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AULA 16/17 PORTUGUÊS

REALISMO – EÇA DE QUEIRÓS


JOSÉ MARIA EÇA DE escritor remetia um folhetim ao definitivos. O Conselheiro
QUEIRÓS (1845-1900) jornal Diário de Notícias, Acácio, que é o formalismo
continuando o enredo. Também oficial: “Era alto, magro, vestido
Vida da primeira fase é Uma todo de preto,
Campanha Alegre, coletânea de com o pescoço entalado num
“Eu sou apenas um pobre seus artigos publicados em As colarinho direito. O rosto,
homem de Póvoa do Varzim.” Farpas — periódico de combate, aguçado no queixo, ia-se
Assim Eça de Queirós se que alargando até a calva, vasta e
apresentava. Em 1866, forma-se analisava e criticava Portugal em polida, um pouco amolgada no
em Direito, pela Universidade de todos os setores de atividade: alto. (…) Era muito pálido;
Coimbra. Exerce o cargo de política, educação, arte, nunca tirava as lunetas escuras.
advogado, influenciado pelo pai, literatura, (…) Fora, outrora, diretor-geral
que era juiz de direito. É simples saúde, finanças. do Ministério do Reino e sempre
espectador da Questão que dizia — El-Rei! erguia-se um
b)Segunda fase: de 1875 a 1888, pouco na cadeira. Os seus gestos
Coimbrã, ligando-se aos realistas quando Eça se integra na
em Lisboa, no grupo Cenáculo. eram medidos, mesmo a tomar
técnica realista (“Sobre a nudez rapé. Nunca usava palavras
Viaja, em 1869, para o Egito; forte da verdade, o manto
participa, em 1871, das triviais, não dizia vomitar, fazia
diáfano da fantasia”), e um gesto indicativo e empregava
Conferências do Cassino; vai aparecem os romances:
para Leiria, como administrador restituir.” Luísa, a heroína que se
do conselho. Em 1873, vai como entregara, durante a ausência do
cônsul para Havana; viaja pela marido, aos amores de um primo
• O Crime do Padre Amaro conquistador, Basílio, encarna o
América e, finalmente, segue
Este livro é o introdutor do papel da
para a Inglaterra e depois para a
romance realista em Portugal. A adúltera que sofre
França,
obra tem a desesperadamente. Juliana, a
onde, já casado, vem a falecer.
preocupação de fixar criada, que “personifica o
instantâneos da vida descontentamento azedo e o
Obras provinciana. A sociedade tédio da profissão”, possuía
leiriense é o cenário, com os cartas
serões comprometedoras da ama, e
a) Primeira fase: de 1866 a da Sra. Joaneira. Romance explorou plenamente a situação,
1875. Há apego romântico e malicioso, farto de observações pondo a patroa no trabalho e
fantasioso. Escreveu folhetins na agudas e belos quadros maltratando-a.
Gazeta de Portugal, depois psicológicos. O herói é o padre Eça declara: “A família lisboeta é
reunidos no volume Prosas Amaro, que mantém produto do namoro, reunião
Bárbaras. Ainda a essa fase relações íntimas com Amélia, e desagradável de egoísmos que se
pertencem O Mistério da Estrada depois a abandona. contradizem, e, mais tarde ou
de Sintra, romance mais cedo, são centros de
originalíssimo, escrito em bambochata. Uma sociedade
parceria com Ramalho Ortigão. • O Primo Basílio sobre estas falsas bases não está
Eça estava em Lisboa. Ramalho, na verdade: atacá-la é um
Análise da família burguesa.
em Liz. Durante dois meses, sem dever”.
Neste romance, Eça cria tipos
nenhum plano da obra, cada
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• O Mandarim condescendente. Em lugar do de caráter épico, parodia os
pessimismo, entra um otimismo romances históricos, à moda de
Romance de influência esperançoso. Abandonam-se os Herculano). No final do
orientalista. As lutas de esquemas naturalistas. romance, Gonçalo parte para a
consciência travadas em um Pertencem a essa fase os África em busca de fortuna,
homem que substitui o romances: viagem que significará sua
trabalho pelo enriquecimento redenção moral e, numa alegoria
inescrupuloso. ao antigo império português de
• Os Maias • A Ilustre Casa de Ramires ultramar, a renovação das
Romance de crítica social, último energias ancestrais do país.
da série pertencente à segunda Publicado em 1897, e de forma • A Cidade e as Serras
fase completa em 1900, o romance
do autor. É a história do amor confronta a realidade do século
incestuoso de Carlos da Maia XIX com o universo heroico e Publicado em 1901, um ano após
com sua irmã, Maria Eduarda, e, fantasioso dos romances da a morte do autor, A Cidade e as
ao mesmo tempo, uma ampla Idade Média. Desse contraste Serras é seu último romance,
crônica da alta sociedade surge, por um lado, a ironia e, desenvolvido a partir do conto
lisboeta. Se, em O Crime do por outro, o sentimento de amor “Civilização” (1892).
Padre Amaro (1875), Eça à terra, à gente e à paisagem Desencantado com a civilização
focalizou a vida devota da portuguesa. Em A Ilustre Casa urbana, Eça compõe um hino à
Província, e, em O Primo Basílio de Ramires ocorrem duas natureza e à vida rural. Como o
(1878), retratou a classe média da histórias paralelas: a primeira é a próprio título indica, a obra
Capital, com Os Maias (1888) o história central, ambientada no baseia-se em uma antítese,
escritor retrata a vida das altas século XIX, que focaliza os dividindo-se em duas partes. A
esferas da política, do governo, valores da aristocracia primeira, que vai até a
da aristocracia e dos literatos, em decadente, representada pelo metade do capítulo oitavo, narra
meio a jogos e festas. protagonista Gonçalo Mendes a
Ramires; a segunda é a novela vida de Jacinto em Paris. A
A terceira fase da obra de Eça de medieval, escrita por esse segunda,
Queirós, constitui uma profunda mesmo protagonista, que narra a que encerra a obra, relata a ida
reviravolta em alguns elementos vida de seu antepassado, de
importantes da fase anterior. Tructesindo. Temos assim uma Jacinto para o campo e seu
história dentro da outra. Ambas encontro
são narradas em terceira pessoa, com os ideais da vida rústica, o
c) Terceira fase: a partir de amor
por narradores oniscientes. As
1897. É considerada a fase de e a felicidade. Neste romance,
diferenças estão no
maturidade, em que Eça retorna Eça
comportamento dos dois
aos critica a elite portuguesa
personagens (o primeiro é
valores tradicionais portugueses. afrancesada e defende um
covarde e ganancioso, e o
Sua obra, agora, tem retorno às raízes e à cultura
segundo, heroico e honrado), no
preocupação lusitana.
tempo (século XIX e XII) e na
moral. A sátira corrosiva é A obra é estruturada de forma
linguagem das duas narrativas (a
substituída por uma ironia dialética. Semelhante a um
primeira é realista, e a segunda,
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silogismo, apresenta uma tese, a melancolia crescente que afeta viuvez! Ofereceu-se logo para a
antítese e a síntese. Primeiro, o sua saúde, Jacinto parte para o vir ver mais vezes, palrar um
protagonista Jacinto proclama a campo, indo viver em sua momento, pela manhã...”
vida na cidade como o propriedade na Serra de Tormes,
O fragmento a seguir foi extraído
suprassumo da civilização; em Portugal. Em contato com a
de O Primo Basílio, de Eça de
depois, passa a contestar o natureza e o trabalho Queirós. A protagonista da obra,
artificialismo da vida urbana, rural, ele recupera o antigo vigor Luísa, vítima do ócio e de uma
voltando-se para as delícias do e disposição. O amor de Joaninha educação desleixada, se deixa
campo. Por fim, a cidade e as completa o quadro de sua levar pela fantasia romântica da
serras se conciliam, e a felicidade. época e trai Jorge, seu
desinteressante marido, com
personagem usa as conquistas da Neste trecho de A Cidade e as
Basílio, conquistador medíocre.
civilização para melhor Serras, Jacinto e Zé Fernandes Que noite para Luísa! A cada
aproveitar a vida rural. O observam a cidade de Paris do momento acordava num
romance é narrado na primeira alto de uma colina. Essa visão sobressalto, abria os olhos na
pessoa por Zé Fernandes, amigo panorâmica encoraja Zé penumbra do quarto, e caia-lhe
íntimo de Jacinto. Trata-se de um Fernandes a falar sobre os males logo na alma, como uma punhalada,
narrador-testemunha, que da civilização urbana. aquele cuidado [preocupa ão]
pungente: Que havia de fazer?
apresenta os fatos segundo sua
Como havia de arranjar dinheiro?
ótica pessoal, ou seja, Seiscentos mil-réis! As suas joias
subjetivamente, de acordo com o Exercícios
valiam talvez duzentos mil-réis.
seu humor, sua simpatia ou 9. (MODELO ENEM) – Que Mas depois, que diria Jorge? Tinha
antipatia. A ação se passa no fragmento, formulado de modo as
período que vai de 1820 a 1893. bastante irônico pelo narrador, pratas... [a prataria da casa] Mas
O protagonista, Jacinto, tinha o serve de prenúncio para o era o mesmo! A noite estava quente,
adultério a ser cometido por e na sua inquietação a roupa
apelido de “Príncipe da Grã
Luísa, na obra O Primo Basílio, de escorregara; apenas lhe restava o
Ventura”, devido à sua riqueza, lençol sobre o corpo. Às vezes a
Eça de Queirós?
saúde e sorte. Vivendo em Paris, fadiga readormecia-a de um sono
no palacete número 202 da a) “Luísa desceu o véu branco, superficial, cortado de
Avenida Campos Elíseos e calçou devagar as luvas de peau sonhos muito vivos. Via montões de
convivendo com a alta classe de suède claras, deu duas libras reluzirem vagamente, maços
local, seu ideal de vida era pancadinhas fofas ao espelho na de notas agitarem-se brandamente
gravata de renda e abriu a porta no ar. Erguia-se, saltava para as
expresso na “equação
da sala.” agarrar, mas as libras começavam a
metafísica”: rolar como infinitas rodinhas sobre
b) “Foi abrir uma janela, dar uma
luz larga, mais clara. Sentaram- um chão liso, e as notas
suma ciência x suma potência = desapareciam, voando muito leves
se.”
suma felicidade com um frêmito de asas irônicas.
c) “Falava devagar, recostado,
com um ar íntimo, estendendo Ou então era alguém que entrava na
No entanto, decorrido algum sala, curvava-se respeitosamente, e
sobre o tapete, comodamente, os
tempo, ele começa a enfadar-se começava a tirar do chapéu, a
seus sapatos de verniz.”
de sua d) “— Mas tu, conta-me de ti — deixar-lhe cair no regaço libras,
vida repleta de luxo e riqueza, dizia ele com um sorriso, moedas de cinco mil-réis, peças
mas inclinado para ela. — És feliz, [moedas], muitas, muitas,
pobre de espírito. Atacado por tens um pequerrucho...” profusamente; não conhecia o
e) “Quatro semanas! Era uma homem (...). Seria o diabo? Que
uma
lhe importava? Estava rica, estava
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salva! Punha-se a chamar, português. murmuram através dos arames — o
a gritar por Juliana, a correr atrás a) O Realismo foi marcado por homem aparece como uma
dela, por um corredor que um forte espírito crítico e criatura anti-humana, sem beleza,
não findava, e que começava a assumiu uma atitude mais sem força, sem liberdade,
estreitar-se, a estreitar-se, até combativa diante dos problemas sem riso, sem sentimento, e
que era como uma fenda por onde sociais contemporâneos a ele. trazendo em si um espírito que é
ela se arrastava de esguelha b) O autor realista procurou passivo como um escravo ou
[de lado, obliquamente], respirando retratar com fidelidade a impudente2 como um histrião3...
mal, e apertando contra si psicologia da personagem, (Eça de Queirós, A Cidade e as
o montão de libras que lhe punha demonstrando um interesse Serras)
frialdades [sensações de frio] maior pelas fraquezas humanas e 1 – Balir: soltar balidos (som
de metal sobre a pele nua do peito. pelos dramas existenciais. emitido por ovelhas e cordeiros).
c) As preocupações psicológicas 2 – Impudente: sem pudor.
10. (MODELO ENEM) – Há da prosa de ficção realista 3 – Histrião: farsista.
prosopopeia em levaram o romancista a uma
a) “As suas joias valiam talvez conscientização do próprio “eu” 12. - Na frase “Todos,
duzentos mil-réis.” e intelectualmente, são carneiros”,
b) “A noite estava quente, e na à manifestação de sua mais há
sua inquietação a roupa profunda interioridade.
escorregara...” d) Em oposição à idealização a) personificação b) metáfora
c) “...mas as libras começaram a romântica, o escritor realista c) apóstrofe d) hipérbole
rolar como infinitas rodinhas procurou descobrir a verdade de e) ironia.
sobre um chão liso...” suas personagens,
d) “...e as notas desapareciam, dissecandolhes o
voando muito leves com um comportamento.
frêmito de asas irônicas.” e) O sentido de observação e
e) “...até que era como uma análise vigente no Realismo
fenda por onde ela se arrastava exigiu do escritor uma postura
de racional e crítica diante das
esguelha...” contradições do homem
enquanto ser social.

11. (UFV-MG) – “O Romantismo Texto para o teste 12.


era a apoteose do sentimento; o
Realismo é a Todos, intelectualmente, são
anatomia do caráter. É a crítica carneiros, trilhando o mesmo
do ghomem. É a arte que nos trilho, balando1 o mesmo balido,
pinta com o focinho pendido para
a nossos próprios olhos — para a poeira onde pisam, em fila, as
nos conhecermos, para que pegadas pisadas; e alguns são
saibamos se somos verdadeiros macacos, saltando no topo de
ou falsos, para condenar o que mastros vistosos, com esgares e
houver de mau na nossa cabriolas. Assim, meu Jacinto, na
sociedade.” (Eça de Queirós) cidade, nesta criação tão
O texto de Eça de Queirós reúne antinatural onde o solo é de pau e
alguns princípios básicos do feltro e alcatrão, e o carvão
Realismo. Entre as alternativas tapa o céu, e a gente vive acamada
abaixo, assinale a que não está nos prédios como o paninho
em conformidade com a nas lojas, e a claridade vem pelos
definição do romancista canos, e as mentiras se

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