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Introdução
A Santa Igreja de Cristo teve que combater e sofrer, em todos os tempos, contradições e
perseguições pela verdade e pela justiça. Instituída por Ele próprio a fim de estender ao mundo o
reino de Deus, e por meio da luminosa lei evangélica conduzir a humanidade decaída a um destino
sobrenatural, isto é, à aquisição dos bens imortais por Deus prometidos, mas superiores às nossas
forças, lutou necessariamente contra as paixões que pululam aos pés da antiga decadência e
corrupção, isto é, contra o orgulho, a cupidez e o amor desenfreado dos gozos terrenos, e contra
os vícios e desordens que daí procederam, os quais sempre encontravam na Igreja a mais poderosa
barreira.
Não é, porém, o fato dessas perseguições motivo de espanto, se foram pelo Divino Mestre
preditas e sabemos que durarão tanto quanto o mundo.
15, 18
Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro Me odiou a Mim. 19 Se fôsseis do mundo,
o mundo amaria o que era seu. Mas porque não sois do mundo, pois a minha escolha me
separou do mundo, é por isso que o mundo vos odeia. 20 Lembrai-vos das palavras que Eu vos
disse: «O servo não é mais que o seu senhor». Se Me perseguiram a Mim, também vos
perseguirão a vós. Se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa.
21
Mas tudo isso vos farão por causa do meu nome, porque não conhecem Aquele que
Me enviou. 22 Se Eu não tivesse vindo e não lhes dirigisse a palavra, não teriam culpa, mas, agora,
não tem escusa do seu pecado. 23 Quem me odeia a mim odeia também o meu Pai. 24 Se, diante
deles, Eu não tivesse realizado obras que ninguém mais realizou, não teriam culpa; mas agora,
apesar de as verem, continuam a odiar-me a mim e ao meu Pai. 25 Tinha de se cumprir a palavra
que ficou escrita na sua Lei: «Odiaram-me sem razão» (Sl 35,19; 69, 5).
26
Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, e que Eu vos hei-
de enviar da parte do Pai, Ele dará o testemunho a meu favor. 27 E vós também haveis de dar
testemunho, porque estais comigo desde o princípio.
16, 1
Dei-vos a conhecer estas coisas para não vos perturbardes. 2 Sereis expulsos das
sinagogas; há-de chegar mesmo a hora em que quem vos matar julgará que presta um serviço a
Deus! 3 E farão isso, por não terem conhecido o Pai nem a mim. 4 Deixo-vos ditas estas coisas,
para que, quando chegar a hora, vos lembreis de que Eu vo-las tinha dito.
“Logo que nos prenderam, guardaram-nos por algum tempo antes de nos meterem na
prisão. Meu Pai, que era o único de minha família que não era cristão, acorreu imediatamente e
se esforçou por me fazer mudar de resolução. Como ele me instava muito para não me dizer cristã,
mostrei-lhe um vaso que se encontrava ali:
— Meu Pai, disse-lhe eu, pode-se dar a este vaso outro nome que não seja aquele que lhe
convém?
— Não, respondeu ele.
— Pois bem, eu também não posso dizer de mim outra coisa que não sou.
A estas palavras ele se jogou sobre mim como para me arrancar os olhos, depois se retirou
confuso com sua fúria: não tornou a aparecer durante alguns dias, e eu gozei de um pouco de
repouso. Neste intervalo, fomos batizados, e o Espírito Santo inspirou-me a não pedir outra coisa
senão a constância nos tormentos. Pouco depois nos conduziram à prisão.
Eu me surpreendi ao entrar ali, pois não tinha visto jamais esse tipo de lugares. Ah! Que
dura jornada! Que calor! Sufocava-se lá, tão apertado se estava; acrescentai a isto a brutalidade
dos soldados que nos guardavam. Mas o que me inquietava mais, era que eu não tinha o meu
filho. Por fim mo trouxeram, e dois diáconos, Festino e Pompônio, obtiveram por meio de
dinheiro, que nos colocassem durante algumas horas num lugar menos incômodo.
Cada um pensava no que mais lhe interessava; quanto a mim, o que mais me premia era
amamentar meu filho, que morria de fome. Recomendei-o instantemente a minha mãe, que tinha
vindo me ver. Eu estava sensivelmente aflita por ver minha família sofrendo por minha causa, e
esse sofrimento durou vários dias; mas em seguida se dissipou: a própria prisão tornou-se uma
estadia agradável. [...]
Poucos dias depois, espalhou-se o rumor de que seríamos interrogados. Meu pai veio de
novo à prisão e, acabrunhado pela tristeza, disse-me:
— Minha filha, tem piedade de meus cabelos brancos, tem piedade de teu pai. Eu te
eduquei com tanto cuidado: se eu te amei mais do que aos meus outros filhos, não cubras minha
velhice de opróbrio. Pensa em tua mãe: pensa em teu filho, que não pode viver sem ti; deixa essa
obstinação que nos perderá a todos.
E falando assim, ele me segurava as mãos, beijava-as, e as regava com suas lágrimas.
Suas instâncias me transpassavam o coração, e eu me lamentava por ser ele o único de toda a
família que se afligia com meu martírio. Entretanto, sem me deixar abalar, disse:
— Acontecerá no interrogatório o que aprouver a Deus, pois não estamos sob nosso
poder, mas sob o d’Ele. E ele se retirou.
“No dia seguinte, quando jantávamos, vieram nos apanhar para conduzir ao juiz: toda a
cidade foi informada disso e encontramos o local repleto de inumerável multidão. Fizeram-nos
subir ao estrado dos réus. De início foram interrogados meus companheiros, que confessaram
corajosamente a fé em Jesus Cristo. Vieram então a mim, e nesse momento meu pai, reaparecendo
com meu filho, me puxou de meu lugar e me solicitou mais vivamente que nunca. O juiz se uniu
a ele:
— Poupai, disse-me, poupai a velhice de vosso pai e a infância de vosso filho: sacrificai
pela prosperidade dos imperadores.
— Não sacrificarei, respondi-lhe.
— Sois então cristã?
— Sim, eu o sou.
“Como meu pai se esforçasse por me tirar fora do estrado dos réus, o juiz ordenou que
ele fosse afastado, e chegaram a bater nele para fazê-lo obedecer. Senti o golpe que lhe foi dado
como se eu mesma o tivesse recebido e tinha o coração dilacerado por ver meu pai maltratado em
sua velhice. Então o juiz pronunciou a sentença, e nos condenou todos a sermos expostos às feras.
Retornamos à prisão cheios de alegria. [...]
“Poucos dias antes dos espetáculos, vi entrar meu pai, que me vinha fazer um último
assalto. Ele estava num acabrunhamento que eu não seria capaz de exprimir; arrancava-se a barba,
lançava-se por terra, e permanecia deitado, escondendo a própria face, lançando gritos e
amaldiçoando a própria velhice. Eu morria de dor vendo-o naquele estado; mas Deus me sustentou
novamente, na violência do ataque.
O glorioso martírio
Aqui termina o relato da Santa; a seqüência foi escrita por uma testemunha ocular:
“Quando o dia dos espetáculos chegou, os santos Mártires foram tirados da prisão, e
conduzidos ao anfiteatro. A alegria se refletia em seus rostos, brilhava em seus olhos, fazia-se ver
em seus gestos, resplandescia em suas palavras. Perpétua ia em último lugar. [...] Saturnino e
Sátiro ameaçavam com a cólera de Deus o povo idólatra que os cercava, e quando chegaram
próximos ao juiz que os havia condenado, disseram-lhe com autoridade:
— Tu nos condenas hoje, mas logo o próprio Deus te julgará.
“O povo, irritado com essa repreensão, pediu que fossem chicoteados. Encantados por
adquirir novo traço de semelhança com o Salvador, os santos Mártires manifestaram-se ainda
mais alegres. Deus lhes concedeu o gênero de morte que cada um deles havia desejado. [...]
“As duas Santas, Perpétua e Felicidade, foram expostas numa rede a uma vaca furiosa. O
animal atacou de início Perpétua, atirou-a para o alto com violência e a deixou cair sobre o dorso:
Perpétua se levantou, ajeitou os cabelos, e tendo percebido Felicidade, que a vaca também tinha
atacado e que estava estendida sobre a areia, cheia de dores por causa dos ferimentos, deu-lhe a
mão e a ajudou a se levantar. [...]
“Aproximando-se o fim dos espetáculos, o povo pediu que os outros mártires fossem
conduzidos ao meio do anfiteatro para lá receber a morte. Eles vieram com suas próprias forças e
se deixaram degolar sem fazer o menor movimento. Perpétua caiu entre as mãos de um gladiador
desajeitado, que a fez sofrer por algum tempo, e ela mesma acabou tendo que conduzir a espada
a sua garganta, indicando-lhe assim o lugar onde deveria feri-la. Tal heroísmo em mulheres
delicadas não poderia vir da natureza: é evidente que esta não vai até lá, e que só Deus pode
explicá-lo”.
A perseguição no México
(Spirago, Francisco, Catecismo em Ejemplos, Editorial Poliglota – Barcelona, 3ª Edicion, 1931,
Quinta parte – Apendice, pp. 191 e 192):
Conta-se que São Pio X, durante audiência aos membros de um dos colégios eclesiásticos
romanos, perguntou aos jovens estudantes:
–– Quais são as notas distintivas da verdadeira Igreja de Cristo?
— São quatro, Santo Padre: Una, Santa, Católica e Apostólica — respondeu um deles.
–– Não há mais de quatro? — indagou o Papa.
–– Ela é também Romana: Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana.
–– Exatamente, mas não falta mencionar ainda uma característica das mais evidentes? –
insistiu o Pontífice.
Após um instante de silêncio, ele próprio respondeu:
— Ela é também perseguida! Esse é o sinal de sermos verdadeiros discípulos de Jesus
Cristo.
“Se o mundo vos aborrece, sabei que aborreceu primeiro a Mim. Lembrai-vos da palavra
que Eu vos disse: ‘O servo não é maior que seu Senhor’. Se Me perseguiram a Mim, também a
vós vos perseguirão” (Jo 15, 18.20). Por estas palavras de Jesus, vemos serem a adversidade e a
incompreensão inerentes à existência terrena do verdadeiro fiel, pela irreversível
incompatibilidade entre a doutrina do mundo e a de Cristo. Pois, desde o tempo dos nossos
primeiros pais, há entre a bendita posteridade de Maria Santíssima e a raça da serpente maldita o
irreconciliável antagonismo descrito pelo Gênesis: “Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a
tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3, 15).
Os maus não suportam os bons, e para estes, o ódio daqueles indica eleição por parte de
Deus, conforme se depreende destas palavras de São Jerônimo a Santo Agostinho: “Sois
celebrado por todo o mundo. Os católicos veneram e reconhecem em vós o restaurador da antiga
Fé, e — o que é sinal de glória ainda maior — todos os hereges vos detestam e perseguem com o
mesmo ódio que a mim, anelando matar-nos com o desejo, já que não podem fazê-lo com as
armas”.1
É na fidelidade dos justos diante das perseguições que reluz de modo especial a glória de
Deus.
Errôneo seria pensar que durante as perseguições cabe aos bons ficarem encolhidos
e timoratos, incapazes de qualquer ação.
Pelo contrário, dão-lhes elas ensejo a testemunharem com coragem a boa doutrina
diante daqueles que se desviaram do caminho certo.
Ao afirmar que as portas do inferno não prevalecerão contra a sua Igreja (cf. Mt 16, 18),
estabeleceu o Divino Fundador que ela será não apenas invencível, mas sempre triunfante. Assim,
por mais que os infernos, não podendo destruí-la, se organizem para sufocá-la, jamais conseguirão
impedir sua atuação. E, sejam quais forem as aparências, a Luz de Cristo permanecerá em sua
Esposa com todo o seu poder e grandeza, aguardando o momento de manifestar-se de forma
intensa, majestosa e irresistível.
Nessas horas de tempestade, suscita a Providência testemunhas da Fé que sejam fachos
da Luz de Cristo a rasgar a obscuridade da provação.
1
SÃO JERÔNIMO. Epistola ad Augustinum CXLI. In: Cartas. Madrid: BAC, 1962, v.II, p.784-785.
rumor efémero desvanecido por sua própria virtude, pois jamais alguém surpreendera na sua
conduta, alguma coisa da menor censura ou que desse motivo à mínima suspeita”2
O P. Vianney teria podido defender-se publicamente, já que publicamente o atacavam.
Mais de uma vez foi aconselhado que assim fizesse. Ele, porém, preferiu calar e chorar diante de
Deus. Felizmente, a sua vida, já admirável, falava muito alto em favor da sua virtude. A maior
parte dos seus paroquianos —citaremos várias testemunhas— julgavam-no digno de todo o
respeito. Era preciso que alguém fosse cego para o caluniar assim tão odiosamente. Ele que na
sua juventude se tinha negado, num excesso de delicadeza, a "abraçar a própria mãe!" 3. Era tão
modesto e recatado a ponto de nem sequer tocar uma criança4. Quando as meninas do castelo se
aproximavam dele, em companhia dos irmãos, acariciava a estes uma ou outra vez, mas jamais a
elas5."A sua escrupulosa atenção neste ponto era tal que repreendeu certa vez umas meninas por
se terem permitido a liberdade de tocar a mão de um eclesiástico forasteiro"6.
Havia um mosteiro cujo abade faleceu; e toda a respectiva comunidade foi ter com o
venerável Bento, a pedir-lhe com grande empenho quisesse ser seu superior. Durante muito
tempo, ele foi se escusando, dizendo-lhes que não poderia se adaptar aos seus costumes e dos
irmãos; mas por fim, vencido dos seus rogos, acedeu.
Uma vez à testa do mosteiro, impôs a observância da vida regular, a ninguém permitindo
que, como até então, se desviasse para direita ou para a esquerda, no caminho recto da
observância, fazendo o que não devia. E os irmãos de quem se tinha encarregado, loucamente
revoltados, começaram a bater no peito por terem escolhido para superior: o seu tortuoso proceder
esbarrava na norma da sua rectidão. E vendo que, com ele, o ilícito não era lícito, doía-lhes terem
de abandonar seus costumes; achavam duro terem de pôr espírito novo em mentalidade velha; e
como aos de maus costumes sempre foi pesada a vida dos bons, procuraram modo de se
desfazerem do abade, matando-o.
Tomara, pois, a resolução de lhe misturar veneno no vinho. Estava o abade sentado à
mesa; e quando, segundo o costume do mosteiro, lhe apresentaram, para que o benzesse, o copo
de vidro com aquela bebida envenenada, Bento, estendendo a mão, traçou o sinal da cruz e com
esse sinal partiu o copo que alguém segurava, lá longe. Foi como se, em vez do sinal da cruz, lhe
tivesse arremessado uma pedra.
O homem de Deus logo entendeu que trazia a bebida de morte o vaso que não pôde
suportar o sinal da vida. Levantou-se prontamente e, rosto sereno e tranquilo, convocou os irmãos
e falou-lhes deste modo:
— Irmãos, Deus Omnipotente tenha pena de vós! Porque quisestes fazer isto contra mim?
Acaso não vos preveni de que os meus costumes e os vossos não calhavam? Ide procurar um
abade que diga com o vosso modo de ser; porque daqui em diante, de modo algum podeis contar
comigo.
Dona Lucília
(Dias, João S. Clá, Dona Lucília, Libreria Editrice Vaticana, 2013, pp. 105 e 107):
“Esta não é uma pergunta que se faça a uma mãe”
2
Catarina Lassagne, Processo Ordinário, p.251. P. Dubouis, id., p. 259.
3
Catarina Lassagne,Processo Apostólico ne pereant,p. 422.
4
Ir. Atanásio, Processo Apostólico in genere, p. 233.
5
P. Rougemont, Processo Apostólico in genere, p. 777; Harta de Garets, Processo Apostólico in genere,
p. 310.
6
Conde Félix de Garets, Proc. Apostólico in genere,p. 310.
De volta a São Paulo após a viagem de lua-de-mel, Dona Lucilia e seu esposo fixaram
residência numa casa quase contígua ao palacete Ribeiro dos Santos. O casal foi premiado por
Deus com dois filhos: em 1907 (6 de julho) uma menina, que recebeu o nome de Rosenda, em
memória da falecida mãe de Dr. João Paulo, à qual ele queria bastante bem; e, em 1908 (13 de
dezembro), um menino, Plinio, assim chamado de muito bom grado por Dona Lucilia, para
atender à sugestão de Dona Gabriela, que sempre desejara ter alguém entre os seus com este nome.
A bondade de que transbordava o coração de Dona Lucilia iria doravante derramar-se
sem reservas sobre os filhos. Sua maternidade faria desabrochar um de seus mais sublimes
aspectos de alma, ao ter de enfrentar com heroísmo uma difícil situação.
Ao examiná-la nas vésperas do nascimento de Plinio, o médico constatara que o parto
seria arriscado. Muito provavelmente, ela ou o nascituro morreria. Assim, perguntou-lhe se não
preferiria abortar, a fim de salvar a própria vida.
Ante essa absurda inquirição, Dona Lucilia, desagradada, respondeu:
— Doutor, esta não é uma pergunta que se faça a uma mãe! O senhor não deveria sequer
tê-la cogitado.
Foi desse modo que, pouco tempo antes de dar à luz seu filho varão, quis a Providência
pedir àquela extremosa e resoluta mãe católica um excelente ato de virtude. Assim, antes mesmo
do nascimento de Plinio, a maternalidade de Dona Lucilia se exercia, em relação a ele, com todo
seu desvelo.
(Dias, João S. Clá, Dona Lucília, Libreria Editrice Vaticana, 2013, pp. 226 e 227):
Uma nova mentalidade, chamada “moderna”
7
Período compreendido entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
8
Expressão francesa que significa aproximadamente “à moda de rapazote”.
Dona Lucilia recusa a nova moda
(DIAS, Mons. João S. Clá, O inédito sobre os Evangelhos, Vol. I, p. 259, 260 e 262):
Contrariamente à quimera sugerida por certa mentalidade muito alastrada, não é possível
abolir a cruz da face da Terra, pois, em geral, todo ser humano sofre. Apenas nas produções
cinematográficas e demais fantasias do gênero ― coroadas sempre pelo happy end ―
encontramos figuras irreais de pessoas imunes a qualquer incômodo físico ou moral, bem-
sucedidas em todos os seus empreendimentos e sem dificuldades no convívio social, não havendo
sequer os pequenos aborrecimentos e decepções do cotidiano.
Por mais que se fundem hospitais, por mais que se abram creches ou se construam abrigos
para idosos, a dor é nossa companheira e só deixará de existir no Paraíso Celeste. É imprescindível
ao homem, portanto, compreender o verdadeiro valor do sofrimento, pois uma impostação
equivocada perante ele leva alguns a caírem no abatimento; outros, a revoltar-se contra a
Providência; outros — quiçá a maioria — a querer se esquivar de carregar a própria cruz, tentativa
que, além de ser inútil, a torna mais pesada, acrescentando-lhe o ônus da inconformidade com a
vontade de Deus, que conhece e permite cada uma de nossas angústias.
O valor da luta
(Boulenger, Manual de Apologética, Livraria Apostolado da Imprensa – Porto, 2ª edição, 1950, pp. 6 e 7):
Etimológicamente, a palavra apologética significa justificação, defesa. Apologética é,
pois, a justificação e defesa da fé católica.
O objecto da apologética é, portanto, mais geral. A apologia limita-se a defender um ponto
da doutrina católica no campo do dogma, da moral, ou da disciplina.
A missão da apologética é levar o homem até ao limiar da fé, torna-la possível, provando
que é racional.
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(Revista Dr. Plinio nº 85, Abril de 2005 – “Inocência e as noções primárias do ser”):
A criança nos passos iniciais de sua vida
Imaginemos uma criança nos passos iniciais de sua vida. Ainda não fala, exprime-se por
gestos ou pelo balbucio de algumas sílabas, e em sua mente desenham-se esboços de
pensamentos. Ao lhe ser mostrado algo, ela tem um conhecimento elementar e superficial, do
qual decorrem três atitudes: deseja aquilo e estende a mão para apanhá-lo; rejeitam, afastando-o
ou virando o rosto para outro lado; ou pode não manifestar reação alguma em relação ao objeto.
Portanto, a criança toma uma dessas posições: aceitação, rejeição ou indiferença.
Então, antes mesmo de formar um juízo elaborado a respeito do que tem diante de si, ela
sente e assume uma dessas três atitudes.
Qual a razão desse movimento? O que se passa na alma da criança? Ela já conhece algo,
tanto é que reage. Se não conhecesse, não reagiria.
Na realidade, ela não tem propriamente ciência, mas o que, em filosofia, chama-se notícia.
A visão e os demais sentidos lhe transmitem notícia sobre os fatos. Mas, nota-se que a criança
possui um seletivo. Selecionar é uma operação que supõe aceitação de umas coisas e recusa de
outras.
Esse seletivo possui certos critérios de escolha antes mesmo de a inteligência ter
elaborado raciocínios. Essa faculdade trabalha ainda de um modo rudimentar, incompleto,
enquanto o seletivo já inicia seu operar.
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(Boulenger, Manual de Apologética, Livraria Apostolado da Imprensa – Porto, 2ª edição, 1950, pp. 113 a
126):
A alma é o princípio, isto é, a causa de todos os fenómenos psicológicos que não se podem
explicar unicamente pelas forças físico-químicas. – Mas, poderão dizer, nesse caso, também os
animais têm alma. – Trata-se, pois, de saber se há diferença essencial entre a alma do homem e a
do bruto. Ora, a alma humana possui duas faculdades características que a distinguem
radicalmente da dos animais: a razão e a liberdade.
Razão
1. A linguagem;
2. O juízo e o raciocínio – O homem compara uma idéia com outra, estuda as suas relações
e formula juízos.
3. O progresso – Devido ao raciocínio e à linguagem, isto é, ao poder de comunicar o seu
pensamento, o homem aumenta sem cessar os conhecimentos e prossegue em marcha contínua
no caminho do progresso e da civilização.
4. A religiosidade – O homem é um ser religioso, porque pela razão conhece a existência
do Criador; o animal, destituído do poder de pensar e de raciocinar, é incapaz de subir até Deus.
A liberdade, ou livre-arbítrio
A liberdade é consequência da razão, porque, para escolhermos entre duas coisas, requer-
se que a razão conheça primeiro os motivos que nos inclinam mais a uma parte que a outra.
Determinismo
Determinismo é o sistema que nega a existência do livre arbítrio, e defende que a vontade
do homem se determina sempre por influências que a necessitam.
Segundo a natureza das influências, o determinismo toma diferentes denominações;
— a) determinismo teológico ou fatalismo, quando a vontade é necessitada pelo influxo
divino;
1. O fatalismo - segundo este sistema, os homens são governados por uma força
cega e inexorável, chamada Destino (do lat. fatum, daí o nome de fatalismo), cujos efeitos
não podem prever nem mudar.
2. O fatalismo teológico ou predestinacionismo. — A sorte de todos os homens,
bons e maus, foi antecipadamente fixada pela vontade divina, que de modo algum será
mudada.
— b) determinismo científico, se considera o homem sujeito às leis necessárias da
matéria;
— c) determinismo fisiológico e psicológico, se afirmam que o homem é necessariamente
arrastado pela sua natureza.
1. Determinismo fisiológico. — Segundo o determinismo fisiológico, os nossos
actos, que julgamos livres, na realidade são apenas a resultante de causas físicas, tais
como o clima, o meio, o temperamento e tudo o que constitui o carácter de cada indivíduo.
9
O termo abstrair designa a operação pela qual a inteligência considera uma qualidade separada do
objecto que a possui; por exemplo, a alvura duma parede isolada da parede.
Se conhecêssemos o carácter de um homem e as circunstâncias em que se encontra,
poderíamos sempre prever a resolução que tomaria.
Refutação. — O temperamento, o carácter e as circunstâncias de tempo e de lugar
são, sem dúvida, factores importantes que têm muita influência nas nossas determinações,
mas não explicam todos os nossos actos, pois agimos de modo diverso, em circunstâncias
idênticas. A previsão é sempre relativa, porque o carácter muda sob a influência da
vontade. Na hipótese do determinismo fisiológico, a virtude confundir-se-ia com o bom
temperamento. A experiência quotidiana ensina-nos, pelo contrário, que a educação
corrige o carácter e que, na expressão de BOSSUET, a alma generosa é senhora do corpo
que anima.
2. Determinismo psicológico. — O determinismo psicológico afirma que as
nossas decisões são sempre determinadas pelo motivo mais forte, pelo que exerce maior
atractivo na inteligência e principalmente na sensibilidade, e não pelo que tem maior valor
moral, como são o dever e o amor do bem em si. Assim, o egoísta deixa-se guiar pelo
interesse, o avarento pelo amor da riqueza, o ambicioso pelos sonhos de glória.
Refutação. — Muitas vezes o homem resiste às suas inclinações e prefere o
sacrifício ao prazer; o egoísta não procede sempre como egoísta, nem o avaro como
avaro... Sem dúvida, o motivo que nos leva ao consentimento é o mais forte, mas trata-se
de saber se o que escolhemos é o mais forte em si, ou se é o mais forte porque o
escolhemos.
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Lavar algo – uma vidraça ou as pedras que revestem uma parede, por exemplo – é exercer
sobre esse algo uma ação que retira dele elementos negativos – nos casos exemplificados, o pó e
a fuligem – e o deixa limpo. Poder-se-ia falar, analogamente, de uma gaveta que fosse esvaziada
e limpa, ficando assim livre o espaço para nela se colocar o que se queira.
Analogamente, “lavar” o cérebro de um homem seria exercer sobre este uma ação pela
qual – mediante prolongados maus-tratos, ameaças, subalimentação e trabalho extenuante – o
deperecimento físico e o terror deixam a pessoa em estado de inteira passividade intelectual.
A “lavagem cerebral” poderia lograr dessa forma seus resultados integrais.
E isto – note-se – definidamente sem que a inteligência e a vontade da vítima tenham
podido opor a tal processo um obstáculo intransponível.
No que o processo assim sumariamente descrito se diferencia da conversão?
Essencialmente – abstração feita da ação primordial da graça – a diferença está em que,
na conversão, o convertido é o agente. Outros (progenitores, Sacerdotes, mestres, apóstolos ou
ativistas de qualquer natureza) podem exercer sobre ele influência maior ou menor, podem falar
à sua razão e impressionar a sua sensibilidade com o intuito de lhe solicitar a vontade para um
sentido ou outro, mais profundamente ou menos. Mas o juiz que dá ganho de causa livremente a
esta ou aquela escola, a este ou aquele sistema, é sempre e necessariamente a própria pessoa, com
a sua inteligência e a sua vontade.
Na “lavagem cerebral”, pelo contrário, a mente humana “lavada” seria mero paciente,
entregue totalmente à mercê de um hábil “lavador” de cérebro, sem possibilidade de resistir a ele.
Histórico da expressão
A doutrina
10
Suma Teológica, I, 1. 83, a. 1
O tempo corria e o aborrecimento apoderava-se dele apesar dos sonhos da sua
imaginação. Os romances de cavalaria, então multo em voga em Espanha, pareceram-lhe dever
preencher o vácuo que as fazia sentir nas suas longas horas de isolamento e de reclusão.
Divertiam-no as imaginárias aventuras de cavaleiros andantes e as suas impossíveis proezas. Esta
idéia agrada-lhe; ordena que lhe tragam um desses romances. Depois de alguns Instantes, o seu
criado de quarto volta:
— Senhor, aqui está tudo o que pude encontrar.
— Como! Peço-te um romance e trazes-me livros de devoção? Estás doido?
— Senhor, não há outros.
— Vai do meu mando pedir a D. Garcia (irmão mais velho e chefe da casa dos Loyola)
romances de cavalaria.
— Já fui, Senhor; D. Garcia não tem romances; S. Exa. não tem outros livros senão estes.
Estes livros eram: a Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo frade Ludolfo, e a Flor dos
Santos, ambos em língua catelhana.
— Pois bem, — disse o Jovem mundano deixa-me esses livros.
Sobrevém-lhe o tédio e o espírito de Inácio tem necessidade de alimento; à falta de
melhor, aceita a leitura que, por certo, não teria escolhido .....
Primeiros efeitos
D. Garcia não entrava no quarto do seu Jovem irmão que o não encontrasse ocupado a ler
ou a escrever.
— Achais interesse na vida dos Santos, caro Iñigo (nome de batismo de Santo Inácio)?
— lhe disse o irmão.
— Sim, senhor, acho nela coisas surpreendentes, que ultrapassam tudo o que os cavaleiros
imaginários têm empreendido para conquistar um nome glorioso. No primeiro momento, ou fosse
por ser privado dos romances que eu desejava, ou por outra razão, este livro pareceu-me insípido.
Mas forçando-me o aborrecimento a lê-lo, terminei por achar-lhe multo interesse.
— Tanto melhor; caro Iñigo, porque esta longa reclusão é dolorosa para uma natureza tão
viva como a vossa.
— Sofro menos, meu caro irmão, desde que leio este livro. Contudo, vede: condeno-me
a este suplício para não perder a minha influência junto das damas da corte, ao passo que todos
estes Santos teriam sofrido tudo isto, e mais ainda, só para agradarem a Deus. Eles ganharam uma
eternidade de felicidade era recompensa da sua vida penitente ou do martírio que aceitaram; e eu
apenas terei sorrisos de mulheres ou louvores cortesãos como única recompensa! Pergunto a mim
mesmo o que me ficará de tudo isso, quando eles e eu tenhamos envelhecido? ....
Inácio não acrescentou, — só o confessou mais tarde — que tinha perguntado muitas
vezes a si mesmo, ao ler a vida dos Santos, porque não procuraria imitá-los; por que não podia
fazer o que os Santos puderam; porque não procuraria, como eles, glorificar a Deus na terra, com
a esperança de ser um dia participante da pua glória no céu. E verdade que esses bons sentimentos
eram imediatamente abafados pelos sonhos de ambição e de vaidade, e que, indo-se-lhe pouco a
pouco distendendo a perna, a esperança de não ficar coxo quando saísse do seu quarto o
preocupava mais que tudo. Entretanto, lia e relia as grandes ações dos Santos, e, querendo
conservar a recordação delas, escrevia aquelas que mais o impressionavam. Passado pouco tempo,
sentiu-se multo comovido ao entregar-se a esta ocupação.....
Luta interior
Uma noite, sofrendo mais ainda que de ordinário pela necessidade imperiosa de
abandonar tudo por Deus, e estando a sua perna assaz fortificada para lhe permitir a execução dos
seus projetos, prostrou-se diante duma imagem da Santíssima Virgem, pediu-lhe que aceitasse o
compromisso, que ele tomava a seus pés, de só viver para a glória do seu divino Filho, e jurou-
lhe, na sua linguagem de guerreiro, ser sempre fiel à sua bandeira, não servir senão na sua milícia
e sob suas ordens, e ser do Filho e da Mãe, na vida e na morte. No mesmo instante, um estrondo,
semelhante a uma forte detonação, faz-se ouvir no interior do castelo e o abala até aos alicerces.
O abalo foi sentido em todos os cantos da casa, mas não deixou sinais senão no quarto de D.
Inácio, mais violentamente atingido, e cujos muros, de alguns pés de espessura, sofreram um
abalo tão forte que produziu uma larga fenda, que ainda existe.
Não foi um tremor de terra, porque só o castelo sofreu o abalo; as dependências nada
sofreram. Qual a causa deste fenômeno? Procurou-se, mas não se encontrou. Preveria o demônio
os temíveis e incessantes golpes que lhe viria a dar a santa Companhia de Jesus, e quereria
manifestar a sua raiva impotente contra aquele que Deus tinha escolhido para ser o fundador da
mesma? Os historiadores do Santo são dessa opinião.
Cartesianismo
Revista Dr. Plinio nº 36, Março de 2001, “Como adquirir certezas”:
Positivismo
(Revista Dr. Plinio nº 49, Abril de 2002, “As realidades visíveis, sinais de realidades invisíveis”):
Na escola de Auguste Comte11, o positivo é aquilo que passa pelos sentidos, e por causa
disso também, criteriologicamente, é aquilo que se pode definir tirando da ponta do raciocínio.
O que ensina a filosofia positivista? Que a mente humana não é capaz de conhecer,
aprofundar e explicar senão os fatos que dizem respeito à matéria. Logo, tudo quanto não diga
respeito à matéria é incerto, inseguro. Existe uma alma? Não sei. Não é matéria... Existe um Deus?
Não sei, não é matéria... Uma das maneiras de exprimirem “inteligentemente” isso é da seguinte
maneira: como nenhum médico, operando um homem, encontrou a alma na ponta do bisturi, não
pode ter certeza de que ela exista. Ou como Yuri Gagarin o primeiro astronauta russo, que
declarou não ter encontrado Deus no espaço.
A alma humana não pode ser encontrada na ponta de um bisturi, porque é imaterial. Mas,
pelos efeitos do que se passa no homem, percebe-se que ele tem alma, porque produz operações
que a matéria não poderia produzir. Deus não pode ser visto, mas o próprio mundo testemunha a
sua existência. Se perguntássemos a um positivista: ‘Esse relógio foi fabricado por alguém?’ Ele
diz: ‘Não sei, só subindo a torre para verificar’. Ele sobe, não encontra quem fabricou, e conclui:
‘Não há fabricante, porque não o encontrei’. Uma perfeita imbecilidade! O fabricante do relógio
não tem que estar necessariamente na torre. Percebe-se que houve um fabricante do relógio pelo
fato de que aquilo é uma matéria que produz operações as quais, sem fabricante, não produziria.
Mas o positivismo, embora incoerente, encantou o século XIX, e ainda está no consciente
ou subconsciente de um número incontável de pessoas em nossos dias.
Escaparia ao pensamento positivista procurar significados nos gestos e ações do homem.
Para ele, deve-se considerar o corpo humano e seu agir do ponto de vista da funcionalidade, da
utilidade prática das ações.
Instinto de sociabilidade
(DIAS, Mons. João S. Clá, O inédito sobre os Evangelhos, Volume I, pp.297 e 298):
Desde o primeiro instante de nossa criação, Deus dotou-nos de instintos. Eram eles
ordenados sob os influxos do dom de integridade até o momento em que Adão e Eva pecaram. A
partir de então, só com auxílio da graça nos é possível utilizar cada um deles de acordo com a Lei
de Deus, de maneira estável.
Um dos mais excelentes entre todos é o instinto de sociabilidade, e talvez até, por isso
mesmo, um dos mais perigosos fora da atmosfera sobrenatural. Daí ter afirmado Sêneca: “Tornei-
me ainda mais cruel e menos homem, porque estive entre os homens”; e Plauto: “O homem é um
11
Filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo (*1798 - †1857).
lobo para outro homem”. Sim, o extremo de horrores a que podem chegar os homens no seu
relacionamento à base do egoísmo é simplesmente inimaginável e assustador.
Mas, se mal conduzido esse instinto, os resultados podem vir a ser catastróficos, no
extremo oposto assistimos às maravilhas da graça atuando sobre o convívio humano e
enriquecendo qualquer hagiografia, a começar pela do Varão por excelência, o Filho do Homem.
12
ROYO MARÍN, OP, Antonio. La fe de la Iglesia, 4ed. Madrid: BAC, 1979, p.17.
13
Idem, p.16.
14
SANTO AGOSTINHO, Enarratio in psalmum LXXV, nº8. In: Obras. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.992-993.
15
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra, São Paulo, 29 Maio 1965.
miséria: só poderá saciar-te quem te fez à sua imagem. [...] Só ali, em Deus, pode haver
segurança".16
Definição
Boulenger, Manual de Apologética, Livraria Apostolado da Imprensa – Porto,
2ª edição, 1950, pp. 150 e 155:
Etimologicamente, a palavra religião deriva : — de religare, ligar, e teria por fundamento
o laço que, prende o homem a Deus.
A história testifica tão claramente o facto da universalidade da religião, que alguns
antropologistas definiram o homem «um animal religioso». Ora este facto seria inexplicável se a
crença no sobrenatural, não correspondesse a uma aspiração íntima da alma humana, se não se
impusesse ao homem como uma necessidade.
A razão e a Revelação
Revista Dr. Plinio nº 46, Janeiro de 2002, “A Igreja e a História”:
DIAS, Mons. João S. Clá, O inédito sobre os Evangelhos, Volume VI, pp.105 e 106:
Num mundo em que a verdadeira caridade em relação ao próximo vai se tornando rara
pelo predomínio do egoísmo, grande é o drama daqueles que atravessam a vida sem alguém que
16
SANTO AGOSTINHO, Sermo CXXV, nº11. In: Obras. 2ªed. Madrd: BAC, 1965, v.X, p.531-532.
lhes indique o caminho da verdadeira felicidade. A esse respeito, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
tece o seguinte comentário: "Lembro-me de que, em meu tempo de pequeno, nós caminhávamos
pela rua e víamos muitos cachorros sem dono. Uma vez, vi minha avó passar um pito em um neto
que se tinha revoltado: 'Vá! Se quiser, faça o papel de cachorro sem dono'. De repente, a tragédia
de não ser guiado apresentou-se em toda a sua amplitude a meu espírito. A alegria de ser guiado
é, exatamente, a do fiel que tem em quem depositar a sua fidelidade, é a alegria de todo homem
que tem o senso da hierarquia, o senso da ordem e o senso da disciplina".17
Ora, o desejo de ser ensinado e a busca de um guia seguro constituem uma característica
das almas retas, que sentem sua própria contingência e natural incapacidade de chegar, por si só,
às sublimidades da Revelação. Por isso, elas se voltam para os que receberam o mandato de
ensinar em nome de Deus, desejando ser instruídas por eles nas vias da bem-aventurança. O papel
de quem recebeu esta incumbência é indicar o caminho certo, sem desviar-se dos preceitos da
Religião, nem para a direita nem para a esquerda (cf. I Mc 2,22).
Mais do que a qualquer pessoa individualmente eleita para conduzir as almas, tal missão
foi confiada por Deus à Santa Igreja Católica, tendo sido vinculada ao ministério petrino a
salvação de todos. Ser guiado nesta Terra significa, então, ser conduzido pela Igreja, abrir-se para
a luz dela emanada e para as graças que ela franqueia à humanidade. Cabe aos evangelizadores
serem verdadeiros guias, mostrando aos homens a bússola da verdade. Assim procedendo, eles
colocam seus dirigidos no caminho da santidade, sendo imprescindível, contudo, manterem-se
cientes de que seu papel se limita ao de serem meros instrumentos, devendo tudo atribuir à
solicitude da Igreja.
DIAS, Mons. João S. Clá, O inédito sobre os Evangelhos, Vol. V, pp. 381-395:
A vida humana é constituída pela presença da alma animando o corpo. Este perde sua
harmonia quando aquela se separa. Dado que possuímos membros muito diferentes, com
peculiaridades e atribuições variadas — os braços são diversos da cabeça, as pernas dos braços,
e até mesmo é distinto o papel de cada dedo da mesma mão —, é indispensável um fator de
unidade que exerça uma ação ordenadora sobre todo o organismo. Tal é o papel da alma. Sem a
sua presença desde o primeiro instante de nossa concepção seríamos um conglomerado de órgãos
e elementos sem coesão, incapazes de agir em conjunto.
Essa característica da natureza humana não é senão uma pálida imagem de outra realidade
incomparavelmente mais alta: “o que a alma do homem é para o corpo, é o Espírito Santo para o
Corpo de Cristo, que é a Igreja”.18 É a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade quem a anima, de
maneira que — por um absurdo irrealizável — se Ela se retirasse, ficaria a Igreja inerte como um
cadáver. Cristo é a Cabeça, nós somos os membros e o Espírito Santo é a alma vivificante que,
por sua atuação, conserva a unidade deste Corpo Místico.
17
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 4 abr. 1972.
18
SANTO AGOSTINHO. Sermo CCLXVII, n.4. In: Obras. Madrid: BAC, 2005, v.XXIV, p.831. Sobre esse tema, ver
também SAURAS, OP, Emilio. El Cuerpo Místico de Cristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1956, p.756.
Esta presença é sentida pelas almas, ainda que de modo imponderável, como se passou
com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, desde menino: “A alma da Igreja Católica é o Espírito
Santo. É Ele quem está presente em todas as manifestações da Igreja. Ele é quem sugeriu aos
homens da Igreja, ao longo dos séculos, que selecionassem tudo segundo uma determinada forma.
Ele é quem fez nascer na Igreja todas as coisas que são o reflexo d’Ele mesmo”.19
Quando Nosso Senhor Jesus Cristo declarou “Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18), estava
prometendo à sua Igreja a perenidade dessa vitalidade, que jamais haveria de abandoná-la. Por
esta razão é a Igreja indestrutível, e aqueles que julgam poder derrotá-la se iludem com o
impossível. Mais ainda, Ela é inteiramente triunfante em todas as circunstâncias.
Exemplo arquetípico dessa indestrutibilidade foi a transformação operada nos Apóstolos,
em Pentecostes. Enquanto semente da Igreja, constituíam eles um corpo, todavia sem vida.
Depois do sepultamento de Jesus, os discípulos permaneceram reunidos a portas
fechadas, receosos de uma perseguição se desencadear contra eles (cf. Jo 20, 19). Quando, por
fim, Nosso Senhor lhes apareceu ressuscitado, espantaram-se e duvidavam se não seria um
fantasma, a ponto de Ele pedir alimento para mostrar-lhes a realidade de seu Corpo. Não obstante,
mesmo havendo testemunhado a vitória de Cristo sobre a morte, os Apóstolos estavam mais
preocupados com a restauração do reino temporal de Israel — como nos demonstra o diálogo
prévio à Ascensão de Jesus — do que com a doutrina que o Divino Ressuscitado ainda lhes queria
comunicar.
Em sentido diametralmente oposto, depois de Pentecostes saíram eles cheios de fervor
pregando às multidões, sem temor algum de serem presos ou perseguidos.
Foi a partir da efusão do Espírito Divino que a Igreja começou a se mover e se expandir.
Foi Ele quem fez florescer as maravilhas e as riquezas que os séculos presenciaram, quem inspirou
a coragem e o heroísmo dos mártires e a pregação do Evangelho pelo mundo inteiro, e é Ele quem
rejuvenesce constantemente a Esposa de Cristo, multiplicando os frutos de santidade por toda a
face da Terra, em todos os tempos.
Nada pode abater quem está cheio do Espírito Santo! Se ficamos edificados com a
integridade dos mártires — sempre firmes na Fé, como foi São Lourenço ao ser queimado na
grelha —, nós, embora não tenhamos passado por suplícios como os deles, somos submetidos ao
martírio da vida diária, com suas decepções, desilusões e traumas de relacionamento — às vezes
até dentro da própria família. Em qualquer circunstância, devemos ter a certeza de que a solução
para todas as angústias, aflições ou perturbações está na luz do Espírito Santo.
Oliveira, Zacarias, A Igreja Católica – coleção “Apologética”, Edições Paulistas, 1959; Cf. Lagrange,
Garrigou, A Santidade na Igreja, p. 221 e 222:
Há, na Igreja as ordens religiosas, que são uma escola de perfeição para chegar à
santidade pela prática dos três conselhos evangélicos e imitação de Jesus Cristo. Pelos três votos
de pobreza, castidade, obediência, são combatidas as três concupiscências, da carne, dos olhos e
do orgulho. O estado religioso é, portanto, um estado de consagração a Deus, em que a alma, de
firmíssimo propósito, Lhe oferece toda a vida, o seu corpo, o seu coração, a sua vontade, o seu
juízo, num sacrifício perfeito que merece o nome de holocausto (Cf. S. Tomás, IIa, IIae, q. 186,
a. 7; 188, a. 6).
A variedade destas ordens religiosas manifesta a santidade da Igreja nos meios mais
diferentes: os Irmãos de S. João de Deus e as Irmãs de caridade nos hospitais, as múltiplas
congregações votadas à educação da juventude, as ordens de vida contemplativa e reparadora,
como os Cartuxos, Trapistas, o Carmelo, enfim os institutos que se consagram à pregação do
Evangelho.
19
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 7 jun. 1978.
Spirago, Francisco, Catecismo Católico Popular, 4ª Edição, 1944, União Gráfica - Lisboa Vol. II, pp. 468,
469 e 471:
O dever de tender para a perfeição está já induido no mandamento do amor de Deus,
porque nele Deus exige que o amemos o mais que pudermos. Isto não significara que devemos
sempre avançar no caminho do bem? Aquele que é justo torne-se mais justo; aquele que é santo
faça-se mais santo (Apoc. 22, 2), segundo esta ordem de Jesus Cristo: «sede perfeitos como o
vosso Pai celeste e perfeito» (Mt. 5, 48). Deus não quer outra coisa senão que sejamos santos (I
Tess. IV). Aquele que não aspira à perfeição cristã corre risco de se perder eternamente. Vemos
que todos os animais, as árvores e as plantas e o próprio homem, desde que não crescem e não
aumentam, decrescem e vão perecendo.
A perfeição ainda muito menos consiste nas obras extraordinárias que assombram o
mundo. A Mãe de Deus fez porventura alguma coisa extraordinária? Ou S. José, pai nutrido de
Jesus Cristo? Entre as legiões de santos haverá um número considerável que o mundo nem sequer
notou; «a sua vida estava oculta em Deus com Jesus Cristo» (Col. 3, 3). — Ao amor de Deus alia-
se sempre o horror ao mundo, isto é, aos prazeres sensuais, às delícias pecaminosas do mundo.
«Aquele que ama o mundo não possui o amor do Pai celeste» (I Jo. 2, 15). Quanto maior é o amor
de Deus num cristão, tanto mais ele detestará o mundo; «o amor de Deus tanto menos lugar
encontra no coração, quanto mais reinam nele os desejos terrenos.. (S. Afonso); mas o aumento
da caridade diminui a concupiscência.(S. Agostinho). Para atingir o cimo de uma torre põe-se
primeiro o pé no primeiro degrau, depois no segundo, terceiro, etc.; e quanto mais nos afastamos
da terra mais nos aproximamos do alto; é preciso proceder da mesma sorte para atingir o cimo da
perfeição, isto é, afastarmo-nos o mais possível das coisas da terra (S. João Crisóstomo). Assim
o nosso amor de Deus e do próximo, a nossa perfeição, crescerão em proporção do nosso horror
ao mundo.
As virgens vestais
Spirago, Francisco, Catecismo em Ejemplos, Editorial Poliglota – Barcelona, 3ª Edicion, 1931, Libro
Tercero – La perfeccion Cristiana, p. 274 e 275:
Na Roma pagã seis virgens, chamadas vestais, deveriam cuidar do fogo eterno no templo
de Vesta. Recolhidas, para servir a deusa, antes dos dez anos, permaneciam no templo, até
completarem os quarenta. Durante esses trinta anos deveriam conservar-se virgens. Os romanos
tinham uma crença muito enraizada de que as virgens eram muito favorecidas pelos deuses e, a
muito propósito, davam estas muito amparo e proteção à mãe Roma. Os cidadãos tinham muita
consideração e respeito pelas virgens vestais; uma ofensa que se fizesse a elas era considerada
como ao Estado. Eram-lhes concedidos honras militares e se, por acaso, um criminoso, que tivesse
de cumprir a pena capital, estivesse no caminho com uma dessas virgens, eram postos em
liberdade. No teatro e em toda sorte de espetáculos públicos tinham lugares de honras. Elas tinham
o costume utilizar vestidos de linho branco, com franjas de púrpura. Ao que fosse pego em ato de
desonestidade com uma delas, era enterrado vivo. Tudo isso para observarmos o profundo respeito
que os pagãos tinham às pessoas que levavam uma vida de castidade.
As sete varas
Spirago, Francisco, Catecismo em Ejemplos, Editorial Poliglota – Barcelona, 3ª Edicion, 1931, Libro
Tercero – La perfeccion Cristiana, p. 187:
Um rei queria incentivar os seus sete filhos que permanecessem unidos em todas as
ocasiões. Para isso se utilizou da seguinte estratagema:
Deu a cada um deles uma vara, pedindo-lhes que partissem. Todos partiram a vara com
uma facilidade única. Então o rei mandou trazer sete varas iguais às anteriores e disse: «Reúnam
em um feixe».
E a seguir deu a seus filhos para que tentassem romper. Mas nem um só foi capaz de
partir. E, com isso, acrescentou: «Como essas varas, assim será convosco, meus filhos. Enquanto
permaneceres unidos, ninguém poderá partir com facilidade. Mas, quando o laço da concórdia
estiver frouxo, devendo sempre estar ligado, quando semeardes a inimizade entre vós, estareis
perdidos; os inimigos poderão partir com a mesma facilidade com que partistes aquelas varas».
Os homens de boa intenção devem unir-se, para aplicar, com muito melhor proveito, os seus
esforços. Um velho ditado: «A união faz a força».
A vocação
Revista Arautos do Evangelho, Março/2016, n. 171, pp. 32 à 35:
Todos os homens são chamados a serem filhos de Deus, a louvá-Lo, reverenciá-Lo e
servi-Lo, e mediante isto salvar a alma, segundo a conhecida expressão de Santo Inácio de Loyola.
Mas cada qual realiza esta vocação geral seguindo uma via particular: a maior parte dos homens
exercendo uma profissão e formando uma família; outros, fazendo parte de uma comunidade
religiosa; outros, por fim, santificando os demais por meio da administração dos Sacramentos.
Quando a pessoa corresponde a esse chamado, produz-se uma união entre o humano e o
divino, entre o tempo e a eternidade, entre a criatura e o Criador. É através da vocação específica
de cada um que Deus entra em diálogo com o escolhido, dando-lhe oportunidade de traçar um
projeto de vida orientado ao seu próprio bem e ao do conjunto do qual faz parte. Por meio da
vocação o homem colabora, de alguma maneira, na construção do Reino de Deus no mundo.
O Messias começa sua vida pública chamando pessoalmente Pedro e André, seus
primeiros discípulos: “Vinde após Mim e vos farei pescadores de homens” (Mt 4, 19). Passando
adiante, chama também Tiago e João (cf. Mt 4, 20). E no dia seguinte encontra Filipe e diz-lhe:
“Segue-Me” (cf. Jo 1, 43).
A resposta afirmativa a esse chamado vem acompanhada de uma garantia eterna: “Se
queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu.
Depois, vem e segue-Me” (Mt 19, 21) – disse Jesus ao moço rico.
A vocação é, portanto, expressão da bondade divina. O fato de recebermos uma missão
particular é sinal de predileção, uma garantia de não termos sido criados “por acaso”, do zelo de
Deus por nós e do seu desejo de salvar-nos.
“A vocação é, antes de tudo, dom de Deus: não se trata de escolher, mas de ser escolhido;
é resposta a um amor que precede e acompanha. Para quem se torna dócil à vontade do Senhor, a
vida se torna um bem recebido que tende, por natureza, a se transformar em oferta e dom”.20
Devemos responder generosamente ao chamado de Deus, com a certeza de estar realizando um
ato liberador. “De fato, o dom de Deus não anula a liberdade do homem, antes a suscita,
desenvolve e exige”.21 É nesta adesão à vontade divina que se encontra a verdadeira felicidade.
As vocações jovens
José Miguel Cejas, Os Santos – pedras de escândalo, 1997, pp. 103-110:
A maior parte das contradições que os santos sofreram não foram promovidas pelos
grandes inimigos da fé, por política sectários ou por dirigentes de meios de comunicação anti-
cristãos, mas por pessoas muito mais próximas: com freqüência, por pessoas da própria família.
20
SÃO JOÃO PAULO II. Mensagem para o XXXVI Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 1/10/1998.
21
SÃO JOÃO PAULO. Pastores dabo vobis, n.2.
Isso não é de estranhar: os familiares de Cristo também não conseguiam entender o seu
comportamento. Julgais que vim trazer a paz?, disse Jesus aos seus discípulos. Não, digo-vos eu,
mas a separação; porque, de hoje em diante, haverá numa casa cinco pessoas, divididas três contra
duas e duas contra três; dividir-se-ão o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a
filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra (Lc 12, 51-53).
Estas palavras podem ser entendidas em toda a sua plenitude quando contemplamos as
tensões que costuma provocar no ambiente doméstico a entrega a Deus de alguém da própria
família. Essa entrega não significa uma ruptura no amor entre pais e filhos: Cristo não separa as
almas, não estabelece oposições, não coloca o primeiro mandamento (amar a Deus sobre todas as
coisas) contra o quarto (amar os pais). O que fica patente numa pessoa que se entrega a Deus é
uma hierarquia no coração: com a sua decisão, essa pessoa manifesta que o amor a Deus deve
antepor-se a tudo, em coerência com o ensinamento constante da Igreja, fiel aos ensinamentos de
Cristo: "Deve-se honrar os pais" - recordava Santo Agostinho "mas a Deus deve-se obedecer".22
A formulação evangélica não deixa lugar a dúvidas: Aquele que ama o seu pai ou a sua mãe mais
do que a mim não é digno de mim; aquele que ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim
não é digno de mim (Mt 10, 37).
Neste aspecto, os santos tiveram que enfrentar sérias oposições, como tantos outros
milhares de pessoas que se entregaram a Deus nestes vinte séculos de cristianismo. "Quando a
minha mãe soube da minha resolução [de fazer-se monge]" - escreveu São João Crisóstomo
tomou-me pela mão, levou-me ao seu quarto e, fazendo-me sentar junto à cama onde me havia
dado o ser, desatou a chorar e a dizer-me coisas mais amargas que o seu pranto". A sua mãe,
viúva, foi-lhe recordando tudo o que havia feito por ele desde o seu nascimento; e pediu-lhe, entre
lágrimas, que não a abandonasse na velhice, deixando-a viúva pela segunda vez. "Espera até o
fim dos meus dias - dizia-lhe Antusa "e quando me tiveres entregado à terra e me tiveres colocado
junto dos ossos do teu pai, poderás então dispor da tua vida [...]. Não te faltei em nada..."23
Naquela ocasião, João tinha 23 anos e cedeu. Só as palavras de um amigo o levaram mais
tarde a seguir a ia vocação. Se tivesse seguido o conselho materno, talvez não chegássemos a ter
um São João Crisóstomo.
Uma senhora de Siena, Lapa di Puccio di Piagente, preferiu as ameaças às lágrimas. "Tu
te casarás ainda que se rompa o teu coração!", disse à sua filha Catarina, quando esta lhe
comunicou, aos dezessete anos, que decidira entregar-se a Deus no celibato, sem sair do próprio
lar. "Não te deixaremos em paz" - sentenciou Monna Lapa - "até que faças o que te mandamos".
Mas Santa Catarina de Sena permaneceu irredutível ante a pressão familiar: "Nisso jamais
obedecerei à vossa vontade; tenho que obedecer a Deus antes que aos homens. Se quereis ter-me
em casa nestas condições, deixai-me ficar como criada; farei com alegria tudo o que boamente
puder fazer por vós. Mas se me mandardes embora por haver tomado esta resolução, sabei que
isso de maneira nenhuma mudará o meu coração".
O seu pai, ao ouvi-la, apoiou a sua decisão: "A partir de hoje, ninguém perturbará esta
minha filha querida nem se atreverá a levantar obstáculos no seu caminho. Deixai-a servir o seu
Esposo com inteira liberdade e que reze diligentemente por nós. Nunca poderíamos arranjar-lhe
um casamento tão honroso. Portanto, não nos queixemos por termos, em vez de um mortal, o
Deus imortal feito homem".
Cumpriam-se à letra as palavras do Evangelho: a mãe contra a filha... A partir daquele
dia, vendo que nem sequer o marido estava do seu lado, Monna Lapa suportou, entre mil protestos,
a decisão de Catarina de permanecer solteira, e aceitou arreganhando os dentes as suas
22
Santo Agostinho, Sermo 100, 2. A Igreja ensina que não é verdadeira piedade filial a que leva a não
seguir a vocação, a não corresponder ao chamamento de Deus. "Dai a cada um o que é seu" - dizia Santo
Agostinho "de acordo com uma escala de obrigações; não subordineis o anterior ao posterior. Amai os
pais, mas colocai Deus antes dos pais".
23
Cf. São João Crisóstomo, Sobre o sacerdócio em Obras de San Juan Crisóstomo, vol. I, BAC, Madrid,
1958, pp. 608-609
mortificações, o seu desprendimento, as suas esmolas, a sua dedicação aos doentes... Mas
explodiu de cólera quando começaram as inevitáveis maledicências que sempre acompanharam
os santos. Quem mais difamava Catarina era curiosamente, uma das doentes que ela atendia com
mais sacrifício, uma cancerosa de língua viperina. Aquilo foi a gota que encheu a taça do orgulho
ferido de Monna Lapa: "Se não deixares de cuidar dela - ameaçou se eu vier a saber que estiveste
perto do lugar onde ela mora, nunca mais voltarei a chamar-te filha".
Não foi essa a única oposição que a jovem Santa teve de enfrentar. Na sua breve vida,
foram-se sucedendo calúnias infamantes [...], ciúmes de mulheres piedosas, ceticismo de frades
e sacerdotes, opiniões dos doutos que se pronunciavam sobre a ignorância da filha do tintureiro".24
Muito poucos anos depois, aquela jovem conseguiu encerrar um dos capítulos mais tristes
e dolorosos da história da Igreja: fez com que o Papa abandonasse definitivamente Avinhão e
regressasse a Roma. A sua mãe, comovida, foi testemunha da exaltação da filha na procissão
solene das suas relíquias organizada em Siena na primavera de 1383.25
Mariana Eymard que, com angústia profunda, pressentia aquela próxima partida pela
festa da Assunção, conseguiu arrancar uma semi-confissão ao seu mano, que lhe disse ser
provável fazer-se missionário.
Julgando que falava das missões diocesanas, ela correu a Grenoble, a suplicar de joelhos
ao sr. Bispo que não lhe tirasse o irmão. O Bispo respondeu: 'Não sou eu que lhe imponho esta
separação, minha filha, mas Deus, que o chama ao estado religioso. Agi com vosso irmão, como
um pai com seu filho. Experimentei-o por longo tempo, tentei muitas maneiras de o fazer desistir
de sua idéia. Ofereci-lhe até cargos honoríficos e vantajosos: minhas promessas, resistências e
recusas não o demoveram. Encontro-me, portanto, como um pai em relação a uma filha que deseja
casar-se, a todo custo: para não vê-la comprometer a saúde, é preciso deixá-la partir'.
O Bispo escrevera ao Pe. Eymard avisando que já estava designado seu sucessor.
Chegaria este a Monteynard à noite de domingo, 18 de agosto.
24
A. Morta, Introdução a Obras de Santa Catarina de Siena, BAC, Madrid, 1955, p. 28.
25
J. Pérez de Urbel, Año Cristiano, vol. II, pp. 227-240.
26
J. Pérez de Urbel, Año Cristiano, vol. II, pp. 178-179, e H Coünnier, San Francisco de Sales.
A carta foi entregue na ausência da irmã. Sem perda de tempo, tomou então o Beato todas
as medidas necessárias para partir, o mais ocultamente possível. O carregador veio de noite buscar
sua maleta, escondida no jardim; e no dia seguinte, que era domingo, por volta do meio dia, saiu
passando por detrás das casas e afastou-se rapidamente sem que ninguém o percebesse. Os
habitantes da aldeia, terminada a Missa do dia, tinham-se reunido em torno de um pequeno
tocador de viola, a quem o Pároco (São Pedro Julião Eymard), com santa indústria, dera algum
dinheiro aconselhando-o a tocar por muito tempo, a fim de desviar a atenção dos paroquianos. E
aquela boa gente se distraía descuidadamente sem saber que o Padre tão estimado de todos, os
deixava para sempre.
Caminhava a pé, para alcançar a carruagem que o esperava a certa distância da localidade,
quando inesperadamente encontrou na estrada a irmã, que regressava a toda pressa de Grenoble.
Ao vê-lo, Mariana sentiu-se desconcertada e, fixando nele um olhar cheio da mais viva ternura, e
dor profunda, disse: 'Sei tudo, meu irmão, e não te peço senão uma graça: Concede-me um dia
mais, um dia só!' — 'Se te conceder ainda um dia, querida irmã, minha vocação estará perdida
para a eternidade. Deus me chama hoje. Amanhã seria demasiado tarde!'
A pobrezinha vacila sob o peso da amargura que a oprime e cai nos braços das pessoas
que a acompanham. À vista disto o Sacerdote empalidece e a comoção o invade. Fazendo, porém,
um esforço sobre-humano, volta rapidamente a cabeça para não presenciar mais aquela cena
angustiante, e afasta-se antes que os presentes, mudos de estupefação, tenham tempo de se refazer.
[...]
«Toda pessoa que tenha conhecido o coração tão bom e tão amoroso do santo Sacerdote,
e sua extrema sensibilidade — são palavras do Pe. Mayet — convencer-se-á de que lhe foi
necessária uma graça poderosa e uma heróica correspondência para dar um tal golpe. Ele mesmo
confessava mais tarde que, rompendo aquele último laço de família que lhe restava na terra e
abandonando aquela irmã tão cara e estremosa que sempre lhe servira de mãe, sua alma sentira
um profundo pesar e só a custo pudera alcançar a carruagem».
J. M. S. Daurignac, Santo Inácio de Loiola, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1958, pp. 1ll, 112,
114, 116, 117, 135, 136, 145 a 149, 176, 177:
Pouco depois, D. Peralto, D. Amatore e D. João de Castro, vendiam tudo o que possuíam,
davam o produto aos pobres, declaravam-se discípulos do estudante mendigo que ninguém
conhecia, abraçavam a pobreza voluntária, o desprendimento evangélico em todo o seu rigor,
cobriam-se de roupas miseráveis e iam partilhar com o seu santo mestre o alojamento dos pobres
no hospital dos peregrinos.
Os seus amigos e parentes que se achavam em Paris empregaram, para os afastar deste
caminho, todos os meios sugeridos pela amizade, pela cólera ou pelo orgulho; os jovens
convertidos resistiram às suas ameaças, como tinham resistido já às instâncias da sua ternura;
nada conseguiu abalar a sua resolução. [...]
Entretanto, os parentes e amigos dos discípulos do nosso Santo renovavam, sempre sem
resultado, as suas tentativas, para os afastarem do caminho em que tinham entrado. A inutilidade
dos seus esforços determinou-os a adotarem de combinação o meio mais eficaz.
Uma manhã, ao romper da aurora, apresenta-se a força armada, leva os três jovens e
entrega-os a suas famílias. Submetem-nos a um interrogatório na esperança de que as suas
respostas dêem motivo para acusar o seu mestre; mas os jovens falam de Inácio com a mais
profunda veneração e a mais viva ternura. Não importa! O inferno, que já treme só ao ouvir
pronunciar o nome de Inácio, saberá inspirar aqueles de que se serviu para lhe arrebatar os seus
discípulos. [...]
As pessoas que lhe tinham arrancado os seus três discípulos, fizeram uma queixa em
forma ao Inquisidor-mor, Mateus Ori, Prior dos Jacobinos (Dominicanos). Acusavam Inácio de
perverter a juventude das escolas e exercer sobre ela uma influência que só podia ter origem na
magia.
Mateus Ori chamou o culpado ao seu tribunal; mas Inácio não se achava em Paris naquele
momento, e, daí, uma multidão de suposições, que, por absurdas, não convenciam ninguém.
— Inácio estava ralado de remorsos, — diziam uns — e fugiu para se subtrair à fogueira.
— Toda aquela aparência de santidade, — diziam outros — se esvaiu como fumo; vendo-
se prestes a ser desmascarado, fugiu para não ser enforcado.
— Isso prova, — acrescentavam aqueles que se tinham na conta de prudentes e
moderados — que se deve sempre desconfiar da exageração e tê-la por muito perigosa.
O amigo a quem o nosso Santo confiara as razões porque partia, escre-veu-lhe
imediatamente e enviou-lhe um mensageiro. Este encontrou o Santo numa praça pública em
Rouen e entregou-lhe a carta.
Chegando a Paris, não pára em parte alguma; coberto da poeira do caminho, apresenta-se
diante de Mateus Ori; diz onde e como recebeu a notícia das acusações que lhe fazem, e
acrescenta:
— Aqui estou à disposição de Vossa Reverência, pronto a responder a tudo que julgue
dever perguntar-me, pronto a submeter-me a tudo o que quiser. Peço a Vossa Reverência apenas
uma coisa; é que me permita seguir o curso de filosofia, que começa no dia de São Remígio.
Durante as férias que seguiram a conversão, (São Francisco) Xavier fez os Exercícios
Espirituais. [...]
O inferno havia disputado por longo tempo esta conquista ao nosso herói para lhe deixar
gozar em paz os frutos da vitória.
Miguel Navarro, estudante espanhol, estimava o jovem senhor Xavier, como o estimavam
todos aqueles que o conheciam, e a este sentimento muito real, ajuntava-se um interesse pessoal:
Miguel era pobre e D. Francisco pagava todas as suas dívidas e acudia-lhe às necessidades.
Tendo Miguel conhecido desde alguns meses o ascendente que Inácio tomou sobre o
jovem professor, assestou todas as suas baterias para perder o nosso Santo no espírito de Francisco
Xavier; mas este, conhecendo-lhe os fins, repeliu com energia as tramas da calúnia e impôs
silêncio a Miguel, o qual, vendo aproximar-se o momento em que Xavier terminaria por abraçar
a pobreza voluntária, tomou uma resolução violenta e desesperada.
Inácio de Loyola habitava só o quarto dos três amigos durante a ausência de Fabro e o
retiro de Xavier. Miguel, julgando favorável o momento, dirigiu-se no meio da noite ao colégio
Santa Bárbara; lançou uma escada de corda ao muro, pegado ao aposento onde estava situado o
quarto do santo apóstolo, e, subindo pela corda, com uma navalha aberta na mão, ia entrar pela
janela, quando ouviu uma voz formidável, terrível como um juízo divino, exclamar no meio do
silêncio e da obscuridade da noite:
— Onde vais, desgraçado? Que queres fazer?
Trêmulo, espantado, respirando a custo, o culpado precipita-se sobre a janela, empurra-a,
abre-a, entra no quarto e vai lançar-se aos pés de Inácio de Loyola, que naquele momento estava
em oração, e confessa-lhe o seu crime, para o qual solicita e obtém perdão.
Miguel, que não tinha cúmplice nem confidente, não duvidou um instante da intervenção
divina em favor do apóstolo: o seu arrependimento era, pois, sincero. Veremos se foi duradouro.
[...]
Acusações caluniosas contra o Santo: associação secreta, seita em formação, religião nova...
Sentiu reviver o seu ódio quando descobriu um laço secreto entre os dois Santos
Esta resposta não agradou a Miguel Navarro, o mais ardente denunciante de Inácio.
Miguel, abatido por um momento pelo acontecimento sobrenatural que o tinha impedido
de realizar o seu projeto criminoso contra a vida do santo apóstolo, sentiu reviver todo o seu ódio
quando descobriu a existência dum laço secreto entre D. Francisco e Inácio de Loyola; e, quando
teve conhecimento das freqüentes reuniões, tão recomendadas aos seus discípulos pelo nosso
Santo, prometeu a si mesmo empregar todos os esforços para perder aquele a quem o Céu o havia
forçado a poupar a vida. Insistiu, pois, com o Inquisidor e acrescentou:
— Meu Reverendo Padre, conhece o livrinho de que se serve Ínigo de Loyola para seduzir
a juventude?
— Não; que livro é esse?
— Ah! aí é que está o grande mistério! Ele não o comunica senão àqueles que querem
escutar os seus discursos. Para isso, faz desaparecer o seu homem, encerra-o — Deus sabe onde!
— com esse pequeno livro, e ao cabo dum mês, pouco mais ou menos, o recluso reaparece. Mas
está tão mudado que ninguém o reconhece, e algum tempo depois vai encerrar-se provavelmente
num convento da nova seita. Meu Padre, Vossa Reverência deve compreender que este livro é
para nós motivo de inquietação. Se é ortodoxo, por que o oculta e só dá conhecimento dele aos
iniciados? Se o não é, por que o deixa a Inquisição nas mãos daquele que o emprega para seduzir
e perder as almas?
— Repito, — replicou o Inquisidor levantando-se — tenho a doutrina de D. Ínigo por
muito conforme à da Igreja. Quanto à associação de que me fala e ao livro cujo perigo o preocupa,
tomarei informações.
Miguel e o seu cúmplice retiraram-se descontentes das disposições de Mateus Ori.
Tinham pouca confiança no resultado das informações e teriam preferido que o Inquisidor
procedesse doutra maneira, e ordenasse provisoriamente a captura do nosso Santo. [...]
O nosso Santo [...] soube que o Inquisidor mandou tirar informações sobre a sua pessoa,
as suas ações e a sua doutrina; dizia-se que novas acusações feitas contra ele motivavam estas
medidas.
Meus amigos, — disse ele logo aos seus discípulos — fui denunciado como herético,
sectário, corruptor da juventude em matéria de fé... Se partir, não se deixará de dizer que quero
subtrair-me pela fuga ao exame da minha doutrina e dos meus atos: prefiro, pois, antes de me
afastar, adotar todas as providências possíveis, não só para vós durante a minha ausência, mas
para todos nós no futuro.
Dirigiu-se em seguida à casa do Inquisidor e disse-lhe com uma santa dignidade:
— Reverendo Padre, sei que me denunciaram como herético. Aqui estou para responder
a todos os pontos de doutrina sobre que apraza a Vossa Reverência interrogar-me, e pronto a fazer
uma profissão de fé, como Vossa Reverência a quiser formular. Deixei-me acusar, prender,
acorrentar em Alcalá e Salamanca, sem me dar ao cuidado de me justificar, porque era eu o único
comprometido e pouco me importava com a minha pessoa. Mas hoje não se trata só de mim; tenho
amigos, associados, todos homens de grande valor e de eminente virtude, que se destinam, como
eu, às funções apostólicas. Ora, importa que a reputação dos ministros do Evangelho seja pura de
toda a mancha de heresia.
Examinado pelo Inquisidor, recebe plena aprovação o livro dos Exercícios Espirituais
— Não fiz caso algum das acusações que lhe assacaram; — lhe respondeu Mateus Ori —
sei o que devo pensar sobre a pureza da sua fé; tomam-se informações com o único fim de
confundir os seus caluniadores. Peço-lhe apenas que me deixe ver um livrinho com que eles fazem
muito barulho e que dizem que o senhor oculta a todas as pessoas, menos aos seus discípulos.
— Aqui está, Padre, — disse Inácio, apresentando-Ihe o livro dos Exercícios Espirituais.
Muito me obsequeia se quiser ter o incômodo de o examinar.
Alguns dias depois, o Inquisidor pediu ao nosso herói que lhe concedesse licença para
copiar o livro:
— Peço-o, — acrescentou ele — para que me possa servir para meu bem espiritual e para
o das almas que dirijo.
— Consinto nisso da melhor vontade, — lhe respondeu o Santo — satisfeito por poder
provar a Vossa Reverência que estou longe de querer fazer segredo dele, como se afirma.
Mas esta aprovação era insuficiente para Inácio de Loyola; era-Ihe necessário um
documento formal, duma autenticidade irrecusável, que pudesse apresentar, no caso de
necessidade. Depois do Inquisidor ter já o livro copiado, o Santo apresentou-se-lhe de novo,
acompanhado dum escrivão e de três doutores da Sorbona:
— Reverendo Padre, — lhe disse ele — venho pedir-lhe que me dê um documento
declarando formalmente que fui caluniado em todas as acusações de que fui objeto; que Vossa
Reverência não encontrou nada de repreensível na minha fé e que o livro dos Exercícios
Espirituais é perfeitamente ortodoxo. O tabelião que está presente escreverá esse documento, e
peço a Vossa Reverência que o assine e que também o assinem os doutores que fizeram o favor
de vir comigo.
O Inquisidor fez o que desejava o santo apóstolo e foi mais longe ainda; porque juntou à
sua declaração o mais completo elogio daquele que venerava como Santo. A humildade de Inácio
ficou humilhada; mas, apesar das suas instâncias, não pôde obter um testemunho menos favorável
acerca da sua santa vida. [...]
Culto (do latim «cultus», «colere» honrar) — Acto religioso que consiste em
tributarmos homenagens, quer a Deus, quer a certas criaturas.
Culto de latria (do grego «latreia», adoração) — É o nome do culto oferecido a
Deus, culto de latria ou de adoração, pois estes dois vocábulos têm idêntica significação,
como se vê pela etimologia.
Culto de dulia (do grego «duleia», servidão) — É o culto que prestamos às
criaturas, aos servos de Deus: Anjos ou Santos.
Culto de hiperdulia (grego «uper», acima, «duleia») — Culto mais elevado que
o dos anjos e dos santos, inferior, porém, ao de latria. É o nome do culto da Santíssima
Virgem.
Culto à Santíssima Virgem
(D. GREGORIO ALASTRUEY, Tratado de la Virgen Santísima, BAC, Madrid, 1956, pp. 723-724):
Questão 3. Se, além de Cristo e de Maria, outros podem ser chamados mediadores.
É indubitável que, fora de Cristo e de Maria, ninguém pode ser mediador na reconciliação
de Deus e os homens, cooperando na redenção objetiva, com a qual se aplaca a Deus ofendido e
se merecem as graças pelas quais os homens retornam à amizade divina; porém, ademais de
Cristo, perfeito mediador, e de Maria, podem ser chamados mediadores alguns outros, posto que,
pelo mérito, oração, poder ministerial, ou de algum outro modo, podem concorrer para a
dispensação das graças redentoras aos homens.
Assim, os bem-aventurados no Céu, os justos na terra e, em geral, os sacerdotes,
cooperam deste modo para a reconciliação dos homens com Deus, já que são realmente aptos
para mediar, porque estão unidos a Deus pela visão beatífica, ou pela graça santificante, ou
pelo carisma de um poder sobrenatural, e ademais unidos aos homens por benevolência, por
misericórdia ou por seus deveres ministeriais.
Contudo, esta mediação supõe a de Cristo e a de Maria, por cuja virtude existe e chega
até nós, e sem a qual não poderia existir.
Assim diz Santo Tomás «Só Cristo é Mediador perfeito de Deus e dos homens, posto que,
por sua morte, reconciliou o gênero humano com Deus. Pelo que, o Apóstolo quando disse:
Mediador de Deus e dos homens o homem Cristo Jesus, acrescenta: O qual se deu a si mesmo em
redenção por todos. Nada, entretanto, impede que alguns outros sejam chamados mediadores de
Deus e dos homens secundum quid, sempre que cooperam a unir os homens com Deus de uma
maneira dispositiva e ministerial» (3, q. 26, a. 1 ).
E Estio acrescenta: «Se em geral, se entende por mediador todo aquele que, de algum
modo, trata a causa de alguém junto de outro, para reconciliá-lo com ele ou conseguir algo
em seu favor, com súplica ou mérito, não há inconveniente em dizer que há muitos
intercessores e mediadores dos homens para com Deus no Céu e na terra» (In 3, Sent., d. 19,
§ 6)".
«Quando penso em ti, paizinho, penso naturalmente em Deus, pois me parece impossível
que haja alguém mais santo do que tu na terra. Sim, tu és, certamente, tão santo como o próprio
São Luís (rei de França), e preciso ainda repetir-te que eu te amo, como se tu ainda não o
soubesses. Oh, que orgulhosa estou de ser Rainha (apelido familiar da Santa)!... Espero merecer
sempre esse título. Jesus, o Rei do Céu, ao tomar-me para Si, não me tirou a meu santo Rei da
terra (Santa Teresinha, na intimidade, chamava 'Rei' a seu pai).»
«Oh! Não! Sempre, sempre, se meu querido pai estiver de acordo e não me achar por
demais indigna, eu continuarei sendo a Rainha do papai. Sim, continuarei sendo sempre tua
'Rainhazinha' e procurarei lavrar tua glória, tornando-me uma grande santa». (Carta de 31-7-1888)
Santa Teresinha: "Ousei tomar por relíquia a última lágrima de uma Santa..."
Frade expulsa o demônio com cabelos de São Vicente Ferrer, que guardava como relíquia
Fray Vicente Justiniano Antist, Vida de San Vicente Ferrer, In Biografía y Escritos de San Vicente Ferrer,
BAC, Madrid, 1956, pp. 182-183:
Uma vez em que o Santo raspou a barba e fez a tonsura, certo Frei Guillén recolheu parte
dos cabelos e os guardou como relíquias. E muito tempo depois, havendo em Mallorca uma
mulher endemoniada que descobria segredos e dava pena a muitos, tomou o frade os cabelos e,
envolvendo-os com um pano, com prazer ou pesar dela, atou-lhos no pescoço. Enfureceu-se o
demônio mais do que nunca, e atormentou a mulher duramente; e se lhe perguntavam porque a
maltratava tanto, respondia que também a ele atormentavam os cabelos de São Vicente. Por fim
teve que sair da mulher e deixá-la livre. Também ali, tiraram do Santo uma capinha, a qual, como
diz Ranzano, serviu para livrar muitas pessoas de suas enfermidades.
Cardeal vê-se curado depois de beber por um copo que São Bernardo utilizara
Uma paralítica fica curada ao comer das sobras do prato de Frei Isnardo
Do santo varão Frei Isnardo (sec. XIII), conta uma antiga vida dos Padres Dominicanos:
Gerardo de Frachet, Vida de los Frailes predicadores, in Santo Domingo de Guzmán visto por sus
contemporáneos, BAC, Madrid, 1947, p. 711:
No convento de Pavia viveu um piedoso e fervoroso varão, pregador muito eloqüente,
chamado Frei Isnardo (Beato Isnardo), por meio do qual Deus fez muitos milagres, confirmados
por testemunhas fiéis.
Uma paralítica que comeu das sobras que ele havia deixado sobre a mesa, curou-se
completamente.
Dom J. B. CHAUTARD, A Alma de todo Apostolado, Editora Coleção F.T.D., São Paulo, p. 118:
Joannes quidem signum fecit nullum (João na verdade não fez milagre algum — Jo., 10,
41). Sem fazer nenhum milagre, João Batista atraía as multidões. Bem fraca era a voz de São
Vianney para se fazer ouvida da multidão que em volta dele se apinhava e, sem embargo, se o
não ouviam, viam-no, viam uma custódia de Deus, e só essa vista subjugava e convertia os
assistentes.
Voltara de Ars um advogado. Como lhe perguntassem o que mais o tinha impressionado,
respondeu: «Vi Deus num homem».
O santo Cura d'Ars era acusado de hipócrita e vaidoso, por outros padres
Cónego Francis Trochu, O Cura d'Ars, Vozes, Petrópolis, 2a. ed., 1960, pp. 230, 231, 232 e 236:
No grande movimento que arrastava as multidões para Ars, bem pouco fez o clero. Aos
sacerdotes, ainda mesmo aos mais zelosos, parecia coisa estranha que se fosse consultar o cura de
uma paróquia de 200 almas! «Não é homem como os outros», repetia a voz popular.
Sem dúvida, nos primeiros tempos, os colegas julgaram com severidade sua conduta e
não viam em certas maneiras de agir mais do que o fruto duma originalidade afetada e sustentada
por vaidade. Qualificavam de extravagante o que na realidade, tendo em conta a intenção, não era
mais do que perfeição e santidade.
O P. Vianney pareceu sempre insensível às recriminações que não atingiam mais do que
a parte exterior: Desposara a pobreza e como S. Francisco de Assis e S. Bento Labre, trazia as
insígnias dessa virtude. Mas outros ataques, que foram para ele pesada cruz, teve de sofrer da
parte dos irmãos no sacerdócio.
Não passara horas amargas quando em Ars e nos povoados vizinhos a maledicência se
enfurecia contra a sua reputação de ministro do Senhor, ministro austero e casto? Agora tentavam
impedir as almas que se dirigiam para ele.
Seria desculpado na sua negligência (no vestir) se fosse um sacerdote sábio, desterrado
por amor ao estudo, naquele rincão desconhecido do mundo. Mas seus colegas tinham boa
memória: O Cura d'Ars era homem excelente, serviçal, zeloso, porém cursara teologia? Cinco
meses, a muito custo, em Santo Irineu de Lião: um conhecimento quase nulo da língua latina;
uma despedida na metade do curso; umas lições sem importância na casa paroquial de Ecully e
como fecho, a última paróquia da diocese. Pobre Cura d'Ars! E iam consultá-lo tantos ingênuos!
Que haveria de extraordinário na sua direção? Os mesmos conselhos — e inspirados por uma
experiência mais longa no governo das almas — não os tinham ao seu alcance nas respectivas
paróquias? «Não é mais perfeito do que nós», assim se permitia dizer um dia na presença da
senhora Cibeins um eclesiástico, falando do P. Vianney. O contínuo movimento para Ars, que já
tomava aparência de uma ininterrupta peregrinação, convertia-se verdadeiramente em pedra de
escândalo. Já era tempo de esclarecer aqueles simples de espírito. Era mister pois recorrer à
autoridade superior.
Assim aconteceu. Muitos sacerdotes proibiram a seus paroquianos, sob pena de ser-lhes
negada a absolvição, de irem a Ars. Outros fulminaram esta proibição do alto do púlpito. Alguns
tomaram da pena para fazer ver ao prelado, o novo perigo que ameaçava tantas almas.
Boulenger, Manual de Apologética, Livraria Apostolado da Imprensa – Porto, 2ª edição, 1950, pp. 191 e
192:
Etimológicamente, profecia (gr, prophétês; pro, antes e phêmi, digo) significa predição.
Como geralmente se entende, a profecia pode definir-se com S. TOMÁS, «a previsão certa e o
anúncio de coisas futuras, que não podem ser conhecidas pelas causas naturais».
Deus é omnisciente e nenhum segredo do futuro lhe é oculto. Conhece todos os
acontecimentos futuros, não só os futuros necessários, isto é, os que se podem prever pelo
conhecimento das suas causas, mas também os futuros livres, isto é, os que dependem da livre
determinação da vontade. Isto não nos deve causar estranheza, visto que a palavra presciência
aplicada a Deus, é termo impróprio, Deus não prevê, vê. — Por outra parte, Deus pode revelar-
nos o futuro como consta das provas que demonstram a possibilidade da revelação em geral. Com
efeito, uma vez provado que Deus pode ensinar ao homem verdades que este ignora, não vemos
que dificuldade haja em revelar-lhe o futuro.
Mons. Fransoni, Arcebispo de Turim, escreveu desde Lião uma carta a Dom Bosco. Esta
carta nunca chegou ao destinatário.
Pouco tempo depois, foi entregue ao Servo de Deus uma nota do mesmo arcebispo por
meio de um amigo, na qual o prelado lamentava a Dom Bosco o facto de não lhe ter respondido,
acrescentando que já não precisava de mais nenhum dos favores solicitados, pois já se tinha
dirigido a outras pessoas para fazer chegar a seu destino certas instruções.
Só alguns anos mais tarde é que Dom Bosco pôde conhecer esta nova prova de confiança
que lhe tinha feito o seu prelado.
Mas como se perdera a dita carta? Tinha sido reconhecida no posto de correios, aberta
e confiscada por ordem ministerial.
Dom Bosco, como não fazia ideia de semelhante carta, estava tranquilo quando, na noite
de quarta para quinta-feira – três dias antes do mandato de investigação contra ele –, teve um
sonho, que lhe foi de muito proveito. Eis aqui como ele mesmo o contou:
Narração do sonho
“Pareceu-me ver entrar na minha habitação uma quadrilha de ladrões que se apossaram
de minha pessoa e, depois de revistar todas as minhas cartas e [bulas] papais, vasculharam todos
os armários e remexeram todos os escritos. Então, um deles, com ar bondoso, disse-me:
“— Por que não retiraste do meio tal e tal escrito? Gostaríeis por acaso que descobrissem
aquelas cartas do Arcebispo, que vos poderiam proporcionar sérios desgostos a V.R. e a ele? E
aquelas outras [cartas] de Roma que estão meio esquecidas aqui – indicando o lugar –, e aquelas
outras que estão lá? Se tivésseis desaparecido com elas, ter-vos-íeis livrado de muitas moléstias!
Ao despertar…
27
HENRI JOLI, Psicologia dos Santos, op. cit., p. 36
“Ao fazer-se dia” – continuava Dom Bosco –, “contei este sonho à guisa de brincadeira,
que considerei um engenho da minha fantasia. Mas, apesar disso, pus em ordem algumas coisas
e retirei do meio alguns escritos, cuja leitura me poderia prejudicar.
“Tais escritos eram algumas cartas confidenciais, que na realidade não tinham nada a ver
com política nem com o governo. Mas os inimigos da Igreja poderiam considerar como delito
toda a instrução recebida do Papa ou do Arcebispo sobre o modo de conduzir os sacerdotes em
certas dúvidas de consciência.
“Portanto, quando começaram as comissões de investigação já tinha transladado para
outra parte tudo aquilo que pudesse dar margem à menor intromissão nossa em assuntos
políticos.”
A crise na Igreja
Soror Mariana de Jesus Torres (1563-1635)
Vida Admirable de la Rvda. Madre Mariana de Jesús Torres, Volume II, pp. 10-11:
No final do século XIX e até mesmo um pouco mais do que a metade do século XX, nesta
colónia, e na então República do Equador se transbordará as paixões e haverá uma total corrupção
dos costumes por reinado Satanás, principalmente que tenderão a corromper as crianças destes
tempos, dificilmente receberão o Sacramento do baptismo, Confirmação da mesma forma, o
sacramento da Penitência somente quando eles permanecerem nas escolas católicas, onde o diabo
fará todos os esforços para destruí-los utilizando das péssimas autoridades, a comunhão da mesma
forma.
Mas, ai! O quanto eu sinto por te manifestar de que haverá enormes e muitos sacrilégios
públicos e também ocultos, profanando a Sagrada Eucaristia. Quantas vezes neste tempo roubarão
as hóstias consagradas nas cidades, os inimigos de Jesus Cristo, instigados pelo diabo para
profanar as Espécies Eucarísticas! Meu Filho Santíssimo será jogado no chão e pisoteado por
solas impuras, mas este meu Mosteiro terá almas fiéis, ternas e fervorosas esposas que
desagravarão, com amorosa ternura, sofrendo por vê-lo tão odiado pelos seus ingratos irmãos, os
pecadores, que não parecem ter coração e, por isso, rezarão e farão grandes penitências de todas
as maneiras, alguns carregando a pesada cruz de enfermidades que seu Esposo enviará às suas
almas e desagravará de tantos crimes e sacrilégio cometidos no mundo.
Nessa época, o sacramento da Extrema Unção perderá, neste pobre país, o espírito cristão,
será pouco pedido e muitas pessoas vão morrer sem o receber, seja pelo desprezo da família, seja
pela ignorância dos doentes, mas também alguns por irem contra o espírito da Igreja Católica.
Instigados pelo maldito demónio, privando as almas de receberem inumeráveis graças, consolos
e força para dar o grande salto do tempo para a Eternidade, assim como também algumas pessoas
morrerão sem recebe-lo por justos e misteriosos castigos de Deus.
O sacramento do Matrimónio, que representa a união de Cristo com a Igreja, será atacado
e profanado ao máximo, porque o demónio entrará com suas leis iníquas, procurando extingui-lo,
facilitando a todos de viverem em pecado e propagando a geração de maus filhos e sem a bênção
da Igreja, que fará com que o espírito cristão decaia rapidamente, apagando assim a luz preciosa
da fé até chegar a uma quase total e geral corrupção dos costumes. Assim, unido à educação
secular, será motivo da diminuição das vocações sacerdotais e religiosas.
O sacramento da Ordem será mofado, oprimido e desprezado, porque nele oprimem e
desprestigiam a Igreja de Deus e ao próprio Deus, nos seus sacerdotes. Logo o demónio procurará
perseguir aos ministros do Senhor de todas as formas e trabalhará com cruel e sutil astúcia para
os desviar do espírito de sua vocação, muitas vezes fazendo caírem em vícios, acabando por
escandalizar o povo cristão, atraindo sobre todos os sacerdotes o ódio dos maus cristãos e dos
inimigos da Igreja Católica, Apostólica e Romana.
Com este aparente triunfo de Satanás atrairão grandes sofrimentos aos bons pastores da
Igreja e à excelente maioria dos bons sacerdotes.
Ó filha querida! Verás isto do Céu, onde já não poderás sofrer, mas sofrerão suas filhas e
sucessoras, essas queridas almas que já conheces e que aplacarão as iras Divinas recorrendo a
Mim, na invocação de Bom Sucesso, que cuja imagem minha, peço-te e mando fazer para o
consolo e apoio dos fiéis desse tempo em que, todavia, haverá grande devoção a Mim, que sou
Rainha da Igreja nas várias invocações, esta devoção será o para-raios entre a Justiça Divina e o
mundo prevaricador para impedir que se descarregue sobre esta culpável terra, o formidável
castigo que merece.
Um homem providencial
Soror Mariana de Jesus Torres (1563-1635)
Nova aparição da Santíssima Virgem do Bom Sucesso, à Madre Mariana de Jesus Torres, pp. 124-125:
Amargos tempos sobrevirão, nos quais, cegando na mesma claridade aqueles que
deviam defender em justiça os direitos da Igreja, sem temor servil nem respeito humano,
darão a mão aos inimigos da Igreja, para fazer o que eles querem.
Mas, ai do erro do sábio, do que governa a Igreja, do Pastor do redil que meu Filho
Santíssimo lhe confiou a seu cuidado!
Mas quando apareçam triunfantes, e quando a autoridade abuse dela, cometendo
injustiças e oprimindo os fracos, próxima está sua ruína; cairá "desplomada" pelo solo.
E alegre e triunfante, qual terna menina, ressurgirá a Igreja, e dormirá
brandamente embalada em mãos de hábil coração materno, do filho eleito mui querido
daqueles tempos...
... ao qual meu Filho Santíssimo e Eu encheremos de graças e dons mui
particulares; o faremos grande na terra e muito mais no Céu, onde lhe temos reservado
um assento muito precioso.
Porque sem temor dos homens, combateu pela verdade, e defendeu impertérrito
os direitos de sua Igreja — pelo que bem o poderão chamar Mártir!
Os Apóstolos dos Últimos Tempos
O Reino de Maria
Santa Catarina de Siena (1347-1380)
J. Gonthier, Malédictions et Bénédictions, Recueil de Textes Prophétiques, Librairie du Carme, Paris, 1963,
p. 23:
Quando essas tribulações tiverem passados, Deus purificará a Santa Igreja de uma
tal forma que ultrapassa toda previsão humana, haverá depois dessas coisas, uma reforma
tão perfeita da Santa Igreja de Deus, uma tão feliz renovação dos santos pastores que,
pensando neles, meu espírito se estremece diante do Senhor.
As nações estrangeiras se converterão à Igreja do verdadeiro Pastor.