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Ana Mafalda Tavares Martins da Silva

VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

Universidade Fernando Pessoa

Faculdade Ciências da Saúde

Porto, 2013
Ana Mafalda Tavares Martins da Silva

VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

Universidade Fernando Pessoa

Faculdade Ciências da Saúde

Porto, 2013
Ana Mafalda Tavares Martins da Silva

VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

________________________________

(Ana Mafalda Tavares Martins da Silva)

Trabalho Complementar apresentado à Universidade Fernando


Pessoa como parte dos requisitos para obtenção do grau de
licenciado em Ciências da Nutrição

Orientadora:

Patrícia Costa
VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

RESUMO

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) é uma doença provocada pelo


Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), caraterizada pela redução da ativação e
eficácia do sistema imunológico. A nutrição tem um papel fundamental na resposta
imunológica dos doentes portadores de VIH/SIDA, influenciando positivamente o
prognóstico da doença. Neste sentido o aconselhamento nutricional deve ser visto como
uma terapia complementar na qual devem estar presentes a avaliação, a intervenção e o
seguimento nutricional. As recomendações para portadores de VIH devem ser
específicas para esta patologia.

Palavras-chave: VIH, SIDA, intervenção nutricional.

ABSTRACT

The Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS) is a disease caused by the Human


Immunodeficiency Virus (HIV), characterized by reduced activation and effectiveness
of the immune system. Nutrition plays a key role in the immune response of these
patients, influencing positively the prognosis of the disease. In this sense nutritional
advice should be seen as a complementary therapy which must be present in the
assessment, intervention and nutritional follow-up. Recommendations for patients with
HIV should be specific for this disease.

Keywords: HIV, AIDS, nutritional intervention.

1. INTRODUÇÃO

O vírus da imunodeficiência humana (Human Immunodeficiency Vírus = HIV)


surgiu no início de 1980, atingindo inúmeras regiões do mundo, originando uma
pandemia (Coura et al. 2011; Frota et al. 2012; Mello et al. 2008; Sanches et al. 2011;
Wink et al. 2012). Em 2012, Portugal apresentava 1551 novos casos de VIH. O total de
casos em Portugal desde 1985 ascende os 42 580 infetados, dos quais 17 373 são
portadores de SIDA. Os resultados apresentados pelo Instituto Nacional de Saúde
(INSA) eram de 20 762 portadores de VIH assintomáticos (48,8%), 4 445 doentes

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sintomáticos (10,4%) e 17 373 casos de SIDA (40,8%). A análise das tendências revela
um decréscimo no número de casos de VIH e SIDA (INSA 2013). O vírus do VIH
apresenta complicações que afetam negativamente o organismo humano, destrói os
linfócitos T CD4+ (ou T-auxiliadores) - células responsáveis pela defesa do organismo e
coordenação do mesmo - e desta forma comprometem a resposta imune levando ao
aparecimento de infeções oportunistas. A contagem de linfócitos T CD4+ é o
procedimento utilizado como marcador do estado imunológico dos indivíduos afetados
pelo VIH.

A doença classificada em 3 estádios: inicial, intermédio e final, segundo o número


de linfócitos T CD4+ por milímetro cúbico (Coura, Guerra et al. 2011; Frota, Ramos et
al. 2012; Mello, Reis et al. 2008; Sanches, Santos et al. 2011; Wink, Pozzobon et al.
2012). No estádio inicial a contagem de linfócitos é igual ou superior a 500 cel/mm³, no
estádio intermédio da doença entre 201 a 499 cel/mm³ e no estádio final de ≤ 200
cel/mm³ (Margalho et al. 2011). O vírus do VIH é diferenciado em duas espécies, sendo
usadas as terminologias VIH-1 e VIH-2.Enquanto que o tipo 1 se encontra disperso em
várias regiões do mundo, o tipo 2 concentra-se na África Ocidental (Castro and Amada
2009). Em Portugal, os casos associados ao VIH-1 são de 40 131 pessoas (94,3%) e ao
VIH-2 são 1 436 pessoas (3,4%) (INSA 2013).

A síndrome da imunodeficiência adquirida (acquired immunodeficiency syndrome =


SIDA) é uma doença que se expressa no organismo após a infeção por VIH, isto é, o
vírus da SIDA precede o vírus do VIH e nunca o contrário. É despoletada pela
disfunção imune, humoral e celular provocada pelo VIH. A SIDA constitui um grave
problema de saúde pública, pois trata-se de uma doença crónica e progressiva, de
origem infeciosa, letal e transmissível através das secreções humanas e sangue
contaminados, levando a alterações do estado nutricional e do estado imunológico. O
estado nutricional debilitado dos portadores de SIDA espelha-se no seu estado
imunológico favorecendo o aparecimento de infeções oportunistas (Antunes 1989;
Coura, Guerra et al. 2011; Frota, Ramos et al. 2012; Marrone et al. 2010; Mello, Reis et
al. 2008; Oliveira et al. 2008; Sanches, Santos et al. 2011; Wink, Pozzobon et al. 2012).

2. METODOLOGIA

Foram revistos artigos nas bases de dados PubMed e B-on como busca manual e
publicados entre 2008 e 2013. Os termos de exposição procurados foram os seguintes:

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VIH, SIDA, HAART, lipodistrofia, nutrição e intervenção nutricional. Nas bases de


dados utilizadas, o resultado da pesquisa originou X artigos, dos quais foram
selecionados X. Após a leitura dos X artigos potencialmente relevantes foram
selecionados X, pela pertinência do tema proposto. Os fatores de exclusão foram os
estudos serem aplicados em amostras pouco representativas, estudos realizados em
animais e estudos com resultados inconclusivos. Dos artigos selecionados, foram usados
artigos secundários de listas de referências.

3. TERAPIA ANTIRRETROVIRAL

A terapia HAART (terapia antirretroviral de alta potência) é essencial para


prolongar o tempo de vida do portador de VIH e na prevenção de doenças oportunistas
dos doentes infetados com VIH (Marrone, Silva et al. 2010; Raiten 2011).

O principal foco desta intervenção terapêutica é anular a carga viral e manter ou


melhorar a resposta imunológica, aumentar a qualidade de vida e diminuir a mortalidade
associada à infeção. Durante o tratamento variam os horários de toma da medicação e se
estes são ingeridos em jejum, durante ou após alguma refeição. Caso aconteça alguma
falha na toma destes fármacos, a supressão viral diminui e aumenta o risco de
resistência vírica. Estudos têm demonstrado que existe uma associação positiva entre
uma menor adesão à HAART, a uma maior carga viral e a uma diminuição do número
de linfócitos TCD4+ em estádios mais avançados da doença (Margalho, Pereira et al.
2011; Raiten 2011).

Os maiores problemas do estado nutricional dos portadores de VIH sem o recurso à


terapia HAART eram a perda de peso e a desnutrição, desencadeadas pelo aparecimento
de infeções oportunistas. Atualmente, a redistribuição de gordura, o ganho de peso e a
obesidade são os novos problemas nutricionais (Marrone, Silva et al. 2010). Outra
consequência associada à HAART é a redução do metabolismo ósseo adequado
causando osteoporose nos doentes com VIH (Panayiotopoulos et al. 2013).

Além das implicações ao nível nutricional que ocorrem aquando da prática da


terapia medicamentosa, a interação entre fármacos também constitui um grande risco
para estes doentes pois inúmeras vezes são usados vários medicamentos para conseguir
a homeostasia do paciente (Garcia et al. 2000).

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3.1 RELAÇÃO ENTRE NUTRIÇÃO E TERAPIA ANTIRRETROVIRAL

A intervenção nutricional no VIH é personalizada, depende do fármaco


utilizado e do estado nutricional do doente sendo também valorizada a interação do
fármaco-nutriente. A terapia HAART causa alterações morfológicas e metabólicas tais
como dislipidemia, síndrome da lipodistrofia, resistência à insulina, entre outras (Braga
and Silva 2010; Marrone, Silva et al. 2010; Raiten 2011).

As doenças oportunistas e patologias infeciosas que ocorrem neste estado


imunológico deprimido provocam perda de peso nestes doentes, incluindo perda de
massa magra. A ingestão nutricional adequada ajuda o sistema imunitário a produzir
uma resposta efetiva na prevenção e recuperação do estado imunológico destes
pacientes apesar da perda de peso existente (Margalho, Pereira et al. 2011).

Por outro lado, estudos revelam que a introdução da terapia antirretroviral,


dependendo do fármaco usado, evita a perda de peso e o aparecimento da malnutrição,
levando ao aumento de peso e manutenção/aumento da massa magra (Garcia, Quintaes
et al. 2000).

Segundo dados de 2003 da Organização Mundial de Saúde (OMS) os


antirretrovirais são essenciais para prolongar a sobrevivência e reduzir a propagação do
VIH/SIDA. A OMS destaca também a importância de uma correta ingestão alimentar,
em macro e micronutrientes, antes e durante o tratamento para prevenir comorbilidades
associadas à doença e alcançar um bom estado nutricional (Raiten 2011). São fatores
relevantes os processos de alimentação (ingestão, digestão, absorção, metabolismo,
utilização do fármaco, sua ativação e excreção) na interação do fármaco com o
organismo para constatar a sua reação ao medicamento/terapia (Raiten 2011). A
ingestão de alimentos pode interferir na toma da medicação, influenciando a sua
absorção e eficácia. Por este motivo o profissional de saúde deve informar e aconselhar
o doente na prescrição da toma do medicamento, nomeadamente se a toma deve ser
feita com ou sem alimentos, e ser cuidadoso na constituição das refeições de modo a
que estas sejam variadas e equilibradas (BancoMundial 2008).

Em inúmeros casos ocorrem alterações metabólicas com a prática da terapia


antirretroviral sendo importante aconselhar estes doentes a minimizar as consequências
para melhorar os resultados do tratamento (Garcia, Quintaes et al. 2000). É

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recomendado apoio nutricional para assegurar segurança e eficácia no uso da HAART


em relação à alimentação e às patologias associadas a esta terapia. Por vezes, o início da
terapia pode ser acompanhado por um aumento do apetite, e consequente sensação de
melhoria destes pacientes, sendo importante nesta fase o acompanhamento nutricional
para satisfazer as necessidades em nutrientes essenciais com os alimentos disponíveis
(BancoMundial 2008). Os fármacos usados na terapia HAART têm indicações
específicas na sua toma, nomeadamente a toma em jejum ou com ou sem alimentos
específicos (BancoMundial 2008). Para minimizar estas interações entre fármacos e
nutrientes devem ser concebidos programas de prevenção, cuidados e tratamento
(Castro and Amada 2009; Raiten 2011). É relevante ter em atenção as interações
alimentares específicas de cada fármaco e ainda qualquer alteração que possa aparecer
devido à combinação de fármacos. Deve ser feita uma abordagem nutricional que
contemple a ingestão alimentar, consumo de suplementos ou prática de medicinas
alternativas (Castro and Amada 2009; Raiten 2011).

As terapias complementares e/ou alternativas são utilizadas em elevada percentagem


e as técnicas mais utilizadas são as massagens terapêuticas, acupuntura e ervas
terapêuticas. Os doentes optam por esta terapia para reduzir os sintomas associados à
doença. No entanto as terapias complementares e/ou alternativas apresentam alguns
riscos tais como nefrotoxicidade e interação entre o fármaco e a planta, (ADA 2010;
Arellano et al. 2009) afetando o uso, a eficácia e a segurança da terapia antirretroviral
(Raiten 2011). Esta terapia não se cinge apenas a um único produto mas também à
combinação de vários (ADA 2010; Arellano, Delgado et al. 2009).

3.2 ALTERAÇÕES METABÓLICAS E MORFOLÓGICAS

O uso da terapia antirretroviral de alta potência introduziu mudanças significativas


no prognóstico fatal dos portadores de VIH, no entanto efeitos adversos estão
fortemente associados a esta terapia, dentre esses a síndrome da lipodistrofia (SL)
(Dutra and Libonati 2008; Dutra et al. 2011; Galeseu et al. 2013; Loonam and Mullen
2012; Mello, Reis et al. 2008; Mendes et al. 2011; Sanches, Santos et al. 2011; Schwenk
et al. 2001; Wink, Pozzobon et al. 2012).

A síndrome da lipodistrofia é uma alteração morfológica e metabólica representada


por uma incorreta distribuição da gordura corporal, classificada em lipohipertrofia,
lipoatrofia (Loonam and Mullen 2012; Mello, Reis et al. 2008; Wink, Pozzobon et al.

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2012) ou pela combinação de ambas (Dutra, Salla et al. 2011; Galeseu, Bhangoo et al.
2013; Mendes, Andaki et al. 2011; Sanches, Santos et al. 2011).

A lipohipertrofia é caraterizada pelo aumento da gordura abdominal, concentração


de gordura na região dorso cervical (corcunda de búfalo) e aumento da massa gorda nos
seios nas mulheres. Já a lipoatrofia é representada pela perda de gordura subcutânea na
face, glúteos, membros inferiores e superiores, ficando proeminentes as veias dos braços
e pernas (Mello, Reis et al. 2008; Mendes, Andaki et al. 2011; Sanches, Santos et al.
2011; Schwenk, Breuer et al. 2001). Os indivíduos infetados com VIH podem
apresentar apenas uma destas manifestações ou ambas (Sanches, Santos et al. 2011).

Uma meta-análise de 2012 avaliou a possibilidade de associação entre a lipodistrofia


entre diferentes sexos e não encontrou nenhuma relação positiva, embora outros estudos
tenham associado uma maior ocorrência de lipodistrofia no sexo feminino (Sanches,
Santos et al. 2011). Quanto à classificação da síndrome lipodistrófica, estudos
demonstram que a síndrome mista (ocorrência de lipoatrofia e lipohipertrofia
combinadas) apresenta maior prevalência do que a lipoatrofia e lipohipertrofia isoladas
(Dutra, Salla et al. 2011). Outras alterações metabólicas podem ocorrer
simultaneamente ao aparecimento da lipodistrofia, tais como mudanças no perfil
lipídico e alterações glicémicas. A SL também está fortemente associada ao
aparecimento de doenças cardiovasculares (Dutra and Libonati 2008; Sanches, Santos et
al. 2011; Wink, Pozzobon et al. 2012).

A alteração do metabolismo dos lípidos característica desta patologia acarreta o


aumento do colesterol total, LDL, triglicerídeos e diminuição do HDL, podendo
ocasionar um perfil aterogênico de hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia nestes
doentes (Almeida et al. 2009; Mello, Reis et al. 2008; Mendes, Andaki et al. 2011;
Sanches, Santos et al. 2011; Wink, Pozzobon et al. 2012). Facto explicado pela inibição
da proteína lipolítica devido à ação de alguns fármacos que faz com que os valores
sanguíneos de colesterol e triglicerídeos aumentem (Mello, Reis et al. 2008). Diversos
estudos concluem que os portadores de VIH apresentam níveis de colesterol superiores
a 200mg/l, Dutra et al. (2011) afirmam que 96% dos homens e 62% das mulheres
apresentavam valores elevados de colesterol, acima de 200 mg/l (Dutra, Salla et al.
2011). Também no estudo de Guimarães et al. (2007) os resultados foram semelhantes
aos declarados noutros estudos para os indivíduos com VIH no uso de HAART, tendo

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observado níveis elevados de triglicerídeos e baixos níveis de HDL (Guimarães et al.


2007). Pupulin et al. (2008) relatam que por norma o HDL permanece sempre abaixo do
recomendado, independentemente do tempo de uso da terapia (Pupulin et al. 2008). Para
além da HAART, vários fatores podem contribuir para a elevação do colesterol, tais
como o tabagismo e o consumo de álcool (Wink, Pozzobon et al. 2012). A prática de
atividade física é aconselhada nesta patologia pois está associada a mudanças favoráveis
nos lípidos, nomeadamente no aumento do HDL, na redução dos triglicerídeos e do
colesterol total. É assim recomendada como tratamento não farmacológico para
indivíduos VIH positivos com dislipidemias que estão a receber HAART (Mendes,
Andaki et al. 2011). Outro problema associado à HAART é o aumento do risco de
aparecimento de diabetes mellitus II (Dutra and Libonati 2008; Galeseu, Bhangoo et al.
2013). A resistência insulínica pode estar associada à própria infeção e pela sua ação
direta nas células pancreáticas e nos mecanismos da secreção da insulina (Dutra and
Libonati 2008). Um dos fatores apontados para o desenvolvimento da resistência
insulínica e intolerância da glicose é a obesidade abdominal (Galeseu, Bhangoo et al.
2013).

Para além das alterações metabólicas e morfológicas descritas anteriormente, a


lipodistrofia, as dislipidémias e a resistência insulínica, outros fatores estão presentes
em doentes seropositivos, como a obesidade, inflamação vascular e hipertensão,
levando ao aumento do risco de desenvolverem doenças cardiovasculares prematuras e
aterosclerose (Kakinami et al. 2013; Mello, Reis et al. 2008; Sanches, Santos et al.
2011; Silva et al. 2010; Werner et al. 2010). No estudo de Kakinami et al. (2013) foi
concluído que o risco de acontecimento de doenças cardiovasculares é maior em
doentes infetados comparando com a população geral (Kakinami, Block et al. 2013).

4. DESNUTRIÇÃO

O VIH pode originar um progressivo aparecimento de desnutrição devido a uma


ingestão alimentar diminuída, ao aumento das necessidades energéticas, à alteração da
absorção e do metabolismo dos nutrientes e à interação da terapia com os nutrientes.
Esta patologia enfraquece o sistema imunitário, aumentando o risco de aparecimento de
infeções oportunistas e mortalidade nestes doentes (ADA 2010; Andrade et al. 2012;
Kroll et al. 2012; Maia et al. 2005; Oliveira et al. 2008; Pinto and Figueiredo 2009).

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São sinais e sintomas da desnutrição a perda de peso, perda de massa magra e


massa gorda, défice em micronutrientes (vitaminas e minerais) e competência
imunitária diminuída que conduz ao aparecimento de infeções oportunistas
características do VIH (ADA 2010; Pinto and Figueiredo 2009). Podemos encontrar
dois tipos de desnutrição nestes doentes: desnutrição proteico-energética e a síndrome
de Wasting (Oguntibeju et al. 2007).

A desnutrição proteico-energética é causada por uma ingestão alimentar


inadequada ou inferior às necessidades energéticas totais, produzindo um balanço
energético negativo e posterior perda de peso consequente da perda de apetite. Também
subsiste uma má absorção de nutrientes à qual se associam alterações da composição
corporal (Andrade, Jesus et al. 2012; Jaime et al. 2004; Maia, Engelson et al. 2005;
Pinto and Figueiredo 2009).

Quanto à síndrome de Wasting é representada pela perda involuntária de peso,


especialmente tecido muscular, igual ou superior a 10% do peso habitual (Maia,
Engelson et al. 2005). Esta perda está associada a episódios de diarreia, fraqueza crónica
e febre. Pode conduzir à redução da capacidade funcional, progressão da doença
acelerada e aumento da mortalidade. A síndrome de wasting está associada ao
aparecimento precoce da SIDA (Pinto and Figueiredo 2009). Alguns fatores que
contribuem para o aparecimento da síndrome de wasting derivam da ingestão
desajustada, da má absorção, das alterações metabólicas e do aumento do gasto
energético. (Colecraft 2008). Estudos evidenciam que a utilização da terapia
antirretroviral de alta potência reduz a síndrome de wasting, no entanto uma nova
síndrome aparece com o uso desta terapia, a síndrome lipodistrófica, acarretando
alterações na distribuição de gordura (Maia, Engelson et al. 2005). No que diz respeito
ao metabolismo energético em repouso, estudos evidenciam que este é um fator de
desequilíbrio energético pois a taxa metabólica de repouso em adultos portadores de
VIH é cerca de 10% mais elevada, principalmente em doentes com infeções
oportunistas. As alterações da taxa metabólica em repouso cooperam no
desenvolvimento da síndrome de wasting e na perda de peso (Pinto and Figueiredo
2009). Uma nutrição adequada às necessidades individuais proporciona uma melhor
absorção de vitaminas e minerais, diminui as complicações provocadas pela diarreia e
pela perda de peso. Outros sintomas podem ser minimizados (náuseas, vómitos,

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dificuldade de deglutição e digestão, entre outras) com uma equilibrada e correta


alimentação (Oliveira, Medeiros et al. 2008).

5. SOBREPESO E OBESIDADE

Diversos estudos afirmam que o sobrepeso e a obesidade são os principais


problemas de saúde nos portadores de VIH e que a sua prevalência está a aumentar,
especialmente em mulheres (Kroll, Sprinz et al. 2012). Um estudo realizado nos Estados
Unidos revelou que a obesidade se tornou mais comum do que a desnutrição em doentes
portadores de VIH em HAART. Diversos estudos demonstram que a prevalência de
sobrepeso e obesidade está mais presente após a introdução da HAART e que é mais
elevada em mulheres do que em homens, sendo a diferença percentual entre géneros
apresentada num estudo de 9,6% em mulheres e 3,5% em homens (Jaime, Florindo et
al. 2004). Da mesma forma o sexo feminino apresenta valores de cintura-quadril
elevados, os quais estão associados à obesidade abdominal. A relação cintura-quadril e
IMC elevados estão associados a um aumento do risco de comorbilidades, tais como as
doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo II e alguns tipos de cancro (Jaime,
Florindo et al. 2004). No estudo de Oliveira et al. (2008) no qual foi avaliada a
circunferência da cintura, verificou-se que as mulheres apresentavam valores quatro
vezes mais elevados do que os homens. Existe então uma forte relação entre a
circunferência da cintura aumentada e a pré-obesidade e obesidade (Oliveira, Medeiros
et al. 2008).

Atualmente o ganho de peso, a obesidade e a redistribuição de gordura são os


principais problemas nutricionais encontrados em pacientes portadores de VIH em
terapia antirretroviral de alta potência (HAART) (Jaime, Florindo et al. 2004; Kroll,
Sprinz et al. 2012).

6. INTERVENÇÃO NUTRICIONAL

Em doentes portadores de VIH o papel da nutrição é fundamental para otimizar o


estado nutricional do doente através da avaliação, diagnóstico, intervenção e
monitorização nutricional. O nutricionista deve fornecer ao doente uma terapia
individualizada e educação a nível nutricional (ADA 2010). A avaliação nutricional
ajuda a detetar deficiências nutricionais, classifica os doentes quanto ao seu estado

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

nutricional, sendo uma mais-valia na terapêutica clínica para corrigir os défices


diagnosticados (Dutra and Libonati 2008).

A avaliação do estado nutricional consiste nas seguintes etapas:

1. Anamnese alimentar e avaliação clínica (Dutra and Libonati 2008; Vining


2009);
2. Parâmetros antropométricos: IMC (Índice de Massa Corporal), CC
(Circunferência da Cintura), pregas cutâneas e BIA (Dutra and Libonati 2008);
3. Analises bioquímicas (Polo et al. 2007; Vining 2009);
4. Análises imunológicas (Dutra and Libonati 2008);
5. Análise da ingestão alimentar (Vining 2009).

É importante avaliar também as práticas alimentares religiosas e culturais do doente,


ter em consideração aspetos psicológicos relacionados com o estado nutricional
(distúrbios alimentares e imagem corporal) e avaliar através de provas funcionais a
perda de massa magra (Vining 2009). É recomendado um questionário de avaliação
subjetiva global adaptado ao VIH pois é de fácil aplicação e os resultados são
reprodutíveis com pouca variabilidade do examinador, tendo uma relação positiva com
a avaliação nutricional (Vining 2009). A intervenção nutricional deve ser introduzida
logo após o diagnóstico pois algumas alterações nutricionais podem ocorrer no início da
doença. O diagnóstico inclui uma identificação completa dos problemas do doente,
determinação de causas e registo das informações acerca do perfil nutricional do doente
(ADA 2010).

6.1 NECESSIDADES NUTRICIONAIS DOS PACIENTES PORTADORES DE


VIH:
São inúmeros os fatores que afetam as necessidades nutricionais dos doentes
com VIH, destacando-se os seguintes: a desnutrição proteico-energética, alterações
do metabolismo, má-absorção intestinal, progressão da doença, presença de infeções
oportunistas, estádio da doença, atividade física e características individuais, tais
como idade e sexo (BancoMundial 2008).
6.1.1 MACRONUTRIENTES
Energia:
As necessidades energéticas variam de acordo com a apresentação da
doença (diabetes, alterações metabólicas, obesidade, lipodistrofia,…) e com o

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

estado do doente em relação à infeção (se este é assintomático ou sintomático)


(Paula et al. 2010; Polo, Gomes-Candela et al. 2007). Para doentes
assintomáticos recomenda-se 30 – 35 kcal/kg de peso atual/dia e para doentes
sintomáticos, com SIDA e contagem de linfócitos TCD4+ ≤ 200, a necessidade é
de 40 kcal/kg de peso atual/dia (Coppini and Jesus 2011).
Proteína:
Para doentes na fase assintomática, a necessidade proteica deve ser de 1,2
g/kg de peso atual/dia. Para doentes na fase sintomática, a necessidade proteica é
aumentada para 1,5 g/kg de peso atual/dia (Coppini and Jesus 2011). Alguns
autores referem que dietas hiperproteicas podem promover a recuperação da
massa magra (Fenton and Silverman 2008).
Gordura:
Não existem evidências de que as necessidades são diferentes devido à
infeção (Polo, Gomes-Candela et al. 2007; Silva et al. 2010). Deve-se modificar
o tipo de gordura consumida, principalmente em indivíduos que apresentam
níveis de colesterol e triglicerídeos elevados. Deste modo devem ser preferidas
as gorduras insaturadas (polinsaturadas e monoinsaturadas) provenientes do
azeite, óleo de soja e nozes (OMS 2008). Em doentes que apresentam má
absorção recomenda-se uma dieta hipolipídica (Fenton and Silverman 2008).
6.1.2 MICRONUTRIENTES
Existem necessidades especiais de micronutrientes: vitaminas A, B, C, E, selénio
e zinco que não devem ser inferiores a 100% das DRI’s (Ingestão Diária de
Referência) (Coppini and Jesus 2011). No geral:
 Garantir a ingestão de micronutrientes de acordo com as DRI’s, estimulando
uma dieta saudável (Polo, Gomes-Candela et al. 2007);
 A ingestão de micronutrientes de acordo com as DRI’s pode não ser
suficiente para corrigir as deficiências nutricionais existentes em alguns
doentes (Polo, Gomes-Candela et al. 2007).

Em vários estudos é verificado que os doentes com VIH têm deficiências de


vitaminas e minerais, comprometendo o sistema imunológico. Assim é essencial a
monitorização dos défices de micronutrientes (Paula, Neres et al. 2010). Segundo dados
da OMS, inúmeras populações não alcançam a ingestão de micronutrientes de acordo
com a dose diária recomendada (OMS 2003). Desta forma, recomenda-se uma dose

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diária superior à recomendada para ultrapassar múltiplas deficiências de nutrientes


(BancoMundial 2008). Também nas populações infetadas é incentivada a prática de
uma alimentação saudável e variada. Sendo indicados suplementos de micronutrientes
como por exemplo de vitamina A, ferro, zinco, entre outros, para colmatar eventuais
défices de micronutrientes (Forrester and Sztam 2011). Porém determinados
suplementos tais como vitaminas A, E, C e B6 e os minerais zinco, selénio e cálcio
podem ser tóxicos em doses elevadas, conduzindo ao aumento da mortalidade. Trata-se
pois de um parâmetro que necessita de bastante atenção por parte dos profissionais de
saúde (Dutra and Libonati 2008).

6.1.3 LÍQUIDOS E ELETRÓLITOS

É essencial a manutenção de um equilíbrio hidroeletrolítico adequado, de forma


a restabelecer os líquidos perdidos devido a episódios de diarreias, vómitos e náuseas,
suores noturnos e febre, recomendando-se assim para a ingestão de líquidos de 30 – 35
ml/kg. Aconselha-se a monitorização e sempre que oportuno a reposição de eletrólitos,
tais como sódio, potássio e cloreto (Paula, Neres et al. 2010).

6.2 TERAPIA NUTRICIONAL

Nos doentes portadores de VIH a terapia nutricional tem os seguintes objetivos:

 Melhorar a qualidade de vida dos doentes (Coppini and Jesus 2011; Polo,
Gomes-Candela et al. 2007);
 Reduzir e / ou retardar complicações associadas à doença (Coppini and Jesus
2011; Paula, Neres et al. 2010; Polo, Gomes-Candela et al. 2007);
 Reduzir efeitos colaterais da terapia antirretroviral (Coppini and Jesus 2011),
controlando alterações metabólicas e morfológicas associadas (Paula, Neres et
al. 2010; Polo, Gomes-Candela et al. 2007);
 Prevenir o aparecimento de desnutrição (Polo, Gomes-Candela et al. 2007),
principalmente a perda de peso (Coppini and Jesus 2011);
 Manter o peso ideal do doente (Coppini and Jesus 2011; Paula, Neres et al.
2010; Polo, Gomes-Candela et al. 2007);
 Melhorar o estado imunológico decorrente da infeção (Polo, Gomes-Candela et
al. 2007), garantindo um adequado aporte de nutrientes (Paula, Neres et al.
2010);

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

 Minimizar consequências dos distúrbios gastrointestinais decorrentes de


infeções oportunistas e da HAART (Polo, Gomes-Candela et al. 2007);
 Atrasar o aparecimento do vírus da SIDA (OMS 2009).

É importante ter em conta que os objetivos da terapia nutricional devem ser sempre
ajustados a cada caso (Polo, Gomes-Candela et al. 2007).

6.2.1 RECOMENDAÇÕES ALIMENTARES


 Se possível ingerir leguminosas todos os dias (OMS 2009).
 Ingerir com regularidade produtos lácteos e animais (OMS 2009).
 Consumir diariamente frutas e vegetais, fontes de vitaminas e minerais, sendo
aconselhado a variedade neste grupo (OMS 2009).
 Em doentes com falta de apetite, um maior aporte de gordura nos alimentos traz
maior palatibilidade à refeição, o que pode ser uma forma de estimular o apetite
(OMS 2009).
 Beber grandes quantidades de água diariamente principalmente em períodos de
diarreia, vómitos ou febre. O consumo de chá e café deve ser evitado pois
diminuem a assimilação de ferro. Também o consumo de álcool deve ser
limitado pelas suas propriedades diuréticas, além de poderem interagir com a
medicação (OMS 2009).
 No caso de o doente apresentar colesterol elevado: os alimentos devem ser
preparados de forma cozida, assada ou grelhada evitando frituras; (Paula, Neres
et al. 2010); consumir preferencialmente leite e derivados sob a forma magra;
preferir o azeite como gordura de confeção e tempero e se o doente apresentar
hipertrigliceridémia deve aumentar o consumo de ácidos gordos ómega 3 (Polo
et al. 2009);
 Caso o doente apresente hiperglicemia: diminuição da ingestão calórica total; a
ingestão de sacarose deve ser inferior a 10% da energia total; o consumo de fibra
deve ser de 30 – 35g/dia (preferencialmente fibra solúvel); os alimentos que
contenham hidratos de carbono ou ricos em fibra (pão, cereais, batata, arroz,
legumes, leite, frutas e iogurte) devem ser distribuídos pelas várias refeições do
dia (Polo, Galindo et al. 2009);
 Em doentes com alterações ósseas deve ser recomendado a ingestão de
alimentos ricos em cálcio, evitar o consumo de quantidades excessivas de
proteínas, cafeína, fósforo e sódio pois podem potenciar perdas de cálcio. Não só

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

o cálcio mas também um adequado aporte de vitamina D ajuda a assegurar uma


ótima densidade óssea. Doses diárias recomendadas de vitamina D podem ser
atingidas pela exposição solar, bem como através de fontes alimentares (Polo,
Galindo et al. 2009).
6.3 NUTRIÇÃO ARTIFICIAL

A nutrição artificial melhora a qualidade de vida dos doentes e reduz as taxas de


mortalidade e morbilidade. Consoante as necessidades nutricionais e o estado
clínico do doente, pode recorrer-se à suplementação oral, nutrição entérica e
nutrição parentérica. A nutrição artificial deve ser o último escalão da abordagem
nutricional, e quando o seu uso é necessário, esta terapia deve ser prescrita
precocemente (Polo, Galindo et al. 2009). Esta é indicada a todos os doentes
desnutridos ou em risco de desnutrição que não podem ou não conseguem
alimentar-se corretamente ou quando a alimentação é insuficiente (Polo, Gomes-
Candela et al. 2007). Doentes com as seguintes características são selecionados
para suplementação oral e nutrição entérica (Polo, Gomes-Candela et al. 2007):

 Doentes que se encontrem levemente desnutridos ou em risco de desnutrição e


disfagia (Polo, Galindo et al. 2009; Polo, Gomes-Candela et al. 2007);
 Doentes com capacidade funcional digestiva suficiente mas com ingestão oral
escassa (< 1000kcal e 30g de proteína) (Polo, Galindo et al. 2009; Polo, Gomes-
Candela et al. 2007);
 Doentes com infeções oportunistas e tumores (Polo, Galindo et al. 2009; Polo,
Gomes-Candela et al. 2007)
 Doentes com fraca adesão ao tratamento antirretroviral (Polo, Galindo et al.
2009);
 Doentes que apresentem má absorção e má digestão (Polo, Gomes-Candela et al.
2007).
6.3.1 SUPLEMENTAÇÃO ORAL

A suplementação oral é recomendada quando a ingestão alimentar per os não é


suficiente para suprir as necessidades nutricionais e com a condicionante de um trato
gastrointestinal funcional. Existem fórmulas eficazes de multi-nutrientes que são
capazes de aumentar a oferta de macro e micronutrientes e melhorar a resposta à terapia
(Polo, Gomes-Candela et al. 2007). Alguns estudos mostram vantagens no uso de

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

suplementos de micronutrientes. Existem diversos tipos de suplementos de


vitaminas/minerais como as vitaminas A, B, C, E, ferro, zinco, selénio e ácido fólico.
Estes retardam a doença de VIH para a SIDA, melhoram a função imunológica e a
contagem de linfócitos TCD4+ (Fawzi et al. 2013). Por outro lado, a suplementação de
micronutrientes em doses elevadas e a longo prazo pode trazer efeitos adversos pois
aumentam o risco de morte por cancro e doenças cardiovasculares, logo estes
suplementos apresentam vantagens apenas a curto prazo (Forrester and Sztam 2011).

Foram demonstrados benefícios da suplementação com probióticos no aumento


do número de linfócitos TCD4+, na prevenção da diarreia e melhoria da imunidade da
mucosa intestinal (Coppini and Jesus 2011; Falco et al. 2012; Hemsworth et al. 2012).
Também o uso de vitamina B1 e B2 em doses superiores a 5 vezes ou mais do que a
ingestão diária recomendada foi associado a uma redução de 40% na mortalidade. Já a
baixos níveis de vitamina A estão associados uma progressão mais rápida da doença.
Relativamente à suplementação com vitamina C e E parece reduzir a carga viral (Fawzi,
Msamanga et al. 2013). Estudos dedicados aos níveis de selénio e zinco concluíram que
baixos níveis de selénio foram aliados ao aumento do aparecimento de doenças
associadas ao VIH. Assim como altos níveis de zinco foram associados à progressão da
doença e aumento da mortalidade (Fawzi, Msamanga et al. 2013). Quanto à vitamina D
em níveis dentro dos recomendados parece ter um papel importante no atraso da
progressão da doença e na prevenção da mortalidade (Ockenga et al. 2006). A
suplementação com ómega 3 foi comprovada em vários estudos que reduz as
complicações metabólicas associadas à doença, na redução dos triglicerídeos e aumento
do colesterol HDL, reduzindo assim o risco de lipodistrofia e dislipidémias (ADA 2010;
Coppini and Jesus 2011). Grobler et al. (2013) demonstrou que a suplementação com
fórmulas de macronutrientes dadas para fornecer energia e/ou proteínas e enriquecidos
com micronutrientes, juntamente com aconselhamento nutricional melhorou o consumo
de energia e proteína em adultos com perda de peso e portadores de VIH (Grobler et al.
2013). Em suma, o uso da suplementação oral em doentes portadores de VIH reduz a
perda de peso, melhora a sintomatologia e a qualidade de vida dos doentes (Grobler,
Siegfried et al. 2013).

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

6.3.2 NUTRIÇÃO ENTÉRICA

A nutrição entérica é indicada para doentes que apresentem anorexia grave,


desnutrição grave, disfagia, tumores e efeitos colaterais da quimioterapia e radioterapia
(Polo, Gomes-Candela et al. 2007). A via de acesso e a duração da nutrição entérica
dependem da situação clínica do doente. Em doentes que não apresentam disfagia a via
oral é a mais indicada. Também a via nasogástrica é aconselhada a doentes com
disfagia, em caso de desnutrição que necessitam de quantidades extra e não possam
ingerir pela via oral. A escolha da fórmula entérica deve ter em consideração o grau de
catabolismo do doente, desordens metabólicas e a função digestiva (Coppini and Jesus
2011; Polo, Gomes-Candela et al. 2007). É importante salientar que a nutrição entérica
pode ser combinada com a alimentação normal e é apropriada em muitos dos casos para
otimizar o estado nutricional (Ockenga, Grimble et al. 2006).

6.3.3 NUTRIÇÃO PARENTÉRICA

A nutrição parentérica é recomendada em doentes que não preenchem os requisitos


da nutrição entérica. Em doentes portadores de VIH, com infeções oportunistas que
desencadeiam diarreia grave e má-absorção e que a nutrição entérica apenas cobre 75%
das necessidades energéticas totais, é indicada a nutrição parentérica. Segundo Polo et
al. (2007) as fórmulas parentéricas devem seguir as seguintes recomendações (Polo,
Gomes-Candela et al. 2007):

 Ingestão de calorias: 35 kcal/kg/dia (Polo, Gomes-Candela et al. 2007);


 Ingestão de proteínas: 1,2 g/ kg/dia (Polo, Gomes-Candela et al. 2007);
 Minerais, vitaminas, oligoelementos e água devem ser administrados numa base
individual (Polo, Gomes-Candela et al. 2007).

7 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA ATENUAR OS SINTOMAS E


DOENÇAS ASSOCIADAS AO VIH

Sintoma/ Recomendações para tratamento de alguns sintomas/doenças


Doença
 Aumentar o consumo de fluidos para evitar desidratação (ex. sopas, sumos de
Diarreia
frutos diluídos, água fervida e chás de ervas);

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

 Evitar citrinos fortes (ex. laranja ou limão) porque podem irritar o estômago;
 Consumir alimentos ricos em fibras solúveis para ajudar na retenção de fluídos
(ex. banana, ervilha, lentilhas);
 Ingerir alimentos feculentos como arroz, milho, pão e batata;
 Consumir alimentos fermentados como por exemplo o iogurte;
 Fazer ingestões em pequenas quantidades e frequentemente, no sentido de
recuperar o peso e a perda de nutrientes, após a diarreia.
 Evitar lacticínios, alimentos com cafeína, bebidas alcoólicas, fritos e alimentos
que aumentem a produção de gases como couves, cebolas e bebidas
gaseificadas.

 Estimular o apetite tentando oferecer alimentos preferidos;


Anorexia  Comer em pequenas quantidades e mais frequentemente;
 Escolher alimentos com valor energético mais elevado.

 Ingerir alimentos ricos em fibra (ex. milho, pão integral, vegetais e frutos com
casca lavados);
Obstipação  Aumentar o consumo de líquidos, incluindo água fervida;
 Fazer exercício regularmente.

 Aumentar a quantidade e melhorar a qualidade alimentos oferecendo uma


alimentação equilibrada;
 Aumentar a quantidade de alimentos ingeridos bem como a frequência de
Syndrome de consumo;
wasting  Aumentar o consumo de proteína através da ingestão de produtos animais e
leguminosas, a ingestão de alimentos ricos em amido (cereais e outros
alimentos básicos) e ingerir alimentos fortificados;
 Fazer exercício físico regular.

 Ingerir alimentos ricos em ferro e ácido fólico (ex. produtos animais tais como
ovos, peixe, carne e fígado, produtos vegetais com folhas verdes, por exemplo
couves e espinafres, legumes como feijões e lentilhas, e cereais fortificados);
 Consumir alimentos enriquecidos em vitamina C (ex. citrinos e vegetais com
Anemia folhas verdes) às refeições para aumentar a absorção de ferro;
 Não beber chá, leite, café ou cacau aquando as refeições pois inibem a absorção
de ferro;
 Caso seja recomendado, tomar suplementos de ferro.

 Fazer refeições pequenas e frequentes pois com o estômago vazio as náuseas


pioram;
Náuseas e  Ingerir sopas, papas de aveia sem açúcar, frutos, alimentos pouco salgados e
vómitos secos (ex. bolachas salgadas) para acalmar o estômago;
 Beber líquidos como por exemplo água fervida;
 Evitar alimentos muito condimentados, enriquecidos em gordura e doces.

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

 Comer alimentos ligeiros em puré (ex. cenoura, puré de batata, banana, sopas,
papas de aveia, banana);
 Comer alimentos frios ou à temperatura ambiente;
 Beber muitos líquidos;
Aftas
 Evitar alimentos muito condimentados, citrinos e sumos fortes pois podem
irritar as feridas da boca;
 Evitar álcool.

Tuberculose  Consumir alimentos ricos em energia, proteínas, ferro e vitaminas.

 Fazer refeições pequenas e frequentes;


Inchaço/  Evitar alimentos que potenciem o aparecimento de gases (ex. couves,
ardor no refrigerantes) e alimentos muito condimentados;
estômago  Beber líquidos entre refeições.

Perda de  Utilizar intensificadores de sabor (ex. sal, condimentos, ervas, limão).


paladar
Fonte: (FANTA 2004)

8 CONCLUSÃO
A intervenção nutricional em portadores de VIH é fulcral para atrasar a
progressão da doença e potenciar qualidade e tempo de vida a estes doentes. É
fundamental que a intervenção nutricional seja precoce, logo após o diagnóstico da
doença, para prevenir ou minimizar as alterações metabólicas e morfológicas
características desta patologia. A intervenção e o acompanhamento nutricional
mostram-se também importantes na efetividade e eficácia do tratamento antirretroviral.
Dada a importância da intervenção nutricional no contexto desta doença, esta deve ser
vista como uma terapia auxiliar e não como uma terapia alternativa, pois é essencial
para melhorar o tratamento dos doentes com VIH.

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VIH E NUTRIÇÃO: o combate à doença através da intervenção nutricional

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