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UM DUPLO MOVIMENTO
Essa posição, que define como pitoresca e superficial certo tipo de arte latino-
americano, apoiando as vanguardas ligadas aos modelos norte-americanos, José Sincre
difundiu em sua tribuna na revista Art in America.
Ainda sob a coordenação de José Gomes Sincre, em 1965, foi organizado o Salão
Esso-OEA, abrangendo 18 países da América Latina. Destinado a artistas jovens (com
menos de 40 anos) contou com a presença de Sincre em todos os Juris Nacionais e
também na finalíssima em Washington.Esse Salão despertou acalorado debate nos meios
artisticos latino-americanos, principalmente no México. Cuba não participou dele.
Em termos de influências norte-americanas nas artes plásticas latino-americanas
devem ser destacadas as bolsas a artistas plásticos pelos grupos Guggenheim, Canergie e
União Panamericana. Estas bolsas incluíam permanências nos EUA e relações intensas
com o sistema das artes plásticas norte-americanas, constituindo forte meio de
penetração das tendências dominante nas artes plásticas estadunidenses na latino
américa. Primeiramente, pela influência direta sobre artista premiado e, em segunda
instância, pela influência desse seu próprio meio. Essas bolsas foram, ao mesmo tempo,
instrumentos de legitimação dos artistas latino-americanos em seus sistemas locais e da
arte norte-americana nos mesmos sistemas.
No entanto, a expansão da influência norte-americana nos sistemas das artes
plásticas dos países latino americanos não pode ser pensada somente como pressão
externa, ou como orientação que lhes é imposta, conforme fazem crer alguns estudos.
Responde também às aspirações dos emergentes setores sociais urbanos dos diversos
países latino-americanos, desejosos de ostentar emblemas de modernização. A adoção
das tendências abstratas, pelos sistemas das artes de diferentes países latino-americanos,
respondeu igualmente, aos jogos de poder locais, expressando, antes de mais nada, o
desejo das elites desses países em consolidar relações culturais com os EUA, uma vez
que suas economias estavam se articulando. Evidenciava, além disso, aspiração à
modernidade, que em meados de 40 e 50 as correntes abstratas representavam em nível
internacional. Deve-se salientar que, articulados a essa modernização estilística,
estruturaram-se a maioria dos sistemas das artes dos países latino-americanos. Prova
disso são os inúmeros museus de arte moderna e galerias de arte que surgiram na
América Latina nesse período. A maneira como os sistemas das artes locais absorveram
as tendências estilísticas abstratas e como consolidaram-se nesse processo, merece uma
atenção especial, para tanto propõe-se a análise de três países paradigmáticos: México,
Argentina e Brasil.
O país onde o processo de penetração das correntes abstratas encontrou mais forte
oposição foi o México. A importância que o muralismo e a arte do realismo social
tiveram nos anos 20 e 30 exigiu, para a introdução da arte abstrata, um intenso
movimento de desarticulação das tendências anteriormente hegemônicas. Rufino
Tamayo e José Luis Cuevas foram os dois maiores opositores da tradição plástica
imposta pelo muralismo mexicano. A proporção que cresceu o prestígio desses dois
artistas dentro do sistema das artes plásticas mexicanas, enfraqueceram-se os seguidores
do realismo social. O convite que recebeu Tamayo, em 1951, para fazer um mural no
Palácio de Bellas Artes, onde estavam até então as obras de Orozco, Rivera e Siqueiros,
foi uma forma de consagração para aquele artista que vivera durante a década de 40 em
Nova York, onde agregou ao seu trabalho uma dose bem digerida de abstração.
Também Carlos Mérida, pintor guatemalteco, de formação européia de norte-
americana, que desenvolveu um estilo geométrico, em 1952, realizou murais para um
conjunto de edifícios multifamiliares da Cidade do México. No ano seguinte, Matias
Goeritz realizou a escultura de concepção geométrica “Museu Experimental do Eco”.
Essas atividades, esporádicas e isoladas, expressam as resistências a abstração no meio
artístico mexicano, onde a escola realista havia estabelecido em controle quase absoluto.
Contra essa dominação da escola mexicana pós-revolucionária, José Luis Cuevas
lançou, em 1955, o manifesto “Cortina de Nopal”. A verdade é que, no México, ao
longo da década de 50,desenvolveu-se uma acirrada disputa no sistema das artes local,
que foi ao mesmo tempo estética e política.6 Outro importante fator de desestabilização
da arte figurativa mexicana foi que os colecionadores norte-americanos, principais
compradores da arte mexicana nos anos 20 e 30, deixaram de apoiar a arte figurativa
causando uma grande redução de mercado nessa arte.O Estado, que fora, no México,
outro grande cliente do muralismo retrai-se abrindo espaço para empresas privadas. As
escolas, as cooperativas e as centrais operárias, que haviam sido os espaços privilegiados
do muralismo dos anos 20 e 30, perderam sua prioridade para hospitais, hotéis, sedes de
empresas e outras instituições, restringindo-se essa corrente estética a locais fechados e
destinadas a evidenciar uma idéia de progresso e “status”, bem diferente do que fora sua
fase de apogeu. Pouco a pouco, o ideal revolucionário enfraqueceu e o muralismo
tornou-se também decorativo, enfatizando influências com materiais e formas.
As próprias estruturas governamentais, no campo das artes plásticas, caminharam
para posições mais elitistas e individualistas.O Instituto Nacional de Bellas Artes y
Literatura, em 1947, organizou uma grande exposição de auto-retratos, divulgando-a
como um “estímulo ao gênio artístico e reforçando a individualidade da criação
plástica”, rompendo, assim, com a orientação mais coletivista que estivera presente nas
origens do muralismo mexicano. Concorreu também, para o enfraquecimento das
posturas “socializantes”, a consolidação do sistema de galerias comerciais que,
estruturou-se, ao longo das décadas de 40 e 50, chegando a atuar, neste período, 25 salas
de arte na Cidade do México. Dentre elas, destacavam-se a Prisse-Fórum de José Luis
Cuevas e a Prometeu-Espaço de Rufino Tamayo. Assim, a criação do Museu de arte
Moderna, em 1964, de certa forma é expressão, senão da vitória da abstração no México,
pelo menos da derrota do realismo social enquanto movimento hegemônico no sistema
das artes plásticas. O que fica evidente, também, com a grande exposição “Tendências
da Arte Abstrata no México”, em 1967, no Museu de Ciências e Artes da UNAM,uma
espécie de prestação de contas da atuação dos artistas abstratos até aquele momento.
Já as trajetórias de abstração no Brasil e Argentina foram bastante diferenciadas do
caso mexicano,mas semelhantes entre si e integradas, sendo esses dois países latino-
americanos onde a arte abstrata mais se desenvolveu.Damian Bayon afirma “... nadie
entre los que se ocupam de estas cosas em la Argentina ha tenido nunca uma verdadera
´Virgindad cultural´, ni mucho menos”.7 Na verdade, a penetração das correntes
abstratas internacionais, dos anos 40 e 50, encontrou eco em experiências artisticas já
existentes na cosmopolita Buenos Aires.
Uma das mais importantes é a de del Prete, que estudara em Paris, vinculando-se em
1929 à “Agrupation Invention – Création – Art non figurative” do qual participou como
secretário, e que, já em 1933, realizou em Buenos Aires uma exposição de collages
abstratas. Além disso, a prédica teórica de Torres Garcia foi um referencial que
permaneceu sempre presente no meio artístico argentino.Assim, a aparição da revista
Arturo, em 1944, contando com a participação de Arden Quin, Kosic e Tomás
Maldonado somente marcou uma nova etapa da vanguarda abstrata Argentina.
O que se pode constatar é que sementes, já plantadas no solo local, floresceram
dadas as novas condições de expansão ao nível internacional, principalmente
impulsionadas pelos EUA.
O caso do Brasil configura-se um pouco distinto,uma vez que a arte figurativa, que
fora hegemônica no Modernismo dos anos 20 e 30, constituiu um empecilho bastante
forte à penetração das correntes abstratas. Pode-se afirmar que, aqui, a abstração veio
do exterior através de personalidades difusoras e, principalmente, através da instituição
da Bienal Internacional de São Paulo.
Criada em 1951, sob o impulso de setores da burguesia empresarial paulista,
liderados por Cicillo Mattarazo, a Bienal foi um impulso decisivo ao movimento
abstracionista então emergente no País. O júri internacional concedeu o grande premio à
“Unidade Tripartida” de Max Bill e um prêmio à jovem pintura nacional ao
abstracionista Ivan Serpa. É importante observar que esta premiação foi um importante
fator na consolidação das correntes abstratas, no sistema das artes plásticas local, mas,
também a primeira grande vitória internacional da arte concreta. A Bienal Internacional
de São Paulo referendou, ainda, o Expressionismo Abstrato com uma sala especial
dedicada a Pollock, em 1957.
Assim, a América Latina, dentro do movimento internacional da abstração, não foi
somente receptora, mas atuou também como legitimadora e em muitos casos, como
espaço de desenvolvimento de importantes artistas. Tomás Maldonado, por exemplo, um
dos fundadores da revista Arturo, na Argentina, e um dos mais importantes produtores e
difusores da abstração, em 1955, transferiu-se para a Alemanha, onde atuou como
professor e, posteriormente, diretor da escola de Ulm, criada por Max Bill. A
internacionalização dos meios de produção, difusão e consumo, pós-45, possibilitou a
integração dos diversos sistemas das artes locais de uma forma até então não existente.
A consolidação dos sistemas das artes modernas (com museus de arte moderna e
contemporânea, galeria de arte, marchand e críticos e artistas profissionais) ocorreu na
América Latina de maneira integrada com a difusão da arte abstrata. Portanto, a
modernidade, nos anos 40 e 50, era representada não só pela absorção das formas
estilísticas da abstração, mas também por todo um conjunto de instituições e meios
modernos de produção, difusão e consumo de artes plásticas. Brasil, e também
Argentina, exemplificam bem estas transformações, evidenciando um processo que
ocorreu no campo das artes plásticas, mas que estava articulado à modernização que se
implantava na sociedade latino-americana em geral.
Após o término da Segunda Guerra, a expansão dos interesses econômicos norte-
americanos na América Latina levara a grandes investimentos dirigidos à modernização
da produção. Seja diretamente em empresas particulares, ou indiretamente, através de
empréstimos estatais, o fluxo de capital norte-americano para a América Latina
implementou uma nova onda modernizadora que atingiu os mais diversos níveis da
sociedade. Houve,naquele período, o desenvolvimento de um pensamento político-
econômico, elaborado teoricamente pelo grupo de economistas da CEPAL. Eles
representavam alguns setores das elites latino-americanas que acreditavam nos
investimentos estrangeiros como meio deflagrador de processos transformadores da
economia, capazes de levar à superação das condições de subdesenvolvimento em que a
América Latina vivia há séculos. No contexto desse pensamento “desenvolvimentista” é
que localizaram-se as tendências artísticas abstratas. Elas integravam-se de alguma
forma, a esta crença na racionalidade, na máquina, enfim, na modernidade. Portanto, sua
difusão não foi somente resultado de uma imposição externa, mas também fruto de
aspirações bastante concretas de diversos países latino-americanos.
A arte abstrata correspondeu, em nível internacional, ao desenvolvimento dos meios
de produção, às novas técnicas e noções científicas, concretizadas, ao longo da Segunda
Guerra, e dominantes depois de seu término. Na América Latina estas condições de
desenvolvimento também ocorreram, porém, de forma concentrada em alguns núcleos
como Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires, Caracas, Cidade do México. Foram
nestes pólos, que as correntes de abstração tiveram expressão e força. A expansão, mais
generalizada da arte abstrata na América Latina evidenciou a artificialidade de uma
produção artística importada e em desacordo com as condições concretas de sua
produção, circulação e consumo. Uma afirmação tão ampla, no entanto, exige um
aprofundamento na forma como esta difusão se realiza, uma vez que a introdução de
uma nova tendência não ocorre sem uma complexa disputa dentro dos sistemas das artes
plásticas locais.
Considerando que a arte abstrata não se gestou na América Latina, mas foi, ainda
que desejada por diversos segmentos, uma importação, é fundamental destacar o papel
daqueles que a introduziram nos diversos sistemas locais. Os introdutores trouxeram
informações do exterior e atuaram em seus diversos países no sentido de abrir espaço
para a nova tendência com a qual se identificavam. No Brasil, dois nomes devem ser
destacados: o de um crítico e o de um artista plástico. O primeiro, Mário Pedrosa,
quando exilado, viveu de 39 a 45, em Nova York, onde entrou em contato com
importantes nomes do movimento abstrato, aderindo incondicionalmente a suas idéias.
O segundo, Waldemar Cordeiro, retornando da Europa, onde fizera sua formação, trouxe
na bagagem as propostas do concretismo que empenhou-se em desenvolver e difundir.
Na Argentina, por outro lado, o já citado Del Prete, que estivera ligado a Vantangerloo e
ao grupo “De Stijl”, foi um nome fundamental. Outro artista de atuação decisiva foi
Lucio Fontana. Filho de italianos, fez sua formação na Europa e, já em 1934, aderia ao
movimento “Abstracion – Creation”. Retornando a Buenos Aires, em 1939, publicou,
em 1946, o “Manifesto Blanco” que obteve grande repercussão nos meios artísticos.
Também, na área da crítica da arte, dois nomes destacaram-se na difusão da abstração na
Argentina, Romero Brest e Aldo Pellegrini.
As dificuldades encontradas para expansão das correntes estilísticas abstratas, na
América Latina, e o esforço levado a cabo por estes empenhados difusores, pode ser
avaliado pelas palavras de Damian Bayon
NOTAS
1. ARGAN,Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.
525.
2. Trabalharam sobre este tema: TRABA, Marta e SUAREZ, Orlando e GOLDMAN,
Shifra
3. COCKROFF, Eva. In:AMARAL, Aracy, Arte para quê?. São Paulo: Nobel, 1984,
p. 16.
4. Sobre esse tema específico trabalhou COLDMAN, Shifra.
5. SINCRE, José Gomes. In: SUAREZ, Orlando. La jaula invisible. Habana : Ciencias
Sociales, 1986.
6. PALMA REYS, Francisco. 50 años de Artes Plásticas y Política en México (1934-
1984). Plural. México : vl. XVIII-IX, n. 201, jun. 1988.
7. Aventura Plástica de Hispanoamérica. México : Fondo de Cultura Economica. 1991,
p. 263.
8. Op. cit. p. 103.
9. BRITO, Ronaldo. Neocentrismo. Vértice e Ruptura. Rio de Janeiro : Funarte, 1985, p.
32.