cena. Se
perguntado, não raro, o primeiro ator poderia argumentar dizendo não ter o
combinado de nos encontrar às três. Eu havia feito planos, mas como ele
Toda uma história foi construída, mas nenhum indício foi dado. Como
argumentar:
62
todos, nele as revelações são feitas ao longo da peça. Não que o elemento
primeiro ator tivesse tentado encaixar a idéia (que não revelou) depois da fala
muito aumentada, já que teria de encontrar uma ligação entre as duas idéias,
temática.
O primeiro ator entra em cena, pára e suspira. O segundo ator entra, pára
- Hoje faz dois anos que ele/ela se foi, sinto a sua falta.
achar uma ligação entre a sua idéia e a de seu companheiro de cena. Ele não
tem certeza se o primeiro ator bloqueou a sua idéia ou se fez uma oferta. A
única certeza que tem é a de que a cena precisa continuar. Ele tenta:
- Eu sei que havia prometido não falar mais dele/dela, mas não pude evitar.
primeiro ator não se dispuser a deixar de lado a sua idéia inicial, que não foi
comunicada no momento devido e abriu espaço para que uma outra ocupasse a
Aceitar uma idéia colocada na cena significa, entre outras coisas, aprender a
nos despedir de outras idéias que não cabem ou não foram apresentadas no
BLOQUEIO
quer que se diga a elas, e mesmo numa conversa banal do cotidiano, utilizam este
suas falas pelo vocábulo “não” mesmo que no decorrer da conversa raciocinem e
continuidade da cena. Tudo o que impede o fluxo natural das idéias e ações.
improvisação, usam em demasia o “não”, acreditando que com isso estão gerando
conflito. Cada um seguiria o seu caminho. Portanto, não haveria história a ser
estabeleceu. Como viver esse amor, se recai sobre eles o peso do ódio que divide
um aceite que é ponto de partida fundamental para que um conflito possa emergir.
65
será tanto maior quanto maior for a capacidade de aceitação das próprias idéias,
ação dos envolvidos. Haverá sempre um “e agora?”, que impulsionará a cena para
frente.
e esperada pela própria natureza do trabalho, ela será sentida muito aumentada
por este tipo de ator porque ele não quer se ver envolvido em situações que
responsável por tudo o que se faz ou se diz em cena. Então, temendo correr
riscos, para controlar a situação, acaba por recorrer ao bloqueio como forma de
proteção.
desenvolvida nos anos 60, mas diferentes tratamentos clínicos nessa área, até
perceber que sem a concordância não conseguirão realizar nada juntos, Keith
alívio aos participantes que fazem muito uso do “não” porque, embora obrigados
pelas regras do jogo ao “sim”, sentem-se confortáveis, ao realizá-lo, uma vez que
A - Vamos ao cinema?
36
Psiquiatra por formação é considerado um dos pioneiros no tratamento da ansiedade e da fobia.
Desenvolveu uma terapia comportamental que parte do princípio de que ansiedade é incompatível com
relaxamento. Wolpe estabelece uma hierarquia dos estímulos causadores da ansiedade e os apresenta ao
paciente de forma progressiva, em situação de relaxamento, visando a dessensibilização dos mesmos.
67
A - Sim, mas o filme é justamente sobre uma família que se curou de gripe.
embora amenizado, no jogo, pelo “mas”, lhe causa. É bastante comum atores
está ligado a uma conduta adotada pelo autor em seu trabalho. Para Keith
ainda mais poderosos. Por esta razão, se o ator, por algum motivo, tem medo
suas idéias a partir daquilo que lhe traz segurança. Ao invés de criticar a
suas criações, mas os sentimentos deles derivados não podem nem devem
37
ver Keith Johnstone a a criação do método, p. 21.
38
JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 30.
69
STATUS
Princípio da gangorra
Johnstone, é algo móvel. Ele não diz respeito à condição social de alguém, como
O status, para Keith Johnstone, diz respeito ao poder que alguém tem num
determinado momento. Dessa forma, uma personagem pode ganhar poder, pode
perder poder, pode lutar por poder. Entre um extremo e o outro da gangorra, Keith
Johnstone cria três níveis intermediários, em que o número um seria o mais baixo
divertido, obriga o ator a olhar e escutar tanto a si mesmo como ao outro, com
39
É o verbo utilizado para indicar a ação a ser realizada com o status.
70
contato visual. Pessoas de status alto tendem a ocupar mais espaço no ambiente
demarcado e tudo o que nele exista como sendo seu, mesmo que legalmente não
lhes pertença. São pessoas que interagem com intimidade com as coisas do
colocados, andam com passos firmes e seus pés tocam de fato o chão. Possuem,
mundo e tratam as coisas que nele existem com cuidado, às vezes extremo, e,
mesmo sendo de fato suas, relacionam-se com elas como se não lhes
conta do que fazemos para ajustar nossos stati, para cima ou para baixo, segundo
manobras que eles fazem na vida para conseguir o que desejam, porque torna
consciente o tipo de jogador de status que são, e porque o trabalho com o status é
uma rica fonte de pesquisa de suas personagens. Pesquisa essa que os ajuda a
perder seu poder se se mostrarem fracos, enquanto que jogadores de status baixo
trabalho, a idéia de que uma pessoa de status alto seria alguém necessariamente
72
arrogante, insensível e malcriado, enquanto que uma pessoa de status baixo seria
diferentes sentimentos, eles ficarão mais abertos para compreender que, embora
status. Percebem também que, pelo fato de decidirem iniciar uma cena tendo
contato visual. Sem ele não podemos jogar. É como se não tivéssemos ninguém
perceberemos uma elevação, mesmo que pequena, se o dono nos assegurar que
Só não jogaremos, ou, pelo menos, tentaremos evitar jogar status com
procuraremos de saída ceder parte de nosso território porque ele não é uma
sobre nós e nos desafiar, é bem provável que tenhamos dificuldade em manter a
decisão inicial.
nos sentar e, curiosamente, a decisão pode levar algum tempo. Podemos ainda
testar alguns lugares diferentes. Mesmo pessoas com status muito baixo
estação, uma única pessoa entrar nesse mesmo vagão, é bem provável que
bom território. À medida que o vagão for se enchendo de gente, vamos cedendo
cada vez mais espaço e permitindo que pessoas estranhas invadam nosso
espaço, porque sabemos ser esta uma condição temporária e porque, de alguma
forma, compreendemos que de fato o vagão não nos pertence e que só alugamos
temporariamente uma vaga nele. E, também, porque existe uma motivação maior,
território, em que só entram pessoas e coisas que passarem por nossa aprovação.
duração, a lotação das celas torna impossível a convivência pacífica e, mais cedo
ou mais tarde, os territórios serão reclamados, fazendo com que lutas ocorram.
Elas não serão mais sutis, como as que travamos em nosso dia-a-dia, mas reais e
Ele também nos fala das formas através das quais podemos tentar elevar
seria fazer alguma coisa que justificasse a subida, mas, em geral, não nos
esforçamos para subir; tentamos, ao invés disso, rebaixar o status do outro, tendo
Quando se começa a falar em status, em geral, todo mundo quer ter status
Se alguém vier falar comigo com um status muito alto e eu abaixar muito o
meu, será difícil para a pessoa sustentar o seu, se quiser continuar mantendo
irá se comunicar com o jogador de status dois. Assim como alguém que jogue o
cinco terá como parceiro direto o jogador de status quatro. Os extremos possuem
forma ajustar os seus stati para cima ou para baixo, conforme for a sua condição
vantagem sobre os extremos. A essa vantagem soma-se o fato de que, não sendo
eles os autores de uma ordem, nem quem irá cumpri-la, cabendo-lhes apenas a
Um rei ocupa o topo na pirâmide social, mas poderá ter um status baixo e
ser dominado por um serviçal de status alto que não deixará, no entanto, de servi-
descrita acima. O filme Rebeca40, por exemplo, tem como personagem de status
mais alto da história (o cinco) a própria Rebeca, que já morreu, mas cuja
casa (status dois) e de sua jovem esposa (status um). Em nenhum momento a
governanta sai do seu papel de servir os donos da casa, mas ela é quem define o
concorrem para isso, e note-se que não aparecem ao mesmo tempo na história. A
40
Rodado em 1940, é o primeiro filme de Alfred Hitchcock feito nos Estados Unidos. Rebecca ou Rebeca, a
mulher inesquecível, ganhou o Oscar da Academia para melhor filme.
77
rebaixado o seu status, a peça não seria uma tragédia e talvez tivesse tido até um
final feliz. Mas essa cena propõe nitidamente uma luta por território. Nenhum dos
grega lida com personagens de status alto. E, neste caso específico, temos uma
duplicidade, porque a tragédia Édipo Rei trata de figuras com elevado status social
e também pessoal.
contenda direta com o tio e abre-lhe espaço para agir. Tanto a tragédia de
Shakespeare refira-se apenas a uma pequena parte da história descrita por Saxo
Alguém quer algo e, para conseguir o que quer, precisará avaliar bem a
situação e as pessoas nela envolvidas, para saber que status jogar. Esse algo
poderá ser proteger seu território, realizar um desejo, ou outra coisa qualquer. O
que importa é que há sempre uma razão para jogar. Pode-se não percebê-la, logo
no início do jogo, mas essa será uma tarefa dos atores: descobrir porque se
lançaram na cena.
não conseguem enxergar que isso não é possível sempre. E há aquelas que
parecem fadadas ao fracasso. Por mais que se lhes mostre que estão vencendo,
78
movimentar.
uma maneira quase palpável, e nos fazem olhar para nós mesmos e para o nosso
- Bom dia.
O outro responde:
- Quisera eu ter o seu bom humor, para achar que hoje é um bom dia.
dadas. O “bom dia”, que pode ter sido de início praticamente neutro, ganhou a
assim o status mais alto do primeiro. E “o dia de hoje” traz o tema a ser
adiante, tendo como fio condutor apenas a questão do status. Poderão manter o
uma luta por status baixo, em que o um apresente razões para abaixar o seu
encontrando no decorrer da cena algum motivo que os faça trocar de lugar. Seja
qual for a opção, estaremos diante de uma cena com atores envolvidos e
79
Keith Johnstone diz que Beckett uma vez lhe escreveu e disse que o palco
corporal o deleitou.
coisas acontecem. O público não vai ao teatro para ouvir, e sim para ver palavras
transformadas em ação.
80
ESPONTANEIDADE E CRIATIVIDADE
Para Keith Johnstone, atores inspirados não são aqueles que buscam a
melhor idéia, mas sim aqueles que aceitam humildemente as que vêm à mente e
seria aceitar a primeira idéia e criatividade a disposição para trabalhar com ela,
Quando Keith Johnstone faz esta proposta, ele acaba por chamar a nossa
improvisação significa fazer com que os atores se envolvam com a cena e não
com o pensamento sobre o que dizer ou fazer. Partir de algo conhecido, algo
disputa de status desnecessária, já que esta não diria respeito à cena, mas sim ao
pensou em fazer uma cena de caráter sociológico, mas, ao ser óbvio, simples e
banal, abriu espaço para que uma construção dessa natureza pudesse surgir, e
sem esforço mental. A partir daí, os atores sentem-se mais à vontade porque o
aspecto verbal da cena fluirá sem maiores dificuldades e eles usarão o tempo para
Ou
- De novo?
cena.
mental de seu companheiro de cena para tentar decifrar o que seria um filé
82
idéias, mesmo que de fração de segundos. Mas, o mais importante é que essa
esta que poderia criar uma grande dificuldade para o autor da idéia do filé e, em
ficaria excluído da cena. Primeiro, porque ele próprio também estaria envolvido
intelectual.
que são comuns e causam grandes estragos se não forem consertadas a tempo.
com o seu companheiro de cena do que com o caráter inusitado de suas idéias.
exemplo, o ator estaria aceitando o filé venusiano como uma realidade da cena,
mas, mais do que isso, colocando-o num patamar de algo já bastante conhecido e
Pode ser que jamais alguém saiba o que é um filé venusiano, nem quem o
propôs, mas a cena não seria interrompida e o público respiraria aliviado porque
também o público, que, ao ser convidado a dar sugestões para as cenas, às vezes
pessoa não sabia. Sua sugestão havia sido uma nítida provocação para deixar os
mas mais porque ela também foi retirada do mal estar de não ter entendido o que
que notemos, mas basta fixarmos nossa atenção para que percam essa
geográfico quanto dos diferentes grupos sociais que nela possam existir. A
acolhidas.
Mas se ela, em algum momento, infringir a regra, sua atitude, com certeza,
Pode-se dizer que uma criança está sendo criativa ao fazer de um sapato
venda de suas obras, acabam por destruir exatamente aquilo que os teria feito
porque isso seria impossível, mas tentar olhar para as coisas do mundo com olhos
bem abertos, curiosos, como a criança o faz; deixando que as coisas nos
Isso é difícil? Sim e não. Sim, porque do ponto de vista social esperam de
nós o contrário, e o peso dessa expectativa nos faz recuar e bloquear nossos
construímos hábitos dos quais temos dificuldade de nos livrar. E não, porque
tensão. Para ele, a criatividade seria inata e faria com que o homem dispusesse
de uma energia dirigida para fora, a fim de poder reagir ao meio ambiente.
violência e destruição.
41
GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999, 16ª ed., p.29.
86
configurar e significar.
Tanto num caso como no outro, estamos diante de uma situação em que há
possível através dos sentidos que nos permitem chegar à percepção ou à tomada
e raciocínio.
Assim, para ele, toda percepção seria dupla, ou seja, ao mesmo tempo
idéias têm sua origem em estímulos que nos chegam através dos receptores, ou
seja, nossos órgãos dos sentidos, e dali são transmitidos até o cérebro através
receptores originais, mas para todas as partes do corpo que serão necessárias
qual a idéia e a impressão poderão ser trabalhadas por nós em dois níveis:
válidas. Um caco que meu cérebro reconhece como tal é identificado, por
exemplo, como pertencente a uma xícara, e a xícara poderá ser associada a uma
horas do dia talvez não fossem suficientes para executar uma ação completa.
Geralmente, só nos damos conta de que nosso corpo sabe mais do que
terei consciência do ocorrido depois que já estiver a salvo. Muitas vezes dizemos
que não sabemos como fomos capazes de realizar esta ou aquela ação, ou de
88
informações que nos chegam através dos sentidos. Para nós, a percepção que
leituras como sendo um único todo que encerra em si uma única verdade.
coisas se mostrem, sem impor a priori o que achamos que elas deveriam ser.
Significa também aceitar a lógica da cena, ou seja, aquilo que é óbvio para uma
determinada situação.
idéia em uma cena, mesmo que ela esteja gritando em sua cabeça para sair, e
todos em volta estejam torcendo para que ela apareça, só porque a mesma idéia
surgiu em uma cena imediatamente anterior à sua e ele acredita que se o fizer
espontaneidade, fica irritado e frustrado consigo mesmo, por não ter conseguido
uso de alguns jogos que obrigam um ator a ser sempre “escada” para o outro. Ao
fazer isso, ele retira dos atores a possibilidade de se sentirem responsáveis pela
informação que estaria faltando naquele momento, para que a cena possa seguir
objetivos principais são fazer os atores prestarem atenção nos parceiros de cena e
uma palavra que dê início a uma frase. O ator seguinte coloca a próxima palavra,
e assim por diante. Não se trata de palavras aleatórias, mas de frases construídas
com sujeito, verbo, predicado, artigos, adjetivos, advérbios e tudo mais que a
quando chegar a vez de cada um dos jogadores, talvez aquela idéia maravilhosa
persistir. Talvez lhes caiba apenas um simples, óbvio e banal artigo, mas sem ele
a frase perderia sua coerência. Acrescentar o artigo não exigiu do ator qualquer
esforço mental. Cabia a ele simplesmente ouvir. Um ouvido atento sabe como dar
qualidades individuais. Só muito mais tarde perceberão que original e criativo será
valorizar as pequenas coisas do dia-a-dia, de aceitar as ofertas que nos são feitas,
levam a realizar algo de uma maneira específica. Eles nos indicam como dizer ou
fazer algo. Uma mesma fala dita com diferentes sentimentos poderá ter seu
sentido alterado. Um eu te amo dito com ódio, indiferença, alegria ou paixão, terá
O termo fast-food Stanislavski foi criado por Keith Johnstone, quando ele
School42, nos anos 70, e constatou que os alunos pouco conheciam e menos
faltar é tempo para pensar. Se não há tempo para pensar, menos ainda haverá
presentes numa cena, a que damos o nome de personagem. Não se trata de algo
implica despojamento do ator, em deixar-se estar “vazio” para, num curto espaço
cena será descobrir (construir) que tipo específico de pessoa ela é. Que
outras da mesma categoria e, ao mesmo tempo, quais qualidades farão com que
entrar em cena e descobrir que o melhor para a cena será ele assumir o papel de
pai, ou, ao contrário, se alguém entrar em cena e lhe atribuir esse papel, sua
dentro da categoria “pai”. Ou seja, o que quer que o ator faça em cena terá de
Haverá sempre um motivo, uma razão para a personagem ter feito ou dito
Keith Johnstone, porém, chama a atenção para o fato de que saber qual é a
motivação não é suficiente para que a cena aconteça. É necessário que o ator dê
deve o ator ter consciência de que terá de descobrir porque está em cena, porque
Entra e sai.
time e cujo objetivo é abandonar o banco, todos ao mesmo tempo e pelo mesmo
espetáculo, sugerida pelo público) é o local onde esse banco está. O jogo pode
ser bem demorado, mas é extremamente prazeroso de ser assistido. Cada um dos
atores terá por tarefa desenvolver uma pequena ação física, coerente com aquele
43
STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 182, 5ª ed., p.
63.
94
cena estão criando. Com o tempo, alguma das ações propostas será aceita pelo
conjunto de atores. Essa será a razão coletiva que levará o time a abandonar o
banco. A partir daí, a tarefa do grupo será explorar essa idéia num crescente
envolvimento com ela, de tal forma que o clímax o expulse naturalmente do banco.
conclusão, seja pelo acréscimo de alguma nova idéia, seja pelo mero abandono
pautadas por uma falta de vitalidade tal que nos dá a sensação de estarmos
manifestar verdadeiramente.
Para tentar ajudar esses atores a saírem desse estado de torpor ou de uma
mostrar.
aceitar a sua primeira idéia. Mas, digamos, porém, que aconteça (por um lapso ou
desvio qualquer da atenção) que uma idéia escape e o ator, ao se ver no palco,
não tenha nenhuma idéia. Um ator treinado transformaria imediatamente esse fato
ficaria paralisado. De qualquer forma, algo terá de acontecer. Não é possível que
ele lá permaneça sem fazer nada. Para Keith Johnstone, qualquer ação, por
mínima que seja, já será o suficiente para que a cena se inicie. Assobiar,
44
Idem, p. 169.
96
cantarolar, olhar o próprio corpo, olhar alguém da platéia, se coçar, etc. Qualquer
coisa serve. Pouco importa o que o ator faz, mas sim, como ele aproveita o que
faz. Quando o ator se envolve, de fato, com a ação, quando ele acredita na
realidade daquela ação, naturalmente surgem qualidades para esse fazer e, com
tornar sua atuação débil e a cena pobre, o artifício de dotar o ambiente, objetos ou
apenas uma parte do seu corpo, com um sentimento específico obriga o ator a
deixar que a ação seja contaminada por esse sentimento, o que o conduzirá de
uma maneira sutil a um envolvimento com essa ação. É curioso, mas pessoas
idéias do mestre russo, muitas delas já citadas ao longo desta dissertação. Há,
porém, discordâncias.
um tipo de teatro em que não há qualquer suporte material para este último. Tudo
o que vier a acontecer em cena será pautado unicamente no seu trabalho. O palco
de Teatro-Esporte mantêm, muito mais por mero costume, uma arara com
ator em alguma peça de roupa em especial, que acaba atuando como muleta para
seu trabalho.
verdadeiro se ele aceitar idéias, se ele se deixar envolver por elas e se ele
atuação todos fazem parte de algo maior, seja esse algo o espetáculo ou a cena,
e cada atuação, por mínima que seja, será fundamental para que o todo funcione.
98
AS INFLUÊNCIAS DE BRECHT
platéia e a fizesse tomar partido. Não que com isso o espetáculo fosse se
forma clara aos intentos de Brecht, embora não haja aqui nenhuma afirmação de
que Keith Johnstone tenha concebido essa estrutura de espetáculo como uma
45
BRECHT, Bertold. Apud FREITAS, Eduardo Luiz Viveiros de. Dossiê Brecht – Teatro, estética e política.
Revista cultura crítica (01), São Paulo, Apropuc, 2005.
99
Esta fala de Brecht poderia bem ser de autoria de Keith Johnstone. Brecht
nem que o público se identificasse por esse viés com ela. A interrupção da ação
artifícios criados por ele com o objetivo de gerar distanciamento e assim evitar a
específicos do Teatro-Esporte.
das formas possíveis, aliás, a principal, para se iniciar uma cena, é a partir de um
46
BRECHT, Bertold. Apud BORHEIN, Gerd. Brecht – A estética do teatro. São Paulo: Graal, 1992, p. 71.
100
título. As cenas não irão se constituir em episódios de algo maior, o texto, como
ser nomeado de aula pública de teatro, ou uma experiência teatral total. Durante o
teatral, além de visitar os mais variados estilos (não só teatrais) e épocas. Terá
aspecto inerente ao próprio espetáculo e talvez seja por isso que muitos
de Brecht.
Uma das formas do ator construir sua personagem, para Brecht, era fazê-lo
suas frases: ele disse, ela disse. O uso dessa técnica tinha por objetivo impedir
chamado Ela disse, ele disse, que, embora não seja exatamente igual à proposta
separando palavra e gesto. Imaginemos dois atores. Os dois podem falar, mas a
ação é dada pelo companheiro, numa seqüência lógica e com um detalhe por vez.
Por exemplo:
101
A – Bom dia.
que é bom.
A – Ele/ela disse e tentou soltar a mão. (O ator B tenta soltar a mão) Deixe
dois focos: a fala e o gesto. O envolvimento de ambos será enorme, mas não será
Teatro a transpor as barreiras presentes em sua própria vida. Esse pode nem ter
A CENA
compreenderem que não estão lutando uns contra os outros, mas que os dois
lados fazem parte de um único time que tem por tarefa realizar o jogo cabo-de-
guerra. Para isso, o foco da atenção deverá ser mantido no companheiro de cena
que segura a outra extremidade da corda. É junto com o outro que, por exemplo,
qual deles terá mais condições de vencer ou perder, já que esse é o objetivo final
do jogo real, que está representado neste jogo teatral. A tarefa de ambos é a
cena, portanto, estarão trabalhando juntos para torná-la crível, o que implica
47
JOHNSTON, Chris. House of Games : Making Theatre from Everyday Life. Londres: Nick Hern Books
limited, 1998, p. 132.
103
derrota do outro.
mãos. Mesmo uma cena que seja realizada por apenas um ator, terá partido de
objetivo final do trabalho. Em geral, os atores querem construir uma peça inteira.
voltas, criando histórias ou ações paralelas, até chegarem aonde precisam. Eles
só perderão tempo e correrão o risco de se desviar tanto daquilo que lhes foi
pedido, que, talvez, nem consigam realizá-lo; o que poderá fazer a cena
naufragar. Se, por exemplo, o título de uma cena for Bolinhas amarelas, em
princípio, de pouco interesse serão as bolinhas azuis, as verdes, etc., assim como
de pouca serventia serão, também, as bolas e os balões. O que todos querem ver
é o que o ator faz com este título. O que causará admiração de quem assiste é ver
Uma cena nada mais é do que um instante com começo, meio e fim.
Quanto mais rapidamente o ator entrar no assunto da cena, mais tempo ele terá
se a ação for lavar pratos, essa será a ação física da cena. Observa-se assim que
tempo. Esta última unidade só será quebrada nos chamados jogos temporais.
que esta é a ação proposta na cena. Quando se faz algo repetidas vezes, cria-se
uma rotina.
também é um convite para que o ator dê vida e crie nuances para este fazer. Isso
exige dele uma observação fina de sua ação, pois é aí que ele encontrará as
cena se tornará monótona. Lavar pratos sempre do mesmo jeito e no mesmo ritmo
assunto. Um prato, por exemplo, poderá ser lavado rapidamente, enquanto outro
por diante.
puder trabalhar em cada uma das quebras, mais rica a cena se tornará.
105
Keith Johnstone ser conhecido como o diretor que insiste, em seus workshops
com seus alunos, para criarem improvisações chatas. Obviamente, não é seu
objetivo criar um teatro chato de ser visto ou feito, mas essa é uma forma de
interessante pelo acréscimo de novas idéias, acabamos por nos desviar do tema
sempre.
com que os atores olhem exatamente para aquilo que consideram chato - a ação -
verdade, basta pedir para um ator apresentar uma cena chata, para ela se tornar
interessante.
principal, de uma situação chata. E, por acreditarem ser uma única ação algo
chato de ser feito, muitos atores não imaginam, a princípio, que o que torna uma
que poderão fazer por terem tomado essa decisão. Cena chata acabou virando
são os exemplos que poderiam ser dados. A cena em que come o sapato, em A
sobre cenas raras que ele não aproveitou em seus filmes. Uma delas é uma cena
duração, chamada por ele de invenção contínua, cujo objetivo era chamar a
atenção para a simplicidade dos objetos, e que ele pretendia usar na abertura do
calçada. Observa, curioso, e decide fazer a ripa passar pela grade. Empreende
várias tentativas de empurrar a ripa com sua bengala, mas a única coisa que
consegue é fazer com que um extremo ou outro da ripa fique em posição vertical.
Chaplin estabelece uma rotina para essa ação. Pára, disfarça e recomeça. Depois
quebra a rotina do uso da bengala, alternando essa ação com pisadas fortes sobre
aglomeram para observar. Ele percebe, pára e disfarça. As pessoas se vão. Ele
48
Artista plástico romeno de grande influência para a escultura moderna do século XX, tinha a simplicidade
como traço fundamental de sua obra.
49
Produzido pela Thames Televison, em 1983.
107
expulsa. Quando ele se prepara para dar continuidade à ação, duas senhoras se
aproximam da vitrine e uma delas, ao parar, fica com a ripa entre seus pés. O
evitar que um acidente ocorra. Coloca seu pé entre as pernas da senhora e abaixa
a ponta que estava levantada. As mulheres, que não sabem da existência da ripa,
errado. Bate no vidro para chamar a sua atenção e lhe diz o que deve fazer. O
pede para que ele repita o que disse, mas este não quer mais lhe dar atenção. O
Vagabundo volta a tentar fazer a ripa passar pela grade. O funcionário pega um
funcionário se põe a falar sem parar. Pessoas vão se aglomerando para assistir ao
insólito diálogo. O funcionário pega uma régua e demonstra que se ele continuar
moverá como uma gangorra. Para livrar-se da ripa, o Vagabundo deverá bater no
meio. Demonstra e a régua cai. Neste instante, uma funcionária da loja move de
lugar o manequim com o vestido de que o funcionário ia trocar o preço, ficando ela
sem perceber a mulher e espeta o alfinete em seu traseiro. Ela grita com ele e se
vai. Ele vai atrás. O público ri e mais pessoas correm para ver o que está
Vagabundo aponta a ripa e sem querer bate no lugar certo e ela finalmente passa
risco de ver aonde uma idéia pode nos levar. As personagens que surgiram na
ação principal e para enriquecê-la. Note-se que nada nem ninguém desviou a
interrupções (se é que posso assim denominá-las) serviram apenas para melhor
finaliza a cena. Logo no início, ele propõe uma aglomeração de pessoas, mas
um arremate precioso porque não só traz de volta essa idéia, mas é através dela
que somos reconduzidos ao cenário maior da cena, que é a rua, lugar onde
pessoas transitam.
que o ator aceita a primeira idéia, corre o risco de explorá-la, desenvolve uma
com ele uma relação, joga status, quebra rotinas estabelecidas, mostra
sentimentos e cria uma narrativa com começo, meio e fim, aproveitando todos os
50
JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 116.
110
O TEATRO E O ESPORTE
sobrevivência. Ou, em outros termos, como dizemos ainda hoje, lutando para
(sobre) viver.
Não há uma data certa para a criação da luta enquanto esporte. Mas há
documentos que indicam terem sido os egípcios os seus criadores, em 5000 a.C..
povos da Ásia. Quando fizeram parte dos primeiros Jogos Olímpicos, em 776 a.C.
serem libertados para assisti-las, conta a tradição grega que a realização dos
receber dos juízes a coroa de ramos de oliveira, ao final de cada prova realizada.
decorrentes de uma luta entre Cronos e Zeus. Em outra, Héracles teria realizado
competições para incitar seus irmãos, os Cureutas, à guerra. Mas, o mais provável
é que elas sejam uma evolução natural do costume de organizar disputas nos ritos
51
Segundo os dicionários Larousse Cultural e Aurélio o ágon é definido como embate, disputa, visão
competitiva que a nobreza tinha da existência. Também entendida como a assembléia do povo que vigiava os
Jogos Olímpicos.
112
trazer dos seus barcos prêmios para os vencedores: touros, bois, mulas, armas,
lançamento de peso, Aquiles realizara a luta de murros, que foi vencida por Epeio,
mas também está presente no que os move: o ágon. Todo esporte, seja qual for a
52
Canto XXIII
113
O ESPETÁCULO
John Dexter e William Gaskill dividiam o interesse por luta-livre com Keith
dos anos 60, já que cada palavra ou gesto, para serem apresentados
Palácio de Buckingham que cuidava para que nenhuma idéia expressa pudesse
perturbar a família real. Todos os comediantes ficavam sob forte vigilância e seus
53
JOHNSTONE, Keith. Theatresports. Die Deutsche Bühne, novembro de 1989, p. 55.
54
A palavra pro-wrestling significa prender, imobilizar, segurar. Enquanto estilo de luta, é conhecida como
luta olímpica, mas foi popularizada como luta greco-romana.
114
Stanislavski, quando o Teatro de Arte de Moscou passou por Londres com uma
de que todas as personagens tinham sempre os mais fortes motivos para fazer o
que faziam e dizer o que diziam. Então, perguntou-se acerca dos motivos mais
fracos. O que seriam eles e como funcionariam numa cena? No dia seguinte a
explosão tal de alegria e prazer que ele acreditou estar fazendo algo muito errado.
Em seu pensamento, uma aula não podia provocar tanta felicidade. A fim de
Esporte.
56
JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 27.
116
THEATRESPORTS INSTITUTE
afastamento ocorreu quando ele aceitou o convite da Vic University e foi para
assistente. Os contactos com a Vic University iriam se manter ainda por algum
tempo.
também nos anos 70, além de dirigir espetáculos, alguns escritos por ele mesmo,
117
feitas.
programas das escolas de teatro e as primeiras traduções de seu livro Impro foram
oeste canadense em que acabou por fixar moradia, é essa idéia que traz na
bagagem. Suas aulas eram extremamente divertidas e, por isso mesmo, bastante
concorridas.
Relatos dos membros dessa primeira equipe, alguns dos quais permanecem até
hoje na companhia, indicam que a sensação era a de que estavam fazendo uma
plenos anos 70, época em que tudo o que era diferente causava excitação,
dos membros que era fanático por esportes, de tal forma que a cada reunião ele
teatro lamentavam sem razão a falta de público. O teatro não atingia o público. Por
outro lado, ele nunca havia visto um evento esportivo vazio, nem alguma pessoa
aquilo a que estavam assistindo, o que não ocorria com o público de Teatro, muito
silencioso e formal.
eram seus prediletos porque também eram os esportes de que mais gostava, pelo
menos na época.
119
julgará?
grupo na Dinamarca.
pois era tido, por muitos, como perigoso, já que não se podia saber o que
aconteceria nas apresentações. Daí esse tom meio secreto, transposto para o
companhia de Teatro-Esporte.
57
O caribu, espécie de alce, é um animal muito comum no Canadá e tomá-lo como símbolo de uma
companhia que pretendia realizar um espetáculo que atingisse o público pareceu-lhes bastante pertinente. O
“Grande Caribu” deve ser reverenciado pelo público e a ele se agradece por uma boa apresentação.
120
Reconhecido por seu trabalho, ele recebeu, em 2000, o título de Professor Emérito
da Universidade de Calgary.
CRONOLOGIA DO TEATRO-ESPORTE
Esporte no mundo.
1977
Calgary.
1978
Teatro- Esporte.
1979
58
Escrito pelos colegas da Universidade de Calgary, Clem Martine e Kathleen Foreman, testemunhas dos
primeiros tempos do Loose Moose Theatre, o livro é uma coletânea de depoimentos dos atores da primeira
equipe e de membros de diversas companhias, registrados em 1992, durante o campeonato de Halifax,
Canadá.
122
1980
1981
Calgary sedia o primeiro torneio entre cidades. O Loose Moose cria seu próprio
espetáculo.
Johnstone.
1982
promovem torneios.
pública de Teatro-Esporte.
1983
the Arts.
1984
Nacional.
1985
Movies Nights.
1986
Em São Francisco surge o grupo Bay Area Theatresports (uma das mais
importantes companhias).
Teatro-Esporte.
1987
Nova York cria uma organização sem fins lucrativos e promove o Improv Festival.
Francisco.
Edinburgo.
125
Teatro-Esporte.
eventos.
1988
e da Austrália.
Arts Theatre .
professores de teatro.
Unido.
126
Na Nova Zelândia surge o United Theatresports, patrocinado por três anos pela
1989
Em Toronto são realizados dois eventos: o torneio The Coors Light International
São Francisco inicia a série Late Night, com um formato de improvisação mais
longo.
Nova York realiza o segundo Stanislavski Open, que dura cinco semanas e reúne
1990
as de Bruxelas e Londres.
seu estatuto.
1991
Internacional de Teatro-Esporte.
Tübingen e Dresden.
O Loose Moose Theatre move processo contra um grupo francês que estava
Europa.
129
1992
Experimentos com outros formatos, criados por Keith Johnstone, para espetáculos
1993
Performers’ Studio.
1994
Por ocasião da Copa do Mundo, o LATS realiza em Los Angeles o World Mug,
1995
presidente, é licenciada.
1996
1997
Ministério da Educação.
1998
1999
2000
Em S.Paulo, a companhia paulista cria o Impro show Hallo aus Berlin, em parceria
Cultural.
2001
2002
2003
bairros da cidade.
2004
Farmers.
Unidos.
licencia.
brasileira de Teatro-Esporte.
2005
método.
Esporte.
Nova York ganha mais uma companhia, a Wide Net Improv Theatre.
2006
específicos e desafios, estes últimos em número de três. O juiz alerta para cena
a fazer com que o time perdedor tenha chance de conseguir alguns pontos.
gritos, palmas ou placas indicativas das cores dos times. Há um apresentador que
59
Foi aluno de Keith Johnstone na Universidade de Calgary e durante algum tempo atuou no Loose Moose
Theatre.
135
REGRAS DO TEATRO-ESPORTE
times e os juízes.
ímpar, que decidirá qual time dará início à partida. O vencedor decide qual time
jogos.
do início da cena.
dinamarquesa).
Coach – É opcional. Seu papel é dar assistência ao time naquilo que este
necessitar. Embora o coach possa entrar em algum jogo que necessite de mais
pessoas na cena, não é considerada uma boa idéia, já que isso o faria sair de seu
papel original.
poderá ser feita pelo juiz ou pelo apresentador, ou ainda pelo público. Porém, a
verbalmente ou através de cartão amarelo, para indicar que a cena está ficando
sua cabeça).
Final da Cena – Deverá ser determinado pelo time em cena. Se este não
ou anunciando “faltam dez segundos” (ou qualquer outra coisa), ou ainda fazendo
o apresentador ou o juiz, a seu critério, poderá lançar outros dois desafios curtos.
propriamente dita. Cada critério receberá uma nota de zero a cinco. Na partida
dinamarquesa, no primeiro tempo de jogo, o gol é dado pela platéia e vale cinco
Sugestões – podem ser dadas pelo juiz ou pelo público (na partida
orientação.
fracasso no Teatro-Esporte.
perfeito e faça sucesso. No esporte, por outro lado, apesar do treino e do domínio
das regras do jogo, não há nenhuma garantia de que o sucesso seja alcançado,
porque qualquer passe, seja ele certo ou errado, é parte constitutiva do jogo. E é
por sua ocorrência e pelo aproveitamento que os jogadores farão desses passes
direito a um bom espetáculo. Ora, o que é uma boa partida esportiva? Não seria
exatamente aquela talhada no total envolvimento das equipes no jogo que estão
atores realmente estão jogando uns com os outros para construir as cenas, e não
desafios antes do início da partida. Tal procedimento não só ludibria o público, que
não assistirá ao que de fato pagou para ver, como, ao optar por ter tempo para
combinar um possível roteiro de cena, essas equipes acabam por contribuir para a
perda do caráter de genuíno improviso, pelo menos no que respeita ao uso deste
método de improvisação.
Aqui, não se combina. Aqui, aceita-se a primeira idéia e corre-se o risco que
60
JOHNSTONE, Keith. Impro for Storytellers. Nova York: Routledge, 1999, p. 67.
140
Esporte com freqüência lançam mão desse expediente como tábua de salvação,
acreditando que estão tornando as cenas mais interessantes, mas perpetuar esse
das cenas para que o ator possa exibi-las, no vocabulário dos comentaristas
bastante apropriado.
apresentador. A ele cabe tão somente ser uma figura neutra, objetiva na
qualquer jogo e dele não tiram proveito porque o encaram do ponto de vista
farão de tudo para controlar e anular toda e qualquer variável que permita que ele
pretendida qualidade.
142
CONCLUSÃO
palco e platéia. Tudo pode acontecer. Uma cena pode ser genial ou digna de vaia.
Mas, seja qual for o seu resultado, o que realmente importa é a disponibilidade
para fazer algo, o prazer de correr o risco, de encontrar uma solução para um
problema proposto. E, mais do que isso, a certeza de que os eventuais erros não
são sinal de fracasso, mas sim da reafirmação de que, como humanos, não somos
por sua vez, pensando em possíveis soluções (porque não há como não pensar),
Keith Johnstone quer que o teatro seja tão excitante quanto o esporte.
ator e público.
Fazer teatro deveria ser como poder trabalhar sempre com o genuíno, com
as nossas idéias e emoções puras, que nos seduzem e nos apavoram. O estar no
começo, meio e fim, que aos olhos do público podem até parecer terem sido
quatro anos e onde sou uma das pessoas responsáveis por sua introdução, e no
Brasil desde 1996, pude observar que, independente da localidade onde está
realizar desejos através do jogo, traz para o público o universo do Teatro e, para
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