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Histéria Regional (Rondénia) 2° Edigio Marco Anténio Domingues Teixeira & Dante Ribeiro da Fonseca Professores do Departamento de Histéria da Universidade Federal de Rondénia & 7 Porto Velho Rondoniana 2001 Direitos autorais 1998 de Marco Anténio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonseca. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 5988 de 14/12/73. Nenhuma parte desse livro, sem autorizagao prévia por escrito de ambos os autores, pode- +4 ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: ele- trénicos, mecdnicos, fotogréficos, gravagao ou quaisquer outros, Capa: Encontro no rio Madeira entre engenheiros da ferrovia e Caripunas, nos anos de 1870, Ficha Catalogréfica. T266h Teixeira, Marco Antonio Domingues. Histéria regional: Rondénia / Marco An- tOnio Domingues Teixeira, Dante Ribeiro da Fonseca. Porto Velho, Rondoniana, 2001 2832 p. 2° Edicao 1. Amaz6nia - historia - estudo e ensino. 2, Rondénia - historia - estudo e ensino |. Fonseca, Dante Ribeiro Il. Titulo DU: 981.13(072) Impresso por: ABG Grafica e Editora ‘Av, Equador, 978 - Nova Porto Velho - Tel.: 69 212-0159 Porto Velho - Rondénia Pedidos: Livraria da Rose Av. Rogério Weber, 1967 - centro - Porto Velho - Rondénia Telefone: (069) 221-6063 - Fax: (069) 221-8929 | d ‘SUMARIO Capitulo 1: A conquista e coloniza- go da Amazénia e a submissao do indigena. .... n Os primeiros contatos entre os indige- nas e 0 colonizador. n A legislacao colonial e a submissao do ndigeMa. sense 14 A populagao indigena dos vales dos rios Madeira e Guaporé 20 O indigena, 0 povoamento e a coloni- zacao. 23 Capitulo 2: A exploragao, conquista ocupagao da Amazénia no contex- to do antigo regime. 28 0 espago natural 28 A exploragao, as visdes e 0 imaginario do conquistador na Amazénia.... 30 Os tratados de limites da Amazénia no periodo colonial... . 35 A diplomacia ibérica e a conformagao das fronteiras da Amazénia colonial... 39 A colonizagao da Amazénia: missionéri- 08, europeus e militares em contlto. 42 A colonizacao da regido do Madeira! Guaporé. 45 Adefesa das fronteiras: destacamentos e fortificagoes. 48 Capitulo 3: O mercantilismo e as po- liticas de colonizagao dos vales do Madeira e do Guaporé. fundagao de Vila Bela da Santissim: Trindade. ‘A mineragao. 59 A agropecudiia, 62 O comércio e as rotas fluviais... 64 ‘A Companhia de Comércio do Grao- Para e Maranhao... 67 55 CO primeiro ciclo da borracha. A colonizagao do Vale do Guaporé ea, A exploragao e colonizagao do Oeste Capitulo 4: A sociedade colonial guaporeana, aspectos do cotidiano, a escravidao e a resisténcia escrava. oo 72 A sociedade colonial no Vale do Guapo- TE. sos 72 Negros, indios. europeus e mesticos: as politicas de ocupagao e defesa do territério e as relagoes de poder e sub- misao, 74 Doengas e epidemias. 7 Aspectos da escravidao: a organizagao do trabalho, as ocupagées ea familia. 79 A resisténcia escrava. 81 A crise do sistema colonial e 0 abandono dos vales do Madeira e Guaporé. 83, Capitulo 5: As pressées internacio- nais sobre a Amazénia brasileira. 87 imperialismo: as propostas de intemacionalizacao da Amazénia e 0 etnocentrismo dos viajantes. 87 Anavegagao no rio Madeira e a abertu- ra do rio Amazonas a navegacao inter- nacional 89 Limites e fronteiras: 0 Tratado de ‘Ayacucho (1867) 92 A abertura do Amazonas & navegagao estrangeira 94 Capitulo 6: A exploragao e coloniza- 40 do ceste amazénico. 97 97 mazonico, 99 Colonizacao brasileira do Madeira. 102 A colonizagao boliviana do Madeira, 0 Noroeste Boliviano e a empresa Suarez & Hermanos 106 iv Capitulo 7: 0 processo de ocupagaoe Capitulo 10: O Territério Federal dc expropriagao indigenanadreadoBeni. Guaporé. is _ 153, ve 11 Aluizio Ferreira: a intervengao e Gindigena na Bolivia apropriagao, sub- cjonalizagao da EFMM... Cad missdo @ resisténcla.......... 111 Precedentes da criagaio do Territério Federal do Guaporé. so A A legislagao indigena e o recrutamento YA guerra pela borracha, de trabalhadores na Bolivia. .... 114 BA. criagdo do Temitoio Federal do Guaporé..... 162 Capitulo 8: Mao de obra para os se- a politica no Territ6rio Federal do ringais do alto Madeira. M19 Guapore. enn po A obtengao da mao-de-obraparaosse- Qs garimpos de cassiterita 6 pedras 1gais € 0 mecanismo de expropriagdo preciosas...... 168 do trabalhador direto. 119 A abertura da BR.364.... 160 ‘Amao-de-obra indigena no periodo au- we reo da borracha. 122 Capitulo 11: A criagao do Estado"d® z RondBénia. .. 173 fapitulo 9: A questdo acreana e af A colonizagao recente 17 /construgao da E.F.MM. 127 bg garimpos de ouro do rio Madeira.17 (0s antecedentes e a Rebeliao ctiagao do Estado de Rondénia.177 « Acreana. "Exercicios de fixacao, 181 ‘Anexacao do Acre ao Brasil Cronologia. 193 Percival Farquhar. abaritos. 216+ Acconstrugao da EFMM. feréncias Bibliograficas. 227. A forga de trabalho. Porto Velho. - 4 { Guaiard Mii. 144 . A comisso Rondon e a linha telegrati- ‘ 146 Pretacio “Historia Regional” é uma obra impar no cenario das Letras Rondonienses, um marco pioneiro em seu género, dado que nada antes existia, em termos de trabalho didatico, sobre a nossa historia Os autores, Marco Anténio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonse- ca, empreenderam minuciosa pesquisa histérica, abordandso, inicialmente, os gru- pos indigenas, elementos marcantes na formagao das matrizes culturais, rondonienses. A conquista desencadeou a migragao de populagées indigenas, que afluiram da costa para a bacia do Madeira, fugindo a pressao do colonizador. © orreram também migragées interioranas, de modo que, quando os primeiros colsnizadores chegaram a essa regido, a drea ja estava povoada, por inimeras comunidades indigenas. Desses grupos, a maior parte era Tupi, Tupi-Kawahib e Taxapakura, quanto & classificagao linguiistica. Muitos grupos sucumbiram a pre- ga do colonizador, chegando a extingao. Outros grupos passaram pelas varias tapas de contato, vivendo ainda hoje, Segundo o antropélogo Darcy Ribeiro, iso- laddos, em contatos intermitentes, em contato permanente ou integrados. Todos os urupos indigenas estao, de uma forma ou de outra, passando por processos de .culturagao. Quando um grupo indigena entra em contato com a sociedade naci onal, comega a sofrer uma série de modificagdes endégenas, que respondem as transformagées exégenas, resultantes do processo colonizador. Rondinia, longinqua e bravia, nasceu sobre 9 influxo da cultura que desde ‘8 primérdlos Portugal esforgou-se em implantar na sua coldnia. Em 1778, por aqui andou o célebre naturalista baiano, formado em Lisboa, Alexandre Rodrigues Ferreira. Promovendo estudos nas areas da antropologia, da botdnica e da zoo- ‘gia 0 autor de “Viagem Filossfica” elegeu 0 homem nativo e o mestigo como elementos humanos de uma cultura evidentemente nacional, uma vez que os homens fixados no litoral brasileiro estavam perdendo, como ja perderam, 0 con- tato diuturno com suas raizes. Isso acontecia no século XVIII, quando a antropo- logia cultural engatinhava. Por aqui passaram outros viajantes e cientistas ilustres, ¢ smo Severiano da Fonseca e 0 padre Jesualdo Machetti, que deixaram livros sobre a regiao. (Os autores nos fornecem uma visdo da penetragao dessa regio, por parte dos colonizadores, a partir do século XVII, obedecendo a determinantes econd- micos da metrépole, quando do Brasil-Colénia; do Império ¢ da Republica, quando do Brasil independente; que respondiam sempre aos anseios do mercado exter- no, Assim é que as primeiras expedigdes foram impulsionadas pela procura de produtos tropicais, que por volta do século XVII, tinham mercado certo na Euro- a, Além da procura de drogas: ouro, a exploragao da terra e escravizacao de indios. Nos séculos XVII e XVIII, a Igreja, através das miss6es religiosas desempe- nhou um papel fundamental, uma vez que precedia a entrada do colonizador, vi- sando a catequese dos indios, atingia as regides mais remotas. Muitas missdes foram estabelecidas no Madeira, dentre elas, a dos Tupinambaranas, a de Iruri, a dos Abacaxis, a de Santo Anténio das Cachoeiras, a de Sapucaiaoroca e outras mais. Assinalam ainda os autores, a assisténcia dos missionarios espanhdis aos indios do Guaporé no século XVIII, fato que resultou na ocupagao estratégica do colonizador portugués, através da construgao do Forte Principe da Beira, patrimd- nio histérico de Rondénia. As pesquisas bibliograficas registram uma cidade perdida, erguida em 1775, no rio Madeira. Marco Anténio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonseca falam sobre Balsemao, vilarejo que os portugueses construiram para dar garantia, de desenvolvimento aos seus habitantes. Existia la quase uma duzia de prédios pliblicos e particulares e parece ter sido logo abandonada ou seu povo poderia ter sido dizimado por indios ou doengas. O pesquisador da Histéria Regional, Desembargador Hélio da Fonseca, descobri num arquivo do Ministério das Rela- Ses Exteriores uma planta da cidade. Se existir alguma edificagao, alguma pedra dessa cidade, Balsemao seria, ao lado do Forte Principe da Beira, outro monu- mento da Historia de Rondénia. A procura do ouro e a conseqiente ocupacao estratégica das areas das minas, bem como a efetivagao dos tratados de limites, foram os tiltimos principais determinants que impulsionaram a ocupagao da re- gido antes do século XX. Uma vez fundada Vila Bela ¢ Cuiabé, 0 objetivo principal residia em estabe- lecer uma via de comunicagao rapida e efetiva através dos rios Guaporé, Mamoré e Madeira. Essa rota permitiu a ligagao entre esses dois locais com Belém do Pard e a metrdpole, além de assegurar a presenga portuguesa na regio, devido & vizinhanga com os territérios da colénia espanhola. Com a exaustdo da explora {go mineral a colonizago européia na regiao entrou em decadéncia Essa ocupa- Go, e o sentido predatério que a caracterizou, desorganizou e mesmo extinguiu drasticamente grande parte da populago indigena. Foi a borracha, no século XIX, 0 principal determinante econémico para a ocupagao da area. Entretanto, com uma caracteristica: a presenga dos cearenses @ peruanos como seringueiros. Inicia-se também um novo ciclo de hostilidades interétnicas. Um exemplo conoreto dessa nova arremetida do branco é 0 rio Ma- deira. Severiano da Fonseca, em 1875, passa por esse trecho e registra um panorama detalhado da regido: *...29 barracas e 277 trabalhadores dedicados extragao da borracha.” Com esse novo tipo de atividade a navegagao do Madei- ra, que entrara em deolinio e fora alvo das hostilidades dos Mura e Munduruku no século anterior, foi reativada. Em 1878, tenta-se a construgao de um cami- inho, junto as cachoeiras do Mamoré e Madeira, que deveria alcancar 0 territorio boliviano. Este empreendimento é significativo pois, além de toda a movimenta- 0 que produziu ao longo do rio, é a primeira tentativa concreta de desbravar essa regio em grande escala. Fato que da origem a inumeros confrontos entre indigenas e brancos. Contudo, a empresa construtora nao teve vida prolongada, devido ao clima, as doengas e aos continuos ataques dos silvicolas, e a constru- 0 é abandonada ‘A preocupagao com as fronteiras @ a seguranga nacional, bem como a co- mercializagao da borracha, redundaram em dois fatos historicos contemporaneos da maior importancia para Rondénia: a Comissao Rondon, que seria responsavel pelo conhecimento e o levantamento cientifico de grande parte da area e pele | / inovagao no tratamento com os indios, e a construgao da Estrada de Ferro Madei- ra-Mamoré, responsavel por uma intensa migracdo de trabalhadores estrangei- ros, além da criagao de iniimeras vilas e cidades. A importancia fundamental da ferrovia na formagao histérica, social e geo- econémica e geopolitica do Estado de Rondénia é abordada pelos autores. O “todo cultural” da EFMM transcende em muito a sua condigdo inicial de meio de transporte, que, ja 4 época, representava uma conexao intermodal ao atendimen- to das necessidades de escoamento de produtos extrativistas; este, por si s6, a Constituir um complexo natural e a desafiar a obra humana. Uma vez construida, instalada no territério com seus assentamentos humanos, inexoravelmente, gerou um proceso evolutivo que, mesmo apés o duro golpe da desativagao e suas, conseqiiéncias, permanece latente, como que aguardando apenas 0 ldgico e jus- to reconhecimento de que foi e 6, uma solugao correta e coerente com as neces- sidades caracteristicas da regiao Destacam, ainda, os autores, o trabalho dos migrantes do Caribe, na ferro- via, presenga marcante na configuragao social da regido, os barbadianos e granadinos aqui permaneceram com suas familias, totalmente integrados a terra que escolheram para viver. Os seus descendentes so inumeros e em Porto Ve- tho residem quatorze familias. Sao os Allen, Alleyne, Banfield, Blackman, Denis, Holder, Johnson, Julien, Maloney, Rivero, Schockness, Tommy, Winte e Wiles, Posteriormente, o desaquecimento do sistema econémico baseado na bor- racha levaria a regiéio novamente ao ostracismo. A lenta colonizagao desta area interiorana foi acelerada, destacam os autores, com a criagao dos Territérios Fe- derais, dentre eles 0 do Guaporé. Entidades federais que se constituiram no meio habil para penetrar rapido e fundo no organismo Amazénico, levantando as cau- sas da sua apatia e da sua marginalizagao no processo civilizatorio do Brasil. A criagao dos Territérios Federais constitui um esbogo de reagao contra a mentali- dade que admitia 0 determinismo geogréfico como regra imutavel, segundo a qual, as sociedades humanas estao, em grande medida, subordinadas as condigoes do ‘meio ambiente natural sem oportunidade de evolucdo, tal sua inferioridade e inca- pacidade de assimilagao cultural. A criagao dos Territérios Federais permitiu uma maior mobilidade social dentro do uma hierarquia especifica e seletiva de valores, negando o esterestipo genera- lizado, que representava uma atitude preconceituosa do Brasil desenvolvido em relagao a terra e ao povo amazénico. Instrumento de valorizagao econdmica, social e politica, o Territério Federal do Guaporé, contribuiu de forma decisiva na mudanga dos elementos tradicional- mente ambientals e serviu como fator de desenvolvimento, que se superpés aos limites dos padrdes das atividades comunitarias, erigidas as margens dos ios, Madeira, Mamoré, Guaporé, Machado e outros, valorizando o homem da ribeira e dos barrancos, que deixou de ser um cidadao de segunda classe no corpo da cidadania brasileira. Ainda na metade desse século, a ocupagao da regido se caracterizou pela descoberta de minérios, sobretudo a cassiterita, que impulsionaria novas levas de migrantes. A partir dos anos 60, as importantes mudangas politicas com relagao — viii ao desenvolvimento da Amazénia seriam responsaveis pelo proceso histéri- co que transformou Rondénia no maior pélo de atragao de migrantes de todo © pais, modificando também o carter de sua economia basica, de extrativis- ta, para agricola, ‘Quando em 1980 o Territério Federal de Rondénia ascendeu & condicao de Estado Federado, houve o reconhecimento do acerto da sua criacdo, pois impli- cito no conceito da comunidade, a combinagao de forgas e a alianca de objetivos, se fixaram em interesses mais amplos e mais coordenados, com diregdes propri as que desencadearam o processo de transformacao. ‘Ao concluir a leitura atenta de Histéria Regional, constatei em toda a obra 0 patriotismo dos autores. Ninguém deixard a leitura desse livro sem se sentir mais amazénida, mais brasileiro. Constatei, também, que poucos tém conseguido o manejo do método hist6rico como Marco Anténio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro da Fonseca. O rigor na critica das fontes e a preciso perfeita nas infor- magoes, sao admirdveis. Os autores, comprovaram o que Cicero ja dizia: “Aos homens sao necessarias muitas qualidades, porém duas mais so necessarias ao historiador: primeiro, a de dizer sempre o que sabe que é verdade; segundo, a de nao dizer jamais 0 que sabe que nao é verdade.” Por fim, trata-se de um livro que nao pode faltar na estante do estudioso comprometido com a multifacetada vivencia na Amazénia, ¢ que deve ser lido € relido por quantos apreciam a sondagem desse mundo verde onde indigenas, brancos e negros, construiram a nossa historia. E uma obra imprescindivel nas aulas de Historia Regional no ensino fundamental e médio. Os autores prestaram um valioso servigo & cultura de Rondéonia Porto Velho, 29 de setembro de 1998. Yédda Pinheiro Borzacov. Instituto Histérico e Geogréfico de Rondénia, * Apresentagao. O trabalho que ora apresentamos foi elaborado com a finalidade de ser utiliza do nas classes de sala de aula do ensino fundamental e do ensino médio, para vestibulares e concursos. Esta obra consiste em uma versao simplificada de uma cobra maior, ainda nao publicada em sua totalidade, em que os autores reuniram suas, pesquisas, algumas jé publicadas em revistas universitérias sob a forma de artigos. Aatual versao didatica se propée a ser um manual que professores e alunos possam trabalhar, no sentido de uma maior compreensao da historia de Rondénia. ‘A proposta dos contetidos agrega a analise macro-histérica elementos que, até pouco tempo, eram desprezados como objeto do conhecimento histé rico. Nesse sentido tenta compreender a histéria néo apenas a partir da ago unilateral do Estado, através dos chamados “grandes personagens’, ou seja, os generais, reis, diplomatas e politicos, mas como um processo dialético, conflituoso, em que as camadas populares atuam em importantes papéis. Es- pecificamente, em se tratando da historia da Amaz6nia, a énfase deve ser dada a0 processo de conquista e colonizacao. A duas palavras nao se apresentam de forma casual, por muito tempo os fenémenos aos quais se referem foram tratados como descobrimento e ocupagao ou povoamento. O fato porém é que © proceso histérico pelo qual passou a Amazénia a partir do século XVII cons- tituiu-se em um processo de conquista, no qual os europeus entraram em guer- ra contra as populagSes nativas, conquistando seus territérios, escravizando-as ou exterminando-as. Nao se pode portanto estudar a Amazénia sem observar 0 proceso a que foram submetidas suas populagées nativas, que ja povoavam esse espaco. Trata-se, portanto de perceber a historia como vida, apresentan- do-a sem o mofo com que muitas vezes ¢ relatada, sem o cheiro do mofo e dos papéis velhos, percebendo-a naquilo que ela possui de mais universal ¢ util ao conhecimento da humanidade. Historia Regional 6 um titulo polémico. A primeira pergunta que ocorreria a0 leitor seria: 0 que é uma regio? Certamente, Rondénia, como espago, é uma construgo de determinados agentes historicos. Destarte acompanhamos a cons- trugao de uma determinada identidade geopolitica, a partir do ponto de vista do colonialismo portugués. A area dos rlos Madeira, Mamoré e Guaporé é atribuida uma certa unidade em face do papel que desempenhou na conquista de parte das regides Norte e Centro-Oeste. Contudo, os fendmenos histéricos que ali se passaram extrapolaram, em sua dinamicidade, as fronteiras e limites estabeleci- dos pelo Estado. Dessa forma, procuramos perceber o process histérico em Rondénia sem perder de vista sua conexao mais global Os capitulos do livro possuem um resumo geral, contendo ainda informa- ‘ges adicionais e as unidades tém sempre ao seu final uma bateria de cinco exercicios para melhor fixagao dos contetidos. A cronologia que segue apés 0 Ultimo capitulo destina-se a ajudar o estudante a se situar pois 0 tratamento dado &s unidades nem sempre tornou possivel, e as vezes mesmo tornou desaconselhdvel, uma andlise linear. Apés a cronologia serao encontrados exer- cicios relativos a todos os capitulos. As respostas para todos os exercicios do livros foram colocadas na parte final, no gabarto. x Devemos finalmente expressar nossos agradecimentos a algumas pesso- as: aos professores Apolénio e Miriam Teixeira, Marizélia @ Zilé Fonseca, pelo auxilio e estimulo dado a elaboragao desse trabalho; a Rosemary Gannon, que & mais que uma livreira, pois sem suas pesquisas nao teriamos encontrado muitas das fontes aqui utiizadas; Yéda Pinheiro Borzacov, Emanuel Pontes Pinto, Wilder Sodré Barros ¢ Nilza Menezes, que leram 0 trabalho e apresentaram valiosas sugestdes; Cleide Maria de Medeiros, Luzimar Barbosa Chaves, Gisele Gouvea Estdcio e Cleide Rodrigues Vieira, da Biblioteca Central da UNIR, pelo apoio técnico. Apesar do auxilio prestado por essas pessoas, os autores assurnem inteira responsabilidade pelas possiveis imperfeigdes encontradas no trabalho. Finalmente, dedicamos esse livro, um esforgo modesto para contribuir com 0 processo educativo, a todos os professores e estudantes do estado de Rond6- nia, S20 eles, mais do que ninguém, que sofrem as consequéncias de viverem ‘em um pais onde, infelizmente, muito pouco apoio se da a educagao. Porto Velho, 29 de setembro de 1998. Marco Anténio Domingues Teixeira. Dante Ribeiro da Fonseca. Capitulo 1 A conquista e colonizagao da Amaz6nia e a submiss40 do indigena. ‘Os primeiros contatos entre os indigenas e 0 colonizador. As pessoas comumente pen- sam no indio como “um outro pove”, ferente dos "brancos e civilizados”, mas ‘8 povos indigenas constituem-se em um conjunto diversificado de culturas, cuja tinica identidade inquestionavel reside no fato de ocuparem a América, antes da chegada do europeu. Apenas falando no aspecto politico, nesse pri- meiro contato, 0s conquistadores ibéri- os encontraram povos que viviam sob © governo de um monarca, como os in- cas e povos que viviam ainda em pe- quenas sociedades sem o govemo cen- tralizado, como os tupinambds. Assim, viviam esses povos sob variados pa- drdes de relages sociais como tam- bém estavam em diferentes estagios de dominio das técnicas para a produgao de seu sustento. ‘Onde hoje ¢ a regio Norte do Brasil, na dea dos estados do Amazo- nas, Acre, Amapa, Rondénia, Roraima, Parae Tocantins existiam inimeros po- vos indigenas némades e sedentérios. Todos.praticavam a agricultura mas os primeiros somente ocasionalmente pro- duziam excedentes para trocas com ou- tros grupos e os tiltimos produziam ar- tefatos para 0 comércio como a cera- mica e tecidos de algodao, havendo mesmo entre eles a divisdo do traba- lho. A organizacao politica desses po- vos comportava formas complexas ‘como: chefaturas guerreiras e expan- Indigenas Tupinamba tal como vistos pelos europeus do século XVI sionistas sustentadas por impostos, grupos com sistemas de lideranca mais simples. Os Omagua possuiam uma estrutura politica que congregava vari- as aldeias e suas chefias sob a lideran- ga de uma chefia superior. Os grupos indigenas da América comunicavam-se em varias linguas, muitas delas ainda encontradas entre os indigenas da Amazonia Brasileira e distribuiam-se entre os troncos lingliisticos tupi, aru- ak, karib, tucano, pano e jé. O indigena da Amazénia era um ser perfeitamente integrado ao seu meio, vivia da caga da pesca e da agri- cultura, que dominava de forma sufici- ente © econdmica: conhecia os terre- nos mais férteis (as varzeas) e planta- 2 va nas épocas de vazante dos rios a mandioca, 0 milho, 0 algodao, o taba- co, certas drvores frutiferas © outros vegetais. Ao entrar em contato com os indigenas da Amazénia, os portugue- ses observaram que determinados po- vos indigenas jd apresentavam carac- teristicas expansionistas, expulsando ou dominando grupos mais fracos. Ob- servaram, também, aliangas politicas para defesa comum de grupos ameaga- dos. © avango europeu sobre o litoral do Brasil, no século XVI, fizera com que alguns povos indigenas daquela area migrassem pata o interior, fugindo ao conquistador, entrando na Amazénia em disputa pelo controle de tertitérios. (Os primeiros contatos dos ame- rindios com os colonizadores iniciaram um processo de alteracao violenta no desenvolvimento demografico cultu- ral dessas populagdes nativas que em algumas regides, como a Amazénia, dura até hoje. Na América do Sul os es- panhéis encontraram um império bas- tante desenvolvido, 0 Império Inca, cujo territério se estendia do Equador até o Chile e era controlado de sua sede no Peru pelo monarca (denominado Inca, que significa filho do sol) auxiliado por um vasto aparelho burocrético e mili- tar. Francisco Pizarro (c. 1475 - 1541), © conquistador do Império Inca, man- dou executar 0 seu tiltimo soberano Atahualpa (c. 1500 - 1533) desarticu- lando toda a estrutura politica, econd- mica e social ao colocar-se no gover- no, em nome do rei da Espanha, da- quele império. (Os espanhdis abalaram a estru- tura social incaica ao abolirem o direito ‘comunal a propriedade da terra, mas sou- beram aproveitar-se das formas de ex- ploracdo do trabalho jé utiizadas entre aqueles povos. Os adelantados, aqueles espanhdis que primeiro conquistavam 0 . COUQVISTA, MILAGRODELS S, A conquista de Cuzco, capital do Império Inca, é retratada como um milagre de Santia- ge Mayor. territério aos indigenas, adquitiam o di- reito &s encomiendas e o controle da po- pulagao dominada. Os encomenderos adquiriam direitos e deveres semelhan- tes aqueles que exerciam os caciques ‘nos tempos incaicos, chamados curacas ou hilatacas, ou seja, de mediadores do poder do Inca frente a base social. A en- comienda era a sujeigao de uma popula- ‘G40 nativa ao conquistador, em nomie do rei e pressupunha alguns servigos dessa populacao para o Estado, a Igreja e 0 en- comendero. Os mitayos, por exemplo, consistiam na utllizagao desses indige- nas nas minas, na construgao de obras puiblicas e edificagées para 0 senhorio, 0 ‘lero € 0 rei; 0s yanaconas consistiam no recrutamento forgado do indigena para o servigo doméstico do senhorio. Na Amazénia, 0 estabelecimen- to do primeiro nticleo colonial portugues Se 10 inicio do século XVI, 0 forte do Pre- ‘sépio, que daria origem a Belém do Para, destinava-se a garantir a posse de um territério ameagado por estrangeiros, que ali estabeleceram feitorias. No sé- culo seguinte era premente o controle dos ios, entre eles o Madeira e o Gua- poré, que se situavam no oeste amaz6- nico, tanto para garantir fronteiras con- tra 0s espanhdis como para manter as importantes rotas fluviais do comércio colonial e intemacional. Haviam ainda os ‘grupos indigenas que reagiam brava- mente contra esse avango, os quais era necessdrio expulsar e manter afastados das novas areas de colonizacao. Assim, inicio 0 portugués 0 pro- cesso de “amansamento”. Era, predo- minantemente, o indigena “amansado” que colaborava tanto nas expedigdes que devassaram a Amazénia, a partir do século XVII, quanto como trabalha- dor direto nos estabelecimentos agrico- las e extrativistas coloniais. A servigo do colono particular, do missionario, mas também sujeito ao aparelho buro- cratico e militar do Estado Portugués, construiram fortificagoes, abrindo estra- das, nos destacamentos militares que garantiam as rotas de comércio, nos estaleiros e pesqueiros reais. Havia trés formas de sujeigao do indigena: os des- jentos, os resgates e as guerras jus- tas. Os indigenas descidos situavam-se como livres, embora a liberdade fosse apenas formal. Os indigenas resgatados e provenientes de guerras justas eram legaimente escravizados. Os descimen- im em expediges que en- travam em contato com os grupos in genas com 0 objetivo de convencé-los a “descerem’, ou seja, sairem de seus territérios tradicionais para situarem-se em missdes proximas aos nticleos colo- niais. Os resgates eram feitos por meio de expedigdes dos colonos, que entra- 13 ‘vam em contatos com certos grupos tri- bais, praticando o escambo de merca- dorias por prisioneiros de guerras inter- tribais. Os resgatados eram chamados indios de corda porque, segundo os por- tugueses, ficavam amarrados nas aldel- as de seus captores. Classificacdo lingiifstica das lin- guas indiaenas faladas no Brasi Familia Tupi-Guarar Mundurukd, Juruna, Arikém, Tupari, Ramarama, Mondé. Macro-jé. Kariri, Boréro. Aruak. Aruak @ Arawa. Nao classificado.....Karib, Maki, }Yanoama, Tukano, Mura, Pano, Txapakira, Nhambikudra, Guaikurd Fonts: Molt, 1995. Jé, Maxakali, 1. Sobre os Amerindios & época da con- quista podemos afirmar que: a) constituiam-se em um s6 povo se- dentério e produtor de excedentes agricolas para o mercado. b) apresentavam-se como uma multiplicidade de povos com linguas e culturas diferentes. ©) possuiam um padréo de relagdes so- ciais bastante homogéneo. 4d) compunham-se todos de pequenas sociedades sedentérias isoladas en- tre si 4 2. Os indigenas da Amazénia viviam em sua maioria em areas’ a) de montanhas. b) de terra firme. ©) de varzea. d) nas ithas. 3. Quanto aos incas pode-se afirmar que: a) constituiam-se de um povo némade, © pouco desenvolvido. b) possuiam varios monarcas indepen- dentes. ©) constituiam um império governado or um monarca. 4) viviam em sistema de propriedade particular, semelhante ao europeu. 4. Sobre as praticas de “amansamen- to” do amerindio é certo que: a) visavam sobretudo fomecer mao-de- obra escrava para os portugueses. b) tinham por objetivo beneficiar 0 digena, tirando-o do estado de mi- séria em que viva ©) ao resgatar o prisioneiro indigena ‘© colono pretendia somente salvar sua vida. 4) 08 descimentos salvavam os indige- nas da escravizacao de seus inimi- gos tribais, 5. Os indigenas descidos eram consi derados: a) escravos por determinado tempo. b) escravos para toda a vida. ©) livres enquanto estivesse na misao. 4d) livres sem qualquer condigao. ‘(legislagao colonial ea sub- missdo do indigena. Desde antes do assentamento do primeiro nticleo colonial portugués no rio Amazonas, a metrépole preocupou- se com 0 papel do indigena na nova so- ciedade americana. Essa preocupagao continuou durante todo 0 periodo colo- nial. J4 no inicio do século XVI, 0 Alva 4 de 30 de julho de 1609 declarava o direito do indigena a liberdade absoluta. No final do século, uma nova lei, de 01 de abril de 1680, revelou a necessidade de 0 Estado deciarar aos colonos ames- ma condi¢ao para 0 indigena. O que houve, no espago de 71 anos entre a publicagao dessas duas leis, que obrigou a monarquia portugue- sa a reafirmar, através de instrumentos legais, o mesmo principio? No inicio da Colonizagao da Amazénia as atividades agricolas, pecuarias, artesanais e de coleta das drogas do sertaéo eram exe- cutadas totalmente pela mao-de-obra indigena. Dada a importancia dessa méo-de-obra, conflitos entre colonos, missionérios, governo colonial e metro- politano surgiam quando 0 tema trata- va do seu aprisionamento e utilizagao como forca de trabalho. Desde 0 século XVI decretos re- ais ¢ bulas papais repetiam as afirma- ‘ges sobre a humanidade ¢ 0 direito & liberdade dos indigenas americanos, apesar de 0 teor desses documentos variar entre o direito a liberdade absolu- ta ou condicionada. Mais que isso, re- conhecia a legislagao do século XVII que 08 indigenas do Maranhdo e Gréo-Para eram os “primérios e naturais senhores da terra” e tornava-os, de direito, stidi- tos ao definir que deveriam ser tratados ‘com base na Lei de 12 de setembro de 1653, governados pelas autoridades da aq niet, eeitieti administragao puiblica colonial, segundo © principio da justiga secular. Dois anos apés a publicagao da Lei de 1609, surgiu uma nova legisla- (do. Através da Lei de 10 de setembro de 1611, a coroa portuguesa instituiu 0 regime de capitaes de aldeia que, na re- alidade, permitiu dar uma aparéncia le- gal a escravizagao do indio, na medida ‘em que se permitia entrega-lo a0 con- trole do colono, com garantias apenas formais sobre o seu tratamento. Pela Lei de 1611, era 0 capitdo de aldeia que re- partia os indigenas descidos, destinan- do-0s a trabalhar para os colonos, mis- siondrios ou para o setvigo do Estado. Os descimentos, depois de 1611, passaram a ser escoltados por militares e o comandante da escolta era © capitéo de aldeia. Os capitées de al- deia que deviam zelar pela integridade do indigena foram os seus maiores ex- ploradores, utilizando-os nos estabele- 15 cimentos agricolas, de agticar, algodéo fumo, na coleta das drogas do ser- to, no trabalho de corte da madeira, nas construgdes e no transporte de pro- dutos. Os indios resgatados eram de- nominados, na legislagao de 1611, in- dios de corda eo europeu que o adqui- ria em troca de mercadorias era, entéo, considerado seu salvador, podendo deté-lo como escravo durante 0 prazo de dez anos. Contudo, em 1626, dez anos apés 0 estabelecimento portu- gués na Amazénia, quando deveriam ser libertados os primeiros indigenas resgatados, a legislacao foi mudada permitindo-se a escravizago desses indigenas por toda a vida Os jesuitas adquiriram com a publicagao da Lei de 9 de abril de 1655, 0 direito de autorizar e dirigit as tropas de resgates e as guerras justas. Essa legislacao gerou a insatisfagao dos co- lonos que, em 1661, revoltaram-se con- Realizada basicamente por mao-de-obra indigena, a coleta de ovos de tartaruga era, uma das principais atividades econémi = dos vales do Madeira e Mamoré. 16 tra os missionarios. Em 1680, esses clé- rigos retornaram e passaram a contro- lar as aldeias de repartigéo, acirrando novamente a fuiria dos colonos. A ten- tativa de introdugao do negro africano ‘como escravo na Amazénia, através da ‘Companhia de Comércio do Maranhao e Grao-Pard, foi adotada pelo governo Portugués, a conselho do padre Anto- nio Vieira ¢ visava diminuir o peso da mao-de-obra indigena na economia daquela parte da colénia. O custo da mao-de-obra escrava negra, proibitivo para a maioria dos colonos, somado a0 controle dos repartimentos pelos missionarios jesuitas, provocou outra revolta, a dos Beckman, iniciada no Maranhéo e que resultou em nova ex- pulsdo dos jesuitas. A escassez de capitais na Amazénia impossibilitou a exportacao do negro como opgao vid- vel de suprimento de mao-de-obra em escala suficiente para atender as ne- cessidades mais gerais da economia. Em 21 de dezembro de 1686, uma nova lei foi aprovada: o Regimento das Misses, mantendo as aldeias de repartimento e retorando 0 controle dos indios aldeados aos jesuitas. Contudo, a tarefa de reparticéo dos indios deve- fia ser feita por um conselho do qual fa- ia parte o Superior da Missdes, 0 Go- vernador e dois oficiais da Camara. Man- teve ainda o principio das guerras jus- tas e das tropas de resgate, permitindo que particulares a realizassem, desde que 20% dos cativos tornassem propri- edade da coroa e orlando inclusive um fundo para financiar essas expedicdes. Os descimentos, guetras justas e tropas de resgate passaram ao controle da Jun- ta das Missdes que as aprovava, Essas medidas revelam a preocupacao da co- Toa com 0 desperdicio do recurso hu- mano indigena e, como as demais, re- sultaram em interesses contrariados. Na realidade restabeleceram © monopélio do trabalho indigena aos missionarios, ‘conduzindo a uma nova insurreigao dos colonos. Acusando os missiondrios de nao procederem aos repartimentos © de utiizarem a nova legislagao em benefi- cio préprio, ou seja, de reterem os indi- genas apenas em seus rendosos esta- belecimentos, os colonos passaram a ata- car os aldeamentos missionarios para roubar os indigenas. Os missionarios das {és ordens que atuavam na Amazonia {carmeiitas, capuchinhos e jesuttas), que eram considerados funcionrios da co- roa portuguesa e recebiam a céngrua, uma espécie de salério pelos seus servi- gos de domesticagao do indigena, entra- ram também em confronto. Julgavam os ‘capuchinhos e os carmelitas que os je- suitas haviam sido aquinhoados com as reas de maior populacao indigena ¢ sentindo-se prejudicados recorreram in- clusive ao confronto armado. (Os documentos da época reve- fam que algumas ordens missionarias no foram executoras figis da politica ‘metropolitana para o indigena. Alguns missionérios chegavam mesmo a ven- der aos que partiam em expedigoes para a escravizagao dos nativos, certificados em branco que declaravam ser os in genas aprisionados na forma da lei. Ja ‘em meados do século XVII os missiona- rios possuiam vasta fortuna que incluia fazendas de criacéio de gado, estabele- cimentos agricolas e engenhos e a mai- or riqueza daquela terra, um vasto con- tingente de trabalhadores indigenas. ‘A demanda de mao-de-obra cresceu ainda mais por volta de 1720, quando uma epidemia grassou entre os indigenas escravizados do Gréo-Para, em Belém e regiées vizinhas. Nesse momento, iniciava-se o boom do cacau Marqués de Pombal que ira durar todo 0 século XVIII, au- mentando a demanda de mao-de-obra e, conseqiientemente, as entradas para a busca de indios. A intensificacao des- sas buscas no rio Negro, Japurd e Bran- co explica-se em fungao do controle desses rios pelos membros da Ordem Carmelitana que, ao contrério dos Je- suitas, eram bem mais flexiveis em sua Participagao, direta ou indireta, no ne- gécio de escravos, Quando o Marqués de Pombal (Sebastiao José de Carvalho e Melo) tornou-se ministro do rei portugués D. José |, delineou-se uma nova politica para a Amazénia, Seu atos relativos & regiao demonstravam claramente a estratégia de lusitanizar e garantir mai or subordinagao da economia amazéni- ca aos interesse comerciais metropoli- tanos. Dentre varias medidas, Pombal modificou a politica indigena; expulsou © confiscou os bens dos jesuitas; esti- 7 mulou imigragao de negros ¢ agorianos Para a colonizagao, criou uma compa- hia com monopélio do comércio e re- formulou a maquina administrativa local. ‘Aimportancia da Amazonia para a poli- tica de Pombal revela-se ainda quando nomeou Francisco Xavier de Mendonca Furtado, seu meio irmao, para govemar © Grao Para entre 1751 a 1759. A divulgagao dessa nova politi- ca indigenista foi cercada de todos os. cuidados, revelando o temor antevisto elas autoridades metropolitanas e co- loniais em relacao as possiveis reagoes contratias dos colonos. Assim, entre a promulgagao dos alvaras régios de 1755 @ sua publicagao, dois anos depois, me- didas foram tomadas para fazer face as Possiveis rebelides dos colonos e mis- sionérios do Grao Pard e Maranhao. Publicado em 1757, 0 Diretorio. que se deve observar nas povoacées dos indios do Pard e Maranho enquan- fo sua majestade néo mandar o contrd- rio (Diretério dos Indios) representava uma enfética intervengao da coroa na questo do indigena. O interesse reite- rado de tomar indigena suit com ple- nos direitos, como os luso-brasileiros, assumiu no discurso colonial duas ver- tentes; a primeira assegurou a liberda- de do indigena e a segunda indicou sua aculturagao. As duas vertentes resulta- riam na transformacao do indigena em verdadeiro stidito do monarca portugu- és, igualado legalmente e para todos os. efeitos aos luso-brasileiros. Para melhor subordinar os indigenas aos interesses da coroa, os missionérios foram afasta- dos da administragao das aldeias, que foram entregues a administragao de um Diretor leigo, que ficava responsavel também pelos descimentos. Contudo, ndo era dado ao indi- gena decidir se queria ou nao trabalhar. | | 18 Antecipando-se ao retorno do indigena ‘aos seus costumes com relagao ao tra- balho, costumes considerados pelos co- lonos, missionarios e autoridades colo- niais como ociosidade e vadiagem, 0 Ca- pitéo-General Mendonga Furtado pro- ‘mulgou, em 1754, um bando confirma- do na carta real de 1755. Nesse bando estipulava-se que os indigenas que es- tivessem sem ocupagao fossem cedidos aos colonos que os remunerariam. A reago dos colonos as medi- das propugnadas pelo Diretorio veio conforme foi prevista pelas autoridades do governo. Além dos protestos formais, 08 colonos conspiraram no sentido de entregar o Grao-Pard ao monarca fran- cés, desde que esse se comprometes- se a manter a escravidao indigena na- quela regiao. Doze anos apés a publi- cago do Diretério, ainda era possivel observar a prdtica corriqueira da escra- vizagao do indigena, realizada inclusi- ve pelos préprios diretores que maltra- tavam e exploravam brutalmente, em beneticio préprio, os indigenas sob sua responsabilidade. ‘A Carta Régia de 12 de maio de 1798 extinguiu 0 Diretério e tornou obriga- t6rio por determinado tempo 0 servigo do indigena no Corpo de Millcias e no Corpo de Trabalhadores. Quanto aos colonos dava-hhes a liberdade de estabelecerem- se nas areas ainda sob o dominio do indi

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