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MODELAGEM CINÉTICA DA FERMENTAÇÃO ALCOÓLICA

EM DIFERENTES TEMPERATURAS A PARTIR DE DADOS


OBTIDOS POR ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO
MÉDIO

VELOSO IIK1, SONEGO JLS1, RODRIGUES KCS1 e BADINO AC1


1
Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química
E-mail para contato: ivanveloso.eq@gmail.com

RESUMO – No presente trabalho realizou-se fermentações em batelada nas


temperaturas de 26, 28, 30, 32 e 34 °C com levedura industrial Saccharomyces cerevisiae
Y-904 para estimar os parâmetros cinéticos do modelo de Andrews-Levenspiel. Os dados
experimentais de concentração de células (CX), substrato (CS) e etanol (CE) foram obtidos
utilizando a técnica de espectroscopia de infravermelho médio por transformada de
Fourier (FT-MIR). O modelo adotado foi adequado para descrever a cinética do
processo fermentativo na faixa de temperaturas estudadas e a variação dos parâmetros
cinéticos estimados com a temperatura foi condizente com informações que constam na
literatura. O método FT-MIR apresentou-se como ferramenta útil e rápida na
determinação das concentrações de CS, CE assim como CX.

1. INTRODUÇÃO
A modelagem matemática é amplamente utilizada no estudo da fermentação alcoólica.
Vários modelos cinéticos são encontrados na literatura, dentre os quais o modelo híbrido de
Andrews-Levenspiel, que considera as inibições por produto e substrato, vem sendo utilizado
e apresentando excelentes ajustes ao o processo fermentativo (Sonego et al., 2016). Segundo
Andrietta (1994), os parâmetros cinéticos comuns a diversos modelos variam por dependerem
do microrganismo e das condições experimentais. Na literatura existem poucos trabalhos
relacionados com a avaliação da temperatura sobre os parâmetros cinéticos de modelos que
descrevem o crescimento celular na fermentação alcoólica industrial, como o de Andrews-
Levenspiel. Logo, a obtenção de informações desse tipo serão de grande utilidade na análise da
fermentação alcoólica em diferentes temperaturas e condições de cultivo.

Para estimar os parâmetros de modelos cinéticos é necessário obter informações das


concentrações das espécies envolvidas no processo fermentativo. A espectroscopia de
infravermelho médio por transformada de Fourier (FT-MIR) vem sendo utilizada na obtenção
das concentrações de substrato (CS) e etanol (CE), como observado no trabalho de Rivera et al.
(2017). Porém, são poucos os trabalhos encontrados na literatura que utilizaram o FT-MIR para
obter dados de concentração celular (CX) e estimar parâmetros cinéticos.

De acordo com o exposto, o presente estudo teve como objetivo avaliar os parâmetros
cinéticos do modelo cinético de Andrews-Levenspiel em fermentações alcoólicas em diferentes
temperaturas utilizando dados de CX, CS e CE obtidos por FT-MIR.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Fermentação Alcoólica


Meio de cultivo e Microrganismo: O meio de cultivo utilizado nas fermentações foi
composto por (em g.L-1): sacarose (180,0), ureia (5,32), MgSO4.7H2O (1,40), extrato de
levedura (6,80), KH2PO4 (5,60). Ajustou-se o pH para 4,6 com HCl 1,0 M (Sonego et al., 2016).
O microrganismo utilizado foi a linhagem S. cerevisiae Y-904 produzida e comercializada para
o setor industrial de produção de etanol pela AB Brasil Indústria e Comércio de Alimentos Ltda.
A concentração celular inicial foi Cx0 = 15,0 g.L-1 (base seca).

Procedimento Experimental: Foram realizadas fermentações em duplicata em


Erlenmeyers de 500 mL contendo 200 mL de meio de cultivo, mantidos em incubador rotativo
(shaker) nas temperaturas de 26, 28, 30, 32 e 34 °C e agitação de 250 rpm. Amostras de 2 mL
foram retiradas a cada 1 h para quantificação das concentrações de células (CX), etanol (CE) e
substrato (CS), esta última definida como sendo a concentração de açúcares redutores totais
(ART: frutose + glicose).

2.2. Metodologias
Calibração do FT-MIR: As amostras retiradas foram submetidas à centrifugação a 9000
rpm e 4 °C por 10 minutos, separando as células do sobrenadante. O precipitado foi lavado por
2 vezes e seco em estufa a 80 °C por 24 h e em seguida pesou-se a massa do sedimento seco,
obtendo a concentração celular CX em g.L-1. Uma alíquota do sobrenadante foi diluída, filtrada
e submetida à cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) utilizando a coluna Sugar-Pak I
(300 x 6,5 mm, 10 𝜇m, Waters) a 80 °C. O restante do sobrenadante das amostras foi utilizado
para obtenção dos espectros FT-MIR empregando espectrofotômetro ReactIR 45m (Mettler-
Toledo AutoChem) equipado com sonda de imersão. A calibração foi feita utilizando o método
dos mínimos quadrados parciais (PLS). A região espectral de calibração (8000 a 11000 nm)
compreendeu as principais bandas de absorção dos analitos. Os modelos de calibração PLS
obtidos foram utilizados para a obtenção dos dados de CX, CS e CE.

Modelagem Matemática do Processo: Os balanços de massa para células (X), substrato


(S) e etanol (E) da fermentação em batelada com formação de produto associada ao crescimento
resultaram no seguinte sistema de equações diferenciais ordinárias:

dC X
  .C X (1)
dt

dC S 1
 . .C X (2)
dt YX / S

dC E YE / S
 . .C X (3)
dt YX / S
onde 𝜇 é a velocidade específica de crescimento celular (h-1), CS é a concentração de substrato
(gS.L-1), CE é a concentração de etanol (gE.L-1), CX é a concentração celular (gX.L-1), YX/S é o
coeficiente de rendimento de substrato a células (gX.gS-1) e YE/S é o coeficiente de rendimento
de substrato a etanol (gE.gS-1).
O modelo cinético utilizado foi o de Andrews-Levenspiel, dado pela Equação 4.
n
CS  CE 
   max . .1 
2 
 (4)
K S  CS  S  
C C E max
K IS

onde 𝜇max é a velocidade específica máxima de crescimento (h-1), KS é a constante de saturação


(gS.L-1), KIS é a constante de inibição pelo substrato (gS.L-1), CEmax é a concentração máxima de
etanol a partir da qual o crescimento celular é cessado (gE.L-1) e n é uma constante adimensional.

Ajuste do Modelo Cinético: Os parâmetros cinéticos foram estimados pelo método de


regressão não-linear de Nelder e Mead, juntamente com o algoritmo de Runge-Kutta para a
solução numérica das equações diferenciais que representaram o modelo. O critério utilizado
para otimização foi a minimização da soma dos quadrados dos resíduos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Figura 1 são apresentados os ajustes do modelo matemático aos dados dos
experimentos a 26, 28, 30, 32 e 34 °C.

(A) (B) (C)

(D) (E)
Figura 1 – Perfis de concentração simulados (⎼) e experimentais de substrato (●), etanol (▲) e
células (■) ao longo do tempo. (A) T=26 °C; (B) T=28 °C; (C) T=30 °C; (D) T=32 °C e (E)
T=34 °C. Os valores experimentais foram obtidos por FT-MIR e as linhas pontilhadas
representam o valor do erro médio quadrático de predição, confrontando os valores obtidos
por FT-MIR e CLAE.
Analisando a Figura 1 é possível observar que o modelo cinético mostrou-se adequado
para prever o comportamento do processo ao longo do tempo para as temperaturas estudadas.
Os parâmetros do modelo estimados para cada temperatura encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1 – Valores estimados dos parâmetros cinéticos do modelo de Andrews-Levenspiel
T (°C)  max (h-1) K S (g.L-1) K IS (g.L-1) C E max (g.L-1) n (-)
26 0,134 21,46 121,44 136,93 0,311
28 0,149 22,08 127,55 132,22 0,347
30 0,159 21,03 129,13 115,35 0,350
32 0,178 22,41 129,00 102,71 0,344
34 0,200 22,54 124,77 90,72 0,350

Observa-se na Tabela 1 que o valor de 𝜇max aumentou com a temperatura. O valor de


CEmax diminuiu com o aumento da temperatura, devido ao aumento da fluidez da membrana
celular, permitindo o transporte de substâncias tóxicas para o interior da célula, aumentando a
inibição pelo etanol. Segundo Rivera et al. (2017), a tendência de variação de 𝜇max com a
temperatura segue a relação exponencial de Arrhenius e KS é constante na faixa de temperatura
estudada. Os parâmetros n e KIS do modelo de Andrews-Levenspiel não apresentaram variações
significativas com a temperatura, podendo ser considerados constantes na faixa de temperatura
estudada. O valor de CEmax decresceu exponencialmente com a temperatura.

4. CONCLUSÃO
O modelo cinético de Andrews-Levenspiel foi adequado para prever o comportamento
do processo na faixa de temperatura estudada e as variações dos parâmetros cinéticos com a
temperatura condizem com as informações encontradas na literatura. A técnica FT-MIR
mostrou-se adequada para obtenção de CX, CS e CE durante as fermentações. Os resultados
obtidos permitirão a análise da fermentação alcoólica a partir de simulações do processo em
diferentes condições de temperatura e modos de operação (batelada, batelada alimentada e
contínuo).

5. AGRADECIMENTOS
Os autores agradem a CAPES, FAPESP (Proc. 2014/26854-9) e ao CNPq (Proc.
431460/2016-7) pelos apoios financeiros.

6. REFERÊNCIAS
ANDRIETTA SR. Modelagem, simulação e controle de fermentação alcoólica contínua em
escala industrial. Tese (Doutorado em Engenharia e Alimentos). Universidade Estadual
de Campinas, 197 p., 1994.
RIVERA EC, YAMAKAWA CK, SAAD MBW, ATALA DIP, AMBROSIO WB, BONOMI
A, JUNIOR JN, ROSSELL CEV. Effect of temperature on sugarcane ethanol
fermentation: Kinetic modeling and validation under very-high-gravity fermentation
conditions. Biochemical Engineering Journal, Elsevier B.V., v. 119, p. 42–51, 2017.
SONEGO JLS, LEMOS DA, PINTO CEM, CRUZ AJG, BADINO AC. Extractive Fed-Batch
Ethanol Fermentation with CO2 Stripping in a Bubble Column Bioreactor: Experiment
and Modeling. Energy and Fuels, v. 30, n. 1, p. 748–757, 2016.

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