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Ata da Aula VII

Andréa Costa e Giselle Aquino

A lingüistica como modo de se trabalhar sem sentido prévio:


Na experiência analítica não se pode ter sentidos prévios, sentidos definidos,
porque se ficarmos presos aos conceitos, ao que nos foi ensinado, aquilo que foi
aprendido, sempre tentaremos ali enquadrar as pessoas, esquecendo que uma
pessoa é diferente da outra e que o que ela está dizendo pode ter um sentido único e
específico naquele contexto em que ela se encontra.
Ex: A palavra charuto não necessariamente nos remete a um símbolo fálico.
Se, um paciente chega ao consultório e conta de um sonho em que no relato aparece
a palavra charuto e se o analista já interpreta esta palavra de uma forma fixa, não
aceitando outras possibilidades, ele pode se enganar e nunca saberá se um charuto é
um charuto ou um símbolo fálico para este paciente que está na nossa frente. “Um
charuto às vezes é só um charuto” (Freud).
Culturalmente temos os significados das palavras de acordo com o consenso
geral, mas cada um tem uma gama de significados particulares, pessoais para
determinadas palavras (Pai significa habitualmente o progenitor do sexo masculino,
aquele que cria, mas, cada um tem um sentido próprio para esta palavra – cf. exemplo
da foto de Roberto Carlos no armário do mãe).
Aa palavras não têm sentido em si, a palavra que foi usada naquele lugar tem
um sentido naquele lugar, dependendo então do contexto em que ela está sendo
usada. É o jogo das palavras que determina o sentido.
O Inconsciente segundo Lacan é estruturado como uma linguagem – isso
significa que ele não é um depósito de sentidos particulares, não tem nada lá, mas sim
que ele é um certo modo de operar com os sentidos, não é como um dicionário que
opera por organizar-se como um armazém de significados.

Estruturalismo:
Claude Lévi-Strauss considera a revolução saussureana - chegar ao significado pela
horizontalidade e não pela verticalidade - excelente para a antropologia. Roman
Jakobson retoma esta revolução e lhe dá prosseguimento na própria lingüística,
acrescentando às leis gerais da estrutura da língua, as leis da fala. Lacan aproveita os
conceitos do estruturalismo para formalizar a invenção freudiana, pois, segundo ele,
Freud foi estruturalista avant la lettre.

Linguistica Pré-Saussure:
Os significados são constituídos historicamenteo. A história é fundamental para se
conhecer o significado de uma palavra, achar a raiz originária que justifique o uso de
uma determinada palavra. Ficou conhecida como Lingüística comparada, pois trabalha
generalizando aquilo que se encontra de idêntico em diversas línguas. Supõe, assim,
um nível de abstração/generalização em um eixo vertical/histótico: quanto mais para
trás, mais primitivo, mais universal o mecanismo ou significado em questão.

Ex: FOR ALL

FORRÓ
Ferdinand de Saussure:
Rompe com a história e a genealogia. Não é ela que define o significado da palavra,
mas sim a relação desta palavra com outras. Assim pode-se chegar ao significado de
maneira bastante eficiente dispensando o sentido prévio/histórico. Esta operação está
em eixo horizontal. Uma palavra não tem um vínculo fixo com alguma coisa, é com o
jogo de significantes que chegamos ao sentido da palavra.

FORRÓ ---- DANÇA ---- PERNAMBUCO

Com Saussure rompemos com o modelo clássico que dizia: há uma coisa no mundo,
esta gera em nós uma idéia e uma palavra, posteriormente lhe é colada. Um
significante não é uma etiqueta colada em um significado específico, mas sim um
significante que, em relação com outros significantes, remete a um significado
específico. Do significante árvore, em relação com outros, surge a idéia de árvore.
Para se chegar ao sentido de árvore, pegaremos vários significantes como planta,
grande, verde e assim encontraremos o significado pelo jogo de significantes.

PLANTA – GRANDE – VERDE Sentido de Árvore

Recapitulação das regras do significante:

1a ) Um Significante não tem significado por si só. Ele tem um valor


diferencial. Só na relação com outros significantes chega-se ao significado.

Metafísica clássica (que deu origem à linguística comparada): Santo Agostinho diz
em suas confissões: “Quando os adultos nomeavam um objeto qualquer voltando-se
para ele, eu o percebia e compreendia que o objeto era designado pelos sons que
proferiam, uma vez que queriam chamar a atenção para ele. Deduzia isto, porém, de
seus gestos, linguagem natural de todos os povos, linguagem natural de todos os
povos, linguagem através da mímica e dos movimentos dos olhos, dos movimentos
dos membros e do som da voz anuncia os sentimentos da alma, quando esta anseia
por alguma coisa, ou segura, ou repele, ou foge. Assim, pouco a pouco eu aprendia a
compreender o que designam as palavras que eu sempre de novo ouvia proferir nos
seus devidos lugares, em diferentes sentenças. Por meio delas eu expressava os
meus desejos, assim minha boca se habituara a esses signos” (AGOSTINHO, Os
pensadores vol. XV, São Paulo, Abril, 1982, p. 32)
Wittgenstein: imagina um bebê que não sabe nada, e um adulto chega e diz isso é
uma cadeira (apontando), se ele não sabe nem o que é apontar quem garante que ele
está colando alguma coisa (Cf. WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas, Rio de
Janeiro, JZE, 1998, p. 45).

2a ) O que determina o significado é o significante. O Significante prima sobre o


significado (S/s e não s/S)

Lacan:
Cf. “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”, LACAN, J. Escritos,
RJ, JZE, 1998, p. 502)

HOMENS MULHERES
O jogo de oposições é o que determina a diferença entre as portas (imagem
acústica é a mesma).
Significação inacabada – o bêbê vive nas trevas da significações inacabadas,
não sabe diferenciar muito bem o que é uma coisa e o que é outra, pois nele o
significante e seu jogo ainda não se instalaram. Só com a liguagem, o jogo dos
significantes, a estrutura, é que as significações vão se completar, em que as coisas
farão sentido e as palavras terão signifcado.
Dessa forma é só com a dança das palavras, sem sentido “natural”, a priori, que se
fixará os sentidos das palavras. Assim, dependendo do jogo, novos significados se
produzem.
Quando se tem um olhar estruturalista você deixa o paciente constituir a
significação correta, porque ele vai fazer os jogos de significantes que levarão
consequentemente ao significado.

4a) Diferença entre a língua e a fala:


Língua – funciona em SINCRONIA, ela evolui de acordo com as pessoas,
língua como estrutura, a-histórica, horizontal e universal.
Fala – DIACRONIA, Saussure deixa em segundo plano a fala, com o vertical,
com o histórico, apenas com a língua. A diacronia leva em conta a evolução da
linguagem.
Jakobson vai articular as duas ao afirmar que todo falante opera tanto na
sincronia, tomando a língua em um flash, o estoque geral das possibilidades de
escolha de um falante, quanto na diacronia, articulando em sua fala as unidades da
língua por seleção e/ou combinação.
Ata da Aula VIII
por Camila Drubscky

A partir do estudo dos afásicos, Jacobson distinguiu dois tipos de afasias


em função do tipo de processo que estava comprometido: o processo de
“seleção” ou o processo de “combinação”. No primeiro caso, o afásico
apresenta dificuldade em encontrar as palavras. Exemplo: ao invés da palavra
lápis, o sujeito responde: “serve para escrever”. No segundo caso, o afásico
procede por similaridade. Por exemplo: ao invés de “não-casado” em
contraposição à “casado”, o sujeito responde: “solteiro”.

Essas duas síndromes evidenciam uma propriedade do discurso, qual


seja, o fato deste desdobrar-se segundo dois tipos de operações: as
metafóricas (que correspondem ao eixo da seleção) e as metonímicas (que
correspondem ao eixo da combinação).

Sausurre irá chamar o eixo da seleção de EIXO PARADIGMÁTICO,


enquanto que o eixo da combinação será o EIXO SINTAGMÁTICO.

Freud defrontou-se com a presença desses mecanismos a partir de


observações empíricas; por um lado, a diferença de ‘volume’ entre o material
manifesto do sonho e os pensamentos, de outro, a exigência de disfarce do
sentido, que intervém ao nível dos pensamentos latentes do sonho.

Podemos dizer que são esses elementos da teoria do sonho que Lacan
utilizará para apoiar e fundar a analogia estabelecida entre o funcionamento
dos processos inconscientes e o funcionamento de certos aspectos da
linguagem – tal como inaugurada por Sausurre, ou seja, uma concepção
estrutural da linguagem.

A partir do artigo de Lacan “A instância da letra no inconsciente ou a


razão desde Freud”1, relemos o início do capítulo VI do “Livro dos Sonhos”, o
que nos rendeu uma discussão em torno da seguinte passagem: “Os
pensamentos do sonho e o conteúdo do sonho nos são apresentados como
duas versões do mesmo assunto em duas linguagens diferentes. (...) Se
tentássemos ler estes caracteres segundo seu valor pictórico, e não de acordo
com sua relação simbólica, seríamos claramente induzidos ao erro.2

Esta citação serviu, entre outras coisas, para mostrar o quanto as


questões re-lançadas por Lacan já estavam em Freud, pois Freud valoriza a
relação entre os elementos do sonho e não o valor a priori de cada um deles,
ou seja, trata estes elementos como significantes no sentido de Saussure.
Assim, esquematicamente, temos:

EIXO VERTICAL: PARADIGMÁTICO


1
Ver Lacan J., “Escritos”, pág. 514.
2
Ver Freud, S. (1900), “A interpretação dos sonhos” in ESB vol. IV, pág. 270.
SELEÇÃO
SIMILARIDADE
EIXO DA LINGUAGEM
METÁFORA/CONDENSAÇÃO
SINTOMA / SENTIDO / LÍNGUA

EIXO HORIZONTAL: SINTAGMÁTICO


COMBINAÇÃO
CONTIGUIDADE
EIXO DA FALA
METONÍMIA/DESLOCAMENTO
FOBIA / FALTA DE SENTIDO / FALA
Aula IX
Carolina Cunha e Rodrigo Andrade

Introdução

Jackobson ao estudar pacientes afásicos distingue dois tipos de distúrbios


comunicativos: distúrbio da seleção e distúrbio da combinação. Devido ao fato de que
a afasia apresenta-se como um processo progressivo, degenerativo da capacidade de
comunicação, ela possibilitou a Jackobson observar diretamente, quase que em
estado puro, as duas regras essenciais da linguagem, pelo fato de que os processos
básicos são os últimos a serem extinguidos em cada processo afásico. Tais regras
são: Similaridade e contigüidade, respectivamente o processo de seleção e de
combinação.

Paralelo com a psicanálise

Lacan, um também estudioso do estruturalismo como Jackobson, estabeleceu um


paralelo entre o funcionamento do inconsciente e da linguagem, baseado na hipótese
de que a estrutura da linguagem pré-existe a estrutura do inconsciente, desta forma,
as regras de linguagem regem também o inconsciente.
Neste sentido, Lacan aproxima consciente e inconsciente ou melhor, ele não parte de
uma distinção fundamental entre os dois (razão e emoção, etc). O que distingue o
registro consciente do inconsciente é uma modulação distinta nas mesmas regras
básicas da linguagem.

Eixos

Devido a esses processos são estabelecidos dois eixos; sintagmático e paradigmático.


O eixo sintagmático determina a ordem das palavras utilizadas em uma frase, tem a
função de contigüidade, justaposição de palavras, e deslocamento. Definindo-se como
o processo do inconsciente mais utilizado para evitar bloqueios, censura e recalques.
Este eixo apresenta-se como um eixo metonímico.
Já o eixo paradigmático determina a palavra a ser utilizada através de um processo
seletivo. Tem a função de similaridade e de condensação, se define como um
processo criativo de cada individuo. Este eixo apresenta-se como um eixo metafórico.

Metáfora e metonímia

O processo metonímico é uma substituição feita a partir de critério já conhecidos pelo


senso-comum, não apresentando uma criatividade de experiências individuais. A
palavra ao ser substituída neste processo segue uma contigüidade, um deslocamento,
um deslizamento, de idéias apresentando-se de maneira comum e de fácil
compreensão.
Exemplo:

Vamos jogar o ferro pesado na água e parar o barco.

Este exemplo é uma metonímia que segue critério do material pelo objeto, a ancora
que freia o barco é feita de ferro, além de acrescentar uma característica, o ferro é
pesado. Passa-se de uma palavra a outra que mantem com a primeira uma relação de
contiguidade.
O processo metafórico também apresenta-se como um substituição, porém seguem
critérios individuais referidos a experiências pessoais e características subjetivas de
cada ser, demandando um esforço interpretativo do ouvinte para haver compreensão.
Exemplo:

Vamos puxar o freio de mão e parar o barco.

Este exemplo é uma metáfora onde a palavra foi substituída por uma palavra que tem
afinidades semânticas com a primeira, pois a ancora freia o barco assim como o freio
de mão freia o carro, porém exige maior interpretação.

Apesar de bastante diferenciados esses dois processos agem de maneira


concomitante tanto consciente quanto inconscientemente, não podendo desta forma
desligar uma função da outra, fazendo com que a fala seja um processo
metaforonímico. As produções do inconsciente se caracterizarão por uma maneira
específica de utlização destas funções, mais frouxa, que cria compostos de difícil
compreensão, seja por que as conexões utilizadas foram muito pessoais, seja porque
a palavra utilizada é uma composição de várias palavras que tem afinidades
semânticas (personagem composto no sonho, por exemplo).

Apresentamos agora mais dois exemplos que diferem apenas no processo de


construção da mensagem, porém apresentam o mesmo sentido para o ouvinte:

Entrei numa caixa fechada com espelhos e botões de um lado só, caixa esta que se
movia. (metonímia)

Entrei numa caixa que viajava verticalmente pelo espaço. (metáfora)

Ambas remetem a um elevador porém diferem em sua descrição, maneira de


construção da mensagem. Nota-se que a primeira tende a produzir precisão,
esvaziando a imprecisão/abundância do sentido. Em excesso ela produz efeito de
irrealidade (ex. de Luis Fernando Veríssimo). A segundo, por outro lado, parece dizer
mais do que se compreende (efeito poético). Em excesso, produz efeito de revelação
incmpreensível.

E agora um exemplo com palavras que podem ser substituídas sendo uma metonímia
ou uma metáfora, respectivamente:

Pão – baguete x Pão – corpo de Cristo


Ata da Aula XI
Por Rodrigo Carvalho e Paula Carvalho

Os dois grande eixos de Jakobson:


A construção da fala está, segundo Jakobson e Lacan, pautada por dois
grandes eixos, o metafórico e o metonímico. No entanto, a noção estritamente
linguística destes dois termos deve ser “afrouxada” para que eles venham a nos ser
úteis, principalmente em nosso próximo passo: reconhecer o paralelo existente entre a
estruturação linguística e aquela inconsciente. Sob esta mesma lógica é valido lembrar
que tais conceitos não se encontram perfeitamente delineados, não são momentos
idealmente distintos, senão pólos, regras gerais de funcionamento. Tais eixos são
produtores ou constituintes de uma estrutura, na medida em que a subjetividade
“trabalhará” a partir deles, sem que, no entanto, possa fazê-lo livremente.

Objetivo x subjetivo:
Lacan considera Freud uma revolução epistemológica porque em vez de partir da
divisão corpo-alma, racional-irracional e descobrir as leis do subjetivo em oposição ao
objetivo, Freud mostra que a subjetividade é construída com as mesmas leis da
objetividade. O inconsciente não é o sem lei, animal, puro prazer e descarga, que se
opõe ao consciente regrado, objetivo, preso, etc (essa oposição já está na Bíblia e não
seria preciso Freud para entendê-la). O inconsciente é apenas um modo específico de
funcionamento da linguagem no homem que produz prazer de um modo específico.
No caso do consciente a fala é endereçada a um receptor bastante especificado, no
caso do inconsciente a produção linguística se endereça a um outro muito mais fluido
e por isso exibe de maneira mais gritante as operação do falante para se comunicar.
A proposição de que as regras de elaboração da linguagem podem ser estendidas
para o âmbito do funcionamento psíquico aponta ainda para uma razoável
coincidência entre as regras gerais de funcionamento do consciente e inconsciente.
Isto quer dizer que não há de se pensar um inconsciente de essência distinta do
consciente, morada dos instintos e da irracionalidade humana, mas sim um momento
do funcionamento psíquico em que a diminuição da necessidade de ser compreendido
permite uma predominância maior de um eixo em relação a outro. Desta forma, afasta-
se ainda a hipótese da resistência, que seria apontada como atributo inconsciente.

O Outro:
Tal afirmação se deve ao fato de que os eixos metafórico e metonímico não podem
funcionar no processo de produção da linguagem independentemente do receptor da
mensagem, uma vez que o entendimento do Outro é fundamental para que haja
comunicação, como mostra Jakobson: “ Mas o que fala não é de modo algum um
agente completamente livre na sua escolha de palavras: a seleção (...) deve ser feita a
partir do repertório lexical que ele próprio e o destinatário da mensagem possuem em
comum. (...) Sem tal equivalência, a mensagem se torna infrutífera – mesmo quando
atinge o receptor, não o afeta.” (JAKOBSON, R. Linguística e Comunicação, São
Paulo, Cultrix, 1978, p. 37). Afinal, não há linguagem sem alteridade; remetente e
receptor não podem se confundir em um só, nem mesmo o diálogo consigo mesmo, o
pensamento, só é possível quando se admite a hipótese da alteridade subjetiva. Calar
o diálogo interior, se é que isso é possível, produziria estados do tipo místico, de
meditação, de coma. Talvez esses estados existam, mas ninguém estava lá para vivê-
los. Só se pode falar deles, sentir o que ali se sentiu, depois que se volta, ou seja,
depois que se reinstaurou o diálogo interior.

As formações do Inconsciente:
Visto isso, deve-se passar à análise da linguagem produzida, tendo em mente que tal
processo não se deu ao acaso e pode revelar sobre o agente da fala mais do que está
imediatamente explícito. Assim acredita Lacan: “[A fala] pressupõe ainda todo o
mecanismo que faz com que – não importa o que se diga ao pensar nisso, ou, não
pensando, não importa o que se formule –, uma vez que se entre na roda do moinho
de palavras, o discurso sempre diga mais do que se diz.” (LACAN, J. O Seminário,
Livro V, pag. 23). È seguindo esta lógica que atos falhos, esquecimentos, a criação
espirituosa, o Witz e o sonho serão considerados boas portas de entrada para aquele
dizer-além-do-que-se-disse. Por essa razão Freud parte destes fenômenos, segundo
Lacan “... por ter ele visto as relações existentes entre o Witz e o inconsciente.” (pag.
24).
Ainda que não se busque uma aparente “falha” no discurso, é possível analisá-lo e
dele conhecer algo da psicologia do sujeito. A predominância de um eixo em
detrimento do outro, por exemplo, pode revelar a finalidade de uma mensagem
aparentemente vazia. Ou seja, se o eixo metonímico prevalece sobre o metafórico, em
um discurso aparentemente vazio de verdades, é possível notar que talvez o objetivo
do discurso possa ser exatamente reforçar uma estrutura independentemente do
conteúdo. Nas palavras de Lacan: “ Na maioria dos casos, o discurso absolutamente
não atravessa a cadeia dos significantes, que é o puro e simples ronronar da
repetição, o moinho de palavras. (...) O discurso não diz absolutamente nada, a não
ser assinalar-lhes que sou um animal falante. Esse é o discurso comum, feito de
palavras para não dizer nada, graças ao qual nos certificamos de não estar
simplesmente lidando, frente a frente, com o que o homem é em estado natural, ou
seja, um animal feroz.” (referência?)

Signorelli – o esquecimento de uma palavra:


Exemplos que ilustram a relação entre inconsciente e linguagem são, assim,
oferecidos pelo autor. O lapso de um nome próprio e estrangeiro, Signorelli, por Freud,
é citado e trabalhado. A idéia de “esquecimento” não esgota o fenômeno, visto que
outros nomes se apresentam em seu lugar, merecendo análise. Neste caso, o plano
considerado é o metonímico e, assim sendo, a formação de tais nomes alternativos
não é de natureza substitutiva, mas sim combinatória (pag 42). Estes nomes
alternativos são Botticelli e Boltraffio, e não por acaso. Segundo o autor o primeiro se
dá pela coincidência do final do nome somada ao Bo de Bosnia-Herzegovina, na
medida em que Herr foi recalcado. Já o segundo se dá pela mesma presença do Bo
somada ao nome da localidade onde Freud soubera do suicídio de um paciente.
Assim, o recalque do Herr, ligada à questão da morte, faz surgir o Bo que se liga ao
elli. Signor é substitutivo de Herr, visto que por ele pode ser traduzido, permanecendo
inacessível. Ora, se não houvesse coincidência entre linguagem e inconsciente seria
difícil explicar que uma idéia psicologicamente perturbadora, como a da morte,
pudesse impedir-nos de acessar uma palavra bastante conhecida.
Ata da Aula XII
Por Ana Rosa de Aragão e Renata Bello

A comunicação é feita através da linguagem, sendo esta um jogo de metáforas


e metonímias que com suas regras rege o consciente e o inconsciente. A
pequena diferença entre os dois é que no consciente as idéias são fixas, já no
inconsciente a linguagem é usada de maneira mais livre.
Dizendo de outro modo: no consciente os significados (idéias) parecem primar,
no inconsciente são os significantes (elementos de palavra que não tem
sentido em si, mas apenas na relação). Por exemplo, a idéia “soldado” pode
aparecer representada pelos elementos sol + dado (“sol” e “dado” podem se
combinar no inconsciente justamente porque não têm seu significado fixo).
Dessa forma, o inconsciente conecta coisas que antes não eram aglutináveis
(coisas vistas como estranhas). A maneira que ele utiliza para fazer isto, nos
sonhos por exemplo, é através de deslocamentos (produção metonímicas) e
condensações (produção metafóricas).

Deslocamento (Verschiebung):
É o nome freudiano para a operação da linguagem que constitui produções
metonímicas. A seleção é diminuída e para preencher o vazio são aumentadas
as combinações.
Exemplo: Na vida tudo é passageiro menos o trocador e o motorista.
“passageiro” realiza a combinação entre a finitude da existência humana e a o
contexto cotidiano de um coletivo carioca. A produção que dali resulta tende a
parecer estranha, esvaziada de sentido. Acontece porém que este sentido
pode ser muito pessoal, pois em uma história singular teremos sempre
conexões inusitadas que, muitas vezes, não estão à disposição nem mesmo do
sujeito em questão. Dizemos então que se tratam de conexões inconscientes.
A “desvantagem” da produção metonímica é que com a costura de vários
contextos numa mesma frase acaba-se por diminuir o sentido desta. Dito de
outro modo, a metonímia e suas produções instauram a falta de sentido, a
falta-a-ser. Por esta razão Lacan, em “A instância da Letra”, indica que a
produção metonímica se dá com um “menos” de sentido, de significado (S-S=s
(-), ou seja, uma significante conectando-se a outro produz um sentido a
menos). Por isso ele simboliza a estrutura metonímica como :

“ f (S...S’) S = S (-) s

ou seja, indicando que é a conexão do significante com o significante que


permite a elisão mediante a qual o significante instala a falta do ser na relação
de objeto, servindo-se do valor de envio da significação para investi-la com o
desejo visando esta falta que ele sustenta.” (Lacan, “Instância da Letra”,
Escritos, p.519) (os três pontinhos indicam a conexão)

Condensação (Verdichtung):
É feita com produções metafóricas, ou seja, a seleção é aumentada para suprir
a diminuição das combinações.
Exemplo: Nas curvas do seu corpo capotei meu coração. Na produção
metafórica ocorre a junção de várias “coisas” num só ponto, em uma só palavra
(no exemplo, as “curvas)”. Isto acaba por aumentar a produção do sentido.
Aqui um signicante se sobrepõe a outro produzindo um a-mais (S/S’= s(+), a
barra indica a superposição).
Lacan simboliza: “ f (S’/S) S = S (+) s
que indica que é na substituição do significante pelo significante que se
reproduz um efeito de significação que é de poesia ou criação, ou, em outras
palavras, do advento da significação em questão.” (Lacan, J. Ibidem).
Mas não se esqueça, as unidades de sentidos, tanto a metafórica como a metonímica,
não tem sentidos em si, apenas sentido de conexão e são condição de passagem do
significante para o significado, de produção do significado que pode se dar variando de
um pólo de sentido a menos ou um pólo de sentido a mais.

Quando um frase faz sentido?


A frase terá sentido quando houver um assentimento. Mas como isso se dá? A
frase só terá sentido quando ela for completada. A melhor maneira de ilustrar
esse ponto que o Outro coloca e pensar em uma frase qualquer da língua. Ela
só se completa quando se coloca a última palavra. Só então é que a primeira e
as outras palavras farão sentido. Apenas quando fecha-se a frase o sentido
aparece. Por ex: Eu não gosto de você/ela/professor. Só haverá a
compreensão de quem eu não gosto quando um das três palavras (entre
muitas outras) for dita. Quando esta seleção for realizada haverá combinação
entre a palavra selecionada e o contexto em que ela se inserirá. Só então
haverá sentido, pois, dependendo da escolha feita todas as palavras colocadas
antes terão seu sentido mudado. Isso é retroação.
Podemos observar mais claramente a retroação no tratamento analítico. Na
situação analítica o analisado, por associações livres, cria significações para
atos que anteriormente não faziam sentido. Esse sentido aparece pela
retroação, na qual ocorre a releitura dos atos resignificando-os e criando novos
sentidos.

v
?
v

A situação analítica funciona por retroação, onde cenas vão sendo expostas e
sendo re-qualificadas como relevantes ou irrelevantes de acordo com o
contexto geral da história do analisado.
A retroação reescreve o passado no presente, dando às antigas cenas novos
sentidos que irão fornecer a compreensão do trauma presente. O trauma só
existe quando o ato que foi feito anteriormente faz sentido.

Emma:
Um bom exemplo é a paciente Emma descrita por Freud no vol I das suas
obras completas (1886-99), p.465-468.
“Emma acha-se dominada atualmente pela compulsão de não poder entrar nas
lojas sozinha. Como motivo para isso, [citou] uma lembrança da época em que
tinha doze anos (pouco antes da puberdade). Ela entrou em uma loja para
comprar algo, viu dois vendedores (um dos quais ainda consegue lembrar)
rindo juntos, e saiu correndo tomada de uma espécie de susto. Em relação a
isso, terminou recordando que os dois estavam rindo das roupas dela e que
havia sentido atração sexual por um deles.
Prosseguindo nas investigações, uma segunda lembrança de que ela
nega que se tenha dado conta no momento da Cena I. Quanto a isso, não há
maneira de refutar. Aos oito anos de idade, foi duas vezes comprar doces
numa confeitaria, sendo que logo na primeira o proprietário agarrou-lhe as
partes genitais por cima da roupa. Apesar disso, voltou lá de novo e agora se
recrimina por essa segunda vez, como se com isso tivesse querido provocar o
atentado. E com efeito, a sua “torturante má consciência” pode ter atribuída a
essa experiência.
Agora compreendemos a Cena I (vendedores) combinando-a com a Cena II
(proprietário da confeitaria). Basta estabelecer um vínculo associativo entre
ambas. A própria Emna indica que ele é fornecido pelo riso: o riso dos
vendedores lhe fez lembrar o sorriso com que o proprietário da confeitaria
acompanhou o atentado. A marcha dos acontecimentos já pode ser
reconstituída. Na loja, os dois vendedores estavam rindo; esse riso evocou
(inconscientemente) a lembrança do proprietário. De fato, a segunda situação
apresenta ainda outro ponto semelhante [a primeira]: ela mais uma vez estava
em uma loja sozinha. Juntamente com o proprietário da confeitaria, lembrou-se
de que ele a agarrou por cima da roupa; mas nesse entretempo atingiu a
puberdade. A lembrança evocou o que ela certamente não estaria apta sentir
na ocasião, uma liberação sexual, que se transformou em angústia. Devido a
essa angústia, teve medo de que os vendedores da loja pudessem repetir o
atentado e saiu correndo.”

CENA II CENA I
Dono do armazén vendedores rindo
Agarrou-lhe desejo sexual

A cena I é ressignificada pela cena II, que estava disponível, mas não
conectada com a cena I. Neste momento uma frase se fecha. ressignifica
a cena. Algo com “fiquei com medo quando riram de mim na loja, porque
fui agarrada em outra loja”.
É preciso ainda perceber que estamos lidando com uma dimensão do
tempo diferente da habitual, do tempo cronológico. O final da frase (cena
II), que no tempo cronológico veio depois do começo (cena I), no tempo
lógico de uma análise inscreve-se como anterior.
ATA XIV – Aula de 26/9: SAFFIRA VALENTIN E MOANA AVILA

A conexão ics entre duas cenas já estava lá ou só é feita na análise?

A conexão feita entre uma cena traumática (aquela que gera um sintoma) e
uma cena vivida no passado, dá sentido ao trauma, fazendo o sintoma
desaparecer. Esta conexão liga o passado e o presente. A cena traumática
pode ser vivida no passado, mas o sintoma gerado por ela é presente, e
normalmente é uma queixa.
A conexão entre as cenas feita em análise, provavelmente já estavá lá como
possibilidade, por exemplo, tendo ocorrido em esboço na véspera da sessão
analítica pelo próprio analisando. Um exemplo poderia ser uma situação em
que o paciente fala para o analista de uma das cenas, de forma consciente,
como uma lembrança. Mais tarde, depois de algumas sessões, conta uma
outra cena. Neste momento, esta cena se liga à primeira e dá sentido
inconsciente ao trauma. Isto, no nosso esquema se figura assim:

t2 t1

Podemos supor que apensar da conexão feita, é apenas em um terceiro dia


que ela será “realizada” pelo paciente. No dia t2, o paciente tem um sonho que,
primeiramente, não faz sentido algum, muito menos se liga às cenas contadas
separadamente. Na sessão posterior, t3, ele traz o sonho. Nele o analista
percebe elementos que estão presentes tanto em uma cena quanto em outra e
possibilita a conexão entre elas. O sonho, que é um material do inconsciente,
junta as cenas lembradas, que são conscientes. Podemos dizer que a conexão
já estava feita de forma inconsciente, mas apenas virtualmente, na véspera da
análise por exemplo, mas somente quando trazida para a sessão é que ela se
realiza.

A conexão, o trauma e algo mais, o desejo


Neste primeiro momento da análise, em que a conexão é feita, o sintoma cai
(Emma deixa de ter fobia de lojas). Com este ganho terapêutico o paciente se
sente bem pelo sintoma ter desaparecido, mas volta na próxima sessão em
busca de outra coisa, desconhecida. Isto porque quando a conexão é feita
entre as cenas e o trauma é significado, não ocorre apenas uma
reconfiguração da estrutura da rede da psique, mas algo passa a aparecer.
Neste momento, em que as regras mudam, surge um ponto de interrogação.
Retomando a hipotética frase de Emma teríamos algo como: “fiquei com medo
quando riram de mim na loja, porque fui agarrada em outra loja”, mas porque
me deixei agarrar? Porque voltei à loja do velho no dia seguinte?
O trauma está ligado a outras questões mais profundas e desconhecidas.
Assim começa a análise, a busca pela falta. Outras conexões serão feitas e
levarão ao que está por trás do trauma, mas não pode ser considerada como a
conexão verdadeira, pois todas são verdadeiras, até a primeira feita
anteriormente. O que seria isto que está por trás do trauma?

Lacan chamou este algo mais de desejo. O desejo aparece quando o sintoma
cai e algo, que se apresenta como se estivesse estado por trás do sintoma,
começa a ser visto pelo paciente como seu. O analisando começa a fazer
análise quando se vê como autor de sua própria história e sentimentos e não
mais uma vítima da vida. A busca por explicações nada mais é do que o reflexo
do lugar do vazio na estrutura. A interrogação que surge estará sempre lá, na
estrutura, ocupando o lugar do vazio, que é o real para Lacan. A questão é
como se lida com isso, com essa falta. Para algumas pessoas pode ser a
busca por explicações acerca da morte, ou vida após a morte. Para outras a
formação de um sintoma. É este sintoma quem caindo, dá lugar a alguma outra
coisa que vem encarnar o desejo. O mais habitual é que a própria análise
passe a encarnar essa busca por aquilo que verdaeiramente encarnaria o
sentido último das coisas.

A análise é um sintoma
Dessa forma, para Lacan a análise é um sintoma, pois vem se instaurar no
mesmo lugar que o sintoma que levou o sujeito à análise. Vou a análise porque
não consigo entrar em lojas, mas descubro que fui beliscada aos oito anos. A
partir daí ou bem fico satisfeita com o resultado terapêutico dessa descoberta
ou bem continuo na análise porque parece-me que ainda há algo mais
“profundo” a encontrar, que gera a angústia para a busca pelo sentido.
Os diversos sintomas que aparecem pelas cenas traumáticas e que gera
angústia estão ligados ao vazio angustiante que nos faz buscar explicações,
como a própria análise. Para que ocorra essa análise/sintoma, o analista deve
representar o vazio na estrutura, o desconhecido que gera angústia, em um
primeiro momento. É o Outro, meio fluido, frouxo, aquele que o analisando não
sabe o que é e o que quer, encarnado pela pergunta Che vuoi? Do camelo à
Álvaro no conto “O diabo apaixonado”.
Vale lembrar que apenas esse papel para o analista não basta. O Outro
também é aquele que indica os pontos de conexões sem sentido. Não é o
espelho. É o Outro, fluido, mas também ativo.

O analista, assim, deve entender o inconsciente como vazio, que se forma no


momento da fala, da significação. Esta é uma concepção que tem referência na
nota sobre “O Bloco Mágico” de Freud. Desta forma, o analista não entra como
autor da história do paciente. Ele incarna aquilo que na história do paciente não
se encaixa bem, é estranho, pede sentido, pede explicação. O inconsciente
funciona por regras, “universais” e particulares. As universais indicam que
sempre haverá um ponto cego na estrutura. Foi o que situamos ao descrever
as figuras de linguagem de metáfora e metonímia como parte delas e o conto
da carta roubada. É importante que o analista não fique buscando uma cena ou
a “carta” específica e sim entenda as regras do inconsciente, suas conexões.
Já as regras particulares dizem respeito aos modos pessoais como cada um
lida com o ponto cego da estrutura: fazendo um sintoma, fazendo análise, indo
à igreja etc.

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