Você está na página 1de 81

4

Os Lusíadas
de Luís de
Camões
Em destaque:

O autor, a sua época Canto X


e a sua obra t Tétis despede-se dos Portugueses
(estâncias 142 a 144)
Camões: elementos biográficos
t Lamentações, exortação
Os Lusíadas: uma visão geral; fontes
a D. Sebastião e referência a futuras
históricas e fontes literárias; estrutura
glórias (estâncias 145, 146, 154 a 156)
externa, estrutura interna, planos
temáticos, episódios
A mitologia Escrita
V Oficinas de escrita
Leitura t Escrever um texto expositivo
Os Lusíadas t Escrever para expressar opiniões
de Luís de Camões fundamentadas
Poema Épico t Escrever para argumentar

Canto I
t Proposição (estâncias 1 a 3) Oralidade
t Consílio dos Deuses no Olimpo t Falar para expor acontecimentos
(estâncias 19 a 41) t Falar para argumentar e contra-
Canto III -argumentar (debate)
t Inês de Castro (estâncias 118 a 135) t Escutar para apreender sentidos
globais e pormenores
Canto IV
t Despedidas de Belém (estâncias 84
a 93)
Gramática
Canto V t Classes de palavras
t Adamastor (estâncias 37 a 60) t Formação de palavras
Canto VI t Subordinação
t Tempestade e chegada à Índia t Funções sintáticas
(estâncias 70 a 94) t Tipos de sujeito
Canto IX t Lugar dos pronomes pessoais
t Ilha dos Amores átonos na frase
(parte I – estâncias 18 a 29)
t Ilha dos Amores (parte II – 75 a 84)
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

O autor, a sua época


e a sua obra
Camões: elementos biográficos
É o nome do mais célebre dos escritores Portugueses. Tendo vi-
vido quase isolado dos seus pares, nenhum deles em sua vida se lhe
refere e só depois da morte mereceu de um ou outro raro amigo uma
breve alusão, que, na ausência geral delas, atinge valor de preciosa.
É, todavia, possível, completando os documentos que lhe respeitam,
a ele ou à família, com seus escritos, tentar um esboço biográfico
sem grande perigo de erros fundamentais, se bem que deixando la-
cunas e sombras que já agora não há grande esperança de eliminar.

Impossível determinar a terra natal do Poeta. Lisboa? Coimbra?


A sua formação cultural, essa decorreu porventura em Coimbra,
cidade em que o tio crúzio D. Bento de Camões era chanceler da
Universidade e à qual o Poeta se refere na Canção «Vão as serenas
águas...». (…) A sua estada em Ceuta, de que fala o seu primeiro
biógrafo Pedro de Mariz, documenta-se com a elegia «Aquela que
O retrato de Camões por Fernão Gomes, em có- de amor descomedido», e à perda em combate de um dos olhos se
pia de Luís de Resende. Este é considerado o mais refere a Canção «Vinde cá, meu tão certo secretário».
autêntico retrato do Poeta, cujo original, que se per-
deu, foi pintado ainda em sua vida. Fora para Ceuta desterrado por «uns amores que, segundo di-
zem, tomou no Paço»? Não se sabe. (…) De regresso a Lisboa, de-
corre-lhe a vida na frequentação do Paço (…). Em tarde de procissão
do Corpo de Deus, em consequência de rixa com Gonçalo Borges,
que «tinha cárrego dos arreios do Rei», é preso no Tronco da cidade.
Uma carta de perdão publicada por Juromenha informa-nos de que
o ferido, que ficou sem aleijão nem deformidade, perdoou ao agres-
sor «toda justiça, dano, corregimento». O rei, por seu turno, lhe per-
doa, por essas razões e ainda porque «o suplicante é um mancebo e
pobre e me vai este ano (1553) servir à India...».

O ir servir o rei à Índia não é condição imposta, até porque seria


excessiva, dado que o agredido lhe perdoava: é espontânea resolu-
ção do Poeta, para mais facilmente obter o perdão, mas talvez ainda
mais para se libertar da vida que o não contenta. (…).

Na Índia o Poeta não foi feliz. Goa dececionou-o, «Babiló-


nia onde mana / matéria a quanto mal o mundo cria». Seus ver-
sos referem-se a excursões militares e, numa delas, no Cabo
Guardafu, escreve uma das suas mais belas Canções, Junto dum
seco, fero e estéril monte..., impressionante pela verdade do es-
tado subjetivo e dos traços rápidos mas precisos do cenário. São
ainda as suas composições que nos informam dos momentos de
grato convívio, como aquele em que, tendo oferecido uma ceia
a fidalgos seus amigos – João Lopes Leitão, Vasco de Ataíde,
Retrato de Camões, na prisão, em Goa, do século D. Francisco de Almeida e Heitor da Silveira – encontraram estes
XVI, autor desconhecido nos pratos graciosos versos por iguarias. (…)

152
O autor, a sua época e a sua obra 4
No regresso a Portugal (1569), encontrou-o Diogo do Cou-
to em Moçambique comendo de amigos, ao mesmo tempo
que ia trabalhando nos seus Lusíadas e no seu Parnaso – «li-
vro de muita erudição, doutrina e filosofia» que lhe foi rouba-
do, – «furto notável». Alude ainda à sua existência no Reino
no desconforto da pura pobreza, situação de que nos dá tes-
temunho igual o soneto que Diogo Bernardes lhe dedica na
1ª ed. das Rimas (1595). A epopeia, publicada em 1572, não
lha remediou notavelmente. A pensão de 15.000 réis, reno-
vável, concedida aos serviços passados e futuros e à «sufici-
ência que mostrou no livro que fez das coisas da Índia», além
de exígua comparada com as que, em data próxima, foram
concedidas a pessoas da família de João de Barros, era-lhe
paga com irregularidade (…). Era certeiro o fecho do soneto
de Bernardes: «Honrou a Pátria em tudo. lmiga sorte / a fez
com ele só ser encolhida / em prémio de estender dela a
memória».
Retrato de Luís de Camões pintado em Goa em 1581
Verbete «Camões, Luís Vaz de (1525?-1580)», in Jacinto do Prado Coelho (Dir.),
Dicionário de Literatura, Vol. 1, Porto, Figueirinhas, 1987
(Texto com supressões)

Os Lusíadas: uma visão geral


Os Lusíadas estão cheios da realidade moral da vida cole-
tiva, nacional e humana, daquele grande momento histórico,
como de vivências do homem de sempre. São o poema do
heroico esforço da Nação que acrescentou novos mundos
ao Mundo, mas são igualmente o poema do Homem na luta
contra as fatalidades que se opõem ao seu anseio de subme-
ter a natureza ao domínio da sua inteligência, quando lhe não
seja possível à supremacia da sua vontade. (…)

A ideia de cantar num poema épico toda a heroica ativida-


de do incomparável momento de Quinhentos pode dizer-se
que data do momento em que a cultura clássica nos familia-
riza com a da época latina e grega. (…)

A curiosidade de todos perante o Além-Mar é ansiosa e


nem um pormenor, das novidades que a excitavam, deixam
de transmitir à não menos ansiosa curiosidade do leitor. E o
confronto dos domínios alcançados pelos Portugueses, com
os limites atingidos na Antiguidade, compreende-se consti-
tuísse motivo de orgulho, a cada passo expresso nas páginas Rosto da primeira edição
dos cronistas, nas estrofes dos poetas, nas próprias alusões de Os Lusíadas (1572)
de cientistas como o Dr. Pedro Nunes, que ao júbilo das des- GUIA DO PROFESSOR
cobertas no planeta junta o das novas estrelas.
PowerPoint
Hernâni Cidade, Lições de cultura e literatura portuguesas, Vol. I, Coimbra, Vida e obra de Luís de
Coimbra Editora, 1968 Camões
Os Lusíadas – Resumo

153
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Os Lusíadas: fontes
Homem culto, a quem não faltava, como diz no Canto X, estância 154, verso 5,
«honesto estudo», Camões leu o que a informação histórica e a tradição literária
tinham para lhe oferecer para a construção de Os Lusíadas.

Fontes históricas
¤ Crónicas de cronistas como Fer- ¤ Roteiro da Primeira Viagem de ¤ Folhetos de Cordel que circula-
não Lopes, Rui de Pina, Gomes Vasco da Gama, o diário da via- vam relativos a naufrágios, para
Eanes de Zurara, João de Barros, gem escrito por Álvaro Velho, se documentar sobre estes de-
entre outros, para se documen- para se documentar sobre a via- sastres.
tar sobre a História de Portugal, gem de descoberta do caminho
tanto de Portugal continental marítimo para a Índia.
como do império ultramarino.

Crónica de D. João I de Fernão Lopes Fólio de Diário/Relação da Primeira Via- Folheto de Cordel (publicado em 1783)
gem de Vasco da Gama à Índia de Álvaro sobre o naufrágio do Galeão S. João,
Velho (atrib.), 1497-1499. Cópia de mea- nos recifes de coral da praia Xai Xai, em
dos do séc. XVI Moçambique

Fontes literárias
¤ Autores latinos: ¤ Autores italianos: ¤ Autores portugueses:
a Eneida de Virgílio e Orlando Furioso de Ariosto, 1. para o episódio de Inês de Castro: as «Tro-
as Metamorfoses de além de Petrarca e Boccacio. vas à Morte de Inês de Castro» de Garcia de
Ovídio. Resende;
2. para outros episódios: João de Barros e
Jorge Ferreira de Vasconcelos.

A Eneida de Virgílio Orlando Furioso de Ariosto Lyuro das obras de Garcia de Rese[n]de

Esquema elaborado a partir de Mário Fiúza, História Literária de Portugal


– Idade Média e Século XVI, Porto, Athena, s/d

154
O autor, a sua época e a sua obra 4
Características de Os Lusíadas
Estrutura externa
A obra está dividida em dez cantos, cada um
com um número variável de estâncias ou es-
trofes; o mais curto é o canto sétimo, com 87
estâncias, sendo o décimo o mais extenso, com
156.

As estâncias são oitavas, apresentando o


esquema rimático abababcc, rima cruzada nos
seis primeiros versos e emparelhada nos dois
últimos; os versos são de dez sílabas métricas,
acentuados na sexta e na décima sílabas, são
decassílabos ou versos decassilábicos heroicos:

Camões lendo Os Lusíadas, António Carneiro (1872–1930)

Sílabas
As ar mas e os ba rões as si na la dos 12
gramaticais
Sílabas
A sar mas eos ba rõe sa ssi na la 10
métricas
Sílabas
Por ma res nun ca de an tes na ve ga dos 12
gramaticais
Sílabas
Por ma res nun ca dean tes na ve ga 10
métricas

GUIA DO PROFESSOR
Estrutura interna
O poema divide-se em quatro partes, seguindo, de modo geral, os modelos das Animação
epopeias da Antiguidade Clássica e das renascentistas: Gramática – As rimas e o
esquema rimático em Os
Lusíadas

Proposição O Poeta indica o assunto que vai cantar: «o peito ilustre Lusitano», estância 3, ver-
Canto I, estâncias 1 a 3 so 5, isto é, os heróis Portugueses, a nobreza guerreira e os homens ilustres que
se notabilizaram pela grandiosidade dos seus feitos.
Invocação O Poeta pede inspiração a musas nacionais, as Tágides, ninfas do Tejo, para cantar
Canto I, estâncias 4-5 os feitos do «peito ilustre Lusitano».
Dedicatória O Poeta dedica o poema a D. Sebastião, que reinava em Portugal no ano da sua
Canto I, estâncias 6 a 18 publicação – 1572.
Narração Inicia-se in medias res, no meio da viagem, quando a armada se encontrava já no
Canto I, estâncias 19 e Oceano Índico.
seguintes

155
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Planos temáticos
São quatro:

Plano Narração da viagem de Lisboa a Calecute. EXEMPLOS


da Viagem A narração inicia-se no Canto I, estância 19, quando os Portugueses se Episódio da
encontram já no Oceano Índico, na costa de Moçambique – inicia-se, deste Tempestade, Canto
modo, in medias res, de acordo com o que sucedia nas epopeias da Antiguidade. VI, est. 70 a 79.
Este plano constitui a ação principal da narrativa.

Plano Nas epopeias da Antiguidade clássica a intervenção dos deuses nas ações Primeiro Consílio dos
dos Deuses humanas era uma constante. Do mesmo modo, em Os Lusíadas, os deuses Deuses, Canto I, est.
interferem na viagem dos Portugueses, ajudando-os ou prejudicando-os. 19 a 41.
O avanço da ação depende das intrigas dos deuses.
Este plano articula-se com o plano da viagem por alternância.

Plano da História Chegado a Melinde, a norte de Moçambique, Vasco da Gama narra ao rei desta Episódio de Inês de
de Portugal cidade a História de Portugal. Mas há outro narrador, Paulo da Gama, seu Castro, Canto III, est.
irmão, que conta a nossa História ao Samorim, já em Calecute, na Índia. 120 a 135.
A História do nosso país é ainda contada através de profecias, quando se trata
de acontecimentos que ocorreram depois de 1498.
Este plano constitui a ação secundária, ligado à ação principal por encaixe.

Plano das É frequente Camões, principalmente no final dos Cantos, apresentar opiniões Lamentações sobre a
considerações
do Poeta ou reflexões sobre a condição humana, sobre a situação política de Portugal, sua sorte e reflexões
sobre as injustiças de que se sente alvo. pessimistas sobre os
Portugueses, Canto
X, est. 145 e 146.

ATENÇÃO: dois ou mais planos podem coocorrer no mesmo episódio; por exemplo,
no episódio do «Adamastor», Canto V, estâncias 39 a 60, há referências a aconteci-
mentos da História de Portugal (profecias de naufrágios); além disso, o Adamastor
narra a sua vida e a relação com outras figuras mitológicas.

Enquadramento dos planos em Os Lusíadas

CANTOS I II III IV V VI VII VIII IX X

Proposição est. 1-3

Invocação est. 4-5


PARTES
Dedicatória est. 6-18
até
Narração est. 19 est. 144

da Viagem

dos Deuses
PLANOS
da História de
Portugal
das considera-
ções do Poeta
Nota: este esquema de cores aplicado aos vários planos temáticos aparecerá também nos Cantos de Os Lusíadas para permitir uma associação entre o
episódio em estudo e o plano temático em que se insere.

156
O autor, a sua época e a sua obra 4
Episódios
São narrativas curtas de factos reais ou imaginários que ocorrem durante a nar-
ração. Podem dividir-se em:

HISTÓRICOS MITOLÓGICOS
Narram acontecimentos da História de Portugal; por exem- Narram acontecimentos relativos à vida dos deuses da mi-
plo, o episódio da «Batalha de Aljubarrota», no Canto IV. tologia greco-romana; por exemplo, o primeiro Consílio dos
Deuses, no Canto I.

Batalha de Aljubarrota, pintura de Mestre Monte Olimpo, pintura de Miguel Ângelo na cúpula
Carlos Alberto Santos (1985) da Capela Sistina, Vaticano, em Roma

LÍRICOS SIMBÓLICOS
Predomina neles a referência a sentimentos como o amor; Contêm um simbolismo; como, por exemplo, o episódio do
por exemplo, o episódio de «Inês de Castro», no Canto III, ou «Adamastor», que simboliza os perigos que o homem en-
as «Despedidas de Belém», no Canto IV. frenta perante a natureza.

Súplica de Inês de Castro (s/d), Columbano Bordalo Adamastor, azulejo, no Palácio do Buçaco,
Pinheiro (1857–1929) de autoria de Jorge Colaço

NATURALISTAS
Descrevem fenómenos naturais, como ocorre no episódio da
«Tempestade Marítima», no Canto V.

Tempestade à entrada de Calais (1801), William Turner (1775-1851)

Quadro elaborado a partir de Mário Fiúza, História Literária de Portugal – Idade Média e Século XVI, Porto, Athena, s/d

157
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

O Nascimento de Vénus (1483), Sandro Botticelli (1445-1510)

A mitologia
A presença dos deuses nas epopeias da Antiguidade, em contínua interação com os huma-
nos, era uma constante em epopeias como a Ilíada, a Odisseia ou a Eneida.
Esta relação está bem presente em Os Lusíadas, pois imediatamente a seguir ao início da
narração (Canto I, est. 19) já os deuses se reúnem para decidir sobre a viagem dos Portugue-
ses (Canto I, est. 19 a 41 – primeiro Consílio dos Deuses no Olimpo).
Deste modo, os planos da viagem e dos deuses vão manter uma proximidade constante,
dependendo o sucesso ou os percalços da viagem das intervenções de deuses que apoiam os
Portugueses ou são seus inimigos.

BREVE QUADRO DA MITOLOGIA DE OS LUSÍADAS

O pai dos deuses. Preside ao Conselho (consí-


lio) dos deuses, no qual decide apoiar a viagem
JÚPITER dos Portugueses. Em Os Lusíadas aparece
também com os nomes de Padre (Canto I; est.
22, 38, 40 e 41) e Tonante (est. 20. VI; 78).

Deusa da beleza e do amor, mulher de Vulca-


no. No Consílio dos Deuses apoia os Portugue-
VÉNUS ses na sua viagem ao Oriente. Em Os Lusía-
das aparece também com o nome de Citereia
( Canto I; est. 34), entre outros.

158
O autor, a sua época e a sua obra 4

Deus da guerra. Estava apaixonado por Vénus.


Também apoia os Portugueses na sua viagem
MARTE
ao Oriente. Aparece ainda, em Os Lusíadas,
com o nome de Mavorte (Canto I; est. 41).

Deus do vinho, pai de Luso. Inimigo dos Por-


BACO tugueses, representa o conjunto de interesses
que no Oriente se lhes opõe.

Deus da medicina, da poesia, da música e das


APOLO
artes. Era o chefe das nove musas.

Deus do fogo. Conhecido pela sua fealdade, Vénus


VULCANO casou, no entanto, com ele. Fabricava os raios para
Júpiter.

Deus da eloquência, do comércio e dos ladrões.


MERCÚRIO
Era o mensageiro dos deuses.

Deus do mar. Representa-se normalmente com


NEPTUNO
um tridente na mão.

Divindade marinha que habita na superfície das


TÉTIS
águas. É a mais famosa de todas as Nereidas, filha
(Thetis)
de Nereu e de Dóris.

Divindade marinha que personifica a fecundidade


TÉTIS
feminina do mar. Filha de Urano e de Gaia, esposa
(Tethys)
do Oceano (Neptuno).

159
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

METAS

Os Lusíadas
Luís de Camões
Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos, Porto, Porto Editora, 2011
CANTO I

Viagem Viagem Viagem Viagem


PLANOS

Deuses Deuses Deuses

Considerações Considerações
do Poeta do Poeta

Início
Ilha de Ataque
Proposição da narração
Moçambique Traição traiçoeiro Ajuda Chegada
(1-3) (19)
(44) de Baco (86) de Vénus a Mombaça Reflexões sobre
Invocação Consílio (70-83) (100- 102) (103-104) a fragilidade
Visita do régulo Busca
dos Deuses do Homem
(4-6) (60-72) de Quíloa
(20-41) (105-106)
Dedicatória
(6-18)
Narrador de 3ª pessoa

Nota: As partes destacadas a azul correspondem ao texto de Os Lusíadas que vais estudar.

Resumo
GUIA DO PROFESSOR
O Poeta indica o assunto global da obra na Proposição, pede inspiração às
ninfas do Tejo na Invocação e dedica o poema ao rei D. Sebastião, na Dedica-
PowerPoint tória. A narração inicia-se in medias res, isto é, quando a armada já se encon-
Apresentação: Os Lusíadas tra no Oceano Índico, a meio da viagem entre Lisboa e a Índia, no momento
em que os deuses do Olimpo se reúnem em consílio convocado por Júpiter
para decidirem se os Portugueses deverão chegar à Índia.

Com o apoio de Vénus e Marte e apesar da oposição de Baco, a decisão é


favorável aos Portugueses que, entretanto, chegam à Ilha de Moçambique. Aí
Baco prepara-lhes várias ciladas que culminam com o fornecimento de um
piloto por ele instruído para os conduzir ao perigoso porto de Quíloa. Vénus in-
tervém, afastando a armada do perigo com «ventos contrairos» e fazendo-a
retomar o caminho em direção a Mombaça. No final do Canto, o Poeta reflete
sobre os perigos que em toda a parte espreitam o Homem (o «bicho da terra
tão pequeno»).

160
CANTO I · Proposição 4

Camões lendo Os Lusíadas


a D. Sebastião (s/d), António
Ramalho (1858-1916)

Proposição
1 3
As armas e os barões assinalados1 Cessem do sábio Grego e do Troiano7
Que, da Ocidental praia Lusitana2, As navegações grandes que fizeram;
Por mares nunca dantes navegados, Cale-se de Alexandro e de Trajano8
Passaram ainda além da Taprobana3, A fama das vitórias que tiveram;
Em perigos e guerras esforçados, Que eu canto o peito ilustre Lusitano9,
Mais do que prometia a força humana, A quem Neptuno e Marte obedeceram10.
E entre gente remota edificaram Cesse tudo o que a Musa antiga11 canta,
Novo Reino, que tanto sublimaram4; Que outro valor mais alto se alevanta.

2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas5
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte6.

1
fidalgos que se notabilizaram na guerra; 2 perífrase de Portugal; 3 Ilha de Ceilão, atual Sri Lanka, a sudeste da Índia; por associação
representa o Oriente; 4 a Índia e todas as descobertas e conquistas dos Portugueses no Oriente, o império que os Portugueses torna-
ram famoso, ilustre; 5 terras de religião não cristã; 6 o «engenho» é a capacidade de criação, inata; a «arte», o trabalho de aperfeiçoa-
mento, adquire-se pelo treino, pela repetição; 7 respetivamente Ulisses e Eneias; o primeiro é o herói da Odisseia, o segundo da Eneida;
8
respetivamente Alexandre Magno, o maior conquistador da Antiguidade, rei da Macedónia, e o imperador romano Trajano, notabiliza-
do pelas suas conquistas; o primeiro viveu no século IV a. C., o segundo nos séculos I e II da era cristã; 9 os Portugueses ilustres, nobres;
10
estes dois deuses representam o mar e a guerra, respetivamente; 11 a antiga poesia épica: a Ilíada e a Odisseia de Homero e a Eneida
de Virgílio; por associação, os grandes feitos dos Gregos e dos Romanos

161
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Leitura

GUIA DO PROFESSOR 1. Na Proposição, Camões apresenta de forma breve e sintética o assunto que vai de-
Leitura senvolver no seu poema épico*.
Nota: Optamos por apresen-
tar o texto dos episódios em 1.1 Identifica as palavras, ou expressões ou *Poema épico: género narrativo
em verso destinado a celebrar
várias secções para que os versos da primeira estância nos quais há
alunos:
1. tenham uma melhor cons- referência: feitos grandiosos de heróis
sse
reais ou lendários, com intere
ciência da estrutura de cada
um;
a. às guerras em que os Portugueses se en-
2. usufruam de grande proxi- volveram; universal, em estilo elevado.
midade entre as perguntas e
b. às descobertas e às viagens marítimas; São poemas épicos a Ilíada e
a
a Odisseia de Homero, a Eneid
o texto:
Pode fazer-se uma pequena c. à construção de um império. ís
leitura do episódio na totali-
dade e, seguidamente ana-
de Virgílio, Os Lusíadas de Lu
lisá-lo nas suas diferentes de Camões.
partes. 2. Na segunda estância há indicação de outros as-
No final encontrará uma per- suntos que o Poeta vai cantar.
gunta globalizante que per-
mitirá ao aluno entender o 2.1 Delimita os versos que se referem à História
episódio como uma unidade. de Portugal.
1.
1.1 a. «As armas», v. 1, «Em
perigos e guerras esforça- 3. Atenta nos vv. 5 e 6 da segunda estância. Identifica algumas figuras da nossa História,
dos», v. 5; b. «Que, da Ociden-
tal praia Lusitana, / Por mares anteriores ou posteriores a Camões, que se libertaram da «lei da Morte», justificando.
nunca dantes navegados, /
Passaram ainda além da Ta-
probana,», vv. 2 a 4; c. os dois 4. O último verso da estância 2 exprime uma possibilidade, uma hipótese. Indica em que
últimos versos da estância.
consiste.
2.
2.1 Versos 1 a 4.
5. Identifica o sentimento implícito nas palavras de Camões na terceira estância.
3. Resposta livre. Desde
Afonso Henriques, a José Sa- 5.1 Justifica-o.
ramago, passando por Santo
António de Lisboa ou pelo Pa-
dre António Vieira… 6. Nesta estância ocorrem várias referências a personagens da Antiguidade Clássica
4. O Poeta admite a hipóte- e a figuras da mitologia greco-romana. Associa cada uma dessas referências aos
se de só construir o seu canto tópicos constantes da grelha:
se tiver suficiente «engenho e
arte». Isto é, capacidade ina-
ta, inteligência, e capacidade
inventiva, artística. Usa, para a. b. c. d. e. f. g.
isso, uma oração subordinada
adverbial condicional.
General Deus da Poesia épica General Deus do Ulisses, Eneias, herói
romano. guerra, por grega e macedónio mar, por herói navegador
5. Sentimento de orgulho. associação, romana. (grego), o maior associação, navegador da Eneida,
5.1 Este sentimento justifi- a própria conquistador o próprio da Odisseia, poema
ca-se dado que Camões apre- guerra. da Antiguidade mar. poema épico.
senta os Portugueses como
superiores aos antigos gregos clássica. épico.
e romanos: são melhores na-
vegadores (vv. 1 e 2); são me-
lhores guerreiros (vv. 3 e 4);
dominaram o mar e a guer-
ra (vv. 6).

6.
a. Trajano;
b. Marte;
c. Musa antiga;
d. Alexandre;
e. Neptuno;
f. sábio Grego;
g. [sábio] Troiano.

162
CANTO I · Proposição 4
7. Completa o quadro para analisares com pormenor dois recursos expressivos presen-
tes na primeira estância:
GUIA DO PROFESSOR
Recursos expressivos Exemplos Expressividade literária Leitura

Perífrase e sinédoque a. Com estes recursos expressivos, 7.


o Poeta reforça a vocação a. v. 2, «Que, da Ocidental
marítima dos Portugueses. praia Lusitana» (neste verso
ocorrem dois recursos: a pe-
Hipérbole b. c. rífrase quando se refere Por-
tugal através da expressão
«Ocidental praia Lusitana» e
a sinédoque quando se refere
a parte «praia lusitana» pelo
todo, Portugal);
8. Completa para sintetizares o que aprendeste: b. v. 3, «Por mares nunca dan-
tes navegados»;
Na o Poeta propõe-se cantar os guerreiros e os Por- c. com este exagero, o Po-
tugueses; além disso, vai lembrar também os , eta reforça a vocação marí-
tima dos Portugueses e as
e ainda todos aqueles que se tornaram famosos, perdurando na ; suas capacidades como ma-
por outro lado, na última estância, o Poeta estabelece uma entre rinheiros.
os Portugueses e os antigos e , com o intuito de 8. Na Proposição o Poeta
propõe-se cantar os guerrei-
provar que os primeiros são superiores aos dois povos da Antiguidade Clássica. ros e os navegadores Por-
tugueses; além disso, vai
lembrar também os reis da
nossa História e ainda to-
Gramática dos aqueles que se torna-
ram famosos, perdurando na
Recursos memória coletiva; por ou-
expressivos tro lado, na última estância, o
Pratica Págs. 286-287 Poeta estabelece uma com-
paração entre os Portugue-
Classes de palavras; subordinação; formação de palavras ses e os antigos Gregos e
Romanos, com o intuito de
provar que os primeiros são
superiores aos dois povos da
1. Escolhe a opção correta. Na terceira estância ocorre por duas vezes, em posição ini- Antiguidade Clássica.
cial nos vv. 5 e 8, a palavra que. Trata-se em ambos os casos de:
Gramática
a. duas conjunções subordinativas finais;
1. b.
b. duas conjunções subordinativas causais; 1.1 e 1.2 Duas orações subor-
dinadas adverbiais causais,
c. dois pronomes relativos; respetivamente «Que eu can-
to o peito ilustre Lusitano», e
d. duas conjunções subordinativas consecutivas. «Que outro valor mais alto se
1.1 Identifica as duas orações subordinadas adverbiais iniciadas por estas palavras. alevanta».
2. O adjetivo indica a quali-
1.2 Classifica-as. dade daquele ou daquilo que
tem valor.
3.
2. O radical da palavra valor, na sua forma mais antiga, acrescido do sufixo osa deu ori- 3.1 Altura.
gem à palavra valerosa, est. 2, v. 5, / valorosa. Tendo em conta o valor deste sufixo, 3.2 Qualidade ou estado de
ser alto.
indica o significado do adjetivo.

3. Considera o adjetivo alto, est. 3, v. 8. Animação


Gramática – Que: pronome
3.1 A partir do radical alt, forma um nome comum. relativo ou conjunção
3.2 Explicita o significado do nome a partir do sufixo que o constitui. subordinativa causal?
CA

Classes de palavras
Págs. 11-28
Subordinação
Pág. 53
Formação de palavras
Pág. 7

163
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

CANTO I
Narração – Viagem para a Índia
Consílio dos Deuses no Olimpo
Vais conhecer uma famosa reunião dos Deuses no Monte Olimpo na qual
se traça o destino dos Portugueses quando se encontram mais ou menos a
meio da viagem entre Portugal e a Índia. Trata-se do primeiro Consílio dos
Deuses. Vais estudá-lo nas suas diferentes partes:

1 2 3 4 5 6 7

O Consílio – Discurso de Baco – contra Vénus – a favor Discussão entre os Discurso de Marte Decisão final de
reunião dos Júpiter para os Portugueses: dos Portugueses: deuses. – a favor de Vénus Júpiter e fim do
Deuses no Olimpo, decidir sobre argumentos. argumentos. e dos Portugueses. Consílio.
convocados por o futuro dos
Júpiter, que Portugueses em
preside. viagem.

Estâncias:
19 – 23 24 – 29 30 – 32 33 – 34 34 – 35 36 – 40 41

O Consílio – reunião dos Deuses no 19


Olimpo, convocados por Júpiter, Já no largo Oceano1 navegavam,
que preside.
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam2,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas3,
Que do gado de Próteu4 são cortadas,

20
Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em consílio glorioso,
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu fermoso,
Vem pela Via-Láctea juntamente,
Convocados, da parte do Tonante5,
Pelo neto gentil do velho Atlante6.

Vocabulário
1
no oceano Índico, em frente à costa de Moçambique; 2 sopravam;
3
as águas do mar, consagradas ao seu Deus, Neptuno; 4 os peixes,
pastoreados por Próteu; 5 Júpiter, pai dos Deuses; 6 Mercúrio, Deus
Os doze deuses do Olimpo (finais do século XVII), mensageiro
Monsiau

164
CANTO I · Consílio dos Deuses no Olimpo 4
21 23
Deixam dos Sete Céus o regimento7 , Em luzentes assentos, marchetados14
Que do poder mais alto lhe foi dado, De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
Alto Poder, que só co pensamento Os outros Deuses, todos assentados,
Governa o Céu, a Terra e o Mar irado. Como a Razão e a Ordem concertavam15 :
Ali se acharam juntos, num momento, (Precedem16 os antigos, mais honrados17;
Os que habitam o Arcturo congelado8 Mais abaixo os menores se assentavam);
E os que o Austro tem9 e as partes onde Quando Júpiter alto, assi dizendo,
A Aurora nasce10 e o claro Sol se esconde11. Cum tom de voz começa, grave e horrendo18:

22
Estava o Padre12 ali, sublime e dino,
Que vibra os feros raios de Vulcano13, Vocabulário
Num assento de estrelas cristalino, 7
deixam o governo das sete esferas planetárias; 8 deuses
Com gesto alto, severo e soberano; que residem no Norte; 9 deuses que residem no Sul; 10 deuses
Do rosto respirava um ar divino, que residem no Oriente; 11 deuses que residem a Ocidente;
12
Júpiter; 13 que arremessa durante as tempestades os
Que divino tornara um corpo humano; raios fabricados por Vulcano, deus ferreiro; 14 embutidos,
Com hũa coroa e ceptro rutilante, adornados; 15 estabeleciam; 16 estão em primeiro lugar;
De outra pedra mais clara que diamante. 17
mais famosos; 18 que infundia medo

Leitura

1. Explicita a ação que decorre na estância 19.


GUIA DO PROFESSOR
2. Reescreve os versos seguintes na ordem direta do português: Leitura
1. Na estância 19, os Portu-
a. «Os ventos brandamente respiravam,», est. 19, v. 3. gueses navegam em boas
condições no alto mar.
b. «Das naus as velas côncavas inchando;», est. 19, v. 4.
2. a. Os ventos respiravam
brandamente. b. [Os ventos
3. Atenta na estância 20. respiravam brandamente] in-
chando as velas côncavas das
3.1 Identifica o verso no qual se indica a razão da realização do Consílio. naus.
3.
3.2 Indica a perífrase que refere o nome do deus a quem Júpiter («Tonante»), v. 8, encarre-
3.1 V. 4: «Sobre as cousas fu-
gou de convocar os deuses para a reunião. turas do Oriente».
3.2 «pelo neto gentil do velho
4. Relê a estância 21. Atlante», v. 8.
4.
4.1 Identifica o lugar a que se refere o advérbio «Ali», v. 6. 4.1 Este advérbio com valor
de lugar ou locativo refere-
-se ao grupo preposicional
Pratica «no Olimpo luminoso», v. 1 da
Gramática
estância 20.
Lugar dos pronomes
Gramática
1. Reescreve a frase Este episódio foi contado pelo João a um colega pessoais átonos na frase
1. Este episódio foi-lhe conta-
pronominalizando o complemento indireto. do pelo João.
2. Este episódio não lhe foi
2. Reescreve agora a frase que obtiveste na negativa. contado pelo João.
3. O professor tinha-me pedi-
3. Reescreve a frase O professor tinha-me pedido para ler este episódio aos meus colegas na do para o ler aos meus cole-
sala de aula pronominalizando o complemento direto presente na oração subordinada subs- gas na sala de aula.
4. O professor tinha-me pedi-
tantiva completiva. do para lhes ler este episódio
na sala de aula.
4. Reescreve a mesma frase pronominalizando o segundo complemento indireto nela presente.

165
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Discurso de Júpiter para decidir sobre


o futuro dos Portugueses em viagem.

24 27
«Eternos moradores do luzente, Agora vedes bem que, cometendo
Estelífero Pólo19 e claro Assento20: O duvidoso mar num lenho leve,
Se do grande valor da forte gente Por vias nunca usadas, não temendo
De Luso21 não perdeis o pensamento, De Áfrico e Noto31 a força, a mais se atreve:
Deveis de ter sabido claramente Que32, havendo tanto já que as partes vendo
Como é dos Fados grandes22 certo intento23 Onde o dia é comprido e onde breve33,
Que por ela se esqueçam os humanos Inclinam seu propósito e perfia34
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos. A ver os berços onde nasce o dia35.

25 28
Já lhe foi (bem o vistes) concedido, Prometido lhe está do Fado eterno,
Cum poder tão singelo e tão pequeno, Cuja alta lei não pode ser quebrada,
Tomar ao Mouro24 forte e guarnecido Que tenham longos tempos o governo
Toda a terra que rega o Tejo ameno25; Do mar que vê do Sol a roxa entrada36.
Pois contra o Castelhano26 tão temido Nas águas tem passado o duro Inverno;
Sempre alcançou favor do Céu sereno. A gente vem perdida e trabalhada37.
Assi que sempre, enfim, com fama e glória, Já parece bem feito que lhe seja
Teve os troféus pendentes da vitória27. Mostrada a nova terra que deseja.

26 29
Deixo, Deuses, atrás a fama antiga, E, porque, como vistes, tem passados
Que co a gente de Rómulo28 alcançaram, Na viagem tão ásperos perigos,
Quando com Viriato, na inimiga Tantos climas e céus experimentados,
Guerra Romana, tanto se afamaram29. Tanto furor de ventos inimigos,
Também deixo a memória que os obriga Que sejam, determino, agasalhados
A grande nome, quando alevantaram Nesta costa Africana como amigos,
Um por seu capitão, que, peregrino, E, tendo guarnecida a lassa38 frota,
Fingiu na cerva espírito divino30. Tornarão a seguir sua longa rota.»

Vocabulário
19
moradores do céu coberto de estrelas; 20 morada cheia de luz; 21 os Portugueses, descendentes de Luso; 22 o Destino, força superior
aos deuses; 23 firme intenção; 24 aos Mouros; 25 o Ribatejo e o Alentejo, e, por associação, todo o sul de Portugal; 26 os Castelhanos;
27
referência ao costume dos Romanos que consistia em pendurar em árvores as bandeiras e outros despojos tomados aos inimigos,
28
os Romanos; 29 referência às lutas entre os Lusitanos, chefiados por Viriato, e os Romanos, durante a conquista da Península Ibérica
pelos Romanos. Viriato foi vencido com imensa dificuldade, ficando famosa a coragem dos Lusitanos; 30 referência a Sertório, general
romano, estrangeiro portanto (= «peregrino», v. 7), que os Lusitanos, uma vez morto Viriato, aceitaram como seu chefe para continuar
a luta contra os Romanos. Sertório lutou contra o seu próprio povo. O último verso da estância refere-se ao facto de Sertório pretender
que uma corça tinha poderes de adivinhação; 31 ventos perigosos do sudoeste e do sul, respetivamente; indicavam aproximação de
tempestade; 32 porque; 33 nas suas navegações, os Portugueses constatavam a variação da duração dos dias, conforme a latitude;
34
teimosia; 35 os Portugueses teimam em chegar ao Oriente, onde o Sol «nasce», onde tem, metaforicamente, o seu berço; 36 perífrase
do Oceano Índico; a expressão «roxa entrada» refere-se às cores do céu quando nasce o dia; 37 cansada; 38 cansada

166
CANTO I · Consílio dos Deuses no Olimpo 4
Leitura

1. Identifica, no discurso de Júpiter, as estâncias que se referem: GUIA DO PROFESSOR


a. à História passada dos Portugueses; b. à sua situação presente. Leitura
1.
a. 25 e 26;
2. Indica os versos das estâncias 25 e 26 que referem os seguintes acontecimentos da b. 27 a 29.
História de Portugal: 2.
a. Guerras contra os Romanos, capitaneados por Viriato. a. Vv. 1 a 4 da est. 26;
b. vv. 1 a 4 da est. 25;
b. Guerras da Reconquista, contra os Mouros. c. vv. 5 a 8 da est. 26;
c. Guerras contra os Romanos, capitaneados por Sertório. d. vv. 5 e 6 da est. 25.
3. a.
d. Guerras para assegurar a independência, contra os Castelhanos.
3.1 Trata-se de um evidente
exagero, próprio de uma epo-
peia, dizer que os Portugue-
3. Escolhe a opção correta. Sabendo que nas guerras que os Portugueses travaram ses venceram «sempre».
com os seus vários inimigos não ganharam sempre todas as batalhas, o recurso ex- 4.
pressivo presente nos versos 7 e 8 da estância 25 é a: 4.1
a. O mar sempre incerto;
a. hipérbole; b. comparação; c. antítese; d. metáfora.
b. as diferentes latitudes fa-
3.1 Justifica. zem variar a duração dos dias
e das noites;
c. o Oriente, a Índia.
4. Atenta na estância 27. 5. e 5.1 A expressão «os ber-
ços», no verso 8, configura
4.1 Explica que sentido ou sentidos têm para ti as seguintes expressões ou versos: uma metáfora: do mesmo
a. «O duvidoso mar», v. 2; modo que o berço é o local
onde se coloca e permane-
b. «as partes (…) / Onde o dia é comprido e onde breve», vv. 5 e 6; ce a criança recém-nasci-
da, também o dia / o sol tem
c. «os berços onde nasce o dia», v. 8. o seu início num determina-
do local, sempre o mesmo, o
Oriente; tanto «berços» como
5. Identifica na mesma estância a expressão na qual ocorre uma metáfora que consiste Oriente apresentam em co-
mum a marca semântica do
em substituir uma realidade por outra que com ela mantém relações de semelhança início. (Todo o verso pode ain-
ou identidade. da ser considerado uma perí-
fra
frase de Oriente.)
5.1 Explica a sua expressividade literária. 6.
a. o «Fado eterno»;
6. A estância 28 refere uma promessa. b. ter o domínio do Mar Ver-
m
melho, por associação, o
Identifica: Or
Oriente, durante muito tem-
po
po;
a. o seu autor; c. «lhe», v. 1, isto é, a «forte
ge
gente / de Luso», 24, vv. 3 e 4.
b. a promessa;
7. O primeiro argumento é a
c. os beneficiários da promessa. pr
promessa que foi feita aos
Po
Portugueses pelo «Fado eter-
no o Destino, promessa que
no»,
7. Refere os dois argumentos usados te de ser cumprida, vv. 1 a
tem
4 da est. 28; o segundo argu-
por Júpiter para convencer os deuses m
mento é que, dado os Portu-
gu
gueses estarem já cansados
do facto de que os Portugueses da viagem, é chegada a altura
deviam chegar à Índia, a «nova terra» de terem a sua recompensa,
ch
chegando à Índia, vv. 5 a 8 da
desejada, est. 28, v.8. m
mesma estância.
7.1 Identifica o mais forte, justificando. 7.1 O argumento mais forte
é, evidentemente, o primeiro:
a cchegada dos Portugueses à
Índ estava inscrita no Desti-
Índia
no nada nem ninguém o po-
no,
dia contrariar: «cuja alta lei
nã pode ser quebrada», v. 2.
não
O Consílio dos Deuses (s/d),
fresco de Luigi Sabatelli (1772-1850)

167
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Baco – contra os Portugueses: argumentos. 30


Estas palavras Júpiter dezia,
Quando os Deuses, por ordem respondendo,
Na sentença39 um do outro difiria40 ,
Razões diversas dando e recebendo.
O padre Baco41 ali não consentia
No que Júpiter disse, conhecendo42
Baco (1593-1594), pintura de Caravaggio (1573-1610)

Que esquecerão seus feitos no Oriente,


Se lá passar a Lusitana gente.

31
Ouvido tinha aos Fados que viria
Hũa gente fortíssima de Espanha43,
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da Índia tudo quanto Dóris44 banha,
E com novas vitórias venceria
A fama antiga, ou sua ou fosse estranha.
Altamente lhe dói perder a glória
De que Nisa45 celebra inda a memória.

32
Vê que já teve o Indo46 sojugado,
Vocabulário
E nunca lhe tirou Fortuna ou caso
GUIA DO PROFESSOR
39
opinião; 40 divergia; 41 deus do vinho, que in-
ventou, e da alegria; foi o conquistador da Índia,
Por vencedor da Índia ser cantado
Leitura
1. segundo a mitologia; inimigo dos Portugueses; De quantos bebem a água de Parnaso47.
a. Vv. 5 a 8: Baco era famo-
42
sabendo; 43 da Península Ibérica; 44 todas as Teme agora que seja sepultado
so na Índia pelos «feitos» lá terras da Índia banhadas pelo mar: Dóris é uma Seu tão célebre nome em negro vaso
realizados; ora ele teve co-
nhecimento de que se os Por- divindade marítima; 45 cidade da Índia onde De água do esquecimento48, se lá chegam
tugueses chegarem à Índia Baco passou a juventude; 46 a Índia; 47 os que
cometerão feitos ainda maio- «bebem a água do Parnaso» são os poetas que
Os fortes Portugueses que navegam.
res, sendo os seus esqueci-
dos; sempre cantaram as vitórias de Baco; 48 Baco
b. Baco receava que a chega- teme que o seu nome seja esquecido
da dos Portugueses e as suas
«novas vitórias», v. 5, fizes-
sem desaparecer o seu reno-
me, a sua «fama», v. 6;
c. Vv. 1 a 4: Baco dominou a
Índia e foi por isso cantado pe- Leitura
los poetas, os que «bebem a
água de Parnaso», v. 4; che-
gando os Portugueses, ele 1. A reação de Baco à decisão de Júpiter foi muito negativa. Indica os motivos de Baco
tem receio de que o seu no-
me glorioso, cantado pelos
para reagir desse modo, presentes nas estâncias seguintes:
poetas, caia no esquecimen- a. estância 30;
to, vv. 5 a 7.
2. Trata-se da metáfora «seja b. estância 31;
sepultado / Seu tão célebre
nome», vv. 5 e 6. c. estância 32.
2.1 É uma metáfora muito ex-
pressiva pois do mesmo modo
que quem é sepultado, mor- 2. Identifica a metáfora que, na estância 32, melhor exprime o receio que Baco tem em
reu, também a fama de Baco
poderia morrer, desaparecer.
ser esquecido.
2.1 Explica a sua expressividade.

168
CANTO I · Consílio dos Deuses no Olimpo 4
O Nascimento de Vénus (1483) – (pormenor),
Sandro Botticelli (1445-1510)

Vénus – a favor dos


Portugueses: argumentos.

33 34
Sustentava contra ele Vénus bela, 49
Estas causas moviam Citereia53,
Afeiçoada à gente Lusitana, E mais, porque das Parcas54 claro entende
Por quantas qualidades via nela Que há-de ser celebrada a clara Deia55,
Da antiga, tão amada sua, Romana; Onde a gente belígera56 se estende57.
Nos fortes corações, na grande estrela50, Assi que, um, pela infâmia que arreceia,
Que mostraram na terra Tingitana51, E o outro, polas honras que pretende,
E na língua, na qual, quando imagina52, Debatem, e na perfia58 permanecem;
Com pouca corrupção crê que é a Latina. A qualquer seus amigos favorecem.

Vocabulário
49
deusa do Amor; apoia os Portugueses; 50 grandes vitórias; 51 Que obtiveram no norte de África, contra os muçulmanos;
52
pensa, compara; 53 Vénus; 54 divindades que conhecem o futuro; eram três irmãs; 55 Vénus; 56 gente guerreira, os Portugueses;
57
Onde os Portugueses chegassem, celebrariam Vénus, a deusa do Amor; 58 discussão

Leitura
Estâncias 33 e 34 (até ao verso 4, inclusive)

1. Ao contrário de Baco, a reação de Vénus foi muito favorável à decisão de Júpiter.


Indica quais as razões que Vénus teve para apoiar os Portugueses. Refere os versos onde se
encontram as várias razões, nas estâncias 33 e 34.
1.1 Quando Vénus, deusa dos Romanos, ouve falar a língua portuguesa, aprecia-a, pois GUIA DO PROFESSOR
lhe parece muito parecida com o latim, língua falada pelos Romanos. Leitura
1.
1.2 Vénus, deusa do Amor, gosta dos Portugueses porque sabe que, em qualquer terra
1.1 Est. 33, vv. 7 e 8.
que conquistem, ela será venerada. 1.2 Est. 34, vv. 2 a 4.
1.3 Vénus, deusa dos Romanos, grandes guerreiros, gosta dos Portugueses porque estes 1.3 Est. 33, vv. 3 a 6.
também são grandes lutadores.

169
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Discussão entre os deuses (iniciada


no verso 5 da estância 34).

35
- Qual Austro fero59 ou Bóreas60, na espessura61,
- De silvestre arvoredo abastecida,
- Rompendo os ramos vão da mata escura,
- Com ímpito e braveza desmedida;
5 Brama toda a montanha, o som murmura,
- Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
- Tal andava o tumulto, levantado
- Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.

Vocabulário
59
vento violento do sul; 60 vento norte; 61 na floresta

Olimpo (século XVIII), Giovanni


Battista Tiepolo (1696-1770)

Leitura
GUIA DO PROFESSOR
Leitura Iniciada no verso 5 da estância 34
1. a. Baco; b. Vénus; c. Baco
ou Vénus.
1. Identifica os antecedentes das palavras ou expressões seguintes presentes na estância 34.
2. A antítese é o recur-
so expressivo nestes versos a. «um», v. 5; b. «o outro», v. 6; c. «qualquer». v. 8.
porque neles ocorre um con-
traste ente Baco e Vénus: o
primeiro teme a «infâmia», v.
2. Mostra como a antítese é o recurso expressivo presente nos vv. 5 e 6 da mesma estância.
5, Vénus quer «honras», v. 6,
isto é, há um contraste entre 3. Identifica, na estância 35, os versos nos quais é evidente a intenção de comparar o ruído de
o negativo e o positivo.
uma tempestade que se abate sobre uma floresta com a discussão violenta entre os deuses.
3. Os versos 7 e 8.
4. «espessura», v. 1; «silves-
tre arvoredo», v. 2; «ramos»
4. Identifica o conjunto de palavras ou expressões presente nesta estância relativo à ideia de
e «mata», v. 3; «folhas», v. 6. floresta, isto é, o seu campo lexical.

170
CANTO I · Consílio dos Deuses no Olimpo 4

Discurso de Marte – a favor de


Vénus e dos Portugueses.

36
Mas Marte62, que da Deusa sustentava
Entre todos as partes em porfia63,
Ou porque o amor antigo o obrigava64,
Ou porque a gente forte o merecia65,
De antre os Deuses em pé se levantava
(Merencório66 no gesto67 parecia),
O forte escudo ao colo pendurado Marte e Vénus presos na rede de Vulcano (1536),
Martin Van Heemskerck (1498-1574)
Deitando pera trás, medonho e irado,

37 39
A viseira do elmo de diamante
68 Que76, se aqui a razão se não mostrasse
Alevantando um pouco, mui seguro, Vencida do temor demasiado,
Por dar seu parecer se pôs diante Bem fora que aqui Baco os sustentasse77,
De Júpiter, armado, forte e duro; Pois que de Luso vem79, seu tão privado79;
E, dando hũa pancada penetrante, Mas esta tenção sua agora passe,
Co conto do bastão69, no sólio puro70 , Porque enfim vem de estâmago danado80 ,
O Céu tremeu, e Apolo71, de torvado72, Que81 nunca tirará alheia enveja
Um pouco a luz perdeu, como infiado73; O bem que outrem merece e o Céu deseja82.

38 40
E disse assi: «Ó Padre, a cujo império E tu, Padre de grande fortaleza,
Tudo aquilo obedece que criaste, Da determinação que tens tomada
Se esta gente que busca outro Hemisfério, Não tornes por detrás, pois é fraqueza
Cuja valia e obras tanto amaste, Desistir-se da cousa começada.
Não queres que padeçam vitupério74, Mercúrio83, pois excede em ligeireza
Como há já tanto tempo que ordenaste, Ao vento leve e à seta bem talhada,
Não ouças mais, pois és juiz direito, Lhe vá mostrar a terra, onde se informe
Razões de quem parece que é suspeito75. Da Índia e onde a gente se reforme.»93

Vocabulário
62
deus da guerra; 63 grupos de deuses em discussão; 64 Marte apoia Vénus porque lhe tinha amor; 65 outra razão para Marte apoiar
Vénus seria porque os Portugueses eram grandes guerreiros; 66 aborrecido, zangado. 67 rosto; 68 secção da armadura que protegia a
cabeça; era amovível; 69 extremidade inferior da lança; 70 assento, trono onde estão os deuses, o Céu. 71 deus do Sol, por associação
o próprio Sol. Era ainda deus das artes, da poesia, da música e da medicina; 72 cheio de medo, assustado; 73 envergonhado; 74 ofensa;
75
Baco, «suspeito» por ter interesses próprios na Índia; 76 porque; 77 os apoiasse – aos Portugueses; 78 porque os Portugueses
descendem de Luso; 79 Luso era muito amigo (= ‘privado’) de Baco, seria seu filho ou companheiro 80 com intenção maldosa;
81
porque; 82 o que o «Céu deseja», isto é, aquilo que está decidido pelo Fado – a chegada dos Portugueses à Índia – não pode ser
mudado devido à inveja de alguém, neste caso, de Baco. 83 Deus mensageiro; era ainda deus do comércio e dos ladrões

171
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Leitura

GUIA DO PROFESSOR Marte, deus da Guerra, vai tomar partido por Vénus e pelos Portugueses e colocar um ponto
Leitura final na discussão.
1. A primeira ocorre no verso
3: Marte tinha uma antiga pai-
xão por Vénus; a segunda, no 1. A estância 36 apresenta duas razões possíveis para Marte ter apoiado Vénus. Identifica-as.
verso 4: Marte, deus da Guer-
ra, apreciava os Portugueses,
«gente forte», isto é, guerreira. 2. Refere as cinco ações de Marte antes de fazer o seu discurso – estâncias 36 e 37, bem como
2.
o significado que lhes atribuis. Preenche, para isso, o quadro. Observa os exemplos:
Primeira: levantou-se, est. 36,
v. 5, (para se destacar, ser vis-
to, avançar em direção a Jú- Ações de Marte Localização Descrição Significado(s)
piter);
Segunda: libertou o peito do Primeira est. 36, v. 5
escudo (para poder falar me-
lhor), est. 36, vv. 7 e 8; Segunda Libertou o peito do escudo, Desse modo podia falar
Terceira: levantou a viseira do passando-o para as costas. melhor, com menos esforço.
elmo (para poder falar me-
lhor, para poder ver melhor),
Terceira
est. 37, vv. 1 e 2;
Quarta est. 37, vv. 3 e 4
Quarta: posicionou-se, ar-
mado, perante Júpiter (para Quinta
mostrar que o não receava),
est. 37, v. 3 e 4;
Quinta: bateu com o «bastão» 3. Marte ataca outro deus na estância 38.
no «sólio puro», isto é, no tro-
no de Júpiter, est. 37, vv. 5 e 6, 3.1 Identifica o deus e o verso em que esse deus é referido.
(para chamar, corajosamente,
a atenção do Pai dos deuses). 3.2 Explicita a razão do ataque, tendo em conta a acusação que é feita a esse deus.
3.
3.1 Baco, v. 8.
3.2 Trata-se de Baco, «sus-
peito» ao atacar os Portugue- Gramática
ses porque tinha interesses
próprios contra eles, como se
viu atrás – cf. estâncias 30 a Pratica
32.
Classes de palavras
Gramática
1.
1.1 c.
1. Atenta na estância 36.
1.1 Escolhe a opção correta.
Animação A incerteza sobre a verdadeira razão pela qual Marte apoiava Vénus é transmitida pela
Gramática – As conjunções
coordenativas e as orações
utilização anafórica de
coordenadas a. duas conjunções coordenativas copulativas e de duas conjunções subordinativas
temporais.
b. duas conjunções coordenativas copulativas e de duas conjunções subordinativas
causais.
c. duas conjunções coordenativas disjuntivas e de duas conjunções subordinativas
causais.
d. duas conjunções coordenativas adversativas e de duas conjunções subordinativas
temporais.
CA

Classe
das Classes de palavras
conjunções Conjunção
Pág. 274 Pág. 28

172
CANTO I · Consílio dos Deuses no Olimpo 4

Decisão final de Júpiter e fim do Consílio. 41


Como84 isto disse, o Padre poderoso,
A cabeça inclinando, consentiu
No que disse Mavorte85 valeroso,
E néctar86 sobre todos esparziu.
Pelo caminho Lácteo glorioso,
Logo cada um dos Deuses se partiu,
Fazendo seus reais acatamentos87,
Pera os determinados apousentos.

Vocabulário
84
Logo que; 85 Marte; 86 Bebida dos deuses;
87
Saudações, vénias

Júpiter

Leitura GUIA DO PROFESSOR


Leitura
1. Identifica todas as ações referidas na estância 41, bem como os respetivos agentes. Com- 1. Vv. 1 e 2: agente: Júpi-
ter («o Padre poderoso»); v.
pleta a grelha. Observa os exemplos. 4: agente: Júpiter; v. 6: ação:
partir; agente: cada um dos
Ação Agente Deuses; v. 7: fazer «seus reais
acatamentos», isto é, despe-
Vv. 1 e 2: de inclinar a cabeça, consentindo; dindo-se uns dos outros com
mesuras de respeito apropria-
V. 4: de esparzir «néctar sobre todos» os das.
Deuses; Visão geral do episódio
Consílio dos Deuses
V. 6: no Olimpo
1. Todas as afirmações são
V. 7: Cada um dos Deuses. verdadeiras. Relativamente à
primeira afirmação, conferir
a estância 35; relativamente à
segunda, a estância 28.
VISÃO GERAL DO EPISÓDIO

Consílio dos Deuses no Olimpo


1. Verifica a veracidade das seguintes afirmações.
1.1 Para sugerir a violência da discussão que teve lugar entre os deuses na sequên-
cia dos discursos de Baco e de Vénus, Camões utiliza referências de cariz meteo-
rológico.
1.2 Mesmo que a decisão final do Consílio fosse contra os Portugueses, estes che-
gariam mais tarde ou mais cedo à Índia, pois o seu destino estava traçado pelos
Fados, forças superiores aos deuses.
1.3 Este episódio pode ser considerado, na sua totalidade, uma metáfora das dificul-
dades que os Portugueses encontraram e superaram durante as Descobertas,
em geral, e da viagem de descoberta do caminho marítimo para a Índia, em
particular.

173
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Gramática

GUIA DO PROFESSOR Pratica


Gramática
Tipos de sujeito
1. a. o sujeito da forma verbal
«disse», verso 1 – Marte; há
outra ocorrência no verso 4,
na forma verbal «esparziu»; 1. Identifica na estância 41 um exemplo de ocorrência de um sujeito:
b. v. 3, «Mavorte valeroso»;

CA
c.«O Padre poderoso», sujeito a. subentendido;
de «consentiu», vv. 1 e 2.
b. simples, à direita do verbo; Funções sintáticas
Escrita Sujeito
Laboratório de texto c. simples, à esquerda do verbo. Pág. 39

1.
a. Júpiter convocava os deu-
ses para os consultar.
b. Júpiter consultava os deu- Escrita
ses frequentemente.
c. Júpiter, poderoso, convoca-
va os deuses frequentemen-
te para os consultar; (outros Laboratório
modificadores são possíveis). de texto
d. Júpiter, que era o deus
mais importante, / que era
o pai dos deuses, convocava
frequentemente os deuses 1. Na coluna da esquerda do quadro seguinte encontras frases que deverás reduzir ou expan-
para os consultar. (Outras
orações subordinadas adjeti-
dir conforme as instruções da coluna do meio:
vas relativas explicativas são
possíveis). Frase Instrução Reescrita

a. Júpiter convocava os deuses Reduz a frase retirando o


frequentemente para os modificador [de grupo verbal]
consultar. constituído por um grupo frásico.
Reduz a frase retirando o
b. Júpiter convocava os deuses
modificador [de grupo verbal]
frequentemente para os
constituído por uma oração
consultar.
subordinada adverbial.
Expande a frase com um
c. Júpiter convocava os
modificador de nome apositivo
deuses frequentemente
de Júpiter que seja constituído
para os consultar.
por um grupo frásico.
Expande a frase com um
d. Júpiter convocava os modificador de nome relativo a
deuses frequentemente Júpiter que seja constituído por
para os consultar. uma oração subordinada adjetiva
relativa explicativa.

Funções
sintáticas
Pág. 277

174
CANTO III · Inês de Castro 4
CANTO III
Narração – História de Portugal
História História História História História História
PLANOS

de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal


Considerações
do Poeta

Introdução D. Sancho I (85-89) D. Afonso IV


Luso, Viriato, D. Afonso IV
(3-5); D. Afonso II (90) (98-135); D. Pedro I
Conde (98-135)
Localização D. Henrique, Fermosíssima Maria (136-137)
D. Sancho II (91-93) Episódio de
Invocação de Portugal D. Afonso (101-106); D. Fernando
a Calíope (6-21) Henriques D. Afonso III (94-95) Inês de Castro
Batalha do Salado (138-143)
(1-2) (29-84) (118-135)
D. Dinis (96-98) (107-117)

Narrador de 1ª pessoa: Vasco da Gama

Resumo
Após uma invocação do Poeta a Calíope, Vasco da Gama inicia a narrativa da
História de Portugal. Começa por situar o país na Europa e referir os casos de Luso
e Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos
guerreiros dos reis da 1ª dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando.

Salientam-se os episódios da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso Hen-


riques, e os da Formosíssima Maria, da Batalha do Salado e de Inês de Castro, no
reinado de D. Afonso IV.

Inês de Castro
O episódio de Inês de Castro conta, literariamente, uma das mais extraordinárias
histórias de amor de todos os tempos.

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Introdução Desenvolvimento Conclusão

O narrador O narrador Inês Pedro, Reação do pai Inês perante Súplica Morte Reação da
anuncia de culpa o Amor apaixonada. príncipe de Pedro, o rei. de Inês. de Inês. Natureza à
quem é a pelos acon- herdeiro D. Afonso IV, morte de Inês.
história que tecimentos do trono, rei de
vai contar. funestos que apaixonado. Portugal.
vai narrar.

Estâncias:
122,
121 e 122 –
118 119 120 vv. 5 a 8 124 e 125 126 a 129 130 a 134 135
vv. 1 a 4
e 123

175
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Romance de D. Pedro e D. Inês 118


Passada esta tão próspera vitória1,
Tornando Afonso2 à Lusitana Terra,
1
A se lograr3 da paz com tanta glória
O narrador anuncia de quem Quanta soube ganhar na dura guerra,
é a história que vai contar.
O caso triste e dino4 da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha5
Que despois de ser morta foi Rainha.

Vocabulário
1
a Batalha do Salado, 1340, Cádis, Espanha; 2 D. Afonso IV;
3
a usufruir, a gozar; 4 digno; 5 infeliz
GUIA DO PROFESSOR
Leitura
1. Tudo vai suceder durante o
reinado de D. Afonso IV, num
tempo de «paz» em Portu- Leitura
gal, v. 3, que se sucedeu a um
tempo de «dura guerra», v. 4,
na qual este rei participou, no 1. Identifica o contexto político referido na estância no qual vão decorrer os acontecimentos a
estrangeiro, mais concreta-
mente em Espanha.
seguir apresentados.
2. Trata-se dos dois últimos
versos da estância. 2. Identifica os dois versos seguidos que se referem, através de uma perífrase, a Inês de Castro.
3.
3.1 Trata-se do verso 6, o qual 3. Um verso desta estância revela, hiperbolicamente, o caráter extraordinário da história que vai
constitui um evidente exagero
para dramatizar a narração. ser contada.
3.1 Identifica-o e justifica a tua resposta.

176
CANTO III · Inês de Castro 4

119 GUIA DO PROFESSOR


2
Tu, só tu, puro amor6 , com força crua7, Leitura (est. 11)
Que os corações humanos tanto obriga, 1. a. «Deste causa à molesta
O narrador culpa morte sua», v. 3.
o Amor pelos
Deste causa à molesta8 morte sua,
b. É cruel (v. 1 – «com força
acontecimentos Como se fora pérfida inimiga. crua», v. 5 – «fero»); as lágri-
mas não são suficientes para
funestos que vai Se dizem, fero Amor, que a sede tua o saciar, v. 6; é «áspero e tira-
narrar. Nem com lágrimas tristes se mitiga9, no», v. 7; quer que lhe sejam
oferecidos os sacrifícios hu-
É porque queres, áspero e tirano, manos.
Tuas aras10 banhar em sangue humano.
Vocabulário Leitura (est. 120)
6
trata-se de uma divindade – personificação do amor; cruel;
7 1. São apresentadas duas ca-
racterísticas: uma, de ordem
8
má; 9 se suaviza, se abranda; 10 altares nos quais se prestaria geral – «linda Inês», v. 1; ou-
culto à divindade referida na nota 6 tra, mais particular, relativa
aos «olhos», caracterizados
como bonitos – «fermosos»,
v. 6.
Leitura 2. Inês é apresentada como
apaixonada, imersa num «en-
gano de alma, ledo e cego», v.
1. Nesta estância, o narrador afirma que o Amor é a causa da 3), o amor; alheada da reali-
morte de Inês. dade, pensando somente em
Pedro (vv. 7 e 8); por outro la-
a. Transcreve o verso que comprova esta afirmação. do, Inês, despreocupada, (V.
1 – «posta em sossego»), vi-
b. Faz o levantamento das palavras ou expressões usadas ve um momento de felicida-
de, de amor, o «doce fruito»
para caracterizar o Amor. do verso 2.
3. O prenúncio de tragédia
ocorre no v. 4, quando o nar-
rador diz, numa espécie de co-
mentário sobre o amor, que o
destino vai intervir para lhe
dar um fim.

120
3 Estavas, linda Inês, posta em sossego,
Inês apaixonada. De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma11, ledo12 e cego,
Que a Fortuna13 não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas14.
Vocabulário
11
apaixonada, iludida pelo amor; 12 alegre; 13 o destino;
14
o nome do seu amado, o príncipe D. Pedro
A Fonte dos Amores na Quinta
das Lágrimas, em Coimbra

Leitura

1. Identifica as características físicas de Inês presentes no texto.

2. Elabora a descrição psicológica de Inês com base nos elementos textuais.

3. Mostra como a estância contém um prenúncio de tragédia.

177
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Pedro, príncipe herdeiro do trono, apaixonado


ado
(até ao verso 4 da estância 122)

121 122
Do teu Príncipe ali te respondiam
15
De outras belas senhoras e Princesas
As lembranças que na alma lhe moravam, Os desejados tálamos18 enjeita19,
Que sempre ante seus olhos te traziam, Que20 tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando dos teus fermosos se apartavam16; Quando um gesto21 suave te sujeita.
De noite, em doces sonhos que mentiam, Vendo estas namoradas estranhezas22,
De dia, em pensamentos que voavam; O velho pai sesudo23, que respeita24
E quanto, enfim, cuidava e quanto via O murmurar do povo e a fantasia
Eram tudo memórias de alegria17. Do filho, que casar-se não queria,

Vocabulário
15
D. Pedro; 16 afastavam; 17 do amor passado; 18 leitos nupciais, por associação, casamentos; 19 rejeita; 20 porque; 21 face;
22
Comportamento amoroso estranho, irresponsável, do príncipe; 23 prudente; 24 observa atentamente

GUIA DO PROFESSOR
Leitura
Leitura
1. Versos 1 e 2 da estância 1. Indica os versos que se referem ao facto de Pedro não querer casar com nenhuma prin-
122.
cesa por muito amar Inês.

Reação do pai de Pedro, D. Afonso IV, 123


rei de Portugal (a partir do verso 5 da
estância 122 e estância 123)
Tirar Inês ao mundo determina,
Por25 lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo26 co sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor27 Mauro28, fosse alevantada
Contra hũa fraca dama delicada?
Vocabulário
25
para; 26 acreditando, pensando; 27 loucura; 28 valentia
guerreira dos Mouros – referência à Batalha do Salado

GUIA DO PROFESSOR
Assassinato de Inês de Castro
Leitura
1. Decidiu mandar matar Inês, Leitura
(v. 1) da estância 123.

1. Explica qual a decisão do rei perante a determinação de Pedro em não querer casar-se.

178
CANTO III · Inês de Castro 4
2. Identifica o verso e o recurso expressivo aí presente que indica essa decisão. GUIA DO PROFESSOR
Leitura
2.1 Justifica a sua utilização. 2. Eufemismo.
2.1 Trata-se de uma forma de
3. Identifica a razão que terá levado a esta tomada de posição. suavizar a ideia de mandar
matar.

4. Explicita os motivos do espanto demonstrado pelo narrador na estância 123 através 3. A morte de Inês seria a úni-
ca forma de pôr fim ao amor
da frase interrogativa nela presente que os unia.
4. Através da frase interroga-
tiva ou pergunta que ocupa
os últimos quatro versos da
estância, o narrador espan-
6
ta-se pelo facto de o mesmo
rei que combateu corajosa-
mente contra os mouros va-
Inês perante o rei. lentes permitir agora a morte
de Inês, uma mulher despro-
tegida.

124
Traziam-na os horríficos algozes29
Ante o Rei30, já movido a piedade:
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes31,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

125
Pera o Céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos32
Leitura
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando (est. 124-125)
Um dos duros ministros33 rigurosos); 1. O rei apresenta
uma evidente ten-
E despois, nos mininos atentando, dência para perdo-
Que tão queridos tinha e tão mimosos, ar, por «piedade»,
v. 2, Inês, mãe dos
Cuja orfindade como mãe temia, Súplica de Inês de Castro (1802), seus netos; contudo,
esta posição pessoal, afetiva,
Pera o avô cruel assi dizia: Vieira Portuense (1765-1805) é vencida pela razão de esta-
do: sendo rei, tem de ouvir as
Vocabulário «razões» do povo, v. 4, e, des-
se modo, se deixa convencer,
29
os fidalgos que aconselhavam o rei a permitir a morte persuadir, no sentido da mor-
de Inês de Castro no interesse do país; 30 D. Afonso IV; 31 te de Inês. A responsabilidade
sobrepôs-se, não sem luta, à
palavras; 32 que imploravam piedade; 33 os fidalgos referidos afetividade.
na nota 29 2. O que lhe dói mais não é
a própria morte, mas o fac-
to de, morrendo, deixar os fi-
lhos órfãos e D. Pedro só: ela
está já cheia de «saudade» e
Leitura de «mágoa», v. 6, perante es-
sas possibilidades.
1. Com base na estância 124 explica a luta interior no espírito do rei. 3. O olhar de Inês em direção
ao «Céu» é um olhar simbó-
lico, como se chamasse Deus
2. Indica o principal motivo da dor de Inês na situação em que se encontrava. para testemunha da sua ino-
cência; o olhar em direção aos
filhos mostra o amor de mãe
3. Antes de começar o seu discurso, Inês olha em primeiro lugar para o «Céu», v. 1, e de- que teme a sua «orfindade»,
v. 7.
pois para os seus «mininos». Justifica estas duas atitudes.

179
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Súplica de Inês.

126 128
«Se já nas brutas feras, cuja mente E se, vencendo a Maura resistência
esistência41,
Natura34 fez cruel de nascimento, A morte sabes dar com fogo e ferro,rro,
E nas aves agrestes, que somente Sabe também dar vida, com clemência,
Nas rapinas aéreas tem o intento, A quem pera perdê-la não fez erro.
Com pequenas crianças viu a gente Mas, se to assi merece esta inocência42,
Terem tão piadoso sentimento Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Como co a mãe de Nino35 já mostraram, Na Cítia43 fria ou lá na Líbia44 ardente,
E cos irmãos36 que Roma edificaram: Onde em lágrimas viva eternamente.

127 129
Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito 37
Põe-me onde se use toda a feridade45 ,
(Se de humano é matar hũa donzela, Entre leões e tigres, e verei
Fraca e sem força, só por ter sujeito Se neles achar posso a piedade
O coração a quem soube vencê-la), Que entre peitos humanos não achei.
A estas criancinhas tem respeito, Ali, co amor intrínseco46 e vontade
Pois o não tens à morte escura dela; Naquele por quem mourro, criarei
Mova-te a piedade sua e minha38, Estas relíquias suas47 que aqui viste48,
Pois te não move39 a culpa que não tinha40. Que refrigério49 sejam da mãe triste.»

Vocabulário
34
Natureza; 35 Semíramis, Rainha da Babilónia, alimentada na infância por aves de rapina; 36 Rómulo e Remo, fundadores de
Roma, amamentados por uma loba; 37 Tu que, diferentemente dos animais selvagens, és humano; 38 «Piedade» pelas crianças
(«sua») e por Inês («minha»). 39 comove; 40 esta forma verbal tem valor de presente de indicativo; 41 referência à Batalha do
Salado; 42 os filhos de Inês, netos do rei; 43 região longínqua, na Ásia; 44 região do norte de África; 45 ferocidade; 46 enorme; 47 os
seus filhos e de D. Pedro, netos do rei, ali presentes; 48 esta forma verbal tem valor de presente do indicativo; 49 consolo

GUIA DO PROFESSOR
ROFESSOR
Leitura
1. a. V (Estância 126, na tota-
lidade, com especial atenção
aos vv. 1, «brutas feras» e 3,
«aves agrestes»); b. V (Estân-
cia 127, v. 1, a expressão «que Leitura
tens de humano o gesto e o
peito», isto é, que és humano,
contrasta com a natureza ani- 1. Identifica as afirmações verdadeiras (V) e a falsa (F). Justifica com expressões textuais.
mal das «aves» e das «feras»
referidas na estância anterior);
a. Inês de Castro apresenta dois exemplos de animais selvagens que protegeram crian-
c. V (Estância 127, v. 5, «A es- ças.
tas criancinhas tem respeito»
e ainda, v. 7, «Mova-te a pieda- b. Para ela não é normal que seres humanos sejam capazes de lançar na infelicidade
de sua», isto é, piedade pelas crianças, uma vez que até os animais selvagens as protegem.
crianças); d. F; e. V (Estâncias
128 e 129, respetivamente c. Ela pretende sensibilizar o rei no sentido de proteger os seus filhos, não a mandan-
vv. 6 e 7 «Põe-me em perpé-
tuo e mísero desterro,/ Na Cí- do matar, para que possa cuidar deles.
tia fria ou lá na Líbia ardente»
e vv. 1 e 2 «Põe-me onde se d. Ela não apresenta nenhuma alternativa à sua possível morte.
use toda a feridade,/ Entre le-
ões e tigres» e vv. 5 a 7 «Ali e. Inês propõe ao rei que, em vez de a mandar matar, a envie para uma região longín-
(…) criarei/ Estas relíquias su- qua, desterrada, onde possa criar os seus filhos.
as»).

180
CANTO III · Inês de Castro 4

Morte de Inês.

130 133
Queria perdoar-lhe o Rei benino50, Bem puderas, ó Sol, da vista destes60,
Movido das palavras51 que o magoam; Teus raios apartar aquele dia,
Mas o pertinaz52 povo e seu destino Como da seva mesa61 de Tiestes,
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam. Quando os filhos por mão de Atreu comia62!
Arrancam das espadas de aço fino Vós, ó côncavos vales, que pudestes
Os que por bom tal feito ali apregoam. A voz extrema63 ouvir da boca fria,
Contra hũa dama, ó peitos carniceiros, O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Feros vos amostrais e cavaleiros? Por muito grande espaço repetistes.

131 134
Qual contra a linda moça Polycena53 , Assi como a bonina64, que cortada
Consolação extrema54 da mãe velha, Antes do tempo foi, cândida e bela,
Porque a sombra de Aquiles a condena, Sendo das mãos lascivas65 maltratada
Co ferro o duro Pirro se aparelha; Da minina que a trouxe na capela66,
Mas ela, os olhos, com que o ar serena O cheiro traz perdido e a cor murchada:
(Bem como paciente e mansa ovelha), Tal está, morta, a pálida donzela,
Na mísera mãe postos, que endoudece, Secas do rosto as rosas67 e perdida
Ao duro sacrifício se oferece: A branca e viva cor, co a doce vida.

132
Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo55 de alabastro, que sustinha
As obras56 com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando e as brancas flores57,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos58 e irosos,
No futuro castigo não cuidosos59.

Vocabulário
50
bondoso; 51 comovido pelas palavras; 52 teimoso; 53 referência a uma figura feminina da Ilíada, assassinada em circunstâncias idênticas
às de Inês de Castro: foi morta pela espada por Pirro sobre o túmulo de seu marido, Aquiles, com quem tinha casado secretamente.
Também Inês se teria casado em segredo com D. Pedro. Foi Aquiles que, como um fantasma, uma «sombra», já depois de morto,
apareceu a Pirro pedindo-lhe que matasse Policena para que ela fosse viver com ele no Além; ela aceitou serenamente esse destino;
54
última; 55 pescoço; 56 beleza do rosto, dos olhos, dos cabelos…; 57 Não é certo o significado da expressão «brancas flores»: as duas
leituras mais correntes são a pele do pescoço, branca como o alabastro, ou os seios, brancos também; 58 ferozes; 59 sem pensarem no
castigo que teriam; 60 dos assassinos de Inês; 61 banquete cruel; 62 referência ao episódio mitológico no qual Atreu ofereceu um banquete
a Tiestes; este era seu irmão e tinha roubado a esposa a Atreu; teve filhos dela. Atreu fingiu esquecer-se da ofensa e um dia convidou o
irmão para um banquete, tendo-lhe oferecido pratos com a carne dos filhos atrás referidos. Tão horrível foi o ato de Atreu que o Sol se
escondeu, horrorizado; 63 a última palavra / as últimas palavras; 64 a flor; 65 brincalhonas; 66 coroa de flores; 67 as faces

181
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Leitura

GUIA DO PROFESSOR 1. Indica qual a primeira reação do rei depois de ter ouvido Inês.
Leitura 1.1 Justifica-a.
1. O rei queria perdoar-lhe (v.
2), estância 130.
1.1 O rei ficou sensibilizado ou 2. Perante o assassinato que se aproxima, é feita uma pergunta nos dois últimos versos da
comovido com os argumen- estância 130.
tos de Inês.
2. 2.1 Explicita a pergunta.
2.1 Como é possível que os
cavaleiros tenham atacado e
2.2 Identifica os seus destinatários.
assassinado (cobardemente) 2.3 Escolhe a opção incorreta. Essa pergunta implica, por parte do narrador, sentimen-
uma indefesa mulher?
2.2 Os assassinos, (interpe- tos de
lados na apóstrofe «ó peitos
carniceiros»).
a. espanto e reprovação. c. aceitação e resignação.
2.3 c. b. indignação e reprovação. d. espanto e indignação.
3.
3.1 a.; 3.2 c.; 3.3 b.
3. Atenta na estância 132. Faz corresponder as colunas A e B de modo a obteres afirma-
4. A última ação de Inês foi
proferir o nome de Pedro, ções verdadeiras.
chamar por ele (em seu au-
xílio).
Gramática A B
1.
Est. 130: a. sujeito; b. comple- 3.1 Sabendo que o alabastro é um mi- a. do mesmo modo que este mineral se
mento indireto; c. modificador
[de grupo verbal (com valor neral muito branco, a expressão caracteriza pela brancura, o colo de
locativo ou de lugar)]; «colo de alabastro», v. 2, concretiza Inês, o seu pescoço, a sua pele, tam-
Est. 131: a. complemento di- uma metáfora porque bém.
reto; b. sujeito;
Est. 132: a. sujeito; 3.2 A utilização do verbo banhar, em b. do mesmo modo que a água que ferve
Est. 133: a. vocativo; b. com- «as espadas banhando», v. 5, con- se agita muito, também os assas-
plemento direto;
cretiza um eufemismo porque sinos trespassaram repetidamente
Est. 134: a. modificador apo-
sitivo do nome «bonina»; b. 3.3 O adjetivo «férvidos», v. 7, que qua- Inês.
complemento direto; c. su-
jeito. lifica os assassinos, significa agi- c. com a utilização deste verbo suaviza-
tados, impetuosos; concretiza, por -se o ato da morte de Inês, trespas-
isso, uma metáfora, porque sada pelas espadas.
Animação
Gramática – Algumas
funções sintáticas
internas ao grupo verbal: 4. Atenta nos últimos quatro versos da estância 133 e refere qual a última ação de Inês
complemento direto,
antes de expirar.
complemento indireto e
complemento oblíquo

Pratica
Gramática
Funções sintáticas

1. Indica a função sintática das seguintes palavras ou expressões:

Estância 130 Estância 131 Estância 132 Estância 133 Estância 134

a. «cândida e bela»,
a. «O Rei benino», v. 1; a. «a, [na expressão v. 2;
a. «ó Sol», v. 1;
b. «lhe», v. 4; «a condena»]», v. 3; a. «Amor», v. 3. b. «a», v. 4;
b. «Teus raios», v. 2.
c. «ali», v. 6. b. «o duro Pirro», v. 4. c. «a pálida donzela»,
v. 6.

182
CANTO III · Inês de Castro 4

Reação da Natureza à morte de Inês.

135
As filhas do Mondego68 a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores69.
Vocabulário
68
esta expressão pode ler-se como referindo-se às mulheres de
Coimbra ou às Ninfas do Mondego; 69 trata-se da Fonte dos Amores,
A Fonte dos Amores, na Quinta das Lágrimas,
em Coimbra na Quinta das Lágrimas, em Coimbra

Leitura
GUIA DO PROFESSOR
1. Escolhe a opção correta. A ordem direta dos dois primeiros versos é a seguinte:
Leitura
a. As filhas do Mondego memoraram chorando a morte escura longo tempo. 1.b.
2. d.
b. As filhas do Mondego memoraram a morte escura chorando longo tempo.
2.1 Porque conta um episódio
c. As filhas do Mondego memoraram longo tempo a morte escura chorando. da nossa História.
Visão geral do episódio
d. As filhas do Mondego memoraram longo tempo chorando a morte escura.
Inês de Castro
Respostas livres.
2. Escolhe a opção correta. Este episódio, cujo estudo agora terminaste, insere-se num
só dos seguintes planos de Os Lusíadas:
a. da viagem; c. dos deuses;
b. das considerações do Poeta; d. da História de Portugal.
2.1 Justifica.

VISÃO GERAL DO EPISÓDIO

Inês de Castro
1. Seleciona qual dos acontecimentos ou situações seguintes presentes neste episódio te impressionou
mais e justifica a tua opinião.
a. O sofrimento de Inês ao dar-se conta de que os seus filhos poderiam ficar órfãos de mãe. (est. 125)
b. As palavras de Inês a pedir ao rei a vida para cuidar dos seus filhos. (est. 126 a 129)
c. A luta no espírito do rei entre os laços familiares e a razão de Estado. (est. 130)
d. O assassinato de Inês. (est. 132)

183
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

INÊS DE CASTRO: QUANDO TUDO ACONTECEU...


1320 Em Coimbra, a 8 de abril, nasce o príncipe D. Pedro,
filho de D. Afonso IV, rei de Portugal.
1340 D. Afonso IV participa na Batalha do Salado ao lado
de Afonso XI de Castela; é a vitória decisiva da cris-
tandade sobre a moirama da Península Ibérica. Inês
de Castro, dama galega, vem para Portugal no sé-
quito de D. Constança, noiva castelhana de D. Pedro;
paixão adúltera e fulminante de Pedro por Inês.
1345 Nasce D. Fernando, filho de D. Constança e de D. Pe-
dro.
1349? Morte de D. Constança.
1354 Influenciado pelos Castro (irmãos de Inês), D. Pedro
mostra-se disposto a intervir nas lutas dinásticas
castelhanas.
1355 A 7 de janeiro, com o consentimento d’El-Rei
D. Afonso IV, nos paços de Santa Clara (Coimbra),
Diogo Lopes Pacheco, Pedro Coelho e Álvaro Gon-
çalves degolam Inês de Castro; revolta de D. Pedro
contra o pai.
1357 Morte de D. Afonso IV; D. Pedro sobe ao trono e
manda executar os assassinos de Inês de Castro que
conseguiu apanhar.
1361 Do Mosteiro de Santa Clara (Coimbra) para o Mos-
teiro de Alcobaça, D. Pedro I manda trasladar os res-
tos mortais de Inês de Castro.
1367 A 18 de janeiro morre D. Pedro I, em Estremoz.

Coroação de Inês de Castro em 1361, Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/inesdecastro.htm


(Texto consultado em 25.05.2012)
Pierre-Charles Comte (1823-1895)

INÊS DE CASTRO: POR QUE TUDO ACONTECEU – AS RAZÕES DE ESTADO

Entre os episódios célebres do seu reinado [de D. Afonso IV] estão a participação
portuguesa na Batalha do Salado, em 1340, e a execução de Inês de Castro, facto que
veio a ser origem de uma das mais conhecidas e comoventes lendas da História portu-
guesa. Para obterem apoio militar, os nobres castelhanos revoltados contra o seu rei,
Pedro, o Cru, ofereceram a coroa de Castela ao infante D. Pedro, filho do rei de Portugal.
O elemento de ligação entre o infante e os conspiradores era D. Inês de Castro, sua
amante e já então mãe de três filhos. D. Afonso IV, que não queria envolver-se na ques-
tão, mandou degolar Inês.

José Hermano Saraiva, Breve História de Portugal – Ilustrada, Lisboa, Bertrand, 1979

184
CANTO III · Inês de Castro 4
Para saberes mais:
¤ Inês de Castro pertencia a uma família nobre cas-
telhana;
¤ os seus irmãos estavam entre os nobres que se
revoltaram contra Pedro, o Cru;
¤ através da influência que ela tinha junto do prín-
cipe D. Pedro, temia-se em Portugal que ele pu-
desse vir a arrastar o país para a guerra civil que
grassava em Espanha;
¤ por isso, o rei D. Afonso IV, aconselhado pela no-
breza e tendo em atenção a opinião pública em
geral, acabou por consentir na morte da mãe dos
seus três netos, pelo interesse de Portugal.

Batalha do Salado, aguarela de Roque Gameiro (1864-1935)

INÊS DE CASTRO: COMO TUDO ACONTECEU – A MORTE

(...) estando El-Rei em Montemor-o-Velho, con-


cluindo já e consentindo na morte da dita Dona Inês,
acompanhado de muita gente armada, se veio a Coim-
bra, onde ela estava nas casas do mosteiro de Santa
Clara. A qual, sendo avisada da ida de El-Rei, e da irosa
e mortal tenção que contra ela levava achando-se sal-
teada para se não poder já salvar por alguma maneira,
o veio receber à porta. Onde com o rosto transfigurado,
e por escudo de sua vida, para sua inocência achar na
ira de El-Rei alguma mais piedade, trouxe ante si os
três inocentes infantes, seus filhos, netos de EI-Rei,
com cuja presentação e com tantas lágrimas e com
palavras assim piedosas pediu misericórdia e perdão a
El-Rei. E que ele, vencido dela, se diz que se volvia e a
“[Súplica de Inês de Castro]”, pintura de Eugénie Servières
deixava já para não morrer, como levava determinado. (1786-1820)
E que alguns cavaleiros que com El-Rei iam para a
morte dela, logo entraram. E principalmente Diogo Lo- determinação com que os ali trouxera, e pelo grande
pes Pacheco, filho de Lopo Fernandes Pacheco, senhor ódio e mortal perigo em que daí em diante com ela e
de Ferreira, e Álvaro Gonçalves, meirinho-mor, e Pedro com o infante D. Pedro os deixava, lhe fizeram dizer e
Coelho. Quando assim viram sair El-Rei, como que já consentir que eles tornassem1 a matar a Dona Inês, se
revogava sua sentença, agravados dele por a pública quisessem. A qual por isso logo mataram.

1
regressassem

Rui de Pina, Crónicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal, in Bernardo Vasconcelos e Sousa, D. Afonso IV, Casais de Mem Martins,
Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2005

185
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

INÊS DE CASTRO: O TÚMULO


Inês de Castro está representada com a expressão
tranquila, rodeada por anjos e coroada de rainha. A mão
direita toca na ponta do colar que lhe cai do peito e a mão
esquerda, enluvada, segura a outra luva.
Os temas representados no túmulo são: nos frontais,
a Infância de Cristo e a Paixão de Cristo e, nos faciais, o
Calvário e o Juízo Final.
Neste túmulo salienta-se um dos faciais, que repre-
senta o Juízo Final. Pensa-se que D. Pedro, com a repre-
sentação desta cena dramática da religião cristã, quis
mostrar a todos (inclusive a seu pai e aos assassinos) que
Túmulo de Inês de Castro no Mosteiro de Alcobaça. ele e Inês tinham um lugar no Paraíso e que quem os fi-
zera sofrer tanto podia ter a certeza que iria entrar pela
bocarra de Leviatão1 representada no canto inferior direi-
to do facial. Podemos observar também a figura de Cristo
entronizado, e a Virgem e os Apóstolos que à sua direita
rezam. Em baixo estão representados os mortos que se
levantam das suas sepulturas para serem julgados.

1
monstro marinho símbolo do Inferno Fonte: http://pt.wikipedia.org (Texto consultado em 12.05.2012)

PEDRO E INÊS: O «VERDADEIRO AMOR»

Porque semelhante amor qual El-Rei Dom Pedro


ouve a dona Inês raramente é achado em alguma pes-
soa.
Este verdadeiro amor ouve El-Rei Dom Pedro a
Dona Inês desde que se dela enamorou, de tal modo
que, quando não podia estar junto dela porque ia de
viagem, afastando-se, sem poder vê-la nem falar-lhe
– que é a principal razão de se perder o amor – nunca
cessava de lhe enviar recados.
Depois da sua morte, mandou fazer um túmulo de
pedra branca, artisticamente muito bem feito, com a Inês e Pedro – os túmulos em Alcobaça – voltados um para
imagem dela em cima com a coroa na cabeça, como se o outro, de tal modo que, ao ressuscitarem para o juízo final,
se vejam um ao outro antes de mais nada ou ninguém verem,
fosse rainha; e este túmulo mandou colocar no mos-
mesmo Deus.
teiro de Alcobaça. Mandou fazer também para si um
túmulo, junto do dela, para lá o colocarem quando mor-
resse.
Fernão Lopes, Crónica de D. Pedro, Lisboa, INCM, 2007
(Texto adaptado)

186
CANTO III · Inês de Castro 4

INÊS DE CASTRO: A IMORTALIDADE LITERÁRIA

Antes de Camões e muito depois dele, sempre houve quem, através da literatura,
(nos) lembrasse Inês. Aqui ficam dois de muitos exemplos possíveis:

Antes de Camões Depois de Camões

Trovas à morte de D. Inês de Castro Cantata à morte de Inês de Castro


Garcia de Resende (Séculos XV/XVI) Bocage (Séculos XVIII / XIX)
(…)
Qual será o coração Eu era moça, menina, “Toldam-se os ares, Tem roto o seio,
tão cru e sem piedade, por nome Dona Inês Murcham-se as flores: Tesouro oculto;
que lhe não cause paixão de Castro, e de tal doutrina Morrei, amores, Bárbaro insulto
uma tão grã crueldade e virtudes, qu’era dina Que Inês morreu. Se lhe atreveu.
e morte tão sem razão? de meu mal ser ao revés.
Triste de mim, inocente, Vivia sem me lembrar Mísero esposo, De dor e espanto,
que, por ter muito fervente que paixão podia dar Desata o pranto, No carro de oiro,
lealdade, fé, amor nem dá-la ninguém a mim: Que o teu encanto O númen loiro
ao príncipe, meu senhor, foi-m’o príncipe olhar, Já não é teu. Desfaleceu.
me mataram cruamente! por seu nojo e minha fim.
Sua alma pura Aves sinistras
A minha desaventura Começou-m’a desejar Nos Céus se encerra; Aqui piaram,
não contente d’acabar-me, trabalhou por me servir; Triste da terra Lobos uivaram,
por me dar maior tristura Fortuna foi ordenar Porque a perdeu! O chão tremeu.
me foi pôr em tant’altura, dous corações conformar
para d’alto derribar-me; a uma vontade vir. Contra a cruenta Toldam-se os ares,
que, se me matara alguém, Conheceu-me, conheci-o, Raiva ferina Murcham-se as flores
antes de ter tanto bem, quis-me bem e eu a ele, Face divina Morrei, amores,
em tais chamas não ardera, perdeu-me, também perdi-o; Não lhe valeu. Que Inês morreu.”
pai, filhos não conhecera, nunca té morte foi frio.
nem me chorara ninguém. (…)

GUIA DO PROFESSOR

Áudio
“Inês de Castro:
Escrita a imortalidade literária”

Escrita
Oficina
de escrita Grelha de autoavaliação,
LPP

p. 31

1 Escrever um texto expositivo


Trabalho de pares ou grupos de três alunos

Escreve um texto, com um mínimo de 180 palavras e um máximo de 240, no qual expo-
nhas, o mais objetivamente possível, os acontecimentos históricos que levaram à morte de
Dona Inês de Castro. Não apresentes qualquer opinião sobre os factos.

187
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Deverás referir o seguinte – informação mínima (podes acrescentar outros factos):


¤ breve referência ao nascimento de Inês de Castro;
¤ circunstâncias em que veio para Portugal;
¤ a relação com o príncipe D. Pedro;
¤ consequências políticas desta relação;
¤ posição de D. Afonso IV;
¤ circunstâncias da morte de Inês.

1. Planifica o teu texto: lista ordenadamente os tópicos que vais desenvolver; lista tam-
bém os organizadores textuais que te permitirão encadeá-los progressivamente: em
primeiro lugar, primeiramente, além disso, por outro lado…
2. Escreve o teu texto: apoia-te na planificação.
3. Revê / aperfeiçoa o teu texto: avalia-o enquanto o escreves ou no final; altera-o em
função dessa avaliação, acrescentando, retirando, substituindo ou deslocando (sinais de
pontuação, palavras…); podes fazer este trabalho tendo em atenção a grelha de avalia-
ção que estará projetada durante a oficina.
4. Edita o teu texto: passa-o a limpo, tendo atenção ao emprego de ortografia correta,
caligrafia legível, divisão adequada em parágrafos…
5. Divulga o teu texto: lê-o à turma, lê-o noutra turma, expõe-no…

Escrever para expressar opiniões fundamentadas


2
Trabalho de pares

Escreve um texto, com um mínimo de 80 e um máximo de 120 palavras, no qual apresen-


tes uma opinião fundamentada sobre a morte de Inês de Castro.
Deverás apresentar a tua opinião justificada sobre se:
¤ a morte de Inês era a única solução;
¤ o problema podia ter sido solucionado de outra maneira.

Inicia as justificações com conectores apropriados.

Oralidade
EXPRESSÃO

Falar para expor acontecimentos


Apresenta uma exposição oral que dure cerca de cinco minutos na qual exponhas os aconteci-
mentos que levaram à morte de Dona Inês de Castro.
GUIA DO PROFESSOR 1. Planifica a tua exposição aproveitando as sugestões da primeira das duas atividades de
Oralidade (expressão)
escrita anteriores.
Grelha
LPP

de heteroavaliação, 2. Executa e avalia a tua apresentação tendo em conta a planificação; antes de iniciares a
p. 38
apresentação analisa a grelha de avaliação projetada, para saberes exatamente os aspetos
nos quais vais ser observado / avaliado; se necessário, poderás fazer uma segunda execução
logo a seguir à primeira ou mais tarde na mesma aula, ou noutra aula.

188
4
CANTO IV
Narração – Viagem (preparativos e início)

História História História História História História História História


PLANOS

de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal de Portugal

Crise de 1383- Batalha de D. Duarte Preparativos da


D. João I (51-53)
-1385 Aljubarrota D. Manuel I armada
(12-50) Conquista de O velho do
(1-5) (28-44) D. Afonso V (66-106) (76-83)
Discurso de Ceuta Restelo
Invasão de Outras lutas com (54-59) Sonho profético Despedidas de
Nun’Álvares (48-50) (94-104)
Castela Castela D. João II (67-75) Belém
(14-19)
(6-11) (45-47) (60-65) (84-93)

Narrador de 1ª pessoa: Vasco da Gama

Resumo
Vasco da Gama prossegue a narrativa da História de Portugal. Conta agora ao
rei de Melinde os acontecimentos mais relevantes que marcaram o período da 2ª
dinastia, desde a revolução de 1383-85, até ao momento, no reinado de D. Manuel,
em que as naus partem para a Índia.

Após a narrativa da Revolução de 1383-85, que incide fundamentalmente na


figura de Nuno Álvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acon-
tecimentos dos reinados de D. João II, sobretudo os relacionados com a expansão
africana.

Assim, surge a narração dos preparativos da viagem à Índia, desejo que iria ser
realizado no reinado de D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges aparecem em so-
nhos, profetizando futuras glórias no Oriente. O Canto termina com a partida das
naus, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras pessimistas de um velho
que estava na praia, entre a multidão. É o Velho do Restelo, que condena a «glória
de mandar» e a «vã cobiça», que faz os Portugueses partirem para o Oriente.

Despedidas de Belém
1 2 3 4

A armada pronta para partir. Marinheiros e soldados Lamentos dos familiares dos Embarque.
rezam, em Belém, pelo sucesso marinheiros e dos soldados.
da viagem e dirigem-se em
procissão aos navios.

Estâncias:
84-85 86-88 89-92 93

189
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

A armada pronta para partir.

A partida de Vasco da Gama para a


Índia em 1497, aguarela de Roque
Gameiro (1864-1935)
84 85
E já no porto da ínclita Ulisseia , 1
Pelas praias vestidos os soldados
Cum alvoroço nobre e cum desejo De várias cores vem e várias artes9,
(Onde o licor2 mestura e branca areia E não menos de esforço aparelhados10
Co salgado Neptuno3 o doce Tejo4) Pera buscar do mundo novas partes.
As naus prestes estão; e não refreia5 Nas fortes naus os ventos sossegados
Temor nenhum o juvenil despejo6, Ondeiam os aéreos estandartes.
Porque a gente marítima7 e a de Marte8 Elas prometem, vendo os mares largos,
Estão pera seguir-me a toda a parte. De ser no Olimpo estrelas, como a de Argos11.

Vocabulário
1
Lisboa; 2 água (do Tejo); 3 o mar; 4 estes versos, na ordem direta: «Onde o doce Tejo mistura o licor e branca areia co salgado
Neptuno»; 5 não tem, não apresenta; 6 coragem; 7 os marinheiros; 8 os soldados; 9 vários modos; 10 preparados; 11 os nautas
Portugueses querem ser tão famosos como os antigos Argonautas gregos

GUIA DO PROFESSOR
Leitura Leitura
1. Vv. 2, 5 e 6 da est. 84.
1. Identifica os versos nos quais se caracterizam psicologicamente os Portugueses
prestes a partir.

190
CANTO IV · Despedidas de Belém 4

Marinheiros e soldados rezam,


em Belém, pelo sucesso da viagem
e dirigem-se em procissão
aos navios.

86
Despois de aparelhados12, desta sorte13,
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhámos a alma pera a morte 14,
Que15 sempre aos nautas ante os olhos anda.
Pera o sumo Poder, que a etérea Corte
Sustenta só co a vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse16.

87
Partimo-nos assi do santo templo17
Que nas praias do mar está assentado18,
Que o nome tem da terra19, pera exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei20, que, se contemplo21
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio22.
Os argonautas (século XVI), pintura de Lorenzo Costa
88 (1460-1535)
A gente da cidade, aquele dia
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista e descontentes. Vocabulário
12
E nós, co a virtuosa companhia preparados; 13 deste modo; 14 ouviram
De mil religiosos diligentes, missa, confessaram-se e comungaram.
15
porque; 16 pediram a Deus que favo-
Em procissão solene, a Deus orando, recesse o início da viagem; 17 ermida de
Pera os batéis viemos caminhando. Santa Maria de Belém; 18 construído; GUIA DO PROFESSOR
19
Belém; 20 o rei de Melinde; 21 se me Leitura
lembro; 22 quase me apetece chorar 1. Antes de partirem, os ma-
rinheiros prepararam-se es-
piritualmente, ouvindo missa,
confessando-se e comungan-
Leitura do. Os marinheiros pedem,
ainda, que Deus os auxilie
nesta viagem.
1. Descreve os comportamentos religiosos dos marinheiros antes de partirem. 1.1 Vv. 3, 7 e 8.
1.1 Identifica os versos nos quais se registam esses comportamentos. 2.
2.1 Houve quem viesse por
motivos familiares (v. 2), por
2. A estância 88 refere a «gente da cidade», v. 1, que veio ver a partida das naus. motivos de amizade (v. 2), por
simples curiosidade (v. 3).
2.1 Indica que razões trouxeram essas pessoas a Belém.

191
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Des
pedida
s de Belém
3

Lamentos dos familiares dos


marinheiros e dos soldados.

89 91
Em tão longo caminho e duvidoso Qual em cabelo28: «Ó doce e amado esposo,
Por perdidos as gentes nos julgavam, Sem quem não quis Amor que viver possa,
As mulheres cum choro piadoso, Porque is29 aventurar ao mar iroso30
Os homens com suspiros que arrancavam. Essa vida que é minha e não é vossa?
Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso Como, por um caminho duvidoso,
Amor mais desconfia23, acrecentavam Vos esquece a afeição tão doce nossa?
A desesperação e frio medo Nosso amor, nosso vão contentamento,
De já nos não tornar a ver tão cedo. Quereis que com as velas leve o vento?»

90 92
GUIA DO PROFESSOR
Leitura
Qual vai dizendo: «Ó filho, a quem eu tinha Nestas e outras palavras que diziam,
1. Só pera refrigério24 e doce emparo De amor e de piadosa humanidade,
a. «As mulheres», v. 3, «Os Desta cansada já velhice minha, Os velhos e os mininos os seguiam,
homens», v. 4, «Mães», «Es-
posas» e «Irmãs», v. 5; Que em choro acabará, penoso e amaro25, Em quem menos esforço põe a idade31.
b. O estado de espírito de to- Porque me deixas, mísera e mesquinha? Os montes de mais perto respondiam,
das estas pessoas, principal-
mente das mulheres cujos
Porque de mi te vas, ó filho caro26, Quase movidos de alta piedade;
familiares partem, é de triste- A fazer o funéreo27 enterramento A branca areia as lágrimas banhavam,
za, desespero e medo.
2.
Onde sejas de pexes mantimento?» Que em multidão co elas se igualavam.
2.1 Na estância 90 fala uma
mãe; na 91, uma esposa. Vocabulário
23
2.2 A mãe – primeiro argu- teme; 24 consolo, apoio; 25 amargo; 26 querido; 27 fúnebre; 28 as mulheres andavam normalmente com a cabeça coberta;
mento: o filho vai deixar a descobrir os cabelos é, neste caso, sinal de desespero; 29 ides; 30 zangado; 31 nos velhos e nas crianças a emoção é maior
mãe desamparada na velhice
(vv. 1 a 4); segundo: vai mor-
rer no mar (vv. 5 a 8); a esposa
– primeiro argumento: o mari-
do partindo, coloca em causa
a sua relação conjugal (vv. 3 e
Leitura
4); segundo: troca o amor pe-
la incerteza do mar; terceiro: 1. A estância 89 apresenta as pessoas, «as gentes», v. 2, que assistiam à partida. Identifica:
vai destruir a relação amoro-
sa (vv. 7 e 8). a. essas pessoas; b. o seu estado de espírito.
3.
3.1 A hipérbole está presente 2. Nas estâncias 90 e 91 falam duas pessoas.
no último verso quando o nar-
rador diz que «as lágrimas» 2.1 Identifica-as.
eram tantas («se igualavam»)
como as areias. 2.2 Explica quais os argumentos (acusações) usados por cada uma delas nos seus discursos.
3.2 A hipérbole é expressiva,
pois através do exagero suge-
re-se o sofrimento de quem
3. A hipérbole está presente no final da estância 92.
se separava. 3.1 Identifica-a.
3.2 Explica a sua expressividade literária.

192
CANTO IV · Despedidas de Belém 4
Gramática Pratica
Funções sintáticas
1. Identifica: GUIA DO PROFESSOR
a. na estância 89, entre os versos 5 e 8, um pronome pessoal com função sintática Gramática
1. a. «nos», v. 8; b. «me», v. 5.
de complemento direto;
b. na estância 90, entre os versos 1 e 5, um pronome pessoal com função sintática Leitura
de complemento direto. 1.
1.1. Vasco da Gama decidiu
(«determinei»), v. 5, o embar-
que sem fazer as habituais
despedidas.
1.2 Decidiu deste modo por-
93 que («que»), v. 7, embora re-
conhecendo ser uma boa
4 Nós outros, sem a vista alevantarmos prática (v. 7), entendeu que as
Nem a Mãe, nem a Esposa, neste estado, despedidas poderiam magoar
Embarque. quem partia ou quem ficava.
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do propósito firme começado, Visão geral do episódio
Determinei de assi nos embarcarmos, Despedidas de Belém
1.
Sem o despedimento costumado32,
1.1 – b..; 1.2 c.; 1.3 a.
Que33, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa34.

Vocabulário
32
Sem as despedidas habituais; 33 Porque; 34 Se sofre mais
fazendo essas despedidas

Leitura

1. A estância 93 refere uma decisão de Vasco da Gama.


1.1 Explicita-a.
1.2 Explica que razão ou razões teve Vasco da Gama
Embarque da armada de Vasco da Gama
para tomar essa decisão.

VISÃO GERAL DO EPISÓDIO

Despedidas de Belém
1. Faz corresponder os elementos de ambas as colunas de modo a obteres afirmações comprovadas no episódio.

A B

1.1 Na estância 84 deparamo-nos com a. ao embarcar sem se despedir dos seus familiares.
1.2 Contudo, nas estâncias 89 a 92, b. um ambiente de festa e de despreocupação, apro-
1.3 Mas Vasco da Gama, que narra es- priado ao início de uma aventura.
tes acontecimentos ao rei de Me- c. este ambiente de festa é ensombrado e as reali-
linde, na estância 93 revela-se um dades do perigo e da morte impõem-se a todos.
capitão decidido

193
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Escrita

GUIA DO PROFESSOR
Escrever para expressar opiniões fundamentadas
Oralidade Escreve um texto, com um mínimo de 80 palavras e um máximo de 120, no qual apresen-
(Compreensão) tes a tua opinião sobre a seguinte afirmação:
1.
1.1 Fazer turismo, ensinar os Quando o adolescente parte sozinho ou com os amigos para uma viagem deixa
cadetes; promover o país, etc. a família, mas a viagem é sempre um fator de crescimento como pessoa.
A resposta deve ser orientada
para o tema da viagem.
Quer concordes, quer discordes, deves apresentar pelo menos dois argumentos para justi-
2. Tema: terceira viagem de
circum-navegação do veleiro ficar a tua posição. Podes dar exemplos de situações pessoais.
Sagres.
Assunto: 1. Na introdução, apresenta brevemente a tua opinião sobre este assunto.
Tópico 1 – número de tripu-
lantes: 150. 2. No desenvolvimento, defende-a com argumentos válidos.
Tópico 2 – A limpeza diária;
servir as refeições; conviver 3. Na conclusão, retoma a tua posição inicial, mostrando que a defendeste adequadamente.
com os visitantes.
Tópico 3 – custo: cerca de
quatro milhões de euros.
Tópico 4 – dificuldades: Os Oralidade
mares difíceis e os piratas do COMPREENSÃO
golfo de Áden.
Tópico 5 – número de para-
gens: 27.
Pré-escuta / visionamento
Tópico 6 – data de regresso: 1. O vídeo que vais ver e ouvir aborda a partida de Lisboa do veleiro “Sagres” – um dos navios
três de dezembro.
mais emblemáticos da marinha portuguesa.
3. b.; d.; e.
4. Resposta possível: A Sagres 1.1 Indica os objetivos que, no teu entender, esta viagem pretende atingir.
fará uma volta ao mundo para
promover o país participando
em diversas comemorações Escuta / visionamento
em vários pontos do mundo.
Primeira audição – apreender sentidos globais
2. Procede à audição / visionamento do vídeo indicando o tema, o assunto de acordo com os
Link Internet seguintes tópicos:
Vídeo “Circum-navegação
do navio-escola Sagres” Tema
(consultado em 06.02.2013)
Assunto
Teste de compreensão 1. número de tripulantes; 2. funções da guarnição; 3. custo;
LPP

oral, Tópicos
pp. 46-47 4. dificuldades; 5. número de paragens; 6. data de regresso.

3. Seleciona os objetivos enunciados para esta viagem:


a. Participar em ações militares contra os piratas do golfo de Áden.
b. Promover produtos e serviços Portugueses.
c. Vender produtos Portugueses nos portos de acostagem.
d. Participar em regatas comemorativas das independências sul-americanas.
e. Participar nas comemorações dos 150 anos do tratado de amizade com o Japão.
f. Repetir a viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães.

Pós-escuta / visionamento
4. Recupera a informação essencial deste vídeo através de uma síntese escrita (máximo de
25 palavras).

194
4
CANTO V
Narração – Viagem
PLANOS

Viagem Viagem Viagem Viagem Viagem Viagem Viagem

Considerações
do Poeta

Partida de Lisboa Fogo de O escorbuto


(1-3) Viagem até ao (81-83) Palavras finais
Santelmo Episódio de Episódio do
Rio dos Bons de Vasco da Considerações
Viagem até ao e tromba Fernão Veloso Adamastor Viagem até
Sinais Gama do Poeta sobre o
Zaire marítima (30-36) (37-60) Melinde
(61-80) (86-91) desprezo das letras
(4-13) (18-23) (84-85) e das artes
(92-100)

Narrador de 1ª pessoa: Vasco da Gama

Resumo
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao rei de Melinde, contando agora a
viagem da Armada, de Lisboa até Melinde.

Vasco da Gama narra a grande aventura marítima em que os marinheiros obser-


varam, maravilhados ou inquietos, fenómenos naturais como o Fogo de Santelmo ou
a Tromba Marítima e enfrentaram inúmeros perigos e obstáculos como a hostilidade
dos nativos, no episódio de «Fernão Veloso», o terror provocado pela figura «medo-
nha e má» do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto.

O Canto termina com a censura do Poeta aos seus contemporâneos que despre-
zam a poesia.

Adamastor

1 2 3 4 5 6

Introdução Desenvolvimento Conclusão

Indícios de Aparição de Discurso profético dessa figura sobre as Vasco da Gama O Gigante Adamastor
que algo de uma figura dificuldades e desgraças dos Portugueses nas suas pede à figura que Adamastor desaparece.
extraordinário gigantesca; sua navegações futuras. se identifique. identifica-se
vai suceder. descrição. contando a triste
A. Caracterização dos B. O preço da ousadia: história da sua
Portugueses: um desgraças, mortes, vida.
povo ousado. naufrágios…

Estâncias:
37-38 39-40 41-42 43 a 48 49 50 a 59 60

195
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

GUIA DO PROFESSOR Indícios de que algo de extraordinário vai suceder.


Leitura
1. Sensações visuais («Uma
nuvem que os ares escure-
ce», v. 7, est. 37) e visuais e Lisboa
auditivas («Bramindo o ne- (Belém)
gro mar de longe brada», v. 3,
est. 38).
2. Canárias
2.1 Pergunta a Deus que tipo ÍNDIA
de fenómeno invulgar é aque- Cabo Verde
le que se lhe apresenta. Esta
pergunta revela sentimentos S. Tiago de
de surpresa, admiração, medo. pes t a
ÁFRICA Te m IV Calicut
nto
Ca
Melide
S. Tomé

n to I e II
Ilha dos
BRASIL Amores
Canto IX e X
Moçambique Ca
Mapa da rota da
viagem de Vasco da
Gama até à Índia Ca Baía de Santa Helena
nt
oV
Rota de Vasco da Gama
Adamastor Intervenções dos Deuses

37 38
Porém já cinco Sóis eram passados
1
Tão temerosa vinha e carregada4
Que2 dali3 nos partíramos, cortando Que pôs nos corações um grande medo;
Os mares nunca de outrem navegados, Bramindo, o negro mar de longe brada,
Prosperamente os ventos assoprando, Como se desse em vão nalgum rochedo.
Quando hũa noite, estando descuidados «Ó Potestade (disse) sublimada5:
Na cortadora proa vigiando, Que ameaço divino ou que segredo
Hũa nuvem que os ares escurece, Este clima6 e este mar nos apresenta,
Sobre nossas cabeças aparece. Que mor7 cousa parece que tormenta?»
Vocabulário
1
Dias; 2 desde que; 3 Baía de Santa Helena, na atual costa ocidental da África do Sul, relativamente perto do Cabo da Boa
Esperança ou das Tormentas; 4 escura; 5 «Potestade sublimada» – Deus; 6 esta região; 7 maior

Leitura

3. «Que pôs nos corações um 1. Identifica as diferentes sensações percebidas pelos marinheiros que alertam para a possibili-
grande medo», estância 38, dade de que algo de assustador possa suceder.
v. 2. (Esta oração subordina-
da adverbial consecutiva indi-
ca a consequência do aspeto 2. Vasco da Gama dirige-se a Deus, perante os sinais extraordinários que surgem.
da nuvem; este aspeto, além
de constar da estância 37, vv. 2.1 Explicita a pergunta que ele faz e os sentimentos que revela.
7 e 8, está referido ainda no v.
1 da estância 38).
3. Indica a consequência que teve junto dos marinheiros o aspeto da «nuvem» referida na estân-
cia 37, v. 7.

196
CANTO V · Adamastor 4

Aparição de uma figura gigantesca; sua descrição.

39 40
Não acabava8, quando hũa figura Tão grande era de membros, que bem posso
Se nos mostra no ar, robusta e válida9, Certificar-te que este era o segundo
De disforme e grandíssima estatura; De Rodes estranhíssimo Colosso,
O rosto carregado, a barba esquálida10, Que um dos sete milagres13 foi do mundo.
Os olhos encovados, e a postura11 Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Medonha e má, e a cor terrena e pálida; Que pareceu sair do mar profundo.
Cheios de terra e crespos12 os cabelos, Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A boca negra, os dentes amarelos. A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
Vocabulário
8
ainda [Vasco da Gama] não tinha acabado (de falar); 9 cheia de força, vigorosa; 10 suja; 11 aspeto; 12 revoltos, desordenados;
13
referência, por comparação, ao Colosso de Rodes, uma das sete maravilhas (= «milagres») da Antiguidade; a «figura»
(39, v. 1), seria o segundo Colosso de Rodes, dado o seu tamanho

GUIA DO PROFESSOR
PROFE
Leitura
Leitura 1. Estância 39: «disforme»
e «grandíssima», v. 3, «car-
regado», v. 4, «esquálida»,
1. Faz o levantamento de todos os adjetivos que contribuem para realçar o aspeto disfor- v. 4, «encovados», v. 5, «me-
donha» e «má», v. 6, «ter-
me da figura que surgiu ante os nautas. rena» e «pálida», v. 6,
«crespos», v. 7, «negra» e
2. Na estância 40 Vasco da Gama dirige-se a uma determinada pessoa: «bem posso / cer- «amarelos», v. 8; estância 40:
«grande», v. 1, «horrendo» e
tificar-te», vv. 1 e 2. «grosso», v. 5.
2.1 Identifica essa pessoa. 2.
2.1 O rei de Melinde.
2.2 Justifica. 2.2 No Canto V, Vasco da Ga-
ma, através de uma analepse,
está a narrar ao rei de Melin-
3. Atenta nos vv. 5 e 6 da estância 40. de episódios da viagem des-
3.1 Explicita a relação entre o «tom de voz» e o «mar profundo» neles presente. de Lisboa.
3.
3.1 A relação é de identidade:
4. Atenta agora nos dois últimos versos desta estância. do mesmo modo que o «mar
4.1 Explicita a reação de Vasco da Gama e dos seus marinheiros perante profundo» tem um ruído ca-
racterístico, forte e surdo, as-
a figura que lhes apareceu. sim era a voz do Adamastor.
4.
4.2 Escolhe a opção correta. Esta reação é transmitida ao leitor
4.1 Tanto Vasco da Gama co-
através de sensações mo os seus marinheiros fi-
caram transidos de medo
a. auditivas e cromáticas. perante o que viram e ouvi-
ram.
b. cromáticas e táteis.
4.2 d.
c. visuais e táteis.
d. auditivas e visuais.

O Gigante Adamastor

197
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Discurso profético dessa figura sobre os Portugueses e suas navegações futuras.


A Caracterização dos Portugueses: um povo ousado.

41 42
E disse: «Ó gente ousada, mais que quantas Pois vens ver os segredos escondidos
No mundo cometeram grandes cousas, Da natureza e do húmido elemento18,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, A nenhum grande humano concedidos
E por trabalhos vãos nunca repousas, De nobre ou de imortal merecimento,
Pois os vedados términos quebrantas14 Ouve os danos19 de mi que apercebidos
E navegar meus longos15 mares ousas, Estão20 a teu sobejo atrevimento,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, Por todo o largo mar e pola terra
Nunca arados de16 estranho ou próprio lenho17: Que inda hás-de sojugar com dura guerra.
Vocabulário
14
Ultrapassas os limites proibidos dos mares; 15 longínquos, remotos; 16 por; 17 nunca navegados por qualquer barco – por associação
de «lenho», madeira, aos barcos – feitos de madeira. 18 a Água, uns dos quatro elementos na Grécia antiga; os outros eram a Terra, o
Fogo e o Ar; 19 grandes perigos e desgraças; 20 «de mi que apercebidos / Estão» – que estão preparados por mim

GUIA DO PROFESSOR
Leitura
1. A hipérbole ocorre nos vv. 1
Leitura
e 2: os Portugueses são consi-
derados mais ousados do que 1. Identifica a hipérbole presente na estância 41 referente aos Portugueses. Justifica.
qualquer outro povo.
2. A metáfora ocorre no par-
ticípio passado do verbo arar, 2. Identifica na mesma estância uma metáfora sugestiva do ato de navegar.
«arados» (v. 8), aqui conjuga-
do na forma passiva.
2.1 Explicita-a, começando da seguinte forma: Do mesmo modo que…
2.1 Do mesmo modo que o
arado, ao lavrar a terra a divi-
de, o barco também faz com
que a água se separe.

B O preço da ousadia: desgraças, mortes, naufrágios…

43 44
Sabe que quantas naus esta viagem Aqui espero tomar, se não me engano,
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas, De quem me descobriu23 suma vingança.
Inimiga terão esta paragem, E não se acabará só nisto o dano
Com ventos e tormentas desmedidas! De vossa pertinace24 confiança:
E da primeira armada que passagem Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Fizer por estas ondas insofridas21, Se é verdade o que meu juízo alcança,
Eu farei de improviso22 tal castigo, Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que seja mor o dano que o perigo! Que o menor mal de todos seja a morte!
Vocabulário
21
revoltadas – por serem navegadas; estes versos referem-se à segunda viagem à Índia, em 1500, numa armada comandada por
Pedro Álvares Cabral; nesta região a armada sofreu grandes perdas devido a tempestades; 22 de repente; 23 Bartolomeu Dias,
descobridor do Cabo em 1488, lá morreria durante uma tempestade, em 1500: essa a «vingança» do Gigante Adamastor; 24 Teimosa;

198
CANTO V · Adamastor 4
45 47
E do primeiro Ilustre25, que a ventura Verão morrer com fome os filhos caros30,
Com fama alta fizer tocar os Céus, Em tanto amor gèrados e nacidos;
Serei eterna e nova sepultura, Verão os Cafres31, ásperos e avaros,
Por juízos incógnitos de Deus. Tirar à linda dama seus vestidos;
Aqui porá da Turca armada dura Os cristalinos membros e perclaros32
Os soberbos e prósperos troféus26; À calma33, ao frio, ao ar, verão despidos,
Comigo de seus danos o ameaça Despois de ter pisada, longamente,
A destruída Quíloa com Mombaça27. Cos delicados pés a areia ardente.

46 48
Outro28 também virá, de honrada fama, E verão mais os olhos que escaparem
Liberal, cavaleiro, enamorado, De tanto mal, de tanta desventura,
E consigo trará a fermosa dama29 Os dous amantes míseros ficarem34
Que Amor por grão mercê lhe terá dado. Na férvida e implacábil espessura35.
Triste ventura e negro fado os chama Ali, despois que as pedras abrandarem
Neste terreno meu, que, duro e irado, Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Os deixará dum cru naufrágio vivos, Abraçados, as almas soltarão
Pera verem trabalhos excessivos. Da fermosa e misérrima prisão36.»

Vocabulário
25
D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da Índia, fidalgo (= «ilustre»), morreu na região do Cabo das Tormentas numa viagem
de regresso a Portugal, em 1510; lá ficou sepultado; 26 deixará na região, consigo enterrados, os «troféus» das suas vitórias contra
os Turcos; 27 Quíloa e Mombaça, cidades da costa oriental africana conquistadas por D. Francisco de Almeida, vingam-se com o
Adamastor («comigo») da destruição que lhes causou o fidalgo português; 28 outro fidalgo, Manuel de Sousa Sepúlveda, que, com
a família e muitos Portugueses, naufragou em 1552 perto do Cabo, tendo conseguido chegar a terra; este naufrágio famoso – o
«naufrágio de Sepúlveda» – provocou depois a sua morte e a da sua família, bem como a de muitos Portugueses; 29 Dona Leonor,
sua mulher; 30 queridos; 31 designação que os Portugueses davam aos habitantes da costa do sudoeste de África; 32 ilustres; 33 ao
calor; 34 falecerem; 35 na floresta densa e extremamente quente; 36 o corpo

Leitura
GUIA DO PROFESSOR
1. Na estância 43 é feita uma profecia de caráter geral e uma de caráter específico. Justi-
Leitura
fica esta afirmação. 1. A profecia de caráter ge-
ral ocorre entre os versos 1 e
2. O conjunto das estâncias 46 a 48 narra uma história que confirma o verso 8 da estância 4: todos os Portugueses que
passarem nesta região te-
44: em certas situações teria sido melhor a morte do que outras consequências dos rão problemas na viagem; a
de caráter específico, ocorre
naufrágios. nos quatro versos seguintes
2.1 Justifica esta afirmação, colocando por ordem os seguintes acontecimentos. – a referência a um aconteci-
mento concreto – ver nota 21
a. A mulher de Manuel de Sepúlveda sofreu com as condições climatéricas. da página anterior.
2.
b. Conseguem chegar a terra. 2.1
c. O casal acabou por falecer na floresta. d. 1 (46, vv. 1, 2, 3, 4 e 7);
b. 2 (46, v. 6); e. 3 (47, v. 1);
d. Manuel de Sepúlveda e sua família naufragam na região do Cabo. f. 4 (47, vv. 3 e 4) ; a. 5 (47, vv.
5 e 6); c. 6 (48, vv. 3 e 4).
e. Os filhos de Manuel de Sepúlveda morrem.
3. a. «ficarem», v. 3; b. «as
f. Os nativos roubaram as roupas à mulher de Manuel de Sepúlveda. pedras abrandarem» (= co-
moverem); c. «os olhos», (si-
nédoque das pessoas que
3. Mostra exemplos, na estância 48, dos seguintes recursos expressivos: viram esta desgraça).

a. um eufemismo; b. uma personificação; c. uma sinédoque.

199
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Oralidade
GUIA DO PROFESSOR COMPREENSÃO
Oralidade (Compreensão)
Nota: fazer a atividade, passar Pré-escuta
o texto sem livro aberto, em-
bora dando os objetivos… Vais escutar um texto relativo aos muitos naufrágios que os Portugueses sofreram na rota da
1. Índia, principalmente na região do Cabo, na África do Sul.
1.1 Resposta livre, a ser con-
firmada ou infirmada aquando 1. Lê o texto sobre o Naufrágio de Sepúlveda, um dos primeiros naufrágios que os Portugueses,
da escuta do documento áu-
dio – pergunta 4. durante séculos, sofreram na mesma região.
2.
1.1 Indica três motivos que te pareçam ser as principais causas desses desastres.
2.1 a.

HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA – O NAUFRÁGIO DE SEPÚLVEDA

Aqui dizem que D. Leonor se não deixava despir, e


que às punhadas e às bofetadas se defendia, porque
era tal que queria antes que a matassem os cafres que
ver-se nua diante da gente, e não há dúvida que logo ali
acabara sua vida se não fora Manuel de Sousa, que lhe
rogou se deixasse despir, que lhe lembrava que nasce-
ram nus, e, pois Deus daquilo era servido, que o fosse
ela. Um dos grandes trabalhos que sentiam era verem
dous meninos pequenos, seus filhos, diante de si cho-
rando, pedindo de comer, sem lhes poderem valer. E Folheto de Cordel do naufrágio trágico de
vendo-se D. Leonor despida, lançou-se logo no chão, e Manuel de Sousa Sepúlveda.
cobriu-se toda com os seus cabelos, que eram muito
compridos, fazendo uma cova na areia, onde se meteu
um pedaço, pela vergonha que houveram de ver as-
até à cintura, sem mais se erguer dali. Manuel de Sousa
sim seu capitão e D. Leonor. Então disse ela a André
foi então a uma velha sua aia, que lhe ficara ainda uma
Vaz, o piloto: “Bem vedes como estamos, e que já não
mantilha rota, e lha pediu para cobrir D. Leonor, e lha
podemos passar daqui e que havemos de acabar por
deu; mas contudo nunca mais se quis erguer daquele
nossos pecados; ide-vos muito embora, fazei por vos
lugar, onde se deixou cair quando se viu nua.
salvar, e encomendai-nos a Deus; e se fordes à Índia e
Em verdade que não sei quem por isto passe sem a Portugal em algum tempo, dizei como nos deixastes
grande lástima e tristeza. Ver uma mulher tão nobre, a Manuel de Sousa e a mim com meus filhos.” E eles
filha e mulher de fidalgos tão honrados, tão maltra- vendo que por sua parte não podiam remediar a fadiga
tada, e com tão pouca cortesia! Os homens que esta- de seu capitão, nem a pobreza e miséria de sua mulher
vam ainda em sua companhia, quando viram a Manuel e filhos, se foram por esses matos, buscando remédio
de Sousa e sua mulher despidos afastaram-se deles de vida.

«Relação da mui notável perda do galeão grande São João, em que se contam os grandes trabalhos e lastimosas cousas que aconteceram ao capitão Manuel de
Sousa Sepúlveda e o lamentável fim que ele e sua mulher e filhos e toda a mais gente houveram na Terra do Natal, onde se perderam a 24 de junho de 1552», in
Bernardo Gomes de Brito, (Org.), História Trágico-Marítima, Rio de Janeiro, Lacerda / Contraponto, 1998

Primeira escuta
2. Vais ouvir o texto pela primeira vez para identificares ideias-chave.
2.1 Indica a única afirmação correta. A função principal do texto que ouviste é
a. informar sobre o que foi a História Trágico-Marítima.
b. convencer a ler a História Trágico-Marítima de Bernardo Gomes de Brito.
c. exemplificar a desorganização típica dos Portugueses nas viagens da Carreira da Índia.

200
CANTO V · Adamastor 4
3. O autor do texto exprime opiniões sobre a Carreira da Índia. Escolhe a opção incorreta. Elas
são, relativamente aos Portugueses:
GUIA DO PROFESSOR
a. neutras; b. desfavoráveis; c. justas; d. incómodas. Oralidade (Compreensão)
(cont.)
3. a.
Segunda escuta
4. Sem solução.
4. Verifica o grau de correção das hipóteses que apresentaste como resposta à pergunta 1.1. 5. «A história trágico-maríti-
ma constitui ainda hoje uma
5. Reproduz a afirmação que funciona como conclusão do texto ouvido. lição para todos nós, Portu-
gueses.».
6.
Pós-escuta a. Resposta livre;
b. A História Trágico-Marítima
6. Escolhe uma das seguintes atividades: relata naufrágios Portugue-
ses na Carreira da Índia. Ori-
ginaram narrativas coligidas
A. Escreve um texto, com o mínimo de 20 palavras e o máximo de 40, no qual comentes no livro História Trágico-Marí-
essa afirmação, dizendo se concordas ou não com ela e porquê. tima. Como elas mostram os
nossos defeitos de sempre, a
B. Escreve uma síntese do texto que tenha entre 20 e 40 palavras. obra ainda hoje constitui uma
lição. (Outras respostas são
possíveis).

4 Áudio
“A História Trágico-
Vasco da Gama pede à figura que se identifique. -Marítima”

Leitura
1. Predizendo, profetizando o
49 nosso destino, o destino dos
Portugueses.
Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos Fados, quando, alçado37, Gramática
1. V. 1 – «horrendo»; v. 3 –
Lhe disse eu: «Quem és tu? Que esse estupendo38 «estupendo»; v. 5 – «negros»;
Corpo, certo,39 me tem maravilhado!» v. 6 «espantoso e grande».
2. O verbo responder selecio-
A boca e os olhos negros retorcendo na completo direto (neste ca-
E, dando um espantoso e grande brado, so, o discurso que se inicia na
estância seguinte) e comple-
Me respondeu, com voz pesada e amara40, mento indireto: quem respon-
Como quem da pergunta lhe pesara41: de, responde alguma coisa
a alguém; o destinatário da
resposta é Vasco da Gama
Vocabulário – «me» – o narrador do epi-
37
levantado (em direção ao Gigante); 38 enorme; 39 na verdade, por Aparição do Gigante Adamastor, sódio: este pronome pesso-
ilustração de Fragonard al tem a função sintática de
certo; 40 amarga; 41 como se lhe tivesse custado, psicologicamente,
complemento indireto.
a ouvir a pergunta
3. Modificador [de GV].

Leitura

1. Explica o sentido da expressão «Dizendo nossos Fados», est. 49, v. 2.

Gramática Pratica
Funções sintáticas
1. Identifica, entre os vv. 1 e 6, quatro grupos adjetivais com fun-
ção sintática de modificador de nome.
2. Indica, justificando, qual a função sintática do pronome pessoal presente no v. 7. Funções
sintáticas
3. Identifica a função sintática do grupo preposicional «com voz pesada e amara», v. 7. Págs. 277-279

201
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

O Gigante Adamastor revela-se


contando a triste história da sua vida.

50 53
«Eu sou aquele oculto e grande Caboabo Como fosse impossíbill alcançá-la
alcançá la52,
A quem chamais vós outros Tormentório, Pola grandeza feia de meu gesto53,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, Determinei por armas de tomá-la54
Plínio42, e quantos passaram, fui notório43. E a Dóris55 este caso56 eu manifesto57.
Aqui toda a Africana costa acabo De medo a Deusa58 então por mi lhe59 fala;
Neste meu nunca visto Promontório, Mas ela60, cum fermoso riso honesto,
Que pera o Pólo Antárctico se estende, Respondeu: «Qual será o amor bastante
A quem vossa ousadia tanto ofende! De Ninfa, que sustente o dum Gigante?

51 54
Fui dos filhos aspérrimos44 da Terra, Contudo, por livrarmos o Oceano
Qual45 Encélado, Egeu e o Centimano46; De tanta guerra, eu buscarei maneira
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra Com que, com minha honra, escuse o dano61.»
Contra o que vibra os raios de Vulcano47; Tal resposta me torna a mensageira62.
Não que pusesse serra sobre serra48, Eu, que cair não pude neste engano
Mas, conquistando as ondas do Oceano, (Que é grande dos amantes a cegueira),
Fui capitão do mar49, por onde andava Encheram-me, com grandes abondanças,
A armada de Neptuno, que eu buscava. O peito de desejos e esperanças.

52 55
Amores da alta esposa de Peleu50 Já néscio, já da guerra desistindo,
Me fizeram tomar tamanha empresa. Hũa noite, de63 Dóris prometida,
Todas as Deusas desprezei do Céu, Me aparece de longe o gesto64 lindo
Só por amar das Águas a Princesa. Da branca Thetis, única, despida.
Um dia a vi, co as filhas de Nereu51, Como doudo corri, de longe abrindo
Sair nua na praia: e logo presa Os braços pera aquela que era vida
A vontade sinti de tal maneira, Deste corpo, e começo os olhos belos
Que inda não sinto cousa que mais queira. A lhe beijar, as faces e os cabelos.
Vocabulário
42
nomes de quatro geógrafos da Antiguidade Greco-Romana; 43 fui conhecido; 44 superlativo absoluto sintético de áspero =
rude, ríspido; 45 como; 46 nomes de três gigantes irmãos do Adamastor; revoltaram-se contra os Deuses e acabaram por perder
a guerra; 47 Júpiter; conferir nota 13 do Consílio dos Deuses, Secção 1; 48 na guerra contra os Deuses, os Gigantes tentaram
chegar ao Céu colocando montes uns em cima dos outros; 49 Adamastor lutou contra os Deuses como marinheiro; 50 amor do
Gigante por Thetis, filha de Nereu, a principal das Nereidas, ninfas do Oceano; 51 as Nereidas; 52 fazer com que me amasse; 53
de meu rosto; 54 raptá-la numa guerra marítima (= «por armas»); 55 mãe de Thetis, junto de quem o Gigante procurou ajuda; 56
esta intenção; 57 revelo; 58 Dóris; 59 a Thetis; 60 Thetis; 61 Thetis encontrará um modo de resolver o assunto sem haver guerra e
sem perder a honra; 62 Dóris. 63 por; 64 rosto, face

202
CANTO V · Adamastor 4

56 58
Oh! Que não sei de nojo como o conte!
65
Eram já neste tempo meus Irmãos
Que66, crendo ter nos braços quem amava, Vencidos e em miséria extrema postos,
Abraçado me achei cum duro monte E, por mais segurar-se os Deuses vãos70,
De áspero mato e de espessura brava. Alguns a vários montes sotopostos71.
Estando cum penedo fronte a fronte, E, como contra o Céu não valem mãos,
Que eu polo rosto angélico apertava, Eu, que chorando andava meus desgostos,
Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo Comecei a sentir do Fado immigo72,
E, junto dum penedo, outro penedo! Por meus atrevimentos, o castigo.

57 59
Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano , 67
Converte-se-me a carne em terra dura;
Já que minha presença não te agrada, Em penedos os ossos se fizeram;
Que te custava ter-me neste engano, Estes membros, que vês, e esta figura
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada? Por estas longas águas se estenderam.
Daqui me parto, irado68 e quasi insano69 Enfim, minha grandíssima estatura
Da mágoa e da desonra ali passada, Neste remoto Cabo converteram
A buscar outro mundo, onde não visse Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Quem de meu pranto e de meu mal se risse. Me anda Thetis73 cercando destas águas.»
Vocabulário
65
vergonha; 66 porque; 67 Thetis; 68 zangado; 69 louco; 70 vaidosos, vencedores. 71 soterrados; 72 inimigo; 73 o mar, por associação
com a Ninfa marítima, Thetis

Leitura

1. Identifica os pares de estâncias que referem os seguintes acontecimentos da história


contada por Adamastor. Observa o modelo:

Sínteses Estâncias

a. A mãe da Deusa promete ajudá-lo. Desinteressando-se da guerra por estar tão apaixo-
nado, consegue um dia abraçar a Deusa amada por influência da mãe desta.
b. Um dia viu uma Deusa marítima e apaixonou-se para sempre. Como era muito feio pen-
sou que não a poderia seduzir e pediu ajuda à mãe dessa Deusa.
c. Adamastor e os outros Gigantes perderam a guerra contra os Deuses e vão ser castiga-
dos. O castigo dos irmãos de Adamastor foi serem soterrados debaixo de montanhas.
O castigo de Adamastor foi diferente – foi transformado em promontório. Mas, pior
ainda, a Deusa marítima que ele amou e sempre amará e que não pode ter passa con-
tinuamente junto a ele.
d. Compreendeu de repente que tinha caído numa armadilha, pois em vez de abraçar a
Deusa que amava, verificou estar abraçado e preso a um penedo. Adamastor queixa-se GUIA DO PROFESSOR
por ter sido enganado, dizendo que preferia continuar na ilusão do amor pela Deusa em Leitura
vez de sofrer tão grande desgraça e vergonha. 1. e. 50 e 51; b. 52 e 53; a. 54
e 55; d. 56 e 57; c. 58 e 59.
e. Adamastor participou numa guerra como marinheiro numa armada. Os seus adversá- 50 e 51
rios eram Júpiter e Neptuno.

203
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Adamastor desaparece.

60
Assi contava; e, cum medonho choro,
Súbito de ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse74 os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.
Adamastor, azulejo, no Palácio do Buçaco,
de autoria de Jorge Colaço
Vocabulário
74
Impedisse

Leitura

1. Coloca na ordem direta os dois últimos versos.

2. Nestes versos, Vasco da Gama faz um pedido.


2.1 Identifica o seu destinatário.
2.2 Explicita-o.

GUIA DO PROFESSOR
VISÃO GERAL DO EPISÓDIO
Leitura
1. Pedi a Deus que removes- Adamastor
se os futuros duros casos que
Adamastor contou.
2. 1. Identifica as afirmações verdadeiras (V) e as falsas (F). Corrige as falsas.
2.1 Deus. 1.1 Vasco da Gama narra este episódio ao rei de Melinde.
2.2 Vasco da Gama pede a
Deus que impeça as desgra- 1.2 Este episódio é um episódio histórico.
A B
ças futuras projetadas pelo
Adamastor. 1.3 Pode dizer-se que o aspeto do Gigante é um prenúncio dos perigos do mar.
Visão geral do episódio 1.4 O Gigante profetiza desgraças de vária natureza que sucederão aos Portugueses
Adamastor depois de descoberto o caminho marítimo para a Índia.
1. Verdadeiras: 1.1; 1.3; 1.4;
1.6. 1.5 O Gigante não apresenta exemplos concretos de acontecimentos históricos
Falsas: 1.2 (o episódio é relativos a essas desgraças.
simbólico); 1.5 (são apresen-
tados vários exemplos nas 1.6 O Gigante, a pedido de Vasco da Gama, conta a história da sua vida e revela-se,
estâncias 45 a 48).
afinal, vítima dos perigos do Amor.

204
4
CANTO VI
Narração – Viagem
Viagem Viagem Viagem Viagem
PLANOS

Deuses Deuses

Considerações
do Poeta

2º Consílio A tempestade
Em Melinde Episódio de Vénus
dos Deuses, (70-91) Chegada a
(1-4) os Doze de intervém junto Considerações
no palácio de Vasco da Gama dos ventos Calecute
Saída de Melinde Inglaterra do Poeta sobre o
Neptuno invoca Deus (92-94)
(5-6) (43-69) (85-91) verdadeiro valor
(7-37) (80-83) da Glória
(95-99)
Narrador de 3ª pessoa

Resumo
Terminada a narrativa de Vasco da Gama, a Armada sai de Melinde
conduzida por um piloto que orientará os navegadores até Calecute.
Percebendo que os Portugueses estão prestes a chegar à Índia, Baco
resolve pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Consílio dos Deuses
Marinhos cuja decisão é apoiar Baco e soltar os ventos para fazer nau-
fragar a Armada. Surge, então, uma violenta tempestade que apanha
os marinheiros desprevenidos, pois ouviam despreocupadamente Fer-
não Veloso contar o episódio cavaleiresco de «Os Doze de Inglaterra».
Vasco da Gama, vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma
prece a Deus e, mais uma vez, é Vénus que auxilia os Portugueses,
mandando as Ninfas seduzir os ventos para os acalmar.
Passada a tempestade, a Armada avista Calecute e Vasco da Gama
agradece a Deus. O Canto termina com considerações do Poeta sobre
o verdadeiro valor da fama e da glória.

Tempestade e chegada à Índia

1 2 3 4 5

Introdução Desenvolvimento Conclusão

Início da tempestade e A tempestade Vasco da Gama suplica A tempestade continua Finda a tempestade, os
preparativos defensivos intensifica-se. a intervenção divina. e Vénus socorre os Portugueses chegam
do mestre experiente. Portugueses. finalmente à Índia.

Estâncias:
70 a 72 73 a 79 80 a 83 84 a 91 92 a 94

205
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

70
1 Mas, neste passo, assi prontos estando,
Eis o mestre1, que olhando os ares anda,
Início da tempestade e preparativos
defensivos do mestre experiente. O apito toca; acordam despertando,
Os marinheiros dhũa e doutra banda.
E, porque o vento vinha refrescando2,
Os traquetes das gáveas tomar manda3:
«Alerta (disse) estai, que o vento crece
Daquela nuvem negra que aparece.»!

71
Não eram os traquetes bem tomados,
Quando dá a grande e súbita procela4.
«Amaina5 (disse o mestre a grandes brados),
Amaina (disse) amaina a grande vela!»
Não esperam os ventos indinados
Que amainassem, mas, juntos dando nela,
Tempestade marítima (1690), pintura de Tempesta Em pedaços a fazem, cum ruído
Pietro (Pieter Mullier), (1637-1701) Que o Mundo pareceu ser destruído!

72
Vocabulário O céu fere com gritos nisto a gente,
1 2
marinheiro que dirige a manobra; aumentando de intensidade; Cum súbito temor e desacordo6;
3
ordena que se baixem as velas mais altas para não se correr o Que7, no romper da vela, a nau pendente8
risco de serem destruídas pelo vento; 4 tempestade; 5 baixa; 6 com
muito medo; 7 porque; 8 inclinada, uma vez que o vento, dando de
Toma grão suma de água pelo bordo9.
um lado das velas, fez com que a nau se inclinasse muito para o «Alija (disse o mestre rijamente),
outro, adernasse – permitindo a entrada fácil da água; 9 deixa entrar Alija tudo ao mar10, não falte acordo11!
muita água pelo «bordo», o lado; 10 arremessem, atirem: o mestre Vão outros dar à bomba, não cessando;
ordenou que se atirasse à água tudo o que estava do lado da nau
À bomba, que12 nos imos13 alagando14!»
que não adernou para que se restabelecesse o equilíbrio do barco;
11
tudo devia ser feito mantendo a calma, com objetividade; 12 porque;
13
vamos; 14 inundando, enchendo de água

GUIA DO PROFESSOR
Leitura
1. a. A temperatura do ar es-
tava a baixar (v. 5) e b. sur-
giu no horizonte uma nuvem
anunciadora de mau tempo
c. acompanhada de ventanias
fortes (v. 7 e 8).
2. Personificação: «ventos in- Leitura
dinados», v. 5; hipérbole: os
dois últimos versos, sendo o
último um evidente exagero. 1. Identifica os três indícios de aproximação da tempestade presentes na estância 70.
3. A aflição dos marinheiros
deriva do facto de a água ter 2. Na estância 71 a violência da tempestade é referida através de uma personificação e
começado a entrar no navio
quando este se inclinou bas- de uma hipérbole. Justifica esta afirmação.
tante para um dos lados devi-
do à força do vento (vv. 3 e 4).
3. Explicita a razão da aflição dos marinheiros presente na estância 72.

206
CANTO VI · Tempestade e chegada à Índia 4
A Torre de Babel (1563), Pietr Brueghel
(1525/1530-1569)

A tempestade intensifica-se.

73 75
Correm logo os soldados animosos A nau grande, em que vai Paulo da Gama18,
A dar à bomba; e, tanto que15 chegaram, Quebrado leva o masto pelo meio,
Os balanços, que os mares temerosos Quase toda alagada19; a gente chama
Deram à nau, num bordo os derribaram. Aquele que a salvar o mundo veio20.
Três marinheiros, duros e forçosos, Não menos gritos vãos ao ar derrama
A menear o leme não bastaram; Toda a nau de Coelho, com receio,
Talhas16 lhe punham, dhũa e doutra parte, Conquanto teve o mestre tanto tento,
Se[m] aproveitar dos homens força e arte. Que primeiro amainou21, que desse o vento.

74 76
Os ventos eram tais, que não puderam Agora sobre as nuvens os subiam
Mostrar mais força de ímpito cruel, As ondas de Neptuno furibundo22;
Se pera derribar então vieram Agora a ver parece que deciam
A fortíssima Torre de Babel17. As íntimas entranhas do Profundo23.
Nos altíssimos mares, que creceram, Noto, Austro, Bóreas, Aquilo24 queriam
A pequena grandura dum batel Arruinar a máquina do Mundo;
Mostra a possante nau, que move espanto, A noite negra e feia se alumia
Vendo que se sustém nas ondas tanto. Cos raios, em que o Pólo25 todo ardia!

Vocabulário
15
logo que; 16 cordas que imobilizavam o timão, roda ou volante com que se manobra o leme; 17 Torre enorme referida na Bíblia,
situada na Babilónia, no atual Iraque; 18 irmão de Vasco da Gama, comandava a nau «São Rafael»; 19 cheia de água; 20 Jesus
Cristo; 21 antes de o vento se abater sobre a nau, o mestre teve a iniciativa de mandar descer as velas; 22 o mar zangado, agitado,
bravo; 23 o Inferno (o fundo do mar); 24 quatro ventos, os dois primeiros do sul, os dois últimos do norte; 25 o céu

207
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

77 79
As Alcióneas aves26 triste canto Quantos montes, então, que derribaram
Junto da costa brava levantaram, As ondas que batiam denodadas!
Lembrando-se do seu passado pranto, Quantas árvores velhas arrancaram
Que as furiosas águas lhe causaram27. Do vento bravo as fúrias indinadas!
Os delfins28 namorados, entretanto, As forçosas raízes não cuidaram
Lá nas covas marítimas entraram, Que nunca pera o céu fossem viradas,
Fugindo à tempestade e ventos duros, Nem as fundas areias que pudessem
Que nem no fundo os deixa estar seguros. Tanto os mares, que em cima as revolvessem.

78
Vocabulário
Nunca tão vivos raios fabricou 26
aves chamadas maçaricos; 27 referência a Alcione: tendo
Contra a fera soberba dos Gigantes o seu marido morrido num naufrágio, ela, de desgosto,
O grão ferreiro sórdido29 que obrou cantou um triste canto e suicidou-se atirando-se ao mar;
Do enteado as armas radiantes30; os desuses, apiedados dela, transformaram-na em ave
Nem tanto o grão Tonante31 arremessou marinha; 28 Golfinhos; 29 Vulcano; 30 Fabricou «as armas»
brilhantes do seu enteado Eneias; 31 Júpiter; 32 referência
Relampados ao mundo, fulminantes,
ao dilúvio mítico: Júpiter quis exterminar a humanidade
No grão dilúvio donde sós viveram com esse acontecimento; escapou um casal que repovoou a
Os dous que em gente as pedras converteram32. terra a partir das pedras.

Leitura

1. Para cada uma das estâncias seguintes existem duas afirmações. Uma é verdadeira,
outra falsa. Descobre ambas e corrige a falsa, indicando os versos que te permitiram
fazê-lo.
GUIA DO PROFESSOR V/F
Leitura
1. 1. Os soldados que foram dar à bomba para retirar água que
Estância 73. 1 F (vv. 3 a 8: o Est. 73 estava a entrar na nau fizeram-no sem dificuldades.
forte movimento do mar im-
pedia os marinheiros de fazer 2. Era muito difícil governar a nau.
o seu trabalho, caíam; tam-
bém não conseguiam domi- 1. A aflição dos marinheiros da nau «em que vai Paulo da
nar o leme, dada a violência
das águas); 2 V; Est. 75 Gama» é traduzida através da utilização de uma perífrase.
Estância 75. 1 V (trata-se da 2. O «mestre» da «nau de Coelho» mostrou-se imprevidente.
perífrase do verso 4); 2 F (Pelo
contrário, mostrou-se previ- 1. O movimento das naus é traduzido através da utilização con-
dente e experiente, pois man-
dou recolher as velas antes junta de uma antítese e de uma hipérbole.
que a ventania forte as des- Est. 76
truísse ou fizesse inclinar o 2. A violência da ventania é realçada pela referência aos cinco
barco ao bater-lhes, vv. 7 e 8);
ventos da mitologia clássica.
Estância 76. 1 V (a antítese
ocorre no contraste entre o 1. A expressão «o grão ferreiro sórdido», v. 3, concretiza uma
subir e o descer, vv. 1 e 3; a hi-
pérbole ocorre no exagero da personificação.
referência às «nuvens» e ao
«Profundo», vv. 1 e 4; 2 F (os Est. 78 2. Entre os vv. 5 e 8, o narrador estabelece uma comparação
ventos são quatro). entre os raios que eram vistos durante a tempestade que
Estância 78. 1 F (concretiza
uma perífrase – de Vulcano, afligia os Portugueses e os raios arremessados por Júpiter
deus ferreiro e, por isso, habi- durante o dilúvio da mitologia clássica.
tualmente representado sujo;
2 V.

208
CANTO VI · Tempestade e chegada à Índia 4

Vasco da Gama suplica a intervenção divina. GUIA DO PROFESSOR


Leitura
1. Vasco da Gama, perante a
violência da tempestade, te-
me pela sua vida e fica cheio
80 82 de medo (v. 5).
Vendo Vasco da Gama que tão perto Se tenho novos modos perigosos 1.1 A razão de ser deste es-
tado de espírito reside na vio-
Do fim de seu desejo se perdia, Doutra Cila e Caríbdis41 já passados, lência do mar, bem sugerida
na antítese «o mar até ao In-
Vendo ora o mar até o Inferno aberto, Outras Sirtes e baxos arenosos, ferno aberto» e [o mar] «ao
Ora com nova fúria ao Céu subia, Outros Acroceráunios42 infamados, Céu subia», vv. 3 e 4: esta an-
títese mostra bem a violência
Confuso de temor, da vida incerto, No fim de tantos casos trabalhosos, da tempestade – que tanto
Onde nenhum remédio lhe valia, Porque somos de ti desemparados, assustava Vasco da Gama;
2. Na estância 83 Vasco da
Chama aquele remédio santo e forte33, Se este nosso trabalho não Te ofende, Gama louva os que tiveram
Que o impossíbil pode, desta sorte: Mas antes Teu serviço só pretende? a sorte de morrer a com-
bater pela fé cristã no Nor-
te de África, lutando contra
os mouros; morrendo desse
81 83 modo salvaram-se. [Pode fa-
«Divina Guarda, angélica, celeste, Oh! Ditosos aqueles que puderam zer-se aqui um paralelo com
os Quatro Cavaleiros do Au-
Que os Céus, o Mar e Terra senhoreias34: Entre as agudas lanças Africanas to da Barca do Inferno].
Tu, que a todo Israel refúgio deste Morrer, enquanto fortes sustiveram
Por metade das águas Eritreias35; A santa Fé nas terras Mauritanas!
Tu, que livraste Paulo36 e defendeste De quem feitos ilustres se souberam,
Das Sirtes arenosas37 e ondas feias, De quem ficam memórias soberanas,
E guardaste cos filhos, o segundo De quem se ganha a vida, com perdê-la,
Povoador38 do alagado39 e vácuo40 mundo: Doce fazendo a morte as honras dela!»

Vocabulário
33
Deus, a «Divina Guarda» do primeiro verso da estância
seguinte; 34 dominas; 35 referência à travessia do Mar
Vermelho que se abriu para deixar passar os Judeus fu-
gidos do Egito; 36 São Paulo, que navegando nos mares
de Itália, sofreu um naufrágio e foi protegido por Deus;
37
Golfos com baixios de areia; 38 Noé, o primeiro foi Adão;
39
inundado; 40 vazio; este adjetivo e o anterior referem-
-se ao Dilúvio bíblico; 41 lugares perigosos de um estreito
no mar de Itália; 42 Cabo perigoso para a navegação no
Epiro
Ilustração da nau de Vasco da Gama
com os deuses nas nuvens (1880),

Leitura
Ernesto Casanova (1845-s/d)

1. Caracteriza psicologicamente Vasco da Gama com base na


informação recolhida na estância 80.
1.1 Mostra como a utilização da antítese nesta estância
contribui para explicar o seu estado psicológico.

2. Identifica aqueles que são louvados por Vasco da Gama na


estância 83.

209
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

A tempestade continua e
Vénus socorre os Portugueses.

84
Assi dizendo, os ventos que lutavam
Como touros indómitos, bramando,
Mais e mais a tormenta acrecentavam
Pela miúda enxárcia43 assoviando.
Relampados medonhos não cessavam,
Feros trovões, que vem representando
Cair o Céu dos eixos sobre a Terra,
Consigo os Elementos44 terem guerra.

85
Mas já a amorosa Estrela45 cintilava
Diante do Sol claro, no Horizonte,
Mensageira do dia, e visitava
A Terra e o largo mar, com leda fronte.
A Deusa, que nos Céus a governava46,
De quem foge o ensífero47 Orionte,
Tanto que o mar e a cara armada vira, Vénus acalma a tormenta, ilustração de Fragonard
Tocada junto foi de medo e de ira.

86
«Estas obras48 de Baco são, por certo,
(Disse); mas não será que avante leve
Tão danada tenção, que descoberto
Me será sempre o mal a que se atreve.»
Isto dizendo, dece ao mar aberto,
No caminho gastando espaço breve,
Enquanto manda as Ninfas amorosas
Grinaldas nas cabeças pôr de rosas.
Vocabulário
87 43
Conjunto de cabos que seguram os mastros;
Grinaldas manda pôr de várias cores
44
Ar, Terra, Fogo e Água; 45 Trata-se do planeta
Vénus, de tal modo brilhante ao amanhecer que era
Sobre cabelos louros a porfia. considerado uma estrela; 46 Vénus; 47 Referência
Quem não dirá que nacem roxas flores à constelação de Orionte; o desenho desta
Sobre ouro natural, que Amor infia? constelação representa um guerreiro, Orionte,
Abrandar determina, por amores, com a sua espada; «ensífero» significa portador
de espada; esta constelação aparecia ao anoitecer,
Dos ventos a nojosa49 companhia,
enquanto Vénus aparecia ao nascer do dia; por isso
Mostrando-lhe as amadas Ninfas belas, o texto diz que a constelação foge de Vénus; 48 estes
Que mais fermosas vinham que as estrelas. acontecimentos; esta tempestade; 49 perigosa

210
CANTO VI · Tempestade e chegada à Índia 4
88 90
Assi foi; porque, tanto que chegaram Assi mesmo a fermosa Galateia54
A vista delas, logo lhe falecem Dizia ao fero Noto55, que bem sabe
As forças com que dantes pelejaram, Que dias há que em vê-la se recreia,
E já, como rendidos, lhe obedecem. E bem crê que com ele tudo acabe.
Os pés e mãos parece que lhe ataram Não sabe o bravo tanto bem se o creia,
Os cabelos que os raios escurecem. Que o coração no peito lhe não cabe;
A Bóreas50, que do peito mais queria, De contente de ver que a dama o manda,
Assi disse a belíssima Oritia51: Pouco cuida que faz, se logo abranda.

89 91
«Não creias, fero Bóreas, que te creio Desta maneira as outras amansavam
Que me tiveste nunca amor constante, Subitamente os outros amadores;
Que brandura é de amor mais certo arreio52 E logo à linda Vénus se entregavam,
E não convém furor a firme amante. Amansadas as iras e os furores.
Se já não pões a tanta insânia freio, Ela lhe prometeu, vendo que amavam,
Não esperes de mi, daqui em diante, Sempiterno favor em seus amores,
Que possa mais amar-te, mas temer-te; Nas belas mãos tomando-lhe homenagem
Que53 amor, contigo, em medo se converte.” De lhe serem leais esta viagem.

Vocabulário
50
um dos ventos, o mais perigoso; 51 Vénus; 52 Vénus critica Bóreas por ser demasiado violento; por isso não a ama, se a amasse
seria brando, suave, e não «fero»; 53 porque; 54 Ninfa que com Vénus está a seduzir os ventos para que se acalmem, terminando a
tempestade que aflige os Portugueses; 55 ver nota 31 do Canto I e nota 24 do Canto VI

GUIA DO PROFESSOR
Leitura
1.
1.1 Primeiramente desceu
até ao mar (86, v. 5); a seguir
mandou as Ninfas enfeita-
Vénus e as três jovens presenteando rem-se (86, vv. 7 e 8 e 87, vv. 1
e 2); depois mostrou aos ven-
uma jovem (1483-1485), tos as «Ninfas belas» e eles
Sandro Botticelli (1445-1510) acalmaram-se à vista delas
(87, vv. 7 e 8 e 88); além disso,
avisou Bóreas para ter cuida-
do, caso contrário perderia o
seu amor (89).
Leitura 2. Os ventos serão «leais»
a Vénus durante «esta via-
1. Vénus decide seduzir os ventos para que abrandem a violência da tempestade e a terminem. gem», isto é, como Vénus
apoia os Portugueses, os ven-
1.1 Identifica as várias ações que desenvolve nesse sentido. tos não mais os incomodarão.

2. Explica o sentido do último verso da estância 91.

211
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

92
5 Já a menham clara dava nos outeiros
Por onde o Ganges56 murmurando soa,
Terminada a tempestade, os Portugueses
chegam finalmente à Índia. Quando da celsa gávea57 os marinheiros
Enxergaram terra alta, pela proa.
Já fora de tormenta e dos primeiros
Mares58, o temor vão do peito voa.
Disse alegre o piloto Melindano59:
«Terra é de Calecu, se não me engano;

93
“Esta é, por certo, a terra que buscais
Da verdadeira Índia, que aparece;
E, se do mundo mais não desejais,
Vosso trabalho longo aqui fenece60.»
Sofrer aqui não pode o Gama mais,
De ledo em ver que a terra se conhece:
Os geolhos no chão, as mãos ao céu,
A mercê grande a Deus agardeceo.
Vasco da Gama perante o Samorim de Calecute (s/d),
pintura de Veloso Salgado (1864-1945)
94
As graças a Deus dava, e razão tinha,
Que61 não somente a terra lhe mostrava
Que com tanto temor buscando vinha,
Por quem tanto trabalho exprimentava,
Vocabulário Mas via-se livrado tão asinha62,
56
grande rio da Índia, por associação a própria Índia; 57 da alta Da morte, que no mar lhe aparelhava63
gávea, o cesto da gávea, o sítio mais alto do barco, de onde se podia
ver o horizonte longínquo; 58 dos anteriores mares, perigosos;
O vento duro, férvido e medonho,
59
o piloto que o rei de Melinde tinha facultado aos Portugueses Como quem despertou de horrendo sonho.
para lhes ensinar a rota entre Melinde, na costa oriental africana,
e Calecute, na costa ocidental da Índia; 60 termina; 61 porque;
62
depressa; 63 preparava

GUIA DO PROFESSOR
Leitura
1.
1.1 Vv. 5 e 6.
2. Ajoelhou-se e agradeceu a Leitura
Deus (93, vv. 7 e 8).
2.1 A justificação está presen-
te na estância 94, iniciando-se 1. Quase a chegar à Índia, os Portugueses estão já livres da tempestade, por influência de
com a oração subordinada ad- Vénus.
verbial causal do verso 2: es-
tava descoberta a Índia (o 1.1 Identifica os versos que referem o facto de o mar estar agora calmo e as consequências
caminho marítimo para lá) e
estava livre da morte, na qual da nova situação.
acreditara durante a tempes-
tade (vv. 5 a 7). 2. Explicita as atitudes de Vasco da Gama logo que se apercebeu que tinha a Índia à vista.
2.1 Justifica-as.

212
CANTO VI · Tempestade e chegada à Índia 4
VISÃO GERAL DO EPISÓDIO

Tempestade e chegada à Índia


1. Completa as seguintes frases utilizando em, cada espaço, a única palavra ou expressão das três que se
encontram entre parênteses adequada ao sentido geral do texto:
1.1 O mestre (est. 70) revela-se um marinheiro (inexperiente / experiente /
insensato).
1.2 O mestre (est. 72) revela-se um marinheiro (teimoso / atento / decidido).
1.3 O estado de espírito dos marinheiros durante a tempestade não se revelou
(aflito / angustiado / calmo).
1.4 Vasco da Gama (receia / assume / refere) que a sua viagem termine em
naufrágio quando já está tão perto do seu destino.
1.5 Vénus socorre os Portugueses, tendo decidido, para isso, (seduzir /
aplacar / enganar) os ventos.
1.6 Vasco da Gama, auxiliado por Vénus, chega finalmente ao seu destino:
(o Oriente /a Índia / Melinde).

GUIA DO PROFESSOR
Visão geral do episódio
Tempestade e chegada à Índia
1.
1.1 experiente.
1.2 decidido.
1.3 calmo.
1.4 receia.
1.5 seduzir.
1.6 a Índia.

A chegada de Vasco da Gama à Índia, Calecute, em 1498 (cerca de 1900),


aguarela de Roque Gameiro (1864-1935)

Escrita

Escrever para defender uma opinião


Vénus conseguiu dominar os Ventos através do amor. Escreve um texto, com um mínimo
de 80 palavras e um máximo de 120, no qual defendas a seguinte opinião:

Todos os que são tocados pelo amor se transformam.

Divide-o nas três partes habituais. Apresenta, pelo menos, dois argumentos justificados.

213
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

CANTO IX
Narração – Viagem de regresso
Viagem
PLANOS

Deuses Deuses Deuses Deuses Deuses Deuses

Considerações
do Poeta

A armada avista
Em Calecute a ilha No palácio
(1-11) Vénus prepara Vénus forma (51) Os nautas de Tétis
um prémio juntamente com perseguem e A aventura (85-87)
Regresso a Descrição da ilha Exortação aos
para os Cupido a Ínsula casam com as de Lionardo
Portugal (52-65) O significado que pretendem
navegadores Divina Ninfas (75-84)
(12-17)
Desembarque da Ilha tornar-se
(18-29) (30-50) (68-84)
dos Portugueses (88-92) famosos
(66-67) (92-95)

Narrador de 3ª pessoa

Resumo
Depois de terem vencido algumas dificuldades, os Portugueses saem de
ma
Calecute, iniciando a viagem de regresso à Pátria. Vénus decide preparar uma
recompensa para os marinheiros, colocando a Ilha dos Amores no seu ca- a-
minho. Para isso, manda o seu filho Cupido desfechar setas sobre as Ninfasas
que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão apaixonadas os Por-
or-
tugueses.
A Armada avista a Ilha dos Amores e, quando os marinheiros desembar- ar-
cam, veem as Ninfas que se deixam perseguir e seduzir. Tétis explica a Vasco
co
da Gama a razão daquele encontro (prémio merecido pelos «longos traba- a-
lhos»), referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a
explicação da simbologia da Ilha, o Poeta termina com uma exortação aos os
que pretendem alcançar a fama.

A Ilha dos Amores I

1 2

Vénus decide premiar os Portugueses pela Para isso vai no seu carro voador de cisnes e pombas pedir a colaboração de Cupido, seu filho e
descoberta do caminho marítimo para a deus do Amor, o qual estava a preparar uma expedição contra o «mundo revelde» ao amor, isto é,
Índia com uma recompensa de natureza contra aqueles que não seguiam o amor (amor físico, amor ao próximo, amor pela justiça, etc.);
simbólica. das alturas, do carro em que viaja, Vénus vai observando diferentes problemas que o seu filho
tem de resolver – os chamados Trabalhos de Cupido.

Estâncias:
18 a 22 23 a 29

214
CANTO IX · A Ilha dos Amores – I 4

Vénus prepara a recompensa dos navegadores, uma ilha


paradisíaca e habitada por belas Ninfas.

Jean-Honoré Fragonard (1732-1806)


A Ilha do Amor (cerca de 1770),
18 19
Porém a Deusa Cípria1, que ordenada Despois de ter um pouco revolvido
Era2 pera favor dos Lusitanos, Na mente12 o largo mar que navegaram,
Do Padre Eterno3, e por bom génio dada4, Os trabalhos, que pelo Deus nascido
Que5 sempre os guia6 já de7 longos anos, Nas Amphioneas Tebas13 se causaram14,
A glória por trabalhos8 alcançada, Já trazia de longe no sentido,
Satisfação de bem sofridos danos, Pera prémio de quanto mal passaram,
Lhe9 andava já ordenando10, e pretendia Buscar-lhe15 algum deleite, algum descanso,
Dar-lhe nos mares tristes11, alegria. No Reino de cristal, líquido e manso;
Vocabulário
1
Vénus; 2 «Ordenada era»: tinha recebido ordens; 3 de Júpiter; 4 Vénus aceitou de bom grado a ordem de Júpiter; a razão
para isso suceder está nos dois versos seguintes; 5 porque; 6 condu-los; 7 há; 8 serviços prestados à pátria; 9 este pronome,
que ocorre aqui e no verso seguinte, refere-se aos «Lusitanos», v. 2; 10 ordem direta: [a deusa Cípria] andava-lhe ordenando /
Satisfação de bem sofridos danos; «ordenando» : preparando, organizando; 11 mares solitários; ordem direta: Dar-lhes alegria
nos mares tristes; a «alegria» é evidente referência ao erotismo de que os Portugueses vão usufruir na Ilha dos Amores - (eros,
em grego = alegria); 12 depois de ter pensado um pouco sobre os Portugueses que navegam; 13 Baco; 14 sentido deste verso e
dos anteriores: Depois de ter revolvido um pouco na mente os trabalhos (= problemas [a tempestade do Canto VI]) causados
pelo Deus nascido [por influência do Deus nascido] nas Anfiónias Tebas [n]o largo mar que navegaram; 15 proporcionar-lhes
(aos «Lusitanos»)

215
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

20 22
Algum repouso, enfim, com que pudesse16 Ali33 quer34 que as aquáticas donzelas35
Refocilar17 a lassa18 humanidade Esperem os fortíssimos barões,
Dos navegantes seus, como interesse19 (Todas as que tem título de belas,
Do20 trabalho que incurta a breve idade21. Glória dos olhos, dor dos corações),
Parece-lhe razão que conta desse Com danças e coreias36, porque37 nelas
A seu filho22, por cuja potestade23 Influirá38 secretas afeições39,
Os Deuses faz decer ao vil terreno Pera com mais vontade trabalharem
E os humanos subir ao Céu sereno. De contentar40 a quem se afeiçoarem41.

21
Isto bem revolvido24, determina
De ter-lhe aparelhada25, lá no meio
Das águas, algũa ínsula26 divina,
Ornada de esmaltado e verde arreio27;
Que28 muitas29 tem no reino que confina
Da [mãe] primeira co terreno seio,30
Afora as que31 possüe soberanas
Pera dentro das portas Herculanas32.

Vocabulário
16
o sujeito desta forma verbal é «a Deusa Cípria»; 17 revigorar; 18 cansada; 19 prémio; 20 pelo; 21 prémio pelo trabalho que,
de tal forma pesado, encurtava a vida; 22 Cupido, o Amor; a recompensa dos Portugueses vai ser da ordem do amor físico;
23
poder; vv. 7 e 8: o poder do amor físico é de tal ordem, que, por um lado, até os Deuses a ele sucumbem, por outro, tem o
poder de elevar os humanos (os Portugueses) a um nível divino, sublime; 24 pensado; 25 ter preparada para os «Lusitanos»;
26
ilha; 27 cheia de florestas; 28 porque; 29 [Ilhas]; 30 o sentido deste verso e do anterior é o seguinte: a «Deusa Cípria» possui
muitas ilhas nos mares que confinam com a terra; 31 além das que; 32 ilhas no mar Mediterrâneo; 33 na Ilha dos Amores, que
Vénus prepara para os Portugueses; 34 o sujeito desta forma verbal é Vénus, a «Deusa Cípria»; 35 as Ninfas; 36 bailados; 37 para
o que; 38 inspirará (nas Ninfas); o sujeito é Vénus; 39 amores (pelos Portugueses); 40 procurarem satisfazer; 41 os Portugueses

GUIA DO PROFESSOR
Leitura
1. Vénus decidiu dar «ale- Leitura
gria» aos Portugueses (est.
18, v.8); quer que se deleitem
e descansem no mar (est. 19, 1. Explicita de que modo Vénus decidiu recompensar os Portugueses.
vv. 7 e 8); pensa que deve dar
conhecimento a Cupido des-
ta sua intenção (est. 20); pre-
para então uma ilha no meio
do mar (est. 21); nessa ilha
os Portugueses encontrarão Gramática Pratica
«aquáticas donzelas», isto é,
Funções sintáticas
Ninfas belas do mar, com as
quais se unirão, contentando, 1. Indica as funções sintáticas de:
satisfazendo os Portugueses;
isto planeado, Vénus vai dar
a. «lá no meio / Das águas», est. 21, vv. 2 e 3;
conta a Cupido do que pre- b. «Ali», est. 22, v. 1;
tende fazer (est. 23).
Gramática c. «os fortíssimos barões», est. 22, v. 2.
1.
a. e b. modificadores [de gru-
CA

po verbal];
c. complemento direto. Funções
Funções sintáticas,
sintáticas, Pág. 42
Pág. 278

216
CANTO IX · A Ilha dos Amores – I 4

Primavera (1477),
Sandro Botticelli (1445-1510)

Vénus observa do alto os males que


Cupido pretende corrigir.

23 25
Tal42 manha43 buscou já, pera que aquele Já sobre os Idálios montes52 pende53,
Que de Anquises pariu44, bem recebido Onde o filho frecheiro54 estava então,
Fosse no campo que a bovina pele Ajuntando outros muitos55, que56 pretende
Tomou de espaço45, por sutil partido. Fazer hũa famosa expedição
Seu filho46 vai buscar, porque só nele Contra o mundo revelde57, por que58 emende
Tem todo seu poder, fero47 Cupido, Erros grandes, que há dias nele estão,
Que, assi como naquela empresa antiga48 Amando cousas que nos foram dadas
A Ajudou já, nestoutra a ajude e siga. Não pera ser amadas, mas usadas59.

24 26
No carro ajunta as aves que na vida Via60 Actéon na caça tão austero,
Vão da morte as exéquias celebrando, De cego na alegria bruta, insana,
E aquelas em que já foi convertida Que, por seguir um feio animal fero,
Perístera, as boninas49 apanhando50. Foge da gente e bela forma humana;
Em derredor da Deusa, já partida, E por castigo quer61, doce e severo,
No ar lascivos51 beijos se vão dando. Mostrá-lhe a fermosura de Diana.
Ela, por onde passa, o ar e o vento (E guarde-se não seja inda comido
Sereno faz, com brando movimento. Desses62 cães que agora ama, e consumido.)

Vocabulário
42
a mesma (apresentada na estância anterior); 43 estratégia; 44 Eneias, filho de Vénus e de Anquises; 45 em Cartago; referência ao
facto de, na fundação desta cidade fenícia do norte de África, o seu perímetro ter sido delimitado pelo comprimento de uma pele
de boi cortada em tiras finíssimas; 46 Cupido, o Amor; 47 porque fere de amor com as suas setas; 48 referência à paixão funesta
que Dido, rainha de Cartago, teve por Eneias, quando ele, na sua viagem, passou em Cartago; 49 flores; 50 o sentido dos primeiros
quatro versos é o seguinte: Vénus leva consigo cisnes e pombas; cisnes: na perífrase «as aves que na vida / Vão da morte as
exéquias celebrando»; pombas: «aquelas em que já foi convertida / Perístera, as boninas apanhando.»; 51 ardentes; 52 Chipre;
53
passa, no seu carro; 54 Cupido; 55 «outros muitos» frecheiros; 56 com os quais; 57 cheio de imperfeições (Portugal); 58 para que;
59
o sentido dos últimos quatro versos desta estância é ambíguo para o leitor de hoje. Contudo, talvez sejam uma crítica a quem
é incapaz de amar, ou a quem ama futilidades: Cupido prepararia uma «expedição» contra o mundo que se revoltou contra a lei
natural do amor, preferindo amar futilidades em detrimento do verdadeiro amor: aqui ocorreria uma crítica velada a alguém;
60
o sujeito desta forma verbal é Vénus, que, na sua viagem, «via Actéon». Esta personagem mitológica era um caçador que teve
uma morte desastrosa: tendo sido transformado em veado, como castigo por ser «cego», por desprezar o amor – «Foge da gente
e bela forma humana», v. 4 – acabou por ser devorado pelos próprios cães (de caça), como castigo de Diana por tê-la visto nua a
tomar banho num rio. Há leituras destes versos, desde há muito, neste sentido: D. Sebastião amava desmesuradamente a caça;
não se interessava pelo amor, pelas mulheres; por outro lado, seria aconselhado pelos seus ministros no sentido de se interessar
somente pela caça e pela guerra; como Camões criticava esta atitude, os «cães» referidos no verso 8 da estrofe 26 seriam os
ministros / conselheiros do rei – que o levariam à morte; à perdição; o que sucedeu em Alcácer Quibir; 61 o sujeito de «quer…
mostrar-lhe» é Vénus; 62 por esses

217
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

27
E vê63 do mundo todo os principais 64
Que nenhum no bem pubrico imagina65;
Vê neles que não tem66 amor a mais
Que a si somente67, e a quem Filáucia insina68;
Vê que esses que frequentam os reais
Paços69, por verdadeira e sã doctrina

Cupido (s/d), Léon Bazille


Vendem adulação70, que mal consente71
Mondar-se o novo trigo florecente72.

Perrault (1832-1908)
28
Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo, caridade73,
Amam somente mandos74 e riqueza,
Simulando justiça e integridade.
Vocabulário
Da feia tirania e de aspereza 63
o sujeito de «vê» é Venus; 64 os governantes; 65 se preocupa (com
Fazem direito75 e vã severidade76. o bem público); 66 têm; 67 só se preocupam com os seus próprios
Leis em favor do Rei se estabelecem; interesses; 68 os que são vaidosos; 69 os cortesãos; 70 vivem para lisonjear
Mas em favor do povo só perecem77. quem é poderoso; 71 impede: a adulação impede… – ver verso seguinte;
72
este verso seria uma crítica aqueles que pela adulação a D. Sebastião,
29 isto é pelos louvores desmesurados, impediriam que ele visse os seus
próprios defeitos, que estes defeitos fossem mondados, isto é, cortados,
Vê, enfim, que ninguém ama o que deve78, eliminados; deste modo, impediam o aperfeiçoamento das qualidades do
Senão o que somente mal deseja79. rei; 73 estes dois versos constituem perífrase do clero, assim criticado;
Não quer que tanto tempo se releve80 74
cargos importantes – políticos ou religiosos; 75 a partir do verso 5, a
O castigo que duro e justo seja. crítica centra-se na justiça; 76 leis pretensamente severas, sem efeito
prático; 77 as leis a favor do povo são esquecidas («perecem», v. 8), só se
Seus ministros81 ajunta, por que82 leve
fazem a favor do rei e dos poderosos; 78 ninguém faz o que devia fazer,
Exércitos conformes à peleja politicamente; 79 exceto aquele que deseja somente o mal; 80 perdoe;
Que espera ter co a mal regida gente83 81
os Amores frecheiros, cupidinhos armados de flechas prontos a
Que lhe não for agora obediente. castigar; 82 para que; 83 mas governada pelos podereros

Leitura

1. Tem em atenção as estâncias 27 a 29. Indica as diferentes críticas que são feitas e a sua
localização.
GUIA DO PROFESSOR
Leitura A B
1.
1.1 a. na estância 27, vv. 5 a 8;
1.1 A crítica aos cortesãos aduladores que em nada con-
1.2 A crítica aos governantes
tribuem para que o jovem rei conheça a verdade e as- a.
que não se preocupam com o sim possa ser melhor governante.
bem comum e são egoístas e
vaidosos ocorre…; 1.2 b. estância 27, vv. 1 a 4;
1.3 c. na estância 28, vv. 1 a 4;
1.3 A crítica aos membros do clero que em vez de amar o
1.4 A crítica aos homens de c.
lei que legislam somente em
povo e Deus amam o poder e a riqueza.
favor dos poderosos esque-
cendo o povo ocorre…
1.4 d. estância 28, vv. 5 a 8;
1.5 e. na estância 29, v. 1 e 2. 1.5 A crítica geral ao mundo que desconhece o amor nas
e.
suas várias formas.

218
CANTO IX · A Ilha dos Amores – I 4
VISÃO GERAL DO EPISÓDIO

A Ilha dos Amores I


GUIA DO PROFESSOR
Visão geral do episódio
1. Escolhe a opção incorreta. Nas estâncias 18 a 22, Vénus decide recompensar os Portugue- Viagem de regresso – Ilha
ses e prepara-lhes uma ilha paradisíaca porque dos Amores I
1. 1.4.
1.1 já sofreram muito por causa de Baco.
2. 2.3.
1.2 devem ter uma recompensa pelos seus muitos trabalhos.
1.3 é tempo já de descansarem.
1.4 Vasco da Gama pediu-lhe essa ilha.

2. Escolhe a opção correta. Na viagem que faz para se encontrar com seu filho Cupido e pedir-
-lhe ajuda para preparar a recompensa dos Portugueses, Vénus
2.1 depara-se com traições preparadas por Baco contra os Portugueses.
A
2.2 observa vários B
problemas existentes na sociedade humana que seu filho desconhece.
2.3 observa uma série de problemas sociais que Cupido considera deverem ser corrigidos.
2.4 depara-se com um mundo idílico que é governado pelo seu filho Cupido.

ais
Para saberes m

V Atenta na estância 27, vv. 5 a 8:

Vê que esses que frequentam os reais


Paços, por verdadeira e sã doctrina
Vendem adulação, que mal consente
Mondar-se o novo trigo florecente.
O último verso é constituído por uma sucessão de metáforas ligadas entre si:

Mondar: No sentido denotativo, mondar consiste em arrancar ervas daninhas que nascem
entre os cereais e não os deixam crescer; os aduladores, (v. 7), impedem a monda de um
cereal, «o novo trigo florecente.», v. 8.

Aduladores são pessoas que se dirigem a outras de estatuto social superior elogiando-os
e escondendo-lhes qualquer defeito. Desse modo, impedem-nas de conhecer a verdade.
Sendo a pessoa adulada jovem, mais facilmente é vítima deles.

O verso 8 refere «o novo trigo florecente». Sendo os aduladores frequentadores dos «reais /
Paços», vv. 5 e 6, isto é, do palácio real, e sabendo-se que o rei de Portugal era D. Sebastião,
muito jovem – tinha 18 anos em 1572, ano da publicação de Os Lusíadas – e em processo
de formação, conclui-se que a expressão «novo trigo florecente» é metáfora do rei, porque
do mesmo modo que o trigo é jovem («novo»), o rei também era; além disso, o trigo era
«florecente», isto é, estava ainda a crescer, florido, não tinha amadurecido, tal como D. Se-
bastião. Este não se mondava, metaforicamente, isto é, não conseguia corrigir defeitos que,
naturalmente, tinha, mas que lhe não eram mostrados pelos aduladores.

219
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

O verso 8 apresenta duas metáforas intimamente relacionadas entre si: trata-se de um


recurso expressivo designado alegoria:

A ALEGORIA: SUCESSÃO DE METÁFORAS

Metáfora 1 + Metáfora 2 = Leitura alegórica

A impossibilidade da monda («mal


O rei é impedido de crescer
consente mondar-se», vv. 7 e 8) do «novo trigo florecente»
como governante, já que não se
= =
pode aperfeiçoar, por influência
impossibilidade do jovem rei D. Sebastião
dos aduladores.
do aperfeiçoamento, da autocrítica

Escrita
GUIA DO PROFESSOR
Escrita Oficina
Promova a divulgação dos de escrita
textos, mesmo não termina-
dos, sempre que encontre
uma boa introdução, um ar- Escrever para argumentar
gumento bem utilizado e jus-
tificando em exemplo… Trabalho de pares

Grelha de autoavaliação, Escreve um texto, com um mínimo de 180 palavras e um máximo de 240, no qual ataques,
LPP

p. 32
justificadamente, a seguinte tese:

O mundo em que vivemos é perfeito,


tudo está no seu devido lugar, a felicidade reina.

1. Planifica 2. Textualiza 3. Aperfeiçoa / revê / avalia


¤ Escreve uma lista de factos que te ¤ Segue a planificação; ¤ Terminado o texto ou no final de cada
permitam atacar a tese, entre quatro ¤ divide o texto nas três partes habitu- parágrafo, relê o que escreveste para
e seis; ais, sendo a segunda a mais desen- avaliares a sua construção, isto é,
¤ faz uma lista de conectores que te volvida; para verificares:
permitam organizar progressiva- ¤ organiza adequadamente os teus a. se estás a escrever um texto de
mente o texto. argumentos, começando com o que natureza argumentativa;
consideras mais forte; b. se estás a ter a atenção devida a
¤ aplica conectores apropriados para, regras gerais de qualquer texto;
progressivamente, apresentares os ¤ para procederes a esta avaliação tem
argumentos. em atenção os parâmetros da grelha
de avaliação que será projetada;
¤ reescreve o texto onde ele necessitar
de aperfeiçoamento.

4. Edita 5. Divulga
¤ Passa o texto a limpo tendo em aten- ¤ Lendo o texto, expondo-o,
ção: divulgando-o no blogue da escola…
a. a caligrafia;
b. a ortografia;
Texto
argumentativo
c. a divisão em parágrafos;
Pág. 286 d. o aspeto geral das folhas.

220
4
CANTO IX
Narração – Viagem de regresso
GUIA DO PROFESSOR
Lionardo persegue, na Ilha dos Amores, a ninfa Efire (estâncias 75 e 76), a qual Leitura
1. Lionardo revela-se esper-
lhe foge, fazendo-se rogada. Enquanto a persegue, dirige-lhe palavras de amor e de to, apaixonado (v. 2), atraído
desejo (estâncias 76 a 81); finalmente, ela deixa-se alcançar (estância 82). pelas damas, embora sem
grande sorte no amor (v. 4);
de tal modo que pensava
A Ilha dos Amores II até que nunca teria sorte no
amor (vv. 5 e 6), embora lhe
restasse ainda alguma espe-
rança de ver esta situação al-
terada (vv. 7 e 8).
1

A aventura de Lionardo

75
Lionardo, soldado bem desposto1,
Manhoso2, cavaleiro e namorado3,
A quem Amor não dera um só desgosto4,
Mas sempre fora dele mal tratado5,
E tinha já por firme prosuposto
Ser com amores mal-afortunado6,
Porém não que perdesse a esperança
De inda poder seu Fado ter mudança7,

76
Quis aqui8 sua ventura9 que corria10
Após Efire11, exemplo de beleza,
Que mais caro que as outras dar queria
O que deu12, pera dar-se, a Natureza.
Já cansado, correndo, lhe dizia:
«Ó fermosura indigna de aspereza13,
Pois desta vida te concedo a palma,
Espera um corpo de quem levas a alma!

Vocabulário A Dança das Ninfas (1850),


1 2 3
de boa presença; esperto; inclinado às damas; amor não4 Jean-Baptiste Camille Corot (1796-1875)
lhe tinha dado só um desgosto, mas muitos; trata-se de um verso
irónico; 5 na verdade não tinha sorte nos amores; 6 achava que era
infeliz no amor; 7 mas tinha esperança em vir a encontrar o amor;
8
na Ilha dos Amores; 9 destino; 10 que corresse; 11 a Ninfa atrás da
qual corria, a que o destino lhe concedeu; 12 fazia-se mais cara do
que as outras ninfas; 13 a quem fica mal ser tão indiferente

Leitura

1. Caracteriza psicologicamente Lionardo.

221
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Eco e Narciso (1629-1630),


Nicolas Poussin (1594-1655)

77 79
Todas de correr cansam, Ninfa pura, Oh! Não me fujas! Assi nunca o breve
Rendendo-se à vontade do inimigo14; Tempo fuja de tua fermosura23,
Tu só de mi só foges na espessura15? Que, só com refrear o passo leve,
Quem te disse que eu era o que te sigo? Vencerás da Fortuna a força dura.
Se to tem dito já aquela ventura16 Que Emperador, que exército, se atreve
Que em toda a parte sempre anda comigo17, A quebrantar a fúria da ventura
Oh! não na creias, porque eu, quando a cria, Que, em quanto desejei, me vai seguindo,
Mil vezes cada hora me mentia18. O que tu só farás não me fugindo?24
78 80
Não canses, que me cansas; e, se queres Pões-te da parte da desdita minha?25
Fugir-me, por que19 não possa tocar-te, Fraqueza é dar ajuda ao mais potente.
Minha ventura20 é tal, que, inda que esperes, Levas-me um coração que livre tinha?
Ela fará que não possa alcançar-te. Solta-mo, e corrorás mais levemente.
Espera; quero ver, se tu quiseres, Não te carrega26 essa alma tão mesquinha
Que sutil modo busca de escapar-te21; Que nesses fios de ouro reluzente27
E notarás, no fim deste sucesso, Atada levas? Ou, despois de presa28,
Tra la spica e la man qual muro he messo22. Lhe mudaste a ventura, e menos pesa?29

Vocabulário
14
aceitando, recebendo os seus amantes; 15 na floresta; 16 Sorte; 17 O sentido deste verso e dos dois anteriores é o seguinte:
Lionardo coloca a hipótese de a Ninfa lhe fugir por ter ouvido dizer que ele era infeliz no amor; 18 estes dois versos finais são de
difícil interpretação; talvez se possam ler deste modo: «Quando Lionardo crê na sorte, esta mente; portanto, Efire não deve crer no
que lhe dizem da sua sorte, visto que a sorte mente». – Cf. Os Lusíadas – Canto IX, Lisboa, Expresso, 2003; notas e comentários de
José Hermano Saraiva; 19 para que; 20 desventura (ironia); 21 «Que forma subtil irá a minha desventura encontrar para que eu te não
alcance». – Cf. Os Lusíadas – Canto IX, Lisboa, Expresso, 2003; notas e comentários de José Hermano Saraiva; 22 verso de Petrarca,
poeta italiano do século XIV: «Entre a espiga e a mão levanta-se sempre um muro», o que significa que quando alguém está prestes
a obter qualquer coisa aparece sempre um obstáculo intransponível; 23 sentido dos dois primeiros versos: não fujas porque a beleza
também foge, é efémera; 24 segundo José Hermano Saraiva, o sentido da estância é o seguinte: «Podes conseguir, com o simples
abrandar do passo, uma vitória que nem imperadores nem exércitos conseguiram: mudar a força do destino que tem sido sempre
contra mim, e deixará de o ser, se te deixares alcançar.», Ob. cit. 25 estás contra mim? 26 não sentes remorsos (por me roubares a
alma)? 27 os cabelos; 28 a alma; 29 na opinião de José Hermano Saraiva, Ob. cit., esta é uma «estância das mais enigmáticas e fora
do contexto» de Os Lusíadas

222
CANTO IX · A Ilha dos Amores – II 4

81 82
Nesta esperança só te vou seguindo: Já não fugia a bela Ninfa, tanto
Que ou tu não sofrerás o peso dela, Por se dar cara ao triste que a seguia,
Ou, na virtude de teu gesto lindo, Como por ir ouvindo o doce canto,
Lhe mudarás a triste e dura estrela30. As namoradas mágoas que dizia32.
E, se se lhe mudar, não vas fugindo, Volvendo o rosto, já sereno e santo,
Que Amor te ferirá, gentil donzela, Toda banhada em riso e alegria,
E tu me esperarás, se Amor te fere; Cair se deixa aos pés do vencedor,
E, se me esperas, não há mais que espere31.» Que todo se desfaz em puro amor.

30
destino; 31 jogo de palavras entre esperar («esperas» e ter esperança «espere»); 32 sentido dos primeiros quatro
versos: a Ninfa já não fugia por duas razões: para se entregar a Leonardo («Por se dar cara») e porque se interessou em
ouvir o que ele dizia («as namoradas mágoas que dizia»).

Leitura
Estância 76 (desde o verso 6) até à estância 82
1. Lionardo, no discurso apaixonado em que revela o seu desejo (estâncias 76 a 81),
procura convencer a Ninfa a não lhe fugir.
1.1 Indica os tipos de frase que melhor traduzem a manifestação desse desejo,
exemplificando.
1.2 Justifica a utilização por Lionardo destes tipos de frases.

2. Identifica o «doce canto» referido no verso 3 da estância 82. GUIA DO PROFESSOR


Leitura
1.
Gramática Pratica 1.1 Frases imperativas – 76, v.
8 «Espera um corpo…»; 77, v.
Funções sintáticas 7 «Não na creias…»; 79, v. 1,
«Não me fujas»; Frases inter-
1. Indica a função sintática de: rogativas – 77, vv. 4 e 5.
a. «bela Ninfa», v. 1; b. «doce canto», v. 3. 1.2 São frases ao serviço de
um discurso persuasivo. Lio-
Funções nardo faz sucessivos pedi-
sintáticas dos para que a Ninfa o oiça e
Págs. 277-278 atenda os seus desejos.
2. O «doce canto» são «As
VISÃO GERAL DO EPISÓDIO magoadas mágoas», v. 4,
que Lionardo expressava, is-
to é, o seu discurso, agradá-
A Ilha dos Amores II vel aos ouvidos da Ninfa, por
isso, «doce».
Gramática
1. Indica qual das afirmações seguintes melhor se adequa ao sentido geral do texto. Justifica. 1.
a. sujeito;
A história de Lionardo …
b. complemento direto.
1.1 mostra como o amor é um sentimento complexo;
1.2 prova que no amor «quem porfia sempre alcança»; Visão geral do episódio
Viagem de regresso – Ilha dos
1.3 revela duas visões do amor: uma masculina e outra feminina. Amores II
Resposta livre.

223
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Oralidade
EXPRESSÃO
GUIA DO PROFESSOR
Falar para argumentar e contra-argumentar
Grelha de Debate
LPP

heteroavaliação,
p. 39
Tem em atenção a seguinte opinião:
O amor é um sentimento que atinge de modo diferente homens e mulheres: estas
são mais idealistas, sensíveis, estáveis; já eles revelam-se materialistas, embora se
mostrem frágeis se a relação terminar por iniciativa delas.

Um aluno assumirá o papel de moderador apresentando os seguintes tópicos para debate,


por esta ordem e um de cada vez:
1. No amor, as mulheres são mais idealistas, sensíveis, estáveis do que os homens.
2. No amor, os homens são mais materialistas do que as mulheres, embora se mostrem
fragilizados quando elas decidem terminar uma relação.

Planifica as tuas intervenções, durante dez minutos: escreve numa folha argumentos a
favor ou contra as afirmações em discussão; mantém esta folha contigo durante o debate
para registares argumentos contrários.
Cada tópico de discussão tem, no máximo, vinte e cinco minutos para a apresentação e
troca de razões / argumentos e contra-argumentos.
Os intervenientes inscrevem-se para falar e devem ser breves, de forma a não monopolizar
o tempo. Outro aluno controla o tempo, toma nota das conclusões relativas a cada tópico e
apresenta-as no final.

Regras para a interação oral:

Aspetos não verbais Aspetos verbais (linguísticos)


¤ iniciar argumentos e justificação de opiniões pessoais utilizando conjunções e locuções
¤ pedir a palavra levantando conjuncionais causais: porque, visto que, já que…;
o braço;
¤ utilizar expressões próprias para exprimir opiniões: acho que, na minha opinião, penso
¤ ser breve e objetivo; que, etc.;
¤ não interromper os outros; ¤ usar expressões como talvez, é provável que, para exprimir a dúvida;
¤ usar um tom de voz ¤ usar palavras e expressões apropriadas para contrapor opiniões e argumentos (contra-
educado; -argumentos) de natureza adversativa: mas, porém, todavia, contudo, no entanto;
¤ solicitar educadamente a ¤ usar expressões apropriadas para reformular e explicitar posições: isto é, quero dizer…;
justificação ou a explicação
de uma opinião. ¤ utilizar palavras ou expressões adequadas para admitir e aceitar opiniões contrárias:
posso admitir que, admito, aceito que, concedo….

Escrita

Escrever para comentar uma afirmação


Redige um comentário, com um mínimo de 80 palavras e um máximo de 120, a uma das
seguintes afirmações:
A. A visão do amor por parte das adolescentes e dos adolescentes é diferente.
B. Os adolescentes e as adolescentes sentem o amor do mesmo modo.
Justifica com argumentos adequados as tuas opiniões.
Terminada a revisão do texto, lê-o aos teus colegas.

224
CANTO IX · A Ilha dos Amores – II 4
CANTO IX
Narração – Viagem de regresso
A Ilha dos Amores II

Os Portugueses recompensados.

83
Oh! Que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta1,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na menhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava2,
Milhor é esprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode esprimentá-lo.

84
Destarte3, enfim, conformes4 já as fermosas
Ninfas cos seus amados navegantes,
Os ornam de capelas deleitosas
De louro5 e de ouro e flores abundantes.
As mãos alvas lhe6 davam como esposas;
Com palavras formais e estipulantes7
Se prometem eterna companhia,
Em vida e morte, de honra e alegria. A Ninfa Galatea (1512-4),
fresco de Raffaello Sanzio (1483-1520)
Vocabulário
1
prazer dos sentidos; 2 aumentava; 3 deste modo; 4unidas; 5 Colocam-lhes
no cabelo coroas de loro, símbolo do seu estatuto de heróis; 6 lhes; 7 solenes,
de compromisso verdadeiro

GUIA DO PROFESSOR
Leitura Leitura
1.
1.1 Trata-se da metáfora pre-
1. O ambiente sensual na Ilha dos Amores é sugerido, na estância 83, através de vários sente no v. 6 «Que Vénus com
recursos expressivos. prazeres inflamava».
2. V. 3: «os» tem como ante-
1.1 Identifica uma metáfora que contribua para essa sugestão. cedente «os seus amados na-
vegantes», v. 2; «lhe» tem o
mesmo antecedente.
2. Identifica os antecedentes dos dois pronomes pessoais que ocorrem nos vv. 3 e 5 da
estância 84.

225
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

CANTO X
Narração – Viagem de regresso
Viagem
PLANOS

Deuses Deuses Deuses Deuses

Considerações Considerações Considerações


do Poeta do Poeta do Poeta

Novas profecias
Na Ilha: Banquete Tétis conduz Tétis
de Tétis, com
(1-7) Vasco da Gama despede-se Regresso a
referência ao Lamentações
a ver a Máquina dos Portugal Exortação
Profecias de Tétis Invocação a naufrágio de sobre a
do Mundo Portugueses (144) e apelo a
(10-73) Calíope Camões decadência da
(74-90) (142-143) D. Sebastião
(8-9) (91-141) pátria
(147-156)
(145-146)
Narrador
Narrador de 3ª pessoa
de 3ª pessoa

Resumo
Na Ilha dos Amores, as Ninfas oferecem um banquete aos Portugueses.
Após nova invocação do Poeta a Calíope, uma Ninfa faz profecias sobre vi-
tórias futuras dos Portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao
cume de um monte para lhe revelar a Máquina do Mundo mostrando-lhe os
lugares onde chegará o império português. Tétis despede-se dos navegado-
res que regressavam a Portugal.

O Poeta lamenta-se pela decadência da pátria que vive numa «apagada e


vil tristeza» e pelo esquecimento a que foi votado por aqueles a quem canta.

Conclui, exortando o rei D. Sebastião a continuar a glória dos Portugueses.

226
CANTO X · Tétis despede-se dos Portugueses 4
Tétis despede-se dos Portugueses

GUIA DO PROFESSOR
Leitura
1.
1.1 «que tendes vento / E
mar tranquilo», est. 143, vv.
1 e 2).
2. A viagem de regresso a
Portugal decorreu de modo
calmo e sem qualquer so-
bressalto, conforme atestam
os versos “Assi foram cortan-
do o mar sereno, com vento
sempre manso e nunca ira-
do” (vv.1 e 2 – Est. 144).
3. Os benefícios que advêm
do sucesso desta viagem são
as glórias que trarão ao reino
de Portugal (pelos feitos al-
cançados) e ao rei (pela atri-
buição de novos títulos).
Representação artística do modelo
geocêntrico de Ptolomeu (1660)

142 144
Até qui, Portugueses, concedido Assi foram cortando o mar sereno,
Vos é saberdes os futuros feitos Com vento sempre manso e nunca irado,
Que, pelo mar, que já deixais sabido1, Até que houveram vista do terreno
Virão fazer barões de fortes peitos2. Em que naceram, sempre desejado.
Agora, pois que tendes aprendido Entraram pela foz do Tejo ameno,
Trabalhos que vos façam ser aceitos E à sua pátria e Rei temido e amado
As eternas esposas e fermosas, O prémio e glória dão por que mandou,
Que coroas vos tecem gloriosas, E com títulos novos se ilustrou8.

143
Vocabulário
Podeis vos embarcar, que tendes vento 1
mar por vós descoberto; 2 homens valentes; 3 afastam-se da ilha;
E mar tranquilo, pera a pátria amada.» 4
ilha dos Amores; 5 levam provisões; 6 a presença das «Ninfas» e o
Assi lhe disse; e logo movimento facto de estarem «eternamente» com os Portugueses é simbólica:
Fazem da Ilha3 alegre e namorada4. simboliza a sua glória; 7 enquanto o mundo durar; 8 o sentido dos três
Levam refresco e nobre mantimento5; últimos versos é o seguinte: os nautas trazem a quem os mandou, o rei
D. Manuel I, o «prémio e glória» da descoberta do caminho marítimo
Levam a companhia desejada
para a Índia; além disso, o rei passa a ostentar novos títulos: D. Manuel I
Das Ninfas, que hão-de ter eternamente6, designava-se Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da
Por mais tempo que o Sol o Mundo aquente7. Arábia, Pérsia e Índia

Leitura

1. Tétis diz aos Portugueses que é tempo de «embarcar» para regressar a Portugal – est. 143.
1.1 Identifica os motivos de ordem meteorológica favoráveis ao embarque e à partida.

2. Descreve as condições em que decorreu a viagem de regresso a Portugal.

3. Refere os benefícios que advêm do sucesso desta viagem.

227
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

CANTO X
Narração – Viagem de regresso
GUIA DO PROFESSOR
Leitura (pág. 229) Lamentações, exortação a D. Sebastião
1. a. A crítica recai sobre a
«gente surda e endurecida»,
e referência a futuras glórias
v. 4, para a qual Camões can-
tou Portugal em Os Lusíadas,
isto é, a nobreza, os podero-
sos;
b. Camões critica-os, pois
não o ouvem, não lhe dão o
devido valor: nos versos 5 e 6 145
Camões queixa-se de a «pá-
tria» lhe não dar o valor ( «fa- Não mais, Musa9, no mais, que a Lira tenho
vor») que ele merece e que, Destemperada10 e a voz enrouquecida,
se fosse dado, melhor o faria
escrever, despertando-lhe o E não do canto11, mas de ver que venho
«engenho», v. 5.
Cantar a gente surda e endurecida12.
2. Em primeiro lugar, Camões
coloca-se no seu estatuto O favor13 com que mais se acende14 o engenho15
social («baxo»), v. 1, Camões
não pertence à nobreza; no
Não no dá a pátria, não, que está metida
entanto, apesar desse esta- No gosto da cobiça e na rudeza
tuto, ele considera-se capaz
de louvar (v. 4) o rei, dado que Dhũa austera, apagada e vil tristeza16.
possui duas qualidades que
poucos têm: «honesto estu-
do», v. 5, valia intelectual, jun- 146
ta com «longa esperiencia»,
v. 6, isto é, conhecimento prá- E não sei por que influxo de Destino
tico do mundo e dos homens; Não tem17 um ledo18 orgulho e geral gosto,
este é um momento em que
se sente o orgulho de homem Que os ânimos levanta de contino19
da Renascença em Camões;
depois, na estância 155, Ca- A ter pera trabalhos ledo o rosto20.
mões revela mais elementos Por isso vós, ó Rei21, que por divino
autobiográficos: homem habi-
tuado a combater, v. 1, e artis- Conselho estais no régio sólio22 posto,
ta da palavra, v. 2.
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes23.
As musas Clio, Euterpe e Talia (1640-1645) –
(detalhe), Eustache Le Sueur (1616–1655)
(…)

Vocabulário
9
Calíope, musa da poesia épica; 10 a lira é um instrumento musical símbolo da poesia; a lira aqui referida pelo
Poeta está «Destemperada», isto é, desafinada: simboliza a inspiração do próprio Poeta, a qual já não é o que era.
A referência à «voz enrouquecida» reforça a ideia do abandono da poesia pelo Poeta; 11 o motivo do desinteresse
do Poeta pela Poesia não foi o «canto», isto é, ele tem consciência do valor do seu poema épico; 12 a razão é outra:
é verificar que aqueles que cantou (os nobres) e para quem cantou (os nobres) não lhe dão o justo valor; 13 elogio,
reconhecimento do valor do Poeta; 14 se promove; 15 o «engenho» do poeta, a sua capacidade de criação poética,
artística, não é reconhecido (= dado) pela «pátria»; se fosse, seria ainda superior; 16 os versos «que (= porque) está
metida / No gosto da cobiça e na rudeza / dhũa austera, apagada e vil tristeza» são famosos: constituem uma crítica
aos Portugueses de quem Camões não espera a capacidade de reconhecer a beleza da sua arte; em vez disso, acusa-os
de valorizarem a cobiça, de serem rudes, atrasados… Estes versos são sempre citados quando Portugal passa por
crises maiores ou menores. São versos de um grande desencanto; 17 o sujeito da forma verbal «tem» é «a pátria»,
v. 6 da estância anterior; 18 alegre; 19 continuamente; 20 o sentido geral dos quatro primeiros versos desta estância é
o seguinte: referem-se ao clima de pessimismo que Camões encontra em Portugal quando regressa da Índia, devido
a vários problemas sociais e políticos com que o país se defrontava; faltava alegria e autoestima aos Portugueses;
são versos atuais, como os do final da estância anterior – conferir nota referente à estância 18 do Canto IX;
21
D. Sebastião; 22 no trono (o rei é-o por vontade de Deus = «divino conselho»); 23 Camões entende serem os
Portugueses «excelentes», apesar de tudo, porque comparava a situação de paz interna em Portugal com as guerras
civis que grassavam em vários países da Europa, guerras nas quais muitos se revoltavam contra os seus reis; em
Portugal, o rei era respeitado, daí a excelência dos «vassalos»

228
4

154 156
Mas eu que falo, humilde, baxo24 e rudo, Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
De25 vós26 não conhecido nem sonhado? A vista vossa tema o monte Atlante35,
Da boca dos pequenos27 sei, contudo, Ou rompendo nos campos de Ampelusa36
Que o louvor sai às vezes acabado. Os muros de Marrocos e Trudante,
Nem me falta na vida honesto estudo28, A minha já estimada e leda Musa
Com longa esperiencia misturado, Fico37 que em todo o mundo de vós cante38,
Nem engenho29, que aqui30 vereis presente, De sorte que39 Alexandro em vós se veja,
Cousas que juntas se acham raramente. Sem à dita de Aquiles ter enveja40.

155
Pera servir-vos, braço às armas feito;
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece31 ser a vós aceito32,
De quem virtude deve ser prezada33.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito34
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a pressaga mente vaticina,
Olhando a vossa inclinação divina,

Vocabulário
24
baixo, no sentido da hierarquia social; 25 por; 26 D. Sebastião; 27 dos que não pertencem a estratos sociais elevados, à nobreza;
28
este verso inicia referências autobiográficas: Camões diz ter estudado; mas, além do estudo, no verso seguinte refere,
valorizando-a, a experiência da vida, que vai muito para lá dos livros; é com orgulho que o faz; 29 capacidade artística inata;
30
em Os Lusíadas; 31 falta; 32 conhecido, reconhecido pelo rei; 33 «De quem» refere-se a «me», verso anterior, isto é, o rei deveria
apreciar a «virtude» do Poeta; por «virtude» deve entender-se a capacidade artística do Poeta – concretizada no seu poema
épico; 34 a valentia do rei: Camões refere-se nestes últimos versos à possibilidade («inclinação»), da qual se falava em Portugal, G
GUIA DO PROFESSOR
de D. Sebastião estar a preparar uma guerra («dina empresa») no Norte de África; se isso suceder, ele oferece-se para cantar os LLeitura (cont.)
futuros feitos de D. Sebastião; 35 Monte no Norte de África; Atlante ou Atlas ficou petrificado ao ver a cabeça da Medusa; se vir 33.
D. Sebastião, ter-lhe-á ainda mais medo do que à Medusa; na ordem direta: fazendo que o monte Atlante tema a vossa vista mais 33.1 Camões promete ao
rrei cantar os seus feitos
do que [temeu] a de Medusa; 36 cabo Espartel, perto de Tânger, em Marrocos; com a referência a este cabo e, no verso seguinte, g
grandiosos, vv. 5 e 6.
às cidades amuralhadas de Marrocos e de Trudante, Camões aponta novamente no sentido de uma futura guerra nesta região 33.2 A hipérbole encon-
com os Portugueses conduzidos pelo seu rei, D. Sebastião; 37 prometo; 38 Camões promete cantar epicamente os feitos de ttra-se nos dois últimos
D. Sebastião; 39 de maneira que; 40 Camões cantará os feitos de D. Sebastião «De sorte que» sejam apresentados como superiores vversos, quando Camões
p
prevê que as vitórias de
aos de Aquiles, cujos feitos foram cantados por Homero; D. Sebastião será um novo Alexandre, o maior general da Antiguidade D
D. Sebastião possam fa-
zzer dele novo Alexandre
o Grande, rei da Macedó-
nia, conquistador de um
Leitura imenso império, ainda hoje
considerado o maior general
de todos os tempos.
1. Na estância 145 Camões apresenta uma crítica. Identifica: 4.
4.1 É na terceira estância da
a. quem é objeto de crítica; b. os motivos da crítica. Proposição que o tom hiper-
bólico, tão próprio da epo-
2. Explicita a caracterização que Camões faz de si próprio nas estâncias 154 e 155. peia, mais se evidencia: nos
dois últimos versos afirma-
se que o novo «valor» que
3. Na última estância Camões faz uma promessa a D. Sebastião. surge, os Portugueses, é su-
perior ao dos antigos, e de tal
3.1 Explicita-a. modo o é, que nem se deve
falar mais das «vitórias» de
3.2 Mostra como a hipérbole está nela presente. conquistadores como Traja-
no ou, principalmente, Ale-
xandre o Grande, pois as dos
4. Regressa agora à Proposição, Canto I, est. 1 a 3. Portugueses superam-nas.
4.1 Identifica os versos que melhor se relacionam com o tom hiperbólico do final de
Os Lusíadas. Justifica.
229
4 Os Lusíadas de Luís de Camões

Teste de verificação
de conhecimentos
GUIA DO PROFESSOR
Conhecimentos verificados –
Metas Curriculares
de Português
Leitura – L9 9.4 (Reconhecer a for-
ma como o texto está estrutura- 24 27
do, atribuindo títulos a partes e
subpartes.) – perguntas 1. 1; L7 8. “Eternos moradores do luzente Agora vedes bem que, cometendo
5 (Fazer deduções e inferências)
– 1. 2, 2. 1, 2. 3, 2. 4, 3, 4, 5, 5. 1; Estelífero Pólo e claro Assento, O duvidoso mar num lenho leve,
L9. 9. 3 (Identificar pontos de vis-
ta e universos de referência, justi-
Se do grande valor da forte gente Por vias nunca usadas, não temendo
ficando.) – pergunta 2.4; L7 8.8b) De Luso não perdeis o pensamento, De Áfrico e Noto a força, a mais se atreve:
Detetar elementos do texto que
contribuem para a construção da Deveis de ter sabido claramente, Que, havendo tanto já que as partes vendo
continuidade e da progressão te-
mática e que conferem coerência
Como é dos Fados grandes certo intento, Onde o dia é comprido e onde breve,
e coesão ao texto: substituições Que por ela se esqueçam os humanos Inclinam seu propósito e perfia
por pronomes (pessoais, demons-
trativos e possessivos) – 2. 2; EL9 De Assírios, Persas, Gregos e Romanos. A ver os berços onde nasce o dia.
20.7 (Identificar e reconhecer o
valor dos recursos expressivos já
estudados e, ainda, dos seguin- 25 28
tes: antítese, perífrase, eufemis-
mo, ironia) – pergunta 1. 3. Já lhe foi (bem o vistes) concedido Prometido lhe está do Fado eterno,
Gramática – G9 24. 1 (Identifi- C’um poder tão singelo e tão pequeno, Cuja alta lei não pode ser quebrada,
car processos fonológicos de in-
serção, supressão e alteração de Tomar ao Mouro forte e guarnecido Que tenham longos tempos o governo
segmentos) pergunta 1; G7 21. 6
(Explicitar o significado de pala-
Toda a terra que rega o Tejo ameno: Do mar, que vê do Sol a roxa entrada.
vras complexas a partir do valor Pois contra o Castelhano tão temido, Nas águas têm passado o duro inverno;
do radical e de prefixos e sufixos
nominais, adjetivais e verbais do Sempre alcançou favor do Céu sereno. A gente vem perdida e trabalhada;
português) – pergunta 2; G – 22. 1
(Integrar as palavras nas classes Assim que sempre, enfim, com fama e glória, Já parece bem feito que lhe seja
a que pertencem) – pergunta 3;
G9 25.4 (Dividir e classificar ora-
Teve os troféus pendentes da vitória. Mostrada a nova terra que deseja.
ções) – perguntas 4. 1 e 4. 2; G9
25.2 (Consolidar o conhecimento
de todas as funções sintáticas) – 26 29
perguntas 2. 2;
Deixo, Deuses, atrás a fama antiga, E porque, como vistes, têm passados
Escrita – E9 17. 1 (Escrever textos
argumentativos com a tomada de
Que coa gente de Rómulo alcançaram, Na viagem tão ásperos perigos,
uma posição; a apresentação de Quando com Viriato, na inimiga Tantos climas e céus experimentados,
razões que a justifiquem, com ar-
gumentos que diminuam a força Guerra Romana, tanto se afamaram. Tanto furor de ventos inimigos,
das ideias contrárias; e uma con-
clusão coerente.) pergunta única. Também deixo a memória que os obriga Que sejam, determino, agasalhados
A grande nome, quando alevantaram Nesta costa africana como amigos,
Um por seu capitão, que, peregrino, E, tendo guarnecida a lassa frota,
Teste interativo
Os Lusíadas
Fingiu na cerva espírito divino. Tornarão a seguir sua longa rota.”
Teste interativo (aluno)
Os Lusíadas Luís de Camões, Os Lusíadas, edição organizada por Emanuel Paulo Ramos, Porto, Porto Editora, 2011

Testes de avaliação
LPP

modelo GAVE,
pp. 83-92
Leitura
1. Leitura
1.1 Delimita-se em duas partes: a 1. Júpiter dirige-se aos deuses do Olimpo fazendo um discurso elogioso dos Portugueses
primeira corresponde às estâncias
24, 25 e 26 e refere-se ao passado; tanto pelo seu passado como pelo presente.
a segunda às 27, 28 e 29 e refere-
-se ao presente. 1.1 Delimita-o.
1.2 «Agora», v. 1, est. 27.
1.2 Indica a palavra com que Júpiter inicia os elogios no presente.
1.3 «Eternos moradores do lu-
zente / Estelífero Pólo e claro As- 1.3 Retira do texto a perífrase com a qual Júpiter se dirige aos deuses. Mostra o seu
sento», v. 1-2, est. 24. A perífrase
coloca em relevo o elevado esta- valor expressivo.
tuto dos deuses: são «eternos» e
têm assento no «luzente Estelífe-
ro Pólo», bem acima dos mortais.

230
4
2. Considera os vv. 6 a 8 da est. 24.
2.1 Refere o «intento» dos Fados relativamente aos Portugueses. GUIA DO PROFESSOR
2.2 Indica o antecedente do pronome pessoal «ela», v. 7, est. 24. Leitura
2.
2.3 Escolhe a opção correta. A palavra «por» pode ser substituída no contexto por uma
2.1 É vontade dos Fados fazer
das seguintes locuções prepositivas: esquecer os grandes povos da
Antiguidade por causa do gran-
a. por causa de; b. em virtude de; c. por motivo de; d. por oposição a. de valor da «forte gente de Lu-
so».
2.4 Explicita o sentido desses versos. 2.2 «forte gente de Luso», v.
3-4, est. 24.
3. Seleciona três argumentos em louvor dos Portugueses presentes nas estâncias 25 e 26 2.3 a.
2.4 Por causa dos Portugueses,
(um por estância). os humanos devem esquecer-
-se dos quatro maiores povos
da Antiguidade.
4. Entre as estâncias 27 a 29, seleciona as principais razões que levam Júpiter a «determi-
3. Est. 25 – O valor da forte gen-
nar» que os Portugueses sejam «agasalhados» na costa africana. te de Luso fará esquecer os
quatro maiores povos da Anti-
guidade; est. 26 – Com um po-
5. Escolhe a opção correta. O discurso de Júpiter é um texto der tão pequeno conseguiu
vencer e tomar aos poderosos
a. argumentativo. b. descritivo. c. expositivo. d. conversacional. mouros «a terra que rega o Te-
jo ameno»; est. 26 – As vitórias
5.1 Justifica. que sob o comando de Viriato
alcançaram contra os romanos.
4. Principais razões: 1) Os Por-
tugueses enfrentam o «duvido-
so mar» em navios frágeis sem
Gramática temerem a força dos ventos;
2) Está-lhes prometido pelo Fa-
1. Indica o processo fonológico presente na evolução de «alevantaram», v. 6, est. 26, para do Eterno o domínio do Oceano
levantaram. Diz em que consiste. Índico; 3) Têm enfrentado tan-
tos perigos, tantos climas e tan-
tos ventos inimigos, que bem
2. Identifica o processo morfológico presente da formação da palavra «luzente», v. 1, est. 24. merecem ser bem acolhidos.
5. a. – Ao longo do texto, Júpi-
2.1 Sabendo que o sufixo «-oso» indica qualidade ou estado, explicita o significado do ter apresenta sucessivos factos
adjetivo «duvidoso», v. 2, est. 27. que funcionam como argumen-
tos para a decisão que anun-
cia aos deuses: «agasalhar» os
3. Indica a que classes e subclasses pertencem as palavras destacadas nos versos «Pois Portugueses para retempera-
rem forças.
contra o Castelhano tão temido, / Sempre alcançou favor do Céu sereno.», vv. 5 e 6, Gramática
est. 25. 1. Aférese. Consiste na supres-
são de um fonema no início de
3.1 Coloca a oração coordenada explicativa, presente nestes versos, na ordem direta. uma palavra.
2. O processo morfológico é a
3.2 Indica a função sintática do GN «favor do céu sereno». derivação por sufixação.
2.1 Que oferece dúvida, incerto.
4. Considera os versos: 3. «Pois» – conjunção coorde-
«Deixo, Deuses, atrás a fama antiga, / Que coa gente de Rómulo alcançaram, / Quando nativa explicativa; «contra» –
preposição; «temido» – adjetivo
com Viriato, na inimiga / Guerra Romana, tanto se afamaram.», vv. 1-4, est. 26. qualificativo; «sempre» – advér-
bio com valor temporal; «alcan-
4.1 Identifica duas orações subordinadas neles presentes. çou» – verbo transitivo direto;
«favor» – nome comum mascu-
4.2 Classifica-as. lino singular.
3.1 Ordem direta: Pois alcançou
sempre favor do Céu sereno,
contra o castelhano tão temido.
Escrita 3.2 Complemento direto.
4.
Escreve um texto argumentativo que pudesse ser publicado num jornal escolar em que
4.1 «Que coa gente de Rómulo
procures demonstrar que, pelas suas capacidades militares e de navegação, os Portugueses alcançaram» e « Quando com
Viriato, na inimiga / Guerra Ro-
merecem ser bem sucedidos na sua viagem à Índia (texto entre 180 e 240 palavras). mana, tanto se afamaram.».
4.2 A primeira é uma oração
subordinada adjetiva relativa
explicativa; a segunda é uma
oração subordinada adverbial
temporal.

231

Você também pode gostar