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As identidades são produzidas dentro e não fora dos discursos, nos tensos jogos de poder e, nesse sentido,
pensar sobre a construção de uma identidade negra, afro-descendente, perpassa pela necessidade de uma
discussão mais ampla, uma vez que esse processo está intimamente ligado às questões de construções pessoais
e sociais, impossíveis de serem dissociadas.
Segundo Hall (2002), a questão da identidade cultural está associada às mudanças provocadas pelos processos
de globalização e por seus impactos, na medida em que, na cena contemporânea, nada mais consegue de manter
estável, duradouro. Na perspectiva de Silva (2002) a identidade é concebida como produção simbólica,
construída na relação com o outro, num processo histórico e cultural e que estando relacionado ao passado nos
permite entender o presente. As "identidades culturais" surgem, portanto, de nosso "pertencimento" ou
identificações étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas.
Pressuposição da inferioridade
Pensando assim entendemos que a identidade negra é um recorte de uma dimensão mais ampla, porém é fato
que ela se constitui em uma construção social, histórica, cultural e plural que perpassa pela necessidade de um
olhar sobre si e o outro.
Estamos cientes da tradição, ao longo da educação escolar brasileira, da implementação de políticas para a
educação básica que se pretenderam universalistas e que, de alguma forma, sempre foram pensadas para
atender a determinados grupos sociais que se perpetuavam no poder e, nesse sentido, acabou-se instituindo, ao
longo dessa tradição escolar, um modelo de educação que sempre atendeu às aspirações das elites que tentavam
comandar os destinos do país. Questiona-se, agora, se a escola produzida no bojo de uma pretensão
universalista e homogeneizadora atende ao modelo de sociedade desejada. Esta deve caracterizar-se pelo
respeito à diferença e por abrir a possibilidade de que segmentos sociais, grupos étnicos ou culturais realizem-
se plenamente. Da mesma forma, a partir de uma reflexão mais comprometida com o entendimento das
diferenças culturais, dos grupos étnicos que formaram a sociedade brasileira, ao longo dos últimos quinhentos
anos, fica-nos perceptível o entendimento acerca da construção de determinados lugares sociais (geralmente
subalternizados) a que muitos grupos étnicos e diferentes culturas foram submetidos, a exemplo da cultura (ou
culturas) afro-brasileira e indígena. O certo é que as relações de poder instituídas ao longo da história do Brasil
(na perspectiva do europeu) buscaram sempre silenciar a diversidade de sujeitos, culturas e grupos étnicos que
formaram e formam a nossa sociedade.
Um novo paradigma
As conseqüências desse processo histórico, ao qual nos referimos anteriormente, voltadas para o negro e seus
descendentes no Brasil, estão relacionadas a uma vida marcada pela trajetória da exclusão, discriminação e
opressão de um sistema econômico, político e social cruel e, no mesmo sentido, por um modelo/projeto de
educação escolar que, ao longo de nossa história, não soube dialogar com as diferenças étnico-raciais de nosso
povo. A escola tornou-se, portanto, um espaço de negação de saberes aos negros e seus descendestes e, da
mesma forma, construiu, em seus espaços, estereótipos negativos que estigmatizam, até hoje, o que se tem
denominado de afro-brasileiros.
Na educação brasileira, a ausência de uma reflexão sobre as relações raciais no planejamento escolar tem
impedido a promoção de relações interpessoais respeitáveis e igualitárias entre os agentes sociais que integram
o cotidiano da escola. O rendimento escolar evidencia algumas distorções, que forçam a difícil tarefa de
reconduzir esses alunos, sobretudo afro-brasileiros, ao processo de ensino-aprendizagem.
Nesse processo de negação de seus valores culturais, age a ideologia do branqueamento, uma vez que, estando
os valores civilizatórios negro-africanos associados ao que é feio, inferior, desqualificado, o homem e mulher
negros buscam se orientar a partir dos referenciais da cultura branca européia. Nesse sentido, como afirmam
Silva e Monteiro (apud ABRAMOWICZ & OLIVEIRA, 2006, p.49) "a escola ensina a criança negra a não
aceitar a cor de sua pele, os seus traços físicos, a história de seu povo, a não querer ser negra. A cor negra, para
vencer na escola, tem de fazer-se à imagem do branco, adaptar-se aos valores brancos".
A escola tem um papel fundamental na formação da identidade das crianças que são acolhidas por essa
instituição, mas também precisa ter clareza da necessidade de "positivar" a diversidade da qual é constituída
(ABRAMOWICZ & OLIVEIRA 2006).
Estamos no limiar de uma educação que enfrenta mudanças drásticas produzidas por demandas e finalidades
diversas de políticas educacionais em intenso processo de transformações sociais, políticas, étnicas e culturais,
pelas quais passam as sociedades contemporâneas. Essas mudanças fazem com que os educadores, educandos e
todos os segmentos da comunidade escolar, encarem o desafio na busca de um novo paradigma para a educação
que valorize a inclusão social, que imponha o respeito às diversidades que se encontram na escola, no sentido
de que esta possa se tornar, de fato, um espaço intercultural.
Referências
ABRAMOWICZ, Anete. OLIVEIRA, Fabiana de. A escola e a construção da identidade na diversidade. In:
ABRAMOWICZ, Anete. BARBOSA, Lucia Maria de Assunção. SILVÉRIO, Valter Roberto (Orgs.) Educação
como prática da diferença. Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade 7ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
SILVA, Hédio Jr. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas sociais. Brasília: UNESCO, 2002.
MATTOS, Wilson Roberto de. Valores civilizatórios afro-brasileiros na elaboração de currículos escolares –
ensaiando pressupostos. In: RAMOS, Marise Nogueira; ADÃO, Jorge Manoel; BARROS, Graciete Maria
Nascimento (Coord.) Diversidade na educação: reflexões e experiências. Brasília: Secretaria de Educação e
Média e Tecnológica, 2003.
Em 25/06/2014:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_escola_como_espaco_de_construcao_identitaria