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RECREAÇÃO E LAZER

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD


Recreação e Lazer – Prof. Ms. Robson Amaral da Silva

Olá! Meu nome é Robson Amaral da Silva. Sou licenciado em


Educação Física pela Universidade Federal de São Carlos (CEF/
UFSCar – 2006), especialista em Lazer pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG – 2008) e mestre em Educação pela
UFSCar (PPGE/UFSCar – 2010). Atualmente, sou professor do
Claretiano – Centro Universitário de Batatais nos cursos de
Bacharelado (presencial e a distância) e Licenciatura (presencial
e a distância). Sou pesquisador da Sociedade de Pesquisa
Qualitativa em Motricidade Humana, membro do Núcleo de
Estudos de Fenomenologia em Educação Física (Nefef/UFSCar),
pesquisador da linha Práticas Sociais e Processos Educativos e
Estudos Socioculturais do Lazer. Ultimamente, também tenho me debruçado sobre
questões afetas ao lazer e à recreação, publicando artigos científicos em periódicos
nacionais e internacionais, além de capítulos de livros relacionados a essa temática.
E-mail: robsonsilva@claretiano.edu.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Robson Amaral da Silva

RECREAÇÃO E LAZER

Batatais
Claretiano
2014
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
Versão: dez./2014

790.1 S583r

Silva, Robson Amaral da


Recreação e lazer / Robson Amaral da Silva – Batatais, SP : Claretiano, 2014.
174 p.

ISBN: 978-85-8377-238-5

1. Lazer. 2. Ludicidade. 3. Educação. 4. Recreação. 5. Políticas do lazer.


I. Recreação e lazer.

CDD 790.1

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Eduardo Henrique Marinheiro
Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Juliana Biggi
Dandara Louise Vieira Matavelli Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Elaine Aparecida de Lima Moraes Rafael Antonio Morotti
Josiane Marchiori Martins Rodrigo Ferreira Daverni
Sônia Galindo Melo
Lidiane Maria Magalini Talita Cristina Bartolomeu
Luciana A. Mani Adami Vanessa Vergani Machado
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Patrícia Alves Veronez Montera Projeto gráfico, diagramação e capa
Raquel Baptista Meneses Frata Eduardo de Oliveira Azevedo
Joice Cristina Micai CDD 658.151
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli
Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO........................................................................... 9
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 19

Unidade 1 – RECREAÇÃO E LAZER: APONTAMENTOS HISTÓRICOS E


CONCEITUAIS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 21
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 21
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 22
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 23
5 RECREAÇÃO E LAZER: VÍNCULOS HISTÓRICOS............................................... 24
6 LAZER: ASPECTOS CONCEITUAIS..................................................................... 66
7 RECREAÇÃO: (BREVES) APONTAMENTOS CONCEITUAIS............................... 75
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 77
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 78
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 79
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 79

Unidade 2 – DIMENSÕES POLÍTICAS DO LAZER


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 83
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 83
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 84
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 84
5 O LAZER COMO DIREITO SOCIAL..................................................................... 85
6 O PROCESSO HISTÓRICO DE POLÍTICAS DE LAZER NO BRASIL...................... 95
7 POLÍTICAS: UNIVERSAIS OU FOCALIZADAS?................................................... 109
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 114
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 114
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 115
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 117

Unidade 3 – INTERFACES ENTRE O LAZER E A EDUCAÇÃO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 119
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 119
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 120
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 120
5 A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE...................................................... 121
6 RECONHECENDO O CAMPO DE ESTUDOS DO LAZER..................................... 127
7 ARTICULAÇÕES ENTRE O LAZER E A EDUCAÇÃO............................................ 130
8 ARTICULAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO E O LAZER............................................ 138
9 OS CONTEÚDOS CULTURAIS DO LAZER........................................................... 140
10 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 144
11 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 145
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 145
13 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 145

Unidade 4 – LAZER: FORMAÇÃO E ATUAÇÃO PROFISSIONAL


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 149
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 149
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 150
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 151
5 CONHECENDO OS PROFISSIONAIS DO LAZER................................................ 151
6 A ANIMAÇÃO CULTURAL.................................................................................. 155
7 PADRÕES DE ORGANIZAÇÃO DA CULTURA..................................................... 158
8 POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO................................................................. 164
9 COMENTANDO UM EXEMPLO DE ATUAÇÃO NO CAMPO DO LAZER............ 169
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 172
11 C ONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 172
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 173
13 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 173
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Conteúdo ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Introdução aos estudos do lazer e da recreação. Lazer, ludicidade e educação.
Formação e atuação profissional no campo do lazer e da recreação. Políticas
(públicas) de lazer. Pesquisa aplicada ao lazer.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Caro aluno, seja muito bem-vindo!
Agora iniciaremos os estudos de Recreação e Lazer, que
compõe os cursos de Graduação na modalidade EaD.
No Caderno de Referência de Conteúdo, você encontrará as
quatro unidades básicas que compõem o material, preparadas es-
pecialmente para que você possa realizar seus estudos relativos a
esta obra. Com isto, esperamos que você tenha contato com con-
hecimentos que irão contribuir para seu processo de formação e
atuação profissional no campo da Educação Física, em especial no
que se refere à área de recreação e lazer.
8 © Recreação e Lazer

Na Unidade 1, trazemos à baila uma discussão sobre a ocor-


rência histórica do lazer e da recreação.
O lazer e a recreação percorreram trajetórias diferentes, mas
são fenômenos que apresentam interfaces diretas. Ainda na pri-
meira unidade, apresentamos e discutimos os conceitos veicula-
dos por estudiosos nesses campos, com o propósito de superar o
senso comum, muitas vezes presente na abordagem dos temas.
O lazer e a política são as temáticas que perpassam a Uni-
dade 2. Para discussão desses aspectos, o lazer foi compreendido
como um direito social, e, para isso, percorreu um processo históri-
co-social que envolveu necessariamente a reflexão em torno de
temas como cidadania, participação popular e reivindicações so-
ciais – que o levaram a ser visto como uma das dimensões da vida
humana que pode contribuir para a superação das desigualdades
sociais.
A Unidade 3 trata da relação entre lazer e educação. Seu
principal objetivo é apresentar a vocês as interfaces que o campo
do lazer vem construindo em sua articulação com a educação (e
vice-versa).
Como ponto de partida, tornou-se necessário discutir o con-
ceito de "campo". Há um reconhecimento do lazer como um pro-
cesso educativo, cuja reflexão e vivência precisam ser sistematiza-
das em vários âmbitos, atingindo especialmente o contexto da
educação não formal, pois caracteriza um locus importante para
a intervenção dos profissionais da Educação Física que trabalham
com o lazer.
Os desafios postos para a sociedade e os educadores neste
século 21 também são abordados, bem como a questão dos con-
teúdos culturais do lazer, o que representa uma rica possibilidade
para o desenvolvimento da educação em uma perspectiva lúdica.
"Lazer: formação e atuação profissional" é o título da quarta
unidade. Nela, são abordadas questões afetas ao processo forma-
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

tivo dos profissionais que irão trabalhar neste campo e os possíveis


espaços que por ele podem ser ocupados.
A perspectiva da animação cultural é tomada como elemen-
to central na busca da construção de uma intervenção significativa
no âmbito da cultura, seja ela erudita, popular ou de massa.
De posse desses breves comentários, você pode construir
um pequeno esboço dos assuntos que serão tratados, podendo,
dessa forma, se preparar de maneira adequada para este "jogo do
saber".
Uma vez realizado este contato inicial, por meio da exposição
das principais temáticas a serem desenvolvidas, apresentaremos,
a seguir, no tópico Orientações para estudo, algumas orientações
de cunho motivacional, dicas e estratégias que o auxiliarão em
seus estudos.

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem geral

Prof. Ms. Robson Amaral da Silva


Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais
deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de
aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse
modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento
básico necessário a partir do qual você possa construir um refe-
rencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no
futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência
cognitiva, ética e responsabilidade social.
A proposta deste estudo está pautado em duas premissas
básicas: a primeira consiste no reconhecimento de que, conforme
nos ensinou o grande educador Paulo Freire, educar é um ato po-
lítico-pedagógico: político por ser carregado de intencionalidades,
sejam elas para reproduzir o sistema vigente ou para transformá-

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10 © Recreação e Lazer

-lo, e pedagógico no sentido de abarcar métodos e processos de


ensino e de aprendizagem, envolvendo tanto aqueles que ensinam
quanto aqueles que aprendem.
A segunda premissa que sustenta as reflexões contidas neste
material articula-se com a primeira, pois considera o lazer e a rec-
reação como ações socioeducativas, cujas intencionalidades bus-
cam contribuir no processo de humanização dos indivíduos, com
vistas à construção de uma sociedade mais justa, digna e solidária,
por meio de seus processos metodológicos.
O profissional da Educação Física que atua no campo do lazer
e da recreação é também um educador. Daí vem a necessidade de
aprofundar conhecimentos sobre questões que alimentam a área
da educação na atualidade, buscando articulações com o campo
de estudos do lazer e da recreação. Afinal, um simples "par ou ím-
par" – recurso geralmente usado para "selecionar" os jogadores de
uma equipe –, por exemplo, carrega, em sua essência, uma inten-
ção político-pedagógica pouco problematizada pelos profissionais
que atuam na área.
Sendo assim, este material didático tem como desafio maior
compreender a inter-relação dessas duas dimensões da vida hu-
mana – a educação e o lazer – com outras que também estão pre-
sentes (como a política e a economia, por exemplo), fornecendo
subsídios para que você possa atuar significativamente no campo
da recreação e do lazer.
Essas dimensões se relacionam de forma direta e mútua
quando se pensa, de um lado, nas possibilidades que a educação
encontra para atingir seus propósitos, tendo o lazer e a recrea-
ção como aliados, e, de outro, nas possibilidades que a recreação
e o lazer encontram na educação, para que os sujeitos possam
aprender a vivenciá-los de maneira crítica e criativa. Dito de outro
modo, é o que chamamos de "duplo aspecto educativo do lazer"
(e que será detidamente abordado ao longo dos nossos estudos),
tal como destacado por autores como Requixa (1979, 1980) e Mar-
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

cellino (2010), que o entendem como instrumento e fim, veículo e


objeto de educação.
Para aprofundar o entendimento dessa perspectiva de edu-
cação, consideramos fundamental compreender o conceito de
"lúdico", elemento muito presente nas pesquisas e nas interven-
ções que articulam o recreação/lazer e a educação. A partir daí,
sugerimos a análise de possibilidades de trabalho para que o edu-
cador possa desenvolver habilidades na perspectiva de uma edu-
cação comprometida com o lazer.
Na esteira desse pensamento, a perspectiva da animação
cultural tem muito a acrescentar no campo do lazer/recreação. A
partir dela, poderemos identificar o papel do profissional de lazer
no sentido de potencializar o alcance dos cidadãos aos mais dife-
rentes bens culturais que se apresentam em ruas, bairros e mu-
nicípios, entendendo a importância política de sua atuação. Para
tanto, é necessário identificar a animação cultural como uma tec-
nologia educacional de intervenção e uma poderosa ferramenta
pedagógica que permite nortear nossas ações.
Ao tomarmos a relação lazer/recreação, educação e animação
cultural como temas fundamentais, ampliamos o entendimento cor-
rente de que o lazer seria uma mera mercadoria a ser consumida, e
passamos a dimensioná-lo na esfera dos direitos sociais. Aqui cabe
uma "parada" para refletirmos sobre o pensamento de Linhales
(1998, p. 78), ao pensar o lazer nesta condição (de direito social):
O que hoje consideramos como direitos sociais pressupõe a ga-
rantia e a provisão, por parte do Estado, de políticas capazes de
dar suporte ao bem-estar de todos os cidadãos. Os conteúdos ou
áreas sociais implicados na promoção do bem-estar constituem di-
reitos mínimos e universais conquistados historicamente. Devem
ser compreendidos como uma construção decorrente dos múlti-
plos conflitos e interesses que legitimam as chamadas democracias
capitalistas contemporâneas.

Dando continuidade à discussão sobre o lazer como direito


social, é importante incluir um novo componente no debate que
relaciona Estado e sociedade: mercado e estratégias de indução

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12 © Recreação e Lazer

ao consumismo. É preciso considerar que o lazer não pode ser um


momento exclusivo do consumo nem estar a serviço do consumo.
Isso pode impedir o indivíduo ou os grupos sociais de diversificar
formas alternativas e próprias de lazer.
Os meios de comunicação de massa a serviço da indústria
cultural mobilizam como uma avalanche sensorial o psiquismo dos
ouvintes com mensagens de nível medíocre (qualitativamente fa-
lando), empobrecendo a comunicação concreta do homem com
seu meio, com os outros e reduzindo as dimensões emancipató-
rias do lazer.
Como afirma Gomes (2008, p. 76-77),
Uma sociedade dominada pela lógica da produção e do consumo
(alienado) de bens e de serviços é, precisamente, uma sociedade
que se apresenta como a única habilitada a produzir o lazer, en-
quanto uma de suas valiosas mercadorias – ao passo que deveria
representar uma condição fundamental para a promoção da quali-
dade de vida dos sujeitos, enquanto cidadãos que buscam momen-
tos lúdicos e enriquecedores no seu dia a dia. Não há preocupação
com uma análise mais consistente sobre o significado sociocultural
e político na vida das pessoas, bem como sobre as contradições
que o permeiam em nosso contexto. Concebido apenas pela lógica
do mercado, ao lazer restaria promover o entretenimento e a dis-
tração alienantes, algo para se matar o tempo e para escapar do
tédio.

O lazer/recreação necessita de ser visto e efetivado como


um momento de crescimento da pessoa em vista de uma melhor
qualidade de vida. Como prática sociocultural em permanente
construção, se configura em formas de conhecimento, saberes en-
raizados na cultura, manifestação da linguagem, forma de signifi-
cação coletiva do mundo e possibilidades éticas e estéticas que
contribuam para o processo de humanização dos indivíduos por
meio de experiências educativas (ISAYAMA; LINHALES, 2006).
Nesse sentido, o lazer merece ser efetivado como descanso e
não apenas para recuperar a força de trabalho em vista do próprio
trabalho. Ele deve incluir a dimensão da distração como relaxa-
mento, diversão e, sobretudo, deve ser o motor do desenvolvim-
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

ento humano pela dimensão lúdica da vida, pelo conhecimento de


novas culturas, pela apreciação da beleza, pela produção estética
e pelo desenvolvimento das próprias potencialidades.
Munidos dessas argumentações, iniciamos nossos estudos.
Esperamos que esta caminhada seja um prazer (elemento funda-
mental para o entendimento tanto da recreação como do lazer),
ainda que por vezes seja árdua, pois trata-se do ato de estudar.
Você está preparado para este desafio? Então, vamos lá!
Desejo bons estudos a todos!

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados em Recreação e Lazer. Veja, a
seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Cultura: de acordo com Chauí (1994), "é a maneira pela
qual os humanos se humanizam por meio de práticas
que criam existência social, econômica, política, reli-
giosa e artística" (p. 295). Daolio (2008) afirma que as
definições contemporâneas para esse termo têm consi-
derado, além da produção material e externa aos seres
humanos, as maneiras de compreender a cultura, que
também incorporam os processos contínuos e dinâmi-
cos de orientação e significação empreendidos pelos ho-
mens, ou seja, um processo de manipulação simbólica.
O autor nos alerta para o fato de que os profissionais da
Educação Física não atuam diretamente sobre o corpo
ou sobre os movimentos em si, mas, sim, tratam dos se-
res humanos em suas manifestações culturais, relacio-
nadas ao corpo e ao movimento humano.
2) Indústria cultural: expressão que aparece pela primeira
vez no livro Dialética do Esclarecimento, de Max Horkhei-
mer e Theodor W. Adorno, e que foi cunhada para substi-
tuir, com maior precisão, o termo cultura de massa. Com

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14 © Recreação e Lazer

essa mudança, os autores visavam não confundir uma


cultura produzida popularmente com o processo de pro-
dução conforme os princípios da indústria. Os autores
percebiam que produções ligadas ao rádio, ao cinema,
às revistas ilustradas, entre outras, eram adaptadas ao
consumo das massas, baseando-se no princípio de sua
comercialização, e não em seu próprio conteúdo e confi-
guração (BASSANI; VAZ, 2008).
3) Lúdico: para Gomes (2004), o lúdico pode ser entendido
como uma "expressão humana de significados da/na cul-
tura referenciada no brincar consigo, com o outro e com
o contexto. Por essa razão o lúdico reflete as tradições,
os valores, os costumes e as contradições presentes em
nossa sociedade. Assim, é construído culturalmente e
cerceado por vários fatores: normas políticas e sociais,
princípios morais, regras educacionais, condições con-
cretas de existência" (p. 145, grifos da autora).

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o
seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre
os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com-
plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or-
denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-


colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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16 © Recreação e Lazer

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave de Recreação e Lazer.

Como pode observar, esse Esquema dá a você, como dis-


semos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
um e outro conceito e descobrir o caminho para construir o seu
processo de ensino-aprendizagem. Por exemplo, de acordo com
o esquema, lazer/recreação são fenômenos que não podem ser
entendidos isoladamente; devem ser relacionados aos aspectos
históricos, econômicos, políticos, culturais e sociais.
Ao desconsiderarmos essas relações, estaremos esvaziando
a compreensão desses fenômenos, favorecendo, dessa forma, a
utilização destes como mercadoria, e não como uma prática social
que pode contribuir para o processo de edificação de uma socie-
dade mais justa, digna e solidária.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio con-


hecimento.

Questões autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com a prática do ensino de Recreação e Lazer, pode
ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, medi-
ante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado, você
estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa.
Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus
conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática
profissional.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

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18 © Recreação e Lazer

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o con-
ceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
Este estudo convida você a olhar, de forma mais apurada,
a Educação como processo de emancipação do ser humano. É
importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e
científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, aluno na modalidade EaD, necessita de uma forma-
ção conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com
a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da
interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o
seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos


para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
esta obra, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para
ajudar você.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASSANI, Jaison José; VAZ, Alexandre Fernadez. Indústria Cultural. In: GONZÁLEZ,
Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo (Org.). Dicionário crítico de Educação
Física. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2008.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
DAOLIO, Jocimar. Cultura. In: GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo
(Org.). Dicionário crítico de Educação Física. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2008.
GOMES, Christianne Luce. Lúdico. In: ______. (Org.). Dicionário crítico do lazer. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004. p. 141-146.
______. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas. 2.
ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
ISAYAMA, Helder Ferreira; LINHALES, Meily Assbú. Introdução. In: ______ (Org.). Sobre
lazer e política: maneiras de ver, maneiras de fazer. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
p. 7-15.
LINHALES, Meily Assbú São as políticas públicas para a Educação Física/Esportes e Lazer,
efetivamente, políticas sociais? Motrivivência, Florianópolis, v. 10, n. 11, p. 71-81, 1998.
MARCELLINO, Nelson Carvalho Lazer e educação. 15. ed. Campinas: Papirus, 2010.
REQUIXA, Renato. As dimensões do lazer. Revista Brasileira de Educação Física e
Desportos, Brasília, n. 45, p. 54-76, 1980.
______. Conceito de lazer. Revista Brasileira de Educação Física e Desportos, Brasília, n.
4, p. 11-21, 1979.

Claretiano - Centro Universitário


Claretiano - Centro Universitário
EAD
Recreação e Lazer:
Apontamentos Históricos
e Conceituais no
Campo da Educação
Física 1
1. OBJETIVOS
• Conhecer questões pertinentes ao campo de estudos so-
bre o lazer e a recreação.
• Aprofundar conhecimentos sobre concepções e funda-
mentos do lazer e da recreação, reconhecendo-os como
objeto de estudos sistematizados.
• Compreender o processo de constituição histórica do
lazer e da recreação em nossa sociedade, identificando
características que permaneceram ou sofreram modifica-
ções ao longo dos tempos.
• Discutir, conceitualmente, aspectos relacionados ao lazer
e à recreação.

2. CONTEÚDOS
• Recreação e lazer: vínculos históricos.
22 © Recreação e Lazer

• Aspectos históricos da recreação.


• Ocorrência histórica do lazer.
• Sociedade greco-romana.
• Sociedade medieval.
• Sociedade urbano-industrial.
• Sociedade contemporânea.
• Lazer: aspectos conceituais.
• Recreação: (breves) apontamentos conceituais.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha em mãos o Glossário para que você consulte os
conceitos relativos a esta unidade, assim como o Esque-
ma dos Conceitos-chave. Essas ferramentas irão facilitar
seu estudo.
2) Por se tratar de uma unidade que trata de fatos históri-
cos relacionados à recreação e ao lazer, faça uma leitura
atenta deste conteúdo e acesse outras informações rela-
cionadas à temática a fim de comprovar ou reelaborar o
conteúdo tratado.
3) Durante a leitura tente apreender o movimento histórico
e todo o contexto que o envolve. Lembre-se, a recreação
e o lazer não estão isentos do contexto político, social,
econômico e cultural das diferentes etapas históricas.
4) Faça uma consulta à bibliografia indicada no tópico Re-
ferências Bibliográficas, ao final desta unidade, visando
aprofundar os principais conceitos abordados.
5) Para um enriquecimento de seu estudo, navegue nos si-
tes indicados no tópico E-Referências, ao final da unida-
de, favorecendo, dessa forma, o seu processo educativo.
6) Tenha empenho e dedicação em seus estudos. Sempre
que tiver alguma dúvida, entre em contato com profes-
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 23

sores e tutores do Centro Universitário Claretiano para


saná-las.
7) Recomendamos o filme Gladiador (EUA, 2000), dirigido
por Ridley Scott, que retrata de maneira adequada as
manifestações em Roma no período histórico estudado.
8) Assista ao filme O nome da rosa (Alemanha, 1986), diri-
gido por Jean-Jacques Annaud, baseado no livro com o
mesmo título, de autoria de Umberto Eco. Ele fornece
um exemplo de como era um mosteiro medieval e das
contradições nele presentes.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
No cotidiano de muitas pessoas, é comum a menção aos
vocábulos "lazer" e "recreação". Se sairmos às ruas perguntando
o significado de ambos os termos, veremos que dificilmente uma
pessoa não saberá anunciar um entendimento para essas ex-
pressões.
Às vezes, a referência a esses termos se dá de forma sepa-
rada, ou seja, há a utilização de apenas uma das palavras (recrea-
ção ou lazer), e, em outras ocasiões, a associação entre ambas é
recorrente, indicando, dessa forma, a possibilidade de um vínculo
relacional.
A associação entre a recreação e o lazer pode ser verificada
em algumas áreas do conhecimento, o que gera dúvidas no que
se refere aos significados, à especificidade e à abrangência desses
termos.
De acordo com Gomes (2003), é possível identificar diversas
interpretações sobre os significados e as relações historicamente
construídas entre recreação e lazer. Para a autora, poderá ha-
ver uma identificação entre os termos (ambos compartilhando o
mesmo significado), um entendimento que considera a recreação
como uma função do lazer ou uma compreensão que aponta para
a existência de significados distintos para a recreação e o lazer.

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24 © Recreação e Lazer

Nesta unidade, iremos realizar um passeio pela história da


recreação e do lazer, buscando compreender os caminhos percor-
ridos por esses fenômenos, a fim de entender a relação destes
entre si e, posteriormente, com o campo de estudos e a atuação
profissional da Educação Física.
Além dessa incursão histórica, teremos a oportunidade de
compreender os sentidos dos termos "recreação" e "lazer" medi-
ante o contato com autores que se dedicaram a essa discussão.
É sobre essas questões que nos debruçaremos neste pri-
meiro momento.
Bons estudos a todos!

5. RECREAÇÃO E LAZER: VÍNCULOS HISTÓRICOS


Diante da breve exposição introdutória desta unidade, uma
pergunta pode ser feita como ponto de partida para nossas re-
flexões: por que é comum a associação entre recreação e lazer nos
estudos e vivências no cotidiano de nosso país?
Essa relação muitas vezes é recorrente em nossa área, e a
prova disso são os estudos de Bramante (2011), Bruhns (1997),
Gomes (2003), Isayama (2002) Pimentel (2003) e Pinto (2001), só
para citar alguns autores. Entretanto, em muitos casos, essa inter-
face não é encontrada em outros campos do conhecimento, como
podemos observar nas publicações de Magnani (2000), Freitas
(1999), Teixeira (1999) e Oliveira (2001), autores ligados a áreas
como Antropologia, Economia, Psicologia Social e Comunicação
Social.
Dessa forma, para responder à indagação formulada e estim-
ular você a pensar sobre essa relação tão usual em nossa área e no
cotidiano de muitas pessoas, buscaremos referências na história,
no sentido de elucidar os vínculos que, ao longo dos tempos, fo-
ram construídos entre a recreação e o lazer.
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 25

De antemão, já teríamos condições de apontar um elemento


interessante, mas não suficiente, que serve de indicativo para o
entendimento dessa relação. De acordo com Werneck (2003, p.
17-18), "essa aproximação entre a recreação e o lazer é uma res-
posta histórica à forma como a Educação Física vem lidando com
esses saberes na formação profissional e no mercado de trabalho
em nosso país".
Diante dessa afirmação, devemos procurar entender como
a Educação Física lidou com os saberes que emanavam dos cam-
pos da recreação e do lazer, ao mesmo tempo que incorporava es-
ses conhecimentos à formação de seus agentes. Certamente, esse
processo possuía implicações diretas na sociedade da época, for-
jando indivíduos alinhados com o projeto societário que se alme-
java, e contando, para isto, com o auxílio dos profissionais que se
formavam.
Autores como Gomes (2008) e Melo (2003) apontam que o
desenvolvimento de práticas recreativas foi responsável pela cria-
ção dos cursos de formação profissional em Educação Física em
nosso país.

Aspectos históricos da recreação


A história da recreação no Brasil está atrelada à instituição
escolar e, poderíamos dizer, à própria história da Educação, com
destaque para o ensino público primário (educação infantil).
A sua ocorrência ao longo do século 19 aparece como instru-
mento educativo a serviço do projeto médico-higienista que visava
disseminar ideias e programas relacionados à saúde, à aquisição de
hábitos higiênicos, à atenção sobre a infância e ao bem-estar físico
e moral por meio do controle corporal da população brasileira. Tais
ações deveriam culminar na modificação de comportamentos e
modos de vida herdados do período colonial (MARCASSA, 2004).

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26 © Recreação e Lazer

Esse modelo que se pretendia ver edificado procurava atuar


na saúde biológica e social da população, possuindo ingerência no
cotidiano dos indivíduos. Buscava-se uma reformulação das con-
sciências e dos saberes sobre o corpo e seus cuidados, sobre as
práticas corporais e sua importância para a época. Nesse sentido,
as atribuições da escola se modificam, e essa instituição adquire
uma nova responsabilidade em face do ideário de progresso social
que norteia as ações pedagógicas que ali se desenvolvem (MAR-
CASSA, 2004).
Não obstante, o controle corporal que se impõe à população
brasileira vê na recreação um instrumento pedagógico de grande
valor e cuja orientação era disciplinar as práticas corporais desfru-
tadas no tempo livre, para que elas não se flexibilizassem com a
preguiça. A recreação torna-se, então, uma estratégia de controle
dos tempos, espaços e práticas realizadas na escola, sobretudo nos
interstícios entre as atividades obrigatórias (MARCASSA, 2004).
A tão temida lassidão não combinava com os pensamentos
e atitudes que os idealizadores desse projeto societário tentavam
propagar. A ociosidade poderia levar os indivíduos à vagabunda-
gem, à capoeiragem (também vista como algo negativo) e aos ví-
cios que seriam prejudiciais ao desenvolvimento físico e moral das
pessoas. Diante desse quadro, a recreação atua decisivamente no
sentido de propor atividades "sadias", capazes de distinguir afir-
mativamente o corpo higienizado e o relapso corpo herdado da
tradição colonial (MARCASSA, 2004).
As reconhecidas atividades "sadias" seriam possibilitadas
mediante um programa escolar que incluísse a vivência de jogos,
brincadeiras e exercícios ginásticos rigorosamente planejados e
capazes de desenvolver os comportamentos e atitudes esperados
para a época, sem desperdício de tempo.
Para Marcassa (2004, p. 197), essas atividades deveriam
seguir "um ritmo lógico de funcionamento, desde a duração e a
freqüência do regime alimentar, as horas de sono, as atividades
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 27

intelectuais e até mesmo o recreio". Como podemos observar, o


tempo destinado para as atividades escolares deveria ser rigoro-
samente disciplinado.
É por meio das atividades recreativas que os limites entre
tempo de trabalho e tempo livre são constituídos e assimilados
desde as etapas iniciais do processo de escolarização das crianças
(educação infantil), respondendo a interesses político-ideológicos.
Dessa forma, forja-se, no interior da sociedade, um sistema de re-
compensa ao esforço empreendido no trabalho (e aqui incluímos
o trabalho escolar), essencial às exigências do mundo do trabalho
e da sociedade liberal e capitalista que se desenvolvia (MARCASSA,
2002).
De forma sintética, Marcassa (2004, p. 198) se expressa para
apontar o papel da recreação nesse período histórico:
[...] sob os preceitos da ordem, da disciplina e do comportamento
saudável incorporados à escola, a recreação manifesta-se como co-
adjuvante do processo educativo para o alcance da melhor forma
de recuperação das forças para o retorno ao trabalho, incluso aí o
trabalho escolar, a diminuição da delinqüência e a ocupação ad-
equada do tempo livre, fazendo-se protagonista da construção da
harmonia e do progresso. E tamanho era o "dever civilizador" das
atividades escolares que ele acaba justificando não só a efervescên-
cia de movimentos políticos e sociais pela instrução da população
brasileira, como também reforçando, cada vez mais, a prática da
recreação como estratégia de controle do tempo livre, tanto dentro,
como fora da escola (Grifos nossos).

Diante dessas primeiras palavras acerca da trajetória históri-


ca da recreação em nosso país, podemos perceber que ela par-
ticipa da história da educação na condição de um vigoroso recurso
disciplinar, inicialmente destinado à educação infantil, mas à qual
a ela não se restringe, alcançando também o processo formativo,
moral e cívico de jovens e adultos.
Com o passar do tempo, mais precisamente das três pri-
meiras décadas do século 20, assistimos, no cenário educacional
brasileiro, à emergência de novas concepções político-pedagógi-
cas, sintetizadas no que podemos chamar de "escolanovismo" ou,
simplesmente, "Escola Nova".

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28 © Recreação e Lazer

Para uma análise crítica dessa nova concepção político-ped-


agógica, leia a obra Escola e democracia, de Saviani (2002).
As mudanças advindas da difusão desse ideário pedagógico
acenam para a edificação de uma escola renovada, capaz de superar
a pedagogia tradicional. Nos dizeres de Saviani (2002, p. 7),
A pedagogia nova começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia
tradicional, esboçando uma nova maneira de interpretar a edu-
cação e ensaiando implantá-la, primeiro, através de experiências
restritas; depois, advogando sua generalização no âmbito dos sis-
temas escolares.

No interior dessas transformações, passam a ter centrali-


dade alguns aspectos que não figuravam como (tão) essenciais
para a educação até então, tais como: qualidade de ensino, ênfase
nos métodos e processos pedagógicos e processo de ensino e de
aprendizagem centrado no aluno, para citar apenas alguns.
Muito embora possamos perceber que mudanças ocorreram
no interior da escola (principalmente no que se refere aos méto-
dos de ensino e de aprendizagem), a importância dos jogos, das
brincadeiras e da ginástica "para a formação da personalidade,
da civilidade, da disciplina e da liberdade" (MARCASSA, 2004, p.
199) foi reafirmada no combate à fadiga e à degradação física e
moral dos indivíduos. Temos, dessa forma, a continuidade de uma
perspectiva funcionalista e utilitária para a recreação no contexto
escolar e extraescolar.
Apesar do destaque conferido aos três conteúdos (jogos,
brincadeiras e ginástica), no interior do movimento escolanovista
um embate se estabelece visando salientar à qual deles caberia
uma maior eficácia na consolidação da ordem burguesa e capitalis-
ta em curso. Enquanto Fernando de Azevedo defendia a utilização
da Ginástica Sueca como forma ideal para o emprego do tempo
livre e ocupação útil do corpo e da mente, Anísio Teixeira busca-
va destacar o papel dos jogos e brincadeiras no amoldamento do
caráter e da personalidade infantil, afirmando que esses conteú-
dos responderiam melhor aos anseios das crianças (MARCASSA,
2004).
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 29

De acordo com Werneck (2003, p. 25), o fato é que estamos


diante de um contexto em que, por meio das atividades recreati-
vas, "o controle é dissimulado em um suposto clima de ‘esponta-
neidade’ e ‘liberdade’ proporcionado pela vivência do jogo que,
como uma ‘receita’, colabora com o processo de reprodução cul-
tural".
Dessa forma, os jogos (com regras, de recreio ou envolvendo
outras atividades corporais) realizados nos diferentes espaços con-
tribuem para o amoldamento das personalidades e condutas de
toda a comunidade (seja escolar ou não escolar), no sentido de
adaptar os sujeitos às novas relações de trabalho que eram gesta-
das no processo de consolidação da ordem burguesa e capitalista.
Vimos afirmando que a história da recreação não se circun-
screve somente ao âmbito escolar, sendo utilizada em outros tem-
pos e espaços sociais.
A partir da década de 1920, em nosso país, encontramos
os primeiros equipamentos públicos de lazer, os chamados Cen-
tros de Recreio, que utilizam a prática da recreação com o obje-
tivo de proporcionar uma ocupação adequada do tempo de lazer
e diversão. Esses espaços foram criados paralelamente aos proje-
tos de urbanização e modernização dos grandes centros urbanos
brasileiros (MARCASSA, 2004).
A experiência pioneira com a estruturação de programas
de recreação surgiria em Porto Alegre, por iniciativa de Frederico
Gaelzer, em fins da década de 1920, logo se propagando para out-
ras cidades do Rio Grande do Sul (MELO, 2003).
De acordo com Gaelzer, o Serviço de Recreação Pública tinha
como objetivo evitar que os jovens se sujeitassem à delinquência
e à ociosidade, contando para isso com a ocupação adequada das
horas de lazer (MARCASSA, 2004).
Essa experiência na capital gaúcha se torna diferenciada para
a época, pois os locais públicos deveriam possibilitar a prática de

Claretiano - Centro Universitário


30 © Recreação e Lazer

atividades físicas e recreativas direcionadas, o que constitui uma


experiência educativa inovadora no referido período em nosso
país. Para isso, era imprescindível que houvesse equipamentos e
serviços especializados a fim de orientar e educar os frequenta-
dores desses espaços, a exemplo do trabalho que vinha sendo de-
senvolvido com êxito em vários países, especialmente os Estados
Unidos (GOMES, 2008).
Outra iniciativa de destaque no cenário nacional ocorreu em
1935, em São Paulo, com a criação do Serviço Municipal de Jogos
e Recreio, coordenado por Nicanor Miranda. Para ele, de acordo
com Marcassa (2004, p. 200):
[...] os centros de recreio, além de equacionar o problema
higiênico, recreativo e educacional, eram necessários à ordem so-
cial e municipal, uma vez que a recreação era capaz de promover
a saúde física e mental do cidadão exausto nas metrópoles devido
aos múltiplos contratempos provocados pela vida moderna.

Durante a gestão de Miranda, são criados os Parques de Jo-


gos, que abrigavam os programas de Parques Infantis, e os Clubes
de Menores Operários. No que se refere a essa última iniciativa,
a preocupação central das ações desenvolvidas em seu contexto
visavam contribuir para a preparação e a integração da força jo-
vem de trabalho ao mercado cada vez mais competitivo e industri-
alizado (MARCASSA, 2004).
É a partir dessa ação (a instituição dos Clubes de Menores
Operários) que, no ano de 1943, foi criado o Serviço de Recreação
Operária (SRO) do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
com o mesmo propósito.
O marco legal (Portaria de nº 52, publicada no Diário Oficial
da União em 21 de setembro) que institui o SRO foi assinado pelo
Ministro Alexandre Marcondes Filho, e teve como primeiro ges-
tor e presidente Arnaldo Lopes Sussekind. O SRO era um órgão
incumbido de difundir e coordenar atividades nos setores cultural,
desportivo e de escotismo (RODRIGUES, 2006; WERNECK, 2003).
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 31

Werneck (2003) nos aponta que, nesse contexto (estávamos


vivendo os anos finais da fase ditatorial do governo de Getúlio Var-
gas), o usufruto "adequado" das horas de lazer dos trabalhadores,
bem como de sua família, tornava-se uma condição sem a qual os
repousos assegurados pela legislação, ao se firmarem os contratos
de trabalho, não poderiam atingir seus objetivos. A eliminação da
fadiga gerada pelo trabalho era o principal fundamento da pro-
posta desenvolvida.
Nas experiências destacadas anteriormente, a utilização de
atividades físicas (jogos, esportes, ginásticas, caminhadas, tor-
neios, dança etc.) eram estimuladas e destacadas em relação a
outras manifestações, como as de cunho artístico, por exemplo
(MELO, 2003).
Muito embora a não ocupação ou a utilização inadequada
das horas de lazer continuasse se configurando como um prob-
lema social que poderia colocar em risco a lógica capitalista, pas-
samos a observar uma mudança no significado e na utilização da
recreação no contexto histórico em questão.
Diferentemente dos ideários médico-higienistas (como mero
recurso disciplinador e gerador de corpos e mentes saudáveis) e
escolanovistas (como uma atividade útil para organização e em-
prego apropriado do tempo livre do trabalho), o sentido atribuído
à recreação incide sobre os anseios da sociedade do capital, ou
seja, do controle de todas as dimensões da vida humana, seja den-
tro ou fora do trabalho. Sendo assim, conforme Marcassa (2004, p.
200), a recreação responde
[...] como um conjunto de atividades operacionais, como conteúdo
a ser desenvolvido no tempo/espaço de lazer, à necessidade de re-
posição, manutenção e preparação da força de trabalho, ou mel-
hor, como fenômeno submetido à lógica da política e da economia
do trabalho.

Como se vê, a recreação passa a ser um instrumento orga-


nizador dos lazeres dos indivíduos. Muito além de um conjunto
de atividades que visam proporcionar prazer àqueles que desfru-

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32 © Recreação e Lazer

tam de seus conteúdos, em um suposto clima de espontaneidade


e liberdade, ou de uma "bem-intencionada" formação moral e
física, a recreação atende a interesses hegemônicos, forja subje-
tividades, reproduz valores e princípios necessários à manutenção
e à reprodução da organização societária capitalista.
Após percorrer as trilhas da história da recreação em nosso
país, passaremos, agora, a realizar uma incursão sobre a história
do lazer.

Ocorrência histórica do lazer


Após realizarmos um estudo introdutório sobre a ocorrência
histórica da recreação, é importante discutir, também, as distintas
abordagens que tratam da emergência histórica do lazer em nossa
sociedade. É uma tarefa difícil de ser realizada, pois, como salien-
ta Marcellino (1996), situar o lazer historicamente é um trabalho
controverso no meio acadêmico. Entretanto, trata-se de um em-
preendimento a que devemos nos dedicar com grande satisfação,
especialmente em se tratando de uma disciplina que se propõe a
discutir aspectos relacionados à recreação e ao lazer. Vamos lá!
Basicamente, podemos distinguir dois posicionamentos
distintos quanto à emergência histórica do lazer. De um lado, en-
contramos autores que defendem a tese de que o lazer sempre
existiu, afirmando que se o homem sempre trabalhou, também
deveria dispor de momentos de "não trabalho", períodos que se-
riam preenchidos com atividades de repouso e divertimento.
Como esses momentos não eram vistos como frações isola-
das na dinâmica social, acredita-se que trabalho e lazer se entrela-
çavam. O "tempo natural" (estações do ano, períodos chuvosos ou
não, luminosidade natural) balizava as ações cotidianas dos indi-
víduos, e as manifestações culturais vivenciadas nesse período es-
tavam intimamente ligadas ao trabalho produtivo. Por essa razão,
os adeptos dessa corrente acreditam que o surgimento do lazer
antecede a era moderna, apresentando-se de maneiras distintas
ao longo dos tempos.
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 33

Essa visão é alvo de controvérsias. Muitos autores questio-


nam os apontamentos sobre o lazer antes do estabelecimento das
modernas sociedades urbano-industriais, pois, nesse contexto,
afirmam eles, o lazer ainda não se constituía em um fenômeno
com características próprias, conforme podemos observar nos
dias atuais.
Representantes dessa tendência consideram que o lazer
surge em conformidade com o sistema capitalista nos centros ur-
banos-industrializados, período no qual passamos a observar uma
clara cisão entre "tempo de trabalho" e de "não trabalho", fruto
das transformações decorrentes da Revolução Industrial.
Nesse momento histórico, a organização temporal das ativ-
idades cotidianas não está mais submetida ao "tempo natural",
expressando-se na forma de "tempo mecânico".
Essa polêmica sobre a ocorrência histórica do lazer em nossa
sociedade representa uma ótima oportunidade para problema-
tizarmos a questão, para que você possa refletir sobre o tema a
partir dos argumentos e objeções elaborados pelos adeptos das
duas correntes de pensamento que debatem o assunto.
Seguidores da tese de que o lazer sempre existiu, que sem-
pre fez parte do cotidiano das pessoas, tais como De Grazia (1966),
Medeiros (1975) e Munné (1980), situam a origem desse fenô-
meno nas fases mais remotas da história humana. Para alguns, o
ponto de partida da gênese do lazer pode ser localizado nas socie-
dades arcaicas, para outros, remonta à Antiguidade grega.
De acordo com Ethel Bauzer Medeiros (1975, p. 1), o lazer
"corresponde a uma das necessidades básicas do ser humano",
não sendo, portanto, preocupação característica das sociedades
industriais. A autora parte da literatura para indicar o que alguns
poetas já diziam, ao longo dos tempos, sobre o lazer, bem como
sobre uma das formas mais tradicionais de ocupá-lo: a recreação.

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34 © Recreação e Lazer

Esse tipo de manifestação (o lazer) poderia ser expresso por


meio de uma série de atividades recreativas, como: jogos, danças
campestres, banquetes, músicas, pescarias, contos de poesia, fol-
guedos populares, bailes e festas, feiras e romarias.
Para De Grazia (1966), outro adepto dessa primeira corrente,
os povos primitivos e as civilizações do Oriente, do Egito ou da Pér-
sia, que antecederam a Antiguidade grega, não tinham lazer.
Em sua visão, falar das origens do lazer significa reportarmo-
nos às ideias constituídas na antiga Grécia, notadamente marcada
pela vida social dos filósofos, cujo esplendor ocorreu por volta do
século 5º antes de Cristo. Gomes (2008) afirma que o pensamento
grego é utilizado como ponto de partida devido a sua potenciali-
dade em fornecer elementos que auxiliem na elucidação dos va-
lores associados ao lazer.
Outro autor que pode ser citado é Frederic Munné (1980),
também partidário da tendência de que o lazer antecede à Mod-
ernidade e se situa na Antiguidade. De acordo com esse estudioso,
o "cio" é um modo típico de nos comportarmos no tempo, o qual
se estrutura em quatro áreas de atividade:
1) tempo psicobiológico: destinado a necessidades fisioló-
gicas e psíquicas;
2) tempo socioeconômico: fundamentalmente relativo ao
trabalho;
3) tempo sociocultural: em que nos dedicamos à vida em
sociedade;
4) tempo de "ócio": ou seja, de lazer, destinado a ativida-
des de desfrute pessoal e coletivo (MUNNÉ; CODINA,
2002).
A partir desse pensamento, poderíamos concluir que o lazer
sempre fez parte da vida dos indivíduos.
A tese de que a ocorrência histórica do lazer antecede às
sociedades pré-industriais é contestada por alguns autores como:
Dumazedier (1979), Marcellino (1983), Melo e Alves Junior (2003)
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 35

e Mascarenhas (2005). As críticas endereçadas ao pensamento


que advoga pela existência do lazer desde os tempos arcaicos são
marcadas fortemente pelo pensamento de Dumazedier.
O autor salienta que, nas sociedades do período arcaico, tra-
balho e jogo, embora diferentes, possuíam significações de mesma
natureza na vida da comunidade. Como trabalho e jogo se mes-
clavam, apresentando oposição mínima (ou inexistente), o autor
considera o lazer um conceito inadequado para o período arcaico.
Dumazedier (1979) não acredita que a ociosidade dos filóso-
fos da antiga Grécia ou da aristocracia medieval possa ser chama-
da de lazer. Para ele, esses privilegiados, cultos ou não, sustenta-
vam sua ociosidade com o suor do trabalho alheio. Tal ociosidade
não se define em relação ao trabalho, não o complementa nem o
compensa, apenas o substitui. Para o autor, o lazer pressupõe o
trabalho.
O autor reconhece que o tempo fora do trabalho é tão antigo
quanto o próprio trabalho, mas defende de forma enfática a ideia
de que o lazer possui traços específicos, característicos da civiliza-
ção nascida da Revolução Industrial.
Recentemente, Melo e Alves Junior (2003, p. 2) apresenta-
ram suas contribuições para a defesa desse modo de compreender
a ocorrência histórica do lazer, afirmando que:
A contínua busca de formas de diversão não significa ter sempre
existido o que hoje chamamos por lazer, na medida em que tais
formas de diversão guardam especificidades condizentes com cada
época, que devem ser analisadas com cuidado. Por certo, existem
similaridades com o que foi vivido em momentos anteriores – e
mesmo por isso devemos conhecê-los –, mas o que hoje enten-
demos como lazer guarda peculiaridades que somente podem ser
compreendidas em sua existência concreta atual. O fato de haver
equivalências não significa que os fenômenos sejam os mesmos.

E, continuando com as reflexões acerca da emergência his-


tórica sobre o lazer, Melo e Alves Junior (2003, p. 2) apontam que
[...] somente a partir de determinado momento da história que se
começa a utilizar a palavra lazer para definir um fenômeno social;

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36 © Recreação e Lazer

antes, outras palavras denominavam outros fenômenos, similares


mas não iguais.

Esse momento pode ser apontado como a Revolução Indus-


trial, conforme vimos anteriormente.
Continuando nessa linha, também podemos situar as contri-
buições de Mascarenhas (2005, p. 230), quando este afirma:
A ruptura com o ritmo "natural" de trabalho, uma imposição pecu-
liar ao capitalismo industrial, como não poderia ser diferente, im-
plicou numa verdadeira revolução do tempo social, opondo tempo
livre e tempo de trabalho. A possibilidade de alternância contínua
dos momentos de trabalho e não-trabalho começa aí a ser suplan-
tada. Nesta direção, a produtividade expressa pela nova disciplina
do relógio torna-se a grande inimiga do ócio, invadindo a esfera
do tempo livre e buscando conciliá-lo ao trabalho. É então neste
movimento de administração do tempo livre, de peleja contra os
valores, hábitos e comportamentos inerentes ao ócio, que pode-
mos localizar o aparecimento do lazer, fenômeno condizente com a
ideologia da sociedade industrial.

Sintetizando o que discutimos até então, as questões po-


dem ser colocadas nos seguintes termos: de um lado, temos os
estudiosos que conferem a existência do lazer, já desde os primór-
dios da humanidade, não havendo a necessidade de reconhecer
a Revolução Industrial e as suas transformações como ponto de
partida para o surgimento do lazer; do outro, um grupo de autores
que se baseia nesse período histórico para defender que, a partir
das tensões e transformações sociais promovidas por esse evento
histórico, teríamos a gênese do lazer.
Os argumentos elaborados por Dumazedier, um dos defen-
sores da segunda perspectiva, conforme pudemos observar, tam-
bém são alvo de questionamentos.
Uma leitura cuidadosa da obra Lazer: necessidade ou novi-
dade?, de Ethel Medeiros (1975), indica que a autora se empenha
em mostrar que o lazer sempre existiu, refutando, dessa maneira,
a tese oposta.
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 37

Medeiros (1975, p. 1) traz em seu texto as seguintes indaga-


ções:
Será o lazer, como querem alguns, preocupação característica da
sociedade industrial, que a ele recorre para contrabalançar a me-
canização, a rotina e a impessoalidade da linha de fabricação em
série? Ou corresponde a uma das necessidades básicas do ser hu-
mano, apenas mais aguçada nos nossos dias pelo ritmo veloz, ten-
sões e insegurança do mundo moderno?

Considerando as provocações apontadas anteriormente por


Medeiros (1975), ao longo do texto, a autora transcreve trechos
de poemas para mostrar o porquê de ser adepta da posição que
advoga ser o lazer um fenômeno presente nas sociedades arcaicas.
Munné (1980), ponderando sobre os argumentos de Du-
mazedier, considera equivocada a conclusão do sociólogo francês
de que o lazer seja um produto da civilização moderna. De acordo
com seu ponto de vista, Dumazedier reduz, por definição, qual-
quer possível manifestação histórica do lazer à mera desocupação
ou ociosidade, o que não seria procedente.
Os argumentos elaborados por Dumazedier, especialmente
no que diz respeito à consideração do lazer como típico da civiliza-
ção industrial, revelam seu esforço por conferir à chamada "socio-
logia do lazer" o estatuto de ciência (GOMES, 2004b).

Um dos expoentes da sociologia do lazer foi o inglês Stanley Parker.


Para um maior detalhamento de seu pensamento, recomendamos
a leitura da obra Sociologia do Lazer (PARKER, 1978).

Esse aspecto, geralmente negligenciado pelos autores da


área, mostra que o autor precisava defender esse pressuposto
para que o lazer fosse reconhecido como uma parte especializada
da teoria sociológica. Atitude curiosa não é? Vejamos o porquê
disso.
Para Dumazedier (1979), toda teoria sociológica precisa
apresentar três propriedades: ser deduzida de uma teoria mais ge-

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38 © Recreação e Lazer

ral; possuir uma coerência lógico-dedutiva e demonstrar que ne-


nhum fato importante está em contradição com ela.
Para a sociologia do lazer ser reconhecida como um ramo
especializado da sociologia, os pesquisadores do lazer deveriam,
entre outros procedimentos:
1) fazer um recorte do objeto estudado;
2) elaborar hipóteses e verificá-las;
3) utilizar estratégias metodológicas tidas como confiáveis;
4) formular quadros de referência;
5) apontar categorias de análise.
Os encaminhamentos anteriores seriam imprescindíveis
para se distinguir a sociologia do lazer dos outros ramos já esta-
belecidos na área: sociologia do trabalho, sociologia da família,
sociologia da religião, dentre outros. Caso não houvesse essa dife-
renciação, os estudos sobre o lazer acabariam penetrando em out-
ros campos, pois as manifestações culturais vivenciadas antes da
Revolução Industrial se mesclavam com as outras dimensões da
cultura.
Seguindo esse raciocínio, se as pessoas associassem o lazer
com as ações religiosas, por exemplo, as pesquisas sobre o tema
poderiam se encaixar perfeitamente na sociologia da religião, não
sendo necessária uma sociologia do lazer.
Tomando a mesma linha de pensamento, para exemplificar,
verifica-se que a integração entre lazer e religião é muito comum
em nosso meio, uma vez que é muito difícil separar o lazer de de-
terminados ritos e festejos religiosos.
Reconhecer a coerência e o mérito do arcabouço teórico for-
mulado por Dumazedier não significa que tenhamos de acatar todas
as suas ideias. As evidências revelam que o lazer não é um fenôme-
no observável apenas nas civilizações industriais avançadas.
O fato de essa ideia ser comumente aceita mostra que faltam
aprofundamentos e análises consistentes sobre a produção teóri-
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 39

ca de Dumazedier, um dos primeiros a defender essa proposição.


Evidentemente, a era Moderna foi fundamental para que o lazer se
estabelecesse como um fenômeno autônomo, normativo e orga-
nizado, configurando-se na forma como o conhecemos hoje. Esse
período também foi palco para o estabelecimento de importantes
reivindicações operárias, o que ressalta o valor desse movimento
histórico e social para o lazer (GOMES, 2004b).
Ao mesmo tempo que há diferenças marcantes entre o pas-
sado e o presente, também há correlações importantes a serem
avaliadas. Conhecer e considerar as peculiaridades de outras reali-
dades que compõem a nossa história pode fornecer contribuições
significativas para apreendermos o processo de constituição do
lazer.
A vivência das manifestações e das tradições culturais da hu-
manidade também pode nos auxiliar a compreender os significa-
dos comumente atribuídos ao lazer. Mesmo que algumas ideias
devam ser repensadas e revistas, esse é um lado da questão que
ressalta a importância das pesquisas dos autores que afirmam não
ser o lazer um fenômeno recente (GOMES, 2004b). Tal suposição
convida-nos a recuar na nossa história com o intuito de investigar
e compreender alguns dos princípios que influenciaram a consti-
tuição do lazer.
Neste instante, é importante possuirmos em nossos horizon-
tes o alerta realizado por Gomes (2004b, p. 138), ao nos colocar
que "é demasiado arriscado definir, com exatidão, o momento
histórico em que o lazer se configura na sociedade ocidental" e
sugerir que "conhecer e considerar as peculiaridades [...] de outras
realidades que compõe a nossa história pode fornecer expressivas
contribuições para apreendermos o processo de constituição do
lazer".
Nesse movimento, torna-se relevante considerar as contri-
buições daqueles que se debruçaram sobre os tempos antigos,
sobre a época medieval e também sobre a Modernidade, identi-

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40 © Recreação e Lazer

ficando elementos que nos auxiliem a compreender o processo


de constituição histórica do lazer em nossa sociedade, procurando
entendê-lo em relação ao trabalho.
Dessa forma, no próximo tópico, realizaremos um recuo ao
passado, em uma tentativa de conhecer algumas características
que possam nos auxiliar na compreensão do processo de consti-
tuição histórica do lazer em nosso meio.
Diversos caminhos poderiam ter sido seguidos, porém, pela
riqueza de elementos, três contextos devem ser privilegiados: a
sociedade greco-romana da Antiguidade; a feudal, da Idade Mé-
dia; e a urbano-industrial, da Modernidade.

Sociedade greco-romana
Foi aproximadamente no século 5º a. C. que ocorreu o "flo-
rescimento cultural do mundo grego", como o denominam os his-
toriadores. Essa época é conhecida como a fase clássica da Grécia,
representada pelo apogeu de Atenas: capital das artes, da ciência,
da filosofia e da política, fervilhante de novas ideias.
Os atenienses demonstravam paixão pela perfeição. Suas
construções eram imponentes, a arquitetura e o artesanato prima-
vam pela riqueza de detalhes; os jogos olímpicos eram motivados
pela busca da excelência.
Os jogos aconteciam no monte Olimpo e eram, antes de
tudo, um evento de cunho religioso, no qual deveriam ser ofereci-
dos sacrifícios e orações a Zeus.
Além de Zeus, muitos outros deuses eram cultuados pelos
gregos. Acredita-se que o teatro, a tragédia, a comédia e a decla-
mação da poesia tiveram origem nos rituais realizados pelas se-
guidoras de Dionísio, o deus do vinho. A Grécia clássica abrigava
uma centena de anfiteatros, e neles se encenavam muitas peças
sobre vários temas.
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 41

Em geral, quando as heranças gregas são consideradas nas


discussões sobre o lazer, os autores que debatem o assunto não
se debruçam sobre os significados das práticas culturais, como as
citadas anteriormente. Na maioria das vezes, são estabelecidas re-
flexões sobre o ócio, o que nos remete ao termo grego skholé, que
também é de grande valor para a compreensão do processo de
constituição histórica do lazer (GOMES, 2008).
Apesar de seu caráter contemplativo e reflexivo, skholé não
significava passividade, mas um exercício em forma elevada, atribuí-
do à alma racional. Implicava, necessariamente, as condições de
paz, reflexão, prosperidade e liberdade em face das necessidades
da vida de trabalho. Como dependia de certas condições educa-
cionais, políticas e socioeconômicas, representava um privilégio
reservado a uma pequena parcela da sociedade (GOMES, 2008).
A palavra skholé era um termo que, no uso comum, signifi-
cava um tempo desocupado, um tempo para si mesmo que gerava
prazer intrínseco. Entre os filósofos gregos, quem mais empregou
essa palavra foi Aristóteles; para ele, o lazer era um estado filosó-
fico no qual se cultivava a mente por meio da música e da contem-
plação (DE GRAZIA, 1966).
Esse estado seria alcançado apenas por aqueles que con-
seguiam libertar-se da necessidade de trabalhar, pois o trabalho
produtivo era visto como indigno. O ideal clássico de lazer indi-
cava, portanto, distinção social, liberdade, qualidade ética, relação
com as artes liberais e busca do conhecimento.
Skholé era associado à vida contemplativa, exercício nobre
ao qual somente poucos poderiam se entregar. Para Aristóteles
(s.d), nem todos poderiam se entregar ao ócio, pois a maioria se
ocupava com a produção do que era necessário e útil e com o ex-
ercício da guerra – como os artesãos, os lavradores e os guerreiros.
Mas, para esse filósofo, valia muito mais gozar da paz e do repouso
proporcionados pelo ócio, que era o inverso da vida ativa.

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42 © Recreação e Lazer

Para você, o que a expressão "vida ativa" representava


naquela época?
A expressão vita activa designava três atividades humanas
fundamentais. A primeira delas é o labor, atividade que correspon-
dia ao processo biológico do corpo humano, relacionada às neces-
sidades vitais, assegurando a sobrevivência do indivíduo e a per-
petuação da espécie. Poiesis designava a obra do homo faber, ser
humano que maneja instrumentos, capaz de produzir e fabricar
um mundo artificial de objetos, nitidamente distinto de qualquer
ambiente natural. A praxis, por sua vez, era a única atividade que
era exercida diretamente entre os homens sem a mediação dos
objetos ou da matéria. O recurso que predominava era o discurso,
a palavra. Tratava-se da ação no campo ético e político, como sub-
linha Arendt (1993) (GOMES, 2008).
Aristóteles foi aluno de Platão. De acordo com a filosofia
platônica, tal como expresso em suas Leis, um verdadeiro cidadão
não deveria trabalhar, e sim dedicar-se integralmente à vida con-
templativa. De fato, acreditava-se que um cidadão virtuoso não
"trabalhava". Quando este destinava um tempo às suas tarefas
políticas (caso desempenhasse algum cargo público), ou a seus af-
azeres econômicos (como administrar seus domínios, cultivados
pelos escravos), não estava "trabalhando", apenas zelando pela
vida habitual do espaço público e do privado, como pontua Veyne
(2002).
Tamanho era o desprezo pelo trabalho que, de acordo com
Platão, uma cidade bem feita seria aquela na qual os cidadãos fos-
sem alimentados pelo trabalho rural de seus escravos, e os ofícios
fossem relegados às pessoas "comuns". Uma vida virtuosa deveria
ser ociosa. Para Aristóteles, os escravos, os camponeses e os com-
erciantes não poderiam ter uma vida virtuosa, próspera e cheia de
nobreza: podem-no somente aqueles que dispõem dos meios para
organizar a própria existência, fixando para si mesmos um objetivo
ideal (VEYNE, 2002).
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 43

Dessa maneira, apenas os ociosos correspondiam, moral-


mente, ao ideal humano, merecendo ser reconhecidos como ci-
dadãos. Acreditava-se que os trabalhadores não saberiam gov-
ernar a cidade, não podiam, não deviam, não mereciam e nem
pensavam em fazê-lo: era impossível praticar a virtude levando-se
uma vida servil ou de trabalho braçal. A pobreza era naturalizada
por Platão, não sendo compreendida como uma decorrência de
relações sociais marcadas pela desigualdade.
Essas foram algumas das ideias que marcaram a sociedade
clássica grega. No entanto, com as conquistas de Alexandre da
Macedônia, imortalizado como "o Grande", passou-se da idade
grega para a helenística. Alexandre estendeu o império da Grécia
às fronteiras da Índia, mas acabou sucumbindo diante da dificul-
dade de controlar o vasto território conquistado a partir de um
ponto situado na periferia.
Roma foi bastante influenciada pela cultura helênica. A civi-
lização, a literatura, a arte e a própria religião provieram quase
inteiramente dos gregos. Para Veyne (2002), o Império Romano
foi a civilização helenística nas mãos brutais de um aparelho de Es-
tado − constituído por imperador e Senado ─ de origem latina. Por
essa razão, diz-se que Roma foi um império fundado na violência
e protegido por ela.
Roma estabeleceu-se como núcleo militar e legislativo, local-
izado no centro do cruzamento de fios que constituíam a enorme
teia do Império. A supremacia de Roma assentava-se em sua força
militar, e os povos conquistados eram defendidos pelos soldados
romanos.
Administrar a grande área conquistada pelos romanos não
foi uma tarefa simples. Roma determinou uma moeda única e pavi-
mentou estradas, possibilitando ao seu exército agir rapidamente
diante de ataques inimigos. Apenas um cônsul poderia comandar
um exército, sendo grande a corrupção e a incompetência. Embora
o latim fosse a língua oficial, cerca de uma dúzia de línguas circu-

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44 © Recreação e Lazer

lava nas ruas e nas praças romanas. As construções públicas eram


sempre grandiosas, para que o cidadão comum pudesse participar
da vida romana.
Como esclarece Veyne (2002, p. 41), em Roma, "todo homem
público fazia carreira pelo pão e pelo circo". O pão era a base da
alimentação de Roma, geralmente produzido em casa, pelas mul-
heres.
O império cresceu à custa do pão: os romanos construíram
com maestria aquedutos e cisternas, com os quais aproveitavam a
água das chuvas, transformando tudo em produtividade e riqueza.
Entretanto, a queda de Roma deveu-se igualmente ao pão, ou mel-
hor, à falta de pão para o povo.
Da mesma maneira que em terra grega, os concursos atléti-
cos e os jogos foram grandes acontecimentos em Roma, e em to-
das as cidades do império foram os grandes espetáculos públicos:
tratava-se do circo, representado por algumas das práticas cult-
urais que marcaram esta civilização (GOMES, 2008).
Banhos públicos, banquetes e festas; representações teatrais,
corridas de carros no circo e combates de gladiadores na arena do
Coliseu eram muito apreciados. Os notáveis eram os responsáveis
pelo financiamento dos espetáculos públicos que anualmente ale-
gravam a cidade. Quem fosse nomeado pretor ou cônsul deveria,
de espontânea vontade, desembolsar grandes quantias para pro-
porcionar esses divertimentos ao povo romano (GOMES, 2008).
Os espetáculos típicos de Roma espalhavam-se pelos anfite-
atros do império, e o povo era fascinado pela morte e pela violên-
cia. Na luta de gladiadores, o interesse central da arena repousava
na morte de um dos combatentes. Para o vencedor, a glória, para
o derrotado, a morte – ou a piedade, caso sua vida fosse poupada.
Veyne (2002) ressalta que a decisão de vida ou morte era tomada
pelo mecenas que proporcionava o espetáculo e pelo público.
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 45

As lutas de gladiadores eram paixões que despertavam o


interesse de todos, inclusive de senadores e pensadores, como
Sêneca, que dizia ir ao anfiteatro para se alegrar. Roma vivia do ím-
peto conquistador, e os gladiadores tinham o mérito de fortalecer
a coragem dos espectadores (GOMES, 2008).
Os banquetes, as festas e as orgias romanas eram famosos,
mas essas vivências também encontraram censores, que as con-
sideravam futilidades desprezíveis. Cícero, por exemplo, aproveit-
ava os dias de espetáculos para escrever seus livros (VEYNE, 2002).
Como destaca Munné, para Cícero, o otium era estratificado
socialmente: estava associado, no caso das elites intelectuais, à
meditação. Era o otium com dignidade. Essa qualidade não era
uma virtude de respeitabilidade, mas um ideal aristocrático de
glória, pois era possível adquirir dignidade, aumentá-la e perdê-la.
Entretanto, no que concerne às pessoas comuns, otium significava
descanso e divertimento proporcionados pelos grandes espetácu-
los. Essa estratégia tinha como finalidade "despolitizar" o povo,
reduzido à condição de mero espectador (GOMES, 2008).
Com isso, no contexto romano, o sentido que prevalece é o
de diversão, e não o de desocupação, como entre os gregos. Para
as incursões sobre lazer e trabalho, a síntese que os romanos fiz-
eram entre o otium e o negotium é de grande valor.
De acordo com Veyne (2002), no que se refere a esse segun-
do ponto, o pensamento romano era contraditório. Um notável
que negociava não era classificado como negociante, era um no-
tável. Ele não era definido pelo que fazia, não importando o que
fosse. Para ser apenas ele mesmo, um romano deveria possuir pat-
rimônio.
Profissionais liberais, escritores, filósofos, retóricos, gramá-
ticos e músicos não "trabalhavam". No máximo, dizia-se que exer-
ciam uma profissão verdadeiramente digna de um homem livre,
ou que eram "amigos" do senhor que os solicitava, justificando,
dessa maneira, um pagamento pela dedicação. Um pobre, em con-

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46 © Recreação e Lazer

trapartida, era sempre classificado conforme seu ofício, como sa-


pateiro ou operário diarista.
Ao lado do ideal de "ócio e política", que caracterizava a so-
ciedade antiga, uma ideia mais positiva do trabalho transparece
em documentos de origem popular. Muitos se orgulhavam de seus
ofícios, e alguns deles chegavam a pertencer ao Senado municipal
de sua cidade; várias pessoas fizeram fortuna com seu trabalho.
Ricos comerciantes, artesãos ou grandes agricultores menciona-
vam sua profissão no seu epitáfio, informando que "trabalharam
laboriosamente" (VEYNE, 2002).
O destino de quase toda a população romana era uma luta
ardorosa pela sobrevivência. Ou seja, eles trabalhavam muito.
Com a disseminação do cristianismo, muitos aderiram ao princípio
de que quem não trabalhava não teria o que comer. Era, simulta-
neamente, uma lição dada a si mesmo e uma advertência ao pre-
guiçoso que pretendia partilhar do pão obtido pelo suor alheio.
À primeira vista, a convivência entre cristianismo e pagan-
ismo não foi pacífica no império. "O paganismo era uma religião de
festas: o culto não passava de uma festa, com a qual os deuses se
divertiam, pois nela encontravam o mesmo prazer que os homens"
(VEYNE, 2002, p. 189). O calendário religioso diferia de uma cidade
para outra, mas periodicamente restaurava festas religiosas, vistas
como feriados. A religião determinava a distribuição irregular dos
dias de descanso ao longo do ano.
O império entrou em decadência ao final do século 3º, como
consequência de vários fatores: constantes corrupções das classes
altas, revoltas populares, invasão das fronteiras imperiais e fre-
quentes derrotas nas batalhas. Os bárbaros foram recebidos com
entusiasmo pelo próprio povo romano, há muito assolado pela
fome e pela miséria. Nem mesmo a adoção do cristianismo como
religião oficial de Roma foi capaz de refrear o inevitável declínio
do império, cuja degradação foi evidenciada nos primórdios do
período medieval (GOMES, 2008).
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 47

Sociedade medieval
A fase conhecida como Idade Média abrange um período
muito extenso, com características profundamente distintas ao
longo dos séculos. Essa etapa revelou-se heterogênea em termos
de tempos, lugares, formas de agir e categorias sociais.
Como será evidenciado neste tópico, muitas dessas variáveis
influenciaram a constituição do lazer e do trabalho em nosso meio,
especialmente considerando a vida social das pessoas comuns.
No século 5º, começa a se formar um sistema social, político
e econômico conhecido como feudalismo, cuja origem está rela-
cionada ao declínio do Império Romano do Ocidente, conforme
tratamos no tópico anterior.
Com a queda de Roma, muitos senhores abandonaram as
cidades e foram morar no campo, em suas propriedades. Em bus-
ca de trabalho e proteção, os cidadãos de poucas posses acom-
panharam os grandes senhores, ocasionando o esvaziamento das
cidades e a completa fixação da população no campo. Surgem,
então, os feudos medievais.
Com as invasões na Península Ibérica e na Europa Oriental, a
navegação e o comércio no mar Mediterrâneo foram bloqueados.
Isolada dos outros continentes, restou à Europa efetuar a simples
troca de mercadorias, sendo a agricultura praticamente a única
atividade econômica desenvolvida. Essas condições foram decisi-
vas para o estabelecimento dos feudos.
O feudo era o domínio de um senhor feudal, a unidade de
produção do feudalismo. Compreendia uma ou mais aldeias, as
terras cultivadas pelos camponeses, a terra da Igreja, a casa do
senhor (situada na parte mais fértil da propriedade), as pastagens,
os prados e os bosques comuns.
No feudalismo, as relações sociais podiam ser resumidas nas
relações entre servos e senhores. Enquanto os senhores tinham a
posse legal das terras e exerciam o poder político, militar, jurídico e

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48 © Recreação e Lazer

religioso (quando também assumiam as funções eclesiásticas), os


servos estavam presos a obrigações devidas ao senhor e à Igreja.
Essas obrigações podiam ser pagas com bens, serviços, presentes
ou dinheiro.
Os servos camponeses suportavam muitas injustiças e so-
frimento, e essa exploração era justificada pela própria Igreja,
a grande "senhora feudal". Alguns mosteiros medievais eram
enormes feudos, com numerosos servos que executavam os tra-
balhos mais pesados, enquanto os religiosos se entregavam às
orações, aos cantos sacros, às meditações e aos exercícios intelec-
tuais.
Diferentemente dos tempos mais remotos de Roma, quando
a religião cristã era uma opção entre várias outras, a Igreja unificou
a Europa e congregou um número cada vez maior de adeptos. Sua
organização ficava sob responsabilidade primordial do papa e dos
bispos, estruturando-se como um verdadeiro Estado − por vezes,
mais poderoso que os próprios reinos medievais.
A Igreja pregava o desapego aos bens materiais e a moral-
ização do trabalho, cujo sentido pode ser encontrado no Antigo
Testamento, no qual o trabalho é associado ao sacrifício, por rep-
resentar um castigo de Deus em decorrência do pecado original.
Sendo um pecador, o ser humano deveria aceitar esse des-
tino e dedicar-se inteiramente ao árduo trabalho. E quando não
estivesse trabalhando, deveria buscar a paz e a purificação do es-
pírito, evitando todo tipo de tentação causada pelos prazeres da
carne. Todos sabiam que Deus julgava e que as sentenças seriam
pronunciadas no último dia. Somente se afastando das armadilhas
do pecado seria possível alcançar um lugar entre os "eleitos de
Deus".
Alguns membros do clero estudavam a filosofia clássica
grega e romana com o intuito de adaptar esse importante legado
aos princípios cristãos. Essa orientação pode ser identificada no
pensamento de Santo Agostinho (que no século 6º retomou os es-
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 49

tudos de Platão) e de São Tomás de Aquino (que deu novo vigor


à obra de Aristóteles no século 19, enfatizando a noção de ócio
como contemplação).
Desde o despertar da Idade Média, os líderes religiosos fa-
ziam valer a premissa de que "conhecimento é poder", e a exer-
ciam perante os outros membros da sociedade, pois quase toda
a população pobre era analfabeta. Essa era uma das razões pelas
quais os camponeses deveriam exercer o trabalho árduo, uma vez
impossibilitados de desempenhar outras atribuições mais ilustres
(GOMES, 2008).
Fome, miséria e trabalhos forçados eram elementos con-
stantes no cotidiano servil. Tudo isso era aceito com resignação,
pois a glorificação da pobreza significava uma condição necessária
à salvação da alma, reforçando a noção do trabalho como sacrifí-
cio, moralmente necessário para o alcance desse propósito.
A época medieval foi marcada por muitos feriados religio-
sos, dias de descanso nos quais se deveria reforçar a devoção a
Deus. No entanto, nesses feriados eram realizados jogos, cantos,
festas e comemorações, colocando em evidência o contraste entre
o sagrado (sério e oficial) e o profano (cômico e risonho) (GOMES,
2008).
Desde o cristianismo primitivo, o riso foi condenado e af-
astado da cultura oficial, pois o bom cristão deveria ser constante-
mente sério e temente a Deus, conservando o arrependimento e
a dor em expiação de seus pecados. Enquanto contenção e sofri-
mento eram associados com a redenção, o riso denunciava sucum-
bência às tentações de inspiração demoníaca. Mas nem por isso as
formas cômicas deixaram de subsistir ao lado das canônicas. Por
ser jocoso e alegre, o riso continha um aspecto regenerador, fun-
damentado no folguedo, na alegria e no cômico (GOMES, 2008).
Na Idade Média, o riso era dirigido especialmente contra os
estratos superiores. Construía seu próprio mundo contra a Igreja e
o Estado oficial, elegia reis e bispos, celebrava sua própria liturgia,

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50 © Recreação e Lazer

professava sua fé, cumpria rituais fúnebres, redigia epitáfios. O riso


não era uma sensação subjetiva, biológica e individual, mas social
e universal (BAKHTIN, 1999). Misturado à multidão do carnaval na
praça pública, por exemplo, o homem sentia-se membro de uma
comunidade em perpétuo estado de crescimento e renovação, na
qual seu corpo estava em contato com os das pessoas de todas as
idades e condições.
O riso gozava de poderoso encanto que, por vezes, alcançava
todos os graus da jovem hierarquia feudal, inclusive a eclesiástica.
Bakhtin (1999) considera que esse alcance pode ser explicado por
vários fatores, tais como:
a) as tradições romanas, como as saturnais e outras formas
de riso popular legalizadas em Roma, ainda estavam
muito vivas no início da época medieval;
b) a cultura popular era muito forte nesse período, de ma-
neira que o sistema feudal em constituição a considera-
va, aproveitando seus elementos com interesses sociais
e políticos específicos;
c) a Igreja procurava coincidir as festas pagãs e cristãs locais
a fim de cristianizar os cultos cômicos (GOMES, 2008).
As formas e as manifestações do riso medieval eram com-
postas por ritos e cultos cômicos; presença de bobos e bufões;
atuação de gigantes, anões, monstros e palhaços; literatura paró-
dica, obras cômicas e teatro popular (especialmente de marione-
tes), representado por artistas de feira nas praças públicas, bem
como nas festas carnavalescas. Todas essas manifestações do riso,
chamadas "grotescas", contrapunham-se à cultura oficial, ao tom
sério, religioso e feudal da época. Nas cerimônias de entrega do di-
reito de vassalagem ou iniciação de novos cavaleiros, por exemplo,
era comum a presença de bufões e bobos, que parodiavam os atos
formais das autoridades e do público presente (GOMES, 2008).
O carnaval era uma prática comum, vivida por todos, e, nas
grandes cidades, chegava a durar três meses por ano, no total.
Como sublinha Bakhtin (1999), o carnaval era a expressão mais
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 51

autêntica da cultura cômica popular da época. Os espectadores


não assistiam ao carnaval, eles o viviam intensamente. Essa festa
representava uma fuga provisória dos moldes da vida ordinária, e,
enquanto durasse, não se conhecia outra vida.
Para Bakhtin (1999, p.7),"O carnaval é a segunda vida do
povo, baseada no princípio do riso. É a sua vida festiva. A festa é a
propriedade fundamental de todas as formas de ritos e espetácu-
los cômicos da Idade Média".
Inspirado nas saturnais romanas da Antiguidade, o carnaval
acontecia nos espaços coletivos e populares e propiciava uma lib-
eração temporária da verdade dominante e do regime vigente, ab-
olindo provisoriamente todas as relações hierárquicas, privilégios,
regras e tabus.
Enquanto as festas oficiais consagravam a desigualdade, no
carnaval todos eram "iguais", reinando um contato livre e familiar
entre indivíduos normalmente separados na vida cotidiana pelas
barreiras intransponíveis de sua condição social, posses, idade e
situação familiar.
Era comum o uso de máscaras, que traduziam a alegria das
alternâncias, das metamorfoses e das reencarnações que reco-
briam a natureza inesgotável da vida com suas múltiplas faces.
A máscara carregava o sentido da cultura popular e carnavalesca
medieval, não sendo utilizada para enganar, encobrir ou dissimu-
lar, mas para revelar a alegre negação da identidade e do sentido
único. O complexo simbolismo das máscaras é inesgotável. Basta
lembrar que manifestações como a paródia, a caricatura, a careta,
as contorções e as "macaquices" são derivadas da máscara. É na
máscara que se revela com clareza a essência profunda do gro-
tesco (GOMES, 2008).
O grotesco, uma das peculiaridades da sociedade medieval,
favoreceu a relação essencial do riso festivo com o tempo, sendo
este caracterizado pela alternância das estações, pelas fases so-
lares e lunares, pela sucessão dos ciclos agrícolas. Sendo assim, o

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52 © Recreação e Lazer

lado cômico e popular da festa concretizava a esperança em um


futuro melhor, em um regime social e econômico mais justo, em
uma nova verdade que enfatizava a mudança e a renovação.
Até certo ponto, os rituais cômicos das festas, os folguedos
das feiras, os carnavais, as procissões e os ritos estavam legaliza-
dos. Evidentemente, essa permissão legal era forçada e alternava-
se com as interdições. A vitória efêmera do riso só durava o perío-
do da festa, sendo logo seguida por dias ordinários de medo e
opressão. Ao contrário do riso, a seriedade medieval impregnava-
se de elementos de temor, repressão, fraqueza, docilidade, resig-
nação, hipocrisia, proibições, violência e ameaças (GOMES, 2008).
Sob os imperativos do regime feudal, a relação da festa com
os fins superiores da existência humana (a ressurreição e a renova-
ção) somente poderia alcançar plenitude no carnaval e em outros
festejos populares e públicos. Bakhtin salienta que, nessa circun-
stância, a festa convertia-se em uma segunda vida para o povo,
temporariamente marcada pelos ideais de liberdade, igualdade,
universalidade e abundância (GOMES, 2008).
Paradoxalmente, as festas oficiais da Igreja e do Estado me-
dieval contribuíam para sancionar o regime em vigor com o intuito
de fortalecê-lo. As festas oficiais consagravam a desigualdade, a
imutabilidade e a durabilidade das hierarquias, das normas e dos
tabus religiosos, políticos e morais. O tom da festa oficial era o da
seriedade, e o princípio cômico lhe era estranho. De acordo com
Bakhtin, o homem da Idade Média era perfeitamente capaz de
conciliar a assistência piedosa à missa oficial e a paródia do culto
oficial na praça pública. A confiança de que gozava a verdade bur-
lesca, a do "mundo às avessas", era compatível com uma sincera
lealdade (GOMES, 2008).
As festas celebradas nos feriados, como a "festa dos lou-
cos", eram, no início da Idade Média, comemoradas nas igrejas e
consideradas perfeitamente legais, mas, em seguida, tornaram-se
controversas, até que, no final desse período, foram consideradas
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 53

ilegais. Mesmo proibidas, continuavam a ser celebradas nas ruas


e nas tavernas, incorporando-se aos folguedos populares (GOMES,
2008).
O controle por parte da Igreja tornou-se mais evidente duran-
te o período da Inquisição, no século 13. A Igreja procurou reforçar
seu poder e sua unidade religiosa a partir da repressão, condenan-
do à fogueira os praticantes de heresias – como festas profanas,
carnavais, jogos, saraus e serões, entre outros divertimentos que
poderiam ocasionar o vício e as armadilhas do pecado. O historia-
dor Roger Chartier salienta que os serões camponeses atestados
nas condenações eclesiásticas eram sempre mencionados como
lugar do trabalho em comum, do jogo e da dança, do riso e da di-
versão, dos contos e das canções, da confidência e dos mexericos.
Como essas reuniões eram consideradas sórdidas e pecaminosas,
deveriam ser evitadas (GOMES, 2008).
Como visto, a Idade Média caracterizou-se por uma econo-
mia predominantemente agrícola e por uma sociedade fechada
entre os proprietários de terra e os camponeses que viviam em
estado servil, uma vez subordinados aos interesses hegemônicos.
Compreender a sociedade medieval significa ir além desse aspec-
to, procurando entender o papel que as festas, fossem elas ofici-
ais ou não, ocupavam na vida habitual; significa discutir os valores
que essas e outras práticas culturais reforçavam, bem como as per-
spectivas que abriam (GOMES, 2008).
Ao colocar em relevo o papel da Igreja e do Estado medi-
eval, muitos consideram esse período como a "idade das trevas",
ignorando muitas vezes a esplendorosa cultura popular que prev-
aleceu no medievo, como resistência aos princípios dominantes.
O período conhecido como "Renascimento" alcançou seu
apogeu por volta do século 16 e representa uma fase de tran-
sição entre as idades Medieval e Moderna. Trata-se de uma época
conturbada, permeada por conflitos entre a Igreja e o Estado e
caracterizada por uma efervescência epistemológica, intelectual

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54 © Recreação e Lazer

e artística, acentuada pelo desejo de empreender novas desco-


bertas quanto à natureza e ao homem, demolindo tudo quanto
viera do passado e redescobrindo o saber greco-romano livre da
tradição cristã (GOMES, 2008).
Conforme Guimarães, o Renascimento valorizou ainda mais
a cultura erudita da Antiguidade clássica, aliada às notáveis desco-
bertas científicas da época, à consolidação de códigos de conduta
e ao refinamento do gosto – observados pelo clero, pela nobreza
e também pela burguesia emergente –, e provocou um lamentável
desprezo pela cultura popular medieval, tomada como ignorante,
provinciana, rústica e folclórica (GOMES, 2008).
Algumas dessas premissas permaneceram, outras sucumbi-
ram diante dos valores prevalecentes nas modernas sociedades
urbano-industriais, que fornecem mais alguns elementos para a
discussão sobre lazer e trabalho.
Vamos, passar, então, para um delineamento histórico des-
sas sociedades urbano-industriais.

Sociedades urbano-industriais
O projeto da Modernidade primou, entre outros aspectos,
pela fragmentação dos tempos e dos espaços sociais, aspecto de-
terminante para o redimensionamento da sociedade urbana e in-
dustrial. Essa nova orientação provocou um maior distanciamento
entre público e privado, entre ciência e religião, entre trabalho e
lazer.
O objetivo deste tópico é compreender alguns dos elemen-
tos que impulsionaram o processo de institucionalização do lazer
no contexto da moderna sociedade urbana e industrial, conside-
rando, em especial, as influências advindas do mundo do trabalho.
Por mais conceituadas que fossem as cidades, antes da era
Moderna, as áreas rurais eram as grandes produtoras de riqueza. À
medida que o padrão social de riqueza se alterou da posse de terra
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 55

para o montante de dinheiro acumulado, a classe burguesa viu-


se em situação privilegiada. Afinal, os substanciais valores gerados
pelo comércio garantiram à burguesia um progressivo acúmulo de
capital.
A atuação da burguesia foi decisiva para o término do feu-
dalismo e para a consolidação dos Estados Nacionais. Ao defender
o direito à propriedade privada, a burguesia investiu maciçamente
no desenvolvimento industrial, alterando os antigos laços de sub-
ordinação à terra e ao senhor. Nesse contexto, os pequenos pro-
prietários, artesãos e "jornaleiros" (contratados para desenvolver
determinada jornada de trabalho) foram transformados em trab-
alhadores livres — "livres" para vender a força produtiva às classes
burguesas, detentoras do capital e dos meios de produção, seja
no campo ou nos grandes centros urbano-industriais (GOMES,
2004b).
É importante esclarecer que o processo de industrialização
sempre existiu, desde as épocas mais antigas, pois representa a
transformação de matéria-prima, preparando-a para o uso. A
produção em pequena escala é conhecida como artesanal, dife-
rentemente da manufatureira, que apresenta maior complexi-
dade, amplitude e diversificação. A produção industrial requer uti-
lização de utensílios e máquinas capazes de substituir o trabalho
pesado do homem e não começou somente com o uso sistemático
do vapor em meados do século 18, mas, sem dúvida, o salto deci-
sivo da indústria ocorreu nesse período, ganhando dinamismo nos
séculos seguintes, como consequência do avanço científico-tec-
nológico gerado com o advento mundialmente conhecido como
Revolução Industrial (GOMES, 2008).
Queiroz pontua que o progresso industrial possibilitou que
as sociedades urbanas se afirmassem como centros produtores no
setor econômico, inaugurando, na Europa, uma nova forma de vida
social. A mecanização do trabalho, a especialização das tarefas e a
organização racional das atividades representam os primeiros in-

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56 © Recreação e Lazer

dícios de transformação do trabalho urbano, que, posteriormente,


se estenderam também ao agrário (GOMES, 2008).
Como observa a autora recém-mencionada, a mecanização
da lavoura dispensou um amplo contingente de mão de obra, que
se dirigiu às cidades em busca de novas oportunidades de trabal-
ho. A progressiva inovação tecnológica, associada à organização da
produção em massa, permitiu à cidade se estabelecer como polo
produtor de riqueza. Por essa razão, do ponto de vista numérico,
a população urbana rapidamente superou a rural (GOMES, 2008).
As cidades desenvolveram-se ao redor das fábricas, e o acel-
erado e desordenado crescimento dos centros urbanos gerou
problemas diversos. Aqueles que não conseguiam trabalho eram
classificados como "desocupados", cuja ociosidade era vista como
uma ameaça constante para a ordem social. De acordo com Cho-
ay, foi a expressão de desordem típica dos centros urbanos que
evocou a necessidade de promover sua antítese, ou seja, a ordem
(GOMES, 2008).
Para promover a ordem, seria necessário desenvolver uma
série de procedimentos: racionalizar as vias de tráfego e criar es-
tações para acelerar os transportes; preparar a especialização dos
setores urbanos, por meio do estabelecimento de áreas de negó-
cios, agrupados nas capitais em torno da "nova igreja" (bolsa de
valores); criar bairros residenciais destinados aos privilegiados,
inaugurar grandes lojas, hotéis, cafés e prédios para alugar, inicia-
tivas que alteraram profundamente o aspecto da cidade. Com a
implantação da fábrica nas adjacências, o operariado deslocou-se
para os subúrbios, e a cidade deixou de ser uma entidade espacial
tão delimitada como era na época medieval. Essa rigorosa seg-
mentação do espaço urbano instalou em locais distintos o hábitat,
o trabalho e o lazer (GOMES, 2008).
A segmentação do espaço estabeleceu correlações com
a fragmentação do tempo nas sociedades urbano-industriais,
que passaram a ser regidas pelo relógio. Trata-se da vigência do
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 57

tempo mecânico, artificial, não mais regulado pela natureza. Para


Sant'anna (1994), a divisão dos períodos em tempo de trabalho,
tempo de estudo e tempo livre foi criada pelo desenvolvimento
técnico e industrial da Modernidade, pelo ritmo das metrópoles e
pelos preceitos do sistema capitalista.
Nesse âmbito, o tempo no espaço urbano e industrial da
Modernidade passou a ser compreendido e vivenciado conforme
uma nova divisão historicamente concebida, na qual há uma
grande demarcação entre o tempo de trabalho e o tempo livre.
Para compreender a organização do tempo livre, é impre-
scindível entender a divisão social do trabalho, as relações de
produção e o desenvolvimento da racionalidade técnica, ou seja,
a lógica do capitalismo. É importante lembrar que o capitalismo
não foi constituído como um sistema rígido, apresentando grande
capacidade de adaptação e flexibilidade, o que vem propiciando
sua permanência ao longo dos tempos (GOMES, 2008). Contudo,
a situação de desigualdade social decorrente da Revolução Indus-
trial é um dos seus graves problemas, repercutindo intensamente
nas relações estabelecidas entre o tempo de trabalho e o tempo
livre.
Aparentemente, trabalho e tempo livre são esferas opostas,
pois o primeiro é apresentado como o reino da necessidade, en-
quanto o segundo é visto como a esfera da liberdade, da gratui-
dade e da desobrigação, como sugere a própria expressão "livre".
Entretanto, no interior do sistema capitalista, o tempo livre é uma
extensão do tempo de trabalho, estando de acordo com a lógica
da produtividade. Seguindo essa linha de raciocínio, quando o laz-
er é visto como válvula de escape para as tensões, funciona como
um mecanismo que reforça a alienação engendrada, pela lógica do
capital, até mesmo no tempo reservado aos momentos de "não
trabalho" (GOMES, 2004b).
No decorrer do século 19, difunde-se rapidamente a ideia de
que o trabalho, categoria que passa a ser a referência determinan-

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58 © Recreação e Lazer

te da vida em sociedade, é o que permite aumentar a riqueza das


nações (GOMES, 2004b).
Esse novo pensamento desenvolveu-se a partir do avanço
capitalista e da exploração de mão de obra assalariada, comprom-
etendo a noção elaborada por Marx, na qual o trabalho ─ concebi-
do como possibilidade de transformação dos objetos e do mundo
− é o que diferencia, fundamentalmente, o homem do animal.
De acordo com Thompson (1991), a disciplina imposta pelo
capitalismo industrial exigiu uma nova postura da mão de obra as-
salariada, pautada no aproveitamento produtivo do tempo, agora
concebido como dinheiro. Nessa perspectiva, aos operários foi ga-
rantido apenas o repouso necessário para sua reprodução como
força de trabalho.
Aqueles que conseguiam emprego trabalhavam para garan-
tir a sobrevivência enfrentando jornadas exaustivas nos sete dias
da semana, não sobrando tempo para o descanso e tampouco
para a diversão. Todo o tempo dos proletários era voltado para as
atividades laborais e para as atividades indispensáveis à manuten-
ção de sua capacidade produtiva.
Além disso, era grande o medo de perder o posto de trabal-
ho ocupado. O patrão poderia, por exemplo, intensificar o período
diário de trabalho nas fábricas e abolir o descanso semanal, porque
sabia que os operários acabariam aceitando essas condições. Os
festejos, que no decorrer da Idade Média duravam dias, semanas
ou meses, foram completamente banidos da vida do operariado.
As exaustivas jornadas de trabalho, ao lado das necessidades de
higiene, alimentação e transporte, ocupavam todo o tempo em
função do ritmo e das relações estabelecidas no interior do pro-
cesso produtivo (GOMES, 2004b).
Nesse contexto, são válidas as palavras de Paul Lafargue
(1999), que combateu a economia capitalista com o panfleto O di-
reito à preguiça, publicado originalmente em 1880. Nessa obra,
o autor critica a moral cristã e a ética do trabalho, esboçando um
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 59

painel da sociedade burguesa e focalizando a questão da consciên-


cia de classe que faltava ao proletariado.
De acordo com Lafargue (1999), à medida que a máquina era
aperfeiçoada, suprimindo o trabalho humano, o operário parecia
multiplicar seu empenho, como se quisesse concorrer com o eq-
uipamento, o que para esse autor representava um contrassenso.
O proletariado precisava entender que a máquina deveria redimir
a humanidade, resgatando o homem do trabalho assalariado para
conceder-lhe "os lazeres e a liberdade".
Sendo assim, Lafargue instigou a classe proletária a mobili-
zar-se para instaurar uma lei que proibisse o trabalho além de três
horas diárias. Conforme sua visão, a preguiça era mil vezes mais
nobre e mais sagrada que os "direitos do homem" proclamados
pela burguesia. Tal argumentação ecoou como um verdadeiro ul-
traje à lógica da produtividade. Entretanto, fiéis a essa lógica, os
proletários acreditavam que aqueles que não trabalhavam eram
inúteis e não tinham o direito de comer, muito menos de descan-
sar e de se divertir (GOMES, 2008).
O discurso de Lafargue coincidiu com as históricas reivindi-
cações operárias pelo estabelecimento de leis referentes à limita-
ção da jornada de trabalho, ao descanso semanal e às férias re-
muneradas. A observância dessas leis garantiria ao operariado um
aumento do tempo livre. Surge, em alternância com o tempo do
trabalho, o tempo de lazer, visto como necessidade e reivindicado
como direito (GOMES, 2008).
Era muito comum os desempregados e o proletariado se
entregarem ao alcoolismo e à prostituição, entre outros vícios e
"desvios morais" encarregados de aliviar as duras condições a que
eram submetidos. Ademais, o ócio, antes concebido como exer-
cício nobre e elevado, foi tomado como "pai de todos os vícios",
hábito degenerativo que afrontava os preceitos morais da civiliza-
ção moderna.

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60 © Recreação e Lazer

A racionalidade técnica em ascensão nas sociedades urbano-


-industriais passou a repudiar o ócio porque este não correspon-
deu à produtividade preconizada pelo capital. Quem não exercia
nenhuma atividade útil ou produtiva era classificado como vadio e
criminoso, devendo ser encarcerado (GOMES, 2004b).
O lazer institucionaliza-se em consonância com esses valo-
res, sendo entendido como tempo/espaço destinado à vivência de
atividades lúdicas, consideradas pela burguesia "lícitas, saudáveis
e produtivas" ─ como praticar ginástica e esportes ao ar livre.
O lazer é, então, uma dimensão da cultura construída con-
forme as peculiaridades do contexto histórico e social no qual é
desenvolvido. Nas sociedades modernas, passa a ser reconhecido
como uma esfera própria, como um campo autônomo, distinto do
trabalho, mas a ele relacionado.
Além da complexidade que engendra essa trama social, cabe
destacar que o lazer foi constituído como um tempo/espaço sub-
traído do trabalho; como um campo propício para fugir da rotina,
compensar frustrações, proporcionar descanso ou divertimento
no tempo supostamente "livre" das mazelas do trabalho produti-
vo. Por essa razão, como uma prática social dialeticamente vincu-
lada ao trabalho, mesmo passível de direcionamento, o lazer pode
ser visto como um direito jurídico e legalmente reivindicado pelos
trabalhadores no final do século 19.
Em suma, à medida que a burguesia procurou exercer con-
trole sobre o tempo livre, revertendo-o em benefício do pró-
prio tempo de trabalho, o ócio foi encarado como um desvio, e
o lazer − normativo, controlado, regulado − passou a ser a regra
(SANT’ANNA, 1998).
O processo de institucionalização do lazer no contexto da so-
ciedade moderna foi impulsionado por vários fatores, tais como a
urbanização, o avanço tecnológico e industrial, a difusão da noção
de tempo mecânico, o desenvolvimento do modo de produção ca-
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 61

pitalista e a concretização de projetos sociais, políticos e pedagó-


gicos condizentes com os valores hegemônicos em cada momento
histórico. O capitalismo não vem se constituindo como um sistema
rígido, perpetuando-se graças à sua grande capacidade de adap-
tação e flexibilidade. Contudo, a história construída em nossa so-
ciedade revela sua "fratura exposta": a exploração proveniente da
Revolução Industrial (GOMES, 2008; GOMES, 2004b).
Esses elementos foram essenciais não apenas para orientar
os novos rumos seguidos pelo trabalho, mas também para o lazer,
com profundos impactos na sociedade contemporânea.
Após realizar essa incursão histórica pela Idade Moderna,
passaremos a nos deter na discussão da relação lazer-trabalho na
sociedade contemporânea.

Sociedade contemporânea
Geralmente, o trabalho é concebido como uma obrigação,
e não como uma autêntica possibilidade de realização humana.
Para Padilha (2004), como o trabalho é colocado em situação de
oposição à liberdade, esta só poderia ser vivenciada pelo trabal-
hador no tempo fora do ato produtivo. Sendo assim, o tempo livre
surge como um suposto tempo de liberdade, de liberação das am-
arras, das obrigações e das contradições presentes no mundo do
trabalho.
É necessário lembrar que as sociedades humanas sempre se
organizaram em "tempos sociais", ou seja, em momentos determi-
nados pelas atividades sociais neles desenvolvidas: o tempo para o
trabalho, para a educação, para a religiosidade, para a família, para
o descanso etc. A vida coletiva é regida pela articulação desses
momentos. A compreensão do tempo livre, que representa um
tempo social, sempre esteve vinculada aos significados do trabal-
ho e do tempo de trabalho. Em decorrência, seu principal sentido
prevalece como o de um tempo de não trabalho (PADILHA, 2004).

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62 © Recreação e Lazer

Como explica a autora, a lógica do capital rege não apenas o


tempo de trabalho, mas também o tempo fora dele. No entanto,
para Padilha (2004, p. 221),
[...] o tempo livre pode ser um tempo de alienação e consumismo,
mas também pode ser um tempo de reflexão e práxis. [...] Numa
abordagem crítica da sociedade ela é apreendida como contra-
ditória, o que faz com que o tempo livre, como um fenômeno so-
cial, também seja cheio de contradições.

Essa opinião é compartilhada por muitos estudiosos, como


Souza Júnior (2000), para quem o tempo livre deveria constituir
o momento em que cada ser social poderia dispor de si mesmo
livremente, sem se submeter ao imperativo de ter de trabalhar
para viver. Porém, no contexto da sociedade regida pelo capital
o tempo livre se encontra distanciado do ideal de estar consigo
mesmo de maneira liberta, se configurando em um momento para
reprodução da força de trabalho.
Além disso, o autor acredita que o desenvolvimento das for-
ças produtivas deveria levar a humanidade a despender cada vez
menos tempo no trabalho, dispondo cada vez mais de tempo livre
no qual possa desenvolver sua potencialidade (SOUZA JÚNIOR,
2000). Será que a humanidade está caminhando para um aumen-
to do tempo livre?
As reflexões sobre a progressiva ampliação do tempo livre,
bem como suas articulações com o trabalho e o lazer, foram esta-
belecidas ao longo do século 20. Essa questão não representa um
assunto "novo" para quem acompanha os estudos sobre o lazer,
mas foi retomada recentemente por alguns autores, tais como De
Masi (2000).
De acordo com o pensamento desse sociólogo italiano, nos-
sos antepassados viviam aproximadamente 300 mil horas, das
quais 120 mil eram dedicadas ao trabalho. Hoje, com o aumento
da expectativa de vida, podemos viver muito mais (cerca de 700
mil horas) e, mesmo cumprindo jornadas diárias de oito horas dos
vinte aos sessenta anos de idade, trabalharemos no máximo 80 mil
horas (DE MASI, 2000).
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 63

O autor argumenta que, enquanto nossos ancestrais trabal-


havam quase a metade de suas vidas, na sociedade "pós-industrial"
de hoje trabalhamos apenas um décimo de nossa existência. Dessa
forma, uma pessoa de quarenta anos de idade deverá viver, ainda,
350 mil horas. Desse total, prevê que 40 mil horas serão dedicadas
ao trabalho e, aproximadamente, 180 mil ao tempo livre.
Para De Masi (2000), o tempo livre corresponde a 9/10 da
vida humana, sendo facilitado pelas novas tecnologias. Ao tecer
elogios ao avanço tecnológico, o autor parece considerá-lo como
redentor da humanidade. Com isso, o telefone e o avião permitem-
nos "economizar" o tempo, que também pode ser "enriquecido"
com o rádio, "programado" com as agendas eletrônicas e "esto-
cado" com as secretárias eletrônicas. Para o autor, essa tecnolo-
gia, altamente sofisticada, acaba colaborando com a ampliação do
tempo livre.
Santos (2000) observa que as contínuas evoluções tecnológi-
cas prometeram não somente uma liberação do esforço no trab-
alho, acenando também com mais tempo livre para todos, mais
informação, mais comunicação, mais política e mais desenvolvi-
mento humano. Em outras palavras, um mundo melhor. Contudo,
lamentavelmente, a realidade vem mostrando que o tempo livre
não vem sendo ampliado, mas, sim, reduzido em larga escala,
especialmente por causa das condições sociais de existência da
maioria das pessoas.
A explicação elaborada por De Masi (2000), embora dota-
da de uma lógica própria, desconsidera questões sociais que são
fundamentais a um entendimento mais amplo e consistente do
trabalho e do lazer. Em várias regiões do mundo continuam pre-
dominando as jornadas de trabalho extremamente longas dos
primórdios do capitalismo e, mesmo nas metrópoles ocidentais,
a jornada real de trabalho foi reduzida apenas em certa medida.
Consequentemente, cada vez mais as pessoas procuram, deses-
peradamente, o tal "tempo livre", como pondera Kurz (2000).

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64 © Recreação e Lazer

O trabalhador contemporâneo, que desenvolve uma ativi-


dade altamente complexa e cumpre uma jornada diária de sete/
oito horas, trabalha, na verdade, muito mais tempo real do que
alguém de outra época, mesmo que este estivesse sujeito a um
turno de 14 h diárias de trabalho com baixo grau de complexidade
(ANTUNES, 2004).
Sendo assim, percebe-se, na contemporaneidade, que as ex-
igências de desempenho profissional crescem consideravelmente.
Há um novo paradigma produtivo exigindo esforço redobrado,
que, quando não prolonga as jornadas, acaba provocando uma
grande intensificação durante o tempo de trabalho.
Muitas corporações aderiram à redução de pessoal, optan-
do por estratégias que parecem gerar melhores resultados para
as empresas. Logo, aqueles que permaneceram empregados
passaram a trabalhar muito mais: tanto para dar conta de cum-
prir todas as tarefas como para não correr o risco de demissão.
Os trabalhadores informais também acabam trabalhando muito,
pois enfrentam jornadas extensas para tentar manter sua antiga
condição de renda (WERNECK; STOPPA; ISAYAMA, 2001).
Além de trabalhar muito, o trabalhador fica vulnerável aos
imperativos do mercado, que provocam uma gradativa deteriora-
ção das relações de trabalho.
Com isso, cresce em proporções impressionantes o núme-
ro de trabalhadores informais contratados em regime de tempo
parcial ou por períodos temporários, especialmente no setor de
prestação de serviços. Além de ser o setor que mais cresce em
todo o mundo, não se esqueça de que é ele quem engloba o mer-
cado de trabalho no campo do lazer.
O crescimento do setor de serviços vincula-se com os novos
hábitos de vida apreciados atualmente, com uma evidente valo-
rização do lazer. Além disso, relaciona-se com a substituição, em
larga escala, de antigos empregos formais pela contratação de ser-
viços terceirizados. Alegando que essa medida é uma resposta à
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 65

pressão do mercado, empresas argumentam que a inevitável saída


é comprar por um preço menor, no mercado concorrencial, mui-
tos dos produtos e dos serviços disponíveis (WERNECK; STOPPA;
ISAYAMA, 2001).
No setor de prestação de serviços, desde a década de 1980, o
número de empregados informais ultrapassa os formais em vários
países do mundo, sendo o quadro traduzido simplesmente como
redução geral do emprego.
Tal situação não está circunscrita ao chamado Primeiro
Mundo, atingindo também os países em desenvolvimento. Além
disso, abrange tanto a exclusão de uma crescente massa de tra-
balhadores do gozo de seus direitos legais como a consolidação
de um ponderável exército de reserva e o agravamento de suas
condições.
Diante dessa realidade, certamente o acesso da população
brasileira ao lazer fica comprometido. Enquanto muitos se veem
obrigados a prolongar sua jornada de trabalho, outros se encon-
tram à margem dos meios e dos recursos para vivenciar os direitos
sociais — dentre os quais o lazer — com dignidade.
Existem infinitas possibilidades de desfrute pessoal e coleti-
vo, e a mídia explora todo esse potencial de lazer como se os bens
e os serviços ofertados fossem acessíveis a todos.
Fazer uma viagem de férias em família para um resort em
um local aprazível, por exemplo, pode ser uma experiência gratifi-
cante, mas, além de demandar disponibilidade de tempo, é alta-
mente dispendiosa. Além disso, como em cada núcleo familiar ex-
istem várias necessidades a ser preenchidas, muitas vezes, o parco
tempo destinado ao lazer acaba circunscrito ao espaço doméstico.
O lazer, na contemporaneidade, não pode ser encarado
como uma categoria em oposição ao trabalho. Antunes (2000, p.
143) nos chama a atenção para este fato quando afirma que:
Se o trabalho se torna [...] autônomo e livre, e por isso dotado de
sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poe-

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66 © Recreação e Lazer

sia, da pintura, da literatura, da música, do uso autônomo do tem-


po livre e da liberdade que o ser social poderá se humanizar e se
emancipar em seu sentido mais profundo.

Como trabalho e lazer estabelecem relações dialéticas, po-


dem colaborar com a emancipação social. Para isso, o lazer não
pode ser visto como um remédio para a problemática social, cujo
objetivo seja simplesmente aliviar as tensões ou compensar os di-
lemas que marcam profundamente o mundo do trabalho.
Como bem disse Riesman (1971), o lazer não é capaz de sal-
var o trabalho, fracassando juntamente com ele, e só será signi-
ficativo para as pessoas se o trabalho o for também. Dessa for-
ma, as qualidades por nós desejadas no lazer ─ como satisfação,
realização, reconhecimento, autonomia, liberdade, criatividade e
criticidade − terão maiores chances de se concretizar no trabalho
a partir do momento em que travarmos a batalha em uma única
frente: a do "trabalho-e-lazer".
Com esse pensamento, deixamos para você o desafio de con-
tinuar repensando as interfaces entre lazer e trabalho em nosso
contexto, pois o assunto é inesgotável. Sendo assim, você poderá
prosseguir em seu processo de aprofundamento de conhecimen-
tos, e quem sabe encontrar novas arestas para que as questões
que perpassam lazer e trabalho possam colaborar na construção
de um projeto de sociedade comprometido com a emancipação
do ser social e com a concretização de suas utopias.
Avançando em nossos estudos, passaremos, agora, a nos
ater à discussão conceitual em relação ao lazer. Vamos lá!

6. LAZER: ASPECTOS CONCEITUAIS


Após um breve passeio pela história da recreação e do lazer,
neste tópico daremos continuidade à busca de respostas sistem-
atizadas (cientificamente falando) para a questão apresentada:
afinal, o que significa lazer? o que é recreação?
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 67

Inicialmente, nossa intenção foi mostrar que o lazer e a rec-


reação fazem parte das nossas experiências da vida cotidiana, rep-
resentando um ponto de partida para que o assunto seja tratado
com mais profundidade, como um objeto de estudos.
Nosso próximo desafio neste instante é discutir conceitual-
mente o significado das expressões lazer e recreação. Para isso,
serão consideradas as opiniões emitidas por alguns dos autores
que produziram conhecimentos sobre o assunto.
No plano conceitual, não há um consenso entre os estudio-
sos do lazer e da recreação quanto aos seus significados. Esse fato
já é de se esperar, uma vez que, os autores, para realizarem suas
formulações, partem de referenciais teóricos distintos. Isso pode
ser ilustrado a partir dos estudos de Dias (2010), Rodrigues, Lemos
e Gonçalves Junior (2010), Peixoto, Pereira e Freitas (2010), Pimen-
tel (2010) e Uvinha (2010), que apresentam bases epistemológi-
cas diferenciadas, e consequentemente, o significado atribuído ao
lazer e à recreação também se diferencia. Ainda hoje, o conceito
formulado na década de 1960 por Dumazedier (1973) representa
uma grande referência para o campo do lazer em diversos países,
e não apenas no Brasil.
Conforme Camargo (1998), foi a partir das contribuições de
Dumazedier que o lazer deixou de ser apenas uma idealização teó-
rica e passou a ser tratado como um fato empiricamente delimitá-
vel e observável, instigando novas pesquisas sobre o tema.
Na opinião de Dumazedier (1973, p. 34), o lazer pode ser
compreendido como:
[...] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entre-
gar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se,
recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação
desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre ca-
pacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obriga-
ções profissionais, familiares e sociais.

O entendimento do lazer como "um conjunto de ocupações",


tem sido alvo de críticas por parte de diversos autores. Além de

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68 © Recreação e Lazer

restringir o lazer à prática de determinadas atividades, supõe que


o indivíduo deve estar sempre ocupado com algo, não havendo
possibilidades para o "nada fazer".
Na época em que Dumazedier elaborou essa definição, o
lazer era colocado em oposição ao conjunto das necessidades e
das obrigações da vida cotidiana, especialmente do trabalho pro-
fissional. Dessa forma, o lazer era definido em contraponto à lib-
eração das obrigações institucionais, e não apenas do trabalho.
As necessidades humanas (descanso, divertimento, recrea-
ção e desenvolvimento da personalidade) apresentadas em sua
definição são influenciadas pela dinâmica social, e o sociólogo não
considera essa questão em sua elaboração.
Faleiros, citada por Padilha (2002), ao criticar o conceito de
lazer emitido por Dumazedier (1973), parte do princípio marxista
de que as necessidades humanas são geradas em uma dada reali-
dade social e estão vinculadas ao processo histórico e às transfor-
mações da civilização.
A partir dos resultados das pesquisas empíricas desenvolvi-
das na França nas décadas de 1950 e 1960, Dumazedier (1979)
indicou um sistema de características constituintes do lazer:
1) caráter liberatório: o lazer é liberação de obrigações ins-
titucionais (profissionais, familiares, socioespirituais e
sociopolíticas) e resulta de uma livre escolha;
2) caráter desinteressado: o lazer não está, fundamental-
mente, submetido a nenhum fim, seja lucrativo, profis-
sional, utilitário, ideológico, material, social, político, so-
cioespiritual;
3) caráter hedonístico: o lazer é marcado pela busca de
um estado de satisfação: "isso me interessa". Essa busca
pelo prazer, pela felicidade, pela alegria ou pela fruição
é de natureza hedonística e representa a condição pri-
meira do lazer;
4) caráter pessoal: as funções do lazer (descanso, diver-
timento e desenvolvimento da personalidade) respon-
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 69

dem às necessidades do indivíduo em face das obriga-


ções primárias impostas pela sociedade.
Além destas características, Dumazedier (1973) contribui
com este campo de estudos apontando que o lazer atenderia, ba-
sicamente, a três funções: descanso, divertimento e desenvolvim-
ento.
A função descanso tem como função liberar-se da fadiga.
Nesse sentido, o lazer "é um reparador das deteriorações físicas e
nervosas provocadas pela tensões resultantes das obrigações co-
tidianas e, particularmente, do trabalho" (DUMAZEDIER, 1973, p.
32). Já o divertimento está ligado à busca de atividades compen-
satórias que provoquem satisfação e prazer. Por fim, a função de-
senvolvimento "cria novas formas de aprendizagem voluntária [...]
no indivíduo libertado de suas obrigações profissionais", visando
"o completo desenvolvimento da personalidade dentro de um es-
tilo de vida pessoal e social" (DUMAZEDIER, 1973, p. 34). De acor-
do com o autor, essas funções são solidárias entre si.
O pensamento de Dumazedier influenciou as concepções de
lazer dos autores brasileiros, dentre os quais Marcellino (2010).
Melo e Alves Júnior (2003) e Gomes (2008), entre outros estudio-
sos, reconhecem que Marcellino é um dos autores mais citados
nos estudos sobre o lazer em nosso país. Por essa razão, serão fei-
tas, a seguir, algumas correlações entre o pensamento de Marcel-
lino e o de Dumazedier.
Em seu livro Lazer e humanização, Marcellino (1983) confere
notável destaque às ideias de Dumazedier. Nessa obra, também é
possível identificar o pensamento de Antônio Gramsci, pois Mar-
cellino assume a perspectiva marxista como pano de fundo para
subsidiar suas análises. Contudo, a influência de Gramsci é mais
expressiva na obra Lazer e educação (1987), na qual não são fei-
tas muitas menções a Dumazedier, embora suas ideias continuem
presentes no texto (GOMES, 2004a).

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70 © Recreação e Lazer

No livro Sociologia empírica do lazer, Dumazedier (1979) jus-


tifica sua opção por adotar a expressão "tempo livre", como desig-
nação para o tempo liberado do trabalho, e não necessariamente
o tempo de lazer.
Dumazedier explica que o lazer não pode instaurar o reinado
da liberdade absoluta, tampouco ser anulado sob o peso dos de-
terminismos e condicionamentos sociais. Dessa forma, a liberdade
de escolha dentro do tempo de lazer poderia ser considerada uma
realidade, mesmo que fosse limitada e, em parte, ilusória.
Para Camargo (1986, p. 97), que também fora influenciado
pelo pensamento do sociólogo francês, o lazer se configura em:
[...] um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas, voluntárias e
liberatórias, centradas em interesses culturais, físicos, manuais, in-
telectuais, artísticos e associativos, realizadas num tempo roubado
ou conquistado historicamente sobre a jornada de trabalho profis-
sional e doméstico e que interferem no desenvolvimento pessoal e
social dos indivíduos.

Para Marcassa (2003, n. p.8) o lazer se apresenta como:


[...] prática social historicamente situada que se funda a partir das
relações que estabelece com o trabalho, o tempo, a práxis, o es-
paço, a cultura e a educação. (...) Estou convencida de que o la-
zer se configura como uma instituição que envolve um conjunto
de práticas cujas normas e características internas lhe conferem
um estatuto próprio de funcionamento, atribuindo-lhe qualidades
que assumem um caráter indissociável da sua própria experiência e
compreensão. Nessa perspectiva, o lazer agrega, num mesmo tem-
po e espaço, a realização de inúmeras práticas corporais e lúdicas,
diferentes formas de divertimento e descontração consideradas
lícitas, mas que têm um caráter espontâneo, porque partem dos
desejos, ainda que induzidos, dos indivíduos e grupos, e um arranjo
planejado frente à vida cotidiana moderna e racionalizada, abar-
cando inúmeras experiências de contato e recriação do universo
cultural que acontecem em locais determinados e que promovem
valores, saberes e significados articulados às possibilidades e con-
dições postas às diferentes classes sociais. Portanto, o lazer só pode
ser entendido como um fenômeno social moderno, que cria códi-
gos e funções muito importantes para a sua realidade contextual,
constituindo-a e revelando-a, tanto no sentido da manutenção,
como da transformação.
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 71

Marcellino (2010) enfatiza que o lazer pode ser compreen-


dido a partir da combinação dos aspectos "tempo" e "atitude".
A atitude diz respeito à relação estabelecida entre o sujeito e a
experiência vivida, fruto de uma escolha pessoal e prazerosa. O
tempo refere-se ao tempo disponível, obtido pelo indivíduo após
se desvencilhar não apenas das obrigações profissionais, mas
também das obrigações familiares, sociais e religiosas, ou seja, o
tempo da não obrigatoriedade. Nesse ponto, o autor também se
aproxima de Dumazedier.
Ao considerar que o lazer pressupõe uma combinação entre
os aspectos tempo e atitude, Marcellino segue a tradição de al-
guns autores brasileiros, como Lenea Gaelzer (1979), que também
se fundamenta em Dumazedier.
Essa estudiosa realizou um levantamento da bibliografia so-
bre o lazer e chegou à conclusão de que a maioria dos autores ad-
mitia os conceitos de lazer como tempo, atitude (tendência mais
recente na época) e também atividade (ocupação). Para a autora,
esses três elementos são interdependentes, pois, separadamente,
não preenchem as condições necessárias ao lazer.
Um ponto marcante do pensamento de Marcellino (2010)
relaciona-se com as chamadas "abordagens funcionalistas" do
lazer, conforme denomina o autor. Essas visões, no seu entender,
visam à manutenção do status quo, procurando ajustar o indivíduo
de forma acrítica ao contexto em que vive, incentivando o con-
sumismo em relação ao lazer.
A sociedade, nesse tipo de abordagem, é vista de maneira
equilibrada, harmônica, na qual o lazer é divertimento para todos,
sendo a função primordial deste manter uma suposta "paz social".
Dessa forma, se as obrigações diárias impostas aos indivíduos
cansam, fatigam, alienam, o lazer recupera, descansa, compensa.
O lazer é algo sempre bom, maravilhoso e divertido. Essa é a abor-
dagem funcionalista do lazer.

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72 © Recreação e Lazer

Relacionadas a essa visão funcionalista do lazer, estão quatro


abordagens elencadas por Marcellino (1996):
1) compensatória: sob esta óptica, o lazer compensa a in-
satisfação e alienação produzidas no trabalho e em ou-
tras esferas de atuação humana;
2) moralista: vê nas atividades de lazer um espaço propício
para a efetivação de comportamentos negativos, perigo-
sos, destrutivos e de valores suspeitos gerados na socie-
dade moderna, mas que podem ser substituídas por vi-
vências de atividades socialmente aceitas e moralmente
corretas;
3) romântica: a ênfase é dada nos valores da sociedade tra-
dicional e na nostalgia do passado;
4) utilitarista: o lazer é entendido como recuperador da
força de trabalho ou como instrumento privilegiado para
o desenvolvimento.
Na obra de Marcellino (1983), pode-se verificar que "anti-
lazer" foi uma expressão cunhada por Godbey e, posteriormente,
utilizada por Dumazedier (1973) e vários outros autores. Marcelli-
no utiliza o termo para as atividades vistas como simples consumo
que alimenta a alienação nessa esfera da vida. Ele é autor de um
dos conceitos de lazer que mais circulam entre os brasileiros que
estudam o tema nos dias de hoje.
Para Marcellino (2010, p. 29), o lazer é entendido:
[...] como a cultura ─ compreendida em seu sentido mais amplo
− vivenciada (praticada ou fruída) no "tempo disponível". O im-
portante, como traço definidor, é o caráter "desinteressado" dessa
vivência. Não se busca, pelo menos fundamentalmente, outra rec-
ompensa além da satisfação provocada pela situação. A "disponibi-
lidade de tempo" significa possibilidade de opção pela atividade
prática ou contemplativa.

Essa concepção de lazer amplia o entendimento enunciado


anteriormente pelo próprio autor (MARCELLINO, 1983), no qual la-
zer e ócio eram colocados em campos opostos. Além disso, a com-
preensão de lazer como cultura supera o seu entendimento como
"conjunto de ocupações", embora algumas características do sis-
tema elaborado por Dumazedier possam ser aqui identificadas.
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 73

Marcellino afirma que a palavra "cultura" ainda é consid-


erada por muitos em seu sentido restrito, como se o significado
desse termo se resumisse a artes e espetáculos (o que se configura
em entendimento errôneo) – e, nessas manifestações, estaria en-
volvida uma série de manifestações do lazer. Esse fato ocorre es-
pecialmente no trato com as políticas públicas de lazer. Com algu-
mas exceções, uma ação bastante comum é a oferta de atividades
esporádicas para os sujeitos, o que reforça a concepção de lazer
como um mero produto a ser oferecido.
Alves (2003) ressalta a necessidade de se superar o entendi-
mento de lazer como cultura. Associar o lazer com a cultura res-
salta a importância de aprofundarmos conhecimentos sobre esta
última.
Constituído conforme as peculiaridades do contexto históri-
co e sociocultural no qual se desenvolve, o lazer implica "produção"
de cultura — no sentido da reprodução, da construção e da trans-
formação de diversos conteúdos culturais usufruídos por pessoas,
grupos e instituições (GOMES, 2008). Essas ações são construídas
em um tempo/espaço de produção humana; dialogam e sofrem in-
terferências das demais esferas da vida em sociedade e permitem-
nos ressignificar, continuamente, a cultura.
O diferencial do lazer perante outras práticas sociais e cult-
urais de nossa sociedade é o fato de os elementos que o caracter-
izam — tempo, espaço-lugar, ações/atitude e manifestações cult-
urais — serem enraizados no lúdico, e, mesmo passíveis de pressão
e interferência do contexto, não adquirirem caráter de obrigação,
não sendo vistos como um conjunto de tarefas a serem cumpridas.
Esses elementos expressam um exercício coletivamente construí-
do, no qual os sujeitos se envolvem porque dessa forma o desejam
(GOMES, 2004a).
Ainda conforme Gomes (2004a, p. 125), é possível com-
preender o lazer:

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74 © Recreação e Lazer

[...] como uma dimensão da cultura constituída por meio da vi-


vência lúdica de manifestações culturais em um tempo/espaço
conquistado pelo sujeito ou grupo social, estabelecendo relações
dialéticas com as necessidades, os deveres e as obrigações, espe-
cialmente com o trabalho produtivo.

Para a autora, o lazer é uma dimensão da cultura construí-


da socialmente, em nosso contexto, a partir de quatro elementos
inter-relacionados:
1) tempo: corresponde ao usufruto presente e não se limi-
ta aos períodos institucionalizados para o lazer (final de
semana, férias, entre outros);
2) espaço-lugar: estende-se muito além de um espaço físi-
co do qual os sujeitos se apropriam para exercer o conví-
vio social ou local do encontro do lazer;
3) manifestações culturais: conteúdos vivenciados como
o fluir da cultura, seja como possibilidade de diversão,
descanso ou desenvolvimento;
4) ações (ou atitude): estabelecem suas bases no lúdico.
O lúdico pode ser destacado como a essência que integra a
concepção de lazer de Leila Pinto (2003). Entendendo o lazer como
disponibilidade de tempos e lugares para vivências da cultura lúdi-
ca, a autora ressalta a construção de interações prazerosas cen-
tradas no sujeito, em determinado contexto, constituídas a partir
de sua curiosidade, de seus desejos, de suas descobertas críticas
e criativas.
Para a autora, essas experiências são construídas, sobretudo,
pela liberdade do sujeito na ressignificação desses tempos e lugar-
es, na recriação de objetos, materiais e atividades. Na sua visão,
lazer implica sonhos, gerenciamento de conflitos e anúncios; im-
plica relações humanizadas e transformação de tempos e espaços
educativos (formais e não formais) em experiências lúdicas.
Nesse sentido, a alegria é possível como fruto da conquista
da liberdade ao lidar com atitudes, espaços, tempos e atividades
que busquem superar os muitos dilemas sociais colocados como
limites às conquistas desejadas. A autora considera enganoso pen-
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 75

sar que o lazer não está relacionado com a problemática atual e


apresenta perspectivas que levam o sujeito a ter consciência das
contradições de nossa sociedade e da humanização de nossas re-
lações (PINTO, 2000).
Para Antonio Carlos Bramante (1998), a ludicidade, como
principal eixo da experiência de lazer, é uma das poucas unanimi-
dades entre os estudiosos que teorizam o tema. Conforme o autor,
o lazer é constituído por três elementos: tempo, espaço e atitude.
De acordo com Bramante (1998, p. 9):
O lazer se traduz por uma dimensão privilegiada da expressão hu-
mana dentro de um tempo conquistado, materializada através de
uma experiência pessoal criativa, de prazer e que não se repete no
tempo/espaço, cujo eixo principal é a ludicidade. Ela é enriquecida
pelo seu potencial socializador e determinada, predominantemen-
te, por uma grande motivação intrínseca e realizada dentro de um
contexto marcado pela percepção de liberdade. É feita por amor,
pode transcender a existência e, muitas vezes, chega a aproximar-
-se de um ato de fé.

Para esse autor, a vivência do lazer relaciona-se com as


oportunidades de acesso aos bens culturais — determinadas, ger-
almente, por fatores sociopolíticos e econômicos e influenciadas
por fatores ambientais.
A partir das reflexões aqui desenvolvidas, observa-se que
existem várias concepções de lazer, e cada uma delas indica a pers-
pectiva de análise construída pelos autores.

7. RECREAÇÃO: (BREVES) APONTAMENTOS CONCEI-


TUAIS
Apesar de haver um movimento em busca de uma reflexão
conceitual em torno da expressão "recreação", não há um debate
aprofundado neste campo sobre seu sentido/significado, diferen-
temente do que pudemos visualizar com o termo "lazer". Sendo
assim, apresentaremos breves considerações acerca da dimensão
conceitual desse fenômeno.

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76 © Recreação e Lazer

De acordo com as ponderações de Bramante (1998), ao lon-


go do tempo o lazer vem sendo conceitualmente confundido com
outros derivados, como "recreação" e "jogo". Para ele, o lazer sig-
nifica um amplo e interdisciplinar campo de estudos, pesquisas e
aplicação. A recreação, por sua vez, é atrelada ao conceito de "ativ-
idade" – por exemplo, a um "programa de atividades recreativas
para pré-escolares" (BRAMANTE, 1998, p. 11). Em outro trabalho,
o autor reforça esse entendimento: "Em última análise, recreação
pode ser considerada como produto, isto é, atividade/experiência,
que ocorre dentro do lazer" (BRAMANTE, 1997, p. 123).
A concepção de recreação como conjunto das atividades de-
senvolvidas no lazer também é defendida por Bruhns (1997). O
lazer, por sua vez, pode ser entendido como expressão da cultura,
constituindo um elemento de conformismo ou de resistência à or-
dem social estabelecida. A recreação (ou atividade de lazer) aprox-
ima-se do lúdico e, "às vezes, ocorre certa confusão de termos e
objetivos, sendo o jogo visualizado como recreação" (BRUHNS,
1997, p. 39). Dependendo do contexto, o jogo não pode ser con-
siderado uma atividade de lazer.
Para outro grupo de estudiosos, a exemplo de Pinto (1992, p.
291), "a recreação e/ou lazer sendo considerados espaços privile-
giados para a vivência do lúdico". Nesses termos, ao compartilhar
a essência lúdica, recreação e lazer poderiam ser concebidos com
o mesmo sentido conceitual.
Camargo (1998, n. p.33) corrobora a concepção anterior,
trazendo outros dados para a discussão. Conforme suas consid-
erações, "os conceitos de lazer e recreação em nada se diferen-
ciam do ponto de vista da dinâmica sociocultural que produziu o
divertir-se moderno".
A utilização dessas duas expressões surgiu em decorrência
de um problema linguístico, pois nem todas as línguas moder-
nas dispõem de termos correspondentes às palavras recreação e
lazer. Muitos países, como Espanha, Itália e Alemanha, adotaram
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 77

vocábulos cuja raiz tem sentido igual ao de recreação, com a mes-


ma finalidade e praticamente com o mesmo sentido de lazer.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, qual seja a abordagem histórica do lazer e da recreação,
assim como da apropriação conceitual destes fenômenos.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade.
Lembre-se de que, na Educação a Distância, a construção do
conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; com-
partilhe, portanto, as suas descobertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) No decorrer desta unidade, estudamos a trajetória histórica da recreação
em nosso país. Sendo assim, aponte os principais elementos que influencia-
ram o entendimento dessa prática social nos diferentes contextos históricos.

2) A ocorrência histórica do lazer é alvo de polêmicas, como pudemos obser-


var nos estudos realizados nesta primeira unidade. Diante dessa afirmação,
indique:
a) quais são os posicionamentos existentes entre os estudiosos do lazer em
relação a esse embate;
b) quais são os autores representativos de cada uma dessas correntes;
c) quais são os argumentos que sustentam essas diferentes visões.
3) Partindo do aspecto histórico do lazer, indique as principais manifestações
culturais vivenciadas nos seguintes períodos:
a) sociedade greco-romana;
b) sociedade medieval;
c) sociedades urbano-industriais;
d) sociedade contemporânea.

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78 © Recreação e Lazer

4) A abordagem conceitual do lazer e da recreação constitui uma das tarefas


realizadas pelos estudiosos dessas temáticas. Sendo assim, diante dos con-
ceitos de lazer apresentados nesta unidade, identifique os principais aspec-
tos que norteiam a definição dos autores estudados.

5) Explique as características constituintes do conceito de lazer, a partir do pen-


samento de Dumazedier (1979). Ao realizar essa tarefa, busque apresentar
exemplos práticos para cada um dos aspectos debatidos.

9. CONSIDERAÇÕES
Conforme pudemos observar, a recreação e o lazer percor-
reram trajetórias históricas diferentes, embora a ligação entre am-
bos os fenômenos seja estreita.
Esta unidade apresentou algumas considerações sobre o
lazer, a recreação e o trabalho em seus aspectos histórico-con-
ceituais, e teve como principal objetivo situar você no campo de
estudos sobre lazer/recreação, privilegiando o enfoque desse as-
sunto a partir de discussões relacionadas ao trabalho.
Não pretendemos esgotar o tema, mas tão-somente for-
necer elementos para que possamos iniciar um diálogo sobre essa
questão, cuja importância é, há muito tempo, reconhecida entre
os estudiosos e os profissionais engajados na área de lazer/rec-
reação.
Este debate é fundamental para um curso de graduação
em Educação Física, pois permite que você tenha contato com
questões básicas para essa área. Além disso, poderá fornecer sub-
sídios que poderão auxiliá-lo, independentemente do fato de você
estar ainda iniciando suas pesquisas sobre lazer/recreação, em seu
processo de formação profissional.
Esperamos que tenha um bom proveito nas próximas re-
flexões!
© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 79

10. E-REFERÊNCIAS

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EAD
Dimensões Políticas do
Lazer

2
1. OBJETIVOS
• Compreender o lazer como direito social e como política
social.
• Promover articulações entre lazer e cidadania.
• Explicitar as relações entre lazer, Estado, mercado e so-
ciedade.
• Identificar práticas políticas de lazer historicamente cons-
truídas no Brasil.

2. CONTEÚDOS
• Lazer como direito social.
• Processo histórico de políticas de lazer.
• Focalização ou universalização das políticas.
84 © Recreação e Lazer

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Utilize o Esquema de conceitos-chave para o estudo de
todas as unidades deste Caderno de Referência de Con-
teúdo. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu de-
sempenho.
2) Faça uma consulta à bibliografia indicada no tópico Refe-
rências Bibliográficas. Assim, você aprofundará os prin-
cipais conceitos tratados nesta unidade;
3) Anote todas as suas dúvidas, não deixe nenhuma para
trás. Tente solucioná-las por meio do nosso sistema de
interatividade ou diretamente com seu tutor.
4) Pesquise os ordenamentos legais citados ao longo do
texto para que você tenha uma visão mais clara dos ar-
gumentos utilizados.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, vamos tratar dos fundamentos do lazer como
direito social e como objeto de políticas sociais. Queremos discutir
a relação entre cidadania e inclusão social para então pensarmos
em alguns elementos históricos do lazer. O lazer, restrito à com-
pensação da insatisfação e da alienação causadas pelo trabalho,
à recuperação psicossomática do trabalhador, a um produto de
mercado e à possibilidade de realização humana restrita aos inte-
resses do capital, está desvinculado das questões mais amplas que
constituem a dinâmica social.
Teremos a oportunidade de entender o que significa a afir-
mação de que o lazer é um direito social em nosso país, buscando
compreender suas relações com o Estado, com o mercado e, por
fim, com o processo de desenvolvimento humano.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 85

Esperamos que o conteúdo reunido nesta unidade possa


contribuir para o debate, especialmente no que diz respeito à
compreensão da complexidade do lazer como direito social e res-
ponsabilidade dos profissionais que atuam na área.
Boas reflexões!

5. O LAZER COMO DIREITO SOCIAL


Nossa época põe ao alcance de toda a humanidade um volu-
me de recursos econômicos e materiais capazes de conter a fome,
a miséria e a maior parte das desigualdades sociais presentes na
sociedade contemporânea. Isso possibilitaria alternativas para o
mundo ter mais paz e ser mais justo. Certamente, razões políticas
impedem que se chegue a esse objetivos, o que gera muitas con-
tradições no seio da sociedade.
Contudo, se a possível generalização de bem-estar não ad-
veio, isso não significa que o avanço tecnológico não tenha pos-
sibilitado uma série de benefícios e conquistas reais para quem
pode deles se beneficiar.
A aplicação da ciência, tendo alterado processos produtivos
nas relações de trabalho, também propiciou mudanças significa-
tivas. Seja pelo processo de automação, pela redução do número
de postos de trabalho, pelas mais diferentes formas de trabalho
informal, pela intervenção do Estado nas relações de trabalho, é
inegável o aparecimento de um tempo livre em contraste com o
tempo de trabalho.
A consciência humana expandiu-se, a riqueza dos seres hu-
manos cresceu, a distribuição de renda tornou-se cada vez mais
desigual, mas a luta por uma "Era de Direitos" tem sido uma cons-
tante.
Partidos, sindicatos, organizações, movimentos sociais de di-
ferentes gêneros, passaram a lutar por mais direitos e a exigir dos

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86 © Recreação e Lazer

Estados uma interferência mais decisiva na liberdade dos merca-


dos.
Lentamente, foi aparecendo a figura do estado de bem-estar
social. Essa luta ficou mais clara quando as duas guerras mundiais
(1914-1918/1939-1945) aviltaram ao máximo a própria humanida-
de nas teses e práticas racistas.
Após a 2ª Guerra Mundial, em 1948, temos a redação da De-
claração Universal dos Direitos Humanos, que , assinala em seu ar-
tigo XXIV: "Todo homem tem direito a repouso e lazer, à limitação
razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas".
Além do referido documento, temos também O Pacto Inter-
nacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966,
aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226 de 12-12-1995, e pro-
mulgado pelo Decreto nº 591, de 1992 (BRASIL, 2012h), que diz
em seu sétimo artigo:
[...] ser direito de toda pessoa gozar de condições de trabalho justas
e favoráveis que assegurem especialmente
d) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho
e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos
feriados.

Pelo que foi trabalhado até o momento, podemos partilhar


das proposições de Gomes (2008), quando essa autora afirma que
a discussão sobre os direitos sociais precisa ir além da (justa) indig-
nação contra a miséria do mundo, deslocando o eixo de análise. É
preciso, portanto, repensar os direitos sociais não apenas a partir
dos dilemas que colocam, mas também a partir das questões que
podem abrir.
Como salienta a autora, os direitos são também uma manei-
ra de pronunciar e nomear a ordem do mundo, produzindo novos
sentidos de experiências até então negligenciadas no contexto das
relações humanas.
É preciso desvelar perspectivas para o lazer, descortinadas
no horizonte das experiências democráticas que, apesar das difi-
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 87

culdades encontradas nesses tempos de incerteza, continuam re-


sistindo e acontecendo em nosso país.
Portanto, é fundamental refletir sobre o lazer como um di-
reito social. Isso desloca o foco da discussão para as conquistas
históricas e sociais às quais ele está vinculado. Essas conquistas
dizem respeito às reivindicações pelo estabelecimento de tempo
institucionalizado para o lazer.
Neste momento, podemos nos perguntar: e no Brasil, como
fica a questão?
Salário, férias, previdência, justiça trabalhista, tudo isso não
se fez do dia para a noite em nosso país. Aqui, a chegada a deter-
minado patamar legal, que não deixasse o cidadão ao sabor das
oscilações do livre mercado e da exploração ocorrida no final do
século 19, também custou suor e sangue.
A Constituição de 1891 (BRASIL, 2012a) silencia sobre esse
assunto, exceto indiretamente, quando, na Revisão Constitucional
de 1925-1926, emenda o artigo 14 e atribui ao Congresso Nacio-
nal, entre outras, a competência de legislar sobre o trabalho.
A Constituição de 1934 (BRASIL, 2012b) em seu artigo 121,
impõe, no primeiro parágrafo:
c) trabalho diário não excedente a oito horas, reduzíveis [...]
e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos [...]
f) férias anuais remuneradas [...]

A Constituição de 1937 (BRASIL, 2012c) previa em seu artigo


137, nas letras d, e e i:
d) o operário terá direito ao repouso semanal aos domingos [...]
e) depois de um ano de serviço ininterrupto em uma empresa de
trabalho contínuo, o operário terá direito a uma licença anual re-
munerada [...]
i) dia de trabalho de oito horas, que poderá ser reduzido [...]

Será no interior da ditadura estadonovista que se formali-


zará na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-Lei nº

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88 © Recreação e Lazer

5.452/43 (BRASIL, 2012l), uma série de regras que disciplinariam


as relações de trabalho e nas quais se vê a regulação dos períodos
de descanso, do direito a férias, sua época e duração, e do direito à
previdência social. Curiosamente, muitas colônias de férias datam
desse período.
A Constituição de 1946 estabelece, em seu artigo 157, os
princípios que regem a legislação do trabalho, impondo, no inciso
V, "duração diária do trabalho não excedente a oito horas", e, no
VI, o "repouso semanal remunerado, preferentemente aos domin-
gos", no VII, "férias anuais remuneradas".
A Constituição de 1967 (BRASIL, 2012e) preserva os direitos
de 1946 e acrescenta, no artigo 158, no inciso XIX, "colônias de
férias e clínicas de repouso, recuperação, convalescença, mantidas
pela União". Aparece, também, a figura de oito horas de trabalho
"com intervalo para descanso". Isso se repetirá no artigo 165 da
Emenda da Junta Militar de 1969.
A crítica à desigualdade social, aprofundada durante a dita-
dura militar e empiricamente exposta por meio da vergonhosa dis-
tribuição de renda, das lutas dos movimentos sociais e de todas as
iniciativas da sociedade civil, desaguaram na busca de uma nova
Constituição que resguardasse os direitos civis, sociais e políticos.
Gomes (2008), fundamentada em Reis, esclarece que a con-
ferência pronunciada por Marshall em 1949, sobre cidadania e
classe social, constitui um nítido marco de uma nova era para o
conceito de cidadania.
As ideias contidas na formulação de Marshall sobre a cidada-
nia continuam servindo de referência para uma compreensão mais
ampliada desse conceito, e, apesar das críticas dirigidas ao autor,
suas considerações permanecem relevantes na atualidade.
Para Marshall (1967), o desenvolvimento da cidadania segue
um percurso evolutivo, como consequência da fragmentação ins-
titucional ocorrida na era moderna. A noção de cidadania parte,
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 89

então, dos direitos civis, passando pelos direitos políticos e che-


gando aos sociais.
Os direitos civis são aqueles que se referem à liberdade indi-
vidual: liberdade da pessoa, de expressão, de pensamento e reli-
gião; direito à justiça, à propriedade e de firmar contratos válidos.
Os direitos políticos correspondem ao direito de participar
do exercício do poder político como integrante de um corpo inves-
tido de autoridade política ou como eleitor de integrantes.
O sistema educacional e os serviços sociais são identificados
como provedores de direitos sociais, indo do direito a um mínimo
de segurança e bem-estar econômico até o direito de gozar inte-
gralmente do legado social, proporcionando ao indivíduo a vida
como um ser civilizado, conforme os parâmetros da sociedade vi-
gente.
O artigo sexto de nossa Constituição Federal de 1988 lista os
direitos sociais que devem receber a devida proteção do Estado e
da sociedade. Diz ele:
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Consti-
tuição (BRASIL, 1988, grifo nosso).

O lazer tornou-se, então, um direito social garantido pela


Constituição.
O direito social é um investimento assegurado (ao menos
em tese) pelo Estado, que visa a reduzir progressivamente as desi-
gualdades, a controlar os excessos dos interesses privados e a dar
oportunidades de acesso a determinados bens sociais indispensá-
veis a uma vida digna e a uma participação cívica consciente.
O lazer como direito social é uma dessas prestações sociais
a que o Estado está obrigado e que representa, portanto, um bem
social indispensável. Tê-lo como direito é um grande avanço social,
incorporando como direito algo que abre as potencialidades do

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90 © Recreação e Lazer

ser humano. É o indivíduo singular e ser social em busca de melhor


qualidade de vida própria e com os outros.
Mas esse caminho até a chegada do lazer como direito social
foi árduo e não se chegou a ele sem luta e sacrifício, especialmente
no que se refere à demanda pelos famosos três oitos: oito horas de
trabalho, oito horas de repouso e oito horas de lazer (PRZEWOR-
SKI, 1989).
Em 1750, os operários trabalhavam 96 horas por semana,
ou seja, 16 horas por dia em seis dias de trabalho por semana. Em
1800, já eram 90 horas por semana, e em 1850, eram 72 horas. Em
1900, as horas semanais atingiam 60 horas, 10 horas por dia nos
seis dias de trabalho.
O direito à preguiça, de Paul Lafargue (1999), faz uma críti-
ca à sociedade capitalista da época e é considerado um clássico
do movimento operário. Somente na Rússia, de 1905 a 1907, o
panfleto alcançou 17 edições, sendo o texto mais editado, mais
traduzido e mais lido pelo movimento operário europeu por volta
de 1906, perdendo somente para o Manifesto Comunista, de Marx
e Engels (2010).
Em 1950, finalmente, eram cravadas as desejadas oito horas
por dia, ou seja, as 40 horas semanais em cinco dias, passando de
uma grandeza extensiva de trabalho para uma grandeza intensiva.
O avanço da automação, da robótica, ou seja, da intensiva
aplicação da ciência à tecnologia dos processos de produção, tem
possibilitado, em vários países, a redução da jornada para 36 ho-
ras.
Tal situação tem levado autores como Domenico De Masi a
imaginar um avanço cada vez maior do tempo liberado sobre a
jornada de trabalho. A entrada em uma postulada sociedade pós-
-industrial projeta, nas análises do autor, um modelo societário
liberto do anátema do "trabalharás com o suor do teu rosto" e
voltado ao exercício de um "ócio criativo" (DE MASI, 2000).
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 91

Isso não se deu de modo automático e determinístico. As


lutas políticas e partidárias do século 19, adentrando o século 20,
contestavam os salários de fome e as condições perversas de tra-
balho postas em uma ordem social excludente e antidemocrática.
Tais lutas tinham como finalidade requerer condições de
acesso aos bens sociais, poder participar ativamente dos destinos
do país, inclusive com a sustentação de uma ordem jurídica que
desse garantia aos reclamos que estavam sendo feitos.
No sentido dessa ordem jurídica, passou-se a reconhecer a
importância da legislação em uma equação em que a cidadania
envolvesse uma abertura política e os trabalhadores pudessem
exercer o direito de voto (TRINDADE, 2002).
As exigências caminhavam em favor do voto universal (su-
perando o censitário) e, com isso, haveria a oportunidade de as
classes subalternas elegerem para o parlamento representantes
que lutassem pelos direitos sociais. Lutar pela redução das horas
de trabalho era tanto um modo de diminuir a exploração como de
possibilitar novos espaços de presença social.
Dessa forma, tais lutas redefiniam a presença unilateral do
Estado em favor da consideração do mesmo Estado como um es-
paço de disputa e de luta, dentro do qual cabe o conflito e no qual
os cidadãos de todas as categorias, ao menos hipoteticamente,
podem ocupar espaços políticos importantes.
E um desses espaços será justamente o da possibilidade de
formalizar em lei os espaços reivindicados ou já conquistados na
prática social. Não bastava ganhar, na prática, uma batalha em prol
de direitos sociais, era preciso generalizá-los como princípio legal
de modo que esse se transformasse em um direito reconhecido. E
o caminho para tal seria participar dos embates em prol de uma
cidadania alargada sob a égide de uma nova ordem legal.
Quer como formalização em lei de uma situação de fato, quer
como busca de um princípio jurídico democrático mais abrangen-

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92 © Recreação e Lazer

te, pode-se perceber como a lei nascida da vontade popular aos


poucos se torna um modo normal de funcionamento da socieda-
de, como lugar de igualdade de todos e como produto da própria
cidadania.
Será, pois, no reconhecimento da cidadania como capacida-
de de alargar o horizonte de participação de todos nos destinos
nacionais que a legislação voltará à cena.
Por outro lado, a realização dessas expectativas e do próprio
sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condi-
ções sociais de funcionamento da sociedade de classes em face
dos estatutos de igualdade política por ela reconhecidos.
É inegável a dificuldade de, em face da desigualdade social,
ser instaurado um regime em que a igualdade se efetive em favor
da realização dos direitos sociais.
O contorno legal indica os direitos, os deveres, as proibições,
as possibilidades e os limites de atuação, enfim, as regras. Tudo
isso possui um enorme impacto no cotidiano das pessoas, mesmo
que nem sempre elas estejam conscientes de todas as suas impli-
cações e consequências.
Para Bobbio (1992, p. 79-80),
[...] a existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco,
implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por
'existência' deve entender-se tanto o mero fator exterior de um
direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um
conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito
tem como correlato a figura da obrigação.

Certamente, em muitos casos, a realização dessas expecta-


tivas e do próprio sentido expresso da lei entra em choque com
as adversas condições sociais ou burocráticas de funcionamento
da sociedade em face dos estatutos de igualdade política por ela
reconhecidos.
É por essas razões que a importância da lei não é identificada
e reconhecida como um instrumento linear ou mecânico de reali-
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 93

zação dos direitos sociais. Sua importância nasce do caráter con-


traditório que a acompanha: nela sempre reside uma dimensão de
luta. Luta por inscrições mais democráticas, luta por efetivações
mais realistas, luta contra descaracterizações mutiladoras, luta por
sonhos de justiça.
Enfim, cresceu a importância da lei, que passou a ser reco-
nhecida pelos cidadãos na medida em que eles se deram conta,
apesar de tudo, de que ela é um instrumento viável de luta e de
que com ela podem ser criadas condições mais propícias para a
socialização cidadã das novas gerações.
Declarar um direito em uma lei é algo muito significativo.
Declará-lo é colocá-lo dentro de uma hierarquia que o reconhece
solenemente como um ponto prioritário das políticas sociais. Mais
significativo ainda se torna esse direito quando ele é declarado e
garantido como tal pelo poder interventor do Estado no sentido de
assegurá-lo e implementá-lo.
Como assevera Chauí (1989, p. 20):
A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não
é um fato óbvio para todos os homens que eles são portadores de
direitos e, por outro lado, significa que não é um fato óbvio que tais
direitos devam ser reconhecidos por todos. A declaração de direi-
tos inscreve os direitos no social e no político, afirma sua origem
social e política e se apresenta com objeto que pede o reconheci-
mento de todos, exigindo consentimento social e político.

A declaração e a garantia de um direito em lei tornam-se im-


prescindíveis no caso de países como o Brasil, com forte tradição
elitista e que reserva apenas às camadas privilegiadas o acesso a
esse bem social.
Por isso, declarar e assegurar são mais do que proclamações
solenes. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que
não sabem ou se esqueceram que eles continuam a ser portado-
res de um direito importante. Disso resulta a necessária cobrança
desse direito quando ele não é respeitado.

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94 © Recreação e Lazer

É por meio dessas lutas históricas − em especial, pela redu-


ção das horas de trabalho, por determinados estatutos de seguri-
dade e previdência sociais e por outras conquistas parciais, como
férias, mas sem deixar de considerar a racionalização da produção
− que o lazer foi deixando de ser propriedade das classes privile-
giadas e se tornando o princípio de equalização social inscrito na
lei e na consciência das pessoas.
Isso não significa que o lazer não seja assumido diferentemente
de acordo com as classes sociais, embora haja certa tendência dos
meios de comunicação de massa em padronizá-lo. Mesmo assim,
é preciso considerar que, se o momento da emissão é padronizá-
lo, o mesmo não ocorre com o momento da recepção.
Avançar no conceito de cidadania supõe a generalização e
a universalização dos direitos humanos, cujo lastro transcenda a
ligação tradicional e histórica entre cidadania e nação, tal como é
desenvolvido, por exemplo, em Carvalho (2002).
Esse conceito universal deve constituir-se no horizonte mais
amplo de convivência entre as pessoas humanas dos diferentes
povos, porque não é por uma pertença específica como cidadão
– por exemplo, pertença nacional ou outra – que o ente humano
é sujeito de direitos fundamentais. Ele continua sendo o patamar
mais fundo pelo qual se combatem todas as formas e modalidades
de discriminação, inclusive de pertença étnica.
Nesses termos, recoloca-se a importância estratégica dos
direitos civis e dos direitos sociais para todas as pessoas como
indivíduos singulares e como membros de um corpo social nacional
e também internacional. É nesse quadro que o lazer revela seu
caráter universal.
O lazer como desenvolvimento do potencial de um indivíduo
e de sua comunidade, se apropriado apenas por poucos, deixa
de ser emancipatório e se torna instrumento de desigualdade e
discriminação.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 95

Avançaremos, agora, no sentido de compreender o processo


histórico das políticas de lazer no Brasil.
Vamos lá!

6. O PROCESSO HISTÓRICO DE POLÍTICAS DE LAZER


NO BRASIL
Nossa reduzida experiência histórica com a participação au-
menta o desafio das políticas participativas no lazer, que, desde a
década de 1940, são incluídas no conjunto dos desdobramentos
políticos do país, como você poderá ver nos próximos subtópicos
desta segunda unidade.
Nessa trajetória, na qual tensões e limites foram e ainda pre-
cisam ser superados, e oportunidades são mediadas por interes-
ses coletivos e individuais, destacam-se, a nosso ver, quatro mo-
mentos de mudanças significativas nas políticas de lazer no Brasil.
Que momentos históricos são esses? Que possibilidades his-
tóricas influíram nas práticas políticas de lazer vividas em cada um
desses momentos?
A resposta a essas questões são os nossos desafios.
Boa leitura!

Primeiro Momento – Pós-Segunda Guerra Mundial


Na ditadura estadonovista do Brasil dos anos 1930 e 1940,
vivemos um período caracterizado por um movimento legal-insti-
tucional que provocou mudanças significativas, especialmente na
educação, na assistência social e na saúde
Foram introduzidos avanços no processo de centralização
institucional – de recursos e instrumentos administrativos no Exe-
cutivo Federal – e incorporados novos grupos sociais aos esque-
mas de proteção, mesmo que sob um padrão seletivo (de bene-
ficiários), heterogêneo (de benefícios) e fragmentado (no plano
institucional e financeiro) de intervenção do Estado.

Claretiano - Centro Universitário


96 © Recreação e Lazer

Nesse período de significativa produção legislativa, foram


criados os Institutos de Pensão e Aposentadoria e foi consolidada
a legislação trabalhista. A promulgação do Decreto-lei nº 5.452, de
1943 (BRASIL, 2012l), que dispôs sobre a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), foi recebida como um avanço nas relações sociais
brasileiras, sendo um passo decisivo para nosso desenvolvimento
econômico, social e humano. A CLT dispôs sobre:
• período mínimo de descanso para os trabalhadores (art.
66);
• intervalo para repouso/alimentação no trabalho (art. 71);
• remuneração para repouso semanal (do art. 67 ao 69);
• feriados (art. 70);
• férias (do art. 129 ao 153).
Nesse momento histórico, o lazer foi incluído na pauta da
Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) (BRASIL,
2012g), aprovada em 1948 pela Resolução da III Sessão Ordinária
da Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é
signatário.
Essa declaração atualmente se refere aos direitos humanos e
cita que todo indivíduo tem direito ao lazer, tratado diferentemen-
te do tempo de repouso (art. 24). Colocar as políticas sob a guarda
dos direitos humanos é coloca-las à luz do gênero humano.
Curiosamente, até o fim do século 20, a CLT não sofreu alte-
rações significativas nos itens destinados ao direito pelo "tempo
de não trabalho", o que pode ser explicado porque o direito a esse
"tempo" no Brasil foi criado e sustentado em um contexto histó-
rico no qual o capitalismo, para se sedimentar no país, precisava
dos aparatos legais e da formação de valores básicos para o novo
modo de produção.
O que se verifica é que a CLT, em sua gênese, embora cons-
tituída e normatizada pelo Estado e o mercado sem a participação
dos trabalhadores, foi usada para disciplinar corpos, trabalhos e
tempos cotidianos da classe trabalhadora.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 97

Mesmo revestida de caráter de doação, representando uma


forma de adaptação ao sistema socioeconômico e político re-
querido pelo capitalismo, a CLT inaugurou um fato "novo": o re-
conhecimento legal de um "tempo social" que abriu espaço para
experiências que foram ressignificadas como lazer, à medida que,
historicamente, foi sendo reconhecido que o essencial da vida dos
atores sociais se desenrola para além do tempo dedicado ao tra-
balho remunerado.
A implementação da CLT gerou a elaboração e a execução
de "políticas de atividades recreativas" – de caráter assistencia-
lista e corporativista, privilegiando apenas um grupo social, mais
organizado –, com vista a ocupar o "tempo de não trabalho" regu-
lamentado. Isso contribuiu para acentuar as desigualdades sociais
relativas ao direito ao tempo de lazer, uma vez que a legalização/
institucionalização desse "tempo" como direito ficou, por um bom
período, restrita aos trabalhadores assalariados urbanos.
Nesse entendimento, o "tempo de não trabalho", nos mol-
des da CLT, é compreendido como "sobra" do tempo social con-
siderado útil (o do trabalho). O "tempo" é aí valorizado como re-
compensa do trabalho ou redenção dos problemas sociais, e não
como direito, necessidade e vontade coletiva.
Como forma de "ocupar" esse "tempo de não trabalho",
nesse período histórico difundiu-se a "política de recreação orien-
tada", fundada nos princípios do assistencialismo (promotor do
acesso a um bem mediante benesse, isto é, supondo sempre um
doador e um receptor), que marcou e ainda marca muitas práticas
recreativas de nossas instituições. Essas práticas têm provocado a
dependência do público assistido de "pacotes" de atividades car-
regados com o sentido de doação.
Várias experiências brasileiras desse período histórico (PIN-
TO, 2004) difundiram as "políticas de atividades recreativas" como
modelo a ser desenvolvido em todos os setores do país.

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98 © Recreação e Lazer

No âmbito estatal, um marco inicial foi a criação do Depar-


tamento de Recreação Operária no Rio de Janeiro (1946). Foram
inaugurados vários clubes esportivo-recreativos, de forma corpo-
rativa, e financiados pelo Estado, como o Minas Tênis Clube de
Belo Horizonte. Esse clube foi inaugurado em 1937, sendo o pri-
meiro clube da cidade a ser usado para o lazer e o esporte amador.
Foram criados, em 1946, o Serviço Social da Indústria (SESI)
e o Serviço Social do Comércio (SESC) como duas das soluções bra-
sileiras para a prestação de serviços de educação, saúde, lazer e
ação social aos trabalhadores da indústria, do comércio e de suas
famílias.
As "políticas de atividades" de caráter nacional, promovidas
por esses órgãos, aparentemente tratavam dos problemas rela-
cionados à organização de vivências em um tempo social de "não
trabalho". Era um modelo baseado em princípios funcionalistas e
que tinha como objetivo explícito a promoção da recreação como
distração, descanso e recomposição da força de trabalho, manten-
do diferenças na posse da vida cultural a ser vivida nesse "tempo"
pelos indivíduos das diferentes camadas sociais (PINTO, 2004).

Segundo Momento – Décadas de 1960 e 1970


As décadas de 1960 e 1970 representam um período de
transformação radical do perfil da política social brasileira no âm-
bito institucional-financeiro. Para Draibe (1990), nesse período, o
"núcleo duro" da intervenção social do Estado define-se, comple-
tando o Welfare State brasileiro.
O sistema de política social adotado foi baseado nos princí-
pios do mérito – posição ocupacional e de renda adquirida no nível
da estrutura produtiva – e da seletividade. Essa opção, de acordo
com a autora, instigou a discussão sobre a expansão global da ri-
queza e da renda como melhoramento das capacidades humanas
para ter acesso aos benefícios do Estado de Bem-Estar.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 99

A esse debate incorporaram-se discussões sobre o papel do


Estado em relação ao desenvolvimento econômico e às políticas
sociais, bem como sobre a redução da ação do setor público e a
reestruturação das políticas sociais.
A transformação do perfil da "política social brasileira" no
âmbito institucional-financeiro mudou a forma fragmentada e se-
letiva do momento histórico anterior e abriu espaços para a or-
ganização dos sistemas públicos, ou estatalmente regulados, na
área de bens e serviços sociais básicos. Com isso, foram abertos
espaços para tendências universalizantes, difundindo, por exem-
plo, "políticas de massa" de relevante cobertura.
Quanto aos efeitos desse modelo de políticas sociais no cam-
po do lazer, dois fatos históricos merecem destaque. O primeiro
foi a instituição, em 1958, da Campanha de Ruas de Recreio, que
promoveu atividades esportivo-recreativas em ruas e praças. Essa
campanha foi difundida de tal forma nas décadas seguintes que
passou a representar o modelo de política pública de lazer no país,
modelo ainda hoje sustentado em muitos municípios e estados
brasileiros. Essa experiência pode ser considerada a principal pro-
pagadora da política de lazer como "cultura de eventos" – esporá-
dicos, elitistas, discriminatórios ou "pacotes de atividades" baixa-
dos dos gabinetes técnicos –, que caracterizou e ainda caracteriza
muitas políticas de lazer desenvolvidas hoje no país (PINTO, 1998).
Paralelamente a esse fato, a aliança entre as políticas de
esporte, educação física e lazer, para nós, constituiu um segun-
do fato histórico decisivo para desenhar a "política de lazer" das
décadas de 1960 e 1970. Essa aliança foi alicerçada pelo Decreto
69.450, de 1971 (BRASIL, 2012k) – em vigor até 1996 –, que dispôs
sobre a obrigatoriedade da Educação Física escolar como prática
de atividades esportivo-recreativas em todos os níveis de ensino
do país. Ao mesmo tempo, difundiram-se por todos os estados
brasileiros as secretarias municipais e estaduais de esporte e lazer,

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100 © Recreação e Lazer

consagrando o campo da educação física como o principal difusor


das políticas de lazer no Brasil.
Essa estratégia política foi fundamental para promover
uma educação corporal comprometida com educação para o la-
zer, orientada pelas necessidades do desenvolvimento capitalista.
Nesse sentido, a principal estratégia foi a difusão de políticas es-
portivo-recreativas traduzidas como políticas de atividades, o que
influiu nas políticas de doação de material e cessão de equipamen-
tos específicos, sem se preocupar com a participação humana nas
atividades vividas (ZINGONI, 2003).
Para Draibe (1990), as práticas de políticas públicas nesse
período histórico são elitistas pelo fato de priorizarem segmentos
já privilegiados da população, e são assistencialistas e tutelares
quando direcionadas aos segmentos empobrecidos da população.
Sobre as políticas públicas assistencialistas, o autor enfatiza que a
forma mais tradicional encontrada no país é marcadamente indivi-
dualista, reflexo da própria visão econômica da sociedade, regula-
da mais pela competição do que pela convergência.
Nesse período histórico, as políticas no campo do lazer são
traduzidas por ações setorizadas, institucionalizadas, marcadas
pela promoção de "eventos" esporádicos − por exemplo, com mui-
tas "ruas de lazer" que não envolvem os participantes em sua or-
ganização.
Analisando consequências das políticas de lazer da época,
Zingoni (2003) afirma que elas se refletem em atitudes de confor-
mismo dos usuários com os modelos de atividade difundidos, ali-
mentando um ambiente nada propício às políticas participativas.

Terceiro Momento – Década de 1980


Na América Latina, os primeiros passos sistemáticos no sen-
tido da participação cidadã foram dados nos anos 1960, contexto
marcado por políticas de industrialização. A década de 1970 foi as-
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 101

sinalada por fluxos e refluxos dessas iniciativas, sendo, na década


de 1980, inaugurada a participação cidadã como instrumento para
o aprofundamento da democracia. Nessa década, no país, caem os
regimes autoritários, consolidam-se o capitalismo e os ajustes que
tendem a ser socialmente excludentes (GRAU, 1998).
Os primeiros anos dessa década marcaram o reconhecimen-
to do lazer como força econômica. As exigências do modo de vida
capitalista influenciaram na propagação do lazer como tempo-es-
paço necessário para o consumo das várias formas de entreteni-
mento produzidas e difundidas pela indústria cultural. Com dife-
rentes formas de consumo urbano, ampliaram-se a produção de
bens, a oferta de serviços, a geração de empregos com demandas
específicas ligadas ao lazer (PINTO, 2002).
No contexto capitalista, o lazer despontou como um mercado
emergente, em pleno crescimento, que gerou expressiva atividade
econômica, passando a exigir mão de obra diversificada e qualifi-
cada para atender aos novos e diversificados empreendimentos.
O capitalismo provocou a disseminação do lazer veiculado
pela indústria cultural, tratando os indivíduos como potenciais
consumidores de mercadorias lúdico-culturais, e o acesso diferen-
ciado a esses bens aumentou as desigualdades quanto à democra-
tização da produção cultural disponível para a vivência no lazer.
Nos anos 1980, o setor público continuou a viver os proble-
mas sociais que, desde anos anteriores, vinham desafiando gover-
nos e sociedade, como crescimento econômico irregular no país,
pobreza, desigualdades sociais, insegurança pessoal.
No início dessa década, o lazer não era incluído nos dilemas
sociais e a apropriação cultural consumista promovia vivências
acríticas de lazer.
O início dos anos 1980 também foi marcado pelo aumento
da participação dos atores sociais nos processos de democratiza-

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102 © Recreação e Lazer

ção, gestando um ambiente propício a mudanças políticas que,


posteriormente, influíram nas políticas de lazer.
As grandes mobilizações democráticas marcam um "novo"
momento histórico – como a campanha pelas "Diretas Já" e o nas-
cer de formas participativas dos cidadãos na formulação e na ges-
tão das políticas implementadas a partir da Constituição Federal
de 1988 (BRASIL, 2012f).
Sendo assim, depois de longo período de privação de liberda-
des democráticas, a década de 1980 culminou com a promulgação
de uma Constituição avançada quanto à ampliação/extensão dos di-
reitos sociais e à afirmação da cidadania, neles incluído o lazer.
No entanto, a inclusão do lazer na nossa Carta Magna, se
representou avanço quanto ao reconhecimento do lazer no con-
junto dos direitos sociais, manteve, nessa legislação, uma conota-
ção estigmatizante e questionada por muitos. Sobre isso, Nelson
Carvalho Marcellino (2001) analisa a inclusão do lazer no Título
VIII, Capítulo III, seção III, Do Desporto, art. 217, § 3º, e último pa-
rágrafo do item IV, que diz: "O Poder Público incentivará o lazer,
como forma de promoção social".
Para o autor, a expressão "promoção social" é carregada de
vícios assistencialistas, compreendendo o lazer como "utilidade",
e não como um dos fatores para o desenvolvimento social e hu-
mano.
Mesmo com limites apontados, a inclusão do lazer nos direi-
tos constitucionais inaugurou algo "novo" nas nossas experiências
políticas. Ele deixa de ser considerado um benefício social conce-
dido apenas aos trabalhadores (como coloca a Consolidação das
Leis Trabalhistas – CLT/1946), passando a ser tratado no conjunto
de medidas políticas necessárias à melhoria da qualidade de vida
de todos.
Esse fato passou a desafiar governantes e a sociedade no
sentido da elaboração e da implementação de políticas que pu-
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 103

dessem reconhecer e proteger tal direito. Esse desafio trouxe no


seu bojo outro maior ainda, ou seja, a necessidade de repensar
as políticas de lazer desenvolvidas como políticas de atividades,
sem reflexos sociais mais amplos e descontínuos nas ofertas para
a população.
Esse desafio ampliou-se à medida que, na década de 1980,
começaram a ser difundidos estudos sobre o lazer realizados em
cursos de pós-graduação e grupos de pesquisas de diversos cam-
pos. Essa difusão provocou contrapontos entre políticas fundadas
no lazer concebido pelo mercado, no lazer entendido como campo
de criação humana e nas práticas de resistência à lógica do discur-
so consumista da época.
Como analisa Zingoni (2003), a partir dos anos 1980, os
debates sobre cidadania passaram a envolver não só problemas
relacionados a prerrogativas – afirmação e garantia de direitos –,
como ao provimento – quantidade e diversidade de oportunida-
des e meios para o pleno exercício dos direitos. Tarefa nada fácil
em um país com tantas demandas e desigualdades sociais e com
um Estado ainda marcado pelo discurso da competência puramen-
te técnica, pela burocracia e pelo clientelismo na relação com os
cidadãos.

Quarto Momento – Década de 1990 aos Dias Atuais


Lembremo-nos de que, na década de 1980, mundialmente
[...] ocorre grande crise econômica nos países em desenvolvimen-
to – exceto no leste e no sudeste da Ásia – e desaceleração das
taxas de crescimento nos países desenvolvidos, que tem como sua
principal causa a crise endógena do Estado social – do Estado de
Bem-Estar nos países desenvolvidos, do Estado desenvolvimentista
nos países em desenvolvimento, e do Estado comunista −, crise que
a globalização acentuou ao aumentar a competitividade interna-
cional e reduzir a capacidade dos Estados nacionais de proteger as
empresas e seus trabalhadores. Esta crise levou o mundo a gene-
ralizado processo de concentração de renda e aumento da violên-
cia sem precedentes, mas também incentivou a inovação social na
resolução dos problemas coletivos e na própria reforma do Estado
(BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999, p. 15).

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104 © Recreação e Lazer

Já a década de 1990, no Brasil, pode ser caracterizada por


duas tendências. A primeira é representada por uma série de re-
formas constitucionais que enfatizam os instrumentos da demo-
cracia direta, dando oportunidade à participação cidadã na admi-
nistração pública; a segunda, por um claro esforço na transferência
dos serviços sociais por parte do governo central, atribuindo às
comunidades papel especial nessa condução. Combina, então, ge-
renciamento descentralizado dos recursos e criação de colegiados
para sua administração (GRAU, 1998).
Nessa mesma sociedade, coexistem formas distintas de ver
e agir politicamente. Duas delas destacam-se: a que se pauta pelo
interesse da acumulação de capital em detrimento de seus impac-
tos na vida humana, especialmente dos mais excluídos, e a que
inclui a promoção dos sujeitos e a defesa da vida.
Desde a década de 1980, a política de visão neoliberal ado-
tada pelo governo federal brasileiro, que teve como modelo as po-
líticas privatizantes e de desmonte do Estado de Bem-Estar Social,
estimulou o livre mercado e legitimou o debate entre as duas con-
cepções. De um lado, ficavam aqueles que defendiam um Estado
mínimo com certa idealização do mercado, motivados pelo discur-
so da ineficiência do Estado e da eficiência do mercado. De outro,
aqueles que defendiam que o problema não estava no tamanho
do Estado, e sim na forma de gestão deste.
A partir da segunda metade dessa década, expandiu-se pelo
país a discussão sobre fatores determinantes do desenvolvimento,
colocando em pauta as necessidades de provimento dos direitos
do cidadão. Isso implicou políticas que concebessem o desenvolvi-
mento não somente como possibilidade de crescimento econômi-
co, mas também como distribuição equitativa dos resultados dos
ativos gerados, pois crescimento sem equidade é crescimento sem
desenvolvimento (ZINGONI, 2002).
A discussão sobre esses fatores implicou políticas que esta-
belecessem mediações entre o econômico, o social, o ambiental e
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 105

o humano, com vistas à melhoria da qualidade de vida da popula-


ção e a um mercado orientado pela universalização do acesso aos
bens e aos serviços oferecidos, políticas pautadas por valores de
sociabilidade, cooperação e associativismo, dentre outros.
Nesse contexto, o debate sobre a participação renovou-se,
revelando mudanças nos planejamentos políticos e reformas nas
administrações municipais. Os atores sociais e representantes de
todos os setores têm aprendido a negociar propostas e a construir
ações políticas capazes de enfrentar as desigualdades crescentes,
introduzindo a criação da "cultura de participação".
Os avanços no âmbito jurídico-legal, especialmente em de-
corrência da promulgação da Constituição de 1988, revelam re-
lações de responsabilidades compartilhadas do lazer com outras
políticas sociais, embora haja ainda uma distância significativa en-
tre a institucionalização dos direitos sociais expressos nas políticas
públicas implementadas e as condições reais de conquistas dos di-
reitos pelas crianças, pelos jovens, adultos e idosos.
Ao mesmo tempo, várias leis que implicam o lazer no conjun-
to de seus dispositivos passaram a nos desafiar a construir estraté-
gias e instrumentos de gestão que permitam efetivamente promo-
ver um amplo atendimento proporcionado por tais políticas.
Para isso, tornaram-se indispensáveis a participação e a di-
fusão de informações sobre esse aparato legal, acompanhadas
de discussões sobre possibilidades e limites a serem enfrentados
rumo ao provimento necessário à conquista desses direitos.
É importante lembrarmos que a Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990 (BRASIL, 2012m), que dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente, explicita o lazer como direito que deve ser asse-
gurado pela família, pela sociedade em geral e pelo poder público,
devendo os municípios estimular e facilitar a promoção de progra-
mas culturais com foco no lazer e voltados à infância e à juventude.

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106 © Recreação e Lazer

O mesmo acontece com o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741,


de 1º de outubro de 2003 (BRASIL, 2012q), que explicita que os
programas de lazer devem ser incentivados a proporcionar uma
melhoria da qualidade de vida do idoso, além de sua participação
comunitária.
A questão do direito ao lazer está contemplada também na
Política Nacional para a Integração das Pessoas Portadoras de Defi-
ciência – Decreto nº 3.298 (BRASIL, 2012j) –, sendo o lazer tratado
juntamente com a cultura, o esporte e o turismo.
Na Lei nº 8.080, Título I, art. 3º (BRASIL, 2012n), o lazer é
posto como um dos fatores determinantes da saúde de toda a
população. Na Lei nº 10.216, art. 4º (BRASIL, 2012p), que dispõe
sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais,
destaca-se o lazer como um serviço obrigatório no tratamento
dessas pessoas em regime de internação.
O Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), criado
com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor, inclui,
no seu Capítulo I, o lazer como um dos seus objetivos, tendo em
vista salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de
criar, dos modos de lazer e de viver da sociedade brasileira.
Na trilha da implementação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRA-
SIL, 2012o), os Parâmetros Curriculares Nacionais ressaltam a Edu-
cação Física como área de conhecimento que cuida da educação
corporal, nela considerando a educação para a participação lúdica
no lazer.
Se, de um lado, é animador esse quadro de "orientações"
legais, de outro, a conquista plena do direito ao lazer continua ain-
da negligenciada por falta de consciência desse direito, ou de in-
suficiente responsabilidade individual e/ou coletiva no jogo social
para garantia desse direito.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 107

Afinal, o reconhecimento e a conquista de direitos não nas-


cem das pessoas a partir de um modo individual de lidar com suas
obrigações e escolhas. Ao contrário, são conquistas socioculturais
históricas, reunindo sujeitos e grupos organizados, conscientes
dos sentimentos coletivos e do poder da participação conjunta.
Nesse sentido, do final do século 20 ao início do 21, se vários
aspectos mudaram no contexto brasileiro, outros ainda se perpe-
tuam. Novas demandas e crises econômicas têm alterado a estru-
tura do sistema de produção e do mercado de trabalho (PINTO,
2002). Continua crescente a competitividade nas políticas econô-
micas.
Mundialmente, não falamos mais em Declaração Universal
dos Direitos do Homem, que, mesmo representando um avanço
no sentido da proclamação do direito ao lazer, para além do direi-
to ao tempo de repouso, não conseguiu a síntese entre liberdade,
igualdade e equidade. Falamos hoje na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, uma evidência a mais das lutas empreendidas
pelos movimentos sociais nos últimos anos em prol da universali-
dade dos direitos e da inclusão.
Nas políticas públicas e privadas de modo geral, e também
nas de recreação, lazer e educação física, como tratado por Pinto
(2002), a participação entra como uma "inovação". Aqui, o "novo"
não é percebido como um rompimento com o velho, mas como
um incremento das forças associativas em prol da garantia de di-
reitos. O debate sobre a construção de direitos coloca as pessoas
na posição central da construção de políticas e dá ao conceito de
"inovação" novos sentidos. O direito é visto no contexto da dinâ-
mica social que busca a cidadania, e, nessa dinâmica, há o surgi-
mento (ou o reascender) de novos direitos.
Arretche (1998) lembra que o tema "inovação" veio à tona
nos anos 1970, em consequência das transformações nos pro-
cessos produtivos em escala mundial. Naquelas circunstâncias, a
inovação foi considerada um processo que envolve o uso, a trans-

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108 © Recreação e Lazer

formação e a aplicação de conhecimentos técnico-científicos em


problemas relacionados à produção e ao lucro – caráter comer-
cial ligado às transformações tecnológicas, de mercado, fomento
de novos hábitos de consumo e difusão do padrão burocrático de
gestão.
Com a globalização e as exigências do mercado, esse debate
transferiu-se para a esfera de serviços, e desta para o serviço pú-
blico e o âmbito do Estado. A Reforma do Estado e a emergência
de um Estado em ação demandaram mudanças na prestação dos
serviços públicos, implicando "inovações" dos significados de efi-
ciência, eficácia e efetividade social das políticas implementadas.
Para Arretche (1998), a eficiência focaliza a relação entre es-
forço empregado na implementação da política e resultados alcan-
çados. Pode ser medida pela capacidade de mobilizar e motivar o
maior número possível de sujeitos para participar, pela capacidade
de promover parcerias, de se articular com outras políticas e de
administrar os recursos disponíveis. A eficácia compreende a rela-
ção entre objetivos, instrumentos explícitos de um programa e re-
sultados efetivos. E a efetividade social de uma política refere-se
à relação entre sua implementação e os impactos e/ou resultados
sociais que alcança.
Nesse movimento histórico, Estado e mercado passaram a
constituir esferas com estruturas e dinâmicas diferentes. As lutas
pela democracia potencializaram a ampliação dos limites das po-
líticas, provocando alterações em seus procedimentos e incorpo-
rando demandas coletivas pela revitalização do campo ético, gra-
ças à participação associativa no nível de poder local.
No entanto, essas "inovações" enfrentam barreiras. Por
exemplo, em muitos municípios historicamente governados por
oligarquias locais (regime político em que o poder é exercido por
um pequeno grupo de pessoas pertencentes ao mesmo partido,
classe ou família), as políticas ainda agem em benefício de interes-
ses particulares.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 109

Além disso, a urbanização acelerada agregou novos proble-


mas aos existentes, deslocando esferas de decisão para os meios
urbanos, aumentando demandas em relação aos vários setores ur-
banos, e, no interior de cada um deles, acentuando as diferenças
de oportunidades para as camadas da população.
Após este breve passeio pelas políticas de lazer no Brasil, por
fim, discutiremos a dialética entre a universalidade e a particulari-
dade das políticas.

7. POLÍTICAS: UNIVERSAIS OU FOCALIZADAS?


"Incluir" provém do verbo latino includere, e significa colocar
algo ou alguém dentro de outro espaço ou lugar. Esse verbo latino,
por sua vez, é a síntese entre o prefixo in e o verbo cludere, que,
por sua vez, significa fechar, encerrar.
Nesse sentido, há uma dialética entre a inclusão (o de den-
tro) e a exclusão (o de fora), como termos relacionais em que um
não existe sem o outro.
"Excluir" é tanto a ação de afastar como a de não deixar en-
trar. Ademais, não se pode deixar de dizer que o preso, excluído
do convívio no seio social, é, ao mesmo tempo, um incluído no
sistema penitenciário.
Seguindo essa linha de raciocínio, em uma sociedade que
não emprega, que desemprega, que divide mal as riquezas e a ren-
da, mas, ao mesmo tempo, estimula o desejo de consumir o mais
novo, o último modelo disso ou daquilo, fica difícil falar em exclu-
são absoluta.
O desemprego, sociologicamente, é uma mão de obra dis-
ponível, que disputa de fora o valor dos salários dos que já estão
dentro. E o desejoso de consumir mais e melhor o último modelo
de tênis, TV ou celular é, psicologicamente, um incluído.

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110 © Recreação e Lazer

Falar em políticas inclusivas supõe, pois, retomar o tema da


igualdade e, sob ele, o da desigualdade.
As políticas inclusivas, dessa maneira, supõem, de alguma
forma, a realidade de uma situação desigual e o horizonte de um
estado menos desigual em direção a um mais igual.
Tais políticas podem ser entendidas como estratégias volta-
das para a generalização e a universalização dos direitos civis, polí-
ticos e sociais. Elas buscam, pela presença interventora do Estado,
aproximar os valores formais, proclamados no ordenamento jurí-
dico, dos valores reais, existentes em situações de desigualdade.
Elas se voltam para o indivíduo e para todos os indivíduos, deven-
do ser proporcionadas pelo Estado, pelo princípio da igualdade de
oportunidades e pela igualdade de todos ante a lei.
Sendo assim, essas políticas públicas não são destinadas
apenas a grupos que são específicos como tais por conta de suas
raízes culturais, étnicas ou religiosas. Isso não impede a iniciati-
va de medidas gerais que, na prática, acabam por atingir nume-
ricamente um maior número de indivíduos provindos das classes
sociais populares e que possam ser também categorizados, por
exemplo, por sua procedência étnica.
Essas políticas públicas também têm como meta combater
todas e quaisquer formas de discriminação que impeçam o acesso
a uma maior igualdade de oportunidades e de condições a quem,
por razões de associação entre desigualdade e discriminação, é so-
ciologicamente mais desigual.
As políticas públicas inclusivas visam, então, a corrigir as fra-
gilidades de uma universalidade focada em todo e em cada indi-
víduo e que, em uma sociedade de classes, apresenta graus con-
sideráveis de desigualdade e de discriminação. Nesse sentido, as
políticas inclusivas trabalham com os conceitos de igualdade e de
universalização, em vista da redução da desigualdade social.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 111

Mas pode-se também entender o conceito de políticas inclu-


sivas dentro daquela qualidade histórica que Bobbio (1992) chama
de "especificação de direitos". Trata-se do direito à diferença, no
qual se mesclam as questões de gênero com as de etnia, idade,
origem, religião, deficiência, entre outras.
A presença de imigrantes provindos de ex-colônias ou de ou-
tros países repõe não só o tema da desterritorialização e dos fluxos
migratórios, como também o retorno de temas como tolerância
e multiculturalismo no âmbito dos espaços nacionais perante as
minorias ali presentes.
Tais políticas afirmam-se como estratégias voltadas para a
focalização de direitos para determinados grupos marcados por
uma diferença específica. A situação desses grupos é entendida
como socialmente vulnerável, seja por causa de uma história ex-
plicitamente marcada pela exclusão, seja por causa da existência
de circunstâncias naturais manifestas que produzem sequelas em
termos de alguma deficiência.
A focalização desconfia do sucesso de políticas universalistas
por uma apontada insuficiência de recursos. A focalização em gru-
pos específicos permitiria, então, dar mais a quem mais precisa,
compensando ou reparando perversas sequelas do passado. Ela se
baseia no princípio da equidade. Por esse princípio, já se afirmava
na Antiguidade Clássica que uma das formas de se fazer justiça é
tratar desigualmente os desiguais.
A equidade não é uma suavização da igualdade. Trata-se de
um conceito distinto, porque faz uma dialética com a igualdade e
a justiça, ou seja, entre o certo, o justo e o equitativo. Esse é o mo-
mento do equilíbrio balanceado que considera tanto as diferenças
individuais de mérito quanto as diferenças sociais. Ela visa, sobre-
tudo, à eliminação de discriminações.
Um das formas mais visíveis dessas políticas pode ser verifi-
cada na polêmica questão das "cotas" como expressão de "ações
afirmativas".

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112 © Recreação e Lazer

Assim, a busca da igualdade maior entre os grupos vulnerá-


veis (focalização) abdica das iniciativas tendentes a garantir igual-
dade legal entre todos os indivíduos (universalização).
Se considerarmos as graves dificuldades das contas públicas
às voltas com o pagamento de dívidas e com as limitações de re-
cursos para os investimentos em direitos sociais universais, a fo-
calização não deixou de ser uma estratégia dos Estados para uma
alocação específica de recursos, revestindo-se, na maioria das ve-
zes, de uma política de compensação.
A relação entre o direito à igualdade de todos e o direito à
equidade em respeito à diferença no eixo do dever do Estado e do
direito do cidadão não é uma relação simples.
De um lado, é preciso fazer a defesa da igualdade como prin-
cípio dos direitos humanos, da cidadania e da contemporaneida-
de. Políticas públicas de caráter igualitário, de saúde, educação,
esporte e lazer, segurança e habitação respondem por um hori-
zonte em que todos os indivíduos possuam os mesmos direitos,
sem descriminações de quaisquer espécie, tais como gênero, raça,
etnia, religião. Ou seja, trata-se de efetivar a igualdade de oportu-
nidades e de condições ante um direito reconhecidamente inalie-
nável da pessoa humana.
É preciso considerar que as políticas universais, por vezes,
ficam formais e sem uma efetivação real. Sendo assim, as desigual-
dades continuam a mostrar um espectro inaceitável sob qualquer
ponto de vista.
Um tratamento apenas formalmente igualitário não pode ser
um biombo para a eternização de desigualdades e discriminações.
Neste instante, uma pergunta se faz necessária: Mas como foca-
lizar certos grupos em face do princípio igualitário da cidadania?
Não há sociedade que não seja plural em termos de culturas,
etnias, religiões, meios sociais, dentre outras possibilidades.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 113

Aqui se torna indispensável uma maior clareza e uma distin-


ção entre políticas de reconhecimento e políticas de distribuição. As
políticas de reconhecimento possuem horizonte e conteúdo positi-
vos em relação ao olhar sobre o outro, enquanto as políticas de dis-
tribuição se voltam para os direitos sociais, para a riqueza e a renda.
As segundas partem da existência de uma exploração socioe-
conômica, de uma marginalização social, enfim, de algo a que hoje
se dá o nome genérico, por vezes impreciso, de exclusão. Nesse
caso, a equidade se impõe como forma de redistribuição de renda
e de riqueza; é uma garantia aos direitos sociais por meio de opor-
tunidades iguais de acesso, aos bens sociais mais fundamentais
para uma vida digna.
Contudo, distribuir bens sociais por meio de políticas públi-
cas não significa, necessariamente, abrigar políticas de reconheci-
mento. E, inversamente, reconhecer valores culturais específicos
não quer dizer distribuição de bens sociais.
É dever da sociedade e do Estado respeitar as liberdades dos
indivíduos para exercer papéis sociais diferenciados e se filiar a
grupos sociais específicos, com escolhas religiosas, culturais, entre
outras, compatíveis com a cidadania e com os direitos humanos.
Tal pluralidade é visível, sobretudo quando grupalizada em mani-
festações evidentes.
Se as diferenças são visíveis e imediatamente perceptíveis,
especialmente no caso das pessoas com necessidades especiais, o
mesmo não ocorre com o princípio da igualdade.
O princípio da igualdade não é visível a olho nu; seu contrá-
rio, a desigualdade, é fortemente perceptível em nossa sociedade
tanto quanto são perceptíveis as diversas formas de discriminação.
É dever do Estado gerir tais diferenças com isenção, com-
petência e transparência, assegurando a coesão social pela cons-
trução de uma cidadania aberta a todos, respeitados os princípios
comuns da existência coletiva.

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114 © Recreação e Lazer

Em síntese, podemos afirmar que, das tensões discutidas


ao longo deste tópico, surgem as políticas universalistas ou foca-
lizadas que, por sua vez, dependem das opções de políticas mais
amplas e cuja implementação deve contar com a crítica dos inte-
ressados.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Pautando-se nos estudos realizados nesta unidade, assim como em outras
referências consultadas, explique o que significa a afirmação de que o lazer
é um direito social.

2) A partir do estudo da trajetória histórica da presença (ausência) do lazer nas


Constituições Federais, responda: quais são as principais transformações
ocorridas nestes documentos legais?

3) O estudo do percurso histórico das políticas de lazer em nosso país é de


grande valia para compreendermos a visão dessa prática social em um dado
contexto histórico-social. Diante dessa afirmação, cite as principais caracte-
rísticas das políticas de lazer nos seguintes períodos da história:
a) pós-Segunda Guerra Mundial;
b) décadas de 1960 e 1970;
c) década de 1980;
d) década de 1990 aos dias atuais.

9. CONSIDERAÇÕES
Em síntese, essa releitura histórica das políticas de lazer no
Brasil nos mostra que o lazer não é uma esfera social isolada. Inse-
re-se nas relações sociais e é perpassada por relações de poder, da
mesma forma que toda a sociedade.
Nesse contexto, mesmo imbuídos da necessidade e dos de-
sejos de mudanças históricas, estamos sempre em confronto com
vários interesses: políticos, econômicos e outros.
© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 115

Os quatro momentos históricos identificados mostram nossa


leitura de como o lazer foi se constituindo como campo, com in-
fluência política na construção e na reconstrução de cada período
histórico analisado.
Nesses contextos, ao mesmo tempo que o lazer participou
da reprodução social, abriu espaços importantes para a reversão
de valores e dos papéis sociais e históricos, pois o lazer é um dos
campos de reprodução da ideologia dominante e de desigualda-
des sociais, além de ser campo de produção crítica sobre suas pró-
prias relações e com a sociedade.
A consciência da importância do lazer nas políticas sociais
motiva-nos a aprofundar os estudos sobre as possibilidades de ele
integrar as ações políticas de transformação social. Esse é o desa-
fio da nossa próxima unidade de estudo.

10. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
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da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e alínea "c" do artigo 40 da Lei nº 5.540,
de 28 de novembro de 1968, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
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dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
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© U2 - Dimensões Políticas do Lazer 117

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


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das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
saúde mental. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 abr. 2001.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>.
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______. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso
e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
3 out. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.
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11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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(Org.). Lazer e desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul: Editora da Unisc, 2002. p.
53-82.
EAD
Interfaces entre o Lazer e
a Educação

3
1. OBJETIVOS
• Enfatizar a relação entre o lazer e a educação como cam-
pos de estudos.
• Apresentar e discutir o conceito de campo.
• Apresentar estudos que articulam lazer e educação.
• Apresentar estudos que articulam educação e lazer.
• Apresentar e ilustrar com exemplos os conteúdos cultu-
rais do lazer.

2. CONTEÚDOS
• A educação na contemporaneidade.
• O campo de estudos do lazer.
• Articulações entre lazer e educação.
• Interesses culturais do lazer.
120 © Recreação e Lazer

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Para ampliar seus conhecimentos sobre a "Lazer e Edu-
cação", procure distribuir os períodos de estudo: orga-
nize seu horário de maneira que não fique saturado e
procure variar seu programa, alternando as ações de
escrever, ler, refletir, participar na Sala de Aula Virtual,
realizar atividades etc.
2) Para profundar os principais conceitos tratados nesta
unidade, faça uma consulta à bibliografia indicada no tó-
pico Referências Bibliográficas.
3) Para enriquecer seu estudo, navegue nos sites indicados
ao final desta unidade.
4) Pesquise experiências de lazer-educação desenvolvidas
em diversos contextos sociais;
5) Você sabia que a dificuldade de se concentrar é um dos
problemas básicos de muitos estudantes? Como conse-
quência, as horas dedicadas ao estudo podem prolongar-
-se, e os resultados podem não ser os esperados. Assim,
procure realizar intervalos regulares de tempo (a cada
30, 40 ou 50 minutos) durante o estudo desta unidade.
Ah, lembre-se de que, na Educação a Distância, você faz
parte de um grupo de construção do conhecimento.
6) Faça um levantamento de trabalhos científicos que arti-
culem as dimensões do lazer e da educação, facilitando,
assim, o entendimento desta unidade.
7) Ao mesmo tempo em que não podemos desconsiderar
a faceta consumista e prática do lazer, procure, ao longo
desta unidade, analisar a relação entre o lazer e a educa-
ção sob um ponto de vista crítico e reflexivo.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Podemos afirmar que, em nosso país, foi a partir de 1970
que o lazer deixou de ser visto como um tema estudado por ini-
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 121

ciativas particulares e passou a ser tratado como uma área capaz


de impulsionar pesquisas, projetos e ações coletivas e institucio-
nais. Nesse contexto, ganham destaque os estudos que articulam
o campo do lazer e o campo da educação, especialmente pela
abrangência deste último.
Esta unidade tem como objetivo situar você nesses estudos,
enfatizando como a articulação entre lazer e educação foi (e vem)
sendo construída em nosso contexto.
Para atingir esse objetivo, dialogaremos um pouco sobre a
educação na contemporaneidade e definiremos, posteriormente,
o que vem a ser um campo de estudos, uma vez que o lazer, dessa
maneira, vem se constituindo de forma legítima.
Em seguida, faremos uma apresentação dos principais te-
mas desenvolvidos nos estudos que se debruçaram sobre o lazer e
a educação. Esse encaminhamento possibilitou a identificação das
ênfases dadas aos objetos de pesquisa tanto em um campo como
em outro.

5. A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
Propomos um diálogo sobre o significado da educação em
nosso contexto social, tendo a sociedade globalizada e informati-
zada deste século 21 como referência.
O que estamos entendendo por educação? O que essa nova
configuração trouxe para o contexto educacional? O que preten-
demos para os sujeitos que estamos educando? Essas questões
de que trataremos devem ser respondidas a fim de que tenhamos
em nossos horizontes um papel definido ao atuarmos no campo
do lazer.
A cada dia, percebemos que a sociedade em que vivemos
tem se modificado. Tudo tem acontecido muito rapidamente. Res-
postas que antes nos convenciam e confortavam, hoje não aten-
dem mais às nossas expectativas.

Claretiano - Centro Universitário


122 © Recreação e Lazer

A ciência tem se desenvolvido de forma acelerada. Nossas


verdades foram abaladas e têm se tornado cada vez mais provi-
sórias. A comunicação entre os homens tornou-se facilitada, as
fronteiras geográficas foram diluídas, o capitalismo reina em qua-
se todo o mundo. Guerras e conflitos de todo tipo estão cada vez
mais presentes. Diante dessas e de tantas outras constatações,
precisamos nos posicionar de forma crítica, e é essa a função da
educação, que também se vê diante da necessidade de ser repen-
sada e ressignificada.
Estamos convencidos de que neste contexto social a esco-
la continua tendo papel de destaque na formação humana, mas
sozinha ela não tem dado conta dessa responsabilidade, pois são
muitas as informações a serem filtradas, vindas de várias dire-
ções. Sendo assim, outros projetos educativos presentes na vida
ganham destaque;. Entre eles, podemos citar as contribuições do
lazer como uma ação socioeducativa.
Para principiarmos nosso diálogo, consideramos fundamen-
tal rever determinados fundamentos – apoiados na antropologia
–, cruciais para nossa compreensão de educação.
Como afirmam os estudos antropológicos, o homem (ser hu-
mano) não nasce homem, ele torna-se homem. Todos os homens
são iguais como espécie. Nascemos no mundo da natureza e nos-
sas necessidades (de cuidado, alimento, afeto, entre outras) são as
mesmas em todo o mundo. Mas, em uma análise a partir de outra
perspectiva, pode-se afirmar que o homem também é diferente de
todos, pois assim que nascemos para o mundo da natureza, nasce-
mos também para o mundo da cultura, e isso ocorre de maneiras
diferenciadas em cada parte deste planeta.
A diversidade cultural coloca-nos diante da constatação de
que os processos educativos variam conforme o grupo social no
qual são desenvolvidos. É importante ressaltar que, lamentavel-
mente, a diversidade não tem sido entendida como diferenças
que enriquecem, e cada vez mais tem sido usada para justificar as
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 123

desigualdades sociais. Daí o fato de convivermos, ainda nos dias


atuais, com o racismo, a intolerância e a violência para com deter-
minados grupos.
Os indivíduos participam de maneiras diferentes dentro de
sua cultura. Essa participação tem uma relação direta com a edu-
cação e é sempre limitada, uma vez que ninguém é capaz de par-
ticipar de todos os elementos de sua cultura. Isso pode ser obser-
vado quando analisamos, por exemplo, as relações de gênero, nas
quais a participação masculina é destacada em quase todas as so-
ciedades. Desde cedo, por meio das brincadeiras, as crianças são
educadas para cumprir os papéis sociais a elas designados. Sendo
assim, aprendem o que significa ser homem e ser mulher e o que
se espera de cada um deles naquela sociedade (ALVES, 2003).
Também a idade interfere nessa participação. Cada cultura
define o que é ser criança, jovem, adulto ou idoso e o que é per-
tinente a cada um. O acesso à educação escolarizada e aos bens
culturais, assim como as opções religiosas, políticas e sexuais, faz
parte dessas limitações. Entretanto, tais limitações são importan-
tes e devem existir, pois movem a necessidade dos sujeitos de se
relacionar com os demais membros de sua sociedade. Dessa de-
pendência em relação ao outro é que surgem as regras de convi-
vência, a necessidade do controle das ações e a educação. Sem
esses mecanismos de controle (cultura), a vida em sociedade seria
um caos (LARAIA, 2001).
Ao ser inserido no mundo da cultura, o homem vive um pro-
cesso de humanização, que se materializa no corpo e se concretiza
por meio de ações educativas. Por meio desse processo, somos
conduzidos a disciplinar o corpo, a transformar o mundo em lin-
guagem, a interagir com outros seres humanos e com o universo,
construindo a realidade a partir dessa relação.
Cada conjunto de homens interioriza os símbolos exteriores
e (re)produz os conceitos pertinentes àquele grupo social. No clás-
sico texto de Marcel Mauss (1974), intitulado As técnicas corpo-

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124 © Recreação e Lazer

rais, o autor afirma que a imitação é o primeiro processo de edu-


cação do homem. Sendo assim, a educação é uma produção social
a partir da qual cada indivíduo extrai as bases para a construção de
seu mundo próprio, pessoal e intransferível. Educar é humanizar o
homem e sem esse processo ele não se constrói social, política e
historicamente.
Cabe destacar, no processo de educação/humanização do
homem, o papel fundamental desempenhado pela família, pela
escola, pela Igreja, pelo trabalho, pelo lazer e pelos sistemas de
comunicação, entre tantas outras dimensões e instituições sociais,
cada uma com seus modos e finalidades particulares.
Como herança histórica, o homem recebe o mundo cons-
truído antes do seu nascimento. Mas cada sujeito interfere na re-
alidade e pode construir outras possibilidades, pois ele também
é um ser capaz de produzir cultura. Além disso, o homem é livre
para ser, criar, escolher. Parece simples, mas essa possibilidade
é complexa, pois ser livre e responsável pelas próprias escolhas
exige que a educação desenvolva a sensibilidade do sujeito, para
que este tenha consciência da dimensão de sua própria liberdade
– que é socialmente construída – bem como de sua participação
criativa no mundo.
Se recorrermos a uma definição bastante abrangente de que
educação é transmissão de cultura (RIOS, 1997), e que cultura é
tudo o que resulta da interferência dos homens no mundo que os
cerca e do qual fazem parte, podemos afirmar que a educação ex-
trapola o sistema formal de ensino. Seguindo essa linha de raciocí-
nio, tudo o que transmitimos e tudo o que recebemos é educativo.
Querendo ou não assumir a postura e a responsabilidade de
um educador, estamos, cotidianamente, educando e sendo edu-
cados. A responsabilidade de estarmos atentos ao nosso fazer co-
tidiano, agindo em prol da qualidade das relações interpessoais,
deve ser uma atitude assumida por qualquer cidadão. Esse com-
promisso torna-se mais significativo quando se refere a uma área
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 125

específica de atuação, como a dos profissionais de lazer, em que


sua ação profissional é centrada no ser humano, ao vivenciar, cor-
poralmente, uma das dimensões imprescindíveis para o seu pro-
cesso de tornar-se verdadeiramente humano.
Temos sido educados, apesar de algumas iniciativas contrá-
rias, em um ambiente alienante, em que o observador ingênuo vê
o mundo constituído de elementos independentes uns dos outros,
o que também é perceptível no campo do lazer. Nosso sistema
educacional, fruto do pensamento moderno, continua a nos en-
sinar a analisar, a isolar os objetos, a separar os problemas, mas,
salvo raríssimas exceções, não nos tem ensinado a articulá-los uns
com os outros. Esse ambiente desarticulador é reforçado pela ide-
ologia capitalista, que está diretamente relacionada à ocultação ou
distorção dos fatos e com uma comunicação que torna a realidade
meio invisível e dissimulada.
Imersos nessa atmosfera, muitos profissionais, entre os quais
os da área do lazer, têm se restringido ao desempenho de tarefas
essencialmente práticas, cujas finalidades podem estar simplifica-
das, obscurecidas ou mascaradas. Atuando dessa forma, podere-
mos alcançar objetivos para os quais talvez não trabalhássemos se
tivéssemos pleno conhecimento de seus desdobramentos e impli-
cações sociais, políticas e pedagógicas.
Mesmo que não tenhamos consciência, nossas ações e omis-
sões sempre comunicam algo, fundamentando-se em princípios e
normas construídos culturalmente. Rejeitando a posição ingênua
ou indefinida dos estudiosos, Paulo Freire (2000) nos alerta para o
fato de que ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com
os outros de forma neutra. Por mais adaptados, inconscientes, pa-
catos e acomodados que possamos estar, sempre nos colocamos a
serviço de algo. Sendo assim, se não nos posicionarmos de forma
clara, atuaremos como importantes multiplicadores e defensores
das coisas como estão.

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126 © Recreação e Lazer

Não podemos mais ignorar a urgência de universalização da


cidadania, que, por sua vez, requer uma nova ética. Podemos nos
lançar a esse desafio obtendo informações pertinentes e nos tor-
nando mais vigilantes em relação ao que pensamos e, especial-
mente, em relação ao que fazemos.
Acreditamos que transformar a experiência educativa em
puro adestramento é amesquinhar o que há de fundamentalmen-
te humano no exercício educativo: seu caráter formador. Ensinar
– e um profissional da área do lazer ensina muito – exige compre-
ender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.
Não podemos ser educadores a favor simplesmente do ho-
mem ou da humanidade. É uma intenção louvável, mas muito vaga
em face da concretude da prática educativa. Ainda inspirados em
Paulo Freire, acreditamos também que devemos ser educadores
a favor da liberdade contra o autoritarismo, a favor da autorida-
de contra a desordem. Devemos lutar pela democracia e contra
qualquer forma de discriminação. Somos educadores a favor da
esperança que anima, e contra o desengano que imobiliza, espe-
cialmente nos dias de hoje.
Em suma, a educação pode ser entendida como um processo
de transmissão e construção de cultura, sendo esta resultante da
interferência humana no mundo. Seu papel na atualidade é formar
os sujeitos para que desenvolvam o pensar crítico, compreendam
o contexto no qual são constituídos e ampliem sua capacidade de
criação, elementos básicos para a superação dos desafios coloca-
dos para a humanidade neste início de século.
Como cidadãos, somos convocados a pensar nos efeitos da
globalização, na "ocidentalização" do mundo, na velocidade das
mensagens veiculadas pelos meios de comunicação, na explosão
das novas tecnologias da informação, na exacerbação do individu-
alismo e da competitividade, na crise do trabalho, enfim, na dinâ-
mica da sociedade que prevalece no momento presente.
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 127

Como destaca Alves (2003), o tempo atual é o dos fluxos de


informações, conhecimentos e imagens, que são constituídos de
formas interdependentes. Tais características introduzem novas
estruturações sociais no que diz respeito às relações entre os in-
divíduos e às novas formas de agrupamentos, provocando manei-
ras diferentes de se situar nos tempos e nos espaços, imprimindo
um novo desenho para a sociedade. Um bom exemplo são as mu-
danças provocadas pelas TVs a cabo e pela internet, que rompem
fronteiras (mesmo que virtuais), possibilitando novas interações e
construções dos sujeitos com o tempo e o espaço.
Esse novo "desenho social" evidencia, ainda, a necessidade
de se refletir sobre os problemas advindos desse contexto, entre
outros, a produção de lixo em excesso, as consequências do uso
indiscriminado das reservas naturais, a possível falta de água potá-
vel, o aquecimento global e a "revolta" da mãe-natureza. É, portan-
to, dentro dessas novas configurações societárias que a educação
precisa assumir o desafio de humanizar o homem, desenvolvendo
competências e habilidades para que este possa compreender sua
realidade, intervindo nela de forma consciente.
É a partir desse entendimento do papel da educação na so-
ciedade contemporânea que definiremos o campo de estudos do
lazer, para posteriormente pensarmos na articulação de ambos,
no sentido de superação dos desafios colocados pelas contradi-
ções presentes em nosso cotidiano.

6. RECONHECENDO O CAMPO DE ESTUDOS DO LA-


ZER
Antes de iniciarmos nossas reflexões sobre alguns dos estu-
dos que se dedicam ao tema lazer e educação, julgamos pertinen-
te definir o que estamos entendendo por "campo".
Gomes (2008), pautada no pensamento de Bourdieu, nos
aponta que a noção de campo serve para designar universos dife-

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128 © Recreação e Lazer

rentes que são regidos por um mesmo modo de pensamento. Essa


característica permite o estabelecimento de leis gerais e invarian-
tes, e são elas que possibilitam a compreensão da estrutura e do
funcionamento dos campos.
Dessa forma, cada campo se particulariza em função de va-
riáveis secundárias e do grau de autonomia que possui. Existem,
dessa forma, campos tão diversificados como as múltiplas formas
de interesse, podendo-se falar em campo político, campo esporti-
vo, campo religioso, campo científico e vários outros. A condição
de ingresso em determinado campo é, justamente, a crença na sua
importância.
Ainda pautada no pensamento de Bourdieu, a autora des-
taca o valor de se conhecer profundamente a lógica de um cam-
po. Para isso, é necessário apreender os elementos implícitos na
crença que sustenta determinado campo, compreender o jogo de
linguagem que nele se joga e os aspectos materiais e simbólicos
nele gerados. Em sua estrutura, o campo também é um espaço
definido pelo estado de relação de forças entre formas de poder.
Sendo assim,
[...] para que um campo funcione, é preciso que haja objetos de
disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotados de habitus
que impliquem o conhecimento e o reconhecimento das leis ima-
nentes do jogo, dos objetos de disputas, etc. (BOURDIEU, CITADO
POR WERNECK, 2000, p. 78).

Entre outros elementos, um campo – dentre os quais o cam-


po de estudos do lazer – se estabelece por meio da definição dos
seus interesses específicos, assim como dos objetos que merecem
ser "disputados".
Para ficar mais claro o que estamos querendo dizer, os obje-
tos de disputa em um dado campo podem ser conceitos, teorias,
correntes de pensamento, linhas de ação. Esses objetos que estão
sendo disputados, entretanto, só são percebidos por aqueles que
foram criados para entrar neste campo por aqueles que fazem par-
te do jogo e conhecem suas regras.
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 129

Partindo do pressuposto de que o lazer representa um cam-


po em processo de constituição em nosso país, é possível perceber
que ele não se encontra totalmente estruturado, e, por esse moti-
vo, possui um relativo grau de autonomia. Em termos de produção
científica, muitos de seus estudos ainda não alcançaram o nível
de amadurecimento, consistência e profundidade com que outras
áreas abordam determinadas questões, como é o caso da educa-
ção (GOMES, 2008).
Conforme salientam Melo e Alves Júnior (2003), a maioria
dos estudos sobre o lazer tem se constituído sob a forma de rela-
tos de experiências que não partem de uma compreensão teórica
aprofundada, e os trabalhos de pesquisa, mesmo apresentando
uma discussão consistente sobre o lazer, nem sempre apontam ca-
minhos necessários para promover um avanço qualitativo nesse
campo.
Esse quadro faz parte do processo de amadurecimento do
lazer, por isso a produção teórica requer contribuições de campos
já estruturados. A busca de fundamentos em outras áreas não des-
qualifica os estudos específicos sobre o lazer, uma vez que essas
contribuições enriquecem as análises multidisciplinares sobre o
nosso campo de estudos (GOMES, 2008).
Uma vez discutido o entendimento de campo, nosso olhar
será direcionado para algumas iniciativas que relacionam lazer e
educação, especialmente as contribuições que esta última vem
trazendo para a área em questão.
Nossa intenção é inserir você nesses debates. Entretanto, se-
ria praticamente impossível abarcar nesta unidade toda essa pro-
dução, uma vez que encontramos estudos sobre a temática tam-
bém em interfaces com a pedagogia, a psicologia, a sociologia, a
antropologia, entre outros.
Nossa opção foi direcionar os olhares para o campo de estu-
dos que envolve o lazer. Tal encaminhamento revela que reconhe-
cemos hoje a constituição de um campo que se constrói mediante

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130 © Recreação e Lazer

o desenvolvimento de diversos empreendimentos que assumem o


lazer como seu objeto de estudos.
Entre essas ações, podemos citar a composição de grupos de
estudo, a realização de eventos científicos, a publicação de livros,
revistas e artigos, o desenvolvimento de cursos em diversos níveis
e a realização de pesquisas, projetos e intervenções sobre o lazer,
que serão discutidos a seguir.

7. ARTICULAÇÕES ENTRE O LAZER E A EDUCAÇÃO


A preocupação em associar lazer e educação pode ser loca-
lizada, inicialmente, nas primeiras décadas do século 20, período
em que encontramos registros sobre o tema, como pode ser veri-
ficado nos estudos de Marcassa (2002) e Gomes (2003).
Foi na segunda metade desse século, especialmente na dé-
cada de 1970, que observamos a preocupação de articular lazer e
educação ser acentuada. Esse interesse não foi por acaso: nesse
período, o processo de desenvolvimento industrial capitalista ob-
teve um impulso no país, alcançando vários municípios brasileiros
e demandando a formação de uma força de trabalho cada vez mais
laboriosa e produtiva.
No seio desse processo, lazer e educação adquiriram impor-
tância vital, pois, juntos, poderiam afastar os perigos do ócio, da
indolência e da preguiça. De acordo com esse pensamento, todos
precisavam ser educados nos momentos de lazer para que este co-
laborasse, de alguma forma, com a reposição das energias gastas
no trabalho e com o alívio das tensões vividas ao longo da semana.
Esse contexto impulsionou estudos que mobilizaram profis-
sionais de diversas áreas. Uma das iniciativas que deu visibilidade
a esse momento foi o I Encontro Nacional Sobre o Lazer, realizado
em 1975, no Rio de Janeiro, no qual a educação se fez presente
nas discussões. Nessa ocasião, houve a discussão de questões per-
tinentes àquele contexto histórico, que, de outro modo, ainda se
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 131

fazem presentes nos dias de hoje, como o uso do tempo no lazer e


o papel da educação.
Algumas considerações de Requixa (1979, p. 21) publicadas
nessa época também merecem ser registradas. De acordo com o
autor, a educação deveria ser entendida como
[...] o grande veículo para o desenvolvimento, e o lazer, um excelen-
te e suave instrumento para impulsionar o indivíduo a desenvolver-
-se, a aperfeiçoar-se, a ampliar os seus interesses e a sua esfera de
responsabilidades.

Essa condição é vista como indispensável para a garantia do


bem-estar e para o atendimento de necessidades e aspirações de
ordem individual, familiar, comunitária, dentre outras.
Entretanto, o próprio autor destaca que o lazer não pode
ser encarado apenas como um meio ou instrumento de educa-
ção. Preocupado com essa questão, Requixa (1980,) faz menção
ao duplo aspecto educativo do lazer, que é pautado nas seguintes
premissas:
• o lazer como veículo de educação: a educação pelo lazer;
• o lazer como objeto de educação: a educação para o lazer.

As reflexões inicialmente apresentadas por Requixa (1980),


e posteriormente difundidas e ampliadas por autores como Mar-
cellino (2010) e Camargo (1998) também tratam da questão do
duplo aspecto educativo do lazer.
Falar em duplo aspecto educativo do lazer é reconhecê-lo
como veículo e objeto privilegiado de educação (MARCELLINO,
2010).
Em se tratando do lazer como veículo de educação (educa-
ção pelo lazer), devemos considerar o seu potencial no processo
de desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. As atividades
de lazer vivenciadas no tempo disponível são capazes de cumprir
seus objetivos, conhecidos como consumatórios, relaxar e propor-
cionar prazer às pessoas que a elas se entregam, como também
contribuir para a leitura e o entendimento da realidade na qual
estamos inseridos.

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132 © Recreação e Lazer

Nesse caso, o próximo passo seria o reconhecimento das


responsabilidades sociais de cada indivíduo, por meio da sensibi-
lização pessoal, o que estimularia sentimentos de solidariedade e
anseios de transformação coletiva da realidade. A concretização
dessas possibilidades vem pela atuação no plano cultural, via lazer,
tendo em vista o estabelecimento de uma nova realidade moral e
intelectual que favoreça mudanças na esfera social.
Além da importância de se educar em momentos em que se
vivência o lazer, Marcellino (1990, p. 82) considera a importância
de se educar para o lazer, um aprendizado que tornaria o homem
mais consciente ao usar seu tempo livre. Sobre isso o autor co-
menta: "considero que para o desenvolvimento de atividades no
‘tempo disponível’, de atividades de lazer, que no plano da produ-
ção, quer no do consumo não conformista e crítico, é necessário
aprendizado".
Abordando esse outro aspecto do lazer, ou seja, visto como
objeto de educação (educação para o lazer), não só devemos esti-
mular a prática de atividades diversificadas de lazer como também
demonstrar a importância desse fenômeno para os indivíduos.
A educação para o lazer, foco principal deste estudo, torna-
-se, dessa maneira, um instrumento de defesa contra a homoge-
neização e internacionalização dos conteúdos veiculados pelos
mais diversos meios de transmissão cultural, despertando nos in-
divíduos um espírito crítico frente às atividades vivenciadas.
O duplo processo educativo do lazer, quando apropriado de
uma forma coerente e crítica, possibilita a vivência de um lazer
crítico e gratificante, mesmo com um mínimo de recursos, ou con-
tribui para a organização de grupos de interessados em sua práti-
ca para a reivindicação de recursos necessários junto aos órgãos
competentes.
Essas e outras constatações evidenciam a necessidade de
(re)conhecermos as discussões sobre esse assunto, motivo pelo
qual fomos incentivados a fazer uma análise da produção teórica
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 133

no lazer, com o objetivo de compreendermos melhor a interação


entre esses dois campos. Para isso, apresentaremos, no campo do
lazer, alguns livros que se articulam com a educação.
No campo da educação, por sua vez, propomos que se pense
a respeito da abertura encontrada por alguns pesquisadores para
estudar o lazer em cursos de pós-graduação stricto sensu. Propo-
mos também a análise dos anais do evento anualmente realizado
pela Associação Nacional de Pesquisas da Pós-Graduação em Edu-
cação (Anped), por ser este um dos principais encontros da área
em nosso país.
Esperamos que essa iniciativa signifique um ponto de parti-
da para que você se sinta estimulado a pesquisar outros textos, co-
nhecer as produções de outros grupos de estudos, analisar outras
obras (como, por exemplo, aquelas publicadas em outras áreas) e
examinar outros eventos que também exploram essa questão.

Livros sobre lazer e educação


Ao fazer um levantamento dos livros que articulam lazer e
educação, encontramos as seguintes obras, publicadas a partir da
década de 1980: Educação e lazer, a aprendizagem permanente
(ROLIM, 1989); Lazer e educação (MARCELLINO, 2010); Pedago-
gia da animação (1990); Educação para o lazer (CAMARGO, 1998);
Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contem-
porâneas (GOMES, 2008) e Lazer como prática da liberdade: uma
proposta educativa para a juventude (MASCARENHAS, 2003).
Considerando a importância desses textos para as nossas re-
flexões, destacaremos as abordagens desenvolvidas pelos autores.
Chamamos a atenção para o contexto de produção desses escritos,
visto que, desde a década de 1980 até os dias atuais, a sociedade
brasileira tem passado por mudanças significativas, especialmente
nas relações com o trabalho, o lazer e a educação, o que demanda
respostas diferenciadas em cada momento específico.

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134 © Recreação e Lazer

Rolim (1989) coloca-nos diante de referências teóricas sobre


o lazer introduzidas em nosso país. Apesar de os temas não serem
tratados com profundidade, a autora mostra que a aprendizagem,
por meio do lazer, pode ultrapassar o período da formação escolar
e se estender à vida cotidiana, contribuindo para o pleno desen-
volvimento do indivíduo.
Camargo (1998, p. 13) tece considerações sobre a educação
para o lazer. A preocupação básica do autor é
[...] tornar as pessoas mais aptas para desfrutar adequadamente
de um tempo livre novo, criado pela primeira vez na história da
civilização, que não acarreta perdas na produção econômica e traz
ganhos à qualidade de vida.

Essa obra foi preparada como livro paradidático, destinado


especialmente a alunos do Ensino Médio, jovens inquietos com
o futuro profissional. Ela apresenta um painel panorâmico sobre
diversos assuntos relacionados ao lazer, tais como trabalho, tempo
livre, lazer, ludismo, diversão, formação e atuação de profissionais
nessa área.
Com essa obra, o autor pretendeu introduzir a discussão so-
bre o lazer na primeira juventude, justificando que nessa fase os
sonhos estão "quentes"; ainda não se perdeu a espontaneidade
tão necessária para se viver o lúdico, e se pode apostar em uma
vida na qual o trabalho, a família e o lazer caminhem de forma in-
tegrada. Apesar de muitas ideias contidas no livro suscitarem críti-
cas e polêmicas entre os estudiosos da área, a obra contribui para
uma discussão introdutória sobre o lazer para outras camadas da
população.
Podemos constatar que a obra Lazer e educação, de Mar-
cellino (2010), foi a que mais se destacou nas pesquisas acadê-
micas que relacionam esses dois campos. Esse livro foi fruto do
trabalho de mestrado do autor na área de Filosofia da Educação e
discute as relações existentes entre o lazer, a escola e o processo
educativo.
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 135

Partindo de seu entendimento sobre lazer e educação, o au-


tor aprofunda reflexões sobre a importância do papel da escola
quando considera o lazer em seu duplo aspecto educativo, ou seja,
como veículo e objeto de educação. A relação entre lazer e escola
é pontuada quando Marcellino (2010) discute a instituição escolar,
procurando compreender como ela prepara os sujeitos para a ocu-
pação do tempo. Inevitavelmente, emerge na discussão o papel
de algumas disciplinas consideradas "mais próximas do lazer", tais
como educação física, educação artística e literatura. Entretanto, o
autor observa que essa visão precisa ser superada, porque o lazer
não se restringe a determinada(s) disciplina(s).
Por fim, Marcellino apresenta a proposta de uma "pedago-
gia da animação", buscando caminhos alternativos para ações que
privilegiem o campo cultural nas escolas. Essa obra é um marco
nas produções teóricas do lazer e educação e deve ser lida por
aqueles que pretendem aprofundar seus estudos, considerando,
obviamente, o contexto de sua produção e o fato de que, para tra-
tar da educação, o autor privilegia o universo escolar.
A proposta da "pedagogia da animação" foi aprofundada
por Marcellino em 1990, em obra de mesmo título. O autor ques-
tiona a ausência do lúdico na educação brasileira e propõe a sua
inserção nas escolas como um componente da cultura, sobretudo
nas séries iniciais. Alerta que não se trata de um manual de ativi-
dades dirigido aos educadores, e, sim, de uma reflexão filosófica
em busca de argumentos para sua existência nos meios escolares.
Como diz o próprio autor, a pedagogia da animação estaria ligada
à criação de ânimo, à provocação de estímulos e à cobrança da
esperança.
Em Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões
contemporâneas, Gomes (2008) propõe uma reflexão sobre o pro-
cesso de constituição histórica do lazer no mundo ocidental, ten-
do em vista a compreensão dos valores a ele associados. A autora
verificou que, ao longo dos tempos, lazer, trabalho e educação fo-

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136 © Recreação e Lazer

ram concebidos como eficientes mecanismos de controle moral e


social. Compactuando com esse projeto, a educação foi ministrada
com reservas aos segmentos populares, pois significava uma gran-
de força nas mãos dos segmentos privilegiados.
Gomes (2008) também discorre sobre as relações entre a re-
creação e o lazer, uma questão controvertida e polêmica entre os
estudiosos. Conforme suas constatações, a recreação representou
um movimento que propagou as eficientes possibilidades "sau-
dáveis e educativas" das atividades recreativas para as massas, a
serem utilizadas com imenso proveito político e integradas, via es-
cola, a um sistema de valores coerentes com os propósitos hege-
mônicos em cada contexto histórico.
Observamos que, nesse livro, o lazer é compreendido como
uma esfera estreitamente vinculada ao trabalho e à educação.
Como o lazer constitui o assunto central da obra, as teorias da
educação não foram consideradas, sendo que o tema é abordado
quando perpassa as questões que são pertinentes ao campo do
lazer.
No livro Lazer como prática da liberdade: uma proposta edu-
cativa para a juventude, Mascarenhas (2003) apresenta a síntese
de suas problematizações sobre as relações de poder e interesses
de instrumentalização conservadora do chamado tempo livre. An-
corado nas reflexões de Paulo Freire, dentre outros autores, sugere
um método de intervenção no qual a experiência com o lazer pos-
sa formar sujeitos com vistas a promover espaços de organização,
solução de problemas e vivência plena de direitos e da cidadania.
Padilha (2003), em uma resenha sobre este livro, afirma que
o autor apresenta uma forma viável e necessária de tratar o lazer,
não mais como instrumento de equilíbrio social, mas como uma
prática pedagógica envolvida com o compromisso da liberdade
e da emancipação humanas. Embora a parte conceitual retome
questões já debatidas por outros estudiosos, a abordagem meto-
dológica é consistente e instiga novos estudos sobre a temática.
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 137

Certamente, nesse livro encontramos uma proposta concre-


ta de intervenção, que articula, de forma inovadora, os campos do
lazer e da educação. Essa proposta será retomada na Unidade 3.
A articulação entre lazer e educação também vem sendo
discutida em muitos capítulos de livros que, no entanto, tratam
de questões mais específicas sobre o assunto. É o caso de Lazer,
recreação e educação física, organizado por Werneck e Isayama
(2003), em que, nos artigos de Bracht (2003) e Isayama (2003),
foram abordadas as dimensões educacionais, além das dimensões
histórico-sociais, culturais e políticas.
O primeiro autor analisa como a educação física e o lazer in-
teragem, buscando pontos em comum, diferenças e relações entre
essas áreas; o segundo faz uma análise dos conteúdos que vêm
sendo desenvolvidos sobre a recreação e o lazer nos currículos dos
cursos de formação do profissional em educação física. Marcassa
(2004), no verbete "lazer-educação", opta por analisar as princi-
pais correntes ou tendências de intervenção no campo do lazer e
educação que se configuraram ao longo da história e que podem
ser verificadas ainda nos dias atuais.
A primeira tendência, predominante até meados de 1960,
é aquela que reclama a aplicação de recursos e estratégias peda-
gógicas para a ocupação saudável e produtiva do tempo livre por
meio da recreação. A segunda refere-se ao entendimento de lazer
como espaço de educação constante e em consonância com a or-
dem estabelecida.
Por essas razões, a autora considera que esse entendimento
encerra, em sua essência, uma concepção burguesa de sociedade
e uma concepção funcionalista de lazer e educação. Por fim, a ter-
ceira tendência percebe o lazer como um canal de atuação no pla-
no cultural, tendo em vista contribuir com uma nova ordem moral
e intelectual, favorecedora de mudanças no plano social.
Esses textos nos fornecem alguns indicativos para o trata-
mento que vem sendo dado ao tema lazer e educação. Observa-se

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138 © Recreação e Lazer

que a educação é considerada de extrema importância na apro-


priação pelos sujeitos das práticas culturais possíveis de serem de-
senvolvidas na vivência do lazer, seja para ajustar-se de maneira
funcional ao sistema instituído, seja para modificá-lo.

8. ARTICULAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO E O LAZER


O debate sobre o lazer como campo reconhecido e legítimo,
como discutido neste texto, não encontra a mesma ressonância no
campo da educação. Nos diferentes cursos de licenciatura, pedagogia
e normal superior, essa articulação é comumente encontrada apenas
nos estudos sobre o lúdico, quase sempre seguindo uma vertente
psicológica, que analisa, entre outros temas, a importância dos jogos
e das brincadeiras na vida dos sujeitos e os benefícios de processos
metodológicos que priorizam o aprendizado de forma lúdica.
Analisando os títulos e os resumos dos estudos apresentados
nos últimos encontros anuais da Associação Nacional de Pesquisas
da Pós-Graduação em Educação (ANPed), não foram encontrados
trabalhos sobre o lazer.
Estudos sobre o lúdico aparecem pulverizados em outros
Grupos de Trabalho Temático (GTTs), como, por exemplo, o da
educação infantil. Curiosamente, percebemos que as questões
relacionadas ao trabalho, dimensão historicamente relevante na
sobrevivência da vida humana, congregam seus estudos em um
GTT específico: Educação e Trabalho. Esse fato é suficiente para
provocar nos estudiosos do lazer a pergunta: seria apenas o traba-
lho uma dimensão fundamental na vida dos sujeitos?
Apesar dessas constatações, temos percebido que alguns
pesquisadores encontram abertura para tratar do lazer ou elemen-
tos que o constituem como objetos de análises em programas de
pós-graduação em educação, trazendo contribuições não só para
um campo quanto para o outro. Tomando como exemplo a UFMG,
encontramos alguns trabalhos, como veremos a seguir.
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 139

Alves (1999), adotando um conceito de educação em uma


vertente antropológica, busca compreender os sentidos e os signi-
ficados dos jogos e das brincadeiras para a comunidade indígena
Maxakali, residente no interior de Minas Gerais.
Gomes (2003) analisa as trajetórias percorridas pela recrea-
ção e pelo lazer no Brasil, focalizando os significados incorporados
por ambos na primeira metade do século 20.
Pinto (2004), por sua vez, desenvolve um estudo sobre os
sentidos e os significados de tempo de lazer na atualidade, proble-
matizando um dos dilemas das sociedades industriais modernas: a
luta dos sujeitos pela posse do seu tempo existencial e das institui-
ções pela posse das experiências culturais no tempo social.
No mestrado em educação da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (PUC/MG), Serejo (2003) realizou uma pesquisa que
analisou os motivos que levaram à inclusão dos estudos de recrea-
ção/lazer no currículo da graduação em Turismo, em um curso pio-
neiro em Belo Horizonte, e as transformações que nele ocorreram
no período de 1974 a 1985. O Centro Federal de Educação Tecnoló-
gica de Minas Gerais (Cefet/MG) abriu suas portas para Guimarães
(2001) compreender a abordagem do lazer e suas inter-relações
com o trabalho e a tecnologia na produção acadêmica brasileira.
Por sua vez, Marcassa (2002) desenvolveu, na Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás, uma pesquisa que tra-
ta da constituição histórica do lazer como uma prática institucio-
nalizada entre os anos 1888-1935, que se configurou como estra-
tégia de cooptação da classe trabalhadora paulista.
Certamente há estudos em outras universidades, mas, infe-
lizmente, há limites para as buscas. Por isso, priorizamos os estu-
dos que formam publicados e os mais próximos territorialmente.
Como nosso interesse foi centrado nos programas de pós-gradua-
ção em educação, não consideramos as pesquisas que tratam de
lazer e educação realizadas nos programas de pós-graduação em
Educação Física.

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140 © Recreação e Lazer

Os estudos aqui apresentados delineiam os diferentes con-


textos sociais e as mudanças provocadas pelas novas configura-
ções políticas, econômicas, religiosas, tecnológicas, de comunica-
ção e suas implicações para o trabalho, a educação e o lazer em
nossa realidade. Isso demonstra, cada vez mais, a necessidade de
continuarmos aprofundando conhecimentos sobre a relação entre
a educação e o lazer, com vistas a compreender o contexto e nele
propor intervenções consistentes e conscientes.

9. OS CONTEÚDOS CULTURAIS DO LAZER


Não seria possível discutir uma unidade que se centrasse nas
articulações entre lazer e educação sem tecer comentários acerca
dos conteúdos culturais do lazer. Esses interesses são fundamen-
tais para aqueles profissionais que se dedicam (ou se dedicarão)
ao estudo/intervenção no campo do lazer.
Sobre as práticas do lazer, Dumazedier (1999) contribui para
um entendimento que consiste em um conjunto mais ou menos
estruturado de atividades com respeito às necessidades do corpo
e do espírito dos interessados: os lazeres físicos, práticos, artísti-
cos, intelectuais, sociais, dentro dos limites do condicionamento
econômico, social, político e cultural de cada sociedade. A esses
lazeres, Camargo (2003) adiciona os turísticos, enquanto Schwartz
(2003) acrescenta os virtuais.
Por interesse, afirma o sociólogo francês, "deve-se entender
o conhecimento que está enraizado na sensibilidade, na cultura
vivida" (DUMAZEDIER, 1980, p. 110). Entretanto, a distinção entre
um interesse e outro não se dá de forma isolada, pois podemos
compreendê-los no sentido de predominância.
Um bom exemplo para ilustrar o que estamos dizendo se dá a
partir da seguinte situação: em um jogo de voleibol para idosos, qual
é o motivo principal para o encontro do grupo? Alguns poderiam
afirmar que seria a prática de uma atividade física (interesse físico),
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 141

visto que pessoas nessa faixa etária necessitam de praticar exercí-


cios devido às perdas fisiológicas ocasionadas pelo envelhecimento.
Entretanto, poderíamos contrapor esse argumento, afirmando que
nessa idade a busca pelo convívio entre os pares seria a maior moti-
vação para os encontros – nesse caso, para o jogo de voleibol.
Percebemos, portanto, que cada um desses "conteúdos cul-
turais do lazer" não cumpre apenas uma área. Dessa forma, é difí-
cil distinguir com precisão os critérios levados em conta para essa
classificação.
A seguir, comentaremos, de maneira breve, cada um dos
conteúdos culturais do lazer, indicando possibilidades metodoló-
gicas para o seu desenvolvimento.

Interesse físico
É representado pela prática de atividades físicas de modo
geral. As práticas esportivas, os passeios, as pescas, a ginástica,
realizadas em espaços específicos (academias, ginásios) e não
específicos (ruas, residências), são exemplos representativos. De
acordo com Coutinho e Maia (2009, p. 36), poderíamos pensar nas
seguintes ações para o desenvolvimento desse conteúdo:
• Todo o universo de jogos esportivos tradicionais e adaptados
(paraolímpicos).
• Prática de modalidades esportivas não comuns ao dia a dia dos
participantes. – Ex: golfe – utilizando bolinha de tênis ou bor-
racha e um taco de madeira; rugby – tomando cuidado com
questões de segurança; esgrima – utilizando um giz colorido
tentando pintar a roupa do companheiro.
• Brincadeiras tradicionais que possam estar meio esquecidas –
Ex: bolinha de gude com suas diversas variações.
• Dia do Recreio sobre rodas – estimular as crianças a trazerem
suas bicicletas, skates, patins, patinetes, carrinho de rolimã e
organizar espaços para eles se divertirem. Tomar o cuidado para
que não se cause constrangimento, caso muitos participantes
não tenham e não tragam nenhum desses brinquedos. Pode-se
pensar numa forma de estimular o brincar junto, partilhando o
brinquedo que se trouxe.

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142 © Recreação e Lazer

É representado pela capacidade de manipulação, exploração


e transformação de objetos/materiais, bem como pelo trato de
elementos naturais e/ou animais. São exemplos disso o artesanato,
a jardinagem, a bricolagem e o cuidado com os animais. Como
sugestões de atividades apontadas por Coutinho e Maia (2009, p.
38), temos:
• Oficina de trabalhos manuais da região – artesanato típico.
• Oficina de culinária – por exemplo, como fazer um sanduíche
natural. Aproveitar para fornecer dicas de higiene.
• Oficina de jardinagem – ensinar como plantar uma árvore.
• Confecção de pipas.

Interesse intelectual
Nesse contexto, interesse intelectual é a ênfase é dada ao co-
nhecimento vivido, experimentado, fundamental para a formação
do indivíduo. O que se busca é o contato com as informações objeti-
vas e explicações racionais, por meio de cursos ou leitura, por exem-
plo. As sugestões apontadas por Coutinho e Maia (2009, p. 41) são:
• Mini-palestras sobre o tema gerador – convidar profissionais ou
até mesmo pais de participantes para falar sobre meio ambiente.
• Mesas de discussão temáticas – expor um problema ambiental
que acomete a localidade onde está inserido o PST, buscando
sugestões coletivas para solução do problema.
• Rodas de discussão a partir de situações vivenciadas, para pro-
posições coletivas de possíveis modificações nas regras e estru-
turas das atividades propostas, tornando-as mais participativas
e/ou cooperativas.
• Jogos de mesa – xadrez, dama, gamão.
• Jogos intelectivos (que podem ser trazidos pelos participantes)
– perfil, imagem e ação, batalha naval.
• STOP – utilizando categorias adaptadas a cada região. Neste
jogo sorteia-se uma letra do alfabeto para que todos escrevam
uma coisa ou objeto que comece com esta letra. Ex: nome de
carro, de filme, de fruta.
• Gincanas com provas de conhecimentos gerais ou relacionados
a um tema específico.
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 143

Interesse artístico
O interesse artístico abrange as mais diversas manifestações
artísticas, como teatro, cinema, artes plásticas, buscando a satis-
fação do imaginário (imagens, emoções e sentimentos). Seu con-
teúdo é estético. As festas podem ser incluídas nesse segmento
do lazer. Coutinho e Maia (2009, p. 39) nos sugerem as seguintes
atividades:
• Oficinas de dança – utilizando danças típicas da região bem como
outras formas de dança que possam demonstrar a diversidade
cultural de nosso país e até mesmo de outros países. Ex: dança
de salão, hip-hop, brinquedos cantados, ginástica maluca criada
de forma coletiva, entre outras manifestações.
• Filmes relacionados ao tema gerador – uma sessão de cinema
improvisada, ou até mesmo uma visita ao cinema da cidade.
• Teatro – apresentação de um grupo de teatro da região ou uma
oficina para as crianças e adolescentes possam produzir suas pró-
prias peças ou esquetes teatrais.
• Música – oficina de instrumentos musicais ou organização de um
festival onde os participantes poderão apresentar os seus talen-
tos.
• Oficina de vivências e confecção de artes plásticas (escultura e
pintura), fazendo uso de materiais recicláveis.

Interesse social
O interesse social manifesta-se quando se procura um conta-
to direto com outras pessoas, por meio de um relacionamento ou
convívio social. Exemplos específicos são os bailes, os cafés, os ba-
res e a frequência a associações servindo como ponto de encontro.
Para esse conteúdo, Coutinho e Maia (2009, p. 41) nos apontam:
• O momento do lanche pode ser feito em forma de piquenique,
onde um grupo de participantes recebe uma quantidade X de
alimentos para serem preparados e divididos entre si. Os grupos
podem receber alimentos diferentes, gerando a possibilidade de
intercâmbio entre os mesmos.
• Festa temática – num dia especial os alunos poderão vir fanta-
siados para uma festa com música, dança e um lanche diferente.

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144 © Recreação e Lazer

• Ter um espaço de convivência para os momentos de espera, tanto


na hora da chegada, como no horário de saída dos participantes.
• Incentivar a troca de experiências entre os participantes. Ex: cada
um pode trazer sua coleção de figurinhas (ou outra coleção) ou
hobbies para partilhar experiências com os amigos.

Interesse turístico
A busca de novas paisagens, ritmos e costumes distintos da-
queles vivenciados cotidianamente é a aspiração mais presente
nos interesses turísticos. Os passeios, as viagens e a visita a shop-
pings centers constituem exemplos desse tipo de interesse. Couti-
nho e Maia (2009, p. 45) apresentam as seguintes sugestões:
• O momento do passeio que faz parte do planejamento do Recreio
nas Férias.
• O conhecimento ou reconhecimento do espaço circunvizinho da
localidade onde funciona o núcleo (Ex: praças, espaços culturais,
museus, prédios históricos), na perspectiva de demonstrar possi-
bilidades de lazer não percebidas ou exploradas pela população.

Interesse virtual
Compreende as formas de atividades de lazer que utilizam
tecnologia como as do computador, do videogame e da televisão.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Na visão de Pierre Bourdieu, qual é o conceito de "campo"? Para os estudos
do lazer, quais são suas implicações? Dê exemplos.

2) Qual é o significado do duplo aspecto educativo do lazer? Como desenvolvê-


-lo, tendo como perspectiva o lazer na condição de objeto e veículo de edu-
cação? Dê exemplos.

3) Dumazedier apresenta uma contribuição interessante para os estudos do


lazer ao introduzir na área a ideia de conteúdos culturais do lazer, posterior-
mente acrescentados por Camargo e Schwartz. Sendo assim, defina:
© U3 - Interfaces entre o Lazer e a Educação 145

a) conteúdo físico;
b) conteúdo prático;
c) conteúdo social;
d) conteúdo intelectual;
e) conteúdo artístico;
f) conteúdo turístico;
g) conteúdo virtual.
4) Apresente exemplos de como poderíamos desenvolver cada uma dessas di-
mensões com um público frequentador de um clube social.

11. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao fim de mais uma unidade!
Agora que você teve a oportunidade de pensar sobre as
questões importantes para a sua formação no que tange às articu-
lações entre o lazer e a educação, reflita sobre sua futura prática
pedagógica nesse campo.
Os elementos teóricos trazidos para o debate nesta unida-
de favorecerão a construção de um entendimento mais amplo do
processo de formação e atuação profissional. Aliás, esse será o
tema de nossa próxima unidade.
Vamos a ela?

12. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO (ANPed).
Disponível em: <http://www.anped.org.br/>. Acesso em: 13 set. 2012.
LICERE. Revista do Programa Interdisciplinar de Mestrado em Lazer/UFMG. Disponível
em: <http://www.eeffto.ufmg.br/licere/home.html>. Acesso em: 13 set. 2012.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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WERNECK, Christianne Luce Gomes; ISAYAMA, Hélder Ferreira (Org.). Lazer, recreação e
educação física. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2003.

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EAD
Lazer: Formação e Atuação
Profissional

4
1. OBJETIVOS
• Compreender como se organizam os bens culturais.
• Reconhecer a possibilidade de contribuição, por meio das
atividades de lazer, para a construção de uma cidade mais
justa e uma vida melhor aos seus habitantes.
• Entender o conceito de animação cultural.
• Abordar aspectos inerentes ao processo de formação e
atuação profissional no campo do lazer.
• Compreender a animação cultural como uma das possi-
bilidades para a elaboração de programas e projetos de
lazer.

2. CONTEÚDOS
• Profissionais do lazer: formação e atuação.
• A animação cultural.
150 © Recreação e Lazer

• Padrões de organização da cultura (cultura erudita, de


massas e popular).
• Paradigmas da animação cultural.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Estude um pouco todos os dias. Organize, cuidadosa-
mente, seu mapa de estudos. Leia, pelo menos durante
duas horas por dia. Não se esqueça de observar as datas
para a entrega das atividades e interatividades. Encontre
um horário não só para os estudos, mas também para
elaborar com antecedência todas as atividades. Lembre-
-se de que os preparativos para uma prova não devem,
nunca, serem feitos de última hora, mas, sim, com um
estudo diário e contínuo. Portanto, estude com técnica,
persistência e calma.
2) As pesquisas são muito importantes para seu aprendiza-
do, e a internet é uma das fontes mais ricas para se fazer
consultas. Todo site é resultado do trabalho de alguém;
assim, toda vez que fizer uso de textos, imagens e arqui-
vos de algum site, não deixe de citar sua fonte.
3) Para um enriquecimento do seu estudo, pesquise pro-
postas de ações no campo do lazer que se pautem em
pressupostos críticos.
4) Pesquise propostas de lazer que se baseiem nos pressu-
postos da animação cultural.
5) Levante na sua cidade e na região/bairro os espaços e
as oportunidades para que a população tenha acesso às
manifestações da cultura erudita.
6) Para estimular sua reflexão, aguçar seu senso crítico e
fortalecer sua autonomia, detenha-se com atenção no
tópico com as questões autoavaliativas presente nesta
unidade. Ali, você poderá verificar suas dúvidas e procu-
rar saná-las.
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 151

7) Procures informações sobre cursos que promovam a


a formação (inicial e continuada) de profissionais que
atuam no campo do lazer.
8) Ao estudar esta unidade é importante sempre ter em
seu horizonte a necessidade de reconhecer a atuação do
profissional do lazer para além da mera reprodução de
atividades recreativas.
9) Converse com amigos que atuam no campo do lazer e
perguntem a eles quais saberes e competências são ne-
cessárias para atuação nesta área. Procure confrontar as
respostas com o sua trajetória ao longo do curso. Esta
será uma bela oportunidade de buscar uma qualificação
significativa.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, trataremos das questões relativas ao proces-
so de formação e atuação profissional no campo do lazer, apresen-
tando suas especificidades quanto à formação e aos seus campos
de atuação na sociedade atual.
Esta unidade se justifica na medida em que o profissional da
Educação Física também é um profissional do lazer, atuando desde
o planejamento até a execução de ações de lazer.
Sendo assim, vamos aos estudos!

5. CONHECENDO OS PROFISSIONAIS DO LAZER


Diversas são as denominações para designar os profissionais
do lazer: recreador, animador sociocultural, animador cultural,
agente cultural, promotor de eventos, gentil organizador, dentre
outras (PIMENTEL, 2003).
Assim como são apresentadas várias expressões para deno-
minar os profissionais que promovem ações diretamente relacio-
nadas com essa prática social, temos também uma gama enorme

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152 © Recreação e Lazer

de possibilidades de atuação, no que se refere a espaços, locais,


equipamentos de lazer e ações promovidas.
Pimentel (2003, p. 79) nos apresenta um conjunto de espaços
nos quais esses profissionais se encontram inseridos, tais como:
[...] academias, shopping’s, hotéis, associações, clubes, hospitais,
asilos, SESC, SESI, escolas, presídios, navios (cruzeiros), fábricas,
parques temáticos, condomínios, lojas de brinquedos, parques de
diversão e de peão (p. 79).

Além desses contextos de atuação, nos quais os profissionais


do lazer se encontram presentes, temos também diversas moda-
lidades de atuação que Pimentel (2003, p. 79) considera serem
corriqueiras e em interação com os mais diferenciados grupos e
instituições, variando desde órgãos públicos até grupos de inte-
resses, como: "oficinas culturais, exposições, saraus, colônias de
férias, shows, torneios, festivais, encontros, dias de lazer, cursos,
acampamentos, festas, excursões, promoções, torneios e jogos".
Entretanto, a reflexão sobre esse profissional não se encon-
tra restrita aos seus locais de atuação e às estratégias ou grupos/
instituições atendidas. Devemos estabelecer reflexões que tam-
bém contemplem sua formação e as perspectivas de mudança/
permanência, alienação/emancipação em sua atuação nos diver-
sos contextos sociais.
A formação profissional para a área do lazer, de acordo com
Isayama (2004), tem sido marcada por duas tendências. Uma ten-
dência vislumbra a formação baseada na técnica e com orientação
para o domínio de conteúdos específicos e metodologias, tendo
a prática como eixo principal na ação profissional e minimizando
o papel da teoria. Há, dessa forma, uma dicotomia entre teoria e
prática.
A outra tendência procura formar profissionais na área do la-
zer, tendo como bases o conhecimento, a cultura e a crítica. A sua
concretização se dá por meio da construção de saberes e compe-
tências fundamentadas no compromisso da disseminação de valo-
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 153

res de uma sociedade democrática, assim como na compreensão


do papel social do profissional na educação para e pelo lazer.
A partir da primeira tendência apresentada por Isayama
(2004), acreditamos que algumas problemáticas se instalam na
atuação dos profissionais formados de acordo com tal concepção.
Diante desta tendências de formação profissional que aden-
tram o campo do lazer, percebemos um confronto que, em última
instância, traduz-se no embate entre bom humor e competência.
Marcellino (2000) argumenta que os profissionais do lazer,
cada vez mais, estão vendendo a sua personalidade, caindo em um
processo de alienação. O autor acredita que a venda da persona-
lidade é tamanha, que eles passam a pregar que o bom humor é
mais relevante que a competência.
O argumento utilizado por esse tipo de profissional é o se-
guinte: "bom humor não se aprende e competência se adquire"
(p. 128). Um profissional sempre solícito, de corpo belo e riso fácil,
é uma maneira de se conceber o profissional do lazer, baseada no
senso comum, como um indivíduo criativo, versátil e alegre, mas
que no fundo mascara algumas questões mal resolvidas em nossa
área.
Uma dessas questões seria a dificuldade de se visualizar (do
profissional e, por vezes, nossa também) o significado do lazer em
nossa realidade, em suas dimensões sociocultural e política, as-
sim como as contradições presentes nesse contexto (PIMENTEL,
2003). A outra seria a falta de condições e de equipamentos de
trabalho na sua atuação, não só do seu setor, mas da iniciativa
pública e privada (MARCELLINO, 2000).
Uma das alternativas que se apresenta seria o investimento
na formação desses profissionais, a fim de se conceber indivídu-
os mais conscientes, críticos e contextualizados social, cultural e
historicamente em sua atuação. Os caminhos são diversos para a
concretização desse projeto que se impõe como uma necessidade

Claretiano - Centro Universitário


154 © Recreação e Lazer

em nossa área, objetivando-se, dessa maneira, a contribuição para


a formação de uma sociedade mais digna e justa. Privilegiaríamos,
então, a segunda tendência apresentada por Isayama (2004).
Diversos autores, tais como Gomes (2008 e 2010), Pin-
to (2001), Pimentel (2003), Melo e Alves Junior (2003), Isayama
(2004 e 2010), Melo (2010), Silva e Campos (2010), Marcellino
(2010), dentre outros, apresentam contribuições relacionadas aos
mais diferentes aspectos (postura profissional, conteúdos, valores
inspiradores, formação continuada...), para uma formação/atua-
ção mais consistente e contextualizada dos profissionais do lazer.
Acreditamos que a inserção dos profissionais da Educação
Física, na condição de animadores culturais (conscientes, críticos e
criativos), , deve contribuir para uma ação mais significativa em di-
ferentes contextos. Deve haver o respeito às referências culturais
dos indivíduos com os quais eles atuam, bem como o estabeleci-
mento de um diálogo, potencializando o processo de construção
coletiva das experiências de lazer.
Diante dessa maneira de compreender o processo de forma-
ção profissional, Marcellino (2003, p. 15) contribui para o debate
ao afirmar que os animadores culturais possuem diferentes forma-
ções, o que julga ser necessário, pela própria abrangência da área
cultural, e que:
1. dominam um conteúdo cultural;
2. têm vontade de dividir esse domínio com outras pessoas, deven-
do, para isso;
3. possuir uma sólida cultura geral, que lhes dê possibilidade de
perceber a intersecção/ligação do seu conteúdo de domínio com
os demais;
4. exercer cotidianamente, a reflexão e a valoração próprias da
ação do educador, o que os diferenciará dos ‘mercadores’ da gran-
de maioria da indústria cultural, e
5. ter compromisso político com a mudança da situação em que
nos encontramos, atuando com base nessa perspectiva.
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 155

O autor ainda enfatiza que a ação desse profissional deve se


dar na perspectiva do "educador", em vez daquela que se pauta
pela ideia de "mercador". Diante disso, esta tarefa inclui:
1. processos de recrutamento e seleção em consonância com os
valores que regem as políticas públicas;
2. fases de sensibilização aos valores norteadores da política;
3. cursos de formação e desenvolvimento (que incluam teoria do
lazer e do esporte, significado e valores de políticas públicas em ge-
ral e na área, técnicas e processos de formação de multiplicadores,
planejamento e repertório de projetos e atividades);
4. reuniões técnico-pedagógicas periódicas e
5. intercâmbios (estágios, participações em congressos, grupos de
discussão, organizações profissionais e científicas etc.) (MARCELLI-
NO, 2003, p. 16).

Mais à frente, apresentaremos uma experiência positiva, a


nosso ver, de atuação no âmbito do lazer. Com isso, estaremos re-
ferendando a necessidade de uma formação profissional nos ter-
mos aqui colocados.
No momento, passaremos a discutir a animação cultural.

6. A ANIMAÇÃO CULTURAL
Caminhando diretamente ao assunto, traremos uma defini-
ção que será fundamental para esta unidade. Trata-se do conceito
de "animação cultural". Segundo Melo (2006, p. 28-29), animação
cultural é:
[...] uma tecnologia educacional (uma proposta de intervenção pe-
dagógica), pautada na idéia radical de mediação (que nunca deve
significar imposição), que busca permitir compreensões mais apro-
fundadas acerca dos sentidos e dos significados culturais (conside-
rando as tensões que nesse âmbito se estabelecem), que conce-
dem concretude à nossa existência cotidiana, construída a partir
do princípio de estímulo às organizações comunitárias (que pressu-
põe a idéia de indivíduos fortes para que tenhamos realmente uma
construção democrática), sempre tendo em vista provocar ques-
tionamentos acerca da ordem social estabelecida e contribuir para
a superação do status quo e para a construção de uma sociedade
mais justa.

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156 © Recreação e Lazer

Para o autor, trata-se de uma proposta de Pedagogia Social


que não se limita a um único campo de intervenção e nem pode
ser compreendida a partir de uma única área de conhecimento
(MELO, 2006).
Partamos dessa citação, que também é uma definição, para
compreender melhor o que ela pretende dizer. Por certo, você já
deve ter percebido que não compreendemos os momentos de la-
zer como instantes de fuga, que pouca relação teria com o restante
da vida. Entendê-lo dessa forma seria reverenciar as abordagens
funcionalistas do lazer.
Para nós, mesmo que tenhamos a busca do prazer como um
dos pressupostos fundamentais – e até mesmo por isso –, mo-
mentos de lazer são aqueles em que os indivíduos constroem suas
subjetividades, encharcados de tensões típicas do cenário socio-
cultural, que podem contribuir para a construção de uma nova so-
ciedade ou, ao contrário, para a perpetuação dos atuais modelos.
Mas como entender melhor nosso papel na atuação profissional?
Que elementos considerar?
A primeira coisa que devemos ter em conta é: se o contexto
cultural apresenta um conjunto de valores e representações que
norteiam nossa vida em sociedade, nem sempre (ou quase nun-
ca) seguimos exatamente esses ditames. De outro lado, também
não conseguimos fugir de tudo, nem podemos: é esse conjunto
que permite que vivamos juntos em sociedade, que estabelece,
implícita ou explicitamente, os pactos que concedem concretude
à nossa coexistência.
Obviamente, em função de sua importância no mundo con-
temporâneo, existem tensões no âmbito cultural, relações de po-
der, tentativas de encaminhamentos que possam interessar a esse
ou a outro grupo específico, isto é, queremos dizer que há uma
articulação clara entre as dimensões econômicas e as culturais, e
daí vem o caráter estratégico das últimas.
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 157

Nós, profissionais da Educação Física que atuamos (ou atu-


aremos), e que aqui estamos sendo denominados como "anima-
dores culturais", não podemos nos esquecer disso, já que temos
responsabilidade de intervir exatamente nesse espaço.
Veja que corremos sempre o risco de frequentar os extre-
mos: ou cremos que nossa contribuição destina-se somente a pas-
sar o tempo das pessoas e que nada podemos fazer pela cons-
trução de um novo mundo, ou, no afã de contribuir, desprezamos
o caráter de prazer e de diversão, encaminhando linearmente a
programação de lazer e não deixando espaço para que os indivídu-
os se posicionem e aprendam a escolher. O profissional caminha
sempre em uma linha arriscada, e ter consciência disso é um passo
fundamental para que encaremos nossos desafios.
Podemos, sim, contribuir para despertar o senso crítico de
nosso público-alvo, mas não podemos negligenciar que os mo-
mentos de lazer também têm um caráter de escolha, de repouso,
de recuperação das forças. Apenas não podemos concordar que
essas dimensões sejam utilizadas na perspectiva de alienar as pes-
soas, de desviar a atenção para situações contraditórias que ocor-
rem no seio da sociedade.
Com isso, não estamos negando que os momentos de lazer
tenham também um caráter de repouso, de descanso, de recupe-
ração das forças. Achamos que esses objetivos, por si só, não são
negativos. O que é negativo é o uso que deles faz o sistema. Ou
seja, esses momentos devem ser redimensionados para uma ópti-
ca que não privilegie somente aqueles que detêm o poder.
Sendo assim, alguns parâmetros iniciais podem ser conside-
rados balizadores de nossa atuação:
1) podemos, por meio das diversas linguagens culturais
que se constituem nossas estratégias de intervenção,
estimular nosso público-alvo a buscar novas formas de
ver o mundo;

Claretiano - Centro Universitário


158 © Recreação e Lazer

2) podemos estimular os indivíduos a perceber que podem


encontrar novas formas de participação em seus mo-
mentos de lazer, não somente consumindo determina-
dos produtos, mas também acessando-os de forma mais
crítica e até mesmo se envolvendo com eles mais ativa-
mente;
3) podemos contribuir para que os indivíduos se sintam es-
timulados a buscar e a acessar determinados bens cul-
turais que normalmente se encontram muito disponí-
veis, inclusive alguns relacionados com nossa tradição e
nossa cultura popular, contribuindo também para nossa
memória social;
4) podemos contribuir para que os indivíduos entendam
que, se o trabalho é uma dimensão importante, os mo-
mentos de não trabalho são tão relevantes quanto ele,
ajudando a nos constituir em seres humanos e colabo-
rando para a construção de nossa subjetividade.
A partir das reflexões anteriormente iniciadas, vamos esmiu-
çar um pouco mais nossas reflexões sobre esses parâmetros.

7. PADRÕES DE ORGANIZAÇÃO DA CULTURA


Como vimos, o âmbito da cultura é eivado de tensões e des-
níveis. As relações de poder e condições econômicas podem tra-
zer influências diretas no acesso às diferentes linguagens culturais.
Vale a pena um esforço para identificar como esses desníveis se
manifestam. Mesmo sendo uma preocupação didática, isso nos
ajuda a melhor situar as dimensões que devemos considerar em
nossa prática cotidiana.
Um alerta é necessário para que possamos prosseguir. Não
entendam a classificação que vamos apresentar como algo estáti-
co. Na verdade, existe uma série de trânsitos culturais que comple-
xificam a questão dos diferentes padrões de organização cultural.
Existem encontros e interinfluências e as fronteiras não são
rígidas como parecem. Sendo assim, tenha a classificação a seguir
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 159

como um norte, uma possibilidade de melhor visualizar seu traba-


lho, mas considere que é um esforço didático.

Cultura erudita
Trata-se de manifestações que normalmente se organizam
em "escolas" que contemplam certas características em comum.
São manifestações de longo alcance, que são destacadas por figu-
ras insignes, reconhecidas pela excelência de sua produção, que as
representam. Veja alguns exemplos:
• Artes plásticas: Renascimento – Leonardo da Vinci; Barro-
co – Caravaggio; Surrealismo – Salvador Dalí.
• Cinema: Expressionismo – Fritz Lang; Neorrealismo ita-
liano – Roberto Rosselini; Nouvelle Vague – François Tru-
ffaut; Cinema Novo – Glauber Rocha.
• Literatura: Greco-romana – Homero; Idade Média e Re-
nascença: Dante Alighieri e Shekespeare; pós-Renascença
– Goethe e Dostoiévski
• Música: Classicismo – Mozart; Período Romântico – Franz
Listz; Período Moderno e Contemporâneo – Erik Satie,
Claude Debussy e Maurice Ravel. Brasil – Machado de As-
sis, Manuel Bandeira e José de Alencar.
Essas manifestações normalmente gozam de prestígio so-
cial. Tendem a ser valorizadas e a estabelecer padrões estéticos.
Como são frequentadas notadamente por indivíduos ligados às
camadas privilegiadas economicamente, constroem ao seu redor
uma ideia de prestígio e certo poder de decisão.
Por que seriam acessadas prioritariamente por membros
das elites econômicas? Será que é por que as pessoas mais humil-
des não gostam desse tipo de diversão?
Certamente não. A primeira ressalva que deve ser feita: o
fato de alguém ser rico não o credencia automaticamente a apre-
ciar esse tipo de manifestação.

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160 © Recreação e Lazer

O que muitas vezes acontece é que, em função das oportuni-


dades que teve no decorrer da vida (na escola, em casa, em cursos
livres, nos seus momentos de lazer), foi aprendendo as especifici-
dades das linguagens e desenvolvendo seu gosto. Mais uma vez,
lembramos: isso não é uma condição automática, mas de possibi-
lidades, de oportunidades.
É óbvio que todos os indivíduos dispõem de condições para
apreciar esses tipos de manifestações e frequentar seus espaços
específicos. Mas, para tal, as condições têm de ser criadas, tanto
no sentido de um projeto pedagógico que apresente e vá esclare-
cendo as peculiaridades das linguagens quanto na construção da
acessibilidade: é necessário que se possa encontrar, de preferên-
cia perto das residências, os espaços onde são oferecidas (teatros,
museus, cinemas) e se possa pagar os ingressos.
Veja, estamos falando de uma articulação entre predisposi-
ção, construída pela educação, e condições econômicas, que deve-
riam ser motivo de preocupação de políticas públicas e de todos os
profissionais de lazer (animadores culturais).
Cabe a nós pensar em estratégias para inserir essas linguagens
e manifestações em nossos programas de lazer. Por certo, sozinhos
não podemos dar conta de todo o processo de desigualdades de
acesso, mas podemos dar nossa contribuição para que um número
maior de pessoas descubra o prazer que a música clássica, o chama-
do cinema de arte e a poesia, por exemplo, podem proporcionar.
Assim, estamos gerando um foco de reivindicação, para que
se possa lutar por uma cidade que distribua melhor os diferentes
bens e equipamentos culturais.
Obviamente, para inserir tais atividades em nossos progra-
mas, precisamos pensar em um projeto estratégico. Como grande
parte das pessoas não tem o costume de acessá-las, precisamos
pensar em um percurso que parta de experiências menos hermé-
ticas para, paulatinamente, irmos apresentando as mais diferentes
possibilidades.
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 161

Aqui há um ponto específico que também precisa ser enca-


rado pelo animador cultural. Normalmente, nós também não te-
mos acesso e formação adequada para trabalhar com tais possibi-
lidades.
Precisamos assumir o desafio de desenvolver novas compe-
tências, de ampliar nossa formação, de entender que nós, profis-
sionais, devemos também pensar em nossos momentos de lazer e
de autoformação cultural.

Cultura de massa
Chamamos de cultura de massa a que é produzida, em geral,
pela indústria do entretenimento, diretamente relacionada aos
meios de comunicação, e normalmente modulada para atender a
um grande contingente de pessoas.
Para atender ao gosto médio, a cultura de massa costuma re-
forçar alguns clichês, organizar-se de forma estandardizada, e não
investir em investigações ou experiências no âmbito das peculiari-
dades da linguagem.
Na verdade, a cultura de massa é bastante heterogênea, ofe-
recendo produtos bastante diferenciados, envolvendo os mais di-
ferentes desejos e gostos. Mais do que discutir a questão da quali-
dade, o fundamental é perceber que a ela se atrelam diretamente
estratégias comerciais e interesses de grupos específicos.
É lógico que existem coisas de melhor qualidade que conse-
guem romper o sem-número de atividades de qualidade duvidosa
que são oferecidas, mas essas constituem exceções em um quadro
que parece piorar a cada dia.
Com isso, não estamos adotando uma posição preconceituo-
sa. Muito pelo contrário, estamos preocupados com a possibilida-
de de que isso venha a ocorrer.
O prazer que as pessoas obtêm com as atividades da cultura
de massa é obviamente legítimo e não pode ser desconsiderado.

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162 © Recreação e Lazer

Além do que, temos de entender que os indivíduos não "engolem"


as manifestações e as mensagens difundidas de forma absoluta-
mente linear. Há processos de ressignificação, de reelaboração,
que devem ser considerados pelas próprias instituições da cultura
de massa em seu processo de atuação. Aí está, aliás, uma de suas
características mais notáveis: a capacidade de se recriar a partir do
diálogo com o público.
Mesmo com essas ressalvas, não sejamos ingênuos: os res-
ponsáveis pela cultura de massa sabem de seu poder e usam-no
de acordo com seus interesses. Com um quadro de acesso desi-
gual, são essas as atividades que acabam sendo as mais (e em mui-
tos casos as únicas) acessíveis ao grande conjunto da população,
que tem dificuldade de encontrar e frequentar cinemas, teatros,
museus, enquanto o acesso à televisão e ao rádio é muito simples.
O que você acha da programação da nossa televisão? Você
a julga de qualidade? Há muitos exemplos de programas que con-
tribuem para o engrandecimento do ser humano e da sociedade?
Para encarar o desafio de definir o que é uma programação de
qualidade, façamos uso das palavras de Milton Santos (2000, p. 18):
O conceito de cultura está intimamente ligado às expressões de
autenticidade, integridade e liberdade. Ela é uma manifestação co-
letiva que reúne heranças do passado, modos de ser do presente e
aspirações, isto é, o delineamento do futuro. Por isso mesmo, tem
de ser genuína, isto é, resultar das relações profundas dos homens
com seu meio, sendo por isso o grande cimento que defende as
sociedades locais, regionais e nacionais contra as ameaças de de-
formação ou dissolução de que podem ser vítimas.

Assim, precisamos ter claro qual é a melhor forma de lidar


com as manifestações organizadas no âmbito da cultura de massa.
Como lembra o já citado Milton Santos (2000, p. 18):
O Brasil, pelas suas condições particulares desde meados do século
20, é um dos países onde essa famosa indústria cultural deitou raízes
mais profundas e por isso mesmo é um daqueles onde ela, já solida-
mente instalada e agindo em lugar da cultura nacional, vem produ-
zindo estragos de monta. Tudo, ou quase, tornou-se objeto de ma-
nipulação bem azeitada, embora nem sempre bem-sucedida (p. 18).
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 163

Nossa perspectiva de atuação, então, deve se afastar de ido-


latrias ou detratações. Devemos entender que podemos partir de
algumas das atividades organizadas no âmbito da cultura de massa
para, paulatinamente, estimular nosso público-alvo a conhecer e
buscar novas possibilidades. Sem deixar de reconhecer sua exis-
tência e seu poder, podemos mediar um processo de crítica e de
ampliação de horizontes. Nossa atuação não se dá necessariamen-
te contra a cultura de massa, mas a favor da diversidade.

Cultura popular
Quando falamos em cultura popular, normalmente estamos
nos referindo a uma produção local, bastante relacionada a uma
tradição.
Por certo, nos dias de hoje, em função da ação dos meios
de comunicação, muitas vezes as atividades relacionadas à cultura
popular já conseguem chegar a um grande número de pessoas,
algumas vezes com suas características notadamente modificadas,
em função não só dos encontros culturais, mas também da ação do
mercado, que as transforma, tornando-as mais "palatáveis", mais
vendáveis, um produto de consumo. Isso quer dizer que, como
normalmente têm menor poder de influência e decisão, muitas
vezes as atividades relacionadas à cultura popular tornam-se mais
frágeis perante a ação do mercado cultural.
Essa dimensão deve ser observada. Não adianta acreditar
que devemos preservar as manifestações exatamente na sua for-
ma original, se é que isso é possível. Devemos perceber que muitas
vezes seus parâmetros são tão alterados que, no fundo, estamos
observando outro produto, uma distorção profunda dos sentidos
originais.
Mas, mesmo com tantas ações do mercado cultural, há re-
sistências. Muitos grupos conseguem preservar o essencial de sua
manifestação ou conseguem dialogar com a cultura de massa sem
perder a consciência de suas origens. A questão, mais uma vez re-

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164 © Recreação e Lazer

tornamos a ela, não é ser contra ou querer excluir os produtos da


indústria cultural, mas reservar o direito de algumas manifesta-
ções manterem sentidos próximos ao de suas origens, mesmo que
seja normal e esperado o diálogo com o que lhe é contemporâneo.
Assim, como animadores culturais, no que se refere à cultura
popular, nossa função é atentar para a necessidade de incluir essas
manifestações em nosso programa, tomar cuidado quando utili-
zarmos manifestações originais que foram bastante modificadas
pela cultura de massa e dar nossa contribuição para os grupos que
necessitam de apoio para manter suas atividades.
Vejamos um exemplo de como são arriscados determinados
usos da cultura popular.
Muitas escolas continuam a organizar anualmente suas fes-
tas juninas. Contudo, elas parecem mais estratégias de captação
de recursos do que uma preocupação pedagógica.
O conteúdo não é trabalhado nas disciplinas, os alunos par-
ticipam sem ter clara a história dessas festas. As peculiaridades de
sua forma de organização nem sequer permanecem.
Vemos determinadas festas juninas, por exemplo, tocando
funk como música de fundo e sem venderem as comidas e as be-
bidas típicas.
Isso seria um simples diálogo normal na dinâmica cultural ou
uma distorção profunda de seus sentidos? Cabe-nos sempre ter
essa questão e os limites em mente.

8. POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO
Animação cultural é a postura do profissional de lazer peran-
te a cultura erudita, a cultura de massas e a cultura popular. Ani-
mação é originária da palavra grega anima, que quer dizer alma.
Dessa forma, encontramos o termo que julgamos mais ade-
quado para definir o profissional de lazer: ou seja, "animador cul-
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 165

tural". Esse termo define com mais rigor a natureza do seu conhe-
cimento e da sua intervenção.
Por certo, outros termos serão encontrados para definir o
profissional de lazer (recreador, gentil organizador, agente cultural
e até professor), mas nenhum deles pode definir com tanta pre-
cisão o que esperamos ser seu compromisso político-pedagógico
específico ao se trabalhar na dupla perspectiva educacional: edu-
cação para e pelo lazer.
Observamos, também, que alguns estudiosos preferem a
utilização do termo "animação sociocultural", mas o sentido é se-
melhante ao de animação cultural.
É interessante observar que ambas as dimensões educativas
não estão livres de risco nem definem, a priori, uma atuação cujo
compromisso seja o de superação do status quo.
As abordagens funcionalistas também concordam com as
duas dimensões, utilizando-as a partir de sua visão de mundo.
Sendo assim, devemos tomar cuidado para que educar não seja
adaptar os indivíduos à sociedade em vigor, mas, sim, o processo
contrário, de questionamento dessa ordem.
É interessante, então, discutir um pouco mais sobre as possí-
veis intencionalidades existentes ao redor de diferentes perspecti-
vas de animação cultural.
Para entendermos de forma ampla as diversas possibilidades
de intervenção da animação cultural, recorremos à classificação
proposta por P. Besnard e aceita por José Antonio Caride Gomez
(1997). Conforme esses autores, podemos encontrar três grandes
perspectivas de atuação, sendo uma delas diretamente relaciona-
da à manutenção da ordem social. A outra entende serem neces-
sárias reformas nessa ordem, enquanto a terceira tenta promover
uma transformação completa dessa estrutura.

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166 © Recreação e Lazer

Passemos a apresentar, então, as características dessas três


perspectivas, ou, como chamam os autores, os paradigmas tecno-
lógico, interpretativo e dialético.
No paradigma tecnológico, a animação é encarada como en-
genharia cultural. Isto é, o animador cultural interpreta a realida-
de, vê o que está faltando, o que está errado, e coloca as peças no
seu devido lugar para restabelecer a ordem.
Agindo dessa forma, podemos perceber que o animador en-
tende a realidade como externa à sua existência, como algo gené-
rico, único e objetivo. Ele pretende intervir de forma vertical nessa
realidade, na medida em que é o detentor do saber, de um conhe-
cimento tido como instrumental, advindo de uma supervaloriza-
ção do conhecimento científico.
Seu intuito é provocar de forma linear uma reflexão dirigida
e eficaz, determinando os comportamentos que devem ser toma-
dos, de forma hierarquizada e técnica, o que acaba por descon-
siderar as individualidades dos que estão sendo educados: todos
devem seguir e estar atentos para seu estímulo.
O animador é responsável, então, por descrever e prescrever
todas as ações e as soluções que julgar necessárias. Obviamente,
dentro dessa perspectiva, que não deixa espaço para a tomada de
consciência a partir do desenvolvimento das potencialidades in-
dividuais e sociais, não existe uma pretensão de intervenção na
ordem social no sentido de sua superação, mas sim no intuito,
mesmo não consciente, de adequação.
Tal perspectiva de intervenção pode ser comumente encon-
trada nos mais diferentes âmbitos de atuação do profissional de
lazer. É o "recreador" que chega às colônias de férias com os qua-
dros de trabalhos prontos e não dá, para as crianças, espaço de
discussão.
O mesmo acontece em hotéis-fazendas e acampamentos,
quando os hóspedes acabam seguindo um rígido programa (que
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 167

lembra mais o mundo do trabalho por seu rigor, inclusive com o


horário), sem a oportunidade de escolha. Podemos dizer que, la-
mentavelmente, essa ainda é a postura mais identificável entre os
profissionais de lazer.
Já no paradigma interpretativo, a animação é vista como
formação cultural, como forma de dar aos indivíduos acesso aos
bens culturais construídos historicamente. À primeira vista, essa
ideia parece ótima, mas os problemas começam a se apresentar
quando entendemos melhor as intencionalidades dessa "difusão
cultural".
Estando em um extremo oposto ao do paradigma anterior,
no interpretativo, o animador considera a realidade como imedia-
ta, particular, subjetiva e plural, o que determina então que sua
ação deve ser horizontal.
Se cada um compreende uma coisa e as individualidades são
tão múltiplas que devem ser respeitadas a todo custo, cabe ao ani-
mador simplesmente apresentar um rol de atividades possíveis,
mesmo que encaminhe os sentidos e os significados destas não só
ao organizar, como também ao selecionar os modos de organiza-
ção.
O animador avança em relação ao paradigma anterior, quan-
do convida a uma reflexão construída a partir da experiência de
cada um, buscando uma ação que seja relacional e criadora, mas é
bastante ingênuo ao acreditar que basta somente convidar, ainda
mais quando a ordem social conclama exatamente ao contrário: à
inatividade e ao consumo fácil.
Nesse paradigma, o animador interpreta e favorece experi-
ências, acreditando no desenvolvimento individual que poderia
construir uma ordem social reformada. Pela fragilidade de sua
proposta de intervenção em um ambiente de lutas simbólicas e
concretas, acaba pouco contribuindo para a superação da ordem
social.

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168 © Recreação e Lazer

Podemos encontrar essa perspectiva de intervenção em


muitos museus, centros culturais e instituições patronais, como
é o caso do Serviço Social do Comércio. Os animadores culturais
montam, de fato, exposições e espetáculos atraentes, refinados e
importantes para o desenvolvimento cultural. Contudo, o público
não é conclamado a tomar decisão e pouco participa da elabora-
ção e da organização das propostas.
Essas instituições ainda procuram minimizar tal distancia-
mento a partir do oferecimento de guias/instrutores, que, se tra-
zem alguma vantagem, por apresentarem importantes elementos
do que está exposto, são também perigosos, pois corremos o risco
de ver o apresentado pelo olhar muito direcionado do guia/instru-
tor. Além disso, não são suficientes por não estarem inseridos em
um esforço de formação contínua e permanente.
Na verdade, as preocupações com a formação de plateia/
público, embora existam, ainda parecem bastante incipientes e
menores perante a preocupação com o desenvolvimento das lin-
guagens, que jamais devem ser banalizadas, pois não se trata de
"facilitar" ou "fazer concessões" ao público, mas sim de pensar
um processo de educação que permita às pessoas compreender
e sentir (extraindo maior prazer) as mais diferentes manifestações
culturais.
O último paradigma, o dialético, entende a animação como
construção de uma democracia cultural. O animador considera a
realidade a partir do contexto em que ela se apresenta, tentan-
do interpretá-la de forma global, complexa, dialética e diacrônica.
Identificando a realidade como historicamente construída, está
preocupado com que o conhecimento também seja socialmente
situado, sempre na busca por despertar novas consciências.
Esse paradigma defende que não se trata de impor uma
programação de forma vertical, tampouco de somente oferecer
opções de forma horizontal. Podemos falar de uma postura dia-
gonal, com o animador tentando gerar uma reflexão construída e
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 169

problematizada. Sua preocupação é organizar uma ação comuni-


tária, que, se não significa agredir frontalmente as individualida-
des, significa, no entanto, educar os indivíduos para que entendam
que a construção de uma coletividade vai significar negociações,
concessões, mediações. A partir disso, espera-se gerar uma ação
transformadora e emancipadora.
Sem o sentimento de vanguarda, o animador não se vê como
aquele que vai conduzir os rebanhos à liberdade, mas sim como o
que investe na mediação para tentar desvelar e recriar realidades,
gerando, em conjunto com o público, alternativas de libertação, na
medida em que crê na transformação social a partir do desenvol-
vimento de consciências e responsabilidades, que são simultanea-
mente individuais e coletivas.
Chama-se a atenção para a necessidade de que essa ação
não se confunda com os parâmetros de outras formas de organiza-
ção política (como a partidária e a sindical), e que tampouco vá de
encontro a princípios básicos do lazer, como a questão do prazer e
de uma liberdade maior.

9. COMENTANDO UM EXEMPLO DE ATUAÇÃO NO


CAMPO DO LAZER
Você deve se lembrar que um dos autores comentados em
nossa terceira unidade de estudos foi Mascarenhas (2003). Esse
autor é um dos estudiosos que articulava, de maneira coerente, as
dimensões do lazer e da educação.
Em sua obra, Mascarenhas descreve uma possibilidade de
intervenção no lazer. Considerando a importância dessa obra para
nossas reflexões, retomemos as abordagens desenvolvidas pelo
autor.
Acreditando ser o lazer um fenômeno tipicamente moderno,
resultante das tensões entre o capital e o trabalho, que se materia-
liza como um tempo e espaço de vivências lúdicas e se traduz como

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170 © Recreação e Lazer

lugar de organização da cultura, indubitavelmente perpassado por


relações de hegemonia, Mascarenhas (2003) encontra suporte te-
órico em autores marxistas, dentre eles Paulo Freire (autor consi-
derado uma importante referência também em nossos estudos).
A partir daí, ele elabora uma possibilidade de intervenção,
tendo a ação comunitária, pautada na experiência lúdica e edu-
cativa, como uma possibilidade de os trabalhadores e os grupos
sociais das camadas menos favorecidas da população refletirem
sobre a própria realidade e transformá-la.
Seguindo as orientações freireanas, o primeiro passo do
método especificado por Mascarenhas (2003) é o reconhecimen-
to inicial da realidade do grupo. Em outras palavras, é uma ação
diagnóstica, na qual serão identificados determinantes a partir de
atenta investigação das condições objetivas de vida do grupo que
possibilitem a descoberta dos problemas e suas respectivas con-
tradições, fornecendo elementos para desvelar a realidade. A par-
tir dessa ação diagnóstica, são identificados os temas geradores.
As contradições e os problemas inerentes à prática do lazer
aparecem como aspectos geradores de interesses para o grupo,
em uma correspondência direta e dialética com as contradições e
os problemas presentes nas demais práticas sociais daquela reali-
dade. Portanto, o tema gerador é o elo entre o lazer e o contexto
do grupo praticante.
Operacionalmente, cria-se uma rede temática, em que um
conjunto de perguntas e respostas insere o tema em um debate,
envolvendo o particular da atividade de lazer com o conjuntural
e estrutural do tema. O lazer manifesta-se como fonte de tensão
e equilíbrio. O tema extraído do grupo transforma-se em um pro-
blema.
Ao desenvolver as atividades, os componentes do grupo inter-
rogam o tema e a si mesmos, descobrindo-se e fazendo-se sujeitos.
A rede temática é o instrumento de organização e coordenação em
todo o processo de investigação e realização das atividades.
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 171

Nesse sentido, qualquer atividade de lazer torna-se uma


situação-problema, e o grupo só a reconhecerá como tal quando
sentir a necessidade de sua transformação. É a emersão do grupo,
provocada pela percepção e pela superação da situação-limite e
sua inserção na atividade, que garante a consciência da situação-
-problema, demandando do grupo uma prática reflexiva na busca
de sua solução.
O ciclo temático será o ordenador dos conteúdos e das ati-
vidades e deve contemplar a fase preparatória, avaliativa e de
recuperação. O ciclo é um ponto de chegada que imediatamente
remete ao início de outro ciclo, definindo seu caráter dinâmico,
sistemático e dialético. Mascarenhas apresenta-nos um exemplo
desse método de intervenção em grupos sociais e convida-nos ain-
da a repensar o papel do agente de lazer/educador em um proces-
so de ação educativa como este.
O autor contribui com a articulação entre teoria e prática,
problematizada em outros momentos, discutindo o lazer a partir
de um ponto de vista ideológico e com uma proposta concreta. En-
tretanto, é imprescindível que essa articulação seja lida não como
uma proposta pronta, mas como um indicativo de trabalho, dada
a necessidade de considerar as múltiplas realidades existentes em
nossa sociedade. Como vimos, o contexto social mudou e são inú-
meras as consequências dessas mudanças, inclusive para o lazer.
Em Lazer como prática da liberdade, Mascarenhas insiste em
uma concepção de sociedade marcada pelas diferenças de classes
– opressores e oprimidos –, hoje menos definidas, mas nem por
isso menos conflituosas.
Ao expressar seu entendimento de lazer, tendo como refe-
rência a educação popular embasada no pensamento de Paulo
Freire, o autor afirma ser o lazer-educação uma posição política
e político-pedagógica de compromisso com os grupos sociais me-
diante sua "resistência e luta cotidiana pela sobrevivência", com
vistas a conquistar um mundo melhor e mais digno para todos.

Claretiano - Centro Universitário


172 © Recreação e Lazer

Consideramos que não basta fazer uma transposição dos


princípios de educação popular para o lazer em função das pecu-
liaridades de cada um. Sendo assim, não podemos incorrer na in-
genuidade de considerar que o lazer possa reunir respostas para
problemas sociais complexos, como se fosse um álibi para a solu-
ção destes. A luta e a resistência pela sobrevivência foram ressig-
nificadas.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Cite os principais espaços que podem ser ocupados pelos profissionais do
lazer.

2) Marcellino (2003) apresenta cinco aspectos que devem ser contemplados


pelos animadores socioculturais em sua atuação profissional. Diante do pen-
samento desse autor, aponte:
a) quais são estes aspectos;
b) como cada um deles poderia ser exemplificado.
3) O que significa o conceito de animação cultural? Quais são as implicações
desse conceito para o campo de estudos do lazer?

4) Quais são os paradigmas da animação cultural? Idenfique-os.

5) Aponte e comente os padrões de organização da cultura, apresentando,


para cada um deles, exemplos ilustrativos.

6) Elabore e sistematize uma experiência de lazer pautando-se na ideia de ani-


mação cultural. Para essa empreitada, você pode contar com a descrição da
experiência elaborada por Mascarenhas (2003).

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegamos ao fim desta unidade, que teve por objetivos dis-
cutir questões pertinentes ao processo de formação e atuação
profissional no campo do lazer. Para fins de construção deste Ma-
terial Didático Mediacional, chamamos de "animador cultural" o
profissional de Educação Física que atuará no campo do lazer.
© U4 - Lazer: Formação e Atuação Profissional 173

Com isso, ao longo dos estudos desta unidade, buscamos


definir o conceito de animação cultural como uma forma de en-
tendimento mais amplo para aqueles que se aventuram ou irão se
aventurar nessa área. Advogamos por uma formação mais crítica
e consistente, a fim de que possamos proporcionar intervenções
brilhantes no seio da prática social do lazer.
Finalizamos com o relato de uma intervenção brilhante en-
caminhada por Mascarenhas (2003), que fortalece o vínculo entre
teoria e prática, brindando-nos com a possibilidade de uma ação
crítica no âmbito do lazer.

12. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
GRUPO DE PESQUISA "ANIMA". Lazer, Animação Cultural e Estudos Culturais/UFRJ.
Disponível em: <http://www.anima.eefd.ufrj.br/>. Acesso em: 05 out. 2012.
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA (Unimep). Grupo de pesquisas em lazer.
Disponível em: <http://www.unimep.br/gpl/index.php?fid=81&ct=1682>. Acesso
em: 18 set. 2012.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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em lazer. In: ISAYAMA, Helder Ferreira (Org.). Lazer em estudo: currículo e formação
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Claretiano - Centro Universitário


174 © Recreação e Lazer

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