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APRENDIZAGEM E CONTROLE MOTOR

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD

Aprendizagem e Controle Motor – Prof.ª Dra. Selva Maria Guimarães Barreto

Meu nome é Selva Maria Guimarães Barreto. Sou graduada em Edu-


cação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e espe-
cialista em Treinamento Desportivo também por essa universidade
e em Psicomotricidade pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
Concluí meu Mestrado em Motricidade Humana pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho de Rio Claro (Unesp). Sou
doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFS-
Car) e Professora Adjunta da Faculdade de Educação Física e Despor-
tos (Faedid) da UFJF, no Departamento de Fundamentos.
E-mail: selva.barreto@ufjf.edu.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Selva Maria Guimarães Barreto

APRENDIZAGEM E CONTROLE MOTOR


Caderno de Referência de Conteúdo

Batatais
Claretiano
2013
 
© Ação Educacional Claretiana, 2011 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

152.3 B26a

Barreto, Selva Maria Guimarães


Aprendizagem e controle motor / Selva Maria Guimarães Barreto – Batatais,
SP : Claretiano, 2013.
176 p.

ISBN: 978-85-67425-21-4

1. Enfoca os processos de aprendizagem e controle motor. 2. As principais teorias


de aprendizagem motora. 3. Classificação das habilidades motoras. 4. Os fatores
que afetam o processo de aprendizagem como: diferenças individuais, instrução,
feedback, tipos de prática, motivação. 5. As diferentes teorias de controle de
movimento: circuito aberto, circuito fechado, sistemas dinâmicos. 6. Sistema de
memória, atenção seletiva, percepção visual. 7. Teorias relacionadas aos
mecanismos de precisão de movimento. I. Aprendizagem e controle motor.

CDD 152. 3

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Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

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Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
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Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO .......................................................................... 9
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 33

Unidade 1 – APRENDIZAGEM MOTORA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 35
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 35
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 36
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 36
5 AS PRINCIPAIS TEORIAS DA APRENDIZAGEM MOTORA................................ 38
6 CLASSIFICAÇÃO DAS HABILIDADES MOTORAS............................................... 63
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 70
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 71
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 71

Unidade 2 – FATORES QUE AFETAM O PROCESSO DE APRENDIZAGEM


1 OBJETIVO........................................................................................................... 73
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 73
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 74
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 74
5 FATORES RELACIONADOS AO PROCESSO DE APRENDIZAGEM .................... 75
6 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 106
7 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 106
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 106

Unidade 3 – CONTROLE MOTOR


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 109
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 109
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 110
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 110
5 TEORIAS DO CONTROLE MOTOR HUMANO.................................................... 112
6 MEMÓRIA.......................................................................................................... 147
7 PERCEPÇÃO VISUAL.......................................................................................... 168
8 TEORIAS RELACIONADAS AOS MECANISMOS
DE PRECISÃO DO MOVIMENTO....................................................................... 173
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 174
10 C ONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 175
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 175

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Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Enfocar os processos de aprendizagem e controle motor. As principais teorias
de aprendizagem motora. Classificação das habilidades motoras. Os fatores que
afetam o processo de aprendizagem como: diferenças individuais, instrução, fee-
dback, tipos de prática, motivação. As diferentes teorias de controle de movimen-
to: circuito aberto, circuito fechado, sistemas dinâmicos. Sistema de memória,
atenção seletiva, percepção visual. Teorias relacionadas aos mecanismos de
precisão de movimento.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
A investigação e o conhecimento dos mecanismos respon-
sáveis pela produção das habilidades motoras (controle motor),
associados ao estudo dos mecanismos e processos subjacentes às
alterações de comportamento motor, oriundas da prática, da ex-
periência ou de observações sistematizadas (aprendizagem moto-
ra), são essenciais para uma adequada sistematização das aulas de
educação física no Ensino Básico.
8 © Aprendizagem e Controle Motor

Tal realidade está baseada no fato de que, como seres huma-


nos, apresentamos características compartilhadas e distintas de
nossos semelhantes, o que gera, no processo de ensino-aprendi-
zagem, situações comuns e específicas que são baseadas na popu-
lação atendida, no meio de realização e na tarefa a ser executada.
Uma vez que ainda persiste, como pensamento predomi-
nante no ambiente escolar, a negação do corpo e do movimento,
ou seja, a descorporificação do sujeito aprendente, é reforçada a
ideia de que o movimento corporal atrapalha o desenvolvimento
na escola e que seu entendimento deve ser limitado à perspectiva
de preparar o sistema neural para aprender a ler e escrever, e/
ou para a disciplinarização necessária à aprendizagem dos demais
saberes.
Os conteúdos propostos neste estudo buscam expressar um
conceito pós-dualista (corpo e mente) do organismo vivo. Nesse
sentido, a instância básica torna-se pertinente para qualquer dis-
curso sobre o sujeito e a consciência histórica.
Para tanto, constitui a instância básica para qualquer discur-
so pertinente sobre sujeito e consciência histórica, entendendo o
ser humano como corpo-sujeito, detentor de uma corporeidade,
sendo esta constituída pelos códigos e significados da sociedade,
constituindo-se e sendo por ela constituído e contextualizado no
tempo e no espaço.
Sendo assim, buscamos, subsidiar a conquista das seguintes
metas:
1) tornar o processo de ensino-aprendizagem mais eficien-
te;
2) orientar o processo de ensino-aprendizagem de habili-
dades motoras de acordo com as potencialidades, limi-
tações, necessidades e interesses dos alunos e do pro-
fessor, de maneira a auxiliá-los a desenvolverem-se e
realizarem-se plenamente;
3) adequar o ensino às características dos educandos (e,
também, do educador);
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

4) adequar as atividades escolares à realidade e ajudar o


educando a perceber o fenômeno da aprendizagem
como um todo, e não artificialmente segmentado;
5) Orientar o planejamento das atividades de aprendiza-
gem para que haja progressividade, continuidade e uni-
dade na consecução dos objetivos da Educação.
6) Realizar um acompanhamento adequado e consciente
do controle da aprendizagem, permitindo retificações
ou recuperações do processo em foco.
Após essa introdução aos conceitos principais, apresentare-
mos, a seguir, no Tópico Orientações para o estudo, algumas orien-
tações de caráter motivacional, bem como dicas e estratégias de
aprendizagem que poderão facilitar o seu estudo.

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Aqui você entrará em contato com os assuntos principais
deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de
aprofundar essas questões no estudo de cada unidade.
Esta Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento bá-
sico necessário, a partir do qual você possa construir um referen-
cial teórico com base sólida – científica e cultural –, para que, no
futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência
cognitiva, ética e responsabilidade social.
Como os indivíduos deixam de realizar movimentos mal
estruturados e descoordenados, passando a exibir movimentos
altamente controlados, fluidos e adequados às necessidades do
executor? Como os atletas conseguem realizar os mais perfeitos
e diferentes movimentos durante uma apresentação de ginástica
artística, durante um jogo de futebol ou em uma partida de tênis?
Para respondermos adequadamente a esses questionamen-
tos, faz-se necessário estudarmos o que é controle motor e como

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10 © Aprendizagem e Controle Motor

se constitui o processo de aprendizagem motora humana, e, para


isso, é necessário o entendimento de algumas definições vincula-
das a esses processos. Vamos a elas, mas não antes de ampliarmos
nossas dúvidas sobre qual a natureza do controle motor humano,
mediante a análise das seguintes questões:
• Qual a amplitude de aplicação dos termos “controle” e
“coordenação motora”?
• Esses vocábulos podem ser utilizados, exclusivamente,
para descrever ações extremamente habilidosas, como
aquelas apresentadas por atletas, ou podem ser utiliza-
dos para descrever as primeiras tentativas de realização
de habilidades motoras consideradas “simples”, como o
andar de uma criança, o lançar de uma bola ou o saltar
um obstáculo?
• Como podemos influenciar positivamente na aprendiza-
gem de movimentos mais complexos?
É provável que a forma mais adequada para respondermos
a essas questões se inicie pelas definições do que seja “aprendiza-
gem motora” e “controle motor”. Vamos aos seus conceitos?
• Aprendizagem motora é uma alteração relativamente
permanente na capacidade de um indivíduo desempe-
nhar uma determinada habilidade motora, podendo ser
inferida por meio da análise das performances (compor-
tamentos observados), e se deve pela prática sistematiza-
da, experiência ou observação do que é o controle motor
(MAGILL, 2000).
• Controle motor é o estudo das posturas e dos mecanis-
mos de controle neural e muscular que, independente-
mente da sua qualidade, constituem os movimentos rea-
lizados pelos indivíduos nas mais diversas situações e com
diferentes obtenções de resultados.
Fica evidente então que, para que possamos entender a na-
tureza da aprendizagem e do controle motor humano, é necessá-
rio descobrir como os movimentos são efetivamente assimilados
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

e controlados. Também é preciso conhecer quais e como os vários


processos responsáveis por esse controle são organizados.
Embora esteja claro que o controle dos grupos musculares,
em conjunto com as articulações, se constitua como objetivo final
do controle motor, este ainda é motivo de dúvida e controvérsia
entre os investigadores da temática do processo de recrutamento
desses componentes; fato este que tem promovido a realização de
inúmeras pesquisas.
Assim, esforços científicos sistematizados têm sido empe-
nhados na promoção e no desenvolvimento de várias teorias e
modelos relacionados ao controle motor, e cada um deles contri-
bui de forma positiva no entendimento do processo do controle
motor humano.
Comecemos por uma sucinta apresentação de algumas teo-
rias que objetivam elucidar por que e como o ser humano normal-
mente se torna capaz de controlar suas ações motoras e, também,
de aprender e apresentar novos comportamentos e habilidades.
Teorias de aprendizagem motora
Uma temática sempre presente e normalmente associada
ao estudo do processo de aprendizagem motora diz respeito ao
desenvolvimento de representações mnemônicas (de memórias)
da habilidade aprendida. Essas representações são utilizadas para
orientar o desempenho dos parâmetros específicos do movimento
em foco, que deve ser prescrito de acordo com a meta a ser alcan-
çada.
Duas são as teorias que se constituem por esse entendi-
mento: a Teoria do Sistema de Circuito Fechado, desenvolvida por
Adams (1971), e a Teoria do Esquema, desenvolvida por Schmidt
(1975). Muitas pesquisas na área de Comportamento Motor foram
desenvolvidas, nas últimas décadas, para testar as predições ex-
postas nessas duas teorias.

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12 © Aprendizagem e Controle Motor

Contudo, um entendimento relativamente novo sobre o pro-


cesso de aprendizagem motora emergiu, recentemente, na litera-
tura científica. Essa visão alternativa sobre o processo de apren-
dizagem motora humana é conhecida como Teoria Ecológica da
Percepção e Ação e foca o processo de aprendizagem nas relações
estabelecidas entre indivíduo e ambiente.
Teorias do controle motor humano
Três categorias gerais de teorias dominaram a literatura cien-
tífica relativa ao controle motor humano no século 20 e no início
de século 21. São elas: Teoria dos Reflexos, Teoria Hierárquica e
Teoria dos Sistemas Dinâmicos.
É necessário ressaltar que as predições associadas a cada
uma delas foram testadas, sendo utilizada uma variedade de téc-
nicas de medidas e níveis de análises, o que permite uma análise,
se não profunda, adequada às nossas necessidades de estudiosos
dos processos de controle motor e aprendizagem motora.
Faz-se também essencial explicitar que algumas pesquisas
analisaram, especialmente, determinado tipo de comportamento
humano (uma habilidade manual, como tocar piano, ou uma ha-
bilidade esportiva, como o chute ou o arremesso) ou adotaram
como nível de análise o aspecto psicológico (como a motivação
interfere na performance em diferentes indivíduos), enquanto ou-
tras utilizaram modelos animais na tentativa de identificar os me-
canismos neurológicos subjacentes à ação em estudo.
A seguir, serão expostas e analisadas as características que
definem cada teoria apresentada, além da explicitação de suas
contribuições para o entendimento do controle motor humano
nas mais diversas ocasiões e nos mais diversos ambientes.
Teoria dos Reflexos
Essa teoria se constitui em uma teoria neurológica que pro-
porcionou o desenvolvimento inicial da explicitação de como os
movimentos são controlados. Está baseada nos estudos e pesqui-
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

sas realizados por Sherrington (1857-1952), um neurologista proe-


minente, e apresenta como pressuposto básico a suposição de que
eventos físicos que acontecem no ambiente servem de estímulo
para a execução de uma ação, uma vez que ativam uma cadeia de
circuitos reflexos individuais, responsáveis pela produção de uma
resposta ao movimento executado anteriormente.
De acordo com Sherrington (s. d.), o resultado esperado de
uma ação orgânica é um coajustamento ordenado e sucessivo de
reações. Consistente a essa teoria, está a ideia de que o indivíduo
é um recipiente passivo mediante uma contribuição sensorial ex-
terna, e receptores sensoriais na pele, nos músculos e nas articu-
lações são ativados enquanto outros sistemas sensoriais excitam
os sistemas motores responsáveis pela produção do movimento
pelos músculos e pelas articulações, originalmente estimulados.
Para testar suas ideias, Sherrington realizou uma série de ex-
perimentos que envolveu a secção de uma fração da medula espi-
nhal dorsal de animais, imediatamente abaixo do cérebro.
Esse procedimento simplificou enormemente a ação neural
e tornou possível estudar os mecanismos e funções neurais pro-
venientes da medula isolada dos centros corticais superiores mais
complexos. Desse modo, Sherrington poderia focalizar sua atenção
no que ele acreditou ser a unidade elementar do comportamento:
o movimento reflexo.
Embora a Teoria dos Reflexos de controle motor tenha provi-
do uma explicação direta de como os movimentos são controlados,
ela era simples demais para explicitar, de forma clara e convincen-
te, a capacidade humana de executar uma extensa variedade de
movimentos direcionados a metas estabelecidas.
A insuficiência dessa teoria é particularmente evidente
quando consideramos a gama de movimentos voluntários que nos
exigem antecipações organizacionais mediante a instabilidade am-
biental e temporal, como, por exemplo, em um ataque no voleibol
ou no handebol: quem e quando um jogador atacará? Como a bola
será enviada?

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14 © Aprendizagem e Controle Motor

Como podemos facilmente observar em nossas atividades


diárias e, também, nas ações esportivas, muitas de nossas ações
devem ser proativas, e não reativas, para conseguirmos sucesso
em nossas realizações, evitando consequências desagradáveis ou
indesejáveis.
Um jogador de futebol ou um tenista geralmente não dispõe
de tempo para decidir o que fazer e então elaborar seu plano de
ação após receber a bola.
Em contrapartida, o goleiro, que assiste aos movimentos dos
vários jogadores ofensivos e defensivos, deve predizer (antecipar)
com sucesso qual adversário tentará o tiro a gol. Desse modo, ele
poderá iniciar seus movimentos antes da bola ser efetivamente
chutada ou arremessada.
De forma similar, um motorista que dirige sob chuva inten-
sa previamente reduz a velocidade de seu carro antes de curvas
perigosas e/ou em locais onde, normalmente, a água se acumula,
gerando algum perigo para ele ou para seus passageiros.
Em situações como essas, os indivíduos (jogadores ou moto-
ristas) têm de utilizar seus conhecimentos sobre a situação e ante-
cipar as possíveis instabilidades (mudanças) ambientais para então
planejar suas ações de forma a obter sucesso em sua realização.
Um segundo ponto que merece discussão, em relação à Teo-
ria dos Reflexos, é referente à sua inabilidade em responder, satis-
fatoriamente, à realização de movimentos na ausência de feedba-
ck sensorial, que é a informação essencial para a estruturação de
movimentos, nesta teoria.
Sistemas de controle de movimentos, realizados sem feed-
back sensorial (denominados de sistema de circuito aberto), foram
estudados em animais deaferentados (com secção dos caminhos
sensoriais entre os receptores periféricos e a medula espinhal ou
cérebro) e, também, em humanos que apresentavam danos em
seus sistemas sensoriais após acidentes, ferimentos em guerras ou
explosões.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Os resultados globais desses estudos demonstraram que o


feedback sensorial não é essencial à execução de todos os movi-
mentos – um argumento que contradiz, diretamente, à pesquisa
de Sherrington –, assim como as proposições básicas subjacentes
à Teoria dos Reflexos de controle motor.
Embora essa teoria não seja mais utilizada para explicar
como os movimentos voluntários humanos são controlados, é in-
teressante notar que várias formas de tratamento utilizadas em
terapia físico-motora são fundamentadas em modelos que utili-
zam como base teórica essa forma de interpretação do processo
de controle motor.
Um exemplo de tal aproximação é o tratamento neurode-
senvolvimental (NDT) elaborado por Bobath (1965-1978), que
apresenta como método de tratamento a supressão ou a inibição
de reflexos anormais e o estímulo à apresentação de reflexos tidos
como normais. Esse tipo de tratamento ainda é muito utilizado em
crianças que apresentam paralisia cerebral e em adultos com he-
miplegia adquirida.
É necessário ressaltar que, durante as décadas de 1920 e
1930, várias formas de reflexos que encadeiam modelos de con-
trole motor também foram estudadas sob um nível psicológico de
análise, especialmente por um grupo de pesquisadores que foram
denominados de behavioristas, como Skinner e Thorndike.
Esse grupo de investigadores explicou a aquisição de padrões
de movimento e de habilidades motoras como resultado da junção
de movimentos individuais em uma cadeia de comportamentos.
Para esses pesquisadores, uma cadeia de ação era ativada
por algum estímulo externo, condição que resultaria em uma res-
posta (um movimento observável), gerando um segundo estímulo
e promovendo uma nova ação, e assim sucessivamente.
Uma vez que os behavioristas estão muito mais interessados
em estudar os resultados dos movimentos do que em pesquisar
quais os processos responsáveis pela produção destes, as teorias

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16 © Aprendizagem e Controle Motor

desenvolvidas durante esse período ofereceram poucos subsídios


sobre o entendimento de como o sistema motor se organiza para
gerar os movimentos.
Teoria Hierárquica
Em contraste com as ideias preconizadas pela Teoria dos Re-
flexos, a Teoria Hierárquica de controle motor preconiza que todos
os aspectos relacionados ao planejamento e execução dos movi-
mentos são de responsabilidade exclusiva de um ou mais centros
corticais.
Esses centros representam o nível de comando mais alto
(superior) dentro da hierarquia do sistema nervoso central, e esse
executor cortical detém todas as informações necessárias ao ade-
quado planejamento e à execução da ação, de modo que ativa as
áreas neurais necessárias à geração dos movimentos preconiza-
dos. Além disso, é capaz de coordenar e regular movimentos que
necessitam ou não de feedback sensorial externo.
Um dos primeiros modelos desenvolvimentais desenvolvi-
dos para testar as predições da Teoria Hierárquica de controle mo-
tor foi o desenvolvido por Hughlings Jackson, na década de 1850.
Jackson argumentou que os movimentos são representados
nos níveis superiores do cérebro, sendo essas representações uti-
lizadas para orientar os desempenhos subsequentes. Adequada-
mente, ele afirmou ser o fluxo informacional unidirecional, isto é,
os centros neurais superiores que “carregam” os centros inferiores
de informações necessárias e suficientes para a realização dos mo-
vimentos, sem o qual nenhuma outra comunicação ocorreria.
Essa rígida forma de interpretação de controle motor (fluxo
de informação oriunda, exclusivamente, dos centros neurais supe-
riores para os centros inferiores) foi modificada para permitir uma
comunicação entre os distintos níveis hierárquicos neurais. Por
exemplo: é estudada a comunicação dos centros espinhais com os
centros corticais superiores (envio de informações sobre um mo-
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

vimento que está em processo de realização) em associação com


o envio de informações dos centros superiores para os inferiores.
Embora alguns teóricos afirmem que essa posição (ou novo
entendimento sobre o processo de controle motor) tenha gera-
do profundas modificações na visão do controle motor humano,
transformando-a em uma concepção heterárquica, a ideia de que
o processo de controle motor se inicia nos centros neurais superio-
res é mantida em ambos os modelos.
Sendo assim, de acordo com as ideias preconizadas pela Teo-
ria Hierárquica, as representações dos movimentos são armazena-
das na memória na forma de planos ou programas de ação, e esses
programas motores são formados por comandos constituídos em
níveis corticais superiores que enviam aos centros inferiores infor-
mações referentes ao movimento que deve ser executado.
Essa visão orientou as interpretações teóricas sobre o pro-
cesso de controle motor desde que as primeiras definições ope-
racionais foram desenvolvidas por Keele, em 1968. Conforme
esse pesquisador, o programa motor pode ser definido como um
conjunto de comandos musculares que são estruturados anterior-
mente ao início do movimento, sendo responsáveis pela realização
deste e não influenciados por feedback periférico.
O apoio empírico mais forte para a Teoria Hierárquica e para
o controle de movimentos voluntários, via programas motores, foi
instituído pela aplicação dos mesmos tipos de técnicas de deafe-
rentação que conduziram ao descarte das ideias preconizadas pela
Teoria dos Reflexos.
O uso de medidas psicológicas como o tempo de reação (TR), a
ser descrito posteriormente, também apoiou a ideia de que muitos
movimentos voluntários podem ser planejados antecipadamente,
particularmente aqueles que devem ser executados rapidamente.
Essa particularidade da Teoria Hierárquica de controle motor
explica, adequadamente, como é possível que goleiros (de futebol

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18 © Aprendizagem e Controle Motor

ou de handebol, por exemplo) e motoristas planejem suas ações


mediante um ambiente altamente imprevisível (instável).
Embora a definição original de Keele a respeito de progra-
mas motores tenha servido como catalisadora de importantes
pesquisas desde a década de 1970, ela foi modificada para melhor
responder sobre a capacidade humana de executar uma enorme e
variada gama de ações motoras.
Uma expansão dessa definição também foi considerada es-
sencial devido à exigência de armazenagem de todos os programas
motores necessários à nossa vida diária (esportiva, profissional
e de lazer), e tal exigência demandaria uma enorme capacidade
mnemônica (de memória). Desse modo, um papel mais significati-
vo da avaliação sensorial foi incorporado nas versões mais recen-
tes em contraste com o papel secundário (senão supérfluo) do fe-
edback sensorial na programação motora, preconizado no modelo
de Keele. Atualmente, é reconhecida a importância da avaliação
sensorial na organização precisa de um movimento, quando há
tempo disponível para tal procedimento.
Sistema de Controle de Circuito Aberto X Sistema de Controle de
Circuito Fechado
Um debate teórico importante que recebeu muita atenção
na literatura científica sobre comportamento motor, durante vá-
rios anos, foi referente à forma de controle dos movimentos: via
sistema aberto (sem utilização de feedback sensorial durante a re-
alização do movimento) ou via sistema de circuito fechado (que se
utiliza de informações sensoriais durante a estruturação e realiza-
ção dos movimentos). Ou seja, o assunto central no debate recaia
sobre a avaliação sensorial no controle do movimento.
Os modelos de sistema de circuito fechado enfatizaram o pa-
pel essencial da avaliação sensorial no planejamento, execução e
modificação da ação, ao contrário das ideias que embasavam, te-
oricamente, a estruturação do sistema de circuito aberto no con-
trole dos movimentos: geração a priori de planos de ação por um
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

executor central em alguma área do córtex cerebral, que, uma vez


originados, eram executados sem considerar a avaliação sensorial.
É obvio que nenhum desses pontos de vista pode descrever,
adequadamente, como os movimentos são controlados nas mais
diversas condições ambientais e/ou temporais. Por isso, é mais
adequado que utilizemos outro modo de controle do movimento,
de acordo com o tipo de ambiente em que estamos realizando a
ação, com a meta a ser alcançada pela realização das ações.
Por exemplo, na execução de movimentos que requerem
precisão em um ambiente instável, a utilização do sistema de
circuito fechado é mais adequada para que consigamos atingir a
meta determinada, pois não só empregamos a avaliação sensorial
inicial, mas também a efetuamos durante a realização dos movi-
mentos, tendo em vista possíveis e numerosas pequenas corre-
ções e alterações que podem acontecer durante o desdobramento
do movimento.
Dirigir um automóvel ou atravessar uma rua extremamente
movimentada são ações que têm mais chances de êxito quando
utilizamos o sistema de circuito fechado na organização dos mo-
vimentos.
Em contrapartida, ações que devem ser executadas de for-
ma rápida em um ambiente relativamente previsível ou estável
irão requerer a utilização de um sistema de circuito aberto para
sua adequada realização. Nessa situação, é mais provável que um
plano de ação seja formulado antecipadamente à ação pretendi-
da e então executado sem se levar em conta a avaliação sensorial
disponível.
Esse tipo de controle de movimentos está presente em ha-
bilidades profissionais, artísticas e esportivas, como digitar em um
teclado de computador, tocar piano, lançar e arremessar em pro-
vas de atletismo, atirar em alvo fixo, entre outras.

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20 © Aprendizagem e Controle Motor

É essencial explicitar que um fator adicional que influencia


o “nível” em que são executados os movimentos em um sistema
de circuito aberto ou fechado é o grau de habilidade do executor.
Os novatos normalmente dependem muito de suas avalia-
ções sensoriais para que possam realizar, satisfatoriamente, suas
tarefas de modo que obtenham êxito nas execuções. Os indivíduos
mais experientes, porém, são capazes de executar a maioria de
suas ações sem recorrer às suas avaliações sensoriais.
Já pianistas novatos tendem a depender da leitura da parti-
tura musical para que consigam se apresentar com sucesso. Isso
não acontece com pianistas profissionais, que são capazes de exi-
bir movimentos rápidos e precisos dos dedos e, dessa forma, exe-
cutar a peça com sucesso, sem dependerem da partitura musical.
O conceito de “Programa Motor Generalizado” (PMG)
Na década de 1970, emergiu uma definição mais abrangente
a respeito de programas motores – em grande parte, graças aos
esforços desprendidos por Schmidt e outros pesquisadores.
Embora o conceito de “programa motor generalizado”, ins-
tituído por Schmidt, ainda considere a necessidade de armazena-
mento de padrões de movimentos, sua estrutura é mais abstrata
do que aquela defendida por Keele. Concomitante a essa caracte-
rística, esse novo entendimento de programas motores também
pode ser aplicado a um maior número de movimentos, uma vez
que ele pode ser alterado ou modificado durante a execução do
movimento em foco, devido às alterações que podem ocorrer no
ambiente em que é executado.
É essencial ressaltar que a existência de parâmetros varian-
tes e invariantes especifica como um padrão de movimento espe-
cífico será executado, desde a duração global do movimento, força
e velocidade da sua sequência espacial e temporal de execução
dos componentes do movimento, até a duração temporal total e
relativa (organização temporal relativa – OTR) dos componentes
da ação realizada.
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

Um mesmo programa motor generalizado pode ser utilizado


para executar um grande número de movimentos semelhantes,
simplesmente regulando, acrescentando, retirando ou modifican-
do de forma apropriada os parâmetros de movimento que cons-
tituem o plano abstrato da ação. Essas possibilidades reduzem,
enormemente, o número de programas motores que um indivíduo
necessita armazenar em sua memória para obter êxito em suas
ações motoras mais distintas.
Esse conceito também explica o porquê e como somos ca-
pazes de escrever com semelhante desenvoltura e sucesso nosso
nome a caneta, em uma folha de cheque (necessidade de adequar
nossas letras ao pequeno espaço disponível e de sermos capazes
de realizar diferentes movimentos com a caneta), e a giz, em um
quadro de giz (com letras maiores e com necessidade de manuseio
do giz diferente daquele exigido durante a escrita a caneta).
Essa capacidade de produzir o mesmo resultado mediante a
realização de uma variedade de movimentos musculares distintos
é denominada de equivalência motora.
É relevante destacar que a possibilidade de especificação de
diferentes parâmetros permite ao indivíduo experiente executar,
adequadamente, “novos” movimentos (ações até então não rea-
lizadas) na primeira tentativa, uma possibilidade não considerada
no conceito de programa motor desenvolvida por Keele. Sendo
assim, um jogador experiente de handebol pode ser capaz de arre-
messar saltando e de somar a esse movimento um giro corporal e,
por isso, conseguir seu intento: marcar um gol.
Teoria dos Sistemas Dinâmicos
Recentemente, emergiu um entendimento bastante diferen-
te sobre o controle de movimentos em relação àqueles defendidos
pela Teoria do Reflexo e Teoria Hierárquica e pela programação
motora. Esse entendimento recebeu o nome de Teoria dos Siste-
mas Dinâmicos, a qual, também denominada de Sistemas de Ação,

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22 © Aprendizagem e Controle Motor

foi desenvolvida, inicialmente, pelo fisiologista russo L. Bernstein


(1967), que muito contribuiu para a compreensão de como os mo-
vimentos são controlados em nível neurológico, e, também, pelo
psicólogo J. J. Gibson (1966-1979), responsável pela análise da per-
cepção humana.
Apesar de ambos já terem falecido, muitas de suas ideias fo-
ram incorporadas às teorias contemporâneas sobre o controle mo-
tor humano desenvolvidas por Kelso, Kugler, Reed, Turvey e outros.
Comparativamente, são dois os aspectos que diferem a Teo-
ria dos Sistemas Dinâmicos da Teoria Hierárquica:
• a Teoria dos Sistemas Dinâmicos restabelece o ambien-
te como importante fonte de informações necessárias a
uma adequada realização dos movimentos, já que foca-
liza sua atenção e discussão na relação existente entre o
executor dos movimentos e o ambiente em que estes são
realizados. Dessa forma, preconiza que, nem sempre, o
planejamento das ações a serem realizadas irá requerer
processamento cognitivo, tendo em vista que, em algu-
mas situações ou momentos, as informações provindas
do ambiente serão imediatamente utilizadas;
• a Teoria dos Sistemas Dinâmicos difere das demais teorias
de controle motor na explicação de como a ação é pro-
duzida de fato. A Teoria Hierárquica preconiza, como fon-
te primária de controle motor, um centro cortical ou um
controle ao nível do córtex, e, em contrapartida, a Teoria
dos Sistemas Dinâmicos defende ser o comportamento
motor resultado da interação de vários subsistemas (neu-
rológico, biológico, musculoesquelético), e nenhum deles
tem ação prioritária sobre os demais ou é capaz de con-
trolar ou prescrever como a ação se desdobrará.
• É interessante destacar que o termo “auto-organização” é
utilizado pelos teóricos defensores dessa teoria para defi-
nir esse fenômeno.
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

Apesar de sua recente estruturação, a Teoria dos Sistemas


Dinâmicos já contribuiu, enormemente, para a nossa compreen-
são de como os movimentos são controlados.
Primeiramente, enfatizou a relação entre o executante do
movimento e o ambiente em que ele planeja, controla e realiza
sua ação, uma vez que, de acordo com essa teoria, as ações são
formadas e constituídas pelas intenções do executante, e as restri-
ções, impostas pelo ambiente.
A seguir, explicitou a maior responsabilidade depositada nos
níveis espinhal e musculoesquelético, na estruturação e controle
do movimento, o que possibilitou uma ampliação na produção de
vários padrões altamente sofisticados de coordenação (como no
caso da locomoção humana), sem a necessidade de uma orienta-
ção cortical.
Em terceiro lugar, ao determinar a maior participação dos
centros neurais mais baixos (ou inferiores) na estruturação dos
movimentos, promoveu uma possibilidade de ajustes posturais
automáticos durante a realização de vários movimentos voluntá-
rios. Esse mecanismo de controle também permitiu a possibilida-
de de modificações reflexas de algumas ações.
Torna-se útil indicar que muitas das ideias defendidas pela
Teoria dos Sistemas Dinâmicos estão sendo utilizadas, atualmen-
te, por neurocientistas e psicólogos em algumas outras teorias
mais recentes, denominadas Teorias de Processamento Paralelo
ou Teoria da Rede Neural. Estas também utilizam o processo de
auto-organização e a “divisão” das responsabilidades pelos vários
subsistemas e centros neurais autônomos na produção e controle
dos movimentos.
Além disso, diferentemente do preconizado na Teoria Hierár-
quica, os centros neurais não estão restritos ao córtex, mas, sim,
distribuídos ao longo de todo o sistema neural: trato subcortical,
espinhal e níveis musculoesqueléticos.

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24 © Aprendizagem e Controle Motor

Finalizando este tópico, é essencial relembrar que nenhuma


teoria de controle motor é capaz de explicar de forma adequada e
cientificamente embasada a totalidade das possibilidades motoras
humanas.

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados neste Caderno de Referência de
Conteúdo. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Ansiedade: “[...]apreensão ou aflição de uma pessoa a
respeito de incertezas futuras; uma percepção de ame-
aça a si próprio (frequentemente caracterizada por ele-
vados níveis de ativação)” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010,
p. 61).
2) Aprendizagem motora: “[...] as mudanças associadas à
prática ou experiência, em processos internos que de-
terminam a capacidade de um indivíduo para executar
uma habilidade motora” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p.
33).
3) Atenção: “[...] um recurso limitado ou a capacidade de
processar informação” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p.
66).
4) Ativação: “[...] nível de ativação do sistema nervoso cen-
tral; varia de níveis extremamente baixos durante o sono
a níveis extremamente altos durante intensa atividade
física e-ou mental” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 61).
5) Capacidade de Atenção Limitada: “[...] noção de que a
atenção é limitada a, no máximo, poucas atividades de
uma só vez” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 66).
6) Capacidades: “[...] características dos indivíduos que são
sujeitas a mudanças como resultado da prática e que,
embasam a performance de várias tarefas” (SCHMIDT;
WRISBERG, 2010, p. 31).
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

7) Características de superfície: “[...] componentes facil-


mente modificáveis de um movimento, como o tempo
ou a amplitude de movimento, que são modificados
como um resultado de parâmetros em mudança” (SCH-
MIDT; WRISBERG, 2010, p. 156).
8) Cinestesia: “[...] informação sensorial vinda do sistema
motor que sinaliza contrações e movimentos dos mem-
bros, similar à propriocepção” (SCHMIDT; WRISBERG,
2010, p. 87).
9) Comparador: “[...] mecanismo de detecção de erro con-
tido em sistemas de controle de circuito fechado. Com-
para o feedback do estado desejado com o feedback do
estado real” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 91).
10) Controle de circuito aberto: “[...] tipo de controle que
não envolve o uso de feedback durante o movimento;
utilizado no controle de movimentos rápidos e voluntá-
rios” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010).
11) Controle de circuito fechado: “[...] tipo de controle que
envolve o uso de feedback e a atividade dos processos
de detecção e correção de erro para manter o estado de-
sejado; utilizado pelas pessoas para controlar movimen-
tos lentos e voluntários” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p.
91).
12) Controle motor: “[...] é a capacidade de regular ou
orientar mecanismos essenciais para o movimento. Ele
envolve questões como as seguintes: como o sistema
nervoso central (SNC) organiza os numerosos músculos
e articulações em movimentos funcionais coordenados?
Como as informações sensoriais do ambiente e do corpo
são usadas para selecionar e controlar o movimento?”
(SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003, p.1-2).
13) Deaferentação: “[...] procedimento cirúrgico no qual
uma via aferente (é uma que carrega informação sen-
sorial em direção ao sistema nervoso central) é corta-
da, evitando que os impulsos de nervos da periferia
cheguem até a medula espinal” (SCHMIDT; WRISBERG,
2010, p. 136).

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26 © Aprendizagem e Controle Motor

14) Diferenças individuais: “[...] diferenças duradouras e es-


táveis entre as performances dos indivíduos, geralmente
atribuídas às diferenças em suas capacidades” (SCHMI-
DT; WRISBERG, 2010, p. 41).
15) Efetor: “[...] componente de um sistema de controle que
executa a ação desejada; por exemplo, o braço é normal-
mente o efetor que executa a ação de arremessar uma
bola” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 91).
16) Executivo: “[...] um dos componentes de um sistema de
controle de circuito fechado; determina as ações neces-
sárias para manter o estado-alvo desejado” (SCHMIDT;
WRISBERG, 2010, p. 91).
17) Exterocepção: “[...] informação sensorial que vem prin-
cipalmente de fontes externas ao corpo de uma pessoa,
principalmente visão e olfato” (SCHMIDT; WRISBERG,
2010, p. 86).
18) Feedback: “[...] informação produzida a partir de vários
sensores como uma consequência do movimento; algu-
mas vezes chamado de feedback produzido pela respos-
ta” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 91).
19) Graus de liberdade: “[...] os componentes de um siste-
ma de controle que podem variar independentemente e
que são controlados para produzir ações eficazes” (SCH-
MIDT; WRISBERG, 2010, p. 129).
20) Habilidade motora: “[...] uma habilidade para a qual
o principal determinante do sucesso é a qualidade do
movimento que o executante produz” (SCHMIDT; WRIS-
BERG, 2010, p. 26).
21) Interocepção: “[...] informação sensorial que vem prin-
cipalmente de fontes internas ao corpo do indivíduo,
como fome e sede” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 86).
22) Memória: “[...] a persistência da capacidade para o co-
nhecimento ou a ação; composta de três componen-
tes: armazenamento sensorial de curto prazo, memória
de curto prazo e memória de longo prazo” (SCHMIDT;
WRISBERG, 2010, p. 76).
23) Modelos: “[...] descrição experimental (ou a analogia)
de um sistema que captura muitas de suas propriedades
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

conhecidas; modelos facilitam o entendimento de siste-


mas e promovem aplicações práticas” (SCHMIDT; WRIS-
BERG, 2010, p. 94).
24) Movimentos Automatizados: “[...] movimentos reali-
zados com pouca atenção ou consciência na execução
da habilidade; característica de aprendizes avançados”
(SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 36).
25) Organização temporal relativa: “[...] uma medida da es-
trutura temporal de um movimento na qual as propor-
ções entre as durações de várias características de um
movimento são utilizadas para definir o padrão tempo-
ral” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 156).
26) Percepção: “[...] há cerca de 2400 anos, o filósofo Platão
discerniu com toda razão que percebemos os objetos
por meio dos sentidos, com a mente. Para construir o
mundo em nossa cabeça, devemos detectar a energia
física do ambiente e codificá-la como sinais neuronais
(um processo tradicionalmente chamado de percep-
ção)” (MYERS, 1999, p. 127).
27) Performance motora: “[...] a produção de ações volun-
tárias ou uma habilidade motora. O nível de performan-
ce de uma pessoa é suscetível a flutuações em fatores
temporários, tais como motivação, ativação, fadiga e
condição física” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 33).
28) Perspectiva dinâmica: “[...] explicação para como as
pessoas controlam movimentos coordenados que, enfa-
tiza a interação das propriedades dinâmicas do sistema
neuromuscular com as propriedades físicas da informa-
ção ambiental” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p. 144).
29) Programa motor generalizado: “[...] programa motor
que define um padrão de movimento em vez de um
movimento específico; essa flexibilidade permite que
os executantes adaptem o programa motor generaliza-
do para produzir variações do padrão que atinjam várias
demandas ambientais” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p.
146).
30) Programa motor: “[...] conjunto de comandos motores
que é pré-estruturado no nível executivo em que define

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28 © Aprendizagem e Controle Motor

os detalhes essenciais de uma ação habilidosa” (SCHMI-


DT; WRISBERG, 2010, p. 129).
31) Propriocepção: “[...] informação sensorial que vem prin-
cipalmente de fontes nos músculos e nas articulações e
de movimentos do corpo” (SCHMIDT; WRISBERG, 2010,
p. 86).
32) Reflexos: “[...] respostas estereotipadas, involuntárias,
automáticas e normalmente rápidas a estímulos” (SCH-
MIDT; WRISBERG, 2010, p. 100).
33) Sensação: representação do mundo exterior em nossa
cabeça, via detecção da energia física do ambiente e pos-
terior codificação como sinais nervosos (MYERS, 1999).
34) Sistema nervoso central: “[...] definido como o conjunto
de componentes do sistema nervoso contidos em caixas
ósseas (o crânio e a coluna vertebral) (...) dividindo-se o
SNC em encéfalo (contido dentro do crânio) e a medula
espinhal (contida no interior da coluna vertebral” (LENT,
2008, p. 20).
35) Tempo de movimento: “[...] intervalo de tempo que
decorre do início ao fim de um movimento” (SCHMIDT;
WRISBERG, 2010, p. 107).

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-
quema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteú-
do. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de
conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício
é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignifican-
do as informações a partir de suas próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
© Caderno de Referência de Conteúdo 29

Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-


-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em
esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu co-
nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-
dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza-
gem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que “aprendizagem” não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 29 out. 2011).

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30 © Aprendizagem e Controle Motor

Controle
Motor

Sistema Sistema
Prática
Aferente Eferente

Comportamento
Motor

Aprendizagem Desenvolvimento
Motora Motor

Estímulos Estímulos
Prática Motivação Feedback
Internos Externos

Desenvolvimento
Motor

Meio
Maturação Aprendizagem Tarefa
Ambiente

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da Caderno de Referência de Conteúdo


Aprendizagem e Controle Motor.

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre
os principais conceitos e descobrir o caminho para construir o seu
processo de ensino-aprendizagem.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente
virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles
relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presen-
cialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se
da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertati-
vas.
© Caderno de Referência de Conteúdo 31

Responder, discutir e comentar essas questões, bem como


relacioná-las com a prática do ensino de Educação Física, pode
ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Sendo assim,
mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado,
você estará se preparando para a avaliação final, que será disser-
tativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar
seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua
prática profissional.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o con-
ceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
Este estudo convida você a olhar, de forma mais apura-
da, a Educação como processo de emancipação do ser humano.
É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas

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32 © Aprendizagem e Controle Motor

e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem


como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno do curso de Licenciatura em Educação
Física na modalidade EaD, necessita de uma formação conceitual
sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a
distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus
colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo e realize
as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.
© Caderno de Referência de Conteúdo 33

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LENT, R. (Coord.) Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2008.
MAGILL, R. A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. 5. ed. Tradução de Aracy M.
da Costa. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.
MYERS, D. Introdução à psicologia geral. Tradução de A. B. Pinheiro de Lemos. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1999.
SCHMIDT, R. A.; WRISBERG, C. A. Aprendizagem e performance motora: uma abordagem
da aprendizagem baseada na situação. 4. ed. Tradução de Ricardo Demétrio de Souza
Petersen. Porto Alegre: Artmed, 2010.
SHUMWAY-COOK, A.; WOOLLACOTT. Controle motor: teoria e aplicações práticas. São
Paulo: Manole, 2003.

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EAD
Aprendizagem Motora

1
1. OBJETIVOS
• Promover a aquisição de conhecimentos básicos sobre o
processo de aprendizagem motora.
• Proporcionar subsídios teóricos suficientes para estru-
turar, aplicar e avaliar adequadamente o ensino-apren-
dizagem de ações motoras. A abordagem contemplará
diferentes ambientes (não apenas o ambiente escolar),
em diferentes populações − em contextos distintos e com
objetivos diversificados.

2. CONTEÚDOS
• Teorias de aprendizagem motora: Teoria de Sistema de
Circuito Fechado de Adams; Teoria do Esquema de Sch-
midt; Teoria Ecológica ou da Percepção-Ação.
36 © Aprendizagem e Controle Motor

• Classificação das habilidades motoras: Sistema Bidimen-


sional e Classificação de Gentile.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Leia os livros da bibliografia indicada para que você am-
plie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material
didático e discuta a unidade com seus colegas e com o
tutor. Pesquise novas fontes e troque experiências, pois
toda experiência é bem-vinda e ajudará em seu apren-
dizado.
2) Busque criticar e adequar os conceitos ora expressos à
sua realidade de conhecimentos e de atuações, tendo
ciência de que as principais competências para um ade-
quado desempenho profissional se constituem median-
te análise da realidade e reflexão sobre a ação.
3) É responsabilidade dos professores adquirir conheci-
mentos científico e pedagógico que os capacitem a es-
truturar e aplicar ações educativas coerentes com as po-
tencialidades de seus alunos. Por isso, não se esquive da
necessidade sempre presente de estudar e considerar as
pesquisas referentes à aprendizagem motora e às vivên-
cias dos professores que já atuam na educação formal.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Como os indivíduos deixam de realizar movimentos mal es-
truturados e descoordenados e passam a exibir movimentos al-
tamente controlados, fluidos e adequados às suas necessidades?
Como os atletas conseguem realizar os mais perfeitos e dife-
rentes movimentos em uma apresentação de ginástica artística ou
um jogo de futebol, ou mesmo em uma partida de tênis?
Para respondermos adequadamente a estes questionamen-
tos, faz-se necessário estudarmos como se constitui o processo de
© U1 - Aprendizagem Motora 37

aprendizagem motora humana. Para tanto, o entendimento de al-


gumas definições vinculadas a este processo se faz necessário.
Antes de estudarmos essas definições, reflita como se cons-
titui o processo da aprendizagem motora humana e analise as se-
guintes questões:
• Por que duas pessoas não aprendem a realizar uma habi-
lidade motora da mesma forma e em um mesmo espaço
temporal?
• Por que uma mesma pessoa apresenta enorme facilidade
na aprendizagem de um movimento e sérias dificuldades
para assimilar outra ação motora?
• Como podemos influenciar positivamente o estudante
para que a aprendizagem de movimentos mais complexos
ocorra de forma mais rápida e consistente?
É provável que a forma mais adequada para resolvermos
estas questões inicie-se pela definição do que seja aprendizagem
motora:
Aprendizagem motora é uma alteração relativamente permanente
na capacidade de um indivíduo em desempenhar uma determina-
da habilidade motora, que pode ser inferida por meio da análise
das performances (comportamentos observados), que se origina
por meio da prática qualitativa e quantitativa sistematizada, e/ou
pela experiência e/ou pela observação (MAGILL, 2000).

Dessa forma, fica evidente que, para entendermos a natu-


reza da aprendizagem humana, é necessário descobrir como os
movimentos são efetivamente assimilados e controlados, além de
conhecermos quais e como os vários processos responsáveis pela
aprendizagem motora (incluindo a técnica do movimento, seus as-
pectos táticos e a condição psicológica requerida para a sua execu-
ção) devem ser organizados. Dito de outra forma, devemos conhe-
cer as teorias que explicam o processo de aprendizagem humana.
É importante ressaltar que, conforme Moreira et al. (1987), o
termo “teorias de aprendizagem” foi e é utilizado sem muito rigor.
Skinner, por exemplo, não se considerava um teórico da aprendiza-

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38 © Aprendizagem e Controle Motor

gem, uma vez que não caracterizava seu trabalho como uma teo-
ria, e sim como uma análise das relações funcionais entre estímulo
e resposta.
A explicação piagetiana seria, por sua vez, muito mais uma
teoria de desenvolvimento mental-cognitivo do que de aprendiza-
gem propriamente dita; Maslow, em vez de uma teoria de apren-
dizagem, propôs uma dimensão total do ser humano, que vive,
existe, sofre, ama, cria, envelhece e morre; Bruner, por seu turno,
fala de uma teoria de ensino; Ausubel, em contrapartida, pare-
ce apresentar, de fato, uma teoria de aprendizagem, e Gagné, de
maneira análoga, também apresenta pontos de vista teóricos em
relação à aprendizagem.
Entretanto, sendo ou não teorias de aprendizagem, todas es-
sas abordagens se relacionam com o processo em foco, residindo
aí sua importância para o ensino, pois, frequentemente, os resul-
tados da aprendizagem são decepcionantes por falta de referen-
cial teórico, apesar do uso de métodos e técnicas aparentemente
adequados, modernos e até mesmo sofisticados.
Dessa forma, saber mais sobre como o ser humano apren-
de, como se processa o desenvolvimento mental de uma criança e
como ocorre o processo para que a maximização da aprendizagem
possa ocorrer podem ser conhecimentos tão úteis ao educador
para a melhoria do seu ensino quanto à sua familiaridade com re-
cursos, métodos, procedimentos e técnicas instrucionais.
Comecemos, pois, por uma sucinta apresentação de algumas
teorias da aprendizagem motora que objetivam elucidar o porquê
e como o ser humano normalmente se torna capaz de aprender e
de apresentar novos comportamentos e habilidades motoras.

5. AS PRINCIPAIS TEORIAS DA APRENDIZAGEM MO-


TORA
Ao verificarmos o quanto os seres vivos, os humanos em es-
pecífico, alteram seus comportamentos (motores, sociais, cogni-
© U1 - Aprendizagem Motora 39

tivos e afetivos) ao longo do ciclo vital, somos capazes de definir


o processo de aprendizagem como um gerador de mudanças re-
lativamente permanentes no comportamento, em decorrência da
prática, da experiência e, no caso dos seres humanos, da observa-
ção, como já explanado.
Tais constatações nos levam às seguintes afirmações, confor-
me escreve Myers (1999, p. 171):
[...] aprender em todas essas áreas gera esperança: o que é passível
de ser aprendido pode potencialmente ser ensinado. [...] o que foi
aprendido pode ser mudado por uma nova aprendizagem [...]. Não
importa o quão infelizes, fracassados ou desamados estejamos,
isso não precisa ser o fim de nossa história.

Somado a isso, e tendo em vista que a aprendizagem só pode


ser avaliada de forma indireta pela quantificação e qualificação da
performance, uma vez que se trata de mudanças internas, torna-
-se importante diferenciarmos estas duas situações: performance
e aprendizagem latente.
A performance de uma habilidade motora (habilidade que
requer movimentação corporal, a fim de alcançar um objetivo
específico); ela pode ser definida como o comportamento motor
observável, emitido por um indivíduo que indica seu “nível” de re-
alização e sua eficiência; é limitada, em termos de processamento
de informação, pela quantidade de dados que podem ser trans-
mitidos por unidade de tempo e aperfeiçoada pelo processo de
aprendizagem.
É sensível a efeitos momentâneos oriundos do nosso estado
emocional (tristeza, alegria, desinteresse), a fatores vinculados à
condição do nosso sistema muscular e energético (ruptura mus-
cular, fratura, fadiga) e a situações ambientais (local muito seco,
quente ou pouco iluminado). Logo, é possível dizer que uma per-
formance pontual nem sempre indica o estádio de aprendizagem
em que o indivíduo está.
Vejamos os seguintes casos:

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40 © Aprendizagem e Controle Motor

• XY é um homem que, sob efeito de drogas ilícitas, foi


capaz de acertar, em uma prova de tiro, todos os alvos
determinados. Entretanto, após o efeito da droga em
questão, seu percentual de acerto não passou dos 70%,
fato esse verificado nas demais avaliações. Sendo assim,
podemos afirmar que, nesse caso, o nível de performance
verificada de forma pontual não reflete qualquer altera-
ção estrutural permanente;
• um exemplo fornecido por Godinho et al. (1999, p. 16):
[...] um caso particularmente interessante da discrepância entre
performance e aprendizagem pode ser observado durante o cres-
cimento rápido, típico salto pubertário, que provoca alterações
nas capacidades do jovem. A redução ou aumento de capacida-
des pode ser devida a alterações nas proporções dos membros
ou da massa muscular, fatores ligados a processo de crescimento
que não foram ainda integrados pelos indivíduos.

Em contrapartida, é preciso ressaltar que, muitas vezes, um


indivíduo também pode apresentar uma incapacidade de manifes-
tar, de forma objetiva, sua aprendizagem por meio da performan-
ce. A isso, os pesquisadores voltados à temática da aprendizagem
dão o nome de aprendizagem latente.
Tal condição pode ser facilmente percebida em alguns atle-
tas que apresentam uma performance excepcional nos treinos,
mas não conseguem repeti-la nos jogos. Longe de ser uma situa-
ção excepcional, é, atualmente, motivo de pesquisas e de lamen-
tações de muitos treinadores e atletas.
É também relevante lembrar que uma temática sempre pre-
sente e normalmente associada ao estudo do processo de aquisi-
ção de habilidades motoras diz respeito ao desenvolvimento de
representações mnemônicas (vinculadas à memória) da habilida-
de aprendida. Essas representações são utilizadas para orientar o
desempenho dos parâmetros específicos do movimento em foco,
que deve ser prescrito de acordo com a meta a ser alcançada.
Duas são as teorias que se constituem por esse entendi-
mento: a Teoria do Sistema de Circuito Fechado, desenvolvida por
© U1 - Aprendizagem Motora 41

Adams (1971), e a Teoria do Esquema, desenvolvida por Schmidt


(1975). Uma grande quantidade de pesquisas na área do Compor-
tamento Motor foram desenvolvidas nas últimas décadas, para
testar as predições expostas nessas duas teorias.
Contudo, um entendimento novo sobre o processo de apren-
dizagem motora emergiu, recentemente, na literatura científica
vinculada à área em foco. Essa visão alternativa sobre o processo
de aprendizagem motora humana é conhecida como a Teoria Eco-
lógica da Percepção e Ação e foca o processo de aprendizagem nas
relações estabelecidas entre indivíduo e ambiente.
Vejamos cada uma dessas teorias.

Teoria do Sistema de Circuito Fechado de Adams


Essa talvez seja a primeira teoria contemporânea desenvol-
vida para explicar como ocorreria a aprendizagem de habilidades
motoras se esta tivesse sido desenvolvida por Adams.
Em uma tentativa de superar as falhas por ele percebidas
na Teoria do Sistema de Circuito Aberto, desenvolvida por Keele
(s. d.), a qual será posteriormente explicada, Adams se dispôs a
desenvolver uma teoria que considerasse a disponibilidade e utili-
zação do feedback sensorial (informação produzida a partir de vá-
rios sensores como uma consequência do movimento) durante a
estruturação e realização de uma ação, para orientar seu sucesso.
Adams discutiu e defendeu que a utilização do feedback se-
ria necessária para orientar cada tentativa de desempenho duran-
te as primeiras fases de aprendizagem, e que esse processo seria
de muita importância na detecção e correção de erros no desem-
penho.
De acordo com Mazur (2006), para Adams, quando uma pes-
soa inicia a aprendizagem de uma habilidade motora, o traço per-
ceptivo de referência motora interna é fraco ou inexistente, sendo
o conhecimento de resultado (CR) somente possível após a finali-
zação do movimento.

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42 © Aprendizagem e Controle Motor

Adams (s. d.) propôs que uma parte importante da apren-


dizagem de uma habilidade motora se refere ao desenvolvimento
de um traço perceptual apropriado. Por exemplo, na tarefa de de-
senhar uma mesma linha várias vezes seguidas, o traço perceptivo
é presumivelmente constituído pela memorização das sensações
produzidas pelos neurônios sensitivos da mão e do braço quando
essa linha de comprimento e largura apropriados era desenhada.
Com relação ao traço motor (ou traço de memória, como é
atualmente conhecido), Adams (s. d.) o relaciona com o funciona-
mento do sistema de ação das teorias de sistemas de controle. A
ideia básica é que, com a aprendizagem de um movimento concre-
to, uma pessoa também deve aprender a coordenar sua muscula-
tura para que o movimento realmente possa ser produzido.
Por exemplo, uma pianista iniciante pode escutar uma grava-
ção de uma peça musical bastante complexa muitas vezes antes de
ter uma ideia de como deverá tocá-la para que possa desenvolver
uma boa atuação. Para isso, a pianista deverá passar várias horas
praticando.
Paralelamente, ela desenvolverá sua capacidade de discrimi-
nar quando realiza uma boa apresentação e como os juízes devem
proceder em uma competição esportiva.
Em outro exemplo, um jogador de golfe deve ser capaz de
distinguir as sensações que acompanham um balanço bom daque-
las que seguem um balanço ruim.
Um balanço bem realizado envolve um ritmo adequado de
pulsos, braços, quadril e joelhos para acertar a bola, e um bom
jogador reconhece uma boa tacada antes mesmo de olhar onde a
bola caiu.
O grau do problema é que, embora um bom jogador de golfe
seja capaz de reconhecer um balanço adequado, seu sistema de
ação não é capaz de produzir os movimentos requeridos em todas
as tentativas.
© U1 - Aprendizagem Motora 43

De fato, um jogador pode realizar várias tentativas e, em


nenhuma delas, “sentir” ter realizado um bom balanço, fato que
poderá ser comprovado em resultados de torneios em que ele não
alcança uma boa classificação.
É importante acrescentar que, de acordo com a teoria de
Adams (s. d.), há dois estádios a serem considerados no processo
de aprendizagem de uma habilidade motora.
O primeiro é denominado de verbal-motor, uma vez que sua
“evolução” depende de feedback extrínseco (que será posterior-
mente explanado), usualmente fornecido de forma verbal. Para
tanto, o instrutor deve prover o executante de conhecimento, já
que este não possui um traço perceptivo desenvolvido, não sendo
capaz, portanto, de distinguir uma tentativa adequada de uma não
apropriada às necessidades impostas, como acertar um alvo em
determinada organização espaço-temporal, por exemplo.
Adams (s. d.) descreve o fim do estádio verbal-motor da se-
guinte maneira: o término do estádio verbal-motor se apresentará
bastante indefinido, já que variará de acordo com os indivíduos e
com as tarefas preconizadas.
Esse término será passível de ser indicado a partir do mo-
mento em que o conhecimento de resultados (CR) se tornar trivial,
determinado pela melhora da resposta emitida.
Nesse momento, o sujeito pode se utilizar do traço percepti-
vo, já que ele está “formado” e apto a gerar uma resposta satisfa-
tória, e o executante já não depende mais do FB extrínseco.
Para Adams (s. d.), o sujeito que recebe FB extrínseco e co-
nhecimento de resultado de forma intermitente, terá seu traço
perceptivo fortalecido, enquanto, caso essa condição não ocorra,
seu traço perceptivo se deteriorará.
Em contrapartida, o segundo estádio de aprendizagem de
uma habilidade motora recebe o nome de motor, e, nessa fase, o
indivíduo apresenta um traço perceptivo interno preciso.

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44 © Aprendizagem e Controle Motor

Mesmo na ausência de FB extrínseco, o indivíduo consegue


ainda melhorar seu desempenho, refinando a precisão de seu tra-
ço motor, ou seja, torna-se capaz de gerar ações cada vez mais
habilidosas.
Sparrov e Summers (1992 apud MAZUR, 2006) corroboram
com essas afirmações de Adams, pois experimentos desenvolvi-
dos por esses pesquisadores indicaram que há evidências claras
de que o conhecimento de resultado se torna desnecessário após
a aquisição da “ideia” da habilidade.
Conforme Mazur (2006), a melhor evidência dessa realidade
se origina nos estudos realizados por Newell (1974)
Esse estudioso das ideias de Adams pesquisou indivíduos re-
alizando um movimento de deslize de um aparelho por um espaço
de 9,5 polegadas, em um tempo de 150 milissegundos, por 77 ve-
zes. Depois, ele dividiu os executores nos seguintes grupos:
1) G1: indivíduos que receberam conhecimento de resulta-
do quantitativo até a segunda tentativa;
2) G2: sujeitos que receberam conhecimento de resultado
até a sétima tentativa;
3) G3: indivíduos que receberam conhecimento de resulta-
do até a décima sétima tentativa;
4) G4: participantes que receberam conhecimento de re-
sultado até a trigésima segunda tentativa;
5) G5: sujeitos que receberam conhecimento de resultado
até a quinquagésima segunda tentativa;
6) G6: participantes que receberam conhecimento de re-
sultado até a última (septuagésima sétima) tentativa.
Com relação ao G1, Newell (s. d.) observou que não houve
possibilidade dos praticantes estabelecerem um traço perceptivo
interno adequado. Os indivíduos desse grupo mostraram alguma
melhoria no início, mas as performances deterioraram-se após vá-
rias tentativas, sem conhecimento de resultado.
© U1 - Aprendizagem Motora 45

Já os resultados dos indivíduos dos grupos G2, G3 e G4 suge-


rem alguns benefícios permanentes oriundos do conhecimento de
resultado. Havia alguma deterioração na performance após a reti-
rada do conhecimento de resultado, mas todos os indivíduos dos
três grupos citados continuaram a apresentar resultados melhores
que aqueles exibidos pelos componentes do G1.
Com relação ao G5, talvez, os indivíduos desse grupo expres-
sem os resultados mais interessantes da pesquisa, já que não apre-
sentaram diminuição na precisão de resposta após a retirada do
conhecimento de resultado, igualando seus desempenhos com os
sujeitos do G6, que tiveram conhecimento de resultado durante
todas as tentativas.
De acordo com Adams (s. d.), os sujeitos dos grupos G5 e
G6 já haviam progredido para a fase motora, em que o traço per-
ceptivo interno se torna capaz de substituir o conhecimento de
resultado como forma de avaliar os desempenhos.
Adams (s. d.) também afirmou que o conhecimento de re-
sultado atrasado (aquele oferecido após certo tempo da ação, ou
seja, após a realização de algumas tentativas) pode proporcionar
uma melhora no desempenho dos praticantes, quando compara-
do a uma condição em que o conhecimento de resultado não é
oferecido.
Entretanto, indivíduos que recebem conhecimento de resul-
tado em todas as tentativas podem não se tornar aptos a desen-
volver a capacidade de avaliar suas performances, já que o expe-
rimentador sempre lhes proporciona conhecimento de resultado
imediato. Esses resultados apoiam a tese de que o desenvolvimen-
to preciso do traço perceptivo é parte importante na aprendiza-
gem de uma habilidade motora.
Logo, uma vez que o praticante alcance a fase motora, o fee-
dback extrínseco proporcionado pelo professor ou técnico se tor-
na menos importante. É óbvio que as dicas do professor podem

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46 © Aprendizagem e Controle Motor

continuar a auxiliar o refinamento da técnica exteriorizada pelo


praticante, mas este já pode “confiar” na sua percepção do movi-
mento (resposta intrínseca).

Aprendizagem Motora: Teorias e Modelos–––––––––––––––––


[...] a teoria de circuito fechado proposta por Jack Adams em 1971 constitui um
passo relevante na explicação do controle e aprendizagem de movimentos. Ba-
seada em modelos de circuito fechado elaborados nas décadas anteriores (e. g.
Bernstein, 1967) a “closed-loop theory” é uma das primeiras teorias a explicar de
forma satisfatória o processo de aprendizagem de novas tarefas, no caso tarefas
motoras de posicionamento.
[...] A teoria de Adams põe em evidência a importância das leis behavioristas e
em particular a Lei do Efeito de E. Thorndike (1874-1914), segundo a qual um
dos efeitos de um acto bem-sucedido é aumentar a possibilidade de ele ser re-
petido em circunstâncias semelhantes.
Todavia, Adams assume uma posição crítica em relação às leis behavioristas
por considerar que estas descrevem simplesmente a relação entre o estímulo e
a resposta, ignorando o processo intermédio, e por atribuírem um papel passivo
ao sujeito que aprende. Para o autor da teoria do circuito fechado, o sujeito que
aprende tem uma participação activa no processo de aprendizagem.
[...] O modelo de circuito fechado diferencia-se dos modelos de circuito aberto
pela existência de feedback ou informação de retorno. Os modelos de circuito fe-
chado (closed-loop) pressupõem feedbacks concomitantes com a realização do
movimento, sendo essas informações usadas na determinação do erro e na sua
subsequente correção. Nestes modelos, o feedback ou informação de retorno
actua simultaneamente na correcção do erro da resposta, servindo de “input” no
despoletar do movimento seguinte.
Advogando a diferença entre os processos de evocação (recall) e reconhecimen-
to (recognition) da resposta, um dos aspectos inovadores da teoria do circuito
fechado relaciona-se com a diferenciação entre as estruturas mnésicas respon-
sáveis pelo despoletar do movimento e as responsáveis pela avaliação do erro
da resposta. Os estados de memória com funções de evocação e reconheci-
mento correspondem a duas estruturas nucleares na teoria de Adams: o traço de
memória e o traço perceptivo.
[...] O traço de memória é responsável pela selecção e iniciação da resposta,
nomeadamente através da escolha da direção, sentido e intensidade do mo-
vimento. As suas funções de selecção e desencadeamento da resposta, bem
como o facto de operar na ausência de feedback, levam a considerá-lo como um
programa motor característico dos modelos de circuito aberto. Adams descreve-o
como um programa motor restrito ou modesto, salientando que a sua formação
resulta da prática e do reconhecimento do resultado dos ensaios anteriores.
[...] O traço perceptivo, na teoria de circuito fechado, é responsável pela produ-
ção do movimento bem como pela sua avaliação. Trata-se de um mecanismo
que permite comparar o movimento que está a ser realizado com a sua correcta
referência memorizada. A função do traço perceptivo como mecanismo de refe-
rência é assegurada pela representação das consequências sensoriais da acção
que está disponível por comparação com as informações de acções anteriores.
© U1 - Aprendizagem Motora 47

A sua elaboração deriva das informações de retorno intrínsecas (e. g. proprio-


ceptivas) e extrínsecas (e. g. visão) bem como da informação de retorno sobre
o resultado do movimento. As informações de retorno do movimento efectuado
geram uma representação de si mesmas em cada ensaio. Quando o sujeito tenta
melhorar a sua performance com base na informação de retorno sobre o resulta-
do, o feedback resultante da resposta contribui para desenvolver uma represen-
tação cada vez mais exacta do feedback que a resposta correcta deve produzir.
Desta forma, o sujeito determina que a resposta é correcta quando as informa-
ções de retorno da resposta coincidem com o traço perceptivo. Em alternativa a
resposta é incorrecta quando existe alguma discrepância entre as informações
de retorno e o valor de referência memorizado.
Segundo a teoria do circuito fechado a repetição do movimento só por si é sufi-
ciente para promover a aprendizagem, que é entendida como o desenvolvimento
de traços perceptivos mais adaptados e capazes de reduzir o erro da resposta.
A prática assegura a ligação do feedback com o traço perceptivo que, quando
positiva, o fortalece. O traço perceptivo é enfraquecido pela presença do erro ao
quebrar a ligação desejada (GODINHO et al., 1999, p. 71-75).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Assim, torna-se claro que a Teoria do Sistema de Circuito Fe-
chado de Controle postula que o controle do movimento surge ao
compararmos a retroalimentação sensorial e/ou a cópia de refe-
rência a um padrão. Esse processo permite a comparação entre o
movimento real e o movimento desejado. Se um erro é detectado,
outro movimento é gerado, sendo este destinado a reduzir a dis-
crepância entre o movimento real e o desejado.
Certamente, esse processo de correção é dependente das
limitações de tempo, e, assim, não pode explicar o controle de mo-
vimentos muito rápidos, isto é, movimentos que apresentam uma
duração inferior a 200 milissegundos.
É importante ressaltar que a cópia de eferência no modelo
de sistema de circuito fechado provê uma comparação imediata
entre o comando motor (isto é, o movimento a ser executado) e o
movimento pretendido por meio de um circuito central de retro-
alimentação, muito mais curto que o circuito de retroalimentação
sensorial periférico, o que permitiria uma detecção e correção de
possíveis erros em um tempo muito curto e favoreceria enorme-
mente a performance.
Outro motivo bastante significativo para a inclusão da cópia
de eferência nesse modelo diz respeito à possibilidade de expli-

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48 © Aprendizagem e Controle Motor

cação da aprendizagem sob condições em que nenhum feedback


está presente, como no caso dos macacos deaferentados descritos
por Taub e Berman (1963 apud MAGILL, 2000, p. 58-60):
Taub e Berman [...] foram os primeiros a utilizar este procedimento
(a deaferenciação). Eles observaram o desempenho de habilida-
des motoras desenvolvidas em macacos, tais como trepar, pegar
e agarrar antes e depois da deaferenciação. Taub e Berman per-
ceberam que, sistematicamente, os macacos deaferenciados ainda
eram capazes de desempenhar as habilidades, embora o grau de
precisão fosse consideravelmente pior do que antes.
Taub e Berman analisaram somente habilidades já bem desenvol-
vidas. O que aconteceria se fosse utilizado o mesmo procedimento
de deaferenciação com as habilidades aprendidas recentemente?
Bizzi e seus colaboradores do Instituto de Tecnologia de Massachus-
sets [...] estudaram esta segunda hipótese em vários experimentos.
Eles colocaram os macacos em um aparelho [...] e os treinaram a
apontar com o braço para uma de uma série de luzes quando estas
eram acesas. Os macacos podiam ver as luzes, mas não viam o bra-
ço apontando. Depois de terem aprendido a apontar corretamente
para cada ponto de luz quando solicitados, os macacos foram dea-
ferenciados de modo que não eram enviadas mais nenhuma infor-
mação de feedback proprioceptivo, durante o movimento, para o
braço indicador. Quando os macacos foram colocados novamente
no aparelho, eles conseguiram posicionar seus braços exatamente
no estado deaferenciado. Na verdade, eles até eram capazes de fa-
zer movimentos precisos partindo de posições diferentes daquelas
propostas durante o treinamento.
Por razões óbvias, é impossível deaferenciar seres humanos com
finalidades experimentais. Entretanto, algumas pessoas, devido a
certos traumas ou problemas causados por doenças, são deaferen-
ciadas. Por exemplo, pacientes com artrite-reumatóide submetidos
a cirurgia para colocar prótese de articulações, não possuem mais
receptores nas articulações. Numa experiência realizada por Kelso,
Holt e Flatt (1980), pacientes que tiveram suas articulações meta-
carpo-falangiais removidas e substituídas por implantes flexíveis
de silicone-borracha, executavam movimentos de posicionamento
de dedos. Em cada tentativa, os participantes moviam seus dedos
seguindo padrões de posicionamento dos dedos ou de distância,
retornavam os dedos para um novo ponto inicial e, em seguida,
tentavam reproduzir o padrão de posicionamento ou de distân-
cia novamente. Os resultados indicaram que os pacientes tinham
pouca dificuldade em reproduzir o padrão de posicionamento com
precisão, partindo de um ponto diferente de partida original. Po-
rém, apresentavam sérias dificuldades em reproduzir o padrão de
distância a partir desses novos pontos de partida.
© U1 - Aprendizagem Motora 49

Essa teoria estimulou a realização de uma série de investiga-


ções que objetivaram pesquisar sobre esse sistema “dual” de me-
mória, e, embora elas tenham apoiado as ideias de Adams, o valor
de sua teoria no entendimento do processo de aprendizagem é
considerado, atualmente, limitado.
Tal realidade se deve, prioritariamente, a dois fatores: pri-
meiro, a teoria de Adams se baseou no estudo dos movimentos
lentos e linearmente posicionados, não sendo estes considerados
representativos perante a enorme gama de movimentos possíveis
de serem realizados por um indivíduo em condições normais.
Segundo, um grande número de estudos referentes ao pro-
cesso de deaferentação (secção dos caminhos sensoriais existen-
tes entre os receptores periféricos e a medula espinhal ou cére-
bro) provou que animais e humanos são capazes de realizar uma
variedade de movimentos mesmo sendo privados de informações
sensoriais aferentes.
Tal possibilidade se deve ao fato dos macacos serem capazes
de utilizar informações eferentes de maneira similar à utilização
da retroalimentação sensorial no desenvolvimento padrão de mo-
vimento. Isso indica a possibilidade de termos à disposição várias
fontes de informação pelas quais podemos desenvolver uma ima-
gem ou padrão de movimento, fato este que muito dificultou o uso
e a aceitabilidade da teoria desenvolvida por Adams.
Vejamos, agora, as limitações e críticas da Teoria do Sistema
de Circuito Fechado, conforme Godinho et al. (1999, p. 75-76 ):
A teoria do circuito fechado apresenta algumas limitações e aspec-
tos contraditórios que se podem resumir nas seguintes críticas:
1. A restrição teórica e experimental da teoria a movimentos lentos
de posicionamento limita a sua generalização a respostas motoras
mais rápidas e comuns no quotidiano do ser humano;
2. Não é evidente que o traço perceptivo possa assegurar a ava-
liação do movimento e ao mesmo tempo controlar o efector até
o objectivo da acção. Por exemplo, o estudo de Schmidt e White
(1972) comprova a detecção do erro em movimentos rápidos onde
segundo a predição de Adams, o traço perceptivo não intervém na
regulação da acção;

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50 © Aprendizagem e Controle Motor

3. É duvidoso o pressuposto de que um traço perceptivo bem esta-


belecido pode por si só assegurar a continuidade da aprendizagem
na ausência de conhecimento de resultados. É mais adequado su-
por que a performance se estabiliza (Schmidt, 1975), pois só assim
se pode explicar a aprendizagem quando o traço perceptivo é en-
fraquecido pela ocorrência de sucessivas respostas erradas;
4. Segundo Adams, nas fases de aprendizagem mais adiantadas o
feedback proprioceptivo sobrepõe-se a outro tipo de aferências.
Esta suposição é contrariada pelos estudos de desaferenciação (e.
g., Taub, 1976) que verificaram a possibilidade de executar correc-
tamente habilidades motoras na ausência de informação proprio-
ceptiva;
5. A noção de que cada movimento requer um traço de memória e
um traço perceptivo, coloca o problema da imensidão de traços ne-
cessários face à capacidade limitada do ser humano em armazenar
e processar informação;
6. Referindo-se apenas ao aperfeiçoamento de movimentos já re-
presentados no traço de memória, a teoria do circuito fechado não
fornece uma explicação quanto à forma como é possível aprender
movimentos novos, deixando em aberto o problema da inovação e
execução de movimentos nunca realizados;
7. Os efeitos nefastos do erro da resposta na construção dos traços
são contrariados pelos resultados dos estudos realizados no âmbito
da hipótese da variabilidade das condições de prática, elaborada
a partir da teoria do esquema (Schmidt, 1975), que suportam as
vantagens de uma prática variada na aprendizagem com uma con-
sequente elevação do erro.

Finalmente, podemos afirmar que a contribuição mais im-


portante da teoria de Adams consiste na distinção dos “dois tipos”
de aprendizagem que ocorrem durante a aquisição de habilidades
motoras: a aprendizagem do que sentimos e percebemos quando
executamos a resposta esperada e a aprendizagem de sermos ca-
pazes de constantemente produzir a resposta esperada.

Teoria do Esquema de Schmidt


Além dos problemas empíricos já esboçados com relação
à Teoria do Sistema de Circuito Fechado, Richard Schmidt (apud
SCHMIDT; WRISBERG, 2001; SCHMIDT; LEE, 2005), na busca de
uma teoria que explicasse a realização de movimentos balísticos,
© U1 - Aprendizagem Motora 51

identificou duas questões que necessitavam ser solucionadas na


teoria de Adams:
• o problema do armazenamento dos movimentos (como
é possível armazenarmos uma representação mental para
cada movimento que somos capazes de realizar, uma vez
que seguramente excederíamos nossa capacidade de me-
mória?);
• o problema da novidade (o fato de sermos capazes de
realizar, de forma relativamente coordenada, uma série
de habilidades que “nunca” havíamos realizado, ou seja,
como e por que podemos ser hábeis na realização de al-
guns movimentos que ainda não tinham sido realizados).
Essas aparentes falhas na teoria de Adams inspiraram Sch-
midt no desenvolvimento de uma teoria alternativa que explicasse
o processo de aprendizagem, e esse novo conjunto de princípios
fundamentais veio a ser denominado Teoria do Esquema de Sch-
midt, que “contém” a parte mais diferenciada da teoria de Adams:
as ideias de que aprendemos a reconhecer internamente a respos-
ta adequada e de que aprendemos a produzi-la.
Entretanto, ao lidar com habilidades motoras mais flexíveis
(sujeitas a uma maior variabilidade de execução), Schmidt (s. d.)
propôs que, para essa condição de versatilidade, seria necessário
adquirirmos regras gerais, denominadas de esquemas, termo este
já utilizado por Bartlett em seus estudos sobre a memória, confor-
me afirmam Schmidt e Lee (2005).
Bartlett (s. d.) propôs que nossas recordações são constitu-
ídas por abstrações e generalizações ao invés de lembranças de
situações ou lugares particulares e detalhados.
De forma semelhante, Schmidt (s. d.) propôs que nós não re-
temos informações específicas sobre os movimentos realizados e
suas consequências, mas, sim, o que ele denominou de esquemas
perceptivos ou esquemas motores.

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52 © Aprendizagem e Controle Motor

Para tornar mais claros esses conceitos, considere como um


jogador de golfe aprende a bater na bola de modo que ela percor-
ra a distância desejada, ignorando aqui o problema de movê-la na
direção apropriada.
O golfista tem de aprender a bater na bola com diferentes ní-
veis (ou intensidades) de força, dependendo do quão distante ela
(a bola) está do buraco. Na prática, o jogador de golfe pode usar
diferentes níveis de força em diferentes tentativas, observando os
resultados obtidos: a distância percorrida e as “formas de viagem”
realizadas pela bola.
De acordo com Schmidt (s. d.), pontos ou dados particulares
são logo esquecidos, mas a regra geral ou o esquema motor sobre
a relação entre o esforço, a distância e o movimento da bola são
desenvolvidos e retidos pelo jogador. Além disso, para ele, os es-
quemas motores podem apresentar mais de uma função, já que o
resultado do movimento pode ser afetado por inúmeras variáveis;
uma delas, por exemplo, pode ser o declive presente em uma par-
te do campo de golfe.
É necessário ressaltar que o esquema motor do golfista hábil
é mais complexo do que o já exposto, tendo em vista os declives
que podem ser encontrados nos campos, bem como a “altura” da
grama e os locais de dificuldade (lagos, áreas ou bancos de areia).
A vantagem do esquema motor é justamente esta: permitir ao in-
divíduo responder com razoável chance de sucesso aos problemas
advindos de situações novas.
A teoria de Schmidt, além de preconizar o desenvolvimento
do esquema motor, também considera o desenvolvimento do es-
quema perceptual, permitindo ao indivíduo utilizar feedback sen-
sorial na predição de que o movimento esperado foi ou não pro-
duzido. Tal esquema permite ao executor prenunciar, com relativo
sucesso, o resultado de seu movimento, além de informar como
ocorreu sua execução.
© U1 - Aprendizagem Motora 53

A maior “vantagem” dessa teoria reside na possibilidade de


se entender por que as pessoas podem desenvolver habilidades
motoras que lhes permitam obter sucesso em situações nunca
experimentadas, ou seja, essa teoria explica como um indivíduo
pode relacionar condições e estímulos diferentes com movimen-
tos a serem realizados e suas consequências esperadas após a re-
alização destes.
Primordialmente, essa teoria considerava ser possível con-
ceber e explicar o sistema motor humano como híbrido, ou seja,
capaz de controlar movimentos rápidos e lentos por meio, respec-
tivamente, de sistemas de circuito aberto (a ser explicado poste-
riormente) e fechado.
Embora a Teoria de Schmidt mantivesse a necessidade de
estruturação de dois sistemas de memória independentes entre si,
o esquema de evocação e o esquema de reconhecimento da res-
posta são mais flexíveis que os já concebidos por Adams e, portan-
to, mais capazes de gerar respostas para as questões relacionadas
às capacidades de um indivíduo realizar uma gama de habilidades
motoras.
Conforme Schmidt (s. d.), o esquema de evocação está en-
volvido na produção de um movimento pelo simples fato de ser
responsável pela seleção de parâmetros que especificam um mo-
vimento em particular, como, por exemplo, as velocidades dos ar-
remessos em um jogo de handebol e o subir e descer uma escada
com degraus de alturas diferentes.
Uma vez que esses parâmetros foram selecionados, cabe ao
esquema de reconhecimento da resposta a tarefa de avaliar qua-
litativa e quantitativamente a adequabilidade do movimento exe-
cutado com o esperado.
De forma adicional, Schmidt (s. d.) hipotetizou que, com a
prática contínua, o indivíduo receberia informações sobre o movi-
mento (feedback intrínseco e extrínseco), de forma a favorecer a
“força” do esquema.

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É importante ressaltar que:


Em termos genéricos a origem do conceito de esquema pode ser
atribuída a Kant (1781). Kant considera que este é fruto da “imagi-
nação” e representa a regra geral segundo a qual se podem edificar
inúmeras imagens apresentadas (e. g. triângulos, animais etc.). O
esquema permite classificar numa determinada categoria todas as
variações do mesmo objecto ou fenómeno.
O pressuposto teórico de que uma mesma estrutura cognitiva pode
presidir à realização de respostas similares é admitida por Piaget
(1983) no conceito de esquema de acção. Conferindo-lhe particu-
lar importância no desenvolvimento sensório-motor (e. g. aqui-
sição de praxias) e cognitivo da criança, Piaget argumenta que o
esquema se consolida pelo exercício e conserva-se ao longo das
repetições, aplicando-se a situações variáveis decorrentes das mo-
dificações do meio.
Bartlett (1932) considera que o esquema é uma organização acti-
va das experiências passadas através da qual as novas experiências
são interpretadas. É admitido que a resposta motora não corres-
ponda à reprodução integral das acções anteriores mas resulte da
nova e permanente construção do esquema, que por sua vez é ca-
paz de gerar novas respostas. Descrevendo-o como uma represen-
tação (mnésica) genérica de eventos ou acções, Bartlett argumenta
que o esquema permite que um sujeito responda da mesma forma
geral a estímulos semelhantes, mas com diferenças de pormenor.
Posner e Keele (1968, 1970) concluem que só uma estrutura como
o esquema pode explicar a capacidade observada em sujeitos de
reconhecer padrões visuais nunca vistos desde que estes perten-
çam a uma classe de padrões previamente adquiridos (GODINHO
et al., 1999, p. 84-85).

Outra proposição importante dessa teoria é a formulação do


conceito de “programa motor generalizado” (PMG), que se cons-
titui em uma estrutura abstrata de memória que prepara o movi-
mento antecipadamente.
Além disso, esse mecanismo provê os meios pelos quais um
movimento em específico será realizado, sendo constituído pelos
parâmetros temporais e espaciais dos grupos musculares respon-
sáveis pela execução do movimento.
Assim, a ação do programa motor generalizado é de impor-
tância vital na execução dos movimentos balísticos, em que a pos-
© U1 - Aprendizagem Motora 55

sibilidade de utilizarmos uma retroalimentação (feedback) para


orientarmos o movimento durante o período de sua execução é
bastante limitada ou inexistente.
Outro aspecto interessante na Teoria do Esquema de Sch-
midt é que, embora Adams discuta que o traço de memória (es-
trutura por ele proposta em seu sistema) seja capaz de iniciar um
movimento (ação realizada em alguns milissegundos), o PMG pro-
posto por Schmidt é capaz de atuar por um tempo operacional
bem maior (cerca de um a dois segundos). Além disso, a teoria
também contribui para nosso conhecimento de como são desen-
volvidas as respostas de reconhecimento de resultado.
De acordo com essa proposta de Schmidt, esse desenvolvi-
mento é dependente da capacidade do indivíduo relacionar qua-
tro aspectos importantes do desempenho:
1) as condições iniciais associadas à execução do movimen-
to (posição corporal, características do objeto a ser lan-
çado, arremessado, rebatido ou mantido sob controle);
2) os movimentos necessários à constituição específica da
resposta (força e velocidade de execução);
3) as consequências sensoriais que emergem do desempe-
nho expresso (isto é, como o movimento é percebido);
4) o resultado obtido pela realização do movimento.
Uma vez que cada um desses componentes do movimento
foi extraído da performance expressa pelo indivíduo, este começa-
ria a reunir cada um deles e relacioná-los com outros componen-
tes .
Seria promovida, por exemplo, a relação entre as condições
iniciais e os parâmetros específicos da habilidade motora em foco,
selecionando o que contribui para a formação do esquema de evo-
cação, considerando que este assume ser o desenvolvimento do
esquema de reconhecimento da resposta, fundamentado mais nas
relações entre as condições iniciais, no resultado do movimento e
nas consequências sensoriais geradas.

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56 © Aprendizagem e Controle Motor

Graças a essas relações, podemos formular certas regras ou


princípios de operação que podem ser utilizados para orientar a
seleção do programa motor apropriado para a realização da ação
pretendida.
Embora o interesse pela Teoria do Esquema tenha diminuído
com o passar do tempo, para Godinho et al. (1999), ela deve ser
considerada como original e importante, no âmbito da aprendiza-
gem motora, pelos seguintes fatos:
1) sustentar a possibilidade de realização de variados mo-
vimentos via utilização de um programa motor genera-
lizado;
2) preconizar o controle de movimentos de forma híbrida;
3) entender o erro como um fator essencial à aprendiza-
gem, uma vez que este pode participar da formação do
esquema;
4) expor e defender a variabilidade da prática (a ser discu-
tida a seguir) no processo de aprendizagem dos seres
humanos.
É importante ressaltar que alguns de seus constructos teóri-
cos continuam sendo estudados; dois deles são o programa motor
generalizado (que também será comentado na Unidade 2 − Fato-
res que Afetam o Processo de Aprendizagem) e a hipótese da va-
riabilidade da prática mais bem detalhada, que, para Schmidt, com
o tempo de prática, influi enormemente no processo de aprendi-
zagem motora, sendo um quesito estudado por pesquisadores na
área de Aprendizagem e Controle Motor há mais de 20 anos.
A influência da interferência contextual no processo de
aprendizagem pode ser explicada, conforme Magill (2000), por
meio de duas hipóteses: a da elaboração e a da reconstrução do
plano de ação.
A primeira se deve ao fato de que, na prática aleatória, o
indivíduo se envolve em diferentes estratégias que, para serem
executadas, devem ser retidas na memória de trabalho. Já a se-
gunda envolve a reconstrução dos planos de ação que por ventura
tenham sido esquecidos.
© U1 - Aprendizagem Motora 57

Para Magill (2000, p. 255-256 ):


[...] quando um aprendiz pratica uma habilidade motora, a inter-
ferência criada pelas tentativas práticas entre duas tentativas da
mesma variação da habilidade faz com que a pessoa se esqueça de
boa parte do plano de ação desenvolvido para a primeira tentativa.
Como consequência, o aprendiz precisa reconstruir e modificar seu
plano de ação para tentar a habilidade na próxima vez. Por outro
lado, o esquema da prática em bloco se parece com o problema da
adição em que a tentativa seguinte ocorre imediatamente e é, por-
tanto, mais fácil lembrar a solução e ser bem-sucedido na próxima
tentativa.
No contexto da aprendizagem motora, as condições de alta interfe-
rência contextual requerem que as pessoas se envolvam mais ati-
vamente na atividade da resolução do problema durante a prática.
Embora essa atividade normalmente faça com que os aprendizes
apresentem durante a prática um desempenho mais pobre do que
teriam com um esquema de baixa interferência contextual, o défi-
cit de desempenho de curto prazo torna-se um benefício de longo
prazo, porque leva a um melhor desempenho no teste de retenção
e de transferência.

Teoria Ecológica ou da Percepção-Ação


A sondagem do ambiente pelos seres humanos é objeto de
estudo de teorias que procuram especificar o que seja percepção,
sendo que dois paradigmas distintos procuram elucidar o processo
desta capacidade: o da percepção indireta e o da percepção direta
(MICHAELS; CARELLO, 1981).
Percepção indireta
Percepção indireta é entendida como processamento impe-
lido pela concepção (ou top-dow), de modo a utilizar processos
que dependem de conhecimentos e experiências adquiridas pre-
viamente (EYSENCK; KEANEC, 1994 apud SCHMIDT; LEE, 2005).
Percepção direta
É composta pelo input sensorial altamente disponível (ou
botton-up) e se refere aos processos influenciados, exclusivamen-
te, pelo input sensorial.

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O paradigma da percepção indireta defendido por Magill et


al. (apud Magill, 2000) explicita que a percepção é o resultado do
processamento de informações a partir da captação de estímulos
pelos órgãos sensoriais. Dessa forma, a sensação seria a atividade
dos receptores sensoriais, e a percepção, a interpretação dessas
informações.
Evidenciando ao máximo o ser humano como principal agen-
te no seu relacionamento com o ambiente, essa abordagem con-
sidera que o “input” necessita de processamento e que operações
cognitivas (como a memória, por exemplo) intervêm naquilo que é
percebido (MICHAELS; CARELLO, 1981).
Contrário a essa concepção, Gibson (1966 apud Magill,
2000) questionou a relação existente entre sensação e percepção
ao afirmar que os receptores sensoriais humanos podem ser esti-
mulados de tal modo a fornecer pouca ou nenhuma informação.
As experiências resultantes podem ser simplesmente denomina-
das de sensação, não sendo esta entendida como um pré-requisito
da percepção, e nem as impressões sensoriais como dados brutos
para a percepção.
Reconhecendo a riqueza das experiências perceptivas e con-
siderando que a base dela não estava na elaboração ou organiza-
ção gerada por processos cognitivos, mas na riqueza da estimula-
ção, o paradigma da percepção direta promove o entendimento
da interdependência ou compatibilidade existente entre o ser hu-
mano e o ambiente, uma vez que cada um deve sua identidade ao
outro. Dessa feita, uma completa descrição do nicho caracteriza o
ser vivo que o ocupa, e uma completa descrição do animal carac-
teriza o seu nicho.
Para Gibson (1966 apud MAGILL, 2000), os organismos ad-
quirem a informação de que necessitam para que possam sobre-
viver e se desenvolver, por serem constituídos de uma forma tal e
por viverem em um ambiente equivalente, explicando a “inefici-
ência” no começo da vida e nas primeiras tentativas de qualquer
© U1 - Aprendizagem Motora 59

ação. Essa informação, entretanto, ficará mais refinada com o de-


senrolar do tempo, isto é, com a experiência e a prática.
Mas como e por que Gibson preconizou a percepção de for-
ma tão simples?
Impressionado com os vários tipos de informação disponí-
vel, exclusivamente para o sentido da visão, Gibson demonstrou
que há informação suficiente no sentido da visão para permitir a
discriminação de profundidade, ao contrário do que propunha a
teoria empirista clássica, que considerava o tato como tendo um
papel central para a percepção dessa condição.
De acordo com esse pesquisador, se o indivíduo é forçado a
permanecer sentado passivamente, as cenas parecerão ambíguas,
ao contrário do que acontece quando ele tem liberdade para ca-
minhar, pois as mudanças na disposição óptica estarão vinculadas
aos movimentos de seu corpo. Com a sequência e continuidade da
exploração, a informação será obtida de forma usual, rotineira, o
que levará à produção de informações cada vez mais relevantes.
Acrescenta-se a isso o fato de que as alterações na disposi-
ção óptica, que provêm dos movimentos principiados pelo indiví-
duo, tornam o entendimento do que está acontecendo no mundo
visual muito mais simples. Dessa forma, tem-se uma maior mag-
nitude de informação a respeito do espaço e da distância (GARD-
NER, 1996).
Um entendimento muito importante para Gibson (1966) é
o conceito de “affordance”, que expressa, para o autor em foco,
a ideia de reciprocidade na relação entre indivíduo e ambiente,
incluindo as propriedades físicas deste, que são particularizadas a
um determinado ser vivo, ao seu sistema nutriente e ao seu siste-
ma de locomoção e ação. Caso existam informações em um am-
biente que especifiquem substâncias, objetos sólidos e superfícies
existirão informações para indicar ao ser vivo seus “affordances”
ou “pistas”, que levam o indivíduo a correr, andar ou pular corda,
por exemplo.

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60 © Aprendizagem e Controle Motor

Como toda e qualquer alteração no ambiente e/ou no ser


vivo promove uma perturbação na relação existente entre eles,
quando o ser vivo modifica seu posicionamento no espaço, ou
quando o ambiente for alterado, uma nova percepção emergirá
(GIBSON, 1967/1979 apud MAGILL, 2000).
Consequentemente, será possível delinear que, a cada mo-
mento, teríamos uma nova percepção de mundo e da relação do
ser vivo com o ambiente, do qual surgiria um complexo de percep-
ções de novos momentos.
Gardner (1996) defende que, ao entendermos “affordan-
ces” como potencialidades para a ação, ou seja, ao preconizarmos
as atividades que podem ocorrer quando um organismo de certo
tipo encontra uma entidade de outro tipo, indivíduos podem jogar
algumas coisas (objetos) que podem ser agarradas por determi-
nados indivíduos que devoram coisas que são comestíveis e acari-
ciam as que são amáveis.
O conceito de “possibilidades” permitiu uma análise da efi-
ciência de um organismo dentro do seu ambiente, aparentemente
sem a necessidade de invocar crenças, atitudes ou esforço mental.
Todos esses conceitos deixavam Gibson, nas palavras de Gardner
(1996), “muito nervoso”.
O padrão de estimulação possibilita ao indivíduo perceber
um mesmo objeto em diferentes posições no espaço, o que fica
evidente quando se fala em percepção da forma, do tamanho e do
brilho dos objetos.
A persistência da percepção acontece em função da inva-
riância na percepção e é um fenômeno que permite às proprie-
dades percebidas de um objeto se conservarem estáveis quando
ocorrem significativas alterações no estímulo.
O conceito de “invariante” implica que sejam pormenoriza-
das as transformações sobre as quais algo é constante, já que inva-
riantes ou constantes estruturais e transformacionais fornecem ao
ser vivo a descrição do evento perceptivo.
© U1 - Aprendizagem Motora 61

Godinho et al. (1999, p. 104-105 ) alertam que:


[...] talvez a questão que mais afasta as várias perspectivas de en-
tendimento do comportamento motor e da sua alteração ao longo
do processo de aprendizagem sela a questão da importância ou
não das representações mentais.
É difícil explicar, segundo a perspectiva dos sistemas dinâmicos por-
que razão o comportamento do indivíduo se altera imediatamente
uma vez aprendidas as regras da actividade que pratica, uma vez
que não acorreram alterações na situação nem na capacidade de
leitura do envolvimento (visto que naturalmente nenhuma altera-
ção é possível de um momento para outro) [...].
Como explicar o comportamento do jogador em campo realizan-
do movimentos pré-definidos num esquema táctico? Os mesmos
estímulos e a mesma situação podem implicar comportamentos
diversos de acordo com visões diferentes do jogo e, portanto, a im-
plementação de esquemas de jogo também diferenciados.
Se o sujeito é capaz de recolher a informação pertinente para a
situação como resultado da experiência e se é apenas a estimula-
ção contextual que condiciona o comportamento do sujeito então
como explicar que o indivíduo seja capaz de realizar movimentos
com o mesmo grau de eficiência com recurso a outras fontes de
informação (fechando os olhos, por exemplo)?
Como explicar o movimento na dança ou na ginástica desportiva
em que é valorizada uma dimensão estética? Não é credível que
seja apenas o resultado de uma melhoria no processo de recolha
de informação que está aqui em causa.
Na realidade a maior parte das acções humanas são influenciadas
fundamentalmente pela cultura. O comportamento não pode ex-
plicar-se apenas pela relação directa entre a percepção e a acção
como eventualmente no caso dos movimentos “naturais” como a
marcha, o sentar [...].
A questão mais pertinente prende-se, é claro, com o armazena-
mento do conhecimento na memória. A perspectiva dos sistemas
dinâmicos, que eu subestima a importância das representações
mentais no processo de aprendizagem, falha rotundamente neste
capítulo, por ausência de alternativas credíveis para esta questão.

De acordo com Eysenck e Keanec (1994), a abordagem de-


fendida por Gibson a respeito da percepção é basicamente uma
teoria “bottom-up” ou de processamento impelido pelo estímulo.

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62 © Aprendizagem e Controle Motor

Essa abordagem alega a existência de um maior número de


informações potencialmente disponíveis para a estimulação sen-
sorial do que, em geral, se crê possível e apresenta como principais
suposições teóricas os seguintes fatos:
• um padrão de luz, ao atingir o olho, pode ser entendido
como uma matriz óptica que contém toda a informação
visual do meio ambiente;
• a percepção envolve a “coleta” direta da riqueza de in-
formações fornecidas pela matriz óptica. Tal condição é
capaz de fornecer precisos ou invariantes a respeito da
distribuição dos objetos no espaço, por meio de conheci-
mentos de gradientes de textura, padrões de fluxo óptico
e disponibilidades.
Também é significativo mencionar como os seguidores da
abordagem da percepção direta e da percepção indireta exami-
nam a relação percepção-ação. As duas abordagens advogam ser a
percepção uma fonte de informação ativa, mas, na abordagem in-
direta (cognitivista), a percepção é edificada a partir da sensação,
e a ação, a partir da percepção (MAGILL, 1984).
Na abordagem direta (ecológica), a ação não pode ser vista
independentemente da percepção, pois esta é tudo aquilo que ex-
ploramos ativamente (tatear, ouvir, sentir etc.) dentro de caracte-
rísticas específicas de um determinado ambiente.
O controle da ação, tendo como base a relação percepção-
-ação, só é possível a partir da relação existente entre o sistema
de ação, o sistema perceptivo e o nicho ambiental (MICHAELS; CA-
RELLO, 1981), sendo ação e percepção reciprocamente restringen-
tes e constituintes do ser humano.
Dessa forma, ser humano e ambiente são reciprocamente
restringentes e juntos constituem o ecossistema, responsável pelo
controle da ação. Caso haja qualquer discrepância entre a ação
que realizamos e o ambiente em que estamos inseridos, isso tor-
nará o controle muito mais complexo.
© U1 - Aprendizagem Motora 63

No que diz respeito a controle motor x aprendizagem, Godi-


nho et al. (1999, p. 17) dizem que:
[...] o nível de execução está condicionado pela experiência pas-
sada, mas [...] pode ser influenciado por um conjunto de factores
extemporâneos que permitam a correspondência exacta entre o
nível de aprendizagem e a performance. Uma vez criadas poten-
cialidades para a acção há que manifestar o que se aprendeu em
função das solicitações existentes. A produção de uma resposta
depende da capacidade do sujeito ler e perceber o envolvimento,
e em particular a sua inserção neste, escolher qual a resposta mais
adequada, e implementar a resposta que pode incluir posturas ou
movimentos. A este processo de organização e regulação chama-
-se controlo motor. Assim, quando observamos o comportamento,
analisando os mecanismos que permitem a realização, desde a in-
tenção, o estímulo, o processamento e a resposta, referimo-nos ao
processo de controlo motor. Quando abordamos o comportamen-
to, na perspectiva da sua transformação ao longo do tempo, por
efeito da prática, referimo-nos à aprendizagem.

6. CLASSIFICAÇÃO DAS HABILIDADES MOTORAS


A palavra “habilidade” pode ser entendida de duas formas
diferentes:
• como atos ou tarefas que exigem a realização de uma
ou mais ações, ou seja, de respostas a metas que con-
sistem em movimentos do corpo ou de suas partes;
• como o “nível” de realização dessas tarefas.
Para Magill (2000, p. 6), a palavra “habilidade” designa:
[...] uma tarefa com uma finalidade específica a ser atingida. Por
exemplo, costumamos dizer que “multiplicação é uma habilidade
fundamental da matemática” ou que “tocar piano é uma habilida-
de que exige prática”. Desses dois exemplos, a habilidade de tocar
piano inclui uma habilidade motora, porque é de fato uma habilida-
de que exige movimentos voluntários do corpo e/ou dos membros
para atingir o objetivo. Analisando sob esse ângulo, a habilidade de
tocar piano envolve as habilidades de pressionar as teclas corretas
na seqüência certa e exige movimentos de mãos e dedos para atin-
gir o objetivo.

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64 © Aprendizagem e Controle Motor

Mediante análise da definição apresentada, podemos verifi-


car algumas características próprias das habilidades. São elas:
• há uma meta a ser atingida, isto é, um objetivo a ser al-
cançado que, em termos motores, pode ser designado
como meta da ação;
• as habilidades motoras, nosso alvo de estudo, são aque-
las ditas voluntárias, sendo os reflexos desconsiderados
nesse contexto;
• as habilidades não são inatas, necessitando, portanto, de
serem aprendidas, aperfeiçoadas e, em alguns casos, re-
aprendidas, tal como no caso de um indivíduo que, após
um acidente, deve reaprender a andar, a subir e a descer
uma escada, devido ao fato de ter recebido uma prótese
de membro inferior.
Schmidt e Wrisberg (2010, p. 25) complementam essa defi-
nição escrevendo que:
[...] em muitos casos, as habilidades que aprendemos durante o
curso de nossas vidas são funcionais, tal como a que um entregador
de jornais utiliza quando joga um jornal da bicicleta em movimento
em uma calçada ou em uma área estreita de uma casa (alguns com
mais precisão que outros), ou a que o motorista utiliza quando está
dirigindo ao longo de uma rua movimentada cheia de pedestres e
outros veículos. Outras habilidades apresentam diferentes tipos de
desafios como quando uma criança tenta sua primeira cambalhota
ou seu primeiro chute em uma bola, ou quando um idoso descobre
que o que era uma simples tarefa de caminhar não é mais possível
de ser realizada sem uma bengala ou um andador. Existem ainda
as habilidades de executantes mais avançados, tais como ginastas,
músicos, jogadores de tênis e escaladores de rochas, que buscam
desafiar maximamente a si mesmos e seus ambientes.

É comum dizermos que uma pessoa é habilidosa quando re-


aliza uma tarefa, motora ou não, para atingir, adequadamente, um
objetivo determinado, com o mínimo gasto energético e tempo.
Vale ressaltar que uma significativa variedade de movimen-
tos diferentes pode gerar uma mesma ação e, dessa forma, atingir
uma mesma meta. Vejamos o caso da ação de percorrer determi-
nado trajeto linear de 1000 metros a pé.
© U1 - Aprendizagem Motora 65

O objetivo é um só: consiste em sair de A e chegar em B


andando, mas essa meta pode ser cumprida de diferentes formas:
podemos andar lentamente ou rapidamente; podemos andar de
frente, de lado ou de costas; podemos andar alternando o ritmo e
a distância de nossas passadas, entre tantas outras formas.
Nessas diferentes situações, a ação é a mesma (andar), mas
os movimentos que a compõem são distintos.
Diante de tal variedade de entendimento e objetivando
maximizar o processo de aprendizagem dos diferentes tipos de
habilidades, foram propostos sistemas para classificá-las que en-
fatizaram desde a necessidade de controle de pequenas ou gran-
des musculaturas (dimensões da musculatura envolvida), nível
de previsibilidade-estabilidade do ambiente, importância relativa
dos elementos motores ou cognitivos, até a forma como a tarefa
é organizada (distinguibilidade dos movimentos componentes da
ação).
Essas formas de classificação serão explicitadas a seguir, sen-
do os sistemas aqui apresentados uni e bidimensionais.

Sistemas Unidimensionais
São os mais comuns e consideram apenas um dos vários as-
pectos de realização de uma habilidade motora em particular.
De acordo com Gallahue e Ozmun (2001), Gallahue (2002),
Magill (2000) e Schmidt e Wrisberg (2010), as habilidades podem
ser classificadas conforme a forma de organização ou distinguibili-
dade do movimento, a importância relativa dos elementos moto-
res e cognitivos, as dimensões da musculatura envolvida, a estabi-
lidade-previsibilidade do ambiente e, por consequência, da ação
a ser realizada, a função intencional do movimento e o nível de
desenvolvimento da habilidade.
Vejamos a seguir cada uma delas.

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66 © Aprendizagem e Controle Motor

A forma de organização ou distinguibilidade do movimento


Nesse quesito, as habilidades podem ser classificadas como:
• discretas – quando apresentam início e fim da ação bem de-
finidos, como, por exemplo, chutar, arremessar e receber;
• seriadas – quando incluem vários movimentos discretos
conectados em uma sequência fixa e, portanto, imutável,
como no caso de uma série específica de ginástica artísti-
ca ou de determinada coreografia;
• contínuas – quando não apresentam início e fim bem de-
finidos, sendo estes definidos por uma barreira ou marco
ambiental. Exemplos: natação e remo.
A importância relativa dos elementos motores e cognitivos
Aqui, as habilidades podem ser divididas em:
• cognitiva – quando o quesito mais significativo para o su-
cesso é a estratégia utilizada, e não a qualidade do mo-
vimento realizado. Isso é fácil perceber em um jogo de
damas ou de xadrez, em que pouco importa como a pre-
ensão da peça é realizada, mas é de importância capital
qual peça será movida e em qual direção;
• motora – quando, ao contrário da anterior, a forma de
execução, e não a decisão, se apresenta como o aspecto
mais relevante. Essa situação é facilmente percebida no
halterofilismo (levantamento de pesos), nos saltos, arre-
messos e lançamentos que compõem as provas de atle-
tismo.
Dimensões da musculatura envolvida
De acordo com esse parâmetro, as habilidades podem ser
classificadas em:
• motoras grossas – quando, na realização de ações como
saltar, correr e nadar, são ativadas as grandes musculatu-
ras humanas;
© U1 - Aprendizagem Motora 67

• motoras finas – aquelas que envolvem um maior controle


das ações realizadas, ou seja, um alto grau de precisão
dos movimentos, como no caso da digitação e do dese-
nho à mão livre.
Estabilidade-previsibilidade do ambiente e, por consequência, da
ação a ser realizada
Essa classificação subdivide as habilidades motoras em:
• abertas – que são aquelas desempenhadas em ambiente
instável ou imprevisível, como, por exemplo, chutar em
um jogo de futebol ou uma recepção no voleibol;
• fechadas – aquelas desempenhadas em um ambiente es-
tável e previsível, como tocar violão.
Função intencional do movimento
Esse aspecto classifica as habilidades de acordo com o seu
objetivo de realização. Conforme Gallahue (2002, p. 107):
[...] embora todas as tarefas de movimento envolvam um elemento
de equilíbrio, os movimentos nos quais a orientação corporal de
alguém estabelece um prêmio em ganhar e/ou manter uma orien-
tação corporal estável são denominados de tarefas de estabilidade.
Sentar e ficar de pé, equilibrar-se sobre uma barra estreita, fazer
rolamento do corpo e movimentar-se subitamente ajustam-se a
essa categoria, como realizar movimentos axiais tais como flexão,
alongamento, torção ou giro. Os movimentos que têm por objetivo
transportar o corpo de um ponto para outro como a caminhada, a
corrida, o salto em altura ou as competições de corrida com obstá-
culo em esportes de salão e campo constituem tarefas locomoto-
ras. Aquelas que envolvem dar força a um objeto ou receber força
do mesmo constituem tarefas de manipulação do objeto. Arremes-
sar, pegar, chutar uma bola de futebol, lançar em beisebol e driblar
em basquete constituem habilidades manipulativas comuns.

Nível de desenvolvimento da habilidade


Considera a relação entre as características da ação moto-
ra e o nível desenvolvimental do executor e apresenta a seguinte
classificação:

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68 © Aprendizagem e Controle Motor

• movimentos reflexos – constituídos por comportamen-


tos involuntários do tipo ação reflexa, como os reflexos de
preensão palmar e plantar e de Babinski;
• movimentos rudimentares – que fornecem as primeiras
possibilidades voluntárias de exploração do ambiente e
de contato com objetos (como é o caso do “arrastar-se” e,
também, dos movimentos de alcançar, segurar e soltar);
• movimentos fundamentais – formados por ações volun-
tárias aprendidas normalmente durante a infância, como
chutar, arremessar e receber, e que servem de base para
a aquisição de habilidades mais complexas (fundamentos
esportivos);
• movimentos especializados – constituídos pelas ações
mais complexas e vinculadas à nossa vida diária, ao lazer
e/ou à prática esportiva. Como exemplos, temos o arre-
messo com salto no handebol e o chute de trivela no fu-
tebol.

A Classificação (Taxonomia) Bidimensional de Gentile


Outra forma de classificação das habilidades motoras foi de-
senvolvida por Gentile e leva em consideração as seguintes carac-
terísticas gerais: as demandas do ambiente (o quanto o ambiente
está estacionário ou em movimento, como a variabilidade regula-
tória e a possibilidade de mudança ambiental entre uma tentativa
de performance e a seguinte) e os requisitos da ação (transporte
do corpo e manipulação do objeto).
Conforme Magill (2000, p. 11-12 ):
[...] a primeira dimensão da taxonomia de Gentile [...] está relacio-
nada ao contexto ambiental no qual a pessoa realiza uma habili-
dade.
A primeira característica ambiental se refere às condições regulado-
ras, isto é, as características do contexto ambiental que controlam
ou regulam as características do movimento de uma ação. Isso quer
dizer que os movimentos de uma pessoa precisam estar de acordo
com essas condições ambientais específicas, para serem bem suce-
© U1 - Aprendizagem Motora 69

didos. Por exemplo, os movimentos que uma pessoa desempenha


para caminhar sobre uma superfície dependem da natureza dessa
superfície. Da mesma forma, no caso de uma pessoa atingir uma
bola, o tamanho, a forma e o peso da bola, assim como sua velo-
cidade e localização espacial no vôo, são fatores que determinam
como a pessoa deve bater na bola e como devem ser as caracterís-
ticas do movimento do balanço do corpo.
Uma distinção importante na identificação de habilidades motoras
consiste em verificar se as condições reguladoras durante a reali-
zação são estacionárias ou em movimento. Às vezes, as condições
reguladoras são estacionárias; por exemplo, quando você caminha
por uma calçada ou dá a primeira tacada em uma bola de golfe. Às
vezes, as condições reguladoras estão em movimento; isso aconte-
ce quando você precisa subir numa escada rolante ou bater numa
bola em vôo. [...] As habilidades para as quais as condições regu-
ladoras são estacionárias são chamadas de habilidades fechadas,
enquanto aquelas para as quais as condições reguladoras estão em
movimento são chamadas de habilidades abertas. Entretanto, essa
condição de diferenciação fechada-aberta é muito restrita para
englobar a larga faixa de habilidades desempenhadas diariamente
pelas pessoas.

Gallahue (2002, p. 108-109 ) explicita a taxionomia de Gen-


tile da seguinte forma:
Gentile observou além das abordagens unidimensionais para a
classificação de habilidades de movimento. Seu esquema bidimen-
sional considera: (1) o contexto do meio ambiente onde a tarefa
de movimento é realizada, e (2) sua função intencional. Embora a
intenção original dessa taxionomia seja auxiliar os terapeutas físi-
cos em seus esforços de reabilitação, também proporciona uma
estrutura funcional para estabelecer sessões de prática e rotinas
de treinamento para qualquer um interessado em ensinar as habi-
lidades de movimento.
A primeira dimensão lida com o contexto ambiental da tarefa de
movimento a ser realizada. De acordo com Gentile, o contexto
ambiental refere-se a ter condições reguladoras, tanto fixas ou
em movimento, assim como apresentar ou não variabilidade en-
tre uma série de tentativas. Caso as condições reguladoras durante
o desempenho de uma habilidade sejam fixas, então o contexto
ambiental é imutável. Pode não haver, entretanto, nenhuma varia-
bilidade entre as tentativas, como em uma tarefa de movimento
completamente fechada, por exemplo, sentar ou levantar de uma
cadeira, ou manter uma variabilidade entre as tentativas, como
em uma tarefa de movimento moderadamente fechado; exemplo,
sentar ou levantar-se de diversas alturas. Por outro lado, caso as

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70 © Aprendizagem e Controle Motor

condições reguladoras do meio ambiente estejam em movimento,


podem não apresentar nenhuma variabilidade entre as tentativas,
como em uma habilidade de movimento moderadamente aberta;
exemplificando, o exercício de sentar sobre uma bola grande ou
demonstrar a variabilidade entre as tentativas como em uma tarefa
de movimento completamente aberta, como um exercício de sen-
tar sobre uma bola grande equilibrando-se com os pés suspensos
do chão.
A segunda dimensão do esquema bidimensional de Gentile para a
classificação de habilidades de movimento lida com a função inten-
cional da tarefa de movimento (isto é, a categoria de movimento).
A orientação do corpo de alguém pode focalizar tanto a estabili-
dade quanto a locomoção (Gentile utiliza o termo “transporte do
corpo“), ocorrendo com ou sem a manipulação de objeto.

É importante ressaltar que a classificação bidimensional de


Gentile soluciona vários problemas apresentados pelas classifica-
ções unidimensionais, uma vez que relaciona algumas das várias
condições e formas de realização dos movimentos, o que possi-
bilita a escolha mais apropriada dos processos de ensino-apren-
dizagem das habilidades motoras que deverão ser utilizadas no
processo educativo formal.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estu-
dados para sanar as suas dúvidas, pois este é o momento ideal
para que você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que,
na Educação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de
forma cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, suas des-
cobertas com os seus colegas.
© U1 - Aprendizagem Motora 71

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu


desempenho no estudo desta unidade:
1) Como você utilizará os conhecimentos referentes às teorias de sistema de
circuito aberto e fechado na estruturação de suas aulas?

2) Por que é importante classificarmos as habilidades motoras?

3) Por que a classificação das habilidades, proposta por Gentile, amplia a pos-
sibilidade de organização da aprendizagem motora?

8. CONSIDERAÇÕES
Na contemporaneidade, é inegável a importância dos co-
nhecimentos referentes aos processos de aprendizagem para a
eficiente estruturação e aplicação dos conteúdos próprios da Edu-
cação Física Escolar.
Tal realidade, acrescida pelas necessidades de difusão e
socialização dos conhecimentos científicos detidos por essa área
de conhecimento, deve permear toda a formação (universitária e
continuada) dos profissionais da Educação Física.
Somente assim poderemos fornecer subsídios para o apri-
moramento de nossa ação educativa, visando não só à aplicação
dos novos conhecimentos, mas também à descoberta e experi-
mentação de alternativas para solucionar nossas dúvidas e desco-
nhecimentos no tocante à aprendizagem motora.
Desse modo, não só ampliaremos nossos conhecimentos,
mas também seremos capazes de maximizar o processo de aquisi-
ção e diversificação motora.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GALLAHUE, D. L. A classificação das habilidades de movimento: um caso para modelos
multidimensionais. Revista de Educação Física/UEM, Maringá, v. 13, n. 2, p. 105-11, 2º
semestre de 2002.

Claretiano - Centro Universitário


72 © Aprendizagem e Controle Motor

GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês,


crianças, adolescentes e adultos. Tradução de Maria Aparecida S. P. Araújo. São Paulo:
Phorte, 2001.
GARDNER, H. A nova ciência da mente. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo
, 1996.
GODINHO, M. et. al. Controlo motor e aprendizagem: fundamentos e aplicações. Cruz
Quebrada: Faculda de Motricidade Humana – Serviço de Edições , 1999.
MAGILL, R. A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. 3. ed. Tradução de Erik G.
Hanitzsch. São Paulo: Edgard Blücher, 1990.
______. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. Tradução de Aracy M. da Costa.
São Paulo: Edgard Blücher, 2000.
MAZUR, J. E. Learning and behavior. 6. ed. Upper Saddle River, New Jersey: Pearson
Prentice Hall, 2006.
MICHAELS, C. F.; CARELLO, C. Direct perception. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-
Hall, 1981.
MOREIRA, M. A. et al. Aprendizagem: perspectivas teóricas. Porto Alegre: Editora da
Universidade/PADES/UFRGS/PROGRAD, 1987.
SCHMIDT, R. A.; LEE, T. D. Motor control and learning: a behavioral emphasis. 4. ed.
Champaign, Il: Human Kinetics, 2005.
SCHMIDT, R. A.; WRISBERG, C. A. Aprendizagem e performance motora: uma abordagem
da aprendizagem baseada no problema. 2. ed. Tradução de Ricardo D. S. Petersen et al.
Porto Alegre: Artmed, 2001.
______. ______. 4. ed. Tradução de Ricardo D. S. Petersen et al. Porto Alegre: Artmed,
2010.
EAD
Fatores que Afetam
o Processo de
Aprendizagem
2
1. OBJETIVO
• Explicitar os principais fatores responsáveis pela maximi-
zação do processo de ensino-aprendizagem, os quais es-
tão relacionados com a organização da ação docente.

2. CONTEÚDOS
• Prática.
• Distribuição e tipos de prática.
• Diferenças individuais.
• Motivação.
• Instrução.
• Feedback.
• Métodos de ensino.
74 © Aprendizagem e Controle Motor

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha sempre em mente que o processo de ensino
-aprendizagem motor será maximizado pelo professor
por meio da estruturação cuidadosa dos tipos de prática
e do uso de metodologias, além das estratégias apropria-
das à população atendida e aos conteúdos trabalhados.
2) Organize seu cronograma para não atrasar a entrega das
atividades.
3) As ideias apresentadas a seguir serão muito importantes
para seu aperfeiçoamento e não esgotam o tema, pois
ele é passível de questionamentos. Sugerimos, portan-
to, pesquisas constantes, sempre buscando o aprofun-
damento.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Considere um indivíduo que está tentando realizar uma ha-
bilidade motora que não lhe é familiar. Geralmente, tais tentativas
serão realizadas de forma desajustada ou descoordenada.
Com a prática (aqui entendida como a execução do movi-
mento em questão), qualitativa e quantitativamente adequada,
o executante começa a esboçar um controle aumentado sobre a
ação, sabendo se o movimento foi realizado de forma apropriada
ou não.
Mas como essa execução deve ser estruturada e efetivada
de modo que não gere uma aprendizagem satisfatória?
Em primeiro lugar, devemos considerar que a variação das
características contextuais merece cuidados especiais, pois, para
Magill (2000, p. 246-247 ), certas características do caminhar são
alteradas quando caminhamos em lugares diferentes, como con-
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 75

creto, gelo ou areia. Da mesma forma, caminhamos diferentemen-


te em uma calçada cheia de gente em relação a uma calçada “va-
zia”.
Concomitante a isso, sabemos que, quando nos encontra-
mos fatigados, desinteressados, ou quando uma ação é muito
complexa, nem sempre esta é realizada de forma satisfatória.
Sendo assim, como o professor deve organizar as sessões
de prática? Quanto tempo ele deverá dispor da prática nesses di-
ferentes contextos, sendo o tempo disponibilizado para a prática
uma limitação fundamental em muitas situações em que a apren-
dizagem é requerida?
Para reconhecermos os fatores intervenientes e relaciona-
dos ao sucesso da prática, devemos atentar às seguintes variáveis
ou condições:
1) a lei da “força” da prática ou da potência da prática;
2) os tipos (ou distribuição) de prática;
3) as diferenças individuais;
4) a motivação para a aprendizagem;
5) as instruções fornecidas para uma adequada aprendiza-
gem;
6) o feedback e os métodos de ensino.
Vejamos cada uma delas a seguir.

5. FATORES RELACIONADOS AO PROCESSO DE


APRENDIZAGEM

A lei da “força” ou da potência da prática


Essa lei foi formalizada por Snoddy, em 1926, e segue uma
função matemática regida pela potência que se constitui em uma
relação linear entre o logaritmo do tempo e o logaritmo do resul-
tado, explicitada pela seguinte equação:

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76 © Aprendizagem e Controle Motor

log C = log B + n log x, sendo:


• C: medida do desempenho;
• x: número de tentativas;
• B e n: constantes.
Para Magill (2000, p. 154-155 ):
[...] de acordo com essa lei, a prática inicial é caracterizada por um
rápido aperfeiçoamento. Entretanto, com prosseguimento da prá-
tica, depois deste rápido aperfeiçoamento significativo, as taxas
de aperfeiçoamento se tornam muito menores, e o conhecimento
exato do tempo envolvido nas alterações das taxas depende da ha-
bilidade.
Crossman (1959) conduziu um experimento clássico com fabrican-
tes de charutos da Inglaterra para demonstrar a lei da potência da
prática. Ele observou quanto tempo um operário levava para produ-
zir um charuto em função de quantos charutos já tinha feito na sua
profissão. Alguns tinham feito 10.000 charutos, enquanto outros
tinham feito mais de 10 milhões. A habilidade em si era uma habili-
dade relativamente simples que podia ser feita muito rapidamente.
O primeiro resultado importante que Crossman observou foi que
os trabalhadores ainda estavam se aperfeiçoando no desempenho
depois de sete anos de experiência, período em que tinham feito
mais de 10 milhões de charutos [...]. Além desse resultado notável,
ele observou evidências da lei da potência da prática para estes
operários. [...] a maior parte do aperfeiçoamento ocorreu durante
os dois primeiros anos. Depois disso, as taxas de aperfeiçoamento
do desempenho eram significativamente menores [...]. Do ponto
de vista do aprendiz, um aperfeiçoamento considerável parece
mais demorado no fim da prática do que no início.

Tipos (ou distribuição) de prática


O professor de Educação Física, para obter melhor resultado
em sua ação educativa, deverá ser capaz de organizar a prática
das atividades motoras, levando em consideração a sequência das
ações a serem efetivadas, o tempo de realização de cada uma delas
e o intervalo entre as sessões, bem como a forma de organizá-las.
Com relação à distribuição da prática, ou do seu espaçamen-
to, ela pode ser de dois tipos:
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 77

• prática maciça: realizada com pequeno ou inexistente pe-


ríodo de descanso entre as tentativas ou sessões de ati-
vidade;
• prática distribuída: atividade em que o período de tempo
de descanso é relativamente mais longo do que o tempo
gasto na realização das ações propostas.
Com relação ao nível de complexidade e organização das ha-
bilidades a serem executadas, dois são os tipos de prática possí-
veis:
• prática do todo;
• prática das partes.
Para Magill (2000, p. 275-276 ), baseado em Naylor e Briggs
(s. d.):
[...] complexidade se refere ao número de partes ou de compo-
nentes de uma habilidade, bem como o processamento de infor-
mações que a tarefa solicita. Isso quer dizer que uma habilidade
altamente complexa teria mais componentes, o que implicaria em
maior atenção, especialmente de um principiante. O desempenho
de uma rotina de dança, o saque no jogo de tênis ou passar do chão
para uma cadeira de rodas, são exemplos de habilidades altamente
complexas. As habilidades de baixa complexidade são compostas
por poucas partes e solicitam uma atenção relativamente limitada.
Por exemplo, habilidades como o lançar uma flecha e pegar uma xí-
cara são de baixa complexidade. É importante não confundir com-
plexidade com dificuldade. Uma habilidade de baixa complexidade
pode ser difícil de ser desempenhada.
A organização de uma habilidade se refere à relação entre os com-
ponentes da habilidade. Quando as partes forem muito interde-
pendentes – quando o desempenho de uma parte depende do de-
sempenho da parte anterior – então a habilidade contém um alto
grau de organização. Lançar uma bola no basquetebol saltando e
caminhar são exemplos. Por outro lado, quando as partes de uma
habilidade foram bastante independentes umas das outras, a habi-
lidade é considerada de baixa organização. São exemplos algumas
rotinas de dança e a escrita à mão de certas palavras.
[...] se a habilidade for de baixa complexidade e de alta organiza-
ção, a prática da habilidade como um todo será a melhor escolha.
Isso quer dizer que as pessoas aprendem mais eficientemente habi-
lidades relativamente simples, em que poucos componentes estão

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78 © Aprendizagem e Controle Motor

altamente relacionados, utilizando o método da prática como um


todo. Por exemplo, as habilidades como abotoar um botão, jogar
uma bola e dar uma tacada numa bola de golfe apresentam essa
combinação de características. Por outro lado, as pessoas apren-
dem habilidades altamente complexas e de baixa organização
com mais eficiência utilizando o método da prática em partes. Por
exemplo, as habilidades de sacar uma bola no jogo de tênis; alcan-
çar, segurar e beber de uma xícara; e trocar as marchas de um car-
ro, contêm essas características.

No tocante à prática de diferentes movimentos, como, por


exemplo, chute à frente, arremesso, cabeceio e andar com a bola
dominada com os pés, temos as seguintes possibilidades:
• prática em blocos: quando a prática consiste na repetição
de uma mesma tarefa, só depois, as demais são realizadas
separadamente. Exemplo: praticaremos várias vezes o
chute à frente e, depois, só o arremesso; posteriormente,
o cabeceio e, finalmente, o andar com a bola dominada
com os pés;
• prática randômica: quando a prática consiste na realiza-
ção dos diferentes movimentos sem uma ordem especí-
fica, minimizando as repetições sucessivas de qualquer
uma das ações programadas. Exemplo: praticaremos chu-
te à frente, arremesso, cabeceio, andar com a bola do-
minada pelos pés, arremesso, cabeceio, chute à frente,
andar com a bola dominada com os pés, cabeceio, chute
à frente, andar com a bola dominada com os pés, e assim
por diante.
Já quando devemos praticar uma mesma habilidade e suas
variações, temos as seguintes condições:
• prática constante: quando a prática consiste na repetição
de um tipo de movimento, e, só a posteriori, realizaremos
cada um dos demais escolhidos. Por exemplo: prática se-
guida do arremesso lateral e, após um determinado tem-
po, o arremesso quicado; depois, o arremesso com salto
e, em seguida, o arremesso com queda;
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 79

• prática variada: quando a prática consiste na realização


das diferentes variações da habilidade motora sem uma
ordem específica, minimizando as repetições sucessivas
de qualquer um dos movimentos. Por exemplo: prática
do arremesso lateral, arremesso quicado, arremesso com
salto, arremesso com queda, quicado, lateral, com queda,
com salto e lateral.

Prática Mental––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Pode ser definida como uma melhora na performance apresentada por um indi-
víduo, que é resultante de processamentos cognitivos realizados por ele (pensar
sobre a ação), ou pela observação da realização da tarefa por um outro sujeito.
Para estudar experimentalmente a efetividade da prática mental, usualmente são
utilizados, segundo Magill (2000) e Samulski (2002), três grupos distintos de su-
jeitos que são testados com relação ao movimento a ser aprendido: um primeiro
grupo (G1) composto por pessoas que irão praticar “fisicamente” a habilidade;
um segundo (G2), composto por indivíduos que observarão um sujeito durante a
realização da ação proposta, e um terceiro (G3), constituído por sujeitos que não
farão e, também, não pensarão sobre a habilidade, cuja performance deverá ser
testada posteriormente.
Os participantes desses três grupos são, então, retestados na habilidade em
questão, sendo que os resultados serão comparados com aqueles obtidos em
seus testes primários, de modo a verificar as possíveis alterações ocorridas entre
o teste e o reteste.
Após a análise dos resultados obtidos, é possível afirmar que a prática mental
melhora a performance em relação àqueles sujeitos que nada fizeram (partici-
pantes do G3). Além disso, embora os participantes do G1 sejam aqueles que
apresentem maior alteração positiva na performance, existem indicações de que
combinações de prática mental com prática física geram melhorias ainda mais
acentuadas.
Embora não esteja claro como a prática mental gere melhorias na performance,
é possível que a resposta seja vinculada à melhoria das capacidades perceptivas
e interpretação das condições ambientais.
Como exemplo, tem-se a condição de jogadores reservas que podem ser instruí-
dos a observar o jogo e a, então, se imaginarem em ação, de modo que, quando
forem solicitados, tenham uma ideia das ações (e reações) que deverão execu-
tar, de modo a facilitar suas performances.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Uma vez que o sucesso na realização das habilidades aber-
tas é dependente de que as situações ambientais sejam satisfeitas
com movimentos relativamente exatos e de que a fase associativa
de aprendizagem tenha sido alcançada, o professor deve manter
a prática o mais próximo possível das situações reais de jogo. So-

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80 © Aprendizagem e Controle Motor

mente nessas situações, o emparelhamento apropriado entre am-


biente e movimento pode ocorrer.
Qualquer situação diferente daquelas possíveis em jogo, a
menos que muito bem planejada, tem a possibilidade de introdu-
zir situações artificiais, e a completa transferência para a situação
de jogo poderá não ocorrer.
A variabilidade de movimento e das características contex-
tuais em que o indivíduo vivencia a prática de uma habilidade mo-
tora muito influenciam a aprendizagem, conforme afirmam Gen-
tile, Magill e Schmidt (apud MAGILL, 2000; SCHMIDT; WRISBERG,
2010).
Tais vantagens se fundamentam na capacidade crescente do
praticante em desempenhar a ação em situações futuras, tendo
em vista sua possibilidade de adaptação às novas condições de
execução.
Para uma melhoria da performance de seu aluno, o professor
inicialmente deverá estruturar a quantidade adequada de variabi-
lidade da prática, determinada pelas características das situações
nas quais o indivíduo deverá executar as habilidades em foco. É
importante considerar as características do contato físico em que
as ações deverão ser realizadas, bem como as peculiaridades da
ação.
Para que os indivíduos apresentem melhorias no desem-
penho de habilidades fechadas (aquelas realizadas em ambien-
te estável, com baixa instabilidade), a prática deverá ocorrer nas
mesmas condições reais, já que o ambiente permanece inalterado
durante a realização das atividades.
Em contrapartida, no tocante à realização e à prática de habi-
lidades motoras abertas, o indivíduo deve ser constantemente es-
timulado a gerar movimentos que, até o momento, nunca tinham
sido produzidos, já que a prática dessas ações precisa englobar
experiências que variem as características estruturais e temporais
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 81

das ações em realização, como, por exemplo, as diferentes manei-


ras de caminhar conforme o local, isto é, calçada, grama, areia, rua
cheia de carros, entre outros.
Mas como devemos organizar as práticas?
Suponha que você seja um professor de Educação Física que
atue em uma escola de Ensino Fundamental e que tenha por ob-
jetivo organizar uma unidade de ensino de quatro diferentes fun-
damentos do handebol: arremesso parado, passe frontal, andar
quicando a bola e recepção lateral.
Você estabeleceu que deve dedicar oito aulas a essa unida-
de. Como você organizará a prática desses fundamentos durante
as oito aulas? As seguintes combinações são possíveis:
• praticar cada fundamento separadamente (prática em
blocos), sendo destinadas duas aulas para cada funda-
mento;
• praticar os fundamentos de acordo com uma distribuição
aleatória (prática randômica) durante todas as oito aulas;
• iniciar com a prática em blocos e gradativamente introdu-
zir a prática randômica.
Vale ressaltar que, de acordo com Schmidt e Wrisberg (2001,
p. 247-250 ):
[...] a maioria das pesquisas tem demonstrado que quando os in-
divíduos praticam uma variedade de movimentos de forma ran-
dômica, o desempenho durante a prática é menos produtivo do
que os indivíduos que praticam movimentos de forma em blocos.
Entretanto, quando os participantes retomam o desempenho mais
tarde, aqueles que originalmente praticaram sob condições randô-
micas demonstraram retenção superior comparada a daqueles que
originalmente praticaram sob condições em blocos. Portanto, nos
estudos de interferência contextual, descobrimos um desses fenô-
menos contra-intuitivo da aprendizagem humana: desempenho
inicial mais pobre (em práticas) leva a uma melhor aprendizagem.
Esse padrão de resultados, denominado efeito de interferência
contextual, desafia a sabedoria convencional (que a aprendizagem
será melhor se os indivíduos forem mais proficientes durante a prá-
tica, o que normalmente é o caso durante a prática em blocos).

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82 © Aprendizagem e Controle Motor

Duas hipóteses interessantes têm sido propostas para explicar o


efeito da interferência contextual.
[...]
APRENDIZAGEM MAIS SIGNIFICATIVA E DISTINTA
Shea e Zimmy (1983) interpretaram os efeitos benéficos da prática
randômica em termos de uma aumentada significância ou distin-
ção dos movimentos, às vezes denominada hipótese de elabora-
ção. Os autores argumentaram que, quando os indivíduos mudam
de uma tarefa para outra durante uma sessão de prática randômi-
ca, começam a apreciar a distinção das diferentes tarefas, tornando
cada tarefa mais significativa na memória de longo prazo. Memó-
rias mais significativas ou distintas são presumivelmente mais du-
ráveis e, portanto, mais fáceis de serem lembradas para uso em um
momento posterior.
[...]
ESPAÇAMENTO DE MOVIMENTOS: A HIPÓTESE DO ESQUECIMEN-
TO
Outra explicação para os benefícios da prática randômica é a hi-
pótese do esquecimento ou do espaçamento. De acordo com esta
hipótese, quando os indivíduos da prática randômica mudam da
tarefa A para a tarefa B, eles esquecem o que fizeram na tarefa A
enquanto estão tentando descobrir o que fazer na tarefa B. Portan-
to, no momento em que devem tentar a tarefa A novamente, eles
são obrigados a gerar novamente todo plano para aquela tarefa.
Por este motivo, a hipótese do esquecimento é também conhecida
como a hipótese de reconstrução do plano de ação. [...] Como os
indivíduos da prática randômica estão continuamente sendo desa-
fiados a produzir os planos apropriados para diferentes movimen-
tos, a performance durante a prática inicial é relativamente pobre.
Entretanto, eles se beneficiam dessa forma mais rigorosa de prática
quando reassumem o desempenho da tarefa mais tarde.
[...]
O ato de repetidamente gerar soluções ou planos de movimento da
tarefa é uma forma de entender como a prática randômica (compa-
rada com a prática em blocos) na realidade aumenta a aprendiza-
gem, o que, às vezes, é chamado de prática de recuperação, pois os
indivíduos são forçados a praticar a habilidade de recuperar a infor-
mação do desempenho necessária da memória de longo prazo [...].
A prática da recuperação extensiva que ocorre durante a prática
randômica provavelmente leva a um desempenho mais eficaz em
situações futuras que requerem estas operações de recuperação.
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 83

Diferenças Individuais
Certas pessoas têm talento para diversas atividades físicas diferen-
tes. Por que isso acontece? Elas nasceram com alguma “capacidade
motora” especial que as capacita a ter sucesso em tudo que fa-
zem? Será que elas tiveram quantidades excessivas de treinamento
e prática em várias atividades? Será que elas são realmente boas
em tudo o que fazem, ou apenas em algumas atividades?
As pessoas também são diferentes quanto à rapidez e o sucesso na
aprendizagem das habilidades motoras. Se você observar uma tur-
ma de principiantes praticando atividades físicas, encontrará vários
graus de sucesso e de fracasso nos primeiros dias. Por exemplo,
uma turma de principiantes de golfe, quando os alunos começam a
bater na bola, alguns passam um tempo enorme somente na tenta-
tiva de fazer contato com a bola. Mas em compensação, outros na
extremidade oposta, são capazes de bater na bola com perfeição.
O restante da turma normalmente se distribui em algum ponto do
continuum de sucesso entre esses dois extremos.
[...] Esses comportamentos refletem o fenômeno comportamental
mais evidente de que os indivíduos possuem capacidades diferen-
tes de desempenhar habilidades motoras. As diferenças continuam
à medida que as pessoas evoluem com velocidades diferentes (MA-
GILL, 2000, p. 301).

É vital para o professor ou técnico conhecer seus aprendizes


e reconhecer as capacidades individuais em termos sociais, físicos,
emocionais e cognitivos.
O professor deve se habituar a um número de diferenças in-
dividuais quando planeja suas aulas, sendo essencial relembrar os
seguintes pontos:
1) pessoas aprendem por razões diferentes;
2) o potencial de cada pessoa para a performance excelen-
te é único;
3) movimentos fundamentais e capacidades perceptivo-
-motoras devem ser dominados antes das habilidades
esportivas serem iniciadas;
4) variam entre os aprendizes: respostas a tentativas ins-
trucionais, respostas a vitórias e derrotas e/ou elogios
e críticas e/ou punição e recompensas, experiências an-
teriores ao esporte, suscetibilidades às influências fami-
liares;

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84 © Aprendizagem e Controle Motor

5) incentivo em algumas áreas pode compensar deficiên-


cias em outras;
6) períodos de atenção e capacidade de concentração va-
riam entre indivíduos e grupos;
7) níveis de desenvolvimento dos indivíduos são variáveis,
resultando em potenciais não similares para aprendiza-
gem e performance;
8) não há uniformidade no potencial físico dos indivíduos,
particularmente durante a pré-adolescência e início da
adolescência;
9) indivíduos exibem maior ou menor grau de habilidades
motoras grossas ou finas, dependendo de experiências
passadas e fatores inatos;
10) a capacidade de analisar, conceitualizar e resolver pro-
blemas varia individualmente;
11) focos: pessoas, escolas e o potencial de aprender;
12) pontos significativos: aprender e entender; conhecimen-
to preexistente; aprendizado ativo.
Os alunos chegam à sala de aula com ideias preconcebidas
sobre como o mundo funciona., e, se o seu entendimento inicial
não for considerado, é possível que eles não consigam compreen-
der os novos conceitos e informações ensinados, ou que apren-
dam com o objetivo de fazer uma prova, mas recaindo, depois, em
suas ideias preconcebidas fora da sala de aula.
Para o desenvolvimento da competência em uma área de in-
vestigação, os estudantes devem:
• possuir uma base sólida de conhecimento factual;
• entender os fatos e as ideias no contexto do arcabouço
conceitual;
• organizar o conhecimento, a fim de facilitar a recuperação
e a aplicação.
Os professores devem ensinar algum assunto em profundi-
dade, fornecendo muitos exemplos nos quais o mesmo conceito
está em ação e proporcionando uma base sólida de conhecimento
factual.
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 85

Os estudantes devem aprender a assumir o controle da sua


própria aprendizagem por meio da definição dos objetivos da
aprendizagem e do movimento do seu progresso em alcançá-los.
As diferenças culturais podem afetar o nível de conforto dos
estudantes no trabalho cooperativo versus o trabalho individual,
refletindo-se no conhecimento de fundo que eles trazem para a
nova situação de aprendizagem. As teorias dos estudantes a res-
peito do que significa ser inteligente podem afetar seu desempe-
nho, por exemplo.
Pesquisas revelam que os estudantes que consideram a inte-
ligência como uma entidade fixa são, provavelmente, mais volta-
dos ao desempenho do que à aprendizagem; eles querem parecer
bons ao invés de se arriscarem a cometer erros enquanto apren-
dem.
É muito provável que eles desistam quando as tarefas se tor-
narem difíceis. Como comparação, os estudantes que entendem
a inteligência como maleável estão dispostos a enfrentar tarefas
desafiadoras e se sentem mais confortáveis em relação ao risco.
Para gerar e assimilar uma adequada aprendizagem, é preci-
so prestar atenção ao que é ensinado (informações, assuntos), por
que é ensinado (compreensão) e como se revela a competência e/
ou habilidade.
Além disso, as avaliações devem tornar visíveis os raciocínios
desenvolvidos, uma vez que permitem que o professor compreen-
da as ideias expostas pelos alunos, perceba em que pontos eles
estão no caminho que leva do raciocínio informal para o formal e
planeje sua instrução de acordo com isso.
A aprendizagem é influenciada de maneira fundamental
pelo contexto em que acontece.

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86 © Aprendizagem e Controle Motor

Como uma utopia pode se transformar em um pesadelo: um


viva às diferenças individuais–––––––––––––––––––––––––––
Dia ensolarado, quente e seco em Saint Charles, município fictício do também
fantasioso estado de Saint Paul.
Caminhando pela cidade demasiadamente sorumbáticos, uma professora univer-
sitária graduada em Kinesiology, de nome Wood, e seu grande amigo Thomas,
escritor extremamente talentoso, advogado nas horas “possíveis” e proprietário
de uma livraria, conversam e lamentam a situação econômica e educacional que
eles e seus alunos-clientes enfrentam nesses tempos atuais (pós-modernos?).
Wood esbraveja contra a carência de recursos materiais e humanos disponíveis
e utilizáveis em sua Universidade, rebela-se com relação ao distanciamento en-
tre o que é teoricamente proposto em nível governamental e o que é realmente
disponibilizado para esse intento. Irrita-se com a necessidade-obrigação de via-
bilizar-efetivar o trinômino ensino-pesquisa-extensão sem condições financeiras-
-estruturais-humanas adequadas para tal utopia. Comenta e desvela, profunda e
sentidamente, uma realidade universitária marcada por imensas diferenças com
relação ao que se entende como necessário para que se promova uma educa-
ção de qualidade e o que é vividamente disponibilizado para tal intento e tam-
bém por intensas e profundas diferenças sociais e educacionais existentes entre
seus educandos. Esbraveja a respeito da indiferença demonstrada por alguns
educandos quando aponta conteúdos e questões importantíssimos para o de-
senvolvimento acadêmico e profissional destes. Lamenta a deficiência numérica
de educadores nas Universidades públicas, obrigando-os a ministrar disciplinas
diferentes e, nem sempre, reconhecidas como importantes no processo de for-
mação. Enfim, exterioriza um rol de reclamações que a fez, senão mais feliz,
menos desesperada.
Thomas, profundamente tocado pelo desabafo da amiga, inicia-se em proces-
so semelhante. Relata a enorme dificuldade encontrada por seus clientes para
efetivar o pagamento dos livros adquiridos devido à falta de empregos e, por
consequência, a falta de verba disponibilizada para tal intento. Comenta sobre
a carência “intelectual” que reina em grande parte da população, uma vez que
muitos não conseguem sequer “decodificar” o que está escrito em alguns textos,
quanto mais interpretar o que foi “lido”. Nesse momento, recorda uma situação
extremamente constrangedora vivenciada por ele há poucos anos. Em viagem
de negócios realizada à cidade de London (por ele amada, não sei bem o por-
quê), aplaude e se engrandece com a apresentação de vários autores-escritores
e, por elas e também por eles, encanta-se. Um pouco mais tarde, já de volta à
nossa cidade, participa de outro encontro de intelectuais e, estarrecido, participa
de uma apresentação em que, grande parte do conteúdo explanado é seme-
lhante, em altíssimo grau (para não falar igual), àquele apresentado em London.
Nada a se estranhar, se os “autores” não fossem outros e não aqueles primaria-
mente conhecidos.
Aponta os inúmeros casos de esposas enganadas (e também maridos) que teve
que defender no tribunal; crianças e indivíduos na terceira idade maltratados e/ou
abandonados por seus familiares que, por meio de organizações não governa-
mentais, pleiteavam algum apoio governamental; homens, mulheres e crianças
que trabalhavam no campo durante mais de dez horas por dia, de segunda a
segunda, e que ganhavam uma miséria por mês, ou seja, comenta das mazelas
cotidianas desse nosso mundo imperfeito e extremamente desigual.
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 87

Wood, estarrecida, começa a pensar uma forma de alterar essa realidade, pron-
tamente acompanhada de Thomas.
Como o privilégio de boas ideias, parece preferir primariamente “cabeças ilumi-
nadas” (ou vice-versa, como você assim desejar), Thomas começa a descrever
uma sociedade e uma vida, entendidas por ele como perfeitas e utópicas, como
bem qualificou.
Começando pelos seus clientes, imaginou uma formação intelectual comum a
toda nossa população, fornecida gratuitamente em regime integral, metodolo-
gicamente pré-determinada e organizada por educadores-estudiosos capazes
de tal intento. Obviamente, estes também deverão construir uma constante (pa-
râmetro) curricular a ser seguida, continentalmente, sem ajustes ou alterações,
uma vez que a igualdade (homogeneidade) na formação é a grande quimera.
No tocante à carência de empregos que hoje reina em nosso território, propõe
um controle, ou melhor, uma prévia organização (e também repetição organiza-
da) das ocupações (ofícios e artes) conhecidas e que são necessárias para um
adequado encaminhamento da vida. Assim, filhos de médicos serão médicos,
filhos de engenheiros, engenheiros, e filhos de varredores, varredores, pois nada
melhor que uma sólida e compartilhada história familiar. Aqui, coube a Thomas
uma revelação. Nessa sociedade, todos serão entendidos como iguais, já que
não haverá diferenças nas possibilidades de cada um existir dignamente. Mé-
dicos, engenheiros, educadores e varredores deverão ter as mesmas perfeitas
condições de vida e de trabalho. Tudo deverá ser regrado e profundamente deter-
minado. Alterações dessa rotina deverão ser analisadas e julgadas previamente
por um grupo de “capazes” que determinarão a validade ou não das solicitações.
(Não explicou como seria constituído esse grupo de capazes, mas a embevecida
Wood, atordoada com tantas ótimas ideias, sequer pensou nesse detalhe.)
Também detalhou amores perfeitos; casamentos perfeitos; mães, pais, filhas
e filhos perfeitos; amizades verdadeiras que nunca seriam desfeitas; uma vida
tranquila e feliz em todos os momentos e em todos os aspectos.
Aproveitando o encaminhamento de Thomas, sua acompanhante começou a ta-
garelar como utopicamente imagina seu mundo e sua vida numa sociedade e,
principalmente, numa universidade perfeita. Inicialmente, todos que tenham seu
caminho traçado para o curso de Kinesiology iniciam sua formação universitária
aqui, mais a Leste ou a Nordeste, em um mesmo curriculum formador, com uma
mesma grade de disciplinas, o que, obviamente, anularia um grande problema
vivenciado por muitos educandos, de que, hoje, nessa Universidade cheia de de-
feitos, quando se faz necessária ou desejada a mudança de cidade ou instituição
de ensino: diferentes Universidades, diferentes entendimentos de curso, curricu-
lum exclusivo, as mais diversas grades de disciplinas possíveis e dificuldades de
aproveitamento das matérias já cursadas no “novo curso”.
Todos os alunos apresentariam um mesmo previsível e detectável nível de de-
senvolvimento, seja motor, físico, cognitivo, afetivo e social. Todos saberiam
correr, saltar, arremessar e chutar de forma adequada. Apesar de existirem di-
ferenças óbvias de gênero em questões como estatura, percentual de massa
magra, capacidade cardiorrespiratória e compleição física entre outras poucas,
as diferenças individuais estariam quase próximas de zero no tocante às demais
características humanas. Todas e todos permaneceriam quietos e extasiados
perante o saber manifesto pelos educadores. Não haveria questionamentos in-
fundados, perguntas cretinas, nem balbúrdia durante o tempo da preleção orga-
nizada pelo detentor dos conhecimentos, sendo os conteúdos ou assuntos de

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88 © Aprendizagem e Controle Motor

interesse, previamente determinados pelos “capazes” e que seriam vivenciados


pelos participantes.
A arte de ensinar seria única em todo o país, já que todos os participantes do en-
sino de terceiro grau apresentariam uma mesma capacidade (ideal) progressiva
de aquisição de hábitos, técnicas e conhecimentos.
Existiria uma exclusiva maneira de ensinar e aprender, ou seja, uma única forma
de proceder em nível educacional, pois os objetivos almejados e as tarefas a
serem aprendidas seriam comuns a todos.
Educadores, alunos, conteúdos, contexto e estratégia metodológica seriam or-
dinários, tendo em vista a premissa de que o processo de aprendizagem seria
sempre eficiente, existindo e proporcionando uma ideal progressividade, conti-
nuidade e unidade para a consecução dos objetivos determinados para a, e na,
educação universitária.
Retificações ou recuperações de aprendizagem não existiriam, uma vez que tudo
seria organizado linearmente e sem obstáculos ou percalços, uma vez que as
dificuldades na leitura, na interpretação e entendimento dos assuntos e dos co-
nhecimentos não mais existiriam.
Todos seriam capazes de expor pela escrita, corporalmente e/ou por qualquer
outra forma de expressão aceita, numa mesma quantidade e qualidade de co-
nhecimentos e resultados.
O conteúdo exposto, prontamente entendido e assimilado, seria constituído por
informações e conhecimentos já prontos, previamente determinados. O método
a ser empregado seria o formal empírico lógico, sendo os objetivos elaborados
em torno do conteúdo a ser ensinado.
Enquanto ia narrando suas sociedade e Universidade ideais, Wood ficava cada
vez mais empolgada, e, Thomas, cada vez mais e mais pensativo, tão pensativo
que incomodou sua amiga. Wood então conteve sua tagarelice e perguntou o
que passava pela cabeça de Thomas que o fez ficar tão calado e preocupado.
Ele prontamente expôs suas reflexões: fico pensando nas consequências desta
sociedade utópica. Não teríamos diversidade, mas, sim, uma massa homogênea
de pessoas, e não de indivíduos. Não haveria possibilidade de ideias diferencia-
das, nem de ações exclusivas e, muito menos, de resultados diferentes. Não se-
ríamos capazes de conversar sobre algo ou sobre alguém sem cairmos no óbvio
imutável. Não teríamos a oportunidade de alterar nossos pontos de vista sobre
um livro, um filme, uma música, já que não existiriam contrapontos. Seríamos
comuns. Não existiria a alegria de uma reconciliação, pois não haveria ruptu-
ras. Não teríamos a aprovação de uma ação, pois esta seria, obrigatoriamente,
aquela que era esperada. Não teríamos a decência de pedir desculpas perante
aqueles com quem fomos rudes, injustos ou prepotentes, pois reinaria a educa-
ção, a justiça e a humildade. Não teríamos o privilégio do segundo ou terceiro
amor, pois o primeiro seria único (e definitivo). Não perceberíamos o carinho dos
nossos entes queridos, pois esse comportamento seria o usual.
Enfim, viveríamos num mundo perfeito, tão perfeito, que nos deixaria plenos, de
tédio. Wood, ao ouvir o Thomas dizia, começou a pensar em sua vida acadêmica
e pessoal. Estaria vivendo em sua cidade natal, cercada de seus familiares, mas
teria deixado de conhecer algumas pessoas que hoje a fazem sentir feliz, cada
vez mais viva e vivida. Provavelmente, estaria ministrando uma mesma disciplina
desse seu ingresso no Ensino Superior (e não em uma Universidade), sem expe-
rimentar a diversidade que hoje ela incorporou. Certamente, não teria aprendido
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 89

tanto como aprendeu com as conversas paralelas vivenciadas em seus tempos


de aluna e, também, de docente em algumas reuniões intermináveis das quais
participou. Não teria tido a oportunidade de mudar seu ponto de vista a respeito
de determinadas temáticas que, por falta de conhecimento, julgava inadequa-
das, vazias e sem propósito, e que hoje a deixam extasiada. Não teria discutido
com alguns de seus orientados e perderia a chance de aprender com eles e de
se tornar amiga deles. Não teria tido a oportunidade de compartilhar momentos
infelizes ao lado deles e de também, comemorar muitas situações extremamente
agradáveis.
Não teria podido pedir desculpas a quem ama, nem ter ouvido que errar faz o
acerto ficar cada vez mais empolgante. Não teria de ter pedido auxílio ao seu ir-
mão, às suas irmãs e à sua mãe em momentos difíceis, pois estes não existiriam
numa sociedade utópica; não teria vivenciado um doutorado na área de Edu-
cação, pois sua formação em Kinesiology não permitiria tal encaminhamento.
Enfim, seria bem menos feliz apesar de todas as igualdades.
E foi depois disso tudo que Thomas afirmou: utopia em uma sociedade humana
é um sonho que pode se tornar um pesadelo, ela não existe; torna-se um, não
lugar para nós, mutáveis e mutantes humanos.
Felizes com essas afirmações, mas não satisfeitos com a realidade existente, os
dois caminhavam agora determinados e decididos a promover mudanças, mas
também a aceitar as diferenças humanas.
(Texto estruturado a partir de uma leitura e interpretação livre da obra Utopia, de
Thomas Morus, elaborada pela própria autora).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A diferença que realmente importa–––––––––––––––––––––––


Uma consulta rápida ao joalheiro da esquina parece atestar: homens são assim,
mulheres são assado. Está certo que o assunto é intrigante, polêmico e até diver-
tido, mas é uma pena que a mídia, como a psicologia popular, continue insistindo
na tecla das capacidades cognitivas, quando existem outras diferenças tão mais
interessantes (e muito mais significativas) entre homens e mulheres.
Quando Lawrence Summers, reitor da Universidade Harvard, fez em 2004 seu
comentário infeliz sobre como diferenças de aptidão entre homens e mulheres
poderiam explicar a pequena presença destas nas ciências exatas, a mídia pas-
sou meses roendo o osso. A persistência em si não foi ruim. Pelo contrário, a
neurociência deve agradecimentos a Summers por ter colocado o assunto sob
os holofotes de maneira tão (literalmente) espetacular.
O problema é que a mídia raramente apresenta os argumentos completos por
trás da questão. Existem diferenças entre o cérebro dos homens e o das mulhe-
res? Sim, existem e, não deveria ser de outro modo, já que todo o resto do corpo
é tão evidentemente diferente entre homens e mulheres. Existem diferenças en-
tre as habilidades cognitivas deles e delas? Até existem também. Mas, enquanto
visões maniqueístas do cérebro humano e suas capacidades vendem livros e
revistas como água, tentativas de qualificar essas diferenças ganham apenas
poucas linhas nas matérias.
A explicação completa, de fato, é bem menos glamourosa. Diferenças existem
sim, mas apenas na média, e muitas vezes são marginalmente significativas, ou
seja, passam raspando em testes estatísticos. Pegue em suas mãos um cérebro

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90 © Aprendizagem e Controle Motor

humano e suas chances de acertar o sexo do dono não são muito maiores do
que 50%. Em média o cérebro masculino é, 10% mais pesado do que o feminino
e possui cerca de 4 milhões de neurônios no córtex além dos 19 bilhões das
mulheres, segundo uma estimativa dinamarquesa. Mas apenas em média: as
curvas de distribuição de peso e número de neurônios de cérebros individuais
se confundem entre os dois sexos, e a maioria da população tem cérebros de
tamanhos semelhantes. Isso significa, inclusive, que muitas mulheres possuem
cérebros maiores do que os do sexo oposto. O próprio Einstein, ícone de inteli-
gência para muitos, possuía um cérebro do tamanho médio feminino.
Diferenças maiores estão nas extremidades da distribuição, e foi aí que Summers
pegou a deixa. Ao contrário de leitores atraídos por capas sobre “homens são as-
sim e mulheres são assado”, Summers conhece estatística bem demais para se
deixar enganar por médias. Seu argumento foi baseado nos poucos homens e
mulheres que se afastam do padrão normal de distribuição de suas habilidades
cognitivas. Mesmo que em média a diferença seja pequena, mais homens do que
mulheres teriam um desempenho excepcionalmente bom (e também excepcio-
nalmente ruim!) em testes de habilidade matemática, por exemplo.
Até aqui tudo bem. Os problemas começam quando Summers supõe, como tan-
tos, que as pessoas que se destacam na distribuição de habilidades cognitivas
seriam justamente os muitos homens e as poucas mulheres que freqüentam as
melhores faculdades de ciências exatas do planeta e, por razões biológicas. A
lista de problemas é extensa. Primeiro, vários homens e muitas mulheres com
habilidades matemáticas extraordinárias não estão lecionando nem aprendendo
ciências exatas em Harvard, mas ficaram em casa ou preferiram seguir carreira
em artes, história ou medicina por uma série de razões. Assim, como muitos dos
que estão em Harvard não possuem as tais habilidades matemáticas, como dois,
três ou mais desvios acima da média, mas estão lá por razões diversas, desde
pistolões a outras menos cínicas e mais louváveis, como esforço e dedicação,
além da mera oportunidade.
Segundo, é preciso determinar se as pequenas diferenças cerebrais marginal-
mente significativas entre os sexos como um córtex parietal inferior 6% maior nos
homens, por exemplo, são de fato associadas a habilidades cognitivas marginal-
mente melhores neles ou nelas. Isto se mostra particularmente difícil. Por exem-
plo, por mais que procure, Elizabeth Spelke, psicóloga de Harvard e estudiosa
do assunto, não encontra evidências de bases biológicas para as tais diferenças
em habilidades matemáticas entre os sexos.
Mas digamos, hipoteticamente, que mais homens do que mulheres tenham, de
fato, uma facilidade para habilidades matemáticas associada a regiões corticais
específicas ligeiramente maiores. E daí? Para começar, isso não informa se es-
sas diferenças são pura decorrência da biologia dos sexos. Mesmo que talentos
inatos existam na forma de facilidades de origem genética, sexuais ou não, um
receptor de glutamato mais ativo, mais síntese de dopamina, até onde se sabe,
são apenas facilitadores.
A genética certamente pode ajudar ou atrapalhar desde o ponto de partida até o
meio de campo, mas habilidades excepcionais são desenvolvidas à medida que
o cérebro muda com a experiência. Aprenda a tocar um instrumento de corda e
a representação cerebral do seu dedo mindinho esquerdo, do qual você agora
exige destreza, aumentará. Decore todas as ruas de Londres para poder ser ta-
xista naquela cidade e seu hipocampo direito, que guarda mapas de navegação,
crescerá. Passe dois meses aprendendo malabarismo para manter três bolinhas
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 91

no ar e o córtex envolvido na atenção espacial ficará mais gordinho, com mais


sinapses. Dedique várias horas do dia a fazer constas de cabeça e suas habilida-
des matemáticas ficarão vários desvios padrão acima da média. Homem ou mu-
lher, genética ou sexualmente propenso ou não, ninguém se torna engenheiro,
físico, médico ou pianista se não for à escola e não tiver a paciência e o suporte
necessários para perseverar e praticar horas a fio. Por tudo isso, não serão dife-
renças biológicas marginalmente significativas entre os sexos que determinarão
quantas mulheres entrarão em Harvard, na USP, na UFRJ ou no programa de
excelência de sua preferência. Uns poucos pontos percentuais de diferença no
tamanho de regiões do cérebro ou em testes cognitivos não são suficientes para
acabar com as aspirações de ninguém.
A expectativa, por outro lado, é poderosa. Vários estudos já mostraram que ho-
mens e mulheres têm desempenhos diferentes no mesmo teste de matemática
dependendo de suas expectativas. Diga-lhes antes de aplicar o teste, que seu
objetivo é apenas ”confirmar que o desempenho dos homens é superior ao das
mulheres” e você encontrará de fato, um melhor desempenho dos homens. Diga-
-lhes ao contrário, que o objetivo é “mostrar que as mulheres são, pelo menos,
tão boas em raciocínio matemático quanto os homens” e voilá: o desempenho
delas se torna de fato tão bom quanto o deles. Tenha expectativas positivas a
seu próprio respeito e a respeito dos outros e as chances de sucesso de todos
aumentam.
Outras diferenças menos comentadas são mais robustas, como na estratégia
de navegação espacial que eles e elas adotam, que estão relacionadas com as
diferenças no uso do cérebro. Enquanto os homens tendem a usar coordenadas
absolutas para se localizarem, como distâncias e pontos cardeais, que envolvem
uma parte da formação hipocampal, mulheres tendem a pôr em ação outra parte,
responsável pelas relações entre marcos topográficos visuais como árvores, aci-
dentes naturais e lojas. Por isso elas costumam ser tão boas em achar a saída
do shopping e eles, tão ruins (contrariando a máxima evolutiva que diz que o
homem primitivo precisava de melhores talentos espaciais do que as mulheres
para encontrar a casa depois de sair para caçar; a evolução não contava com
uma afinidade natural entre as mulheres e lojas...). Não se trata de um sexo ser
melhor ou pior do que outro em matéria de navegação espacial: são apenas di-
ferentes, com cérebros e estratégias diferentes.
O mais curioso, no entanto, é que a mais importante, mais significativa e mais
extrema diferença cerebral e comportamental entre homens e mulheres se perde
na discussão: aquela que faz com que cerca de 90% dos homens prefiram as
mulheres e 90% das mulheres prefiram os homens como parceiros. Esta sim
é de origem genética, totalmente biológica (não, a educação não faz a menor
diferença, por mais que políticos, religiosos e grupos anti-adoção esperneiem),
e influenciável pelo ambiente hormonal somente durante o início da gestação.
Esta, sim, tem consequências fundamentais para o destino de cada um, a co-
meçar porque determina para qual metade da população ele ou ela voltará seus
interesses. E ainda bem que ela é recíproca, pois assim os 90% de cada lado
encontram 90% do sexo oposto que retribuem seu interesse.
Ainda assim há 10% de diversidade no interesse sexual humano. No sexo como
no resto, a própria genética é fonte de diversidade, mas para o resto, é apenas
uma delas, ao lado de cultura, família e experiência acumulada pelo cérebro,
de modo que o ser humano existe em todas as combinações possíveis. Ainda
bem: seria chato um mundo em que todos os homens, e apenas homens fos-
sem físicos e engenheiros e todas as mulheres, e apenas elas, com suas áreas

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92 © Aprendizagem e Controle Motor

cerebrais da linguagem ligeiramente maiores do que as deles, fossem grandes


escritoras ou palestrantes. A literatura não seria a mesma sem homens como
Gabriel García Marques. E a neurociência não teria tido tantas páginas nos jor-
nais em 2004 sem os comentários de Larry Summers (HERCULANO-HOUZEL,
2009, p. 16-20).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Motivação
A motivação diz respeito às maneiras como as ações são ini-
ciadas, mantidas, organizadas e finalizadas (COON, 2006).
De acordo com Samulski (2002, p. 104), a motivação “[...]
é caracterizada como um processo ativo, intencional e dirigido
a uma meta, o qual depende da interação de fatores pessoais
(intrínsecos) e ambientais (extrínsecos)”.
Por apresentar determinantes energéticos (nível de ativa-
ção) e de direção do comportamento (intenção, interesses, moti-
vos e metas), o professor ou técnico deve estar atento à organiza-
ção de técnicas de ativação e de restabelecimento de metas para a
promulgação de um adequado processo de ensino-aprendizagem.
Para Coon (2006), muito do porquê de realizarmos uma ta-
refa é oriundo de uma necessidade, de uma deficiência e de uma
carência que manifestamos. Esta faz surgir um impulso, ativando
uma resposta que visa atingir uma meta, satisfazendo a necessida-
de geradora de todo esse processo.
Vejamos uma situação comum em aulas de Educação Física: usu-
almente em nossas atividades no ensino fundamental e médio
encontramos meninos e meninas e adolescentes que expressam
diferentes níveis de aprendizagem e performances motoras. Alguns
sabem realizar, de forma extremamente adequada um grande nú-
mero de habilidades fundamentais, enquanto outros mal sabem
se locomover na quadra. Cabe ao professor, estruturar sua aula de
modo a impulsionar e motivar estes alunos a se sentirem interessa-
dos e a melhorarem ainda mais suas habilidades (no caso daqueles
que já sabem executar as habilidades em foco) ou a aprenderem as
ações propostas (COON, 2006, n. p.)

É interessante ressaltar que, nesses casos, a motivação ex-


trínseca (o incentivo oriundo do professor por suas ações, instru-
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 93

ções e estruturação das atividades) objetiva a ativação intrínseca


ou interna (aquela oriunda dos próprios alunos), uma vez que os
determinantes internos são essenciais para as adequadas adesões
(iniciação à prática) e aderência (manutenção na prática) das ativi-
dades propostas.
Para Samulski (2002), é essencial que o professor ou técnico
que objetive estruturar adequadamente sua atuação profissional
tenha em mente as seguintes diretrizes:
1) é necessário que reconheçamos e evitemos as causas
dos problemas de ativação e de conflitos;
2) devemos ser capazes de motivar nossos alunos, mesmo
nas situações mais difíceis e improváveis;
3) a criação de um ambiente agradável de ensino é primor-
dial para o estabelecimento do interesse na realização
das atividades propostas;
4) sentir-se seguro e ter confiança em nossos alunos são
fatores imprescindíveis à ação docente eficaz;
5) a promoção da autonomia, apresentação de metas atin-
gíveis, realistas, desafiadoras e específicas são necessi-
dades básicas para o estabelecimento de um adequado
processo de ensino-aprendizagem;
6) e, por fim, entender e promover o entendimento de que
a vida é constituída por sucessos e fracassos, e que, por
isso, devemos ter sensibilidade e motivação para reco-
nhecermos o que pode e deve ser mudado ou mantido.

Instrução
Uma vez que diferentes formas de ação dos professores
ou técnicos, anteriores às práticas, influenciam sobremaneira a
aprendizagem das habilidades motoras, a instrução e a demons-
tração são dois fatores que, quando adequadamente estruturados
e aplicados, geram inúmeros benefícios ao aprendiz.
Instrução é o processo de fornecimento de informações da-
das ao praticante, referente ao objetivo a ser atingido, ao que deve

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94 © Aprendizagem e Controle Motor

ser realizado para que a meta proposta possa ser alcançada e a


como executar a tarefa ou a habilidade proposta. A instrução tam-
bém tem por meta auxiliar o praticante na compreensão do obje-
tivo proposto e das possibilidades de como melhor alcançá-lo, por
meio da determinação e da análise dos estímulos mais relevantes.
Uma vez que os meios mais usuais para se instruir alguém
são aqueles relacionados à instrução verbal, visual e sua associa-
ção, o professor, ao instruir seu aluno, pode descrever, verbalmen-
te, o que deve ser realizado, demonstrar a habilidade ou usar uma
combinação das duas formas de comunicação.
Mas qual a melhor forma de instruirmos alguém para maxi-
mizar sua aprendizagem?
De acordo a Magill (2000, p. 193), para implementarmos a
forma mais adequada em programas de instrução de habilidades
motoras, devemos:
[...] ter em mente que a demonstração de uma habilidade será mais
vantajosa quando a habilidade a ser aprendida exigir a aquisição de
um novo padrão de coordenação. Os exemplos incluem aprender a
sacar no tênis, aprender um novo passo de dança e aprender como
sentar numa cadeira de rodas.
-Estar consciente de que, se a habilidade que está sendo aprendida
envolver a aprendizagem de uma nova característica de parâme-
tro de controle para um padrão já aprendido de coordenação, a
demonstração não será mais benéfica que a instrução verbal. Os
exemplos incluem aprender a arremessar uma bola com velocida-
des diferentes, aprender a chutar uma bola de distâncias diferentes
e aprender a segurar e levantar xícaras de diferentes tamanhos.
-Demonstrar frequentemente, e não fazer comentários verbais du-
rante a demonstração (tende a) reduzir um problema potencial de
capacidade de atenção.
-Certificar-se de que o observador pode ver os aspectos críticos da
habilidade que você está demonstrando. Pode ser útil chamar a
atenção do observador verbalmente para esses aspectos, imedia-
tamente antes da demonstração.
-Se você não puder demonstrar uma habilidade muito bem, utilize
outra forma de demonstrar a habilidade, como um filme ou vídeo
taipe, ou qualquer outra pessoa que possa fazê-lo.
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 95

-Em alguns casos, permita que os iniciantes observem outros ini-


ciantes [...]. Isso pode ser uma ampliação eficiente da demonstra-
ção e funciona bem quando há limitações de esforço ou de equi-
pamentos para cada pessoa do grupo desempenhar a habilidade
simultaneamente.

Assim, uma vez que as instruções representam um meio de


facilitação e maximização do processo de aprendizagem, devemos
lembrar que as pessoas apresentam capacidade atencional limita-
da para assimilar as informações recebidas.
Concomitante a isso, as instruções verbais devem dirigir a
atenção do aprendiz a aspectos relevantes, para adequado desem-
penho e aprendizagem motora e devido ao resultado de memori-
zação, oriundo do efeito da primazia (precedência) e da recentici-
dade. Os indivíduos geralmente apresentam uma maior retenção
dos primeiros e dos últimos itens da sequência, o que não aconte-
ce com os trechos intermediários.
Em síntese, fica evidente a importância de uma adequada
intervenção do professor no processo de aquisição e diversificação
das habilidades motoras em termos de estratégias de ensino e or-
ganização das instruções.

Feedback (FB)
“Feedback” é um termo abrangente que se refere às infor-
mações que um executante recebe sobre a sua performance du-
rante a execução de uma habilidade ou logo após sua realização,
as quais são recebidas de qualquer sistema sensorial ou por uma
combinação destes.
São dois os “tipos” de feedback utilizados pelos seres huma-
nos, ou seja, o intrínseco ou interno e o extrínseco ou aumentado.
O feedback intrínseco ou interno é entendido como aquelas
informações a respeito da ação que se originam de fontes externas
ao corpo, denominado de exterocepção, ou de fontes internas do
corpo, chamado de propriocepção. Entende-se por exterocepção

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96 © Aprendizagem e Controle Motor

as informações sensoriais que se originam, especialmente, dos


sentidos da audição, do olfato e da visão.
Já o feedback intrínseco proprioceptivo refere-se àquelas
informações a respeito das ações que se originam dos recepto-
res sensoriais (tato e pressão, ouvido interno, articulações e fusos
musculares, ou seja, aqueles que “captam” as informações).
É importante ressaltar que o feedback intrínseco está sem-
pre presente, apesar de sua adequada utilização estar vinculada
ao estádio da aprendizagem em que o indivíduo realizador da ati-
vidade está, uma vez que o iniciante não se encontra apto para
“decodificar” os estímulos existentes e transformá-los em infor-
mações relevantes para modificar suas ações.
O feedback extrínseco ou aumentado é constituído pelas in-
formações verbais ou verbalizáveis que suplementam o feedback
intrínseco, sendo fornecido por pessoas (professores, técnicos e
outros realizadores da tarefa, como a plateia etc.) e/ou instrumen-
tos (filmes, fotos etc.).
Constitui-se de informações necessárias ao adequado de-
senvolvimento do feedback intrínseco, uma vez que o indivíduo
utiliza as informações oriundas do FB extrínseco como referenciais
para avaliar o que ele pensa de correto e a execução propriamente
dita.
Para Proença (1994, p. 20-21 ), o executor deve:
[...] usar a discrepância resultante desta comparação-avaliação,
para efetuar alguns ajustes na próxima resposta e também no seu
sistema interno de referência. Enquanto o aprendiz corrige o seu
próprio sistema de referência durante a prática e com base em
comparações de FB extrínseco e FB intrínseco, poderá desenvolver
para si mesmo um modelo interno adequado de aprendizagem. Um
modelo bem desenvolvido de aprendizagem é algo que caracteriza
o executante altamente habilidoso, com a capacidade de realizar
determinada habilidade, detectando, por si mesmo, os erros, bem
como a maneira de corrigi-los. [...] para uma habilidade ser acei-
ta como “aprendida”, de maneira que a sua execução possa ocor-
rer algum tempo depois de ser praticada é necessário que esteja
retida na memória de longa duração um padrão de referência do
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 97

movimento correto. Este padrão será comparado às informações


de FB dando possibilidades ao executante de detectar e corrigir os
próprios erros.

Também são reconhecidas as seguintes categorias de feed-


back:
• conhecimento de performance (CP): é o FB que um in-
divíduo recebe sobre a execução do movimento preconi-
zado durante sua realização, para avaliar seus movimen-
tos. Dito de outra forma, é o FB que permite comparar
as informações recebidas com o movimento pretendido
durante a execução deste;
• conhecimento de resultado (CR): é o FB informacional,
utilizado pelo indivíduo para certificar-se se o objetivo da
ação foi ou não alcançado. Um exemplo é o FB visual (ou
retroalimentação visual) que um jogador de futebol rece-
be quando vê a bola entrar no gol ou quando a vê sendo
espalmada para fora pelo goleiro.
É necessário ressaltar que um conhecimento de performan-
ce que indique uma execução adequada não necessariamente está
relacionado com um adequado conhecimento de resultado, e vice-
-versa, tendo em vista que, às vezes, realizamos uma performance
adequadíssima e não obtemos o resultado esperado, e, às vezes,
esse último pode ser alcançado graças a uma performance inespe-
rada.
Tanto o conhecimento de performance quanto o conheci-
mento de resultado podem ser maximizados pelo professor ou
técnico nas seguintes condições: ao informarem o executante so-
bre a execução do movimento (conhecimento ampliado da per-
formance) ou ao interpretarem o processo da ação em atingir o
objetivo (conhecimento ampliado do resultado).
Esses dois tipos de FB são essenciais no processo avaliativo
que fundamenta a aprendizagem de habilidades motoras. Veja-
mos as seguintes possibilidades: caso o indivíduo no estádio inter-

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98 © Aprendizagem e Controle Motor

mediário da aprendizagem, após executar uma habilidade motora,


decida que tanto o movimento quanto o objetivo foram realizados
satisfatoriamente, ele conseguirá aprimorar cada vez mais seu mo-
vimento, tanto em relação à sua performance, quanto no tocante
ao resultado a ser gerado.
Entretanto, se a meta não foi atingida e o executor “sentir”
ter realizado o movimento de forma adequada, então, provavel-
mente, algo equivocado no tocante à realização da habilidade exe-
cutada foi percebido, o que vai gerar a necessidade de se esclare-
cer o que realmente aconteceu e o que deve ser alterado para que
o objetivo proposto seja atingido.
É provável que ele tenha estruturado um esquema de movi-
mento ou uma sequência de comandos motores inadequados, e,
embora objetivasse realizar o movimento de forma correta, isso
não aconteceu.
Nesse caso, faz-se essencial a interferência do professor ou
técnico, que, ao fornecer conhecimentos ampliados sobre o resul-
tado, proporcionará possibilidades para que o executor assimile as
informações necessárias para a adequada realização da habilidade
em foco.
De outro modo, quando o executante recebe informações
intrínsecas de que executou de forma inadequada a ação, mas,
ainda assim, atingiu seu objetivo, qualquer uma das seguintes res-
postas pode acontecer:
• ele irá modificar seu plano de movimento ou esquema
motor em uma tentativa de reajustar o movimento exe-
cutado ao planejado ou idealizado;
• o executor continua a repetir o padrão incorreto de mo-
vimento, já que o objetivo foi alcançado, e deve estar
atento ao fato de que, embora tenha alcançado o sucesso
nessa tentativa, é bem provável que, nas demais, essa si-
tuação não se repita.
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 99

Assim, fica clara a importância do adequado fornecimento


do feedback para a construção de um adequado esquema motor,
sendo a ação do professor ou técnico essencial, já que ela pode
exercer as seguintes funções, conforme Schmidt e Wrisberg (2010,
p. 313):
1. Motivação, a qual energiza as pessoas para aumentarem seus es-
forços no sentido de alcançarem as metas que estabeleceram para
si próprias.
2. Reforço, o qual motiva as pessoas a repetirem as ações já pro-
duzidas ou, no caso de punição, a evitarem a repetição das ações.
3. Informação, a qual indica direta ou indiretamente, os tipos de
coisas que as pessoas devem fazer para refinar os seus padrões de
movimento e corrigir seus erros.
4. Dependência, a qual leva as pessoas a confiarem demais no FB
intuitivo, resultando em uma diminuição na performance quando
o FB é retirado mais tarde.

Além disso, é fato bem estabelecido que, se não for forneci-


do um FB ao executor com relação à qualidade de seu movimento
(quão bem ou mal sua ação foi realizada), a aprendizagem dificil-
mente ocorrerá.
Mas como devem ser efetivadas essas informações?
Quando o professor fornece FB ao executor, ele deve ser pre-
ciso em suas informações. Mas quão preciso?
Inicialmente, deve ser realizado um comentário geral sobre
a ação realizada, a fim de que o executor possa obter o maior co-
nhecimento possível.
Quais as informações que devem ser fornecidas?
Qual deve ser a frequência de FB a ser fornecida?
O FB deve ser fornecido sempre depois de cada tentativa
ou pode-se esperar a realização de algumas tentativas (grupos de
execução).
Para Schmidt e Wrisberg (2010, p. 338-339):
FB prescritivo, que informa sobre as mudanças específicas a serem
feitas nos movimentos, é mais eficiente do que o FB descritivo, que

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100 © Aprendizagem e Controle Motor

simplesmente diz às pessoas algo sobre os erros que cometeram


[...].
A quantidade ótima de informação a ser incluída no FB diminui con-
forme a complexidade da tarefa aumenta.
FB síntese e FB médio são formas particularmente efetivas de for-
necer aos aprendizes uma quantidade ótima de informação sem
criar uma dependência do FB.
[...]
Aumentar a precisão do FB aumenta a aprendizagem até certo pon-
to (p. ex. dizer que a finalização do movimento de um indivíduo
foi ligeiramente à esquerda do centro é melhor do que dizer que
a finalização do movimento não foi muito boa); além desse ponto,
aumentos na precisão do FB resultam em poucos ganhos adicionais
na aprendizagem.
[...]
O FB pode ser apresentado mais frequentemente no início da
aprendizagem, mas depois deve ser reduzido conforme os apren-
dizes vão se tornando mais habilidosos na performance da tarefa.
FB instantâneo degrada a aprendizagem, provavelmente porque
ele interfere no processamento intrínseco do aprendiz e no desen-
volvimento da capacidade de detecção de erros.

Por tudo isso, fica claro que o tipo de feedback a ser forneci-
do para o executor depende do seu estágio de aprendizagem, da
tarefa a ser executada e do seu tempo de fornecimento.

Métodos de Ensino
A forma como o professor instrui e demonstra se utiliza de
feedback e avalia seus alunos, devendo levar em consideração os
diferentes estágios da aprendizagem apresentados por eles.
Indubitavelmente, o professor abordará a instrução de ini-
ciantes e indivíduos experientes de forma muito distinta, uma vez
que estes podem utilizar as informações oferecidas de maneiras
muito diferentes na estruturação de suas performances.
Por exemplo, é sabido que as informações visuais são muito
utilizadas no início do processo de aprendizagem; todavia, ao final
deste, a informação cinestésica é que apresenta maior interferên-
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 101

cia na aquisição e manutenção de comportamentos desejados.


Sendo assim, o professor deve requerer a atenção para a retroali-
mentação visual no início da aprendizagem e incentivar o uso de
feedback cinestésico em estágios mais avançados.
Com relação aos estágios da aprendizagem, é importante re-
lembrar que Fitts (1964 apud SCHMIDT; WRISBERG, 2010) postula
três fases de aprendizagem que são idealmente adaptadas para
esse propósito:
• fase cognitiva;
• fase associativa;
• fase autônoma.
Ao descrever essas três fases, Fitts usou a ideia de um pro-
grama executivo para expressar a ideia geral de que o indivíduo
agrupa, hieraquicamente, os componentes (sub-rotinas) que cons-
tituem a habilidade no processo de aprendizagem, os quais devem
ser organizados sequencial e temporalmente no programa a ser
executado, gerando a habilidade esperada.
Para Fitts, a fase cognitiva da aprendizagem refere-se ao
desenvolvimento do esquema motor, isto é, da habilidade a ser
aprendida. Em outras palavras, o indivíduo deve formar a ideia da
habilidade a ser aprendida de forma completa, devendo ser capaz
de agrupar as experiências cognitivamente e de forma única, pro-
duzindo o esquema motor gerador dessa ação.
Vale ressaltar que os sinais ambientais relevantes que con-
trolam ou regulam o movimento em foco também devem ser assi-
milados, uma vez que o iniciante não deve adquirir apenas a ideia
do movimento, mas também deve ser capaz de reconhecer e pro-
cessar os sinais ambientais relevantes para a adequada realização
da ação e de seu ajuste quando se fizer necessário.
Para as habilidades fechadas, essa possibilidade pode repre-
sentar um aspecto relativamente simples nesse estágio inicial da
aprendizagem. Contudo, para as habilidades abertas, o problema

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102 © Aprendizagem e Controle Motor

é mais complexo, já que o ambiente está em constante mudança,


e, em muitos casos, os estímulos (sinais) ambientais podem exibir
indicações que possibilitarão a antecipação ou predição de even-
tos.
Em contrapartida, Adams (1971 apud SCHMIDT; WRISBERG,
2010) argumenta que, nos estágios iniciais, as informações verbais
são as mais utilizadas para a aprendizagem de habilidades moto-
ras, já que os iniciantes são altamente propensos a verbalizar a
habilidade que estão adquirindo, visto que aquela pode servir para
auxiliar a organização do esquema motor, bem como permitir a
recordação de importantes dicas ambientais.
Desse ponto de vista, parece evidente que o desenvolvimen-
to conceitual ou mental dos requisitos de uma habilidade motora
desempenha importante função no início da aquisição do movi-
mento.
Ainda conforme Adams, dependendo da complexidade da
nova habilidade, a duração dessa fase pode ser de apenas alguns
minutos ou horas, e, uma vez que o executante apresenta uma
aproximação grosseira do resultado pretendido, pode-se conside-
rar que ele já tenha adquirido a ideia da habilidade em questão e
tenha obviamente progredido para o segundo estágio da aprendi-
zagem.
Nessa fase, o professor deve estruturar o ambiente para que
a aprendizagem seja maximizada. Sendo assim, deve ser dado um
tratamento cuidadoso aos sinais ambientais que são relevantes
para a aquisição do novo movimento, para favorecer a atenção se-
letiva e a formação da memória da ação em foco, o que exigirá a
estruturação de um ambiente simples, sem grandes variações.
Para a aprendizagem de habilidades abertas, é importante
que o professor selecione as situações mais comuns e que são ab-
solutamente necessárias para a adequada execução da habilidade
e, só mais tarde, introduzir sinais ou condições não usuais.
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 103

Com relação às habilidades fechadas, o professor deve dire-


cionar a atenção do indivíduo para o sinal mais relevante, impor-
tante e imutável e, uma vez percebendo sua desenvoltura prática,
adicionar outros sinais também relevantes.
Já na fase associativa, a preocupação deverá estar nos se-
guintes quesitos: tornar o esquema motor mais exato e integrado
e proporcionar a criação e execução de esquemas motores pa-
drões que se ajustem às exatas demandas da habilidade, já que,
por meio do processo de aprendizagem, os indivíduos se tornam
cada vez mais capazes de ordenar sequências cada vez maiores e
mais complexas de movimentos.
As sequências relativamente longas podem ser criadas e exe-
cutadas em ambientes estáveis, o que não acontece em ambien-
tes imprevisíveis, exigindo uma análise constante do ambiente por
parte do executante.
Gentile (1972 apud SCHMIDT; WRISBERG, 2010), em seu mo-
delo de aprendizagem de habilidades motoras, denomina esse es-
tágio de fase de fixação-diversificação. Ela afirma que, em uma ha-
bilidade aberta, o indivíduo deve diversificar seu esquema motor,
a fim de que possa criar uma sequência singular de movimentos
que se adequem às demandas da performance esperada (deseja-
da).
Uma vez que, em um ambiente instável, as situações am-
bientais não se mantêm, o indivíduo deve ser capaz de distinguir
as características particulares de uma dada situação e, então, criar
um programa e esquema motor que se ajuste às suas demandas.
Já em ambientes estáveis, a formação do esquema motor
torna-se altamente fixa ou invariável na sua execução, tendo em
vista as características ambientais invariantes. Nessas condições, o
esquema motor deve ser constituído de forma mais exata e íntegra
para o propósito, ou seja, um mesmo programa pode, e deve, ser
gerado infinitas vezes, de forma contrária àquela apresentada nas
habilidades abertas.

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104 © Aprendizagem e Controle Motor

Torna-se necessário acrescentar que, para atender a gran-


de e mutável demanda ambiental, o processo de aprendizagem e
realização de habilidades abertas depende, enormemente, de um
rápido e adequado processo de decisão.
Este pode ser facilitado pelo professor, por meio de descri-
ções verbais das várias combinações possíveis de estímulo-respos-
ta que podem existir, pela observação de filmes que demonstrem
os sinais ambientais e a realização das habilidades em câmera len-
ta e pela prática mental da atividade, de modo que o indivíduo se
imagine em situações particulares e possa avaliar a adequabilida-
de (correção) de sua escolha.
Também deve ser dada importância a alguns estímulos espe-
cíficos. O barulho das torcidas, a presença de familiares nos jogos,
o fato de estarmos sendo vistos por milhares de pessoas são fato-
res que afetam tanto a realização de habilidades abertas quanto a
de ações fechadas.
É essencial que sejamos capazes de ignorar tais informações
ambientais por meio do processo de atenção seletiva, condição
essa que também deve ser aprendida.
Já na fase autônoma de aprendizagem, a performance torna-
-se progressivamente independente das demandas atencionais.
Uma vez tendo aprendido uma habilidade motora, o indivíduo
está apto a gerar esquemas motores que se ajustam às demandas
sem grandes necessidades atencionais, sendo estas dirigidas a ou-
tros aspectos da performance, tal como na estratégia de jogo.
Outro problema a ser enfrentando pelo professor nessa fase
é relacionado à inclusão voluntária, por parte do praticante, de
erros em seu processamento de informação, em algum lugar no
seu esquema motor, devido à baixa demanda atencional para a
realização e da habilidade.
Essa condição precisa ser rapidamente combatida pelo pro-
fessor, tendo em vista a possibilidade de gerar uma “regressão” de
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 105

performance. Dessa forma, para uma adequada aprendizagem das


habilidades motoras, é importante que:
1) o movimento seja inicialmente avaliado, de forma preci-
sa, para gerar modificações (caso haja erros) ou manu-
tenções (no caso de acertos) nas tentativas futuras, uma
vez que a aprendizagem envolve o uso de conhecimen-
tos de resultados e de performances, além da compara-
ção entre a meta e o plano de ação;
2) a aprendizagem expressa por um indivíduo apresenta
uma relação direta com sua capacidade mnemônica;
3) a atenção seletiva é um importante fator na determina-
ção das fontes de informação que auxiliarão na forma-
ção da memória e na construção do plano de ação;
4) inicialmente, um aprendiz apresentará dificuldades em
assimilar as informações fornecidas pelo professor por
mais simples que elas pareçam, fato esse que será gra-
dativamente sanado com o tempo de prática e instrução;
5) o aprendiz deverá ser estimulado a avaliar seu movimen-
to, e o professor deve providenciar auxílio nesse proces-
so, em seu estágio inicial. É importante ressaltar que o
estudante deve ter sua atenção focada na retroalimen-
tação que acontece logo após a realização do movimen-
to, não devendo ser, portanto, interrompido (ou ter sua
atenção desviada) logo após a realização da habilidade;
6) o professor deve avaliar, de forma isolada e combinada,
os conhecimentos de resultado e de performance ex-
pressos pelo estudante (executor).
Com relação à transferência de comportamento adquirido, é
importante ressaltar que, uma vez que essa fase é primariamente
relacionada com o estabelecimento de uma ideia da nova habili-
dade, o professor deve direcionar todas as suas demonstrações e
instruções para esse objetivo, devendo fazer uso da experiência
pregressa do indivíduo, expressando a nova habilidade em termos
dos conceitos de ações já aprendidas.
Em suma, o professor deve planejar, objetivando a transfe-
rência de aprendizagem. Nesse processo, os conceitos e os com-

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106 © Aprendizagem e Controle Motor

portamentos simbólicos derivados das experiências passadas do


indivíduo é que são realmente transferidos.
Caso o professor obtenha sucesso em fazer que um aprendiz
veja similaridades entre as habilidades já adquiridas e a nova ação,
o processo de formação do esquema motor inicial para a realiza-
ção da “nova” habilidade será grandemente facilitado.

6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Por que existem diferentes formas de se organizar a prática?

2) Por que as diferenças individuais devem ser consideradas durante o


processo de organização da aprendizagem?

3) Qual a relação que podemos estabelecer entre feedback extrínseco e


intrínseco?

7. CONSIDERAÇÕES
Os conceitos referentes a formas de prática, diferenças indi-
viduais, motivação, instrução, feedback e métodos de ensino são
essenciais para uma adequada estruturação do ensino-aprendiza-
gem de habilidades motoras, haja vista suas relações com o pro-
cesso e com seus produtos.
Como professores, devemos organizar nossas ações visando
o maior aproveitamento das potencialidades de nossos estudan-
tes. Para isso, torna-se essencial conhecermos e considerarmos as
condições internas e externas que permeiam esse processo.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COON, D. Introdução à psicologia: uma jornada. Tradução de Eliane Kanner et al. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006.
© U2 - Fatores que Afetam o Processo de Aprendizagem 107

HERCULANO-HOUZEL, S. Pílulas de neurociência para uma vida melhor. Rio de Janeiro:


Sextante, 2009.
MAGILL, R. A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. Tradução Aracy M. da
Costa. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.
PROENÇA, J. E. Efeitos motivacionais do feedback extrínseco na aprendizagem de uma
habilidade motora discreta. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994. (Tese de
Doutorado).
SAMULSKI, D. Psicologia do esporte: manual para a educação física, psicologia e
fisioterapia. Barueri: Manole, 2002.
SCHMIDT, R. A.; WRISBERG, C. A. Aprendizagem e performance motora: uma abordagem
da aprendizagem baseada na situação. 2. ed. Tradução de Ricardo D. S. Petersen et al.
Porto Alegre: Artmed, 2001.
______. ______. 4. ed. Tradução de Ricardo D. S. Petersen et al. Porto Alegre: Artmed,
2010.

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EAD
Controle Motor

3
1. OBJETIVOS
• Explicitar as principais teorias referentes ao controle mo-
tor humano.
• Favorecer o estabelecimento de relações entre os conte-
údos referentes à memória, atenção e percepção visual e
o processo de controle motor.
• Apresentar algumas teorias relacionadas aos mecanismos
de precisão do movimento e suas possíveis aplicações no
processo de controle motor.

2. CONTEÚDOS
• Teorias do controle motor humano: Teoria dos Reflexos;
Teoria Hierárquica (Sistema de Circuito Aberto e Sistema
de Circuito Fechado); Conceito de “Programa Motor Ge-
neralizado” (PMG); Teoria dos Sistemas Dinâmicos.
110 © Aprendizagem e Controle Motor

• Memória.
• Atenção.
• Percepção visual.
• Teorias relacionadas aos mecanismos de precisão do mo-
vimento.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Sua formação é essencial, pois ela determinará postu-
ras e escolhas no desenvolvimento de sua prática. Por-
tanto, invista em você, faça da pesquisa e da interação
com seus colegas de curso e tutor hábitos que poderão
ajudá-lo a ampliar e aprofundar seus conhecimentos.
2) Ao se aproximar do final do presente material, lembre-se
de que é este o momento em que você terá uma visão
geral do que estudou. Assim, antes de iniciar esta uni-
dade, retome os principais pontos analisados até agora.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O processo de controle motor (fluxo de informação oriundo,
exclusivamente, dos centros neurais superiores para os centros in-
feriores) envolve reorganizações internas (perceptivas e neurais)
que repercutem na exteriorização das habilidades motoras. Sendo
assim, torna-se importantíssima uma recordação das estruturas e
funções neurais, em associação com a apreensão dos conteúdos
referentes ao processo de aprendizagem.
Uma vez que se constitui por processos relacionados à me-
mória, atenção, percepção visual e mecanismos de precisão do
movimento, esta seção proporciona uma visão do nível executi-
vo da organização motora. Por isso, devemos, a todo momento,
relacioná-los com o desempenho obtido, sem, porém, esquecer
© U3 - Controle Motor 111

que a exteriorização da ação nem sempre apresenta sua real orga-


nização interna.
Como já visto, o processo de aprendizagem motora envolve
mudanças relativamente permanentes na identificação dos estí-
mulos, seleção e programação da resposta. Essas mudanças impli-
cam, especialmente, uma alteração no nível de controle e coorde-
nação expresso no movimento.
Mediante essa realidade, alguns questionamentos se fazem
necessários:
• Qual a amplitude de aplicação dos termos “controle” e
“coordenação motora”?
• Esses vocábulos (“controle” e “coordenação motora”) po-
dem ser utilizados, exclusivamente, para descrever ações
extremamente habilidosas, como aquelas apresentadas
por atletas, ou podem ser utilizados para descrever as
primeiras tentativas de realização de habilidades motoras
consideradas “simples”, como o andar de uma criança, o
lançar de uma bola ou o saltar um obstáculo?
Comecemos pelo conceito de “controle motor”.
Controle motor é o estudo das posturas e do mecanismo de
controle neural e muscular que independe da qualidade destes,
que são os movimentos realizados pelos indivíduos nas mais diver-
sas situações e com diferentes obtenções de resultados.
Embora esteja claro que o controle dos grupos musculares,
em conjunto com as articulações, se constitua o objetivo final do
controle motor, ainda é motivo de dúvida e de controvérsia entre
os investigadores da temática do entendimento do processo de
recrutamento desses componentes. Esse fato tem promovido a re-
alização de inúmeras pesquisas.
Assim, esforços científicos sistematizados têm sido realiza-
dos visando a promoção e o desenvolvimento de várias teorias e
modelos relacionados ao controle motor, e cada um desses contri-

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112 © Aprendizagem e Controle Motor

bui, de forma positiva, no entendimento do processo de controle


motor humano.

5. TEORIAS DO CONTROLE MOTOR HUMANO


Três categorias gerais de teorias dominaram a literatura
científica relativa ao controle motor humano no século 20 e neste
início de século 21. São elas: a Teoria dos Reflexos, as Teorias Hie-
rárquicas e a Teoria dos Sistemas Dinâmicos.
É necessário ressaltar que as predições associadas a cada
uma dessas teorias foram testadas. Foi utilizada uma variedade
de técnicas de medidas e níveis de análise, o que permitiu uma
análise, se não profunda, adequada às nossas necessidades nos
estudos dos processos de controle e aprendizagem motores.
Faz-se também essencial explicitar que algumas pesquisas
analisaram, especialmente, determinado tipo de comportamento
humano (uma habilidade manual, como tocar piano, ou uma ha-
bilidade esportiva, como o chute ou o arremesso) ou adotaram,
como nível de análise, o aspecto psicológico (como a motivação
interfere na performance em diferentes indivíduos), enquanto ou-
tras utilizaram modelos de animais, na tentativa de identificar os
mecanismos neurológicos subjacentes à ação em estudo.
A seguir, serão expostas e analisadas as características que
definem cada teoria apresentada, além da explicitação de suas
contribuições para o entendimento do controle motor humano
nas mais diversas ocasiões e ambientes.

Teoria dos Reflexos


A Teoria dos Reflexos é uma teoria neurológica que propor-
cionou o desenvolvimento inicial da explicitação de como os movi-
mentos são controlados.
Baseada nos estudos e pesquisas realizados por Sherrington
(1857-1952), um neurologista proeminente, essa teoria apresenta
© U3 - Controle Motor 113

como pressuposto básico que eventos físicos do ambiente servem


de estímulo para a execução de uma ação, uma vez que ativam
uma cadeia de circuitos reflexos individuais, responsáveis pela pro-
dução de uma resposta ao movimento executado anteriormente.
De acordo com Sherrington, o resultado esperado de uma
ação orgânica é um coajustamento ordenado e sucessivo de rea-
ções. Consistente a essa teoria, está a ideia de que o indivíduo é
um recipiente passivo mediante a contribuição sensorial externa.
Receptores sensoriais na pele, nos músculos e nas articula-
ções são ativados, enquanto outros sistemas sensoriais excitam
os sistemas motores responsáveis pela produção do movimento,
produzido pelos músculos e pelas articulações originalmente es-
timulados.
Para testar suas ideias, Sherrington administrou uma série
de experiências que envolveram a secção de uma fração da me-
dula espinhal dorsal de animais, imediatamente abaixo do cérebro
destes.
Esse procedimento simplificou enormemente a ação neural
e tornou possível estudar os mecanismos e funções neurais prove-
nientes da medula, isolada dos centros corticais superiores mais
complexos. Desse modo, Sherrington poderia focalizar sua aten-
ção no que ele acreditou ser a unidade elementar do comporta-
mento: o movimento reflexo.
Embora a Teoria dos Reflexos de controle motor tenha pro-
vido uma explicação direta de como os movimentos são controla-
dos, ela era simples demais para explicitar, de forma clara e con-
vincente, a capacidade humana de executar tamanha variedade
de movimentos direcionados a metas estabelecidas.
A insuficiência dessa teoria é particularmente evidente
quando consideramos a gama de movimentos voluntários que nos
exigem antecipações organizacionais, mediante a instabilidade
ambiental e temporal, como pode ser verificado, por exemplo, em

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114 © Aprendizagem e Controle Motor

um ataque no voleibol ou no handebol: quem e quando um joga-


dor atacará? Como a bola será enviada?
Como pode ser facilmente observado em nossas atividades
diárias e, também, nas ações esportivas, muitas de nossas ações
devem ser proativas, e não reativas, de modo a conseguirmos su-
cesso em nossas realizações e para que possamos evitar consequ-
ências desagradáveis ou indesejáveis.
Geralmente, um jogador de futebol ou de tênis não dispõe
de tempo para elaborar seu plano de ação após receber a bola. Em
contrapartida, o goleiro, que assiste aos movimentos dos vários jo-
gadores ofensivos e defensivos, deve predizer (antecipar) com su-
cesso qual adversário tentará o tiro a gol. Desse modo, ele poderá
iniciar seus movimentos antes de a bola ser efetivamente chutada
ou arremessada.
De forma similar, um motorista que dirige sob chuva inten-
sa previamente reduz a velocidade de seu carro antes de curvas
perigosas ou em locais onde, normalmente, a água se acumula,
gerando algum perigo para ele ou seus passageiros.
Em situações como essas, os indivíduos (jogadores ou mo-
toristas) têm que utilizar seus conhecimentos sobre a situação e
antecipar as possíveis instabilidades (mudanças) ambientais para
então planejar suas ações e obter sucesso com sua realização.
Um segundo ponto que merece discussão com relação à Te-
oria dos Reflexos é referente a sua inabilidade em responder sa-
tisfatoriamente sobre a realização de movimentos na ausência de
feedback sensorial, informação essencial para a estruturação de
movimentos.
Sistemas de controle de movimentos realizados sem feed-
back sensorial, durante sua realização (denominados de sistema
de circuito aberto), foram estudados em animais deaferentados e
também em humanos que apresentavam danos em seus sistemas
sensoriais, como as vítimas de acidentes e os feridos em guerras
ou explosões.
© U3 - Controle Motor 115

Os resultados globais desses estudos demonstraram que o


feedback sensorial não é essencial à execução de todos os movi-
mentos, um argumento que contradiz diretamente a pesquisa de
Sherrington e as proposições básicas subjacentes à Teoria dos Re-
flexos de controle motor.
Embora essa teoria não seja mais utilizada para explicar
como os movimentos voluntários humanos são controlados, é in-
teressante notar que várias formas de tratamento utilizadas em
terapia físico-motora são fundamentadas em modelos que utili-
zam como base teórica essa forma de interpretação e explicação
do processo de controle motor.
Um exemplo de tal aproximação é o tratamento neurode-
senvolvimental (NDT) elaborado por Bobath (1965; 1978), que
apresenta como método de tratamento a supressão ou inibição
de reflexos anormais e o estímulo à apresentação de reflexos tidos
como normais. É muito utilizado no tratamento de crianças com
paralisia cerebral e de adultos com hemiplegia adquirida.
É necessário ressaltar que, entre as décadas de 1920 e 1930,
várias formas de reflexos que encadeiam modelos de controle mo-
tor também foram estudadas sob um nível psicológico de análise,
especialmente por um grupo de pesquisadores que vieram a ser
denominados de behavioristas, como Skinner e Thorndike.
Esse grupo de investigadores explicou a aquisição de padrões
de movimento e de habilidades motoras como resultado da junção
de movimentos individuais em uma cadeia de comportamentos.
Para esses pesquisadores, uma cadeia de ação era ativada
por algum estímulo externo, condição esta que resultaria em uma
resposta (um movimento observável). Essa resposta geraria um
segundo estímulo que promoveria uma nova ação, e assim suces-
sivamente.
Uma vez que os behavioristas estão muito mais interessa-
dos em estudar os resultados dos movimentos observados do que

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116 © Aprendizagem e Controle Motor

pesquisar sobre quais são os processos subjacentes responsáveis


pela produção destes, as teorias desenvolvidas durante esse perí-
odo ofereceram poucos subsídios sobre o entendimento de como
o sistema motor se organiza para gerar os movimentos.

Teoria Hierárquica
Em contraste com as ideias preconizadas pela Teoria dos Re-
flexos, a Teoria Hierárquica de controle motor preconiza que todos
os aspectos relacionados ao planejamento e execução dos movi-
mentos são de responsabilidade exclusiva de um ou mais centros
corticais, os quais representam o nível de comando mais alto (su-
perior) dentro da hierarquia do sistema nervoso central.
Esse executor cortical detém todas as informações necessá-
rias ao adequado planejamento e execução da ação, de modo a
ativar as áreas neurais necessárias à geração dos movimentos pre-
conizados. Além disso, é capaz de coordenar e regular movimen-
tos que necessitam ou não de feedback sensorial externo.
Dito de outra forma, o modelo hierárquico pressupõe uma
organização “de cima para baixo” para o controle motor. O “co-
mandante”, um centro superior, planeja e delega o programa
motor para que os centros subordinados o executem. E as infor-
mações provenientes dos meios interno e externo, anteriores e
posteriores ao movimento, ficam disponíveis para o “comandan-
te” executar suas ações. Entretanto, este não precisa usar todas as
informações disponíveis durante a execução do movimento.
Um dos primeiros modelos desenvolvimentais criados para
testar as predições da Teoria Hierárquica de controle motor foi
desenvolvido por Hughlings Jackson na década de 1850. Jackson
argumentou que os movimentos são representados nos níveis su-
periores do cérebro, sendo estas representações utilizadas para
orientar os desempenhos subsequentes.
© U3 - Controle Motor 117

Adequadamente, ele afirmou ser o fluxo informacional uni-


direcional, isto é, que os centros neurais superiores “carregam” os
centros inferiores de informações necessárias e suficientes para a
realização dos movimentos, e que nenhuma outra comunicação
ocorreria.
Essa rígida forma de interpretação de controle motor foi mo-
dificada, de modo a permitir uma comunicação entre os distintos
níveis hierárquicos neurais. Por exemplo: é estudada a comunica-
ção dos centros espinhais com os centros corticais superiores (en-
vio de informações sobre um movimento que está em processo de
realização) em associação com o envio de informações dos centros
superiores para os inferiores.
Embora alguns teóricos afirmem que essa posição (ou o
novo entendimento sobre o processo de controle motor) tenha
gerado profundas modificações na visão de controle motor huma-
no, transformando-a em uma concepção heterárquica, essa forma
de entendimento do processo de controle motor preconiza ser o
todo maior que a some das partes.
Também advoga que o sistema nervoso não é o único res-
ponsável pela organização e pelo controle do movimento, já que
os centros trabalham juntos e nenhum centro individual produz o
movimento sozinho, ou seja, a informação flui entre duas ou mais
estruturas, sendo as funções distribuídas e o controle motor en-
tendido como uma função de comando por consenso.
Assim, de acordo com as ideias preconizadas pela Teoria Hie-
rárquica de controle motor, as representações dos movimentos
são armazenadas na memória na forma de planos ou programas
de ação. Esses programas motores são constituídos por comandos
em níveis corticais superiores que enviam aos centros inferiores
informações referentes ao movimento que deve ser executado.
Essa visão orientou as interpretações teóricas sobre o pro-
cesso de controle motor desde que as primeiras definições opera-
cionais foram desenvolvidas por Keele, em 1968.

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118 © Aprendizagem e Controle Motor

Segundo esse pesquisador, o programa motor pode ser defi-


nido como um conjunto de comandos musculares que são estrutu-
rados anteriormente ao início do movimento, sendo responsáveis
pela realização deste e não influenciados por feedback periférico.
O apoio empírico mais forte para a Teoria Hierárquica e para
o controle de movimentos voluntários via programas motores foi
instituído pela aplicação dos mesmos tipos de técnicas de deafe-
rentação que conduziram ao descarte das ideias preconizadas pela
Teoria dos Reflexos.
O uso de medidas psicológicas, como o tempo de reação
(TR), a ser descrito posteriormente, também apoiou a ideia de que
muitos movimentos voluntários podem ser planejados com ante-
cedência, particularmente aqueles que devem ser executados de
forma rápida.
Essa particularidade da Teoria Hierárquica de controle motor
explica bem como é possível que goleiros (de futebol ou de hande-
bol, por exemplo) e motoristas planejem suas ações mediante um
ambiente altamente imprevisível.
Embora a definição original de Keele a respeito de progra-
mas motores tenha servido como catalisadora de importantes
pesquisas desde a década de 1970, ela foi modificada para melhor
responder à capacidade humana de executar uma enorme e varia-
da gama de ações motoras.
Uma expansão da definição também foi considerada essen-
cial, devido à exigência de armazenagem de todos os programas
motores necessários à nossa vida diária (esportiva, profissional, de
lazer), que demandaria uma enorme capacidade mnemônica (de
memória). Desse modo, um papel mais significativo da avaliação
sensorial foi incorporado nas versões mais recentes.
Em contraste com o papel secundário (se não supérfluo) do
feedback sensorial na programação motora, preconizado no mo-
delo de Keele, atualmente passou a ser reconhecida também a
© U3 - Controle Motor 119

importância da avaliação sensorial na organização precisa de um


movimento, quando há tempo disponível para que seja realizada.

Sistema de Controle de Circuito Aberto x Sistema de Controle de


Circuito Fechado
Um debate teórico importante, referente à forma de contro-
le dos movimentos, recebeu muita atenção na literatura científica
sobre comportamento motor durante vários anos. Ele apresenta
duas vias:
• sistema aberto, sem feedback sensorial durante a re-
alização do movimento;
• sistema de circuito fechado, que se utiliza de infor-
mações sensoriais durante a estruturação e realiza-
ção dos movimentos.
Sistema de Circuito Aberto
As propostas de sistema de controle de circuito aberto e de
circuito fechado são utilizadas na tentativa de explicar como nos-
so sistema neural controla o movimento coordenado. Para isso,
baseiam-se em modelos próprios da engenharia mecânica.
As características do sistema de circuito aberto são as se-
guintes:
1) não envolve feedback durante a realização do movimen-
to, uma vez que os comandos de movimentos enviados
pelo centro de controle aos efetores contêm todas as
informações necessárias para a execução da habilidade
motora em foco;
2) não há possibilidade de se detectar ou corrigir erros du-
rante a execução do movimento;
3) é utilizado em movimentos de duração muito curta;
4) é mais eficaz no controle de ações realizadas em am-
bientes estáveis e previsíveis;

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120 © Aprendizagem e Controle Motor

5) suas operações, sequências e sincronizações são forne-


cidas por instruções e operações estruturadas antecipa-
damente;
6) o programa, uma vez iniciado, não pode ser alterado.
Para melhor exemplificar o sistema de circuito aberto, se-
guem os exemplos apresentados por Magill (2000, p. 42):
CONTROLE DE CIRCUITO ABERTO
Semáforos. Cada luz é programada para acender em intervalos de
tempo específicos. As condições do trânsito não afetarão os inter-
valos porque, normalmente, os sinais de trânsito não aceitam esse
tipo de feedback. (Observe que os semáforos podem ser configu-
rados para que o feedback do trânsito substitua a sequência de ti-
ming programada).
Alarme de rádio-relógio. Ele dispara no momento pré-definido. In-
dependentemente de você estar ou não acordado, de querer que o
rádio seja ligado ou de não estar em casa. A única forma de impedir
que isso ocorra, é desligar o alarme.

Sistema de Circuito Fechado


Como mencionado na Unidade 1, Aprendizagem Motora,
os modelos de sistema de circuito fechado enfatizam o papel im-
portante da avaliação sensorial no planejamento, na execução e
modificação da ação, mostrando-se contrário às ideias que emba-
savam, teoricamente, a estruturação do sistema de circuito aberto
no controle dos movimentos (geração, a priori, de planos de ação
por um executor central em alguma área do córtex cerebral que,
uma vez originados, eram executados sem considerar a avaliação
sensorial).
É óbvio que nenhum desses pontos de vista pode descrever
adequadamente como os movimentos são controlados nas mais
diversas condições ambientais e/ou temporais. Por isso, é mais
adequado que utilizemos um ou outro modo de controle do mo-
vimento de acordo com o tipo de ambiente em que estamos rea-
lizando a ação e com a meta a ser alcançada pela realização das
ações.
© U3 - Controle Motor 121

Por exemplo, na execução de movimentos que requerem


precisão em um ambiente instável, a utilização do sistema de
circuito fechado é mais adequada para que consigamos atingir a
meta determinada, pois empregamos não só a avaliação sensorial
inicial, mas também a efetuamos durante a realização dos movi-
mentos, tendo em vista as possíveis e numerosas pequenas corre-
ções e alterações que podem acontecer durante o desdobramento
do movimento. Dirigir um automóvel ou atravessar uma rua ex-
tremamente movimentada, por exemplo, são ações que têm mais
chance de êxito quando utilizamos o sistema de circuito fechado
na organização dos movimentos.
Por outro lado, ações que devem ser executadas de forma
rápida, em um ambiente relativamente previsível ou estável, irão
requerer o uso de um sistema de circuito aberto para sua adequa-
da realização. Dessa forma, é mais provável que um plano de ação
seja formulado antecipadamente à ação pretendida e então exe-
cutado sem ser levada em conta a avaliação sensorial disponível.
Esse tipo de controle de movimentos está presente em ha-
bilidades profissionais, artísticas e esportivas, como digitar em um
teclado de computador, apresentar uma peça musical ao piano,
lançar e arremessar em provas de atletismo, atirar em alvo fixo.
É essencial explicitar que o grau de habilidade do executor é
um fator adicional que influencia o “nível” em que são executados
os movimentos em um sistema de circuito aberto ou fechado.
Os novatos, normalmente, dependem muito de suas avalia-
ções sensoriais para que possam realizar satisfatoriamente suas
tarefas de modo a obter êxito nas execuções. Por outro lado, indi-
víduos mais experientes são capazes de executar a maioria de suas
ações sem recorrer às suas avaliações sensoriais.
Pianistas novatos tendem a depender da leitura da partitura
musical para que consigam se apresentar com sucesso. Já o mes-
mo não acontece com pianistas profissionais, que são capazes de

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122 © Aprendizagem e Controle Motor

exibir movimentos rápidos e precisos dos dedos, e assim executar


a peça com sucesso, sem depender da partitura musical.

O conceito de “Programa Motor Generalizado” (PMG)


Na década de 1970, emergiu uma definição mais abrangente
a respeito de programas motores, em grande parte, graças aos es-
forços desprendidos por Schmidt e outros pesquisadores.
Embora o conceito de programa motor generalizado instituí-
do por Schmidt ainda considere a necessidade de armazenamento
de padrões de movimentos, sua estrutura atuante é mais abstrata
que aquela defendida por Keele.
Concomitantemente a esta característica, o novo entendi-
mento de programas motores também pode ser aplicado a um
maior número de movimentos, uma vez que pode ser alterado ou
modificado durante a execução do movimento em foco, devido às
alterações que ocorrem no ambiente em que é executado.
É essencial ressaltar que parâmetros variantes e invariantes
especificam como um padrão de movimento específico será exe-
cutado, e estes especificam desde a duração global do movimen-
to, força e velocidade de execução do mesmo, sequência espacial
e temporal de execução dos componentes do movimento, até a
duração temporal total e relativa (organização temporal relativa-
-OTR) dos componentes da ação realizada.
Um mesmo programa motor generalizado pode ser utilizado
para executar um grande número de movimentos semelhantes,
simplesmente regulando, acrescentando, retirando ou modifican-
do de forma apropriada os parâmetros de movimento que cons-
tituem o plano abstrato da ação. Essas possibilidades reduzem
enormemente o número de programas motores que um indivíduo
necessita armazenar em sua memória para obter êxito em suas
ações motoras mais distintas.
Esse conceito também explica por que e como somos ca-
pazes de escrever com semelhante desenvoltura e sucesso nosso
© U3 - Controle Motor 123

nome a caneta em uma folha de cheque (necessidade de adequar


nossas letras ao pequeno espaço disponível e de sermos capazes
de realizar diferentes movimentos com a caneta) e a giz em um
quadro-negro (com letras maiores e com necessidade de manu-
seio do giz diferente daquele exigido durante a escrita a caneta).
Essa capacidade de produzir o mesmo resultado, mediante a
realização de uma variedade de movimentos musculares distintos,
é denominada de equivalência motora.
É relevante destacar que a possibilidade de especificação de
diferentes parâmetros permite ao indivíduo experiente executar
adequadamente “novos” movimentos (ações até então não rea-
lizadas) na primeira tentativa, uma possibilidade não considerada
no conceito de programa motor desenvolvida por Keele.
Sendo assim, um jogador experiente de handebol pode ser
capaz de arremessar uma bola saltando e de somar a este movi-
mento um giro corporal até então realizado em um jogo e, mesmo
assim (e, por isso) conseguir seu intento: marcar um gol.
Segundo Magill (2000, p. 42-4):
Schmidt propôs que um programa motor generalizado fosse res-
ponsável pelo controle de uma classe de ações, e não um movi-
mento ou uma seqüência específica de movimentos. Ele definiu
uma classe de ações como um conjunto de diferentes ações que
têm características comuns, mas singulares. Para Schmidt essas ca-
racterísticas, que ele chama de aspectos invariantes, são a “assina-
tura” de um programa motor generalizado e forma a base do que
está armazenado na memória. Para que uma pessoa realize uma
determinada ação que atenda às necessidades de uma situação de
desempenho, a pessoa precisa recuperar o programa de memória
e depois acrescentar parâmetros específicos do movimento.
Em vez de usar o computador, Schmidt preferiu utilizar uma gra-
vação fonográfica como metáfora para descrever as características
do programa motor generalizado. Os aspectos invariantes de uma
gravação definem o ritmo e a dinâmica (força) da música. Os parâ-
metros seriam os controles ajustáveis da velocidade e do volume.
Mesmo que um disco seja executado com velocidade mais rápida
ou o volume mais baixo que o normal, a estrutura rítmica e dinâmi-
ca da música permanecem inalteradas.

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124 © Aprendizagem e Controle Motor

Aspectos invariantes e parâmetros. Embora sejam muitas as carac-


terísticas que podem ser consideradas como aspectos invariantes
do programa motor generalizado, três delas são propostas com
maior freqüência. São o timing relativo (análogo ao ritmo) de com-
ponentes da habilidade, a força relativa necessária para desempe-
nhar uma habilidade e a ordem ou seqüência dos componentes. O
termo relativo em timing relativo e em força relativa indica que o
que são invariantes é a porcentagem ou as proporções da força e
do timing total dos componentes de uma habilidade.
[...] Imagine que você está movendo o seu braço o mais rápido pos-
sível para apertar quatro botões em seqüência. Agora suponha que
os quatro componentes dessa tarefa resultem nas seguintes pro-
porções de tempo de movimento: componente 1 abrange 30% do
tempo do desempenho total; componente 2, consome 20%; com-
ponente 3, 40% e componente 4, 10%. Se o desempenho dessa
habilidade sob condições normais tiver uma duração total de 10
segundos [...] então, independentemente de quanto você possa
aumentar ou diminuir essa duração real da característica tempo-
ral de cada componente variará proporcionalmente. [...] Assim, se
normalmente você desempenha essa habilidade em 10 s, então os
tempos gastos no desempenho de cada componente devem ser
3, 2, 4 e 1 s respectivamente. Se você desempenhou a habilidade
duas vezes mais depressa, isto é, em 5 s, cada componente variará
proporcionalmente, sendo então os tempos iguais a 1.5, 1, 2 3 0.5 s
respectivamente. Se o seu desempenho foi mais lento, levando 15
s para completar a habilidade, o tempo de cada componente será
então os tempos iguais a 4.5, 3, 6 e 1.5 s respectivamente.
Embora a teoria do programa motor proponha que os aspectos
invariantes do programa motor generalizado variem um pouco de
um desempenho para outro de uma habilidade, ela também afirma
que há outros aspectos denominados parâmetros, que também
podem ser alterados. Entre eles estão incluídos a força total, o tem-
po total e os músculos utilizados no desempenho da habilidade.
Os participantes podem alterar os músculos de uma situação de
desempenho para outra, adaptando-os rapidamente às exigências
específicas de cada situação. Por exemplo, um indivíduo pode ace-
lerar uma seqüência de movimentos e aumentar a força total, sem
alterar as características invariantes do programa motor.

Já estudamos, nas Unidades 2 e 3, que, no início do desen-


volvimento do controle de movimento, a retroalimentação (fee-
dback) visual e proprioceptiva era utilizada como meio principal
para a detecção e correção de erros na execução do movimento
pretendido.
© U3 - Controle Motor 125

Todavia, pela prática, eram estruturados programas motores


que especificavam todos os parâmetros do movimento desejados,
e, assim, o controle do movimento era processado de forma mais
automatizada.
Mesmo nesse estágio de aprendizagem e de performance,
o feedback era importante, visto que podia ser utilizado para in-
formar o executante sobre os possíveis erros existentes no movi-
mento.
Esse conceito de controle motor é diretamente compatível
com a estrutura hierárquica do sistema nervoso central humano.
Em suma, existem níveis ou centros superiores, caracteriza-
dos como regiões conscientes do cérebro, e níveis inferiores, de-
terminados como inconscientes (lembrando que abaixo do cére-
bro há a medula espinhal e os circuitos reflexos relacionados).
Outra característica dessa organização é que níveis diversos
do sistema nervoso podem adquirir a capacidade de agir de forma
automatizada, sem a necessidade de requisitar atenção.
Na execução de habilidades motoras, a maneira mais aper-
feiçoada de executar um movimento seria tê-lo quase que com-
pletamente automatizado, a fim de que pouquíssima atenção seja
requerida para sua execução.
Pesquisas que evidenciam a forma pela qual as habilidades
motoras são colocadas sob o controle inconsciente são escassas,
mas um estudo realizado por Pew (1966) pode nos auxiliar.
Pew (1966) solicitou que os participantes desse estudo ficas-
sem atentos a um ponto que se movia em uma tela e que estava
centrado em uma linha. Esse ponto estava, continuamente, em
movimento, e o sujeito podia controlar seus movimentos pressio-
nando uma entre duas teclas com seus dedos indicadores.
Se pressionasse uma tecla, o ponto era direcionado para a
esquerda; no entanto, se pressionasse a outra tecla, o ponto era

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126 © Aprendizagem e Controle Motor

direcionado para a direita. Para manter o ponto centrado sobre a


linha, o sujeito tinha de bater nas duas teclas alternadamente.
No início da prática, os sujeitos usavam retroalimentação vi-
sual para orientar suas performances, já que esperavam o resulta-
do do toque em uma das teclas para saber o que deveriam fazer
em sequência, de modo a manter o ponto sobre a linha.
Eles realizavam dois ou três toques por segundo nesse está-
gio de prática, e seus movimentos eram muito descoordenados,
resultando somente em um sucesso limitado.
Por tudo isso, fica evidente a importância das informações
visuais nas fases iniciais de realização motora.
A seguir, serão apresentadas as relações existentes entre
programa motor e controle motor.

Programas motores e controle hierárquico do movimento


No início do desenvolvimento do controle motor, a retroali-
mentação (visual e proprioceptiva) era usada como meio principal
para detecção e correção de erros. Todavia, pela prática, foram for-
mados programas motores que especificavam todos os parâme-
tros do movimento desejado, e, assim, o controle do movimento
era realizado via processo automatizado.
O programa executivo ou plano de ação, inicialmente, orga-
niza as várias operações que são necessárias para a execução dos
movimentos desejados.
No nível mais baixo de organização, essas operações envol-
vem sub-rotinas altamente aprendidas e adquiridas de experiên-
cias passadas, que representam comandos motores que controla-
rão movimentos muito simples, por meio dos circuitos reflexos da
medula espinhal (isto é, os fusos musculares e músculos).
Dependendo da amplitude da experiência passada de um in-
divíduo, essas sub-rotinas simples podem ou não ser incluídas nas
sub-rotinas maiores.
© U3 - Controle Motor 127

Esse processo de aprendizagem continua até que o progra-


ma executivo ou plano de ação para a habilidade como um todo
seja capaz de controlar a estrutura hierárquica e sequencial inteira.
Esse processo maior é, em essência, um programa motor re-
presentando um plano de ação aprendido. Toda vez que esse pla-
no de ação for selecionado pelo mecanismo de decisão, as várias
operações envolvidas nele serão desencadeadas automaticamen-
te e com pouca demanda de atenção.
Na base da aprendizagem das habilidades abertas e fecha-
das, está a habilidade de gerar uma sequência de comandos moto-
res (o esquema motor) de uma fonte generalizada de informações
sobre o movimento a ser realizado.
Uma habilidade aberta, como já dito, necessita de um es-
quema motor que permita um ajuste da performance às necessi-
dades mutáveis do ambiente de execução da tarefa.
Vejamos o caso de um jogador de handebol que esteja com a
posse de bola, próximo à meta adversária e frente a frente com um
adversário. O atacante deverá ser capaz de realizar um arremesso
a gol de modo a obter sucesso e, para tanto, deverá antecipar as
possíveis reações de seu oponente e modificar sua ação, repenti-
namente, conforme as ações do defensor.
Dessa forma, a aprendizagem do arremesso exigiria o desen-
volvimento de um esquema diversificado que fosse capaz de gerar
ações apropriadas às manifestações emitidas pelo defensor, pelo
goleiro e, também, por companheiros de equipe que, porventura,
se tornassem mais capazes de obter sucesso com um arremesso.
Em contrapartida, o desenvolvimento de um esquema mo-
tor para a execução de uma habilidade fechada exige uma repeti-
ção ostensiva da forma exata e correta da ação. Sendo assim, se
um indivíduo desejar aprender ou necessitar de uma série de gi-
nástica artística, a fórmula ideal consistirá de esforços repetitivos
para produzir a exata e esperada forma do movimento.

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128 © Aprendizagem e Controle Motor

Entretanto, o desenvolvimento de um esquema motor para


a realização adequada de uma habilidade fechada não é tão sim-
ples como se imagina, uma vez que esta pode ser tratada como
uma ação aberta por um indivíduo em processo inicial de aprendi-
zagem do movimento. Isso porque o seu grau de incerteza quanto
à realização do movimento tende a ser grande, não só com relação
ao que deve ser feito, mas também com o que deve ser evitado.
Em essência, um esquema motor, a fim de produzir movi-
mentos altamente estruturados, deve ser precedido por um gran-
de número de experiências de movimento, sendo suas sequências
organizadas e generalizadas em princípios e regras de movimento.
Dito de outra forma, a aprendizagem de uma habilidade
aberta ou fechada requer um suporte de conhecimento geral do
movimento que poderá ou não ser transferido para “novas” habi-
lidades.
Concomitante a isso, Schmidt (2001) afirma que, presumivel-
mente, exceto para os mais jovens, todos os indivíduos são capa-
zes de apresentar uma situação de aprendizagem motora anterior
que pode ser entendida como relevante para uma transferência de
aprendizagem, o que será de muito auxílio na aquisição de outra
habilidade.
Outro ponto importante reside na preocupação de como
uma habilidade fechada deverá ser ensinada, se pelo método par-
cial, ou pelo método global.
Fitts e Posner (1967) afirmam que o método global é supe-
rior na aquisição da maioria das habilidades, visto que essa forma
de ensinar promove maior integração e sincronização dos compo-
nentes das habilidades.
O único momento em que o método parcial deverá ser uti-
lizado é quando a habilidade for extremamente complexa para o
indivíduo. Contudo, quando esse for o caso, o professor deverá
“dividir” a habilidade em componentes (partes) que apresentem
© U3 - Controle Motor 129

o máximo possível de independência entre si. A prática, dessa for-


ma, deverá se constituir de ações realizadas de forma parcial e glo-
bal, como veremos a seguir:
• Habilidades abertas: programa motor que se ajusta às
necessidades mutáveis do ambiente de execução da ta-
refa.
• Habilidades fechadas: programa motor constituído por
ações repetitivas. Aprendizagem pelo método parcial (ha-
bilidades fechadas complexas) e pelo método global (ha-
bilidades fechadas simples).

Teoria dos Sistemas Dinâmicos


Este é bem diferente daquele defendido pelas Teorias dos
Reflexos e Hierárquica, pela programação motora e pela Teoria dos
Sistemas Dinâmicos.
Essa teoria, também denominada de Sistemas de Ação,
foi desenvolvida inicialmente pelo fisiologista russo L. Bernstein
(1967), que muito contribuiu para a compreensão de como os mo-
vimentos são controlados em nível neurológico, e pelo psicólogo
J. J. Gibson (1966; 1979), responsável pela análise da percepção
humana.
Apesar de ambos já terem falecido, muitas de suas ideias
foram incorporadas nas teorias contemporâneas sobre o controle
motor humano, desenvolvidas por Kelso, Kugler, Reed, Turvey e
outros.
A Teoria dos Sistemas Dinâmicos parte do pressuposto de
que existe uma relação de mútua compatibilidade entre ser hu-
mano e ambiente, de forma que a análise de um implica tomar o
outro como referencial.
Ela está baseada no entrelaçamento das teorias da física, da
biologia, da termodinâmica não linear e das teorias dos sistemas
complexos, que promovem o entendimento da ação motora hu-

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130 © Aprendizagem e Controle Motor

mana como fruto da interação de vários subsistemas (proprieda-


des auto-organizáveis, isto é, de sistemas dinâmicos, e não somen-
te de um único sistema).
Assim, o controle motor expresso na performance de dife-
rentes habilidades seria entendido como resultante da interliga-
ção indivíduo (organismo), ambiente e tarefa.
O controle motor também é observado como o resultado da
ação de restrições internas e externas, similares para uma mesma
espécie, diferentemente do que preconiza a Teoria de Processa-
mento de Informação.
De acordo com Magill (2000, p. 52):
[...] um elemento importante na abordagem de sistemas dinâmicos
é o conceito de auto-organização. Quando certas condições carac-
terizam uma situação, surge um padrão específico, estável de com-
portamento. Os adeptos desta abordagem dinâmica apresentam
uma série de exemplos de auto-organização que ocorrem no mun-
do físico, para ilustrar as aplicações deste conceito no campo do
movimento humano. Por exemplo, não há programa de furacões
na Terra, mas os furacões ocorrem com certa frequência. Entretan-
to, ele ocorrem somente sob certas condições favoráveis de vento
e temperatura. Quando estas variáveis atingem certas caracterís-
ticas, o furacão se auto-organiza em uma estrutura diferenciada e
identificável.
Quando aplicado à coordenação de membros humanos, esse con-
ceito de auto-organização significa que, quando certas condições
caracterizam uma situação, surge um padrão específico de movi-
mento de membros. Assim, a ação coordenada se auto-organiza
dentro do quadro das características das condições ambientais e
dinâmicas dos membros e não é estabelecida por nenhum progra-
ma motor. Este processo de auto-organização segue princípios bem
estabelecidos no mundo físico.

Segundo a Teoria dos Sistemas Dinâmicos, o movimento não


é controlado e ocorre em determinado formato, que é o resultado
da intenção inicial, das condições do ambiente em que é realiza-
do, das capacidades física, cognitiva, psicológica e motora de seu
executor e das características da tarefa em questão (habilidades
abertas, fechadas, seriadas, contínuas etc.).
© U3 - Controle Motor 131

De acordo com essa perspectiva, a diferença entre um indi-


víduo habilidoso e um não habilidoso está na capacidade de o pri-
meiro (do indivíduo habilidoso) encontrar uma forma de restringir
seus grupos musculares a um comportamento de uma unidade (a
estrutura coordenativa).
Tal condição apresenta como base a suposição de que a
aprendizagem de alguma habilidade é uma descoberta similar de
fatores relevantes que restringem a musculatura utilizada.
Na Teoria dos Sistemas Dinâmicos, a coordenação não é re-
sultante das prescrições, baseadas em alguma estrutura simbólica
de conhecimento de um programa motor, por exemplo, mas, sim,
das restrições impostas à ação motora a ser realizada.
Pode-se supor, em parte, que a aprendizagem de alguma ha-
bilidade é uma descoberta de fatores relevantes que restringem a
musculatura nela utilizada, uma vez que, para um movimento ser
entendido como coordenado, é necessário reconhecer e enfatizar
as restrições nas variáveis livres do sistema.
Comparativamente, são dois os aspectos que diferem a Teo-
ria dos Sistemas Dinâmicos da Teoria Hierárquica:
1) A Teoria dos Sistemas Dinâmicos restabelece o ambien-
te como importante fonte de informações necessárias a
uma adequada realização dos movimentos, já que foca-
liza sua atenção e discussão na relação existente entre o
executor dos movimentos e o ambiente em que este é
realizado.
2) Dessa forma, preconiza que nem sempre o planejamento
das ações a serem realizadas irá requerer processamen-
to cognitivo, tendo em vista que, em algumas situações
ou momentos, as informações provindas do ambiente
serão imediatamente utilizadas.
3) A Teoria dos Sistemas Dinâmicos difere das demais Teo-
rias de Controle Motor, pois explica de forma diferente
como a ação é produzida de fato.

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132 © Aprendizagem e Controle Motor

4) A Teoria Hierárquica preconiza como fonte primária de


controle motor, um centro cortical ou um controle ao ní-
vel do córtex.
Por outro lado, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos defende ser
o comportamento motor resultado da interação de vários subsis-
temas (neurológico, biológico, musculoesquelético), e nenhum
deles tem ação prioritária sobre os demais ou é capaz de controlar
ou prescrever como a ação se desdobrará.
É interessante destacar que o termo auto-organização é uti-
lizado pelos teóricos defensores desta teoria para definir esse fe-
nômeno.
Apesar de sua recente estruturação, e devido às limitações
teóricas das demais teorias existentes sobre controle motor, a Te-
oria dos Sistemas Dinâmicos já contribuiu enormemente para a
nossa compreensão de como os movimentos são controlados, o
que se deve, primordialmente, aos seguintes fatores:
1) enfatiza a relação entre o executante do movimento e
o ambiente em que o mesmo planeja, controla e realiza
sua ação;
2) preconiza que as ações são formadas e constituídas pe-
las intenções do executante, e as restrições, impostas
pelo ambiente;
3) possibilita uma ampliação na produção de vários pa-
drões altamente sofisticados de coordenação (como no
caso da locomoção humana), sem a necessidade de uma
orientação cortical, a partir do momento em que passa
a considerar os níveis espinhal e o músculo esquelético
como os maiores responsáveis na estruturação e no con-
trole do movimento;
4) determina que os centros neurais mais inferiores pos-
suem maior participação na estruturação dos movimen-
tos, promovendo uma possibilidade de ajustes posturais
automáticos durante a realização de vários movimentos
voluntários;
© U3 - Controle Motor 133

5) permite a possibilidade de modificações reflexas de al-


gumas ações.
Muitas das ideias defendidas pela Teoria dos Sistemas Dinâ-
micos estão sendo utilizadas atualmente por neurocientistas e psi-
cólogos, complementando algumas outras teorias mais recentes,
denominadas de Teorias de Processamento Paralelo ou Teoria da
Rede Neural.
Essas teorias também utilizam o processo de auto-organiza-
ção e a “divisão” das responsabilidades pelos vários subsistemas e
centros neurais autônomos na produção e controle dos movimen-
tos.
Além disso, diferentemente do preconizado na Teoria Hie-
rárquica, os centros neurais não estão restritos ao córtex, mas sim
distribuídos ao longo de todo o sistema neural: trato subcortical,
espinhal e níveis musculoesqueléticos.
Há, entretanto, alguns questionamentos que merecem apro-
fundamento com relação à Teoria dos Sistemas Dinâmicos. Segun-
do Godinho et al. (1999, p. 104-105):
[...] talvez a questão que mais afasta as várias perspectivas de en-
tendimento contemporâneo do comportamento motor e da sua
alteração ao longo do processo de aprendizagem seja a questão da
importância ou não das representações mentais.
É difícil explicar, segundo a perspectiva dos sistemas dinâmicos por
que razão o comportamento do indivíduo se altera imediatamente
uma vez aprendidas as regras da actividade que pratica, uma vez
que não ocorrem alterações na situação nem na capacidade de lei-
tura do envolvimento (visto que naturalmente nenhuma alteração
é possível de um momento para o outro...).
Como explicar o comportamento do jogador em campo realizan-
do movimentos pré-definidos num esquema táctico? Os mesmos
estímulos e a mesma situação podem implicar comportamentos
diversos de acordo com visões diferentes do jogo e, portanto, a im-
plementação de esquemas de jogo também diferenciados.
Se o sujeito é capaz de recolher a informação pertinente para a
situação como resultado da experiência e se é apenas a estimula-
ção contextual que condiciona o comportamento do sujeito como
explicar que o indivíduo seja capaz de realizar movimentos com o

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134 © Aprendizagem e Controle Motor

mesmo grau de eficiência com recurso a outras fontes de informa-


ção (fechando os olhos, por exemplo?).
Como explicar o movimento na dança ou na ginástica desportiva
em que é valorizada uma dimensão estética? Não é credível que
seja apenas o resultado de uma melhoria no processo de recolha
de informação que está aqui em causa.
Na realidade a maior parte das acções humanas são influencia-
das fundamentalmente pela cultura. O comportamento não pode
explicar-se pela relação directa entre a percepção e a acção como
eventualmente no caso dos movimentos “naturais” como a mar-
cha, o sentar [...].
Paillard (1986) analisa as fases de evolução da aprendizagem e,
de acordo com conhecimentos do funcionamento neuromuscular,
apresenta a hipótese da existência de dois níveis de processamen-
to informacional: um refere-se ao diálogo entre o organismo e o
envolvimento mediado pelo sistema sensório-motor e outro rela-
cionado com as actividades cognitivas que recorrem às represen-
tações armazenadas na memória para produzir movimentos. Se-
gundo Paillard, ambos os mecanismos podem ser concebidos em
paralelo e a aprendizagem pode ser entendida como um processo
de delegação de controle.
A capacidade de transferir competências é um facto comprovado.
Como explicar a possibilidade de demonstrar um nível de perfor-
mance relativamente elevado quando a situação concreta nunca
antes foi vivida? Só com recurso a representações (nomeadamente
programas motores genéricos ou esquemas) armazenadas na me-
mória se pode conceber o transfer resultante de experiências pas-
sadas relacionadas com a situação actual.
A questão mais pertinente prende-se, é claro, com o armazena-
mento do conhecimento na memória. A perspectiva dos sistemas
dinâmicos, que subestima a importância das representações men-
tais no processo de aprendizagem, falha rotundamente neste capí-
tulo, por ausência de alternativas credíveis para esta questão.

As ideias de Bernstein e seus desdobramentos


Bernstein foi um grande pesquisador russo e um dos maio-
res responsáveis pela organização da proposta dinâmica de enten-
dimento do controle motor humano.
Embora sua maior contribuição ao Ocidente tenha sido um
livro sobre coordenação e regulação dos movimentos, publicado
© U3 - Controle Motor 135

em 1967, na Inglaterra, o reconhecimento do “gérmen” de sua


opinião sobre o processo de controle motor só experimentou um
grande desenvolvimento, fora do limite russo, nas últimas três dé-
cadas, aproximadamente.
Muitas das ideias de Bernstein compõem a pedra fundamen-
tal da ciência contemporânea do movimento, conduzida por meio
dos trabalhos desenvolvidos por Michael Turvey, Scott Kelso e Pe-
ter Kugler, que deram uma perspectiva dinâmica na coordenação
e no controle motor (SMITH; THELEN, 1994).
Bernstein (1967), ao caracterizar o estudo dos movimentos
em termos de coordenação e controle de um sistema complexo de
ligações biocinéticas, reconheceu que o foco de análise não pode-
ria ser, simplesmente, a força proveniente do animal, mas deveria
incluir, necessariamente, a inércia e as forças reativas.
Segundo as concepções de Bernstein (1967), qualquer teoria
que ignorasse a totalidade das forças e considerasse somente a
contribuição dos músculos em suas descrições funcionais de movi-
mentos seria uma teoria de mímica, em vez de uma teoria de mo-
vimentos, pela simples razão de que qualquer atividade coorde-
nada necessita de um envolvimento de forças para sua expressão.
Por também entender ser o ambiente em que o movimento
é executado importantíssimo na performance final de determina-
da habilidade realizada por um indivíduo, Bernstein (1967) cen-
trou seus estudos em dois grandes focos: o problema dos graus de
liberdade e o problema da variabilidade condicionada ao contexto
ou, como é citada na maioria dos estudos, o problema da variabi-
lidade contextual. Vejamos cada um deles.
Segundo Turvey, Fitch e Tuller (1982), em uma versão do
processo de controle motor popular nos séculos 19 e 20, o órgão
executor responsável pelo controle dos movimentos é represen-
tado por uma versão em miniatura do ser humano que habita a
cabeça de cada indivíduo, sendo tradicionalmente referido como
homunculus.

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136 © Aprendizagem e Controle Motor

À disposição desse pequeno ser, está o banco de memória,


contendo programas de movimentos, comparados a partituras
musicais.
Para realizar um movimento, o homunculus retiraria a par-
titura da memória e a executaria no córtex cerebral, em sua faixa
motora, pois já estava estabelecido, desde o século 19, que dife-
rentes localizações no córtex cerebral estavam ligadas, de alguma
forma, a diversas ações e, consequentemente, a distintas partes
do corpo.
Sendo assim, não seria muito difícil imaginar as faixas moto-
ras corticais como “um piano”, em que cada “tecla” causaria uma
resposta específica em outro teclado, o medular, do qual surgiria
determinado movimento muscular. Essa ideia é muito parecida
com a de pressionar uma tecla de um piano, a qual, quando pres-
sionada, gera um som específico pela batida em uma corda dentro
do piano.
Nessa visão, os nervos que se direcionavam do cérebro para
a medula eram caracterizados como “tubulações”, por onde os
comandos eram enviados. Caso a tecla 1 fosse pressionada, uma
mensagem era transmitida para uma tecla específica no teclado
medular, causando um movimento particular, diferente daquele
gerado quando a tecla 2 fosse pressionada, por exemplo. Esse é
um exemplo de sistema de controle aberto.
Essa concepção de controle preconiza ser o movimento o re-
sultado de um grupo de programas insensíveis às mudanças das
condições internas e/ou externas.
Continuando a analogia do piano, o homunculus executaria
determinada partitura ignorando as mudanças que porventura
acontecessem, já que nenhum ajuste, nesse caso, é possível de ser
promovido.
Pode-se notar, também, que o homunculus, pela pressão das
teclas, emite um comando para cada unidade de controle do movi-
© U3 - Controle Motor 137

mento a que é endereçado individualmente. Esse tipo de controle


é denominado de endereço específico individualizado.
Mas o que é enviado quando a tecla é pressionada no tecla-
do cortical ou medular? Cada nota, partitura ou instrução no pro-
grama motor pode representar, por exemplo, a contração de um
dado grupamento muscular de determinada forma ou a movimen-
tação de uma articulação particular em uma angulação específica.
Tomemos como exemplo a articulação do ombro humano.
Esta pode mover-se sobre três eixos distintos: o braço que está
completamente estendido pode variar seu posicionamento da di-
reita para a esquerda, para cima e para baixo e pode realizar uma
rotação sobre seu comprimento. Em qualquer um desses momen-
tos, a posição da articulação do ombro é fornecida pelas seguintes
coordenadas: horizontal, vertical e longitudinal. Portanto, essa ar-
ticulação possui três graus de liberdade que precisam ser especifi-
cados para descrever sua posição.
Entende-se por graus de liberdade os números mínimos de
coordenadas, independentes e necessárias para identificar as po-
sições dos elementos dentro do sistema, sem violar qualquer limi-
tação geométrica.
Vejamos: considerando um sistema de dois elementos (A e
B), teremos necessidade de duas coordenadas para identificar a
posição de cada um deles em um espaço bidimensional (coorde-
nadas para os eixos X e Y). Então, para o elemento A, deveremos
ter um valor em X e em Y (XA e YA), assim como para o elemento
B (XB e YB), o que resulta em um sistema que apresenta quatro
graus de liberdade. Esse é o número mínimo de coordenadas in-
dependentes, necessárias para descrever a posição dos elementos
do sistema.
Mas agora vamos supor que esses dois elementos estejam
conectados por uma barra de ferro cujo comprimento não é alte-
rado. Chamemos isso de conexão na linha do comprimento L, o
que significa que o elemento A e o elemento B não são livres para

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138 © Aprendizagem e Controle Motor

variar independentemente. Portanto, qualquer posição que o ele-


mento A assuma, o elemento B deve adotar alguma posição que
será determinada pelo fato de que A e B estão conectados por essa
ligação de comprimento L.
Note que, quando uma linha conecta A e B, os elementos
não são mais livres para poderem escolher, simultaneamente, suas
coordenadas. Se as coordenadas para A (XA e YA) são escolhidas,
então, somente uma das coordenadas para B podem ser “escolhi-
das livremente”. Esse sistema apresenta, dessa forma, três graus
de liberdade.
Imagine agora uma situação em que devemos determinar o
número de graus de liberdade que existe para qualquer movimen-
to da articulação do ombro. Nessa situação, é preciso determinar
o valor desejado para as coordenadas horizontal, vertical e longi-
tudinal de cada momento no tempo.
A articulação do cúbito, entretanto, possui somente um grau
de liberdade: o antebraço pode ser flexionado em direção ao braço
ou ser estendido totalmente. O mesmo acontece com a articula-
ção radioulnar, que também possui apenas um grau de liberdade,
permitindo a rotação sobre seu comprimento. Já a articulação do
pulso pode mover-se tanto no eixo vertical quanto no horizontal
(dois graus de liberdade).
Portanto, para que o braço possa mover-se por meio do con-
trole de um endereço específico, em que as unidades endereçadas
são as articulações, sete valores precisam ser enviados ao mesmo
tempo: três para o ombro, um para o cúbito, um para a articulação
radioulnar e um para o pulso. Esse sistema de articulações apre-
senta, então, sete graus de liberdade.
Dessa forma, o trabalho de controlar, mesmo um movimen-
to simples, já parece ser bastante exigente. É necessário ressaltar
que o trabalho fica ainda mais complexo se as unidades endereça-
das forem menores que as articulações, como no caso dos grupos
musculares, os músculos ou as fibras musculares.
© U3 - Controle Motor 139

No caso do ombro, existem dez músculos agindo sobre a


articulação, o que faz que haja dez graus de liberdade, já que os
músculos só conseguem variar em uma única dimensão: o estado
de contração.
Com relação ao cúbito, temos seis músculos, o que nos dá
seis graus de liberdade. Temos também quatro músculos relacio-
nados com a articulação radioulnar e seis relacionados com o pul-
so. Isso forma um total de 26 graus de liberdade, os quais precisam
ser regulados. Ou seja, se o controle a ser exigido for relacionado
aos músculos individuais, o plano motor necessita especificar 26
valores em cada momento.
O problema fica ainda maior ao considerarmos o número de
unidades motoras presentes em cada músculo. Em uma estimati-
va extremamente conservadora, existem cerca de 100 unidades
motoras por músculo, e, em alguns, esse número pode subir para
600 unidades. Isso resultaria em 1.000 unidades (10 músculos x
100 unidades motoras) motoras no ombro: 600 no cúbito, 400 nos
músculos da articulação radioulnar e 600 no pulso. Dessa forma,
existiriam, então, 26.000 (26 músculos x 1.000 unidades motoras)
graus de liberdade para serem regulados ao mesmo tempo.
Sabendo dessas informações, se fizermos uma analogia ao
homunculus tentando dominar o corpo dessa maneira, imagine
como seria se uma pessoa tentasse controlar um carro construído
de acordo com o seguinte princípio: as unidades individuais se-
riam as rodas, isto é, para cada momento no tempo, o motorista
deveria especificar a posição de cada uma das quatro rodas, pres-
sionando os botões responsáveis pela posição de cada uma. Seria
enormemente complexo e perigoso regular tal automóvel, pois a
taxa de acidentes aumentaria muitíssimo.
Pensando em tudo isso, fica a simples lição: se uma tarefa é
muito complexa ou mesmo impossível para o ser humano, então,
é igualmente complexa para uma versão do ser humano em escala
reduzida, isto é, o homunculus.

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140 © Aprendizagem e Controle Motor

Essa situação nos dá uma boa razão para duvidarmos de que


o homunculus seja capaz de regular o corpo humano por meio de
um processo de endereço específico, pois ele é solicitado a reali-
zar um trabalho muito complexo, de selecionar as configurações
certas de um grande número de alternativas, sendo que muitas
dessas configurações possíveis são desnecessárias.
Voltemos a utilizar a analogia do corpo humano com o car-
ro: suponhamos que as rodas da frente do carro estejam em um
ângulo de 90o entre si. Você concorda que esse carro não pode se
mover?
Igualmente, paralisia e movimento caótico podem ocorrer
devido às muitas combinações possíveis de inervações muscula-
res. Dessa forma, fica claro que somente algumas posições das ro-
das são verdadeiramente úteis e que, muitas delas, são desastro-
sas e frustrantes, já que inviabilizam a realização de movimentos.
Mas como o sistema nervoso humano regularia todas essas
variáveis?
Já vimos que existem muitas variáveis livres. Elas podem ser
articulações, músculos ou unidades motoras. Mas o problema é
muito claro: independentemente do tamanho da unidade motora
controlada, como todas as unidades autônomas são controladas?
Somado a isso, o homunculus da metáfora do século 19 apre-
senta um problema adicional: na metáfora do piano, o controle é
de circuito aberto. O homunculus ignora o que está acontecendo
atualmente, como resultado do seu comando.
Infelizmente, para o homunculus, seu comando ocorre den-
tro de um contexto, sob a influência de um conjunto de fatos (con-
dições) que estão ocorrendo, e seus resultados finais são necessa-
riamente modificados por tais condições.
Em geral, as circunstâncias em que qualquer movimento
ocorre não são completamente fixas, e, em particular, cada mo-
vimento muda o contexto para o próximo movimento. Mas com
© U3 - Controle Motor 141

um plano fixo ou escala motora, não há maneira de modificar os


comandos a fim de levar em consideração as circunstâncias que
estão se modificando. Sendo assim, o homunculus não pode sim-
plesmente acionar os músculos sem conhecer o contexto, já que
as regras de ação muscular dependem dele para serem efetivadas
com sucesso.
Bernstein (1967) definiu duas principais fontes de variabili-
dade contextual, como veremos a seguir.
Variabilidade devido a fatores anatômicos
Suponha, por exemplo, que você sustente seu braço ao lado,
em uma posição abaixo do nível do ombro, e queira aduzi-lo (tra-
zê-lo em direção à linha média do seu corpo). Um bom músculo
a ser utilizado seria o peitoral maior, pois sua inserção distal é no
úmero e a proximal é na escápula.
Quando você o ativa, seu braço é aduzido. Se, entretanto,
você sustentar seu braço ligeiramente, eleva-o sobre o eixo hori-
zontal da articulação do ombro e novamente deseja aduzi-lo, ati-
vando o peitoral maior. Essa ação não dará certo, uma vez que esse
músculo irá, ao contrário, abduzir o braço, movendo-o para fora da
linha média do corpo. O músculo peitoral muda seu papel em fun-
ção do ângulo da puxada com relação ao eixo da articulação. Dessa
forma, a função muscular depende do contexto de realização do
movimento.
Consideremos outro exemplo: suponha que você queira
mover seu braço lentamente para baixo contra uma resistência.
O grande dorsal executará, em particular, uma função importante
nesse movimento.
Mas suponha que você o abaixe lentamente, com o mesmo
movimento cinemático, mas sem resistência; agora, o grande dor-
sal não estará envolvido. Quando não há resistência, o músculo
deltoide do braço se estende para controlar o movimento direcio-
nado para baixo.

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142 © Aprendizagem e Controle Motor

Embora os detalhes cinemáticos do movimento não mudem


nos dois casos, o músculo a ser utilizado depende de haver ou não
resistência ao movimento. Assim, este é considerado um proble-
ma de variabilidade contextual, relacionado à variabilidade das
fontes anatômicas.
A maioria das teorias de controle motor tem refletido sobre
uma concepção muito simples de músculos agonistas e antagonis-
tas agindo em articulações simples, já que é fácil sua identificação
nessa situação. Entretanto, ambos não podem ser identificados
nas articulações mais complexas, como na articulação do ombro
ou do quadril.
Nessas articulações, os músculos que fazem o papel de ago-
nistas podem se transformar em antagonistas, dependendo da
trajetória do movimento e do contexto no qual este ocorre. Esse
problema expressa as fontes anatômicas de variabilidade e explici-
ta o papel que o músculo desempenha no contexto.
Variabilidade mecânica
Imagine que o músculo seja excitado a um dado nível e de
determinada forma que desencadeie uma quantidade particular
de contração denominada X.
O que nós precisamos apreciar é que o estado de inervação
específico de um músculo não apresenta uma consequência fixa
de movimento.
O X mencionado, sob algumas condições, resultará em um
tipo de movimento, mas sob outras especificações, X resultará em
um movimento diferente.
A relação entre os graus de ativação muscular e o movimen-
to de articulação ou segmento que ocorre não é fixo, mas, sim,
ambíguo. Por exemplo, suponha que seu braço seja estendido no
cúbito e que sua inervação do músculo braquial seja ativada para
resultar no estado X. Como consequência de X, seu braço flexiona-
-se na articulação do cúbito.
© U3 - Controle Motor 143

Entretanto, observe o que acontece se o contexto é alterado


da seguinte forma: suponha que a posição inicial do seu braço seja
aquela que apresente uma flexão na articulação do cúbito, que
você deverá estender progressivamente.
Se você assumir a posição X para o músculo braquial, nessas
condições, não haverá, necessariamente, a flexão do cúbito. De
fato, dependendo de quão rápido o braço esteja se movendo, o
estado X poderá pará-lo apenas com a diminuição da velocidade
do movimento, ou causar outro movimento em direção oposta, ou
seja, um movimento de flexão.
Note que, dependendo da condição do segmento, o valor de
X desse músculo terá uma consequência diferente no movimento.
Desse modo, fontes mecânicas de variabilidade significam que a
relação do estado de um músculo e a consequência do movimento
podem ser variáveis, dependendo do contexto em que são man-
tidas.
Esse falso conceito sobre as fontes mecânicas de variabi-
lidade pode ser ilustrado mais a fundo. Uma parte do corpo, tal
como uma perna ou um braço, consiste em vários elos conectados
(corrente biocinética), de forma que qualquer mudança em um elo
afeta os outros elos.
Se você mover, ativamente, apenas a articulação do ombro,
o seu braço necessariamente sofrerá certas modificações, pois
elas estão ligadas. Essas mudanças geram energia cinética, e tal
geração, nas ligações distais, no antebraço e na mão, trabalha con-
tra a articulação do ombro.
Resumindo, as forças que operam em um segmento não são
simplesmente forças musculares; dentre elas, destacam-se forças
da gravidade, mudanças no momento de inércia do segmento e
alterações nas forças reativas que uma articulação exerce contra
a outra.

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144 © Aprendizagem e Controle Motor

O reconhecimento de que forças musculares influenciam


grandemente qualquer movimento é devastador para a história
em questão, na qual o comando enviado para o músculo ignora
essas forças não musculares, tal como na metáfora do homunculus
do século 19.
É claro que poderíamos arguir, dizendo que os comandos
devem ser estruturados de forma a sobrepor as forças não mus-
culares; entretanto, uma abordagem diferente seria a de construir
uma teoria que diz ser o movimento controlado e coordenado à
medida que as forças musculares e não musculares são permiti-
das, consideradas e se complementam.
Na maioria das teorias de controle motor, as propriedades
biomecânicas do corpo são, com frequência, ignoradas. Elas são
uma teoria alternativa de controle em que as forças não muscu-
lares são reconhecidas e tratadas não como um impedimento a
ser superado, mas como um complemento às forças musculares.
Dessa forma, em atividades que exigem habilidade, as forças mus-
culares e não musculares são vistas “encaixadas” como duas peças
de um quebra-cabeça.
Quando você está, pela primeira vez, aprendendo uma habi-
lidade, umas das coisas que mais o incomodam é que as partes do
seu corpo parecem ter desejo próprio. Você tenta controlar uma
ligação, mas, ao fazê-lo, muda algumas outras.
Essas alterações não desejadas surgem das forças geradas
pelos movimentos. Bernstein (1967) percebeu que, em qualquer
movimento das rotinas acrobáticas ao simples caminhar, o que
ocorre, realmente, é que a pessoa ou o animal tira vantagem des-
sas forças não musculares.
Uma pessoa altamente habilidosa está de fato explorando
as forças não musculares e não as compensando. O executante
encontra uma maneira ideal de relacionar as forças, aquelas que
são geradas pelo músculo e aquelas que são geradas, relativamen-
te, pelas partes do corpo e pelo ambiente. Um entendimento do
© U3 - Controle Motor 145

controle do movimento implicará em um entendimento de como


as forças musculares e não musculares se complementam.
Com relação à variabilidade fisiológica, é importante que re-
lembremos que uma relação fixa entre estado muscular e movi-
mento não pode ser aceita.
Não podemos imaginar que o comando central se comunica
com a medula, onde excita uma célula particular ou um grupo de
células que, por sua vez, transmite o comando para um músculo
ou grupo muscular, produzindo certo grau de contração muscular
por uma única linha de transmissão, sem sofrer modificações em
seu trajeto.
Segundo essa concepção, existe uma relação do córtex com
o músculo, parecida com um tubo e que é passiva, que transmi-
te instruções que são fielmente seguidas pelas unidades motoras.
Contudo, pela natureza do sistema neural humano, não é possível
que as informações oriundas do córtex e direcionadas aos mús-
culos sejam transmitidas fielmente, isto é, não sofram modifica-
ções durante seu trajeto, tendo em vista que a medula não serve
apenas como passagem para as informações oriundas do cérebro.
Que outras influências, além das corticais, são exercidas nos moto-
neurônios e nas ligações neurais entre cérebro e músculos?
Em nível medular, existe um número relativamente grande
de entidades neurais denominadas interneurônios, que interco-
nectam partes dos componentes medulares: interneurônios co-
nectados com outros interneurônios no interior da medula e entre
segmentos medulares.
Essas conexões horizontais e verticais entre interneurônios
dão à medula uma integridade e organização próprias, e qualquer
um dos motoneurônios pode sofrer ação de diferentes inputs (es-
tímulos), oriundos de um grande número de áreas medulares.
A área medular é aquela realmente responsável pelo que
ocorre nos motoneurônios. Em consequência, o sinal do moto-

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146 © Aprendizagem e Controle Motor

neurônio não depende, unicamente, das mensagens oriundas do


córtex, ou seja, o motoneurônio é sensível a ele, mas não é subser-
viente ao sinal vindo do cérebro.
É importante esclarecer que a medula e o cérebro se rela-
cionam como dois diagnosticadores, duas áreas altamente hábeis,
tentando desvendar um problema. Não é que um esteja coman-
dando o outro, uma vez que eles se relacionam coordenando suas
ações, com o objetivo de resolver um problema.
Quando iniciamos a aprendizagem de alguma habilidade,
podemos notar que, logo nas primeiras tentativas, alguns graus de
liberdade são eliminados quando mantemos uma parte do nosso
corpo ligeiramente rígida. Nesse momento, não apresentamos a
mesma flexibilidade que uma pessoa habilidosa.
Observe uma criança aprendendo a bater uma bola de tênis;
inicialmente, ela se mantém um pouco rígida encarando a bola.
Essa postura simplifica o problema, mas não permite um balanço
muito eficiente.
À medida que a criança avança na aprendizagem das habili-
dades, uma das coisas que ela faz é permitir o movimento do cor-
po na hora de bater na bola, o que é ocasionado pelo “descongela-
mento” de muitos graus de liberdade. Entretanto, outros graus de
liberdade ainda estão bloqueados.
Conforme aprende a trabalhar com as forças reativas, ela li-
bera o bloqueio, de modo a regular mais graus de liberdade, que
são muito importantes para a adequada realização do movimento.
Resumidamente, para aprender uma habilidade, é essencial
que encontremos uma maneira de controlar os graus de liberdade
e possamos explorar as forças que são apresentadas no ambiente.
Para Bernstein (1967), uma provável solução para os pro-
blemas dos graus de liberdade e da variabilidade condicionada ao
contexto está na ideia de “estruturas coordenativas”, que seriam
“unidades” definidas no aparelho motor que se ajustam entre si e
© U3 - Controle Motor 147

entre as forças externas. São constituídas de acordo com a espe-


cificidade da tarefa e servem para dirigir os segmentos, de forma
flexível e temporária, para obter determinados objetivos.
Por tudo isso, as ideias de Bernstein deram um novo impul-
so ao estudo do comportamento motor humano, promovendo um
amplo debate sobre coordenação e controle motor, de modo a evi-
denciar a distinção e a relação entre eles.
O problema da variabilidade contextual passou a ser a ques-
tão que mais contribuiu para a emergência da Teoria dos Sistemas
Dinâmicos, pelo fato de focar a reorganização de ações motoras
em contextos dinamicamente distintos.
Finalizando este tópico, torna-se essencial relembrar que
nenhuma teoria de controle motor é capaz de explicar ,de forma
adequada e cientificamente embasada, a totalidade das possibili-
dades motoras humanas.
Assim:
• controle motor: estímulos aferentes gerando respostas;
• melhora da performance: a aprendizagem motora traz a
melhora do controle motor;
• diferentes teorias sobre o controle motor: conduzem a
diferentes entendimentos sobre o processo de controle
motor.

6. MEMÓRIA
Imagine sua vida sem memória. Não haveria como saborear as
recordações de momentos alegres, nem sentimento de culpa ou
angústia por recordações dolorosas. Cada momento seria uma
nova experiência. Mas cada pessoa seria um estranho, cada língua
estrangeira, cada tarefa, como vestir, cozinhar, andar de bicicleta
um novo desafio. Sua memória é o arquivo da mente, o depósito
de sua aprendizagem acumulada. Para o estadista romano Cícero,
a memória era “o tesouro e guardião de todas as coisas” (MYERS,
1999, p. 190).

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148 © Aprendizagem e Controle Motor

Após a leitura desse pequeno texto, podemos entender a


memória como nossa capacidade de arquivar, organizar e recu-
perar informações que nos foram fornecidas pela visão, audição,
tato, gustação, paladar e, também, pelo feedback proprioceptivo.
Para melhor entendermos essa capacidade tão importante para a
nossa sobrevivência, precisamos estabelecer um modelo de me-
mória ou estudar uma formulação já estruturada.
Embora tenham sido efetivadas várias pesquisas com rela-
ção ao conhecimento dos códigos, pelos quais as informações ver-
bais e visuais sejam armazenadas na memória de longa duração,
há uma completa carência de informações quanto à construção da
memória motora de longa duração.
O pouco que se sabe sobre esse assunto versa sobre a resis-
tência da memória motora ao esquecimento, embora não se saiba
o porquê dessa realidade.
Especificamente com relação à produção de uma habilidade
motora, esta também é dependente de um sistema de memória.
O fato de que o executante seja capaz de organizar e iniciar
uma sequência de movimentos bem controlados e retê-los rela-
tivamente bem por longos períodos de tempo implica que, em
algum lugar do seu sistema nervoso central, existe um depósito
permanente de informações do movimento.
A maneira pela qual um executante desenvolve esse depó-
sito permanente de informações é denominada de aprendizagem
perceptomotora, ou mais comumente denominada de aprendiza-
gem de movimentos ou motora, sendo três os processos (ou me-
canismos) que a constituem: mecanismo perceptivo, de decisão e
de movimento.
Utilizando-nos do modelo de performance humana, o sis-
tema nervoso central do executante é comparado a um canal de
comunicação em que a informação ambiental captada deve ser
processada.
© U3 - Controle Motor 149

Dessa forma, o indivíduo é considerado um sistema de co-


municação que recebe a informação do ambiente (entrada ou
input), identifica-a, seleciona e programa a resposta desejada.
A partir daí, envia a informação aos músculos ou grupos
musculares de como o movimento deverá ocorrer. Se o canal ou
sistema nervoso central for eficiente e preciso no processamento
da informação de entrada, um movimento coordenado com as exi-
gências e necessidades será gerado.
A Teoria de Performance Humana, elaborada por Paul Fitts,
em 1967, procura determinar a habilidade de o ser humano sem
sentir, atuar, armazenar e transmitir informações. Em essência,
esse modelo estabelece que haja, no mínimo, três mecanismos
principais que fazem a mediação da informação entre o ambiente
e o movimento, como já comentado.
A função do mecanismo de percepção que recebe informa-
ções ambientais por meio dos órgãos dos sentidos é prover os me-
canismos centrais com uma descrição do ambiente pela identifica-
ção e classificação das informações que chegam.
Desse modo, uma descrição resumida do ambiente em um
código preestabelecido é enviada ao mecanismo de decisão, em
uma sequência de reações perceptivas. Esse mecanismo deve en-
tão decidir sobre um plano de ação relativo aos objetivos que se
deseja alcançar.
Uma vez que um plano específico de ação tenha sido esco-
lhido, a sequência de comandos é transmitida ao mecanismo efe-
tor, que, então, organiza a resposta e envia os comandos motores
apropriados ao sistema muscular.
Vale ressaltar que a retroalimentação realiza uma importan-
te função na execução do movimento, visto que a informação so-
bre este pode realimentar o mecanismo efetor, possibilitando, se
o tempo disponível para a realização da ação permitir, a estrutura-
ção de correções a serem promovidas no decorrer do movimento.

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Esse circuito de retroalimentação também pode prover o


executante, após a realização do movimento, de informações con-
cernentes ao sucesso da ação, situação essa extremamente vanta-
josa em tentativas posteriores.

Memória e modelo de performance humana


Segundo Schmidt e Wrisberg (2010, p. 76):
[...] um processo importante associado com a produção de movi-
mentos eficientes é a memória, frequentemente vista como a per-
sistência de conhecimento adquirido ou capacidade para a ação. Os
cientistas do movimento podem dizer que a prática da mesma ta-
refa resulta em armazenamento de alguma capacidade para a ação
na memória. A visão comum é de que pelo menos três sistemas
distintos de memória podem ser identificados, cada um dos quais
envolvidos de alguma maneira o processamento de informação
que resulta na produção do movimento: armazenamento sensorial
de curto prazo, memória de curto prazo e memória de longo prazo.

Sistemas de memória
Tem sido demonstrado que, em uma breve exposição visual
a vários itens, é disponível, por um curto período de tempo (não
mais que um segundo), muito mais informação que aquela passí-
vel de ser recordada por um indivíduo.
É como se houvesse uma impressão sensória muito curta de
informações pela apresentação visual, por exemplo, e, no momen-
to em que uma pessoa recorda alguma parte dela, a informação
restante desaparece desse sistema de armazenagem e, como re-
sultado, se torna inapta de ser recordada.
Em síntese, esse sistema de memória sensorial age como um
tampão entre a informação inicial e as atividades de processamen-
to de informação subsequentes.
Isso provavelmente proporciona flexibilidade ao sistema de
processamento de informação do ser humano, dando condições
para que uma quantidade muito grande de informação ambiental
seja processada e permaneça em um depósito temporário, e so-
© U3 - Controle Motor 151

mente aquelas relevantes (dependendo apenas das necessidades


e objetivos da atividade em questão) podem ser selecionadas.
Dessa forma, esse sistema de memória de curtíssima dura-
ção é, em grande parte, uma função dos sistemas sensoriais pe-
riféricos, que, inicialmente, transformam as informações ambien-
tais em algum tipo de código do sistema neural.
Há evidências de que esse tipo de armazenagem existe no
sistema visual e, também, no sistema acústico, o que não pode ser
dito com relação às informações cinestésicas ou proprioceptivas.
É importante pontuar que a informação armazenada no de-
pósito sensorial de curta duração ou é perdida muito rapidamente
ou é passada para um segundo depósito temporário, denominado
de depósito ou memória de curta duração.
Essa transferência de informação envolve uma operação de
recodificação que transforma a impressão sensorial das informa-
ções em um código que irá fornecer à informação uma forma de
representação ou significado que permite ser retido por um curto
período de tempo e, talvez, para que seja transmitida à memória
de longa duração para armazenamento permanente.
Embora haja controvérsias com relação à necessidade de se
distinguir memória de curta duração e memória de longa duração
(ou de longo prazo), elas podem ser concebidas como posiciona-
das em um continuum em que a informação ingressa na memória
de curta duração e, então, passa à memória de longa duração, de-
pendendo de uma série de circunstâncias.
Acredita-se que o tempo característico da memória de curta
duração envolva os primeiros 20 a 30 segundos após a apresenta-
ção inicial das informações. Após esse tempo, ou a informação é
transmitida à memória de longo prazo ou, então, é esquecida.
Um segundo aspecto importante desse sistema de memória
se refere à capacidade desta de conter, “guardar” informações.

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152 © Aprendizagem e Controle Motor

Ao contrário da armazenagem sensorial de curtíssima dura-


ção, que parece apresentar uma grande capacidade inicial, acre-
dita-se que a armazenagem na memória de curta duração tenha,
relativamente, uma pequena capacidade.
Dessa forma, ela não somente é obrigada a ter um peque-
no intervalo para armazenar informações, mas também para reter
poucas informações, o que significa que ela serve como “gargalo”
para a passagem destas para a memória de longa duração.
É necessário diferenciar a memória de curta duração, que
acabamos que mencionar, da memória operacional de curta dura-
ção. A memória operacional de curta duração relaciona-se com a
informação recuperada da memória de longa duração. O melhor
exemplo desse tipo de memória é o caso de um sujeito que, parti-
cipando de um debate, deve formular uma réplica.
Para argumentar logicamente, o sujeito deve ser capaz de
recordar certo número de ideias que deseja expor, ordená-las lo-
gicamente e, então, iniciar sua fala, prosseguindo ponto a ponto.
Essa é a armazenagem temporária operacional de curta duração.
Essa memória também é de suma importância na prática
esportiva, uma vez que parece estar engajada na formulação de
estratégias durante o desenvolvimento do jogo.
Um exemplo pode ser no voleibol, quando um jogador pla-
neja um ataque no fundo da quadra, o que depende não somente
de como seus oponentes estão jogando, mas também de sua ha-
bilidade de recuperar da memória de longo prazo as melhores cor-
tadas a serem utilizadas contra o time adversário. Ele então deve
reter essa estratégia por pequenos períodos de tempo, enquanto
o jogo se desenrola.
O fato é que, nesse sistema, também há perda de informa-
ções por conta do esquecimento. Essa perda de informação é de-
monstrada por indivíduos que falham em reter os procedimentos
ou a sua sequência correta quando requeridos em um debate ou
© U3 - Controle Motor 153

na execução apropriada dos componentes de uma habilidade mo-


tora, como a cortada no voleibol.
Não é raro o fato de ficarmos “mudos” no meio de uma apre-
sentação em congressos ou seminários simplesmente porque não
conseguimos lembrar um ou dois pontos que constituem nosso
discurso e que tinham sido perfeitamente recordados quando
“treinávamos” a apresentação um pouco antes da sua realização.
Por sua vez, entende-se por memória de longa duração um
sistema de retenção permanente das informações que foram pro-
cessadas com sucesso pelo armazenamento de informações de
curta duração, por meio de treinos ou algum outro meio.

E o melhor remédio para a memória é...–––––––––––––––––––


Mais livros, mais Internet, mais jornais, mais informação e parece que a memória
dá conta de cada vez menos. O que fazer para lembrar mais e esquecer menos?
Como ter mais sinapses no cérebro, aquelas conexões entre os neurônios, base
para a memória? Existe algum remédio para a memória?
Todas essas perguntas são perfeitamente naturais, e recebem respostas inusita-
das. Para começar: você não quer ter mais sinapses no cérebro, e sim boas si-
napses. A fase em que mais temos sinapses no cérebro é um período de grandes
possibilidades mais, poucas habilidades: os primeiros anos de vida. Desenvolver
as capacidades adultas requer um processo de lapidação desse cérebro que,
com exuberância sináptica, se compara a um bloco de mármore que contém
um número infinito de esculturas possíveis – mas ainda não é nenhuma delas.
Funcionar bem requer tanto reforçar as sinapses certas e úteis quanto, eliminar
as sinapses inadequadas, que só acrescentam ruído. Manter as sinapses certas
é uma combinação de aprendizagem e experiência constantes, e a eliminação do
excesso de sinapses presente nos primeiros anos de vida, faz parte do desenvol-
vimento normal do cérebro. Quando ela falha, o resultado da manutenção de um
número excessivo de sinapses é retardo mental. Se o bloco de mármore cerebral
não pode ser esculpido, não há como a bela escultura emergir.
De maneira semelhante, memória demais também é um problema. Eu me lem-
bro disso toda a vez que chego no fim da tarde ao estacionamento, onde cerca
de 100 carros trocam de vaga todos os dias e, fico feliz por minha memória não
ser perfeita. Graças à seletividade da memória, que armazena apenas algumas
informações e apaga outras, não procuro meu carro hoje na vaga de ontem. Não
sei de cor uma lista de números de telefone hoje inúteis dos quais um dia pre-
cisei, nem me atrapalho hoje com a lembrança dos trunfos dos jogos de cartas
de ontem ou da rodada anterior. No outro extremo, a memória autobiográfica
extraordinária da americana Jill Price, alardeada pela imprensa há poucos anos,
serve de advertência: incapaz de esquecer os detalhes dos acontecimentos
pessoais ruins, humilhações e até outros eventos negativos menores, Jill sofre
emocionalmente por seu excesso de memória. Esquecer é parte integral do bom

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154 © Aprendizagem e Controle Motor

funcionamento da memória, assim como nem chegar a registrar a maior parte do


que acontece ao nosso redor também é fundamental. Só não ficamos constante-
mente assoberbados com tanta informação sensorial – e nem é preciso Internet
para isso – graças ao filtro poderoso da atenção, que concentra todo o poder
operacional do cérebro em uma coisa só a cada momento.
Por outro lado, claro que é importante encontrar a informação de que você pre-
cisa, e de preferência quando você precisa, nos seus registros cerebrais. Há
rios de dinheiro investidos em procurar drogas que facilitem a memória, mas ao
mesmo tempo, até agora, todas as candidatas têm efeitos colaterais indesejá-
veis, e nada funciona muito melhor do que a dobradinha café & nicotina – que,
obviamente, tem seus problemas.
Mesmo com todos os avanços da neurociência, ou na verdade graças a eles,
a melhor maneira de poupar o estômago, o coração e os pulmões e ter uma
boa memória ainda é usar a memória. Diferentemente de um computador ou
qualquer disco rígido, nosso cérebro reescreve sua história e suas memórias a
cada vez que elas são acessadas: a memória é um processo ativo, dinâmico,
que reforça as lembranças conforme elas são evocadas. E, o que é mais impor-
tante, quanto mais usada, melhor ela fica. Duvido que seu computador faça isso
(HERCULANO-HOUZEL, 2009, p. 28-29).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Uma memória extraordinária ––––––––––––––––––––––––––––


Na década de 1920, um homem chamado Sherashevsky procurou o psicólogo
russo Aleksandr R. Luria. Isto iniciou um estudo de 30 anos sobre a memória in-
comum desse homem que Luria chamou simplesmente de S. A fascinante descri-
ção de Luria sobre este estudo está contida no livro “A mente de um mnemonis-
ta”. Luria inicialmente estudou S., aplicando-lhe testes convencionais, tais como
memorizar listas de palavras, números ou sílabas sem sentido. Ele lia a lista uma
vez que pedia a S. que a repetisse. Para surpresa de Luria, não havia teste que
ele tentasse e que S. não passasse. Mesmo após 70 palavras terem sido lidas
em sequência, S. podia repeti-las em ordem, na ordem inversa ou em qualquer
outra ordem. Durante os muitos anos em que trabalharam juntos, Luria nunca
encontrou limites para a memória de S. Em testes de retenção, S, demonstrava
lembrar-se de listas que havia visto previamente, mesmo passados 15 anos!
Como ele conseguia isso? S. descreve diversos fatores que podem ter contribu-
ído para sua memória incomum. Um deles era sua resposta sensorial incomum
a estímulos – ele retinha imagens vividas de coisas que havia visto. Quando lhe
foi mostrada uma tabela com 50 números, ele assegurou que era fácil ler, poste-
riormente, os números em uma coluna ou em diagonal, pois tinha simplesmente
que evocar uma imagem visual de toda a tabela. É interessante observar que,
quando S. ocasionalmente cometia erros na evocação de tabelas de números
escritos em um quadro-negro, eles pareciam ser erros de leitura em vez de erros
de memória. Por exemplo, se a escrita era descuidada, ele trocaria um 3 por um
8 ou um 4 por um 9. Era como se ele –quando estava recordando a informação
– estivesse “vendo” o quadro com todos os números novamente.
Um outro aspecto interessante na resposta sensorial de S. a estímulos era uma
forma poderosa de sinestesia, um fenômeno em que estímulos sensoriais evo-
cam sensações normalmente associadas com estímulos de outra natureza. Por
exemplo, quando S. ouvia um som, além de ouvir, ele via pontos coloridos de luz
e talvez sentisse um determinado sabor em sua boca.
© U3 - Controle Motor 155

Após descobrir que sua memória era incomum, S., deixou seu trabalho como
repórter e passou a atuar profissionalmente em palcos como mnemonista. Para
recordar enormes listas de números ou palavras fornecidas pelas pessoas da
audiência, tentando confundi-lo, ele completava suas respostas sensoriais dura-
douras a estímulos e sua sinestesia com “truques” de memória. Para lembrar-se
de uma longa lista de itens, ele utilizava o fato de que cada item evocava algum
tipo de imagem visual. À medida que a lista era lida ou escrita, S. imaginava-se
caminhando em sua cidade natal; a cada item que lhe era dado, ele colocava
sua imagem evocada ao longo do seu caminho – a imagem evocada pelo item 1
na caixa de correio, a imagem para o item 2 em um arbusto e assim por diante.
Para recordar os itens, ele caminhava pela mesma rota e recolhia os itens que
havia deixado. Embora possamos não ter as complexas sensações sinestésicas
de S., esta antiga técnica de fazer associações com objetos familiares é uma que
todos podemos utilizar.
Nem tudo referente à memória de S. era-lhe vantajoso. Enquanto as sensações
complexas evocadas por estímulos o ajudavam a lembrar-se de listas de nú-
meros e palavras, elas interferiam com sua habilidade de integrar e lembrar-se
de coisas mais complexas. Ele tinha problemas com reconhecimento de faces,
porque cada vez que a expressão de uma pessoa mudava, ele “veria” também
padrões de luz e sombra que mudavam, o que o confundia. Ele também não era
bom em acompanhar uma história que lhe era lida. Em vez de ignorar as palavras
exatas e enfocar nas idéias importantes, S. era inundado por uma explosão de
respostas sensoriais. Imagine quão assombroso seria ser bombardeado cons-
tantemente por imagens visuais evocadas a cada palavra, mais sons e imagens
evocadas pelo tom da voz de uma pessoa lendo uma história. Não é de admirar
que S. tivesse problemas!
S. também era incapaz de esquecer. Isso se tornou um grande problema quan-
do ele estava atuando como mnemonista profissional e era-lhe pedido que se
lembrasse de coisas escritas em um quadro-negro. Ele veria coisas que haviam
sido escritas ali em muitas ocasiões. Embora ele tivesse vários truques para se
esquecer de informações antigas, como apagar mentalmente o quadro, nada
funcionava. Apenas a força de sua atenção e dizendo a si próprio ativamente
para deixar a informação se esvair é que ele era capaz de esquecer. Era como
se, o esforço que a maioria de nós utiliza para lembrar, e a facilidade como nos
esquecemos, se dessem exatamente ao contrário para S.
Não sabemos as bases neurais para a extraordinária memória de S. Talvez ele
não tivesse o tipo de separação que a maioria de nós temos entre as sensa-
ções de diferentes sistemas sensoriais. Isso pode ter contribuído para uma co-
dificação multimodal, incomumente forte das memórias. Talvez suas sinapses
fossem mais maleáveis que o normal. Infelizmente, nunca saberemos (BEAR;
CONNORS; PARADISO, 2002, p. 742).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Embora o conceito de “atenção” apresente vários significa-
dos, três de seus aspectos têm implicações para o entendimento
da performance motora, são eles:
• o estado de alerta;

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156 © Aprendizagem e Controle Motor

• a ideia de uma capacidade central de processamento li-


mitada;
• a atenção seletiva ou a capacidade de selecionar informa-
ções relevantes em um conjunto de possibilidades.
Um aspecto significativo da capacidade humana é o de que
ela se mantém alerta a um dado estímulo ou a uma situação par-
ticular. Tal possibilidade é devida à nossa capacidade de continuar
atentos a uma dada tarefa, durante um longo tempo, ou à nossa
habilidade de desenvolver e manter um grau ótimo de interesse e
alerta, a fim de que o processamento de informações durante nos-
sa performance motora seja mantido nos níveis adequados para a
obtenção de nossos objetivos.
A vigilância, nesse sentido, pode ser expressa como um es-
tado de ativação de nosso sistema neural, de tal forma que o tor-
ne apto a receber e processar informações em um nível ótimo, e
qualquer desvio desse estado (ótimo) resulte em um sistema que
opere abaixo de seu limite.
Esse conceito de “vigilância” é bastante relacionado com a
teoria da ativação, em que uma relação de U-invertido entre ativa-
ção e performance tem sido postulada.
De acordo com essa teoria, o nível de ativação ou excitação
de um indivíduo pode variar de um nível muito baixo, durante o
sono profundo, até o extremo oposto, que normalmente está as-
sociado à estimulação ou à ansiedade extrema.
Vale dizer que, nesse texto, a excitação é entendida e con-
siderada um conceito neuropsicológico, referente ao estado de
ativação neural ou da formação reticular do tronco cerebral. Tam-
bém é considerada um conceito psicológico, constituído a partir
de constructos, como vigilância, atenção, tensão e excitamento
subjetivo.
A importância dessa teoria de ativação reside na relação en-
tre estimulação e nível de performance. É suposto que, para cada
© U3 - Controle Motor 157

tipo de comportamento, exista um nível de excitação entendido


como ótimo, para que a performance máxima seja viabilizada e
níveis abaixo ou acima desse ponto ideal sejam considerados pro-
motores de performances inferiores àquela preconizada (ou consi-
derada como máxima).
Nesse aspecto, é proveitoso conceber a performance máxi-
ma como vinculada ao adequado grau de excitabilidade da forma-
ção reticular do tronco cerebral, uma vez que é essa área que, ao
receber os estímulos, dirige sua atividade para o córtex.
É importante ressaltar que o termo “estimulação” é aqui uti-
lizado para nomear tanto uma informação ambiental excitadora
(como um grito, um apito) como uma atividade neural gerada por
receptores internos (como a propriocepção), ou uma atividade
nervosa oriunda de fontes corticais.
Assim, seja qual for a fonte da estimulação, a teoria da ati-
vação assegura que a formação reticular emitirá um bombardea-
mento difuso de atividade neural que proporcionará uma excita-
ção cortical generalizada, da qual o processamento de informação
é dependente.
A consideração relevante aqui, desde que o professor tenha,
de maneira razoável, um controle sobre os tipos de estimulação
sensorial recebidos por seus alunos ou atletas, é de tornar possível
a regulação desses estímulos, a fim de que um nível ideal de exci-
tação cortical seja mantido. Tem-se, então, como meta o controle
da vigilância, de modo a tornar o processamento de informação
adequado às possibilidades de máxima aprendizagem.
Uma vez que nos constituímos a partir de uma interação
entre os sistemas de excitação, de processamento de informação
e processamento muscular, um aumento na tensão muscular e/
ou na captação de estímulos originados das percepções visuais ou
cognitivas (de pensamentos) sobre um evento podem também
aumentar nossa excitação neural, benéfica para todos esses sis-
temas.

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158 © Aprendizagem e Controle Motor

Entretanto, quando determinado ponto é alcançado, nosso


sistema de processamento de informação falha, o sistema muscu-
lar torna-se demasiadamente tenso e, seja qual for a causa, nossa
performance é influenciada negativamente.

Determinantes de ativação neural


Um aspecto que influencia, consideravelmente, nosso nível
de ativação é a intensidade de um estímulo. Cores, luzes e sons po-
dem ter o potencial de variação de um baixo nível de intensidade
para outro bastante alto.
Se a teoria da ativação for válida, deverá haver uma relação
entre o grau de excitação e os níveis variáveis de intensidade des-
ses estímulos, levando em conta que os indivíduos não estão ha-
bituados a eles.
Isso implica que estímulos que não variam de intensidade
podem frequentemente ser ignorados pelas pessoas, tornando-se
incapazes de produzir excitação. Por exemplo, um professor com
voz monótona pode ser facilmente “dessintonizado” por um estu-
dante, enquanto aquele que varia seu tom de voz em uma escala
de intensidade relativamente grande tem maior probabilidade de
manter seus alunos em estado de alerta por mais tempo.
Outras variáveis são a complexidade da tarefa, a indefinição,
a significância e a variação dos estímulos. Essas são variáveis cog-
nitivas, que requerem processamento de informação pelo sistema
nervoso central antes que possam influenciar a excitação.
Esses estímulos cognitivos parecem ter potencial considerá-
vel de uso pelo professor de Educação Física, de modo a facilitar o
processo instrucional. Por exemplo: propondo e criando exercícios
ou outras situações de aprendizagem suficientemente complexas,
com o intuito de as tornarem um desafio, mas ainda possíveis de
serem realizadas, o professor estimula seus alunos a se manterem
em alerta e a tentarem alcançar os objetivos propostos.
© U3 - Controle Motor 159

Duas outras variáveis que parecem afetar a excitação neu-


ral, muito pertinentes ao cenário da Educação Física, são: a tensão
muscular induzida e o esforço físico, os quais estão relacionados.
Como exemplo de outras maneiras pelas quais a tensão
muscular tem sido induzida, podemos citar ações como a de sus-
pender pesos com o braço preferido, pressionar molas com os pés
enquanto as mãos realizam outras atividades, ou, simplesmente,
segurar pesos com a mão preferida.
É essencial ressaltar que o nível de tensão muscular e a qua-
lidade da performance não apresentam perfeita relação, tendo em
vista a metodologia utilizada para induzir tensão. Por exemplo,
quando induzimos tensão no braço direito e o esquerdo realiza
outra tarefa, há uma inevitável divisão da atenção, que, com gran-
de probabilidade, afetará a performance de ambos.
Por meio do esforço físico, a excitação é aumentada pela
ação de pedalar uma bicicleta ergométrica ou correr em níveis
crescentes de exigência física. Mediante análise dos dados cole-
tados em circunstâncias de cargas crescentes, foi possível verificar
uma relação de U-invertido entre a carga de trabalho ou intensida-
de de esforço e a performance em um teste de concentração.
De acordo com o descrito, há evidências suficientes para in-
dicar que a realização de atividade física, via contrações muscula-
res estáticas ou dinâmicas, influencia nossa capacidade de proces-
samento de informação.
Obviamente que essas descobertas não apresentam implica-
ções apenas para a instrução durante as aulas de Educação Física,
mas também podem ser utilizadas como um benefício em outras
situações que venham requerer a atenção sustentada.
Uma dimensão adicional da teoria da ativação que deve ser
considerada ao trabalharmos o princípio do U-invertido é o nível
inerente de ativação de diferentes indivíduos.

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Essa hipótese prediz que, se um indivíduo apresenta um


baixo nível de excitação, executando uma tarefa abaixo de suas
potencialidades, sua performance pode ser maximizada, aumen-
tando-se seu nível de ativação.
Essa facilitação da performance continua até que um nível
ideal de excitação seja atingido, e, após sua realização, qualquer
aumento gerará um decréscimo naquela.
Quando um professor, técnico ou terapeuta do movimento
trabalha com um indivíduo, ele deverá ser capaz de determinar,
precisamente, em qual nível no continuum de excitação seu estu-
dante, atleta ou paciente estão, de modo a aumentar ou diminuir
a estimulação para obter um nível preciso de excitação.
Contudo, ao tratar um grupo de indivíduos cujos níveis parti-
culares de excitação estarão representados em vários pontos des-
se continuum, o profissional envolvido com a estruturação e apli-
cação de aulas, bem como com o treinamento e/ou tratamento,
deverá buscar alternativas para solucionar esse problema.
Uma dessas alternativas relaciona duas dimensões da perso-
nalidade, níveis de excitação ótimos e a suscetibilidade que esses
indivíduos apresentam para o aumento ou diminuição da excita-
ção-ativação.
Uma das dimensões da personalidade postulam que um tra-
ço denominado de extroversão-introversão estaria relacionado à
capacidade de um indivíduo introvertido ser mais excitável que o
extrovertido e que, por isso, seria esperado que o primeiro se tor-
nasse capaz de executar melhor certo número de tarefas do que
o segundo.
Quanto a outra dimensão da personalidade, denominada de
neuroticidade-estabilidade, há indícios de que indivíduos neuró-
ticos ou instáveis se tornam mais facilmente excitados que os es-
táveis. Dessa forma, um indivíduo introvertido instável seria mais
facilmente excitável que um extrovertido estável, o que torna evi-
© U3 - Controle Motor 161

dente a condição de o estado de vigilância ser vinculado a diferen-


tes tipos de estimulação e a diferentes “tipos” de indivíduos.
A questão que surge agora versa sobre a capacidade do in-
divíduo de processar informação mediante alterações no nível de
excitação.
Para respondê-la, devemos retornar a um modelo de proces-
samento de informação que considera ser a informação alimenta-
dora (de entrada), processada pelo sistema nervoso central, ge-
rando como resultado algum tipo de informação de saída.
A esse respeito, o sistema nervoso central pode ser conside-
rado um canal de comunicação responsável por várias operações
de processamento de informação.
Dessa maneira, se o canal for eficiente em suas funções, ha-
verá uma correspondência direta entre a informação de entrada
e a de saída; contudo, se ele for ineficiente em suas funções, a
informação de saída ou resposta não estará relacionada com a de
entrada.
A tarefa agora consiste em descrever como, diferentes níveis de ati-
vação podem acelerar-facilitar ou retardar-dificultar a comunicação
por meio deste canal. É certo que em baixos níveis de excitação, o
canal fica inerte e a informação de entrada é perdida em algum
dos muitos estádios de processamento de informação, necessários
para a transformação do input em resposta. No outro extremo, é
evidente que, quando a ativação é alta em demasia, há produção
de “ruído” no canal, o que interfere no “trabalho” de codificação
da informação e origina confusão devido a um intenso bombardeio
de atividade neural, proveniente deste excesso. Por outro lado, um
nível ótimo de excitação é visto como sensibilizador das células cor-
ticais, de modo a proporcionar uma adequada ação sobre as infor-
mações de entrada (s. n. t.).

É necessário explicitar que um indivíduo, apesar de estar


preparado para receber informações, pode não ser capaz de pro-
cessá-las adequadamente (sejam elas instruções fornecidas pelo
professor ou estímulos oriundos de fontes intrínsecas), devido,
por exemplo, à carência de atenção seletiva, fator que será men-
cionado posteriormente.

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162 © Aprendizagem e Controle Motor

Um segundo aspecto que também merece destaque é o re-


lacionado à nossa capacidade limitada de processamento de infor-
mações, que pode ser exemplificada da seguinte forma: a execu-
ção de tarefas requer um processamento neural, e, se essas ações
exigem muito de nosso processamento, interferem uma na outra,
ou se influenciam negativamente; somos incapazes de realizá-las
em conjunto.
Por exemplo, em condições normais, somos capazes de, si-
multaneamente, andar, tomar sorvete e conversar com um ami-
go. Entretanto, basta a conversa exigir um pouco mais de atenção,
precisarmos andar em um piso escorregadio ou o sorvete começar
a derreter e melar nossa mão que imediatamente paramos de an-
dar, de conversar ou de tomá-lo.
Essas necessidades diferentes de demandas de atenção su-
gerem um importante princípio da performance humana: o do
equacionamento do processamento de informação para as de-
mandas de atenção.
Esse princípio sugere que, se o sistema neural está proces-
sando um sinal de conteúdo complexo, essa operação requererá
uma porção considerável da capacidade total de atenção e de pro-
cessamento do nosso sistema nervoso central, o que poderá inter-
ferir no resultado da operação.
Um exemplo desse princípio consiste na observação de um
indivíduo inexperiente executando uma tarefa que requererá dele
uma resposta motora relativamente complexa. Há possibilidades
de que essa resposta exija toda a sua atenção, o que o limitará (ou
o impedirá) de perceber que sua mãe o está chamando para jantar.
Outro exemplo é o de uma criança aprendendo a andar. Essa
habilidade motora básica consiste em uma ação extremamente
complexa para a criança, e, como resultado, enquanto ela está re-
alizando essa habilidade, nada à sua volta lhe chamará a atenção.
Entretanto, se ela é distraída por algo ou alguém, sua atenção será
“desligada” do andar e, com muita probabilidade, irá cair.
© U3 - Controle Motor 163

Esses exemplos ilustram o fato de termos uma capacidade


do sistema nervoso central limitada, no sentido de que o proces-
samento de informação requer uma demanda de atenção que, às
vezes, não pode e nem consegue atender a várias demandas dife-
rentes.
Do ponto de vista prático, quando um professor está apre-
sentando a um iniciante uma habilidade extremamente comple-
xa, em termos motores e cognitivos (por exemplo, uma jogada no
handebol que envolverá a recepção da bola durante os saltos ou
com somente uma das mãos), ele deve inicialmente reduzir a car-
ga de informações para um desses processos, a fim de que o outro
se realize com grande possibilidade de êxito.
Uma vez que um processo tenha sido completado com su-
cesso determinado número de vezes, o segundo componente pode
ter sua complexidade aumentada, e ambos podem ser realizados
simultaneamente. Por exemplo: tenistas iniciantes executando ba-
tida de bola acima da cabeça certa quantidade de vezes, em uma
situação simulada, na qual a bola seja levantada em determinada
posição, para que possam executar essa batida.
Sendo esse movimento completado com êxito várias vezes,
os jogadores podem então ser colocados em uma situação de jogo
na qual os processos de decisão e de percepção complexos devam
ser concernentes com a utilização da batida sobre a cabeça.
Inerente à aprendizagem expressa no parágrafo anterior,
está a ideia de que, quando um executante inicialmente aprende
uma tarefa, há, usualmente, uma grande parcela de indecisão na
interpretação dos sinais expostos que subsidiarão o curso da ação
e a execução do plano de ação selecionado.
Cada um desses processos exige muitíssimo da limitada ca-
pacidade de informação do executante. O professor, organizando
a prática de modo a dar condições para que o indivíduo pratique
a batida acima da cabeça em uma situação relativamente simples,
estará essencialmente tentando minimizar a incerteza ou deman-

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164 © Aprendizagem e Controle Motor

da de atenção na execução da batida. Isso é realizado de modo a


permitir que o executante se torne acostumado com a realização
da sequência de ações requeridas e os vários tipos de feedback
associados com a batida.
Por meio da prática, a incerteza e a carga de informação são
reduzidas, e, quando o executante enfrenta a situação de jogo, ele
não precisa estar muito atento para executar a habilidade, liberan-
do, dessa forma, seu limitado sistema atencional para trabalhar
com outras exigências perceptivas e de decisão do jogo.
A prática sistematizada reduz as incertezas manifestadas
pelo iniciante, reduzindo, ainda, a demanda de atenção para a
realização da habilidade em foco. Considerando o ponto de vista
da teoria do processamento de informação e o conceito de um
“sistema de capacidade de processamento de informação limita-
do”, pode-se verificar e entender por que determinada habilidade
pode ser simples para um indivíduo e complexa para outro.
Assim, o termo “complexidade” pode ser equivalente à aten-
ção, ou seja, se determinada habilidade impõe grande demanda
de atenção nos processos centrais durante sua realização, ela pode
ser considerada complexa para quem a realiza naquele momento.
Dessa forma, podemos afirmar que anos de prática siste-
matizada normalmente dão condições para que um indivíduo se
torne hábil na realização de alguma ação sem muito esforço cons-
ciente, liberando sua capacidade limitada de processamento de
informação para trabalhar outros aspectos do movimento, como
a parte tática, por exemplo.
Ressaltamos que o mecanismo perceptivo organiza e clas-
sifica as informações de entrada e envia uma série de respostas
perceptivas para o mecanismo de decisão ou de seleção da res-
posta, o qual determinará o curso de ação imediato e, também,
armazenará algumas dessas informações na memória para uso em
predições futuras.
© U3 - Controle Motor 165

Dessa forma, o mecanismo perceptivo é envolvido na orga-


nização da informação de entrada, sendo dependente de ações
passadas e da experiência.
É importante ressaltar que, ao estudar o mecanismo percep-
tivo ou qualquer outro mecanismo do processamento de infor-
mação, a quantidade de informação que ele pode processar por
unidade de tempo, ou seja, os limites desse mecanismo de proces-
samento, são os pontos mais significativos.
Discutiremos a seguir como a atenção seletiva se relacio-
na com as capacidades de processamento de informação e como
pode limitar a performance motora.
Imagine um jogador iniciante de handebol que está para ar-
remessar a bola na linha dos sete metros, e, quando o juiz apita,
ele percebe que seus pais estão atrás do gol adversário acenando
para ele. Essa visão distrai o jogador porque penetra no espaço de
atenção dele, e esse espaço de atenção pode dar somente uma
limitada quantidade de informação, um vez que tal visão invadiu
esse espaço e começou a interferir em outras informações que são
mais relevantes para a tarefa de arremessar a bola.
Tendo em vista que o espaço é limitado em capacidade, a
visão dos pais do jogador pode, até mesmo, substituir, tempora-
riamente, algumas das informações relevantes; incapaz de corrigir
a situação, ele arremessa de qualquer jeito, o que facilita a defesa
do goleiro.
Concomitantemente a essa característica da nossa capacida-
de de atenção, parece que ela também é seriada por natureza, ou
seja, normalmente, voltamos nossa atenção a uma situação para,
depois, atentarmo-nos a outra. Raramente, e com grande dificul-
dade, conseguimos focalizá-la em duas coisas diferentes, exceto
quando uma nos é extremamente simples.
O desafio consiste em administrar nossa atenção de forma
diferente nos três estádios de processamento (identificação do es-

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166 © Aprendizagem e Controle Motor

tímulo, seleção da resposta e programação da resposta) e tomar


decisões corretas sobre qual informação deverá ser captada e pro-
cessada.
Para Schmidt e Wrisberg (2001, p. 67-71):
[...] uma boa quantidade de evidência de pesquisa sugere que várias
correntes de informação podem ser processadas ao mesmo tempo
no estágio de identificação do estímulo, em que haja competição
por espaço disponível. Esse tipo de processamento é referido como
processamento em paralelo, porque vários tipos de informação são
processados simultaneamente, em paralelo. Por exemplo, a cor e a
forma de objetos em uma exposição visual podem ser processadas
ao mesmo tempo. Suporte para esta noção vem, principalmente,
de estudos de laboratório que utilizam um interessante teste cha-
mado de tarefa de Stroop. É apresentada para os participantes uma
série de estímulos visuais impressos com tinta colorida (p. ex. grená
ou preto) em um fundo branco. Os estímulos consistem em formas
geométricas irrelevantes ou palavras que representam os nomes
das cores [...]. É dito aos participantes que, assim que o estímulo
aparecer, eles devem identificar a cor da tinta mais rapidamente
possível e ignorar a forma do estímulo. [...] Estudos mostram que o
tempo de reação (TR) é mais longo quando os estímulos estão na
forma de nomes das cores [...] do que quando estão na forma de
símbolos ou objetos irregulares [...]. Esses resultados, chamados de
efeito Stroop, sugerem que dois estímulos – a cor da tinta com que
a palavra é escrita (p. ex., marrom, verde) e o nome da palavra (p.
ex., MARROM) – são processados juntos (i. e., em paralelo) durante
o estágio de identificação do estímulo. Pelo TR ser mais longo para
os nomes das cores do que para as formas irrelevantes, admite-se
que a competição por recursos de atenção ocorre mais tarde, du-
rante o estágio de seleção da resposta, quando as pessoas devem
decidir qual botão pressionar – aquele correspondente à cor da tin-
ta ou à palavra. A idéia é a de que, quando a palavra marrom seja
na cor preta, duas respostas associadas competem, e tempo extra
é exigido para resolver o conflito.
Achados semelhantes têm sido relatados em pesquisas mostran-
do que mensagens auditivas separadas enviadas aos dois ouvidos
podem ser processadas juntas, mesmo que uma mensagem seja
normalmente ignorada intencionalmente. A visão-padrão, então, é
a de que a informação sensorial pode ser processada em paralelo
durante o estágio de identificação do estímulo. Portanto, presume-
-se que a atenção exigida para a performance de duas tarefas de
movimentos separadas, mas simultâneas, aja em um dos estágios
de processamento de informação posteriores. Por exemplo, o go-
leiro de futebol pode identificar vários estímulos simultaneamente
© U3 - Controle Motor 167

(p. ex., vozes dos espectadores, pensamentos sobre a situação do


jogo e a visão de seus colegas de time, de jogadores adversários e
de uma bola que se aproxima), mas não experimenta competição
até que tenha que selecionar uma resposta (p. ex., pegar a bola,
espalmar a bola por sobre o gol, cabecear a bola em direção a um
companheiro de time) ou produzir movimentos simultâneos (p. ex.,
cabecear a bola em direção a um colega de time enquanto evita
uma colisão com um oponente que corre em sua direção).
Seleção da resposta: processamento controlado e automático.
A competição entre tarefas nunca é mais óbvia do que quando uma
pessoa tenta executar, simultaneamente, duas ações que requerem
operações mentais diferentes, como fazer embaixadas com uma
bola de futebol enquanto responde a perguntas formuladas pelo
técnico ou dirigir um automóvel enquanto fala ao telefone celular.
Alguns pesquisadores acreditam que atividades de processamen-
to como estas são feitas durante o estágio de seleção da resposta
por meio da competição entre várias escolhas. Esse tipo de pro-
cessamento é lento, requer atenção, é serial, ocorrendo antes ou
depois de outras tarefas de processamento, e é voluntário, sendo
facilmente suspenso ou totalmente evitado. Como resultado, é fre-
quentemente chamado de processamento controlado. O proces-
samento controlado exige um esforço relativo, pois envolve várias
atividades de processamento de informações. Isto é especialmente
verdadeiro para tarefas que são mal-aprendidas ou completamen-
te novas para os executantes. Ter de lidar com duas tarefas ao mes-
mo tempo, ambas exigindo processamento controlado, pode gerar
uma sobrecarga de informação e interromper a performance de
uma pessoa um uma ou outra tarefa (ou em ambas).
Em contraste com essa forma entediante de processamento con-
trolado, um outro tipo de processamento, muito diferente, é obser-
vado na performance de pessoas com alto nível de prática. Quan-
do solicitado a descrever seu processo de pensamento durante
competições de ginástica, Peter Vidmar, um medalhista de prata
dos Jogos Olímpicos de 1984, disse que prestava atenção somente
no primeiro movimento de sua rotina; o restante dos elementos
acontecia quase que automaticamente. Uma vez que os elementos
restantes exijam somente pequenos ajustamentos enquanto acon-
teciam, Vidmar era capaz de utilizar seus recursos de atenção para
concentrar-se em aspectos de alta ordem de sua rotina, tais como
estilo e forma. [...] Em contraste com o processamento controlado,
o processamento automático é rápido, não requer atenção, porque
existe muito pouca interferência ou competição por atenção entre
as tarefas, ocorre em paralelo, com muitas tarefas sendo executa-
das simultaneamente, e é involuntário, frequentemente inevitável.
[...]

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168 © Aprendizagem e Controle Motor

Custos e benefícios da automaticidade.


A automaticidade permite às pessoas processar informações em
paralelo, rapidamente e sem interferência ou competição de outras
informações. Mas o que aconteceria se os jogadores de voleibol [...]
produzissem padrões de movimento que, normalmente, acompa-
nhavam a cortada para a esquerda – e, então, executassem uma
jogada que fosse para a direita? Nessa ocasião, o processamento
automático do padrão feito pelo defensor levaria a uma decisão e
respostas rápidas (p. ex., um bloqueio), mas falharia em atingir a
meta desejada porque a cortada real foi batida para a direita.
[...]
Programação da resposta: a organização serial do movimento.
Um esgrimista move o florete em direção ao ombro de sua opo-
nente, mas rapidamente altera a direção do movimento e toca sua
cintura. A resposta da oponente é tardia por causa do primeiro
movimento da esgrimista (i. e. a finta em direção ao ombro), e ela
perde o ponto. Esse exemplo sugere que algum tipo de competição
pós atenção pode ocorrer nos estágios de seleção da resposta (ou
talvez nos de programa da resposta.

7. PERCEPÇÃO VISUAL
O sentido da visão tende a superar as demais fontes de infor-
mação sensorial de indivíduos ditos normais (ou ordinários), du-
rante não só a realização de uma habilidade motora, mas também
das nossas demais ações.
Segundo pesquisas realizadas há mais de 30 anos, há, basi-
camente, dois sistemas de visão que subsidiam o comportamento
humano, conforme afirmam Schmidt e Wrisberg (2010): visão fo-
cal, especializada em identificação de objetos, e visão ambiental,
focada no controle do movimento.
Vejamos cada uma delas.
A visão focal é resultante da experiência pessoal e é espe-
cializada na identificação consciente de objetos que estão localiza-
dos, primariamente, no nosso centro visual. Sua função principal
é responder à questão “o que é isso?”, contribuindo para que pos-
© U3 - Controle Motor 169

samos dirigir nossa atenção aos estímulos que contribuem para a


identificação da ação a ser realizada, sendo seriamente degradada
pelo efeito de uma iluminação precária.
Já a visão periférica ou ambiental se constitui pelas porções
central e periférica do campo visual e é especializada no controle
da ação. Sendo pouco afetada pela baixa luminosidade, oferece-
-nos, inconscientemente, informações sobre nossos movimentos
em relação a outros objetos e tem por objetivo resolver a questão
“onde está isso?”.

Orientação visual, postura e locomoção


É possível apresentarmos e mantermos uma postura equi-
librada e vertical que utiliza uma variedade de contribuições sen-
soriais. Estas incluem informações cutâneas aferentes e estímulos
proprioceptivos, oriundos dos pés e articulações dos tornozelos,
além da contribuição vestibular e, claro, da visão.
Entre adultos, a visão geralmente completa as informações
que proveem dos proprioceptores, de modo a manter uma postu-
ra vertical. Isso não acontece com as crianças, que tendem a con-
fiar mais na visão quando estão em processo de aprendizagem do
posicionamento bípede (ficar de pé).
Essa preferência pelas informações visuais se deve à inabili-
dade de a criança integrar as várias contribuições proprioceptivas
necessárias para o adequado controle do equilíbrio. O sistema vi-
sual da criança tende a ter um desenvolvimento avançado e, por
isso, é mais seguro e mais utilizado.
Eventualmente, experiências continuadas que requerem
uma postura controlada permitem que a criança aprenda a “tirar
proveito” da multiplicidade de estímulos sensoriais disponíveis e a
confiar menos nas sugestões visuais.
O importante papel da visão no controle do equilíbrio foi de-
monstrado no clássico experimento conduzido por Lee e Aronson
(1974), que, segundo Magill (2000, p. 62):

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170 © Aprendizagem e Controle Motor

[...] freqüentemente citado como o experimento da sala em mo-


vimento. Os participantes ficam numa sala cujas paredes movem-
-se para cima e para baixo, para frente e para trás. O piso era fixo,
imóvel. Os pesquisadores observaram os participantes registrarem
suas respostas posturais decorrentes do movimento das paredes.
Quando as paredes se moviam, crianças e adultos faziam ajustes
para corrigir sua postura, isto é, continuar mantendo sua postura
numa sala que se movia toda numa certa direção. Como o piso não
se movia, seus proprioceptores não mandavam sinal de que seus
corpos estavam perdendo a estabilidade. Somente o sistema visual
detectava uma perda de equilíbrio.
O experimento da sala em movimento demonstrou muito bem a
prioridade que atribuímos à visão em nossas atividades diárias.
Nesse experimento, quando os sistemas visual e proprioceptivo
forneciam informações conflitantes ao sistema nervoso central, as
pessoas confiavam na visão, ignorando a propriocepção. Como re-
sultado, elas começavam a fazer ajustes posturais desnecessários.

O papel da visão no controle da locomoção é, claramente,


dependente da situação de movimento. Quando se trata de um
movimento simples (andar em um ambiente conhecido e estável
e com uma superfície livre e lisa, por exemplo), o sistema espi-
nhal está sob o comando. Caso haja algum problema ou aconteça
algum imprevisto, passamos a utilizar nosso sistema visual para
monitorar, antecipadamente, as alterações ambientais.
Também utilizamos nosso sistema visual para obtermos in-
formações sobre a direção que estamos tomando, para que não
colidamos com objetos que estão em nosso caminho e, também,
para identificar o tipo de terreno à nossa frente.
O sentido da visão também nos proporciona informações
exteroceptivas importantes nessas situações de movimento, ser-
vindo como feedforwards (informações que antecedem o movi-
mento) importantes, de modo a preparar o sistema motor para o
movimento que será realizado.
Nossa capacidade para utilizar a visão desse modo é parti-
cularmente importante quando nos movemos em um terreno ir-
regular.
© U3 - Controle Motor 171

Nessa situação, podemos regular visualmente nosso pas-


so, variando o impulso vertical aplicado ao chão durante a fase
de apoio do ciclo do passo. Essa regulação temporal do ciclo da
passada acontece antes de o pé chegar ao chão, assegurando uma
fase de apoio adequada.
O papel do feedforward da visão também foi demonstrado
em situações em que nos são exigidas mudanças de direção com
base em dicas visuais, enquanto caminhamos por entre obstáculos
ou quando pisamos em algo que está em nosso caminho.
Ele também é evidente em atividades locomotoras que re-
querem uma mudança dinâmica da postura. O executante não só
tem de julgar a distância envolvida, mas também predizer quando
e como deve iniciar a alteração de sua posição no espaço. Essas
atividades incluem os componentes espacial e temporal.
No salto a distância, por exemplo, o executor deve tocar a
tábua em um ponto predeterminado, correndo em velocidade má-
xima. Assim que mantiver o contato com esta, o saltador deverá
projetar vigorosamente seu corpo para cima e para a frente, ado-
tando uma posição que deverá maximizar seu salto e a distância
alcançada.
Contrariamente à opinião de vários treinadores que advo-
gam ser uma corrida unificada (sem alteração do tamanho e ve-
locidade das passadas) de aproximação da tábua a melhor opção
técnica para o salto.
No entanto, a filmagem da performance de atletas de alto
nível em suas corridas e saltos sugere o uso de uma estratégia dife-
rente, baseada no uso da visão para a execução do toque na tábua,
especialmente durante os passos finais, mais largos que os demais.
Com relação a uma tarefa de direcionamento visual (pegar
uma caneta, digitar ou tocar piano), parece que a visão está envol-
vida em cada um dos instantes da tarefa (fase de preparação do
movimento, fase de voo inicial e fase de conclusão) de diferentes
formas.

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172 © Aprendizagem e Controle Motor

Na primeira, a visão auxilia na determinação de característi-


cas como a direção e a distância que, por exemplo, os dedos de-
vem ter ao tocar piano.
Na segunda, que é uma fase essencialmente balística e que
abrange o início do movimento real, a visão fornece informações
referentes à velocidade e ao deslocamento do membro em movi-
mento que poderão ser utilizadas, posteriormente, para efetuar os
ajustes necessários.
Já na terceira etapa, que é finalizada quando o alvo é atin-
gido, a visão fornece informações que poderão ser utilizadas para
que o movimento seja mantido ou reorganizado, garantindo que o
objetivo seja alcançado (MAGILL, 2000).
De forma correlata, a visão também apresenta uma impor-
tante função na preensão (ato de segurar) de objetos, já que per-
mite a captação de informações sobre a textura, a forma e a dis-
tância que separam o indivíduo do objeto a ser apreendido.
É importante acrescentar que a visão desempenha função
importante com relação à locomoção de pessoas com doenças de-
generativas, conforme afirma Magill (2000, p. 67):
[...] pessoas que sofrem do mal de Parkinson normalmente têm di-
ficuldades em controlar o passo ao caminhar. A estratégia a seguir
apresenta evidências empíricas e clínicas que garantem sua eficiên-
cia como coadjuvante no comportamento da caminhada de pacien-
tes com mal de Parkinson.
Os terapeutas colocam pequenas linhas no solo, espaçadas de
aproximadamente 0,5 m e perpendicularmente ao paciente, que é
instruído a colocar os calcanhares sobre cada linha. As evidências
experimentais (FORSSBERG; JOHNELS & STEG, 1984) mostram que
essa estratégia pode ser tão eficiente quanto os efeitos da medica-
ção L-Dopa sobre o passo da caminhada.
Além de indicar uma estratégia clínica eficiente, a utilização de li-
nhas espaçadas no solo com pistas visuais pode ajudar a caminha-
da também demonstra o efeito da visão na locomoção. O passo dos
pacientes portadores do mal de Parkinson torna-se praticamente
normal quando esse procedimento é utilizado; isso fornece evidên-
cias adicionais da ligação ação-percepção entre a visão e o controle
locomotor.
© U3 - Controle Motor 173

Por tudo isso, podemos perceber o importante papel da vi-


são no controle de movimentos voluntários.

8. TEORIAS RELACIONADAS AOS MECANISMOS DE


PRECISÃO DO MOVIMENTO
É fato que, na maioria das vezes, quando tentamos realizar
um movimento de forma rápida, o fazemos de modo menos efi-
ciente ou com menor precisão; como afirma um velho ditado, “a
pressa é inimiga da perfeição”.
Baseado nessa relação, o psicólogo Paul Fitts descreveu, em
1954, um princípio matemático (Lei de Fitts) que versa sobre a lei
de controle do movimento para tarefas de pontaria em diferentes
velocidades e em alvos com diferentes necessidades de precisão
de movimento.
Segundo Magill (2000, p. 75-77 ):
[...] o compromisso entre a velocidade e a precisão é uma carac-
terística tão comum no desempenho motor que pode ser descrito
por uma equação matemática. De acordo com o trabalho de Paul
Fitts (1954), a Lei de Fitts mostra que numa tarefa há dois compo-
nentes essenciais em que ocorre o compromisso entre a velocidade
e a precisão. Esses componentes são a distância a ser percorrida e
o tamanho do alvo. A Lei de Fitts especifica a relação entre esses
dois componentes para que o tempo de movimento possa ser cal-
culado.
A Lei de Fitts descreve essa relação da seguinte forma:
TM = a + b log2 (2D/L)
Onde
TM é o tempo de movimento
a e b são constantes
D é a distância percorrida
L é a largura ou tamanho do alvo
Isso é, o tempo de movimento será igual ao logaritmo na base dois
de duas vezes a distância percorrida dividida pela largura do alvo. À
medida em que o tamanho do alvo vai sendo reduzido ou, à medi-
da em que a distância se torna maior, a velocidade do movimento

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174 © Aprendizagem e Controle Motor

diminui para que o movimento seja preciso. Em outras palavras, há


um compromisso entre a velocidade e a precisão.
Fitts mostrou que, devido à relação intrínseca entre o tamanho do
alvo e a distância percorrida, a equação log2 (2D/L) fornece um índi-
ce de dificuldade (ID) para as habilidades de direcionamento. O ín-
dice especifica que, quanto mais alto for o ID, mais difícil será a ta-
refa, pois tarefas mais difíceis exigirão maior tempo de movimento.
[...] Fitts baseou seu cálculo original em uma tarefa de batimento
inverso em que os participantes faziam movimentos repetidos para
frente e para trás, o mais rapidamente possível, entre dois alvos,
durante um determinado período. Nessa tarefa foi solicitado que
os participantes dessem ênfase à precisão. Desde o trabalho inicial
de Fitts, outros pesquisadores determinaram que a relação intrín-
seca entre velocidade e precisão para a tarefa de batimento inverso
pode ser generalizada para uma larga faixa de situações de desem-
penhos de habilidades motoras. Por exemplo, quando as pessoas
desempenham habilidades de direcionamento manual simples –
como movimentar pinos de um lugar a outro para inseri-los em um
buraco, ao atirar dardos em um alvo, alcançar e segurar recipientes
de diferentes tamanhos, mover um cursor sobre uma tela até um
alvo – todas essas ações demonstram características de tempo de
movimento previstas pela Lei de Fitts.

É necessário ressaltar que habilidades de direcionamento


manual que envolvam uma relação entre velocidade e precisão se-
guem a Lei de Fitts, e atividades polirrítmicas (produção de ritmos
diferentes em cada uma das mãos, como no caso de pianistas ou
de bateristas) ou a tarefa de multifrequência parecem estar base-
adas na sincronização do ritmo do compasso mais lento com o da
batida mais rápida.
Tais conhecimentos tornam evidentes por que professores e
técnicos devem estimular a execução das habilidades inicialmente
de forma lenta, de modo a favorecer sua precisão e execução ma-
ximizada.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
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1) Quais as principais diferenças entre as teorias do controle motor apresen-


tadas?

2) Por que os professores de educação física precisam considerar essas teorias


no processo de estruturação de suas aulas?

3) Como a percepção visual interfere na estruturação das habilidades motoras?

4) Quais os critérios que devemos considerar para classificar uma habilidade


como adequadamente controlada?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, foram explicitados os processos que teorica-
mente viabilizam o entendimento do processo de controle motor
humano via apresentação de como ocorre a retenção e a recupe-
ração das habilidades motoras (memória motora), mediante foco
nas informações necessárias (atenção e percepção visual) e rela-
ções de precisão e velocidade de execução das ações.
O controle motor humano envolve vários processos intrín-
secos que, ao serem exteriorizados, nos possibilitam um melhor
entendimento do processo de aprendizagem e controle motor.
Mediante os conhecimentos aqui apresentados, referentes
à memorização, atenção, percepção visual e mecanismos de pre-
cisão de movimentos, você deverá ser capaz de potencializar sua
ação docente, de modo a proporcionar melhores condições de
aquisição e ampliação de performances motoras aos seus alunos.
Para tanto, devemos relacionar, de forma coerente e flexível, os
conhecimentos teóricos apresentados com a nossa atuação profis-
sional na Educação Básica.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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