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A Cidade

em Perspectivas
Multidisciplinares

Gedeon J. Lidório Jr.


Junho / 2017

Professor autor: Gedeon J. Lidório Jr


Coordenadoria de Ensino a Distância: Gedeon J. Lidório Jr
Projeto Gráfico e Capa: Mauro S. R. Teixeira
Revisão: Éder Wilton Gustavo Felix Calado

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:

Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR


86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
SUMÁRIO

Unid. 01 - A Cidade e suas Histórias............................................05


Unid. 02 - A Cidade e a Antropologia..........................................11
Unid. 03 - A cidade e o movimento de pós-modernidade.........21
Unid. 04 - A Cidade e a Psicologia................................................27
Unid. 05 - A cidade e o contexto urbano atual.............................33
Entendendo melhor o contexto urbano
Unid. 06 - A cidade e o fenômeno religioso.................................43
Unid. 07 - A cidade e os movimentos eclesiais atuais.................61
Unid. 08 - A cidade e os movimentos evangélicos atuais..........71
Unid. 09 - A cidade e as identidades religiosas............................87
Unid. 10 - As geografias da cidade................................................95
Unid. 11 - A cidade e as ações sociais.........................................105
Unid. 12 - A cidade e os desafios para o século XXI..................119
Unid. 13 - A cidade e a evangelização contextual.......................135
Unid. 14 - A cidade e as estratégias de alcance...........................141
Unid. 15 - A cidade e a teologia da encarnação de Cristo........147
Unid. 16 - A cidade e a Igreja para a glória de Deus.................155

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04 A cidade em perspectivas multidisciplinares
A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 1
A cidade e suas histórias
Construção histórica da sociedade brasileira

Introdução

Nesta aula iremos definir alguns critérios históricos


que influenciam a formação das cidades, sua estrutura de
habitação, população, construções e cultura própria.

Objetivos

Fazer o estudante entender que os processos históricos


não são meros acontecimentos, mas construções sociais
que influenciam na maneira como os seres humanos se
agregam, se ajuntam e vivem juntos em comunidade.

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Dimensão Histórica
Quando iniciamos nosso trabalho em uma etnia ou segmento
social buscamos descobrir as repostas à perguntas chaves cujos
elementos são universais. A pergunta que se levanta aqui é quem
somos nós? Para respondê-la lançaremos mão de algumas abordagens,
aplicáveis em qualquer cultura ou segmento.
Para a Antropologia o ser humano adapta-se a diferentes ambientes
e situações a partir de respostas mais culturais do que genéticas. O
homem é visto como homem, pela Antropologia, no momento em que a
história é capaz de relatar sua capacidade de transmitir “conhecimento,
crença, lei, moral, costume a seus descendentes e aos seus vizinhos
através do aprendizado”. Vemos, assim, que a cultura participa da
história do homem de tal forma intrínseca que o desenvolvimento da
humanidade pode ser considerado o desenvolvimento cultural.
O aperfeiçoamento das ferramentas para subsistência como
habitação, plantio, caça, pesca e proteção, além da família se
estabelecendo em variadas formas no decorrer do tempo e nos espaços
geográficos bem como as valorizações cada vez mais constantes do
aspecto simbólico, as artes, a linguagem, os mitos, a religiosidade
universal, tudo isto criou para o homem um novo ambiente ao qual
ele foi obrigado a adaptar-se.

Historicidade cultural
Nosso pressuposto é que os padrões de historicidade, ou seja,
como certo grupo observa sua identidade e desenvolvimento, irá gerar
a plataforma de compreensão de uma mensagem, qualquer mensagem.

Sociedade brasileira
A sociedade brasileira é profundamente diversificada racial
e socialmente. Por outro lado possui alguns marcos definidores de
sua identidade social fazendo com que o homem brasileiro possua
elementos unificadores de forma geral, mesmo em agrupamentos
distintos como os urbanos, suburbanos e rurais. Já as sociedades
tribais indígenas são únicas e freqüentemente distintas lingüística

06 A cidade em perspectivas multidisciplinares


e culturalmente havendo, porém, alguns poucos (mas constantes)
traços unificadores visto nossa procedência cultural e conseqüente
miscigenação com tais grupos.
De forma geral, portanto, podemos observar que o homem
brasileiro possui o que chamarei aqui de perfil cultural. Utilizá-lo
cooperará para falarmos sua língua e dialogarmos em sua cultura.

Uma sociedade contadora de histórias


Devido ao longo processo de miscigenação entre segmentos
culturais que valorizam e utilizam o simbolismo para transmitir valores e
construir a identidade grupal nos tornamos uma sociedade gravemente
simbólica e contadora de histórias. Apesar do uso proporcional do
hemisfério esquerdo, mais analítico, do cérebro, o homem brasileiro se
comunica amplamente utilizando seu hemisfério direito, global, através
de histórias contadas e vividas. O ensino conceitual, de desenvolvimento
e exposição de valores, dissociado de uma abordagem simbólica,
cultivará resultados pífios na população geral.
Observo que o processo educacional no indivíduo, quando
prolongado, pode atenuar esta característica e assim quanto menos
escolarizado for o segmento social brasileiro mais simbólico ele tende a
ser. Isto se explica pela moldura analítica da educação formal brasileira.
Não é por acaso que as novelas, minisséries e contos fazem extremo
sucesso e transmitem ensino (seja ele qual for) à nossa população. Não
é também por acaso que professores mais bem sucedidos são aqueles
que utilizam simbolismo (histórias, ilustrações, associações com a vida
diária) para se comunicar. Da mesma forma os pregadores que mais
interagem com o público utilizam um expediente frequentemente
simbólico nas explicações das Escrituras, facilitando a compreensão
do valor, do conceito, bem como sua aplicação.
Sociedades com forte presença de simbolismo dificilmente observam
um valor a partir dele mesmo, mas sim a partir dos fatos da vida.
Em qualquer projeto de comunicação, sobretudo para a parcela
da população brasileira menos influenciada pelo intelectualismo
resultante da educação formal prolongada, é necessária e saudável a
utilização intencional de simbolismo. Se desejarmos comunicar bem

07
e de maneira marcante precisamos nos tornar contadores de histórias.
Em uma sociedade judaica altamente marcada pelo simbolismo Jesus
utilizou tal expediente para uma perfeita comunicação. Falou sobre
valores e verdades profundas e complexas como o Reino, Salvação,
Soberania, Céu e Inferno. Porém o fez de forma compreensível através
de parábolas, comparações com a vida diária, utilizou elementos com
os quais lidavam no dia a dia como a lamparina, o sal, o peixe e o trigo.
Sua intenção, porém, não era apenas comunicar a um grupo em sua
geração, mas dar a este grupo ferramentas para que pudesse comunicar
tais verdades a outros grupos, fora daquele círculo geográfico e de
geração em geração.
Certa vez, convidado a falar sobre diversidade cultural em contexto
de equipes interculturais para um grupo formado por latinos, maioria
brasileiros, e europeus, com maioria alemã, era notável a maneira como
cada um tinha sua atenção voltada para partes diferentes da mesma
palestra. Quando me prolongava na explicação técnica de um conceito
os europeus tinham sua atenção cativa e anotavam enfaticamente o que
se dizia. Tal atenção caía quando me punha a ilustrar algum conceito
através de história ou fato da vida. Neste momento os latinos, porém,
tinham sua atenção cativa e freqüentemente estes eram os pontos
mais comentados entre eles após a exposição. Aprendemos de forma
diferente por sermos culturalmente distintos. Se desejarmos expor
conceitos bíblicos ou humanos à sociedade brasileira é necessário
observar de perto o segmento com o qual iremos interagir, distinguir
suas nuances e desenvolver a abordagem e método de comunicação
lembrando que o homem brasileiro, seja ele urbano ou rural, é um ser
contador de histórias e aprende através delas.

Uma sociedade relacional


Todo ser humano é um ser relacional. Algumas sociedades,
porém, valorizam mais ou menos a privacidade e exposição individual,
o que nos faz enxergar esta distinção na forma como se aproxima do seu
próximo. Algumas sociedades também possuem distintas maneiras de
construir o parentesco, o que se reflete diretamente na extensão do
círculo com o qual o homem se associa e relaciona.

08 A cidade em perspectivas multidisciplinares


O homem brasileiro, de forma mais ou menos acentuada, é um
homem com grave definição relacional. O relacionamento humano não
apenas é utilizado para se organizar e sobreviver no grupo como também
para desenvolver idéias e solucionar problemas. Enquanto sociedades mais
axiomáticas resolvem seus conflitos a partir da razão (direitos, certezas,
argumentações) o homem brasileiro tende a resolver seus conflitos a partir
do relacionamento e em meio a ele. O alvo, portanto, não é prioritariamente
chegar-se à verdade objetiva (onde está a verdade, a razão), mas sim manter
os relacionamentos.
Tal comportamento é observado também em sociedades africanas e
possivelmente este traço relacional reforçado seja, no homem brasileiro, em
parte uma herança cultural africana. Tais sociedades, mais acentuadas no
quesito relacional, tendem a corromper valores em prol dos relacionamentos,
o que promove o declínio moral. Por outro lado, tende a humanizar conceitos
e decisões racionais que possam preterir outros de dignidade. Poderíamos
dizer que tal sociedade buscará mais a dignidade do que a justiça.
Trabalhar em uma sociedade que privilegia o relacionamento
evoca a necessidade de o valorizarmos no desenvolvimento de uma boa
comunicação. Desta forma pastores serão mais ouvidos pela maneira como
interagem com a comunidade do que pela retórica nos púlpitos. Líderes
serão mais observados nos corredores do que nas salas de reuniões. Jamais
iremos dissociar o comportamento privado do comportamento público.
O homem brasileiro, portanto, é um ser complexo que necessita ser
observado antes de devidamente abordado. Compreendê-lo, seus elementos
construtores de identidade social, bem como seu perfil cultural, irão ajudá-
lo a comunicar de forma que faça sentido e possa ser traduzido para seu dia
a dia evitando que o Evangelho pregado seja recebido apenas como uma
mensagem para quem o transmite, um conceito alienígena para o homem
de nossa geração em nosso país.

Dimensão Ética
Se na dimensão histórica foi levantada a pergunta “quem somos
nós?” por sua vez, tratando da ética, do homem e seus valores culturais,
a pergunta que levantaremos agora será: “como nós pensamos?” Ou
ainda, “quais são nossos valores?” E buscamos este pensar humano

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gerador (ou receptor) de valores culturais como pecado, perdão,
comunicação, normas de agrupamento e dispersão e coisas afins.
Todo agrupamento e sociedade humana possuem valores e
normas o que, de maneira geral, associamos à moral. Mauss já enfatizava
que a moral pré-existente na consciência humana desabrocha em
valores semelhantes e normas semelhantes em diversas gerações e
agrupamentos.
Ou seja, por sermos seres morais e unidos por uma historicidade
cultural, mesma origem, desenvolvemos valores parecidos e universais.
Isto poderia ser facilmente comprovado através de um estudo de
caso quando isolamos um valor, por exemplo, a sensualidade. Ela é
condenada em praticamente todas as culturas em suas diferentes
formas quando ultrapassa o que aquela sociedade considera tolerável.
Mesmo estando sempre ligadas a partes do corpo humano, danças,
roupas e atitudes, sua manifestação é distinta de grupo a grupo (o que
é sensual no Brasil não é necessariamente em Gana), porém seu valor
é uno e por ser assim a sensualidade cria tabus e tolerâncias muito
semelhantes em diferentes sociedades e épocas. O Museu do Cairo,
por exemplo, apresentou em 1979 uma galeria de roupas, adornos e
cosméticos dedicados à produção de sensualidade em moças egípcias
durante mais de 20 gerações. Apesar de experimentarmos certos
valores de forma adaptada ao nosso contexto e ambiente, tais valores
nos unem e nos tornam socialmente semelhantes.

10 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 2
A cidade e a antropologia

Introdução

Nesta aula iremos definir e compreender alguns


elementos conceituais sobre a cultura e sociedade.

Objetivos

Fazer o estudante entender que os processos culturais


passam pela maneira como nós pensamos, não somente
no que somos, mas como sintetizamos nosso pensamento
formativo.

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Análise Antropológica dos Ajuntamentos
Humanos urbanos
Conceituando brevemente a Antropologia
Este é uma simples conceituação para dar introdução ao assunto.
Olhar para a antropologia em primeiro lugar, quando falamos
sobre plantio de igrejas é olhar para o que Jesus fez.
Infelizmente precisamos aprender a viver no meio das pessoas
os respeitando como gente, pois isso não é natural, posto que o que
geralmente queremos é “impor” nosso estilo de vida (comportamentos),
determinar como é que Deus age (impositivo) e principalmente dizer
“quem” entra na igreja ou não (exclusivismo). Jesus não é exclusivista,
ele não olha para a prostituta e não imagina que ela não pode receber
a mensagem do reino, mas ele também não vê que o rico é impedido
de estar no reino – pode até objetar dizendo que é mais fácil uma
prostituta entender sua necessidade de Deus do que um rico que tem
tudo, mas assim mesmo ele enxerga as pessoas, lê as pessoas, entende
o seu meio de vida e o meio da sua vida.
Ele sabe que para um teólogo como Nicodemos é preciso tratar
de temas que o façam sentir e pensar, assim como lida com uma
mulher samaritana na beira de um poço tratando com ela a partir das
suas próprias necessidades, levando o reino, o amor, a misericórdia
tanto para um como para outro.
É preciso aprender a fazer isso e a antropologia (dentre outras
disciplinas) pode nos ajudar com isso.
O método (do grego, methodos, vocábulo composto de meta =
junto de, ou ao lado de e hodos = caminho) etmologicamente significa
atalho, rodeio. É, pois a maneira de, ou o caminho seguido para, se
alcançar um objetivo.
Compreende uma serie de técnicas científicas que se quer
demonstrar pelo experimental na realidade que se propõe sendo
eminentemente indutivo, partindo de observação de casos até chegar
a uma “lei universal” (no caso uma maneira universal da cultura ver,
ouvir, trabalhar, viver etc) e também válida para casos não observados.
O método científico é um método analítico, pois parte de casos

12 A cidade em perspectivas multidisciplinares


particulares para chegar à síntese, à sistematização.
A ciência utilizada para esta leitura que se dará daqui é a
Antropologia. Não uma antropologia geral, mas um ramo dela, a
antropologia cultural que se propõe a estudar a obra humana que se
denomina cultura, incluindo ai conhecimentos, crenças, artes, moral,
leis, costumes e quaisquer outras capacidades geradas ou adquiridas
pelo ser humano enquanto vive em sociedade.
Segundo Luiz Gonzaga de Mello, Lévi-Strauss indica que a
antropologia tem suas divisões e, portanto antropologia social e cultural
são apenas dois nomes dados para a mesma disciplina (Mello, 1982, p. 25).
Outro que nos ajudar a entender um pouco melhor sobre a
antropologia é Durkhein que diz: “fenômenos religiosos colocam-se
naturalmente em duas categorias fundamentais: as crenças e os ritos.
As primeiras são estados de opinião e consistem de representações;
as segundas constituem tipos determinados de ação. Entre estas duas
ordens de fato esta toda a diferença que separa o pensamento do
movimento” (Durkhein, 1971, p. 72).

Como a antropologia vê a sociedade?


Magnani diz que
[...] o que importa ao olhar antropológico não é apenas o
reconhecimento e registro da diversidade cultural, nesse e
em outros domínios das práticas culturais, e sim a busca
do significado de tais comportamentos: são experiências
humanas - de sociabilidade, de trabalho, de entretenimento, de
religiosidade - e que só aparecem como exóticas, estranhas ou
até mesmo perigosas quando seu significado é desconhecido. O
processo de acercamento e descoberta desse significado pode ser
trabalhoso, mas o resultado é enriquecedor: permite conhecer
e participar de uma experiência nova, compartilhando-a com
aqueles que a vivem como se fosse “natural”, posto que se trata
de sua cultura (2008, p. 18).
O mundo vive hoje um fenômeno até certo ponto desconhecido
da antropologia das origens, da antropologia que gerou milhares de
estudo, pois se detinha principalmente e estudar os povos tribais,

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vivendo em comunidades isoladas, para entender o ser humano a
partir daí. O mundo mudou e hoje a maioria absoluta das pessoas vive
ou mora em zona urbana e isso trouxe uma nova necessidade para os
estudos antropológicos.
A antropologia se relegou durante muito tempo a estudar apenas
os povos tribais e dali tirar suas conclusões sobre a humanidade. O
“homem urbano” não era interessante, principalmente porque ele era
de relacionamento mais raso, menos profundo e menos modificado
ou acercado da realidade de “comunidade”.
O primeiro movimento de estudo urbano pela antropologia é
uma tentativa de enxergar o folclore na cidade - aquele que é herança
de povos tribais e rurais. Depois, voltou-se para a cidade para observar
o movimento político e o trabalho.
Quando por fim começou-se a analisar o lazer e a diversão,
que era tida apenas como uma ocasião alienante e como sendo nada.
Depois, Magnani, ao referir-se sobre isso diz:
“(...) atividade marginal, instante de esquecimento das
dificuldades cotidianas, lugar, enfim, de algum prazer - mas
talvez por isso mesmo possa oferecer um ângulo inesperado para
a compreensão de sua visão de mundo: é lá que os trabalhadores
podem falar e ouvir sua própria língua” (2008, p. 184).
O problema de estudar o lazer vem justamente da sua contraposição:
o trabalho. Se não é trabalho, não é importante. Lazer é perda de tempo.
A análise após décadas passou a ser uma leitura social e aplicável do
tempo livre das pessoas e como elas e porque gastam desse jeito.
Juntamente com isso, os espaços (pedaços da cidade) passaram a ter
uma significação especial para a antropologia.
Hoje a antropologia estuda a cidade como um todo, seus
habitantes, seus costumes, seus espaços, seu trabalho, sua política e
aprende de sua cultura.
Fala-se sobre o “pedaço” na cidade, que é uma referência à
diferença entre o “privado da sua casa” e o “de fora da sua casa”. Essa
é uma referência como a Antropologia vê a cidade e enxerga os seus
diferentes grupos.

14 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Comunidade ‘versus’ sociedade
Mesmo vivendo em cidades, o ser humano dos dias atuais,
precisa de suas comunidades dentro das sociedades.
Comunidade tem a ver com os de dentro, apenas alguns, é um
grupo fechado, restrito de costumes iguais, não aberto aos de fora.
Sociedade tem a ver com os de fora, que se aglomeram, perto,
mas longe por dentro, tem costumes diferentes, são abertos aos de fora.
Podemos entender que a cidade é uma forma de expressão e
ajuntamento, na qual se uniformizam as pessoas para que se tenha o
senso de “comunidade” mesmo vivendo em “sociedade”.
Quanto mais se uniformiza o mundo, mais gritante ficam as
diferenças.
É muito comum também termos uma visão negativa da sociedade,
da sociedade urbanizada, pois entendemos que há uma “deterioração
dos espaços e equipamentos públicos com a consequente privatização
da vida coletiva, segregação, evitação de contatos, confinamento
em ambientes e redes sociais restritos, situações de violência, etc”
(MAGNANI, 2002, p. 12). A cidade e a sociedade que vive nela é tida
como algo não só influenciado, mas controlado pelo mal.
Ribeiro, ao falar sobre a dificuldade em se olhar para a sociedade
urbana argumenta que:
A característica mais perturbadora do meio urbano para estes
autores (Park e Wirth) é a substituição das relações primárias
pelas secundárias, pois ela afeta princípios fundamentais para
se viver em sociedade. Com o enfraquecimento dos grupos
primários a ordem moral que repousava sobre os indivíduos
dissolve-se gradativamente, e as instituições responsáveis
por essa ordem moral (como a igreja, a escola, a família e a
vizinhança) perdem seu valor. Desta forma, a solidariedade
social fica inexistente dentro desta comunidade, o que é muito
prejudicial, de acordo com eles (2013, p. 10).
A tentativa de hegemonia de opiniões e acercamentos da
realidade se dá de maneira bastante hostil. Há uma predominância
dos papéis que são chamados de secundários (estes são estabelecidos
pela formalização, pelo contrato ou mesmo institucionalizados) sobre

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aqueles que são chamados de primários (individualidade, sentimento
de comunidade, bem estar social comunitário) e através do isolamento,
da superficialidade, do anonimato, das relações sociais transitórias e
com fins instrumentais, da inexistência de um controle social direto,
da diversidade e fugacidade dos envolvimentos sociais, afrouxamento
dos laços familiares e a competição individualista estes sentimentos
primários são gradativamente substituídos e solapados.
Passamos por esta breve introdução ao assunto da antropologia
e a sua metodologia de estudo para que possamos entender o quanto
ela, a antropologia, pode nos ajudar a entender não só os ajuntamentos
humanos, mas sobretudo, a relações que existem aí – relações a partir
do ajuntamento e da separação; do isolamento e da ação conjunta;
relação entre o outro distante e o comum que está perto.
Entender as relações humanas e como elas se dão é o primeiro passo
para o plantio de igrejas de forma saudável e relevante no caráter missional.
Não querer entender como pensam as pessoas, como vivem as
pessoas, como elas se relacionam consigo mesmo e com os outros,
como elas enxergam o movimento social, a igreja, a política, a religião,
a diversão, a sexualidade – e tudo isso a partir da visão própria, da
própria cosmovisão – é não tentar plantar uma igreja de maneira
impositiva, se preocupando pura e tão somente com a nossa vontade
e em última análise, não nos preocupando com aquilo que Deus
realmente quer – uma igreja que seja sal para a terra e luz para o
mundo, que não somente mostre o que está oculto e errado (ser luz),
mas que também seja um fator de transformação (ser sal).

A cultura em sociedade – desenvolvimentos e


desdobramentos
Em busca das heranças que determinam o pensamento
Utilizo o termo culturalidade quando me refiro à teia de
comportamentos mentais que fazem uma sociedade distinta da outra.
Isto envolve língua, costumes, valores, música, símbolos e tudo o que
os cerca como fruto da sua forma, única, de pensar.
Neste ponto precisamos identificar as heranças culturais que
determinam a forma como pensamos. Se pudesse categorizá-las,

16 A cidade em perspectivas multidisciplinares


a fim de facilitar o estudo e pesquisa, eu nomearia três abordagens
determinantes: as heranças culturais de agrupamento e dispersão, as
de relacionamento interpessoal e as de religiosidade.

Heranças culturais de agrupamento


As primeiras, as heranças culturais de agrupamento, são os
elementos passados de pais para filhos que determinam como
nos agrupamos, como construímos nossas casas e comunidades e
também quais as razões que justificam a dispersão. Neste aspecto
precisaríamos definir, em um estudo de caso de uma comunidade
específica, aspectos como familiaridade, regras de parentesco,
ancestralidade e ajuntamento, leis de dispersão e tabus de dispersão. É
necessário todo cuidado para que as perguntas sejam feitas de forma
correta. A familiaridade com o grupo pesquisado é muito importante.
O questionário direcionador proverá os principais elementos que eu
destacaria para podermos estudar, compreender e registrar as heranças
culturais de agrupamento.

Heranças de relacionamento
Em segundo lugar, as heranças de relacionamento interpessoal
são os elementos passados de pais para filhos que determinam como
nos relacionamos com o próximo, com o distante e com o desconhecido.
Normalmente precisamos aqui identificar as hierarquias humanas e
suas aplicações. O sentimento de pertencer a um grupo, segmento, clã
ou família, é definidor de nossa identidade. Este pertencer determina
com quem nos identificamos, como pensamos e os padrões sociais de
comportamento.

Heranças de religiosidade
Em terceiro lugar, as heranças de religiosidade são os elementos
passados de pais para filhos a fim de unir o homem ao divino. Entretanto,
em meio à teia de religiosidade visível ou invisível de certa cultura,
facilmente somos levados a nos perder em fatos menores. Aqui, o
importante é a definição dos elementos imprescindíveis de religiosidade

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que os pais ensinam aos filhos, sem os quais não se pode viver.
Deveremos descobrir se há relação entre a Persona e Ponto Alfa
e o povo e este trabalho será desenvolvido a partir de diversas fontes
como canções, narrativas e histórias contadas aos filhos.
Reguladores sociais
Os Elementos Universais são os traços que aparecem em todas as
culturas que englobam idéias, hábitos, reações emotivas condicionadas
como raiva quando é atacado, alegria com o recebimento de presentes
ou tristeza por ocasião da perda; ou comportamentos que são
compartilhados por toda a sociedade de determinada cultura, como o
aperto de mão entre os ocidentais. Quais são as soluções desenvolvidas
pelo grupo estudado para elementos universais como fome, tristeza,
humilhação, perda? Quais são suas reações para alegria e ganho?
As Especialidades são os atos realizados por apenas determinado
grupo da sociedade, como por exemplo a assistência médica,
construção de habitação, assessoria a alguma atividade específica,
plantio, caça e outros. Desta forma é possível categorizar, tendo em
mente, por exemplo, quem realiza ou coordena algumas atividades
específicas como caçar, plantar, fazer farinha, disciplinar a criança, etc.
As Alternativas são costumes que podem ser aceitos
voluntariamente, como optar por andar de bicicleta ou a cavalo.
Envolve normalmente aprendizado e iniciativa. Creio ser relevante
observarmos a presença ou não das alternativas no grupo estudado,
como sinal de abertura para o novo.
As Peculiaridades individuais ficam além dos limites do grupo e
constituem as características pessoais do indivíduo. São aqueles que se
destacam (positiva ou negativamente) no grupo pela diferenciação de
padrão, seja comportamental ou de idéias.
Observando os agrupamentos humanos podemos também
identificar seus elementos reguladores sociais. Vale aqui montar uma
pequena explicação. Pensemos em uma escala vertical onde, no topo,
encontramos os grupos regulados socialmente pelas leis. São grupos
com regulamentos sociais rígidos, que demandam normalmente
uma organização formal e, não raramente registrada (seja verbal –
por narrativas - ou escrita) do seu conjunto de leis. A quebra destas

18 A cidade em perspectivas multidisciplinares


leis é realizada a partir de desagravos sociais ou, dependendo do
assunto em pauta, provoca o tabu. O tabu é a crença de que algo, ao
ser contrariado ou não cumprido, provocará punição, seja individual
ou coletiva, objetiva ou subjetiva. Imaginemos agora que nesta escala
vertical (no topo temos os grupos regulados socialmente por leis)
vemos logo abaixo outros grupos humanos, regulados socialmente
por normas, hábitos e costumes e na parte inferior, pela tradição. Os
grupos regulados socialmente pela tradição são os mais flexíveis, com
menos rigidez e demanda do cumprimento das normas sociais. São
aqueles em que, apesar da existência de tabus, as normas e orientações
sociais são quebradas de forma mais constante. Se uma mulher não
pode banhar-se no rio após dar a luz, em determinado grupo, se sua
sociedade for regulada por leis e tal procedimento ali se enquadrar, é
possível que tal norma seja muito mais cumprida do que nos grupos
regulados pela tradição. Os tabus, assim, possuem sua intensidade
definida pela escala de regulamentos sociais de um grupo.
Leis são regras de comportamento formuladas deliberadamente
e impostas por uma autoridade especial e de obediência obrigatória.
Muitas vezes impõem os padrões que já eram aceitos pela sociedade não
organizada de maneira formal. Tais leis são normalmente registradas e
comunicadas, como a velocidade máxima em determinadas avenidas.
Normas são expectativas não obrigatórias de comportamento
social, coletivos, espontaneamente aceitos por todos como as
convenções, formas de etiquetas. É também um caminho bom para
entender como o povo pensa. Um exemplo seria agradecer após
receber um presente ou não falar enquanto come, com a boca cheia.
Padrões são expectativas moralmente sancionadas com vigor pela
sociedade. Desobedecer aos padrões provoca desaprovação moral.
Por exemplo: enterro dos mortos, cuidado das crianças, patriotismo,
monogamia, uso de roupas e outros.
Hábitos, costumes e tradição são atividades valorizadas pelo grupo
e reproduzidas a partir desta motivação comunitária. Normalmente é
aprendida formal e informalmente, transmitida no núcleo familiar bem
como na comunidade em seu dia a dia, e é associada à identidade do
grupo. Nesta categoria encontraremos as músicas, danças, expressões

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coletivas de alegria e tristeza bem como toda uma cadeia comportamental
que regula o pertencer social, o que é aceitável ou não.
Surge aqui a questão dos pensamentos progressivos, ou seja, valores
que desenvolvemos enquanto expostos a novas situações e contextos,
não necessariamente passados pelos nossos pais ou pelo grupo.
Leiamos Bonhoeffer:
“Em Lugar de Deus, o ser humano enxerga a si mesmo. ‘E abriram-
se-lhes os olhos’ (Gn 3.7). O ser humano se reconhece em sua desunião
em relação a Deus e ao semelhante. Reconhece que está nu. Sem a
proteção, sem a cobertura que Deus e o outro significam, ele se sente
exposto. Nasce o pudor. É a indestrutível lembrança do ser humano da
sua separação da origem, é a dor decorrente desta separação e o desejo
impotente de desfazê-la. O ser humano se envergonha porque perdeu
algo que faz parte de sua essência original e de sua integridade. Tem
vergonha de sua nudez.”

20 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 3
A cidade e o movimento de pós-modernidade

Olhando para a época em que vivemos

Caracterizando o deslocamento cultural chamado de pós-


modernidade

Pensando no plantio de igrejas como uma atividade inserida


não só dentro de uma cultura,
mas também no espaço-tempo, na
história, geográfica e linguisticamente
localizada, é preciso analisar, mesmo
que brevemente, a época em que
vivemos, pois será nela que iremos
lançar mão de nossos recursos para
então empreendermos a grande tarefa
de plantio de igrejas.
Caracterizando mesmo que
rapidamente o que se entende sobre a
pós-modernidade pode-se afirmar que
uma transformação acontecendo, isso
já se nota claramente na arquitetura,
Stanley J. Grenz nas artes, na filosofia, ou seja é um
fenômeno cultural amplo. Grenz
afirma que “estamos passando por um deslocamento cultural” (1997,
p.16). Esse deslocamento molda todo o pensamento da vida do ser
humano, quer sejam nas artes, filosofia, cultura em geral e não seria
diferente no âmbito religioso ou teológico. O termo talvez venha ser
utilizado a partir da década de 30, mas somente na década de 70 é que
ganha realmente destaque. Grenz também nos informa que “quaisquer
que sejam os outros significados que se possam atribuir ao pós-
modernismo, conforme indica o termo, sua significação relaciona-se
com o deslocamento para além da modernidade” (1997, p. 17).

21
A modificação da época exige melhor conhecimento dela para
que se possa não somente interagir, mas proceder com a sua Missão e
[...] seria irônico – se não fosse trágico – se os evangélicos
se tornassem os últimos defensores da modernidade já
morimbunda. Para alcançar as pessoas no novo contexto pós-
moderno, devemo-nos lançar a tarefa de decifrar as implicações
do pós-modernismo para o evangelho (Grenz, 1997, p. 28).
Francis Shaeffer, um dos grandes expoentes cristãos do século
XX, durante uma aula devocional afirmou que
[...] podemos medir a crise de toda a humanidade pela crise de
um só homem. Quando a mentira, o suborno, o rompimento dos
laços da família, o amor livre entre os jovens e o entorpecimento
pelas drogas tornam-se comuns e naturais para o indivíduo,
então poderemos ver que o mundo está em crise e ensinou
àquela mente, individualmente, quais são as novas regras do
jogo. (Shaeffer – “Devontion” – Não publicado).
Apesar de Francis Shaeffer pertencer à “modernidade” em sua
análise e vida entendo que esta descrição sobre as novas regras do jogo
evidenciam uma projeção do ser humano na “pós-modernidade”.
Essa é basicamente a crise por
qual a igreja evangélica brasileira passa,
apesar do pós-modernismo ainda não
estar “completamente” presente no
país, sendo que se enxerga o seu brilho
aqui e ali, em situações específicas, até
porque não se pode falar sobre o pós-
modernismo como uma coisa concreta,
porém, como Grenz afirmou que é
uma mudança cultural que vai além
da modernidade ou como Bauman
argumenta em seus livros, é uma
modernidade líquida.
Francis Shaeffer
O espírito da pós-modernidade,
porém, encontra-se presente nos
círculos de relacionamento, principalmente porque que a igreja

22 A cidade em perspectivas multidisciplinares


sempre está um pouco atrasada em relação às mudanças, quase sempre
correndo atrás do prejuízo e não antevendo crises, enxergando sua
época para saber o que deve fazer.
Robson Cavalcanti em um artigo publica na Ultimato diz:
A diversidade institucional, litúrgica, doutrinária, ética e
política, entre outras variáveis, indicam a quase impossibilidade
de se estudar o fenômeno como um todo e dele se extraírem
generalizações. É possível que não haja um protestantismo
brasileiro, mas protestantismos no Brasil. Neste país, onde
convivem o cosmopolitismo globalizado, o nacionalismo e um
vigoroso regionalismo, consolidamo-nos como uma sociedade
multicultural e religiosamente plural (2002, Ultimato 278).

O Brasil, por força até mesmo


da sua formação como nação possui
um veia pós-moderna, devido ao
nosso caldeirão cultural, porém, temo
que a população evangélica se escore
nas suas simpatias pessoais para
medir e estabelecer o padrão de seu
comportamento o que reflete na vida
prática da igreja.
Aqui em Londrina, para dar um
exemplo, acompanhando o ocorrido
em outras partes do país encontram-se
alguns evangélicos que se orgulhavam
Robson Cavalcanti
de já ter pertencido à mais de dez
igrejas diferentes, pulando de uma
para a outra assim que não sentiam que seus desejos pessoais estavam
sendo satisfeitos – este é o próprio espírito da pós-modernidade
instalada no seio da igreja e, ou saber-se-á identificar e agir no meio
dela ou simplesmente a igreja será “deixada para trás”.
Uma boa leitura das realidades que estão presentes a partir do
espaço-tempo histórico é o quadro abaixo, onde se mostra a maneira
como os seres humanos em cada época lidam com o conhecimento.

23
Quatro concepções sobre o mundo e o conhecimento

Concepções
Materialismo Pós
Idealismo Empiricismo
Dialético modernismo

Idade Moderna
Momento Histórico Idade Média Idade Moderna (fim) Atualidade
(início)

Pressuposto Básico Vontade Divina Ordem Natural Transformação Pragmatismo

Deus => Homem-


Estrutura Universal Homem/ Homem => Natureza Homem <=> Natureza Natureza
Natureza (integração)
Determinismo
Natureza dos
Determinismo Dinamismo Relativismo
acontecimentos
(Relativo)
Compreensão e
Objetivo do Compreender a Desvendar as leis Implicação nos
participação nos
Conhecimento vontade divina naturais processos
processos

Função do Superação das


Submissão Controle Interação
Conhecimento contradições

Estratégia para o Observação e


Reflexão Reflexão <=> Ação Divergência
conhecimento Experimentação

Método Introspecção Empiricista Dialético Dissenso

Dualista

Mecanicista
(Universo=máquina) Discursiva –
Dualista não presume
Estrutura do
Reducionista Dialético a existência de
Raciocínio
Maniqueísta uma realidade
(Decomposição do única.
objeto)

Maniqueísta
Construcionismo
Social (discursos
Feudalismo/ científicos
Vinculação Política Capitalismo Revolução Social
Monarquia críticos e
implicações
sociais)

Natureza da
Desobediência Destrutividade Crescimento Discurso crítico
Divergência

Enfrentamento das Eliminação do Eliminação do Superação/


Neutralidade
Divergências contrário contrário crescimentos

24 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Nota-se o seguinte: quanto mais avançamos na época (da idade
média para a pós-modernidade) menos influência da “vontade divina”
há na concepção sobre o mundo para as pessoas. A visão da estrutura
universal na idade média pressupõe Deus acima e abaixo o ser humano
e a natureza. Quando vamos para o pós-modernismo, enxergamos
que Deus não está lá mais e sim uma integração ser humano com a
natureza, uma simbiose, que não coloca Deus em lugar nenhum, não
lhe atribui sentido.
Outra coisa de desta é a estratégia para o conhecimento que
segue: na idade média era a reflexão (provavelmente sobre a vontade
divina), indo para o início da idade moderna como observação e
experimentação (já que a ciência é a dominadora nessa época e tudo
precisa ser provado, observação, experimentado para se fazer sentido);
depois, no fim da idade moderna há uma reflexão complementar com
a ação (o conhecimento passa a fazer parte da vida das pessoas numa
tentativa de refletir sobre e também de agir em relação a essa reflexão),
mas na pós-modernidade já tem o predomínio da divergência. Nada
precisa mais fazer sentido e o ideal é que não há ideais e aquilo
que é absoluto é dividido em partes e muitas destas partes podem
inclusive produzir conhecimento e incertezas ou mesmo podem ser
contraditórias, sem que isso interfira na maneira como o ser humano
pós-moderno se situe em seu espaço-tempo, história.
A estrutura de raciocínio das pessoas na pós-modernidade
diferencia-se muito das outras estruturas: na idade média, o que
prevalecia era o dualismo (o bem em oposição direta ao mal) passando
por um reducionismo (no início da era moderna) e estabelecendo-se
como dialético no fim da era moderna. Já na pós-modernidade está
mais para uma estrutura discursiva pois não presume a existência de
uma única realidade.
Isso é bem demonstrado em meio à igreja em contraponto com
a sociedade, pois via de regra, a igreja tende a ter atitudes estruturais
medievais (baseado no pressuposto da vontade divina) em suas
convicções religiosas, mas as pessoas da igreja, em meio ao seu
trabalho, estudo, interação com a política, com a economia acabam
sendo pragmáticas – se está dando certo é porque essa é a vontade de
Deus (por exemplo). Se a previsão se cumpriu é porque é de Deus e

25
assim por diante. Essa é uma relação pragmática, numa estrutura pós-
moderna de pensamento mesclada com o pressuposto básico de que é
a vontade divina que rege o mundo.
Em sociedade então, esse ser humano dos dias atuais é uma eterna
contradição e é com estes que trabalharemos no plantio de igreja, por
isso é mais do que necessário utilizarmos as ferramentas de análise da
realidade (antropologia, sociologia, psicologia etc) para entendermos
o máximo como pensam, vivem e interagem estes seres humanos que
deverão ser alvos de nossas ações, de nosso amor, de nossa abnegação,
tudo isso com alteridade, com sabedoria e principalmente movidos
por Deus.

26 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 4
A cidade e a psicologia
Análise humana a partir da vivências e relações interpessoais

É comum pensar que é necessário “acompanhar os tempos” para


que o quotidiano se transforme em contemporâneo e assim nos ilude
com a graça que a mudança constante, o “não parâmetro”, traz para
a vida, onde o que vale é apenas uma mescla do que se aprendeu no
passado (referencial teórico) com o que se vive hoje (exigência social)
e com o que se idealiza ou se espera de cada um (despersonificação
processual), sem que essa mescla importe em vivenciar os conceitos,
mas sim, tudo é apenas nebulosamente parecido – a verdade não mais
existe como conceito absoluto, mas se olha para o todo social como
um absurdo, preferindo a parte para que assim cheguemos ao “nosso
todo”.
Recentemente um estudante de medicina disse o seguinte:
“Quero ouvir a verdade. A sua verdade. A minha verdade. A verdade
deles, pois todas elas são diferentes óticas do que acontece e não há
uma verdade absoluta”. Perde-se no tempo que alguma coisa possa
existir por si só – duvidar e divergir de tudo é a única maneira de viver
nos tempos de hoje.
O Referencial teórico (passado) traz sobre o ser humano
moderno uma agonia – tudo é muito antigo e ‘démodé’. A geração que
experimenta o virtual não quer saber do passado, projeta-se apenas
para o futuro, nem o presente é mais real que o futuro. Os marcos e
vivência estabelecidos são normas de conduta para serem quebradas,
portanto, não tem valor prático, mas é apenas referencial de como já
foram as coisas.
A exigência social (hoje) é tão diversa e difusa como luzes da
aurora boreal. O estabelecido é o “não estabelecimento” de nada que se
imponha, que se exija, que se espere. Não se deve olhar para o passado,
nem para o presente como um tempo que tenha a dizer ou ensinar-nos
alguma coisa, mas sim apenas conscientizar-se que isso faz parte da

27
vida e que, portanto, é um gerador do futuro – a Despersonificação
processual, onde inauguramos a era do RFID (Radio Frequency
Identification – “Identificação por rádio frequência”) onde um chip
implantado poderá fornecer identificação, localização, monitoramento,
dando a nítida sensação de que o termo aldeia global faz cada vez mais
sentido e o sentimento isolacionista que movimenta o coração do
homem em busca de felicidade pessoal tem seus dias contados, sendo
substituído pela necessidade corporativista cada vez mais presente
através de associações, conglomerados, fusões empresarias etc.
Paul Tournier, em seu livro Mitos e Neuroses (Tournier, 2002,
p. 13) exprime que “quando se pretende por valores entre parênteses,
quando se vive como se eles não
existissem, o natural é finalmente
chegar a negá-los e viver segundo seu
próprio gosto e prazer”.
Talvez esta tenha sido a
primeira tentativa humana de
mudar a conceituação da verdade,
relativizando e movendo-se para um
lugar neutro, pois não podendo viver
com os paradigmas e marcos do seu
referencial teórico (passado), coloca
entre parênteses aquilo que quer negar
para que não tenha mais valor. Mas
“assim como se pode por os valores
‘entre parênteses’ e viver como se não
existissem, também se pode adotar
novos valores, fabricar os próprios valores” (Tournier, 2002, p. 26) e
então “a minha liberdade é o único fundamento dos valores e nada,
absolutamente nada, justifica que eu adote um determinado valor, esta
ou aquela escala de valores... E a minha liberdade me angustia por ser
o fundamento sem fundamento dos valores” (Tournier, 2002, p. 26).
Existe uma pretensão em descaracterizar a verdade, mas o
conceito absoluto é algo conhecido, mas não serve pra a vida do homem
e da mulher pós-moderna, apesar de não o negar frontalmente. Poucos
são os seres humanos que confrontam a verdade estabelecida, como

28 A cidade em perspectivas multidisciplinares


conceito absoluto, contrapondo com isso um estudo minucioso das
partes, numa hermenêutica pós-moderna para que o todo faça sentido
e seja inteligível.
Às vezes se ouve de alguém que ele não costuma “negociar
princípios”. Analisando as palavras, veremos que elas, na prática são
muitíssimo raras hoje em dia, principalmente quando os princípios em
questão se voltam contra o indivíduo. Aí (quando erra e descaracteriza
a verdade que crê ser seu fiel paradigma de vida) quase sempre há
negociação – ou seja, o que essa pessoa crê, pode, eventualmente, voltar-
se contra ele mesmo – e então acontece o fator de mudança: ou assimila
e sofre a dor da perda (do prazer, do bem, da saúde etc.) ou vende-se a
alma colocando os valores que até então eram sagrados entre parênteses,
como se não pertencessem à esfera de ação a qual se está inserido!
A cultura brasileira e pode-se extrair daí que a cultura evangélica
brasileira é uma cultura hedonista onde tudo precisa resultar em ganhos
significativos – é preciso trazer: fama, conhecimento, riqueza, bem estar
pessoal, satisfação de desejos, realização de sonhos etc. Culturalmente
definido o esperado é a não perseverança ante situações de risco ou
mesmo um desânimo completo a partir da necessidade de perseverar.
Na palavra perseverança encontra-se um significado por demais pesado
– no grego a palavra (que é proskartereo) significa dar continuidade a
uma ação após intenso esforço - não indica uma ação óbvia, mas é uma
tentativa de permanecer (ou perseverar) a todo e qualquer custo. A
perseverança que gera um desconforto ou mesmo uma necessidade
de permanência em um determinado pensamento ou posicionamento
é rechaçada como antiquada, fora de propósito ou mesmo uma
interpretação errônea, sendo trocada pelo “novo”, muda-se a essência e
muitas vezes permanecem certas formas que aprisionam.

Desenvolvimento Humano
O ser humano, pós-moderno, inclui-se numa barbárie de
pensamentos soltos, desconexos e sem estrutura, que torna difícil a vida
daqueles que pretendem instruir outros. Utilizando para isso experiência
ou mesmo contos e fábulas, C S Lewis, apesar de não pertencer à pós-
modernidade é um dos maiores escritores cristãos e leva a um mundo

29
criado por sua imaginação, Nárnia, onde a analogia é a demonstração
da verdade como princípio de vida. Gabriele Greggersen, especialista
em C S Lewis no Brasil diz em um de seus livros:
Podemos, sim, considerar O Leão, o guarda-roupa e a Feiticeira
como uma autêntica parábola filosófico-antropológica que
(...) está interessada em discutir não a existência ou não de
feiticeiras, animais falantes, elfos, diabos, Baco etc. Esse tipo
de especulação, aliás, não é o que interessa aos leitores que
realmente compreenderam e estão abertos para “o espírito da
cosia” (Greggersen, 2001, p. 89).
Gabriele argumenta ainda em seu livro “... o principal objetivo
da educação é ensinar as virtudes (especialmente a prudência) a este
ser ‘esquecente’, que é o homem, pois as mesmas não são inatas, mas
adquiridas pela educação e experiência” (Greggersen, 2001, p. 89).
Não importa hoje o aprendizado, mas o para que – a cultura
racionalista é pragmática demais, óbvia demais, charlatã demais.
Vezes a fio se deveria apenas ouvir, sem preocupar com o que vai se
ganhar com esse conhecimento que advém. A experiência que ensina,
o imaterial que reflete e assim traz uma mágica sobre a vida do ser
humano parece perdida no tempo ou pelo menos esquecida do viver
diário de grande parte da civilização.
O ser humano moderno crê firmemente naquilo que aprendeu
desde sua tenra infância, quando criança em casa ou na sua igreja ou
mesmo com bons mestres que lhe incutiam a boa moral e ética. Boa
é a sua fé. Alenta-se o fato de enxergar um pouco além do que se vê,
na teologia, na Bíblia e até na conversa do dia-a-dia. Quando se sai do
âmbito da prédica e passa para a razão de ser da vida, no dia-a-dia, de
decisões, de vontade, de acertos com a vida, quer seja ela sentimental,
profissional, religiosa ou pessoal, enxerga-se, porém que esta verdade
não é vivida e que se mente ao afirmá-la.
A subjetividade tomou conta da vida; retirou dela todo
critério objetivo; mais que isso ainda arrancou o sonho, a poesia, a
contemplação.
Alguns têm uma forte necessidade de “ver as árvores balançando”,
numa tentativa desesperada de alguém que nesse mundo se acha

30 A cidade em perspectivas multidisciplinares


fora dos padrões, subverte as expectativas e precisa constantemente
parar o tempo, sair para a beira do lago, sentar-se numa grama bem
verde e olhar para as árvores e vê-las balançando ao vento – aí sabe
que seus princípios continuam os mesmos e que a contemplação faz
com a alma um elo com uma realidade quase esquecida, pois a real
transparência do dia de hoje é cada dia mais dura, mais crua, mais
aética e corporativista. Alguns apenas ...
Há um fenômeno que é denominado de Depersonificação
Processual, que foi definido a partir da missiologia no início nos
anos 80 e se estende cada vez mais para dentro deste século da pós-
modernidade. Na década de 80 igrejas começavam a pensar como, onde
e porque fazer Missão. O esforço missionário passou a ser identificado
dentro das premissas mais estatísticas, percentuais e estratégicas –
menos humanitárias, pessoais e locais. Ao fim dos anos 80 surgiram
os movimentos globalizadores e passou-se a falar de Missão a nível de
redefinição da tarefa.
No anos 90, movidos pelas perspectivas globalizadoras, surgiu
o Efeito PNA (povos não alcançados), reacendendo o processo e
interesse etnográfico de 40 anos atrás: quem são os PNAs, onde estão,
como alcança-los – com ênfase num esforço conjunto.
Hoje, depois de passados estes tempos, o que se tem é um
efeito avassalador de indiferença do meio evangélico com o reino de
Deus, quer seja a nível local, regional ou transcultural – enxerga-se o
processo através de uma avalanche de informações que não levam a
nenhuma profundidade, mas sim a uma grande extensão, mas com
uma pequena profundidade de suas ações, vidas e ministérios.
É necessário contextualizar o evangelho para trazer o acerto
à igreja e contextualizar o evangelho é traduzi-lo de forma que o
senhorio de Cristo não seja um princípio abstrato nem mera doutrina,
mas seja o fator determinante da vida em todas as suas dimensões e
o critério básico em relação ao quais todos os valores culturais que
forma a própria substância da vida humana são avaliados.

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Anotações
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32 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 5
A cidade e o contexto urbano atual
Entendendo melhor o contexto urbano

A cidade e a política
Nosso sistema estruturalmente influenciado e planejado traz sobre
a política uma ação de injustiça e opressão muito comum em tantos
recantos do Brasil e fora dele. O mal também triunfa estabelecendo
a perda de liberdade básica, ou seja, somos e fazemos aquilo que se
espera de nós, na instituição de uma tirania bem conduzida que se
traduz em corrupção, dinastias de poder e muito nepotismo – “Política
e corrupção parecem acompanhar a saga humana na perspectiva do
exercício do poder” (Gasparetto, 2009, p. 1).
As estruturas do poder estão corrompidas e jazem no maligno
não porque tenham mal em si, mas porque seres humanos corrompidos
adentram em seus portões e fazem de lá os seus currais. As leis, as
políticas de ação, as constituições tendem a favorecer este ou aquele
grupamento, negociando em favor da facilitação para uma melhoria de
vida para alguns que detém o poder e a oportunidade de controlarem
em detrimento da desgraça e perda de esperança de quem sempre se
encontra com as mãos vazias.
Preparar-se politicamente é talvez o último dos motivos cristãos,
mas agira em ‘diakonia’ na cidade também requer de nós inteligência e
atitude nesta área. Muitos cristãos, vão para o meio dos “lobos” tão mal
preparados, com tamanha sede corporativista para defender os direitos
evangélicos que muitas vezes não conseguem transpor a barreira da
insignificância política, transformando uma situação difícil em algo
pior, onde os votos e as ações são para um grupo, beneficiando poucos
em detrimento de muitos e assim, não conseguem ser suficientemente
sal e luz para transformar esta área tão importante da nação.
Às vezes não notamos que a verdadeira arte da política está em
se colocar em lugares onde as decisões ocorrem como é o caso dos
conselhos que atuam na cidade, nos estados e em todo o país.

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Gostaria de sugerir algumas ações práticas em relação a esta
questão:
Em primeiro lugar olhe para a sua cidade. Se pergunte o que vê
na cidade, como a enxerga, quais é a maneira como enxerga a estrutura
política administrativa dela - geralmente não enxergamos com bons
olhos, apesar de conhecermos bem pouco. Saiba dos planos que estão
sendo feitos para o desenvolvimento da cidade e ore pela sua cidade,
não apenas aquele tipo de oração imprecatória e pouco relevante, mas
uma oração que acompanhada de ações suas e de outros mobilizem e
produzam transformação.
Em segundo lugar leve para a sua comunidade o resultado de
suas pesquisas e investigações. Todos os desdobramentos do que se
está fazendo com a administração do bem público interfere na vida
de todos. Assim poderá gerar movimentos de oração específicos para
ações objetivas através da sua ‘ekklesia’ na cidade.
Em terceiro lugar, sugiro que você e outros que se interessarem
por esta questão política na sua comunidade participem dos
conselhos municipais e reuniões de associações (de bairro, de redes
de afinidades etc). Leia e informe-se sobre as leis e suas aplicações.
Saiba o que está em projeto para se tornar lei no legislativo e executivo.
Interesse-se pelo movimento de transparência financeira da sua
cidade e corra atrás das prestações de conta do município e de seus
líderes no executivo, legislativo e judiciário. Envolva-se com a política
na sua cidade - não com a politicagem. Esforce-se por conhecer
e fazer conhecido os candidatos que se pautam pela justiça, ética e
cidadania - cobre destes um projeto coerente sugira pontos que acha
importante para que ele apresente em suas idéias políticas e mais tarde
cobre dele, caso seja eleito, ser fiel ao que disse. Eleja bem os seus
governantes, saiba deles, o que pensam, como vivem, o que propõem,
como resolvem suas questões pessoais, como tratam com o dinheiro,
com o casamento, com os filhos, com os bens, cobre deles no mandato,
conversando, escrevendo, perguntando e se possível debatendo idéias
e por fim, envolvam-se em projetos sociais que procurem o bem da
comunidade assim você participará do poder político que governa sua
cidade e será um agente de transformação para ela.

34 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade e a cultura social
Lesslie Newbigin influenciou tremendamente a vida da igreja
e da missiologia ao afirmar e ensinar que, esta, a Igreja apenas
encontraria genuíno renovo (e sentido!) em sua vida e testemunho
através de um novo encontro do evangelho com a cultura (Newbigin,
p.22 e 23, 1984).
Nos últimos anos muitas pessoas frustradas com a religião e
com a ciência transformaram sua maneira de pensar e agir, bem como
criaram novas expectativas interesses e prioridades – muito diferente
da época, por exemplo, em que aconteceu a Reforma Protestante e
também do surgimento do movimento pentecostal. Há hoje um novo
tempo, uma nova maneira de pensar e agir, há em todo canto um
‘sopro’ que leva aos cantos mais remotos insatisfação que causa quase
sempre mudança de comportamento e nem sempre é para melhor – o
hedonismo, nossa marca pela busca da felicidade do ser, mesmo que
com isso joguemos fora altruísmo, amor pelo outro, preferir os outros
em honra, sofrer o dano... etc.
Despreparados para enfrentar as novas pressões do secularismo,
muitos crentes abraçaram novas verdades, se distanciaram de Deus,
das Escrituras e causaram mal a si mesmos e a outros criando um
‘evangelho’ que só faz sentido, muitas vezes, dentro das quatro
paredes de nossas ‘igrejas’.
Em nosso tempo a secularização e decepção com o sagrado têm
gerado um contexto de extrema instabilidade, muita alienação e falta
de esperança na sociedade moderna (pós-moderna? Hiper-moderna?).
O racismo cresce a cada dia munindo também um classismo criando
verdadeiras castas sociais, buracos na camada de vivência sócio-
cultural através de uma discriminação generalizada, onde os que têm
sobrepujam os que não têm e os que são muitas vezes ‘se esquecem’
de realmente ser! Os vícios têm alienado milhões, causado não só
dependência, mas a necessidade de conhecer novas formas alienantes.
A criminalidade, que para muitos é “fruto de uma sociedade corrupta
e corruptora” avassala principalmente as grandes cidades, mas não
deixa de estar presente até em sociedades mais ou menos rurais, gerada
pela iniqüidade que transparece não como mal, mas como libertação

35
de uma vida repressora da religiosidade. A imoralidade grassa em
meio à comunidade, família e vida, causando erosão nos valores e
princípios antes marcadamente estabelecidos. O crescimento da (ou
descobrimento de...) escravidão em vários cantos e recantos no país
nos leva a pensar nas prisões onde homens e mulheres, culpados
e inocentes, convivem na maior escola de criminalidade que o ser
humano criou – as cadeias. As artes, o entretenimento, a literatura
estão tremendamente contaminados com obscenidade, destruição de
valores antes estabelecidos e marcas (e marcos!) hoje mal definidos.
Na saúde, o ser humano inserido na sociedade moderna, luta contra
grandes epidemias como AIDS e outras, mas também contra a injustiça
do próprio sistema que beneficia, exclui e danosamente leva para uma
sobrevida aqueles que não possuem.
Em 1974, em Lausanne, Suiça, líderes do mundo inteiro
reuniram-se para discutir teológica e missiologicamente a maneira
de pensar sobre o Evangelho e este Pacto de Lausanne (como ficou
conhecido) declara em sua afirmação sobre Evangelização e cultura:
O desenvolvimento de estratégias para a evangelização
mundial requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de
Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente
enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a
cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas
Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua
cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou
a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte
dela é demoníaca. O evangelho não pressupõe a superioridade
de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o
seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação
de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões
muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma
cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissas aos
ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras.
Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar
esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim
de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar
transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.

36 A cidade em perspectivas multidisciplinares


É necessário sair do estigma da “catequese” simplesmente para
uma atuação ministerial que transmita os valores e princípios cristãos
sem proselitismo, baseados em relacionamento pessoais, através de
redes sociais de envolvimento, onde possamos não somente ‘converter’
pessoas, mas influenciá-las em suas decisões e práticas sócio-culturais,
pensando no bem da comunidade e na construção da justiça.
A ‘busca do sentido’ para a vida é algo que todo ser humano tem,
independente da sua cultura local ou meio social. Agir com ‘diakonia’
é também fazer sentido na vida das pessoas, mesmo que elas não
façam sentido a si mesmo ajudando-as a sanar suas dúvidas, mais que
acrescentando suas culpas.
O envolvimento com as pessoas, com sua vida, com seus dilemas
familiares, sociais, religiosos, sentimentais etc nos dará material para
desenvolvermos uma cadeia de confiança e está confiança gerada será
primordial para o cuidado delas, pois irá gerar pessoas de confiança. O
habitante pós-moderno da cidade é desconfiado e precisa ter contato
com homens e mulheres de confiança.
Providenciar formas de auxiliar pessoas em sua baixa auto-estima,
cuidando delas, aconselhando, orientando e/ou providenciando ajuda
profissional regular é uma forma muito boa de cuidar das pessoas ao
nosso redor assim como Jesus fazia sempre.
Devemos nos forçar a entender que o engajamento das pessoas
deve ser em sua própria realidade e não num mundo ‘criado’ pela igreja
ou pelo grupo. Todos nós estamos em busca de sentido para nossa vida
e não uma substituição por outra vida que não faça mais sentido onde
e com quem vivemos num processo de re-significação dos conceitos,
do ambiente, da vida, dos relacionamentos, minimizando-se assim
efeitos de mudanças muitas vezes desnecessárias.

A cidade e a religiosidade
O senso comum da vida religiosa tem sido modificado alterando
o centro dela – a divindade não está mais no centro, no lugar da
adoração, mas a necessidade pessoal, individual assume o controle.
Os fiéis se transformam em meros clientes, ora satisfeitos, ora não,
e assim modificam o status da religião e a coloca como produto a

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ser consumido – daí, a idolatria toma lugar, onde sou eu o centro da
religião e não aquele ser que eu deveria adorar. Qualquer coisa que
retire Deus do centro da vida é idolatria. A fé simplesmente como fim
em si mesma – a fé na fé – apegue-se a sua fé, diriam alguns. Parece
que estamos criando um cristianismo onde Cristo não é mais o centro,
mas o ser humano e suas necessidades.

A cidade e a economia
Dinheiro e materialismo, exploração, trabalho injusto, ganância,
usura, trabalho infantil, consumismo excessivo, massificação da
pobreza e tantos outros fatores são drasticamente o retrato da sociedade
atual, onde um abismo se abre entre as classes sociais.
O dinheiro gira a produção e a produção move o mundo como
o conhecemos e este mover é um trator que nivela e estraçalha a vida,
transformando uma paisagem ondulada, cheia de entradas e saídas
numa grande avenida asfaltada, sem vida, sem esperança.

A cidade e a mídia
A mídia não é um “demônio”, mas é constantemente demonizada
e tem o intuito de moldar o pensamento para gerar um estimulo que
leve ao consumo, a libertinagem, a necessidades que nem sonhávamos
em ter e soluções para estas que foram criadas.
Ela, a mídia, tem um papel importante na formação do povo
brasileiro, que facilmente aprende com histórias, com narrativas.
A condução das tramas é um legado da audiência, onde se põe e se
dispõe de maneira direcionada, pela oscilação de público. A condução
das ideologias se torna uma ferramenta de controle vital e aumento e
disseminação de uma sensualidade exageradamente aberta, além de
que tudo parece favorecer o rico, o poderoso.

A cidade e a educação
É unilateral o ensino, numa filosofia educacional secularizada
que traduz um racionalismo científico que busca um sucesso
individualista favorecendo o secularismo, a decepção e o desprezo

38 A cidade em perspectivas multidisciplinares


pelo que é comunitário trocando tudo por um corporativismo que
favorece o rico, o influente, o tirano.
A cidade e a ecologia
O desmatamento e a condução dos ecossistemas são o fruto de
abuso dos recursos naturais que levam a desastres naturais, onde a
natureza apenas responde diante de tamanho desprezo e falta de
respeito e cuidado. A atmosfera poluída favorece a disseminação
de doenças piorando a qualidade de vida daqueles que optam pelas
grandes cidades.

A cidade e a personalidade humana


Todas as ações maléficas que citei acima, nas áreas de convivência
e necessidades humanas engendram a má formação da personalidade
humana; não são causadoras, mas o pecado que invade a vida e alma
do ser humano o coloca naturalmente ao lado do mal – na queda
fizemos uma escolha, escolhemos a independência de Deus e assim
uma vida que vai na contra mão de sua vontade. Portanto, todas estas
estruturas são movidas por pessoas e pessoas caídas.

A cidade e a sexualidade
Existe uma banalização da sexualidade por um lado, para tomar
como exemplo, onde o sexo se transforma em mero objeto de prazer
e por outro lado num obscuro método de procriação sem prazer.
Não conseguimos evitar os danosos lados contrários: ou temos a
abertura para a sexualidade completamente irreverente, onde o prazer
é substituído pelo hedonismo (“eu me amo, sou muito importante,
portanto o meu prazer é o único objeto da minha existência”) ou
olhamos para a sexualidade como uma aberração causada pelo efeito
do pecado no ser humano – achamos que Deus nos criou sexuados,
mas com condições de que esse sexo fosse apenas para a perpetuação
do ser humano na terra – daí, tudo que tem a ver com o prazer sexual
precisa (!) estar ligado ao pecado. Por isso, muitos se sentem sujos
e insatisfeitos quando do relacionamento sexual (mesmo dentro do
casamento!).

39
É necessário e urgente fazer-se em nosso meio uma diferenciação
entre perversão sexual e ato sexual. Deus criou o ato e o pecado gerou a
perversão. Deus criou, inclusive colocando dentro do arcabouço de sua
visão da perfeição e bondade que havia criado – “crescei e multiplicai”
(de Gn 1.28) está antes da palavra de Deus que engloba tudo isso – “E
viu Deus que tudo era bom” (Gn 1.31). Deus viu tudo o que criara como
sendo bom e agradável, perfeito, inclusive a união sexual.
Apesar de Freud (Sigmund Freud, fundador da psicanálise) não
concordar que sexo era uma coisa boa, mas quase uma aberração, ele
trouxe um grande avanço ao demonstrar
que ele fazia parte de nossas necessidades
fisiológicas – assim como a sede, a fome e
o próprio sono. Portanto, ao comer e beber
não estamos apenas nos alimentando,
mas também nos proporcionando prazer
ao sorver um líquido delicioso como um
café com creme, num dia de chuva ou
então participarmos de uma comunhão
gostosa com muito churrasco com carne
de qualidade. Dá prazer, beber e comer
e é esperado isso, porém, do ato sexual,
muitas vezes olhamos com desprezo pois
parece ser coisa que o diabo inventou para o pecado do ser humano.
O prazer em dormir bem, acordar bem humorado é algo que não deve
ser tolhido de nossa vida, assim como o prazer sexual.
Deus quer uma humanidade exposta ao padrão da sua graça –
com liberdade, onde o corpo e a alma sejam unidos em expressão para
o louvor da sua glória; onde você e eu possamos acordar sabendo que
esse sono delicioso, restaurador de minhas forças glorifica a Deus e
faz bem a minha alma que é fruto da graça de Deus para com minha
vida; onde saibamos que ao digerir um alimento que nosso paladar
deseja e aprendeu a gostar estamos trazendo sobre nossa vida também
uma espiritualidade concernente a graça de Deus sobre nossas vidas;
onde possamos enxergar o conhecimento sexual não apenas como ato
sexual mas como um conhecimento profundo, abrangente e que na
liberdade que a graça traz sobre nós glorifique o nome de Deus.

40 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade e a família
Casamentos mal resolvidos, uniões mal construídas,
relacionamentos que se quer mais e não se dá mais, maridos que não
querem ser homens e mulheres que não desejam mais o ser feminino,
como se a diferença fosse gritantemente errada, pois o mundo
moderno quer ver a “igualdade” não na conformação cada qual
com sua personalidade, mas no traçar de um ideal de massificação
da sexualidade e todos precisam, a custo de não reter suas pessoas,
serem iguais, eliminarem as diferenças, como se estas interferissem
no relacionamento, criando seres andróginos, desprovidos de beleza
única e transformando a família

A cidade e a literatura e as artes


Como ser uma igreja missional num mundo hedonista e marcado
por uma espiritualidade hipócrita e farisaica além de descomprometida
com o outro? Os desafios que a cultura brasileira impõe sobre a
espiritualidade cristã são tremendos principalmente no que tange
a separação entre uma espiritualidade sadia e a teologia. Tomás de
Aquino, no fim da idade média, propõe que o relacionamento com
Deus é algo separado do conhecimento mais intelectual, ou sistemático
a seu respeito, levando a teologia para uma categoria que ela nunca
pertenceu: apenas de ciência desprovida de relação íntima com Deus
e incapaz de provocar no ser humano um avivamento amoroso em
relação a Deus. Cria-se então um abismo que gera certo conforto na
ausência de cobranças sobre a preocupação com a vida e vontade de
Deus sobre a minha vida. Deus passa a ser um objeto de estudo e o
relacionamento com ele algo para mentes menos esclarecidas. Esta
visão separa inclusive a própria teologia de uma missiologia aplicada
ao contexto, porque evoca um conhecimento intelectualizado de Deus
e assim, abrindo mão de um entendimento prático da aplicação da
intimidade com o próprio Deus estudado.

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Anotações
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42 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 6
A cidade e o fenômeno religioso

Introdução

Análise de movimentos e construções culturais


religiosas e seu meio de influência na formação do
desenvolvimento do ser humano na cidade e ver diretrizes
para comunicação contextual do Evangelho.

Objetivos

Esta deve cooperar com conceitos que devem ser


entendidos. Devemos observar a cosmovisão do grupo alvo
em relação ao sagrado e profano, tabus e assuntos pertinentes.
Também olharemos alguns conceitos antropológicos que nos
servirão de auxílio na comunicação.
O conceito do sagrado é complexo e deve ser observado
como elemento primordial da religiosidade. Otto o define como
um misto daquilo que arrepia, provoca espanto e fascínio. Piazza
o concebe como a teia de elementos invisíveis que ordenam uma
sociedade. Douglas percebe o sagrado como aquilo que está
fora da esfera do normal, visível ou facilmente explicável. Daí se
explica os tabus e outras formas de ‘evitamento’ que orbitam ao
redor do sagrado.
Em uma abordagem mais utilitária do assunto (sagrado
e profano) podemos identificar inicialmente os tabus presentes
em determinado grupo. Tais tabus nos sinalizarão onde buscar
os marcos fundamentais que compõe a religiosidade do grupo.
Tabu é um termo originado da língua polinésia que

43
sugere o interdito. Ganhou sentido de evitamento, proibição
por razões de crença, temor ou superstição. Os tabus servem
como instrumentos de preservação do sagrado e identificação
do profano.
Levítico capítulo 11 nos apresenta uma listagem de
animais puros e impuros. Douglas expõe que o ‘incomum’
determina o impuro e explica que tudo aquilo que contraria
a ordem natural dos elementos é oposto ao sagrado e deve ser
evitado. Ele categoriza os animais a partir das espécies criadas
no gênese: seres das águas, seres da terra e seres do ar. Todos
os que não estejam perfeitamente equipados para o ambiente
onde subsistem é categorizado impuro. Diz que “assim tudo o
que se encontra na água e que não tem escamas nem barbatanas
é impuro, como a enguia e o crustáceo... As criaturas de quatro
patas que voam são impuras como os insetos... e a fim de não
ser exceção à regra ou insulto à ordem, portanto para ser puro,
o porco de casco fendido deveria ter sido um ruminante e a
serpente que rasteja deveria andar sobre as patas”.

44 A cidade em perspectivas multidisciplinares


O profano é o anormal, é o ideal partido,
incompleto.
Em toda analise cultural a oposição entre puro e impuro
é fundamental ao estudo e compreensão da estrutura social e
pensamento humano. Na Índia é o fator definidor de castas, quer dizer,
determinante das categorias sociais. No Israel antigo a idéia do sagrado
e profano determinava a proximidade ou não de Deus. A pureza
ritual, entre os muçulmanos, determina a aceitação ou não da prece. A
pureza estética, entre os nobres ingleses do século XVIII, determinava
sua aceitação na corte. Na Alemanha nazista a purificação de raças
era vista como necessária para alcançar a superioridade biológica.
As idéias e movimentos humanos sempre caminharam na trilha da
atração ou repulsa pelo sagrado e profano.
Para Durkheim o sagrado é uma idéia que gera força social a fim
de reduzir o mal. Mauss concordaria que a concepção do sagrado é,
portanto, a identificação do mal. O sagrado é o elemento originador
da conduta social. Como os homens não conseguem dar a si mesmos
a salvação desejada tendem a admitir que uma força (ou várias) que se
une ao sobrenatural consiga fazê-lo. Cria-se, assim, para Durkheim,
o conceito de espíritos, deuses e deus. Neste caso os deuses, ou deus,
seriam resultado da idéia, e necessidade, do sagrado.
No consciente do homem religioso esta vida presente é uma ilusão
e o sagrado o remete ao tempo mítico, eterno e real enquanto o culto é
realizado no espaço consagrado que recria o espaço sagrado perdido,
o espaço real. Desta forma podemos entender que os manipuladores
do sagrado detêm o poder religioso.
Eliade pressupõe que o sagrado está ligado ao homem primitivo,
tradicional. Quanto mais primitivo (tradicional) maior religiosidade
haverá na esfera social. “O homem moderno des-sacralizou o mundo
e assumiu uma existência profana” pois o sagrado era obstáculo à sua
liberdade. Assim ele só se libertará quando matar o último deus, que é
a moralidade. Em sua concepção o conceito de deus é distante pois o
homem primitivo olha para o céu e o vê longe.
Em termos de espaço podemos perceber que o “homem primitivo
tem a tendência de viver no sagrado ou perto dele o mais possível... O

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universo tem lugares sagrados e profanos”. Para o homem religioso
há o tempo profano, contaminado, e o tempo sagrado que remonta
ao tempo mítico. Mauss divagou sobre esta questão concluindo que o
sagrado é mais que um fato, ou idéia social, mas sim uma necessidade
empírica encontrada em todos os segmentos humanos. Baseou-se na
empírica necessidade de aproximação com o ‘mana’ para que a vida
ganhe maior significado. Entretanto, em uma perspectiva elementar
creio que poderíamos supor que o sagrado, em sua extensão de
relações, não é causador mas sim causado. E neste caso causado por
uma necessidade de crer, de minimizar o mal, de procurar salvação.
Encontramos, assim, de forma incontestável, em uma variedade
extensa de culturas estes elementos necessários de aproximação. O
principal destes elementos é o impuro.
O que sugiro, assim, é que o conhecimento do mal em suas
diversas formas (erro, quebra, morte, dor...) é o elemento que desperta
e formula o sagrado nas diversas culturas. Na tentativa de provar
este pensamento sugiro imaginarmos uma criança recém-nascida,
desprovida de influencia social e religiosa. Privada de convívio social
é posta a se manter em exílio de presença humana que com ela se
comunique até atingir os 12 anos de idade. Esta mesma criança, sem
o desenvolvimento da fala, da sociabilidade estruturada ou mesmo da
compreensão do ‘pecado’ social não está isenta de sentir o impuro que
lhe chega através de elementos psíquicos como medo, inquietação,
inconformação e culpa. Mesmo excluída e só não há dúvida que estes
elementos, representação do impuro, poderiam ser suficientes para a
incipiente produção de sentimentos que levem a criança-adolescente a
desenvolver meios rudimentares de procura do sagrado e evitamento
do impuro. Se esta comprovação é plausível haveríamos de crer que o
‘mal’ produtor das impurezas não se encontra, a priori, na sociedade e
suas inter-relações mas sim no próprio homem, mesmo que desprovido
de fala e sociabilidade. O conjunto destas impurezas, geradas na
esfera psíquica, produz na coletividade social as mazelas comunitárias
conhecidas e analisadas antropologicamente. A partir desta conclusão
podemos perceber que o ‘mal’, empírica e não teologicamente, é o
causador que desperta a atenção do homem para a necessidade de
minimização do mesmo, gerando assim o sagrado e suas atribuições.

46 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Uma primeira conclusão, a posteriori, nos levaria a entender que
a religiosidade (se definida pelo conjunto e relação entre sagrado e
profano) não apenas contribui para a estruturação social mas a causa,
sendo assim fonte de construção humana e não sua mera conseqüência.
Uma segunda conclusão, a posteriori, nos levaria a iniciar uma nova
caminhada pois, se o mal é o causador do desejo de evitamento
do impuro gerando assim a estruturação do sagrado pessoal e
comunitário, este mal, sendo originalmente psíquico e não social, é o
mesmo em todas as suas formas e expressões lingüísticas e culturais.
Sendo universal, portanto, representa uma enfermidade genérica, para
a qual milhares de medicamentos com as mais diferentes fórmulas
são administrados. Alguns produzem maiores efeitos minimizadores,
outros menores, outros fictícios e nulos.
Portanto, de certa forma a religiosidade humana é uma formulação
do mesmo na tentativa de, perseguindo o sagrado, identificar formas
de minimização dos seus efeitos. É um conjunto de possíveis soluções
mesmo que, em sua origem fundamental, haja uma busca inconsciente
e permanente do ser supremo governador da existência.
A comunicação de um evangelho relevante dentro do mal
conhecido e praticado socialmente é uma dinâmica objetiva a ser
perseguida. Um fator é condicionante. Se o mal é verdadeiro (e assim
precisa ser visto pois é um dos únicos elementos de junção entre
diferentes culturas) apenas um ‘puro’ verdadeiro poderá respondê-lo
e minimizá-lo em seu grau de aplicação e vivência. A procura pelo
‘puro’ verdadeiro, portanto, é a procura por resposta, mesmo que
esta satisfaça o que se sente na esfera mais profunda da existência, a
psíquica. É necessário, pois, limitar o mal visto que ele não é apenas
pré-existente, culturalmente falando, mas percebido em todas as
sociedades: “nós temos o mal entre nós”. Assim são criados os tabus,
regras, mitos, ritos, categorias de sagrado, ou seja, respostas internas
para os conflitos da vida e da alma.
Se Piazza está certo em afirmar que as ações do desenvolvimento
do sagrado em determinada cultura são intencionalmente limitadoras
do mal, veremos que toda estruturação religiosa ou fenomenológica em
uma certa cultura de certa forma estaria tentando explicar e tentando
nos proteger deste mal, criando o que podemos chamar de forças de

47
proteção. A abordagem Angelos propõe que, nesta busca humana pelo
puro e pelo verdadeiro, em um ambiente contaminado pelo mal, a
Bíblia nos expõe o caminho.
Laburth-Tolra e Warnier citam, como graus das atitudes religiosas
um primeiro nível, o elementar onde a prática religiosa é puramente
sociológica, pois os hábitos rituais são sustentados pela pressão social,
pela interdição de se singularizar, pela vontade de fazer ‘como todo
mundo’ e ‘como os ancestrais sempre fizeram’. Citam o nível mágico
elevando-se a uma ordem do mundo sobre a qual o homem pode agir
com condição de se submeter a ela.
O estudo das manifestações humanas
Acreditamos que socialmente necessitamos de estruturas e essas
estruturas, templo, instituição, normas, não devem ser vistas como
tendo objetivas em si mesmas, mas precisam ser interpretadas a partir
das respostas as perguntas. Vejamos algumas delas:
1. O que é igreja?
2. Qual o propósito de Deus em nos fazer igreja?
3. Como Jesus lidou com a igreja?
4. Como as estruturas surgiram?
5. Como a graça trata com a normatização da fé?
6. Porque normas são necessárias?
7. Quando aplicar estas normas?
São muitas perguntas que podemos fazer. Entendemos que precisamos
da ‘organização’ das coisas, Deus não é um Deus de desordem, mas de
ordem, a própria criação do universo segue este princípio básico. Tudo
tem o seu lugar, ordenado, colocado e tem uma serventia muito própria,
mas na própria criação, Deus não dá ordem para que apareçam estruturas
sem que suas bases sejam fundadas anteriormente: primeiro ele ordenou
a luz no meio do caos - depois criou o sol, lua e estrelas. Não colocou o
carro na frente dos bois, mas fez o caminho da necessidade primeiro. Ele
não ordenou que os animais existissem antes de ter criado a base para a
sobrevivência deles; ele não criou o ser humano, no primeiro dia, pois não

48 A cidade em perspectivas multidisciplinares


havia nada que pudesse suportar a sua vida. Ar, sol, água, terra, alimentos.
Ele providencia primeiro a base, a base necessária para o aparecimento do
ser humano, do homem, da mulher e somente depois cria, no último dia, no
sexto dia, quando tudo já estava ali, pronto para recebê-los.
Entendemos que o corpo de Cristo chamado igreja é da mesma forma
criada por Deus, ele é quem constrói sua igreja e não nós. Para que essa igreja
seja viva e funcional é necessário ter a base, embasamento, onde podem ser
construídas muitas coisas.
Cremos que o principal é entendermos que o sonho de Deus pressupõe
que sejamos um só corpo, feito de gente de todo jeito, que pensa igual ou
diferente, mas que, sobretudo suporta o outro dando condições para que se
floresça e cresça.
Porém, tudo isso sem engessamentos, sem um molde tão formal
que não seja dinâmico e possa ser adaptado, mudando, contextualizando
sempre que houver necessidades, sem contudo perder o conteúdo principal
do evangelho, que é Jesus, sua vida e obra.
Toda vez que colocamos o modelo antes das pessoas pecamos e nos
tornamos uma igreja que não é relevante nem para a vida dela mesma nem
mesmo para outros que estão de “fora” tentando ver Deus em meio a um
caos na vida.
A figura da igreja de Laodicéia no livro do Apocalipse é tremendamente
impactante. A igreja era uma igreja excelente, com um culto maravilhoso,
com tudo que podia ter na sua estrutura. Achava que estava com tudo,
pois cuidava de tudo que era necessário para que funcionasse, mas o texto
nos diz que essa igreja deixou a coisa principal para trás: o relacionamento
pessoal com Jesus. Ele estava do lado de fora, batendo na porta, tentando
entrar para estar com eles, mas parece que para a igreja de Laodicéia Jesus
não era mais necessário. Eles já tinham a estrutura e o substituíram.

Dualismo e pragmatismo
A vida evangélica contemporânea no Brasil, porém, é
tremendamente dualista e profundamente pragmática.
Dualista porque não consegue ver que o sagrado precisa invadir
a vida comum (profano) para exercer o seu poder de transformar
em puras coisas impuras e que esta separação de mundo da vida da

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igreja é contrária ao próprio discurso de Jesus em João 17, na sua
oração sacerdotal, onde ele pede ao Pai que não nos tire do mundo,
mas que nos santifique em meio a ele – ou seja, faça de nós, templos
andantes que somos, objetos que santifiquem o profano e ajudem na
transformação de coisas impuras em puras.
Pragmática porque instaurado este conceitual dualista é necessário
pensar que somente pessoas certas, fazendo aquilo que é correto darão o
resultado esperado por Deus e, portanto será o que Deus espera.
Um grande exemplo disso é visto na megalomaníaca ideia de
crescimento de igreja que temos em nosso contexto brasileiro (influenciado
de perto pelo contexto da América do Norte). Quando dois ou três pastores
se reúnem pra conversar alguma coisa invariavelmente a pergunta: “Quantos
membros tem a sua igreja?” vai estar presente. Acabamos por crer que as
metodologias, os modelos, as estratégias são em si mesmas eficientes para
dar vazão ao nosso apetite voraz por mais pessoas em nossos templos. Nada
mais pragmático do que: seja a pessoa certa, faça a coisa certa, faça no lugar
certo que dará tudo certo.
Há uma certa metodologia diretiva na maneira de agir do
evangélico brasileiro, que muito se assemelha (guardadas as devidas
proporções) da maneira do cristão da América do Norte em agir nas
suas relações, sejam com discipulado, com evangelização ou mesmo
com o aconselhamento cristão.
Geralmente existe a figura de um orientador. Alguém que sabe o
que faz e portanto é “superior” ao que está sendo alvo de sua ação. Ele, o
orientador é que dirige os passos a seguir, seja numa orientação bíblica ou
na evangelização ou mesmo no aconselhamento. Ele selecione os assuntos,
os tópicos a serem tratados. Ele também define os problemas e inclusive
responde às perguntas, mesmo que elas não tenham sido feitas pelo outro.
A partir disso, esse que está na figura de “superior” sugere um plano de ação,
metodologicamente pensado e sempre tem como base algo já escrito ou
mesmo prescrito por outros que fizeram o mesmo.
É uma tentativa de conformação da vontade, não da vontade de Deus
muitas vezes, mas da visão do «superior» qual seja a vontade de Deus.
Esse pragmatismo nós herdamos, de certa forma, da cultura
norte americana e gostamos destes modelos prontos, enlatados e que
simplesmente precisam ser replicados para que o resultado seja colhido

50 A cidade em perspectivas multidisciplinares


– mais pessoas em nossos bancos, mais eficiência no ministério pastoral,
maior eficácia de nossas estratégias, melhor relação custo-benefício em
nossos investimentos missionários. É necessário ter lucro, ter resultado
para que seja o correto a fazer.
Ao mesmo tempo, o pragmatismo emprega as soluções da pós-
modernidade, pois foca nos ‘resultados’ e na interação com estes.
A grande questão aqui, do pragmatismo que exala nas práticas funcionais
é que a verdade não mais importa em última análise, mas sim, como os
resultados vão aparecer e como serão vistos e principalmente como é que isso
vai impactar nossa vida eclesiástica, nos transformando em referência para os
outros, pois, estamos fazendo diferença em nosso contexto. Quase sempre,
em reuniões de liderança hoje, ouvimos sobre onde queremos chegar. Metas.
Resultados. Números. O trabalho em si, o caminho que se vai pagando preço
para estar mais perto do Salvador e da sua vida é substituída por gráficos e
relatórios de resultados no alcance de pessoas.
Prioridade total para “quando se faz o certo, dá tudo certo” ou
mesmo que se está dando certo é porque é de Deus.
Há vários perigos deste pragmatismo em meio à igreja. Ronaldo
Lidório, em seu livro “Plantando Igrejas” lista alguns:
1. O perigo dos resultados substituírem o caráter no perfil do
obreiro - o equívoco da valorização dos frutos em detrimento
do coração piedoso e crente;
2. O perigo de a capacidade humana substituir a procura por
dependência de Deus - O perigo de supervalorizarmos as
nossas estruturas no que tange a logística, conhecimento,
preparo acadêmico e capacitação em detrimento da prática
de viver, trabalhar e sonhar tendo, sobretudo no coração a
incrível convicção de que nós dependemos de Deus;
3. O perigo das estratégias certeiras substituírem o compromisso
com a Palavra no crescimento da Igreja e expansão da obra
missionária - nem tudo que dá certo é necessariamente
bíblico e íntegro;
4. O perigo do zelo teológico se divorciar da prática missionária
- de desenvolvermos um ensino teológico sem ligação com a
Igreja, sua vida e dinâmica. (Lidório: 2008, pgs 54 e 55).

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Mapeamento religioso
Para entender a cultura religiosa de um povo, de um grupo, de
uma cidade é necessário passar pelo menos por quatro grandes blocos
e responder as perguntas referentes à esse bloco:
A dimensão histórica do povo (grupo ou indivíduo)
Quem somos nós?

Como é esse ser humano integrando seu grupo e a humanidade?

Perguntas: Qual nossa historicidade cultural (passos e demandas que o


levaram a chegar onde chegamos)?

Quais são os nossos costumes e culturas (modos de vida e


convivência)?
A dimensão ética do povo (grupo ou indivíduo)
Como nós pensamos?

Que valores humanos e culturais temos?

Perguntas: Quais são as heranças que determinam nosso pensamento?

Quem é para nós o ‘ponto alfa’ (origem)

Quem somos nós a partir dessa origem, dessa formação?


A dimensão étnica do povo (grupo ou indivíduo)
Como vive o nosso grupo?

Quais são os fatores da etnia que são motivadores de


Perguntas: continuidade de existência?

Porque existimos como povo?

Qual a razão de ser de nossa comunidade?


A dimensão fenomenológica do povo (grupo ou indivíduo)
Que forças dominam em nosso meio?

Qual é a nossa religião?


Perguntas:
Como cremos no sobrenatural?

Quais são os elementos religiosos em nosso cotidiano?

52 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Conceitos Antropológicos de Comunicação
Já discorremos, ainda que resumidamente, sobre o entendimento
relativo ao sagrado e profano, tabus e assuntos pertinentes. Agora, no
entanto, devemos enfatizar a necessidade de se observar, de acordo
com os padrões de categorização social e religiosa, alguns conceitos
antropológicos de comunicação. Usaremos o contexto animista como
exemplo para tornar a aplicação mais clara.
Chamarei de comunicação integral o ato de se transmitir uma
mensagem de forma que a mesma possa manter a integridade de seu
conteúdo original (planejado pelo transmissor) e ser compreendida,
absorvida e traduzida para o contexto diário, por parte de quem a
ouve (o receptor). De fato a aplicação do conhecimento para facilitar
ou contextualizar a mensagem é um dos maiores desafios que
enfrentamos. Vejamos, por exemplo, o conceito de sacrifício. Para
a teologia cristã o sacrifício salvífico da pessoa de Cristo é resultado
da graça impagável de Deus o qual, movido pelo amor, providencia
uma forma de salvação do perdido. No mundo animista sacrifícios
são imediatamente interpretados. Tanto os elementos quanto as
motivações expiatórias. Neste caso a finalidade maior do sacrifício não
é de redenção mas sim de controle. Aquele que faz uso do sacrifício,
o beneficiado, o utiliza como uma forma de controle indireto da
entidade espiritual a ele associado. Não obstante vermos, portanto,
que em culturas africanas, por exemplo, os cristãos continuam crendo
que através de ‘sacrifícios voluntários’ como ofertas e abstinências,
Deus se tornará ‘submisso’ à Igreja.
É necessário, portanto, entender o mundo invisível do grupo
estudado, sua maneira de ver e interpretar a vida e o universo, e
também de absorver um valor comunicado.
É necessário entender que a mensagem do evangelho não é
uma proposta importada para a cultura alvo nem mesmo um diálogo
aberto onde valores bíblicos são negociados. É portanto uma resposta,
supra cultural mas culturalmente aplicável, de Deus para homens
de todas as culturas em todas as gerações, respondendo as questões
pessoais e culturais em uma sociedade. É por isto que enfatizamos a
importância de percebermos quais são as ‘perguntas’ que desafiam a

53
sociedade alvo, antes de começarmos a expor as respostas bíblicas.
Tradicionalmente o trabalho missionário envolve trazer o evangelho
como um pacote fechado que deve ser entendido em seu contexto
original. Entretanto, sem conhecer as questões que atormentam e
desafiam a cultura alvo, receptora, torna-se impossível abordar as áreas
de tensão na cosmovisão animista especialmente quando tratamos de
uma sociedade onde a base do princípio da vida está na possibilidade
de resolver problemas diários.
O resultado de uma apresentação do evangelho sem pré-análise
cultural tem sido ao longo da história o sincretismo religioso ou a
simples falta de entendimento do evangelho, resultando em afirmações
como a de Uikiid e H. Stuart acima.
No sincretismo religioso, o animismo e cristianismo dividem o
mesmo universo. Bem sabemos que o sincretismo religioso é o declínio
da influência cristã revelacional onde a possibilidade de apresentação
de um evangelho bíblico torna-se uma tarefa dantesca por pelo
menos duas ou três gerações. Na falta de entendimento do sentido do
evangelho, por outro lado, cria-se uma igreja imatura que dificilmente
experimentará um crescimento normal não sendo capaz de transmitir
o evangelho de forma que faça sentido ao restante do grupo. Um dos
grandes desafios que temos perante nós hoje é aprender com o nosso
passado e pregar um evangelho que faça sentido na sociedade.
Creio que, na tentativa de avaliar o impacto do evangelho em um
grupo que vive em contexto animista, há três principais questões que
deveríamos tentar responder:
• Eles percebem o evangelho como sendo uma mensagem
relevante em seu próprio universo? Para mim esta é uma
pergunta chave e está enraizada não meramente no conteúdo
da mensagem apresentada mas em sua compreensão.
• Eles entendem os princípios cristãos em relação a cosmovisão
do grupo? Aqui é ressaltado o conceito da interpretação e
compreensão, ou seja, em como determinada mensagem é
recebida e interpretada no grupo que a ouve.
• Eles aplicam os valores do evangelho como respostas para os

54 A cidade em perspectivas multidisciplinares


seus conflitos de vida? Destacamos aqui a aplicabilidade, ou
seja, nosso alvo é transmitir um evangelho que possa ser não
apenas compreendido individualmente em um momento
explicativo mas traduzido e incorporado na vida diária.

Nossa preocupação até o momento tem sido evitar que Jesus


Cristo seja apresentado apenas como uma resposta para as perguntas
que os missionários fazem – uma solução apenas para o mundo
externo. Contextualizar o evangelho é traduzi-lo de tal forma que o
senhorio de Cristo não será apenas um princípio abstrato ou mera
doutrina importada, mas sim um fator determinante de vida em
toda sua dimensão e critério básico em relação aos valores culturais
que formam a substância com a qual avaliamos o existir humano.
Então nosso alvo é contextualizar a mensagem. A pessoa do povo
onde trabalhamos deverá entender de fato e dizer: “esta mensagem
é sobre mim, sobre meu povo, para mim e para meu povo, responde
às angústias e a todas as perguntas que sempre fizemos, e responde
melhor que todas respostas que nossa religião dava, não apenas
melhor, mas perfeitamente para nossa necessidade, aplicando a cada
caso e a cada indivíduo”.
Para que isto aconteça é necessário observar alguns critérios para
a comunicação do evangelho:
Em primeiro lugar, toda comunicação do evangelho dever
ser baseada nos princípios bíblicos não sendo negociada pelos
pressupostos culturais das culturas doadoras e receptoras do mesmo.
Entendo que a Palavra de Deus é tanto transculturalmente aplicável
quanto supraculturalmente evidente. É portanto suficiente para todo
homem em todas as culturas e gerações.
Em segundo lugar, a comunicação transcultural do evangelho
deve ter como objetivo final ver a Igreja de Jesus plantada de forma
autóctone, com capacidade própria para expansão e amadurecimento.
O treinamento de uma comunidade com tal característica deve,
portanto, estar na mente do movimento missionário antes mesmo da
sua chegada.
Em terceiro lugar, a comunicação transcultural do evangelho
deve ser uma atividade realizada a partir da observação, estudo,

55
aplicação e constante reavaliação da cultura observada e da mensagem
que está sendo comunicada. O objetivo desta constante vigilância é
propor um evangelho que possa ser traduzido culturalmente fazendo
sentido também para a rotina da vida, da casa, roça, rua e trilha. É
necessário fazer o povo perceber que Deus fala a sua língua.
Fazendo isto esperamos apresentar Cristo como resposta para
as questões da vida no universo animista. Um Cristo que seja solução,
também, para seu mundo.

Informação, interpretação e associação


Repetirei aqui, intencionalmente, parte do que narrei na
intodução. Creio ser válido, nesta altura, relembrar nossa base teórica
de comunicação e seu processo.
Há uma clara diferença entre informação, interpretação e
associação. A informação é uma mensagem transmitida a outro,
seja de forma verbal, não verbal, escrita, encenada etc. Um indígena
caçador pode informar a um branco urbano sobre o uso da intuição
durante a caça. Apesar de ser, em si, uma informação, não significa
que será processada e compreendida devidamente. Isto porque só
compreendemos informações que possuam paralelo com um valor já
estabelecido.
A partir de tal paralelo geramos a interpretação e, posteriormente,
a associação. A interpretação, ou seja, a decodificação da informação se
dá a partir dos códigos conhecidos, em nossa própria cultura. Quando
a informação é passada de forma próxima o suficiente conseguimos
decodifica-la usando os codigos que já possuimos e utilizamos
em nosso dia a dia. Quando tal não funciona não há compreensão
da informação, ou há má compreensão. Quando funciona abre-se
uma janela para a associação. A associação se dá quando, após uma
informação ser recebida, compreendida e interpretada, o recptor
percebe um espaço em sua vida ou sociedade onde a mesma poderia
lhe ser util. A associação, portanto, é a apllicação de elementos
compreendidos e interpretados da informação.
A comunicação, portanto, pode ser definida como um processo
em que uma informação (formal ou informal) seja transmitida,
decodificada, interpretada e associada ao universo de quem a recebe.

56 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Isto independe, é claro, de sua aceitação ou rejeição.
Compreendemos uma mensagem quando conseguimos
decodifica-la. E para decodifica-la utilizamos os nossos próprios
códigos. O processo de criptografia utilizado para salvaguardar
mensagens confidenciais é semelhante. Uma mensagem, em Portugês,
por exemplo, passa por um processo criptográfico que a torna ilegível.
Para criptografa-la, porém, é necessário a utilização de um codigo
pre-definido pois este deve ser o mesmo utilizado para descodifica-la
e assim torna-la identica à sua forma original. Duas fontes distintas
(quem envia e quem recebe) precisa, portanto, partilhar o mesmo
código. As vezes, quando tal mensagem cai em mãos adversárias que
desejam lê-la, o que fazem é utilizar programas que possam descobrir o
código usado, ou um codigo próximo. Quando descobrem um código
próximo e o utilizam para ler a mensagem, conseguem muitas vezes
lê-la mas não com perfeição. Na guerra fria estes processos custaram
caro pois transmitiam mensagens partidas ou com sentido inexato.
O fato é que, quando mais próximo for o código mais perfeita será a
compreensão da mensagem.
Culturalmente falando possuimos códigos universais que
fazem com que a humanidade possa partilhar de valores também
universais. Possuímos, porém, códigos particulares que definem nossa
identidade social, grupal ou etnica. Tais codigos particulares fazem
com que compreendamos bem nossa propria mensagem mas, se a
transmitimos com nossos próprios códigos, aquele que a recebe terá
incrível dificuldade para compreende-la. A não ser se o agente que a
recebe possui habilidade para interpretar os codigos de quem a envia.
Ao transmitirmos uma mensagem, ou a mensagem do evangelho,
por exemplo, precisamos, assim, pensar nos códigos receptores. Tais
codigos são, possivelmente, o capítulo principal na vida de alguém que
deseja transmitir uma mensagem que seja plenamente compreendida.
Tais códigos receptores envolvem a língua, a cultura e o ambiente.
O que propomos aqui, de forma ilustrativa, é decodificar a
sociedade que há de receber nossa mensagem e utilizar tais códigos
para traduzir tal mensagem antes de ser enviada. Chegará de forma
clara, compreensível e aplicável. O trabalho, portanto, é feito na fonte,
ou seja, por aquele que pretende transmiti-la.
Desta forma uma comunicação tradicional para grupos

57
tradicionais, existencial para grupos existenciais, e assim por diante,
obterá uma boa possibilidade de que o fato comunicado ultrapasse a
fronteira da informação e possa ser interpretado, e também aplicado.
Isto porque estaremos transmitindo uma informação com códigos
próximos daqueles que a receberão, gerando maior possibilidade de
haver boa interpretação e consequente associação.

A Conversão em uma perspectiva cultural


Podemos pensar que especialmente em culturas progressistas
ou existenciais haja 3 ou 4 níveis no processo de transformação. A
conversão é um fenômeno que pode ocorrer fora de qualquer padrão
cultural como bem sabemos. Por outro lado é muito comum observar
que tal processo de conversão normalmente se dá dentro do padrão
cultural de transformação. Pensando em tal processo de mudança,
conversão, Marshall fala-nos sobre 3 etapas que nomeia como
observação, assimilação e conversão. Pensemos, porém em um nível
adicional: observação, assimilação, experimentação e conversão.
Há grupos, especialmente os mais existenciais, que valorizam a
experimentação, em que todo processo de transformação social se dá
de forma paulatina e gradual. Isto, pela necessidade cultural que há de
validar a transformação a partir da experimentação. Desta forma não
é incomum ver, em tais grupos, que o convencimento social sobre a
necessidade da educação das crianças, por exemplo, passe por diversos
altos e baixos. Ou melhor, um recorrente vai e vem onde os pais por
vezes apóiam tal projeto de educação infantil, por vezes voltam atrás e
o declinam. E isto por diversas e diversas vezes, até que a aceitação em
direção a proposta, ou declínio da mesma, ocorra.
Muito comumente somos tendentes a associar este
comportamento a inconstância, fraqueza moral, falta de segurança
ou mesmo organização. Porém trata-se simplesmente da dinâmica
social de transformação, que será sempre gradual e com base na
experimentação e comparação com o antigo, gerando assim idas e
vindas sucessivas. O mesmo ocorrerá em qualquer outro projeto ou
proposta, ou mensagem, que evoque transformação pessoal ou social.
Será necessário comparar e experimentar.

58 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Tenhamos em mente uma cultura tradicional, teófana e
existencial como base de nossa descrição abaixo. As possíveis etapas
no processo de conversão do povo serão.
1. Observação. Nesta etapa o indivíduo observa o que se passa e
ouve o que se ensina, sem demonstrar interesse. O agente transmissor
da mensagem – o missionário – não encontrará uma participação
relevante quanto à mensagem transmitida.
2. Assimilação. Nesta etapa há uma crescente comunicação
e o indivíduo de fato entende o que se deseja ensinar. Há geração
de interesse e ele passa a interagir, fazendo perguntas e talvez até
propondo aplicações. É o momento em que o grupo se reúne para
ouvir o evangelho, e com muita atenção.
3. Experimentação. Nesta etapa o indivíduo deseja participar.
Deseja orar, ler a Bíblia, faz perguntas, até mesmo testemunha e
compartilha processos de transformação em sua vida. Sua motivação
primária neste momento, porém, é a experimentação e assim,
freqüentemente, ele ainda pode retornar à sua religiosidade tradicional.
É um processo que funciona como um elástico longo, de idas e vindas.
Via de regra é a fase em que há maior desencorajamento para o
missionário ou pregador do evangelho pois se interpreta tal postura
como um abandono da fé. É fato que este processo de experimentação
não é indolor nem fácil, porém fatalmente ocorrerá, em alguns grupos
onde a transformação se dá de forma gradual e sempre com base na
experimentação. O que não impede casos, mais raros, de conversão
rápida segundo o desejo de Deus. Minha sugestão ao missionário
neste momento é tão somente exercer paciência e perseverança,
especialmente quando dolorosamente for observado que aquele
indivíduo que se entregou a Cristo e testemunhou publicamente da
sua fé procurou auxílio do curandeiro quando seu filho adoeceu. Nesta
fase a conversão ainda não aconteceu e tal indivíduo está a caminho
do que chamarei aqui de experiência maior e final, com Deus.
4. Conversão. Nesta etapa o indivíduo, convertido, olha para trás
e fala sobre sua experimentação e dificuldades, testemunha de sua
conversão encorajando aqueles que ainda estão no caminho. Não abre
mão das convicções bíblicas.

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Anotações
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60 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 7
A cidade e os movimentos eclesiais atuais
Novos Modelos de Igreja (análise dos movimentos atuais)
Por Rubens Muzio

Diagnóstico da Igreja
Como a igreja deve testemunhar de Cristo? A igreja não é
chamada como um fim em si mesma. Se ela não é um fim em si mesma,
então deve funcionar de acordo com o propósito para o qual Deus a
chamou para ser. A Igreja, ainda que seja uma realidade presente, é
também uma comunidade escatológica, uma comunidade que será.
Como o bispo Leslie Newbiggin coloca, “... [a igreja é] uma
comunidade in via, a caminho dos confins da terra e do fim dos
tempos”. E a igreja, apesar de presente, é também futura. Jesus disse:
“edificarei a minha igreja...” (Mt 16.18). Como a nova comunidade de
Deus, ela deve organizar a sua vida de acordo com a visão daquilo
que ainda há de vir. À medida que ela possa demonstrar esta nova
realidade dentro da comunidade, a igreja será bem sucedida na tarefa
de ser despenseira das bênçãos para a sociedade. Como a igreja não
tem vida alguma fora de Cristo, o cabeça da Igreja, ela não tem outro
propósito além do Seu propósito. Ele veio para edificar a Sua igreja
(Mt 16.17) e Ele ordena à sua igreja que pregue o evangelho do Reino
(Lc 4.43) e discipule as nações (Mt 28.18).
O retrato pintado por J. C. Hoekendijk’ da igreja como a “avant-
garde de Deus” apoia a ideia de uma igreja presente ainda que futura.
Ela é um corpo que se move inexoravelmente em direção à sua própria
plenitude avançando em estágios. A transformação de comunidades,
no sentido de que elas reflitam os valores do Reino, é a comissão
primária da igreja. Sua vida deve ser moldada pela visão do seu
Cabeça de “fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28.19). Os anjos
celestiais reiteram este fato de outra maneira ao dizer “o reino deste
mundo se tornou de nosso Senhor” (Ap 11.15). O formato e a textura

61
da era futura vêm até a realidade concreta. Karl Barth referia-se a este
aspecto da igreja como “a demonstração provisória de Deus da sua
intenção para toda a humanidade”.
Quero enfatizar as 4 marcas ou funções principais da igreja no
mundo: koinonia, kerigma, diakonia e marturia.
1. Comunidade – Koinonia
No Novo Testamento, a palavra grega para comunidade é
koinonia, uma comunidade de homens e mulheres que creem em
Jesus Cristo como Salvador e Senhor de suas vidas. Na união com Ele,
concretizada pelo arrependimento e fé, os pecadores salvos pela graça
de Deus são indissoluvelmente incorporados nesta comunidade ou
corpo. De uma maneira bem simples, a igreja como o corpo de Cristo
tem crentes em Cristo como seus membros. Isto é autenticado pela
presença do Espírito Santo nos membros e na comunidade.
Esta comunidade é a nova humanidade, porque em união com o
Cristo ressurreto, ela compartilha de Sua vida. O seu futuro está unido
ao Dele simplesmente porque a igreja é o Seu corpo, do qual Ele é o
cabeça (Ef 1.22). Este corpo é único já que Cristo “destruiu a barreira, o
muro de inimizade” (Ef 2.14) – não há mais judeus ou gentios, homens
ou mulheres, escravos ou libertos. Todos em Cristo se tornaram um
com Ele e com os outros. Os membros da igreja são espiritualmente
um (Ef 4.1-6).
Esta ideia de comunidade é fundamental para a nossa compreensão
da igreja. Jesus nos ordena que amemos uns aos outros como Ele nos
amou. Reconciliados com Deus e uns com os outros em Cristo, a igreja
recebe o ministério da reconciliação (2Co 5). Este ministério, para que
seja efetivo, requer uma demonstração prévia de realidade – a unidade
da igreja – antes que possa sequer falar de reconciliação ou participar
de qualquer mediação significativa em conflitos.
O fracasso de muitas igrejas de alcançar igualdade entre seus
membros, a integração racial e entre as classes sociais silencia a
mensagem de paz social em comunidades culturalmente pluralistas.
Cada vez mais, as igrejas falam da boca para fora de sua universalidade,
mas se mostram como grupos etnocêntricos na realidade. Ajith
Fernando, um respeitado líder e estudioso asiático, em sua exposição

62 A cidade em perspectivas multidisciplinares


sobre Efésios 2.13-16 a respeito de como a cruz quebra as barreiras das
diferenças e divisões, escreveu: “O preconceito tem sido um problema
porque todos estamos embebidos dos preconceitos de nosso meio,
onde se afirma ser um grupo superior a outro. Vindo de uma nação na
qual a tensão étnica tem causado muito caos, posso dizer que, mesmo
com respeito aos cristãos, os nossos preconceitos estão entre as últimas
coisas que o processo de santificação toca.
Os preconceitos podem dizer respeito à raça, classe, casta ou a
outro destes fatores terrenos que não são significativos na visão de Deus.
Aqueles que afirmam que não são preconceituosos são normalmente
os mais preconceituosos. E algumas vezes, os que afirmam ser
cristãos crentes na Bíblia são os mais anti-bíblicos com respeito a este
assunto.” A unidade essencial dos crentes deve ser experimentada em
comunidades multiclassiais, multiculturais e interdenominacionais,
como testemunho da Nova Criação em Cristo.
É claro que a questão é: “como os crentes podem estar em
unidade quando há uma série de razões para a diversidade?” As igrejas,
normalmente, estão divididas por causa de personalidade, cultura,
denominacionalismo, doutrinas, etc.
A imagem que Paulo tem da igreja reflete o mistério, a multiforme
sabedoria de Deus, que é brilhante como as cores do arco-íris e variada
como as múltiplas cores de um campo de flores (Ef 3.10). Ou seja, a
unidade cristã deve ser baseada na diversidade. De outra maneira, se
fosse sem diversidade, ela se tornaria uniformidade.
A igreja tem muitas partes como um corpo, mas é um só corpo
(1Co 12). Além do mais, se tudo é diversidade, o resultado é anarquia.
O lema de Agostinho foi adotado pela Assembleia da Aliança Evangélica
em Nova Iorque, em 1783: In Necessariis Unitas; In Dubiis Libertas; In
Omnibus Caritas. Isso pode ser traduzido como: nas questões essenciais,
unidade; nas não-essenciais, liberdade; em todas as outras, caridade.
Unidade nas experiências e cooperação funcional estão baseadas em um
núcleo irredutível mínimo de crenças.
Leith Anderson resumiu este núcleo doutrinário: “a Bíblia como a
Palavra de Deus, a Trindade, a deidade de Jesus Cristo, a reconciliação,
salvação e vida eterna”.

63
2. Proclamação – Kerigma
A palavra grega usada para a ideia de proclamação no Novo
Testamento é kerygma ou simplesmente “mensagem”. “Pregue a
palavra; esteja preparado a tempo e fora de tempo” (2Tm 4.2).
A proclamação autêntica do evangelho é outra marca
indispensável de uma igreja verdadeira. A igreja tem uma história a
contar. Na linguagem comum dos cristãos, a mensagem é que Deus
já derrotou “as potestades e principados” em Jesus e possibilitou que
homens e mulheres fossem “herdeiros” do Criador do mundo criado.
Deus, em Cristo, declarou o jubileu (Lc 4.16-21). Agora há
descanso, restauração e redenção pela fé em Jesus, nosso Salvador.
Em termos sócio-políticos, a igreja está tentando dizer que em meio
a esta confusão de revoluções, a revolução final e verdadeira está a
caminho e a batalha decisiva teve lugar no Calvário e no sepulcro. Esta
proclamação ou pregação do Evangelho é indispensável. Ela nega o
universalismo, o humanismo ou qualquer outra maneira de se lidar
com a condição humana do pecado. A proclamação tem basicamente
duas direções. Primeira, o evangelho deve ser proclamado na igreja.
Somos informados de que a igreja é feita de joio e trigo (Mt 13.25, 30,
36). A separação, contudo, terá lugar no dia do julgamento.
O Senhor ainda avisa à sua igreja que existem ovelhas e bodes no
rebanho (Mt 25.32). De fato, na igreja existem os “igrejeiros” e existem
os cristãos. O evangelismo na igreja é um ministério necessário.
Existe, assim, uma necessidade de reavivar a igreja, acordá-la
do seu sono e capacitá-la para a ação. Ao mesmo tempo, também
precisamos nos lembrar de que a participação no discipulado não é o
mesmo que a própria salvação. O joio e o trigo crescerão juntos.
A lição das cinco virgens néscias nos lembra que precisamos
estar vigilantes a todo o tempo para encontrar o noivo. Segunda, o
evangelho deve ser proclamado fora da igreja. Como Jesus disse, “este
evangelho do Reino será pregado em todo o mundo” (Mt 24.14).
Por esta razão, Cristo derramou o Espírito sobre o Seu povo. “Mas
receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão
minhas testemunhas... até os confins da terra” (At 1.8). O conteúdo da
proclamação cristã é Jesus Cristo.
A dimensão kerygmática do Novo Testamento se focaliza em

64 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Jesus como Senhor, Cristo e Salvador. No entanto, o que constitui a
proclamação?
Bultmann entendeu a proclamação ou kerygma primariamente
em termos de uma palavra ativa e efetiva, desafiando os seus ouvintes
a uma decisão existencial. Evidentemente, a proclamação que
tenha impacto e que seja persuasiva deve ter um bom conteúdo. A
proclamação do evangelho feita por Paulo focalizava a pessoa de Cristo
(Gl 1.16) e, mais especificamente, o Cristo crucificado e ressurreto dos
mortos (1Co 1.23; 15.23).
A centralidade da cruz de Cristo tem sido por muito tempo um
tema de destaque na teologia e espiritualidade evangélicas. McGrath
insiste “... que a Cristologia desempenha um papel decisivo na teologia
e reflexão espiritual evangélica, e fornece à teologia evangélica tanto a
sua coerência intelectual quanto o seu foco evangelístico e espiritual.
A questão ‘quem é Jesus Cristo?’ é, desta maneira, determinante para
todo o empreendimento teológico evangélico”.
Se orar é falar com Deus, então pregar é falar com o povo sobre
a Palavra de Deus. A pregação – evangelística e profética – é, desta
maneira, uma grande responsabilidade. Ela requer estudo e diligência
para a correta disseminação da Palavra. Como um grande pregador já
disse: um pregador que deixa de estudar perde o seu direito à pregação.
Essencial para a tarefa do ensino é a autoridade para o ensino: “a
ênfase evangélica sobre a autoridade de Jesus como ele é revelado na
Escritura (ao invés de como ele é construído pelos grupos de interesse
ou blocos de poder) é profundamente libertadora”. Esta crença
evangélica fundamental foi declarada com uma integridade eletrizante
na Declaração de Barmen (1934) quando o Nazismo tentava fortalecer
a sua influência sobre uma igreja alemã culturalmente condicionada:
“Jesus Cristo, tal como ele é descrito para nós na Santa Escritura,
é a Palavra de Deus que temos que ouvir e na qual temos que confiar e
obedecer na vida e na morte...
A igreja cristã é a congregação de irmãos e irmãs na qual Jesus
Cristo age presencialmente como o Senhor em Palavra e sacramento,
através do Espírito Santo. Como igreja de pecadores perdoados, ela
deve sustentar o seu testemunho em meio a um mundo pecaminoso,
com a sua fé e obediência, com sua proclamação e com sua ordem,

65
de que ela é posse dele apenas, e que ela vive e espera viver apenas
a partir do seu conforto e da sua direção na expectativa da sua
aparição...” O sentido da pregação cristã primitiva pode ser resumido
como “a proclamação da morte, ressurreição e exaltação de Jesus, que
leva à apreciação de Sua pessoa como Senhor e Cristo, confrontando
as pessoas com a necessidade de perdão e a promessa de perdão dos
pecados”. Esta mensagem sustenta que a vida, morte e ressurreição
de Jesus Cristo tornam possível uma nova forma de existência que é
manifestada em Jesus Cristo e evocada através de uma regeneração
realizada por Deus nos crentes enquanto são conformados com Cristo.
A pregação do Evangelho exige uma resposta de fé. Esta resposta de fé
deve ser alimentada dentro da comunidade da igreja através da qual o
crente encontra uma família, cresce em conhecimento da Sua palavra,
desenvolve os seus dons e serve a Deus no mundo. Não se pode apenas
pregar e deixar ao Espírito Santo os resultados. A obra de alcançar o
mundo com o Evangelho não é apenas de plantar, mas de regar, colher,
cuidar e liberar para o serviço ou as missões nos campos de colheita.
3. Serviço – Diakonia
Ministério de compaixão entre crentes. A palavra grega diakonia
é simplesmente traduzida por “serviço”. A ideia básica é a do serviço
à mesa, mas ela acabou sendo usada de maneira geral para serviço,
comumente para tarefas domésticas. Lucas, por exemplo, registra um
arranjo primário da jovem igreja em Jerusalém pelo qual os líderes
servem comida às viúvas e aos necessitados em comunhão (At 6.1).
No entanto, o sentido de serviço não pode se limitar a isto sem
se tornar barato demais. A igreja primitiva era uma comunidade
do jubileu. Eles compartilhavam as suas posses uns com os outros
de forma que ninguém estivesse passando por necessidade (At 4).
Quando a fome atacou a Palestina, a igreja em Antioquia contribuiu
para as necessidades da irmandade (At 11).
A relevância da diakonia para o ministério do crente é vista
em sua “qualidade especial de indicar muito pessoalmente o serviço
prestado a outro”. A palavra “diaconia” expressa melhor o conceito
de serviço em amor que qualquer outra palavra grega relacionada. A
Grande Comissão deve ser acompanhada pela Grande Compaixão em
atos como alimentar o faminto, cuidar do estrangeiro e do refugiado,

66 A cidade em perspectivas multidisciplinares


vestir os que estavam nus, visitar os prisioneiros... (Mt 25). A concepção
de Calvino sobre o ministério tinha dois aspectos: pietas, piedade,
devoção (ou obrigações, deveres de piedade, devoção... algumas vezes,
fé, adoração/culto) e caritas, amor (ou obrigações de amor).
No entanto, mais inerente à Reforma foi a dimensão interna
da piedade. E isso se desenvolveu em direção a uma comunidade
cúltica autocomplacente que minimizou a sua relevância funcional na
comunidade. A busca pelo equilíbrio no serviço cristão é uma tensão
contínua entre o serviço a Deus (leitourgia, adoração) e o serviço ao
próximo (diakonia, amor). Este equilíbrio, que é também o todo, é
expresso nas palavras de Cristo: “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo
o coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas
as suas forças... ame o seu próximo como a si mesmo” (Mc 12.30-31).
Estes dois mandamentos correspondem também às duas tábuas do
Decálogo: leis de um a quatro, sobre amar a Deus, e leis de cinco a dez,
sobre amar o próximo.
Como Elsie Ann McKee destaca, “... a vida regenerada do pecador
justificado tem dois focos principais: Deus e o próximo. Diante da
natureza destes dois objetos, é óbvio que as duas principais obrigações
do cristão não estejam em pé de igualdade, mas sejam inseparáveis. A
adoração a Deus sempre tem precedência em importância; o amor ao
próximo é o resultado inevitável. A adoração é a fonte do serviço.
Harvey Cox destaca que “diakonia realmente se refere ao ato
de curar e reconciliar, cuidar das feridas e superar as diferenças,
restaurando a saúde ao organismo”. Este alargamento do significado é
necessário. Mas isso também significa que, se curar trata de “reunir em
um todo, restaurando a integridade e a mutualidade das partes, então,
para que possa ser curadora, a igreja precisa conhecer as feridas da
cidade em primeira mão”. Isto requer que a igreja viva entre as pessoas
na comunidade, imersa em suas realidades, tendo empatia com as suas
necessidades e trabalhando com elas para otimizar as bênçãos do Reino.
Uma boa história bíblica é a do Bom Samaritano. O samaritano
ajudou o seu próximo em necessidade (a pessoa em necessidade que
está perto ou que é conhecida por você) não apenas com comida e
medicamentos. Ele ajudou até que o homem estivesse de pé, capaz de
cuidar de si mesmo. De fato, pode-se levantar muitas possibilidades de

67
ação social quando se contempla esta parábola. O serviço cristão deve
penetrar em cada camada da sociedade. Como o vento, o Evangelho
deve invadir toda a criação. Se a vida física é uma pressuposição
necessária para a proclamação do Evangelho, então a igreja deve
trabalhar com toda a humanidade e com estruturas que preservem a
vida e a dignidade humanas.
A preocupação evangélica não deve ser apenas com a proclamação
da graça salvadora de Deus, mas também com a promoção da graça
comum de Deus no mundo, pois a graça comum se destina tanto a
cristãos quanto a não-cristãos. Jesus disse que Deus “faz raiar o seu sol
sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mt 5.45).
Governo, escolas, comércio e mercados públicos são áreas legítimas para
o envolvimento cristão transformacional. Há uma razão pragmática
para isso, como Edmund Burke expressa claramente: para que o mal
triunfe, tudo o que é necessário é que boas pessoas não façam nada.
Deus está não apenas na Igreja, mas ele preenche toda a criação.
Escrevendo aos cristãos colossenses, Paulo disse que o mundo foi
criado por Cristo, para Cristo, foi reconciliado em Cristo e para Cristo
(Cl 1.16-20). Estas três responsabilidades – koinonia, a demonstração
do caráter da nova sociedade; kerygma, a proclamação do evangelho
que chama ao arrependimento de pecados e à fé em Cristo, e; diakonia,
reconciliação, cura e outras formas de serviço – são necessárias no
compartilhar das bênçãos do Reino à comunidade.
4. Testemunho – marturia
Além da proclamação do Evangelho está a necessidade de que os
crentes se tornem maduros. Paulo fala da meta que o crente deve ter de
ser maduro (Ef 4.13). E ele ainda exorta veementemente: “tornem-se
meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Co 11.1). Suas palavras
parecem sugerir que ser um cristão é “entrar em um relacionamento
tão íntimo e profundo com Cristo que os crentes, de certa forma,
começarão a imitá-lo em consequência deste relacionamento. Imitação
é, desta maneira, o fruto, e não uma condição prévia, da fé.
Tornar-se um cristão é começar o processo, não de conformar-se,
mas de ser conformado a Cristo. Não é tanto que nós sejamos ativos,
mas Deus é ativo neste processo”.

68 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A Palavra de Deus é indispensável para o discipulado. Paulo
exortou os cristãos colossenses a deixar habitar “ricamente em vocês a
palavra de Cristo” (Cl 3.16). O ofício do ensino da igreja é importante
para o discipulado. Nesta tarefa, o Espírito Santo, como professor, é
indispensável (Jo 16.13).
Além de ser o professor, o Espírito Santo é o capacitador dos
cristãos para a total entrega e obediência. Além do mais, a tarefa
do ensino (teologizar) inclui esboçar o conteúdo do Evangelho,
a autoridade do Evangelho e a aplicação do Evangelho na vida e
sociedade. O que exige uma exposição da revelação bíblica do Antigo
Testamento como Jesus fez (Lc 24.44) e do Novo Testamento, já que
“toda a Escritura é inspirada por Deus e útil... para a instrução na
justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado
para toda boa obra” (2Tm 3.16,17).
O chamado de Deus para a Sua igreja e o Seu povo inclui vocações
específicas. Alguns são políticos e outros negociantes. Algumas são
estudiosas enquanto outras são donas de casa. Alguns são fazendeiros
e outros pescadores. Deus está chamando o seu povo a “correr a
corrida que nos está proposta” (Hb 12.1). Todos têm um chamado e
uma vocação para exercer com grande diligência e excelência. Pense
na influência de Cristo através dos cristãos no desenvolvimento da
civilização ocidental! O alcance desta influência se estende desde os
fundamentos da democracia, indo até a ética social, a economia de
livre mercado, a ciência, a educação.

A igreja precisa recuperar a sua integralidade a


vocação.
Missão.
O Senhor da Igreja deu uma comissão contínua para a Sua Igreja.
Ele disse: “vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer
a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei com vocês, até o fim dos
tempos” (Mt 28.19-20). Esta missão deve ser conduzida fielmente e
cristologicamente.
Jesus disse: “assim como o Pai me enviou, eu os envio” (Jo 20.21).

69
A Grande Comissão é uma veia contínua que corre desde o Antigo
Testamento até o Novo Testamento. Tão cedo como no Gênesis,
vemos Adão e Eva levados para fora do jardim (Gn 3). Outra palavra
para levados é dispersos, que é a mesma palavra usada para descrever
o povo se dispersando depois de terem tentado construir Babel. É
também a mesma palavra usada quando os cristãos primitivos foram
dispersos como um resultado da perseguição que resultou no espalhar
do Evangelho por toda a Ásia Menor.
E Deus continua a “dispersar” o Seu povo de todos os lugares
para todos os lugares de forma que o Evangelho do reino seja pregado a
todo o mundo (Mt 24.14). A missão do Rei é estabelecer o Seu reinado
e domínio em todo o mundo e criação. Ele pretende reconciliar todas
as coisas em Si mesmo (Cl 1). E somos os “filhos da luz” que a criação
aguarda como parceiros de Deus em sua missão divina. Em união com
Cristo, Sua missão é a nossa missão.
A igreja deve ser capaz de declarar com o apóstolo Paulo: “eu lhes
declaro hoje que estou inocente do sangue de todos. Pois não deixei de
proclamar-lhes toda a vontade de Deus” (At 20.26-27). É necessário
equipar-se, de forma que haja a assimilação de um evangelho integral
pelo indivíduo crente, por cada família, por cada igreja. A visão de toda
comunidade da fé deveria ser o trabalho, ao lado de Deus, de colocar
toda a comunidade e todo o país sob o Seu domínio ou cuidado, de
maneira que houvesse suficiência econômica para todos, paz social,
que os governantes governassem em justiça, que houvesse retidão e
respeito pelo que pertence aos outros e que o Evangelho fosse pregado
e uma igreja fosse plantada em cada cidade ou grupo de pessoas.

70 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 8
a cidade e os movimentos evangélicos atuais
Diagnóstico dos movimentos atuais
A mensagem do evangelho tem se tornado estranha para muitos,
não respondendo às expectativas ou perguntas feitas pela nação
brasileira. Algumas vezes, porém, tem se visto um diálogo-aberto que
também não responde aos anseios, apenas adequa-se a mensagem
e o seu conteúdo “retirando” forçosamente tudo o que possa causar
desconforto.
O que este breve estudo se propõe é analisar o contexto em que
se encontra hoje a igreja evangélica brasileira, olhando com firmeza e
isenção, a mais possível, para a igreja de forma séria, mas perguntando
muito mais que respondendo.
Na tentativa de utilizar todo o conhecimento da contextualização
do evangelho, afinal sobre o brasileiro pesa a égide da adaptação,
vem acontecendo um extremo, onde as vezes cria-se uma sub-
contextualização (há uma barreira que protege os valores e modo de
vida evangélicos) ou então vai para para a hiper-contextualização,
numa tentativa utópica e surreal de estabelecer uma “nova cosmovisão”.
O proposto aqui é a atitude de pensar a igreja sobre os seus
acertos e desacertos, para que neste assumir de erros se vá até onde
geração nenhuma foi e ver o Brasil sendo transformado pelo plantio
e reestruturação de igrejas saudáveis, que tenham o que dizer que
saibam o que dizer e que principalmente vivam o que dizem.
Como seria por demais vasto o estudo de acertos e desacertos da
igreja evangélica brasileira nos seus mais de 150 anos e presença em
quase todo o território nacional será tratado neste estudo de erros que
afetam o reino de Deus de forma ampla, que não seja especificamente
localizado que não se reproduza com clareza em outros cantos.
Procurar-se-á por uma visão antropológica da situação. O
método (do grego, methodos, vocábulo composto de meta = junto
de, ou ao lado de e hodos = caminho etimologicamente significa
atalho, rodeio. É, pois a maneira de, ou o caminho seguido para, se

71
alcançar um objetivo. Compreende uma serie de técnicas) científico
quer demonstrar pelo experimental a realidade que se propõe sendo
eminentemente indutivo, partindo de observação de casos até chegar a
uma lei universal, também valida para casos não observados. O método
cientifico é um método analítico, pois parte de casos particulares para
chegar à síntese, à sistematização.
A ciência utilizada para esta leitura que se dará daqui é a Antropologia.
Não uma antropologia geral, mas um ramo dela, a antropologia cultural
que se propõe a estudar a obra humana que se denomina cultura, incluindo
ai conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras
capacidades geradas ou adquiridas pelo ser humano enquanto vive em
sociedade.
Especificamente no caso do estudo presente, usaremos a antropologia
missionária, pois em conjunto com a missiologia e teologia são as ferramentas
para uma análise mais acurada, investigativa e conclusiva para o estudo do
reino de Deus e sua expansão.
Segundo Luiz Gonzaga de Mello, Lévi-Strauss indica que a
antropologia tem suas divisões e, portanto antropologia social e cultural são
apenas dois nomes dados para a mesma disciplina. (Mello, 1982, pg 25)
Ainda sobre a antropologia, Durkhein diz que os “fenômenos
religiosos colocam-se naturalmente em duas categorias fundamentais:
as crenças e os ritos. As primeiras são estados de opinião e consistem de
representações; as segundas constituem tipos determinados de ação. Entre
estas duas ordens de fato esta toda a diferença que separa o pensamento do
movimento”. (Durkhein, 1971, pg 72)
A estrutura seguida neste trabalho será determinada por esta
premissa – de um lado olhando para as crenças (as maneiras expressas
da fé da e na Igreja) e por outro olhando a prática desta mesma crença na
forma ritualística – estabelecendo desta forma um olhar crítico para
a ortodoxia (o conjunto da fé ou crença) e a ortopraxia (a prática
referente ao que se crê), vendo assim acertos (comparativamente) e
desacertos entre o que se crê e o que se vive no meio da igreja.
1. ANÁLISE DO MOVIMENTO ECLESIÁTICO BRASILEIRO
Esta não é uma analise profunda e ampla, mas uma visão
limitada a espectros da igreja evangélica brasileira, como bem trata da

72 A cidade em perspectivas multidisciplinares


conceituação sobre o método científico, estudando atitudes e crenças
para então chegar a uma síntese. Ao propor uma análise, pretende-se,
estabelecidos os critérios, olhar a igreja de forma antropológica, não
apenas objetando entre o certo e o errado, mas tratando da igreja, seus
membros, práticas e teologia como objeto científico de estudo de caso.
Muito se poderia dizer sobre a igreja, muitos livros já foram
escritos e o que pretende se estudar aqui não é nenhuma novidade, mas
ao analisar a igreja do ponto de vista antropológico quer se enxergar
o que obviamente não pode ser visto pelo prisma denominacional ou
mesmo apenas teológico sistemático, pois a isenção seria bem menor
– ao partir de um ponto focal – sistemático – limita-se o objeto de
estudo a um lado apenas. Ao olhar sem o ponto focal teológico ou
mesmo eclesiástico tende-se a notar fatos, que isoladamente passam
despercebidos, mas juntos com outros refletem as características, as
conformações ou in-conformações que a igreja evangélica brasileira
tem em seu contexto diário.
Há hoje na igreja um grande abismo que distancia o que se
crê – Ortodoxia (que bem poderia ser denominada de o conjunto
das coisas que se crê) - e como age em sua vida prática – Ortopraxia
(chamando ortropraxia aquilo que é o fruto prático da vida cristã de
fé). A ortodoxia e a ortopraxia deveriam andar juntas, no entanto
percebe-se um distanciamento cada vez maior entre ambas.
A igreja é capaz de crer no amor cristão mesmo contemplando
terríveis choques denominacionais dentro do seu próprio corpo; crê-
se na comunhão entre os santos mesmo com alguns possuindo mais
do que necessitam e outros que nem sequer alimentos têm à mesa;
crê-se na unicidade do corpo de Cristo mesmo com grupos que se
negam a adorar a Deus em conjunto com outros irmãos; crê-se na
igreja como célula de expansão da fé cristã ao mesmo tempo em que
se nega qualquer envolvimento financeiro, litúrgico ou humano com
a evangelização fora da jurisdição local; crê-se na universalidade do
Corpo de Cristo sem permitir ceder o “pastor local” para qualquer
trabalho fora da “igreja local” e assim por diante.
A Igreja parte ao meio a sua própria Eclesiologia, pois se a igreja
evangélica brasileira agisse segundo os fundamentos teológicos nos
quais afirma crer, seria uma potência evangelística capaz de chocar o

73
mundo, porém não há uma associação muito convincente entre a ação
da igreja e sua teologia.
Sabendo disso, pode-se afirmar que nenhum despertamento
missionário irá acontecer enquanto não houver disposição para se
viver segundo o que se crê, pois os que serão evangelizados pela igreja
precisam ver nas suas práticas a sua prédica. É preciso voltar a ser uma
igreja visionária, que traduza a sua teologia perante a gritante angústia
do mundo sem Deus. Que tenha os valores do Reino, que entenda de
uma vez por todas que “uma alma vale mais que o mundo inteiro”, que
abdique de seus portentosos edifícios de concreto e invista naquele que
é alicerçado na Rocha o qual nunca cairá, que ofereça sua vida, seus
olhos, suas forças para que ao fim, com lágrimas nos olhos e alegria
nos corações contemplem, ajoelhados, lado a lado, homens de todas as
extremidades da terra louvando ao Cordeiro Jesus, formando com os
santos de todas as gerações a grande multidão dos salvos no último dia.
Uma igreja visionária é uma Igreja que põe a mão no arado e ara a
terra, porém parece que se quer ver a terra sendo arada sem que as mãos
sejam colocadas no arado, parece que a Igreja foi “retirada do mundo”
não apenas na terminologia da santidade, onde a contaminação com
o sistema pode fazê-la “conformar-se” com o presente século, mas sim
foi retirada num isolamento institucional e gerando desta forma um
individualismo exarcebado que leva os cristãos a se posicionaram longe
de qualquer envolvimento mais direto com tudo o que é necessário
para o cumprimento da missão da Igreja, que é segundo Russel Shedd
em uma palestra, “agir com Deus em co-missão, já que a Missão é de
Deus e a igreja é sua cooperadora”.
1.1 Caracterizando a época
Caracterizando mesmo que rapidamente o que entende-se
sobre a pós-modernidade pode-se afirmar que uma transformação
acontecendo, isso já se nota claramente na arquitetura, nas artes, na
filosofia, ou seja é um fenômeno cultural amplo. Grenz afirma que
“estamos passando por um deslocamento cultural” (Grenz, 1997,
p.16). Esse deslocamento molda todo o pensamento da vida do ser
humano, quer sejam nas artes, filosofia, cultura em geral e não seria

74 A cidade em perspectivas multidisciplinares


diferente no âmbito religioso ou teológico. O termo talvez venha ser
utilizado a partir da década de 30, mas somente na década de 70 é que
ganha realmente destaque. Grenz também nos informa que “quaisquer
que sejam os outros significados que se possam atribuir ao pós-
modernismo, conforme indica o termo, sua significação relaciona-se
com o deslocamento para além da modernidade” (Grenz, 1997, p. 17).
A modificação da época exige melhor conhecimento dela para
que se possa não somente interagir, mas proceder com a sua Missão e
“seria irônico – se não fosse trágico – se os evangélicos se tornassem
os últimos defensores da modernidade já moribunda. Para alcançar as
pessoas no novo contexto pós-moderno, devemo-nos lançar a tarefa
de decifrar as implicações do pós-modernismo para o evangelho”
(Grenz, 1997, p. 28).
Francis Shaeffer, um dos grandes expoentes cristãos do século
XX, durante uma aula devocional afirmou que “podemos medir a crise
de toda a humanidade pela crise de um só homem. Quando a mentira,
o suborno, o rompimento dos laços da família, o amor livre entre os
jovens e o entorpecimento pelas drogas tornam-se comuns e naturais
para o indivíduo, então poderemos ver que o mundo está em crise e
ensinou àquela mente, individualmente, quais são as novas regras do
jogo”. (Shaeffer – “Devontion” – Não publicado)
Apesar de Francis Shaeffer pertencer à “modernidade” em sua
análise e vida entendo que esta sua descrição sobre as novas regras do
jogo evidenciam uma projeção do ser humano na “pós-modernidade”.
Apesar de muitos olharem e enxergarem que esta crise de
mudança é ruim, penso que a crise é o prenúncio de mudanças e por
isso é necessário analisá-las para entender tanto o processo como o
resultado e a partir daí ver que mudanças podem trazer benefícios
duradouros. Quando entra-se em crise existe a possibilidade da
intervenção de Deus e apesar dos sentimentos em torno das mudanças
não há o que se fazer – é inevitável para onde o mundo e sua cultura
estão caminhando. Ou acompanha-se ou a vida não fará mais sentido.
A mudança ocorrida na época da igreja primitiva que Lucas
analisa bem, no livro de Atos, onde encontramos uma igreja em crise
– crise porque Jesus já fora para o céu; crise porque eram poucos e

75
pequenos; crise porque não tinham influência para mudanças; crise
porque não sentiam-se preparados e outras infinitas crises pessoais
e comunitárias leva-nos a pensar no fracasso da vida comunitária.
Ronaldo Lidório analisando o livro de Atos diz que:
Lendo o livro de Atos com os nossos olhos humanos,
encharcados dos critérios simplistas que definem sucesso
e fracasso em nossa geração, veremos apenas um bando de
fanáticos vivendo uma ilusão e pagando por isto um preço alto
através do sofrimento, da tristeza e da melancolia. Veremos a
Igreja deixada só no capítulo 1; Pedro e João Presos no capítulo
4; Dois mentirosos no capítulo 5; Os apóstolos presos ainda
no capítulo 5; Estevão apedrejado no capítulo 7; Toda a Igreja
perseguida no capítulo 8; A Igreja dividida entre pró-gentios
e antigentios no capítulo 11; Paulo perseguido, açoitado,
aprisionado, banido e humilhado do capítulo 13 ao capítulo
27; A expectativa do assassinato do apóstolo entre os gentios
no capítulo 28. Se lermos este livro com olhos humanizados
veremos um povo que sofre e termina em martírio por causa da
fé que abriga. Mas precisamos olhar além dos acontecimentos
individuais; além do horizonte humano; além das cores que
pintam a matéria; precisamos olhar além da vida; precisamos
olhar com os olhos de Deus. (Lidório, 2000, p. 9)
Essa é basicamente a crise por qual a igreja evangélica brasileira
passa, apesar do pós-modernismo ainda não estar “completamente”
presente no país, sendo que enxerga-se o seu brilho aqui e ali, em
situações específicas, até porque não se pode falar sobre o pós-
modernismo como uma coisa concreta, porém, como Grenz afirmou
que é uma mudança cultural que vai além da modernidade.
O espírito da pós-modernidade porém, encontra-se presente
nos círculos de relacionamento, principalmente porque que a igreja
sempre está um pouco atrasada em relação às mudanças, quase sempre
correndo atrás do prejuízo e não antevendo crises, enxergando sua
época para saber o que deve fazer.
Robson Cavalcanti em um artigo publica na Ultimato diz

76 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A diversidade institucional, litúrgica, doutrinária, ética e
política, entre outras variáveis, indicam a quase impossibilidade
de se estudar o fenômeno como um todo e dele se extrair
generalizações. É possível que não haja um protestantismo
brasileiro, mas protestantismos no Brasil. Neste país, onde
convivem o cosmopolitismo globalizado, o nacionalismo e um
vigoroso regionalismo, consolidamo-nos como uma sociedade
multicultural e religiosamente plural (Cavalcanti, 2002,
Ultimato 278).
O Brasil, por força até mesmo da sua formação como nação possui
um veia pós-moderna, devido ao nosso caldeirão cultural, porém,
temo que a população evangélica se escora nas suas simpatias pessoais
para medir e estabelecer o padrão de seu comportamento o que reflete
na vida prática da igreja. Aqui em Londrina, para dar um exemplo,
acompanhando o ocorrido em outras partes do país encontram-se
alguns evangélicos que se orgulhavam de já ter pertencido à mais de
dez igrejas diferentes, pulando de uma para a outra assim que não
sentiam que seus desejos pessoais estavam sendo satisfeitos – este é o
próprio espírito da pós-modernidade instalada no seio da igreja e, ou
saber-se-á identificar e agir no meio dela ou simplesmente a igreja será
“deixada para trás”.
Ainda outro fenômeno que não é prioritariamente de Londrina,
mas a partir da investigação pode-se ter uma vasta visão da dura
realidade que cerca a Igreja, é o que se chama de “múltipla pertença” –
que é a vida daquele membro de determinada igreja que no domingo
está em um culto numa comunidade, na segunda frequenta uma
reunião de célula de outra comunidade, na terça assiduamente vai até
um culto de tarde em uma terceira comunidade, na quinta em outra e
assim até completar o seu círculo semanal. Ele não tem um sentimento
(em contraste com o sentimento da modernidade) de pertencer a uma
comunidade, ter ali a sua identidade definida.
A crise pela qual a igreja passa é uma crise forte de identidade e
isto se deve principalmente ao fato da igreja foi “implantada” no Brasil
e não “plantada” como é de se esperar que aconteça. A implantação
de uma igreja pressupõe também a morte da “contextualização” ou a
“inculturação”, sendo que a igreja veio, foi inserida no Brasil, mas tem

77
suas características fortemente marcadas por uma presença estrangeira,
um jeito estrangeiro de ser, que olha para o puritanismo americano ou o
pietismo europeu como sendo o suprassumo da espiritualidade e tudo o
que é culturalmente definido como brasileiro fica de fora dos cultos até
há bem pouco tempo atrás. A identidade da igreja evangélica brasileira
é estrangeira, precisa de visto para estar no Brasil!
1.2 Perfil da atuação da igreja no Brasil – posturas culturais
Pode-se perguntar: qual é o perfil de atuação da Igreja? Pensando
na questão da definição cultural a igreja tem tido, em diferentes
condições as seguintes posturas e que enumeradas poderiam servir
de base para um entendimento cultural a partir do pensamento
evangélico no Brasil.
Em primeiro lugar existe uma superioridade latente – encara-
se muito do evangelho como sendo um mantra mágico que venha
solucionar as mazelas do povo ante sua simples aceitação – transforma-
se deste modo a encarnação em um simples símbolo desprovido de
imitação.
Segundo, há um caráter acusatório na vida da igreja – tem-se
em muitos círculos certa empatia com as necessidades brasileiras –
nordeste, sofrimentos dos pobres marginalizados, menores infratores...
Mas o principal papel da igreja tem sido acusatório, onde o lema
poderia ser traduzido como: isso nunca aconteceria se não fossem
pecadores – substituindo a fala de Jesus que não veio para “sarados”,
mas para pecadores e doentes em um discurso pobre e interesseiro.
Em terceiro lugar quase sempre é alienante – muito desta
postura deve-se ao fato da superioridade, onde se cria uma redoma
de proteção de valores e assim o evangelho só faz sentido dentro das
quatro paredes da Igreja e nunca na sociedade, pois “ir pra fora dos
portões da igreja” ainda é considerado em muitos círculos como uma
quebra da santidade (encara-se santidade como o movimento de ser
separado do mundo e suas mazelas), porém o que dizer da oração
de Jesus quando ele argumenta que não pedia ao Pai que tirasse os
seus discípulos do mundo, mas os santificasse dentro dele? Esse ser
“alienígena” não se parece com um discípulo de Jesus, ou pelo menos
não se parece com a visão que Jesus tinha para os seus discípulos, antes

78 A cidade em perspectivas multidisciplinares


o discipulado era encarnacional, pois, eram levados a pensar no que
Jesus mesmo tinha feito, ao deixar o seu “mundo perfeito” entrando,
encarnando, despindo-se de glória e poder para se tornar ser humano.
O quarto ponto é que a igreja parece sempre depressiva – o
simples fato de se viver ou se ter fé caracteriza os fiéis como seres que
não são cientificamente “inteligentes”, pois para muitos ter fé é algo
contrário à academia, ao crescimento intelectual. Se por um lado existe
um isolamento de “intelectuais” que pensam na igreja como um covil
de pessoas sem inteligência existe do lado oposto o pensamento de que
ciência, sabedoria, estudos são contrários aos princípios bíblicos. Existe
uma máxima onde se faz uso de um texto fora do seu contexto para
provar algo que não tem sentido – “a letra mata” é utilizado por muitos
para combater até mesmo o estudo teológico – pois argumentam que
apenas é necessário o Espírito Santo e suas experiências pessoais para
ter-se um ministério eficaz.
Em quinto lugar a igreja é paternalista e movida por interesses
– muitos dos seus membros exprimem: “Investi muito dinheiro nessa
Igreja” como se fosse um comércio e ele fosse um benfeitor – o que
deixa claro que ele quer ser bajulado e precisa de retorno, lucro. A
igreja deixou o princípio de Jesus de servir para desejar ser servida.
Muitos vão aos cultos não para render uma adoração a Deus ou
para prestar-lhe culto, mas sim para ter suas necessidades pessoais,
financeiras, de saúde satisfeitas. A fé é o produto que comercialmente
definem ao entregar os seus dízimos, ofertas, bens ou tempo para
Deus. É barganha, é troca.
Em sexto lugar a igreja tem sido duramente conivente - “para
ser aceito é necessário ser um deles” é o lema da postura conivente
da Igreja – se aceita sem reservas atitudes pecaminosas que geram
mazelas, liberalidade sexual, suborno, corrupção gerando enorme
irresponsabilidade social pelo simples fato de ser uma igreja alienada
da sua realidade, implantada desde o princípio com sentimento rígido
de que o que existe no Brasil é pecaminoso, por isso nocivo e deve estar
fora do convívio da igreja que quer buscar santidade. Essa alienação é
que leva a igreja ser conivente, pois deixa sua voz profética em troca
de um “bem estar”.

79
1.3 Causas que comprometem
Quais são as causas de todos estes erros? Passam logicamente
pela má utilização da Bíblia, interpretações comprometidas geram
uma exegese falida e partidária.
A igreja tem uma dificuldade em entender o mundo que a
cerca, onde ela está culturalmente inserida devidos principalmente a
dois fatores básicos: 1) a igreja tem uma péssima leitura da realidade
que a cerca, muitas vezes mascarando-se realidades para justificar
eclesiasticamente esta ou aquela atitude e 2) interpretação errada das
Escrituras e que por consequência geram erros teológicos para o dia-
a-dia (boca a boca) nos membros das igrejas criando as “superstições
hermenêuticas” como também erros de ensino nos púlpitos, onde a
preocupação em agradar, o dia-a-dia corrido perturba ao ponto de não
se fazer um exame mais profundo e minucioso (exegeticamente) do
texto pregado além de produzir por tabela erros em livros teológicos e
principalmente nos chamados devocionais.
Há pelo menos 3 grandes causas para tudo isso: 1) desvalorização
da erudição (acadêmica) por parte do povo evangélico, observando
com isso uma dissociação entre evangelho e cultura, o acadêmico e o
prático, a emoção e a razão, o experiencialismo e a objetividade; 2) há
uma grave fragilidade (talvez uma tremenda falta de profundidade)
nos cursos bíblico-teológicos das escolas, seminários e faculdades
teológicas principalmente na parte missiológica, que daria para
o líder uma visão da realidade profunda e duradoura e por último
3) a desvalorização por parte da igreja do ensino nos seminários e
faculdades teológicas, criando um bolsão de supervalorização do
místico em contraste com o erudito ou acadêmico.
Estes fatores agregados a estas causas têm consequências e elas
são em grande parte o que gera a deficiência da vida evangélica no país.
Apesar de a igreja ter uma quantidade enorme de pessoas por todo o
Brasil ainda se vê pouca (ou quase nenhuma!) influência nas tomadas
de decisão ou mesmo uma decisão firme da igreja em tornar a sua
voz profética ouvida e quando há não se espera que sua manifestação
surta algum efeito, pois a máxima é que o “mundo jaz no maligno” e,
portanto não se deve esperar mudanças.

80 A cidade em perspectivas multidisciplinares


1.4 Consequências das deficiências
Há consequências e, portanto é necessário olhar para elas.
Em primeiro lugar há desvalorização da Bíblia, o que gera crentes
deficientes e sem a edificação necessária. Segundo, como fruto
do primeiro, a superstição, o misticismo, as crendices, as lendas
e os contos fantásticos tomam contam do imaginário evangélico,
substituindo a Palavra de Deus e em terceiro lugar há uma desarmonia
na vida do crente evangélico brasileiro em geral, quando se vê pesos,
imposições, dores e sofrimentos impostos em nome de Deus por parte
de líderes fazendo com que o povo seja triste e infeliz, mesmo tendo a
felicidade tão perto da porta a deixa passar e ir embora. Preconceitos
que escravizam, cargas que são carregadas erroneamente causando
dores além das que podem suportar. Em quarto lugar, há um abismo
de comunhão entre crentes de diversas denominações, onde alguns
vivem escravizados e outros num abismo libertino e não podem
ajudar-se mutuamente devido a dificuldade de relacionamento entre
suas denominações, suas lideranças ou mesmo suas crenças (grande
parte fábulas sem qualquer embasamento exegético ou hermenêutico).
A quinta consequência que se deve enumerar é a interpretação da
vida dos crentes por aqueles que não estão dentro dos seus arraiais,
ou seja, homens e mulheres, sem religião, ou avessos à ela, ou mesmo
de religiões diferentes da evangélica, cientistas políticos, antropólogos,
sociólogos, médicos, advogados etc, interpretam a vida cristã a partir
da vida daqueles crentes que os rodeiam e assim veem as muitas
dificuldades de unidade na exegese e interpretação da própria escritura
que a igreja tem por regra de fé e prática, gerando uma desconfiança
razoável por parte dos observadores.
Baseados nesta análise, inda que breve, há de se indicar também
uma necessidade óbvia: ouvir o que a Bíblia tem a dizer, pois ela tem
o papel norteador para a vida igreja e, portanto deve ser consultada
para responder aos anseios, desejos e dificuldades que advenham no
dia a dia.

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2. CONFORMAÇÃO E SECULARIZAÇÃO
A análise, inda que pequena e pouco extensa, devido ao
comprometimento com este trabalho assim mesmo nos informa da
realidade vivida pela igreja evangélica brasileira em todos os cantos
da nação. A pergunta que deve ser respondida agora é: biblicamente,
pode-se ter também uma visão de que a realidade da igreja vivida,
apesar de muito ser necessário à sobrevivência nestes tempos “pós-
modernos” para com isso haver um confronto entre realidade e fé?
Entre santidade e insanidade?
2.1 Paulo roga pela não-conformação
Paulo em sua carta aos Romanos escreve aos crentes, logo no
primeiro século. Nos primeiros onze capítulos a grandeza da salvação
que é oferecida é finalizada com um lindíssimo hino de louvor à
grandeza de Deus (Romanos 11.33-36) e logo a seguir, no capítulo 12
ele abre a conversa com o tom de exortação, querendo logicamente
mostrar que tudo o que foi falado até aqui tem um propósito – ou
seja, a salvação oferecida tão abundantemente por Deus para eles não
deveria morrer sem antes frutificar para o que foi proposta por Deus
mesmo desde o princípio. Então ele diz:
“Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que
apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este
século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que
experimenteis qual seja boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”
(Romanos 12.1-2)
Ao rogar Paulo está apelando para sua autoridade apostólica.
A expressão usada aqui para rogar (parakaleo) era usada no grego
clássico para exortação de tropas que estavam indo à batalha e quando
ele escreve o texto, quer que seus leitores o entendam de forma
concreta e forte, por isso, após apelar pelo peso da sua autoridade
apostólica junto aos crentes romanos ele expressa “pois”. Na língua
grega é uma referência ao argumento anterior – ou seja, os capítulos
anteriores, começando do primeiro capítulo indo até o 11.36; nesses,
Paulo apresenta a verdade de Deus e diante do conhecimento de tal

82 A cidade em perspectivas multidisciplinares


verdade ele exorta, apela (parakaleo - rogar) para aqueles que estão
indo à batalha como bons soldados a apresentar (parastensai) os seus
corpos, entrando com outra palavra que é um termo técnico para a
apresentação do sacrifício no templo ou tabernáculo.
Parastensai significa literalmente “colocar de lado” e o apóstolo
está exortando a igreja que não viva para si mesma, mas baseados no
conhecimento da grande salvação que Deus proporcionou (Romanos
1 a 11), através da misericórdia de Deus, não vivam para si mesmos,
mas apresentem os seus corpos como sacrifício ao Senhor.
O corpo que Paulo refere-se aqui não é apenas uma visão carnal,
mas ele utiliza a palavra grega somata que dá a idéia de personalidade,
ou seja, a plenitude existencial da qual o ser humano é composta.
A apresentação do corpo (somata - quem realmente somos) como
sacrifício (thysian – oferenda, sacrifício) é a afirmação de Paulo para
o que o Senhor Jesus disse àqueles que desejam segui-lo – “Se alguém
quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”
(Mateus 16.24) – apresentar-se a Deus, com tudo o que se tem, tudo o
que se é antes de mais nada é negar a si mesmo – este é o sacrifício, esta
é morte que o Senhor deseja e que deve ser o alvo da vida do crente –
morrer para si e viver para Deus!
Ao apresentar um sacrifício e este vivo o apóstolo quer
demonstrar que a vida anterior (a personalidade, a totalidade daquilo
que se é) não será destruída, não é pra se tornar um ser alienado
dentro de uma redoma supra cultural evangélica, mas aquilo que se
é deve ser apresentado a Deus como sacrifício. É necessário entender
que por sacrifício não deve se entender esforço, sofrimento etc.
Necessariamente não é esse tipo de sacrifício que o apóstolo Paulo
tem em mente, pois não teria mais valor algum, pois traria desonra
para a cruz, que aniquilou todo e qualquer sacrifício cerimonial da lei,
por isso sacrifício vivo!
Paulo então passa a explicar o que deseja dos crentes romanos e em
primeiro lugar fala para que ... não vos conformeis – syscrematicseste
- presente, mas na voz passiva. O verbo indica a adoção de uma pose
ou modelo recebido de conduta. A negação indica um processo que
deve ser descontinuado. A voz passiva indica que é algo que se pode
assimilar normalmente, ou que a assimilação não depende de uma

83
atitude do ser humano, mas um “viver normalmente”. Há um modelo
de conduta esperado e o modelo esta na próxima expressão que o
apóstolo utiliza: ... com este século – to aioni touto – o termo “mundo”,
“século” traz a ideia não de um mundo (região, ou povo, ou pessoas),
mas sim do caráter e conduta do ser humano. Esse é o modelo pelo
qual se espera que todo ser humano se molde. O modelo estabelecido
pelos costumes, pela tradição ou a falta dela, pela sociedade, imposta,
quebra de valores etc.
Esta exortação, portanto, é que não se deve deixar que o molde do
mundo estabeleça o critério do seu caráter ou conduta, ou seja, tomar a
forma, ou usar o molde do caráter esperado pelo mundo. Este caráter, por
melhor que seja, está morto. É um caráter do ser humano caído. Então
se deve despir de tudo que se refere a este caráter para se vestir daquilo
que pode moldar a vida do ser humano dentro da vontade de Deus.
Paulo então enfatiza: ... transformai-vos – metamorfoysthe – está como
presente imperativo passivo e indica “sede transformados”. Paulo não
deixa somente uma negativa (não façam), mas indica como fazer o certo:
As palavras de Cristo continuam valendo e dizem que todo homem, tanto
de mente como de coração está inteiramente alienado da justiça de Deus
e, portanto tem que nascer de novo. A mente (razão), que é o princípio
regulador da vida, precisa passar por uma transformação.
O verbo, estando no presente imperativo e na voz passiva indica que
esta ação de transformação precisa ocorrer na vida daquele que esta em
transformação a todo instante e que é feito por Deus e não por esforço
ou sofrimento pessoal. Note que no início Paulo enfatizou que é pelas
misericórdias de Deus. Misericórdia (oiktirmos) e compaixão que se
originam do estado miserável de alguém que está em necessidade. Aqui
pela análise da língua original compreende-se que a misericórdia divina é
o poder por meio do qual esta exortação deveria tomar posse da vontade
daqueles que apresentam seus corpos por sacrifício vivo.
Existem dois tipos de ação negativa ante a misericórdia de Deus:
gerar medo para produzir obediência (mantendo a salvação e santificação
por esforço), ou ser hipócrita ao ponto de pensar que misericórdia de
Deus é fonte para que eu viva minha vida da maneira como achar melhor.
Jamais entenderá verdadeiramente a vida com o Senhor a não ser
que o crente compreenda o quanto é necessitado de sua misericórdia.

84 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Há necessidade de eliminar todo esforço (pois misericórdia vem
somente de Deus) e também de eliminar toda hipocrisia (pois a
misericórdia se origina na miséria do ser humano).
Tudo isso tem um propósito e a expressão ... para que – eis
to – indica: o que foi falado até aqui é para que ... experimenteis
- dokymacsein – provar por meio de teste, aceitar como aprovado
após um teste. O infinitivo com preposição expressa o propósito ou
resultado. Literalmente significa “descobrir”. Descobrir o que? ... qual
seja a boa – agaton ...agradável - euareston (ou “aceitável”) ... e perfeita
vontade de Deus - teleion – perfeita.
A perfeição na vida do crente reside em fazer a vontade perfeita
de Deus e não no que se pode fazer ou dar para o Senhor, mas naquilo
que ele mesmo executa em cada um dos seus e dá para que vivam. É
de Deus que procede a misericórdia para a salvação bem como é dele
(da sua vontade) que parte a verdadeira e genuína sabedoria no agir.
Qualquer tentativa de mostrar que o Cristianismo é o caminho para
chegar-se a Deus não provoca efeito profundo, pois a verdade não é
baseada apenas em verdades históricas, mas também nas experiências
diárias – em outras palavras: vida santa vale mais que palavras santas.
A transformação da mente tem, portanto, não um sentido
metafórico espiritual, mas um sentido real de gerar vidas santas que
sejam capazes de ser relevantes no contexto em que estão inseridas.
É necessário ter a cosmovisão de que apenas um evangelho integral
poderá atingir a população brasileira de modo a responder seus
anseios, dúvidas e aversões, típicas da vida secularizada que Paulo
tanto combate no capítulo 12 de Romanos.
Assim, ao voltar o olhar para a igreja evangélica brasileira,
entende-se que grande parte dela tem se alienado do contexto onde está
inserida por Deus para ser sal e luz e a outra parte, tem se conformado
com o presente século, tomando a forma, transformando-se cada dia
em uma igreja secularizada e, portanto sem palavra profética para os
seus semelhantes. Ou a igreja se retira, deixando de salgar o mundo
com sua presença, para os seus retiros, congressos, verdadeiros clubes
sociais ou ao tentar inserir-se na comunidade deixa que o molde da
sua existência seja o molde humano, caído.

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Anotações
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86 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 9
A cidade e as identidades religiosas

Os movimentos atuais – identidade e identificação



Há vários e novos movimentos de igrejas atuais, que em suma,
repetem a maneira de se inserir de um ou de outro, colando este ou
aquele movimento para que seja mais acertado que outro.
Quero destacar alguns, para que tenham uma ideia do que surge.

I - Rede Ministerial
A Rede Ministerial surge a partir da igreja em Willow Creek
(Estados Unidos). Os quatro cultos de final de semana reúnem
aproximadamente 20.000 pessoas Bill Hybels. No Brasil, a principal
igreja é a Igreja Batista Central em Fortaleza, que tem como líder
principal Armando Bispo.
A Rede Ministerial (RM) tem como alvo auxiliar os crentes a
serem FRUTÍFEROS e REALIZADOS num significativo lugar de
serviço. A RM é a 7ª estratégia de 8 passos: Estabelecer relacionamentos
íntegros; Verbalizar a Fé; Promover encontros facilitadores; Agregar-
se à grande congregação; Fazer parte de um grupo pequeno; Buscar
aperfeiçoamento prático; Servir num ministério significativo; Ser um
bom mordomo de Cristo.
Um dos riscos que corre com esse modelo de igreja é se
transformar numa arma letal para a igreja se as pessoas simplesmente
começarem a dizer este não é o meu dom, está não é a minha paixão,
esta tarefa não é comigo, pois a partir das pessoas, dos seus dons é
que tudo isso acontece e o grande problema disso é que a igreja é um
corpo, o corpo de Cristo. Há uma diversidade no corpo planejada por
Deus e uma igreja que se envolve com a Rede deve estar disposta a
flexibilizar sua estrutura de ministérios por causa dos voluntários, que
independente do dom ou não, se tiver vontade de desenvolver aquilo
estará no meio.

87
A Rede trabalha com cada crente foi dado por Deus uma função
SINGULAR a ser desempenhada, então são colocas as pessoas certas,
nos lugares certos, pelas razões certas.
Quando se entende sobre os dons e vê a diversidade no meio da
igreja, não dá pra entender apenas que o ministério que desejo, que tenho
vontade é aquele que vou desempenhar, pois, os dons espirituais são
capacitações especiais distribuídas a cada crente pelo Espírito segundo
o desígnio e a graça de Deus, visando o bem comum do Corpo de
Cristo. Deus designou cada parte do corpo para ter um relacionamento
interdependente com as demais partes do corpo.
Os dons servem para edificação e o dom pastoral para o cuidado e
serve para o aperfeiçoamento dos santos. O dom de pastor é a capacitação
divina para nutrir, cuidar, guiar o povo à maturidade espiritual e a ser
como Cristo. Não há hierarquia ai, mas devemos entender que os dons
são diferentes uns dos outros e que cada dom sendo exercido serve para
a edificação da igreja.
O grande problema com a Rede Ministerial geralmente está com
pastores e líderes que são bastante centralizadores e então tem muito
medo de que isso seja realidade na igreja, pois iguala demais as pessoas.

II – Igreja nos lares (ou igreja sem nome)


Faz parte de outro movimento, mas tem se destacado
principalmente naqueles que são contrários a qualquer tipo de
desenvolvimento de igreja a partir de estruturas, concílios etc.
Não reconhecem igrejas em templos ou locais de culto. Entendem
que a igreja deve se reunir em casas ou no máximo em lugares neutros
e comuns para que possam ser igreja como no Novo Testamento.
Desenvolvem a ideia de uma heresia chamada “assembleísmo” que
identificam como aqueles que seguem a heresia de se reunir num
templo para adorar a Deus.
Se chama de restauracionistas pois entendem que estão
restaurando o propósito original de ser igreja.
Teólogos ou pessoas influentes nesse movimento vão desde
Wachtman Nee, passando por Witness Lee (movimento Árvore da
Vida), John Nelson Darby (darbistas ou irmãos de Plymouth), Frank

88 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Viola (escritor), dentre outros.
Entendem um movimento não hierarquizado, completamente
disfuncional, onde não há guias ou pessoas que possam conduzir
outras, mas há apenas um grupo de pessoas que juntas vivem a vida.

III - Desenvolvimento Natural


Projeto de pesquisa de Christian A. Schwartz. 1.000 igrejas em
32 países e 5 continentes. No Brasil o material do Desenvolvimento
Natural é produzido e divulgado pela Editora Evangélica Esperança,
Curitiba – PR.
Seus principais enfoques são: Não é um método ou estratégia.
Como qualquer organismo vivo tem um desenvolvimento natural,
a igreja como Corpo de Cristo tem também um desenvolvimento
natural. É preciso que haja a liberação dos processos automáticos
(naturais) de crescimento com os quais Deus edificou a igreja. Fator
mínimo – ilustração do tonel. Oito marcas da qualidade. É uma busca
de princípios para as igrejas, válidos independentemente da cultura,
direção teológica, ou denominacional. O que cada igreja e cada cristão
deveria fazer para obedecer a Grande Comissão nos dias de hoje?
Alguns riscos: Foco na estrutura, no indivíduo dentro da
estrutura. Um inventário é feito entre 30 membros da igreja escolhidos
pelo pastor, saberia ele escolher as melhores pessoas, do ponto de vista
da exatidão? Para muitos o processo de análise poderá ser considerado
muito demorado. Teriam paciência para isso? Como Vê a Igreja? Será
Preciso Alterar a Estrutura da Igreja? A igreja é um organismo vivo que
naturalmente desenvolve se os processos naturais de crescimento são
liberados. É possível partir da atual estrutura que será diagnosticada.
A Editora oferece assessoria.
Os membros são vistos como: Integradas no processo de vida
natural, como células de um corpo. Relacionamentos marcados
pelo amor fraternal (8ª marca de qualidade). Liderança capacitadora
(1ª marca de qualidade). Espiritualidade contagiante (3ª marca de
qualidade). Grupos familiares (6ª marca de qualidade).
O ministério deve ser orientado por dons (2ª marca de qualidade).
O dom de pastor é a capacidade especial que Deus concede a

89
alguns membros do Corpo de Cristo, que o capacita a assumir, a longo
prazo, a responsabilidade pelo bem espiritual de um grupo de cristãos.

IV – Igreja em células (G12 e demais vertentes)


John Wesley foi o pioneiro do “evangelismo” (sic) em grupos
pequenos. No final do século XVII Wesley desenvolveu mais de
10.000 células (classes). Divulgador: Ralph W. Neighbour Jr. 1ª Igreja
Batista do Ibes, Vila Velha – ES e também o pastor colombiano César
Catellanos (Fundador do movimento G-12) e também o David (Paul)
Young Choo.
Definem-se como: A Igreja em Células (IC) é uma maneira de ser
igreja que é encontrada no NT. A Célula é uma pequena comunidade
cristã. Célula é um estilo de vida, não uma simples reunião semanal
(embora no treinamento isso fique vidente). 5 sistemas de vida da
célula. Igreja em Célula não é o mesmo que igreja com célula. Família
de Cristo. Congregação: é o agrupamento de células. A reunião de
todos é a celebração. Uma mudança radical será requerida na estrutura
e vida da igreja. Há o ano da transição.
Os membros são vistos como: Cada crente é um ministro para
fazer o serviço cristão. Devem seguir a maturidade – até o ponto de
que ela esteja comprometida com as atividades do Reino.
Entendem sobre os dons: Os membros do rebanho devem
assumir total responsabilidade pelo exercício apropriado dos seus
dons espirituais. Deus deu dons à liderança da igreja com o propósito
de treinar os leigos para fazerem o serviço cristão.
Alguns riscos podem ser: Uma igreja em célula não desintegraria
uma comunhão geral da comunidade? Ou ainda, quase todo movimento
de células segue: ou a doutrina da prosperidade ou o movimento de
crescimento de igreja.

V – Igreja com Propósitos


Igreja Batista de Saddleback, Sul da Califórnia. Rick Warren, que
em 1980 começou com uma família em sua sala de estar. Os quatro
cultos de final de semana reúnem aproximadamente 20.000 pessoas.
1ª Igreja Batista de São José dos Campos.

90 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A definição principal passa por: Uma igreja que segue propósitos
sabe para onde vai e é comprometida com os ideais bíblicos. Seguindo
as 5 missões da igreja, temos os propósitos para a igreja. Amar a Deus
com todo o coração. Amar o seu próximo como a si mesmo. Ir a fazer
discípulos. Batizar. Ensinar obediência.
Um risco é gerar uma igreja com tendências gerenciais
administrativas. A igreja com propósitos, geralmente é voltada para
si mesma. A igreja existe para comunicar a Palavra de Deus e somos
embaixadores de Cristo e nossa missão é evangelizar o mundo.
Entendem que Deus quer sobre os membros: Que pessoas sejam
membros de sua família; Que sejam modelos de seu caráter; Que
sejam ministros de sua graça; Que cada crente tenha um ministério;
Que cada crente seja um mensageiro de seu amor.
Entendem os dons como: Os dons são dados por Deus e devem
ser descobertos por cada crente. Pastores são os principais agentes
de mudança para lidar com os problemas em nossa sociedade.
Pastoreio é o trabalho do líder como de um surfista experiente, que
deve reconhecer as ondas do Espírito de Deus e pegá-las, não é sua
responsabilidade criar essas ondas do Espírito de Deus e pegá-las, não
é sua responsabilidade criar essas ondas, mas reconhecer como Deus
está atuando no mundo e unir-se a Ele nessa jornada.

VI – Igrejas Emergentes
No Brasil, o movimento de igrejas emergentes tomou corpo a
partir de 2006, com a fundação da Convenção Brasileira de Igrejas
Emergentes: Foi iniciada no dia 2 de janeiro de 2006, com apoio da
Emergent Village dos EUA.
Por ser um movimento característico da pós-modernidade,
a igreja emergente é difícil de ser definida e alguns autores até
mesmo hesitam em dizer que ela pode ser caracterizada como um
movimento. As características de fluidez, imprecisão e falta de um
padrão que possa abranger todas as comunidades que se reconhecem
como emergentes tornam a tarefa da definição ainda mais difícil. Por
outro lado, é impossível deixar de observar que um número cada vez
maior de comunidades com origens dentro do cristianismo chamam

91
a si mesmas de emergentes. Seguindo a tese de Carson – “sempre que
surge um movimento cristão que se apresenta como reformista ele não
deve ser sumariamente descartado.
Provavelmente, Karen Ward, da Igreja dos Apóstolos, nos
Estados Unidos, foi o primeiro a usar o nome Igreja Emergente, para
caracterizar um movimento.
Brian McLaren, um dos nomes mais reconhecidos dentro do
movimento, começou a usar o termo “emergente” em seus livros.
Para McLaren era necessário que a igreja descobrisse e desenvolvesse
uma ortodoxia diferente da ortodoxia praticada pela igreja evangélica
durante o período do modernismo.
Uma das tônicas do movimento é que antes de ser, primeiro é
fundamental pertencer. A comunidade “projeto242”, existente no Brasil,
traz a seguinte proposta comunitária: “Queremos oferecer às pessoas
um local onde elas possam se sentir parte antes mesmo de acreditar”.
Geograficamente o movimento teve origem no Reino Unido,
ligado a uma cultura fundamentada na experiência, a cultura “clubber”.
Essa cultura, na verdade uma subcultura, é caracterizada pela
migração dos jovens suburbanos para o centro das cidades durante
os fins de semana, buscando um significado tribal para a existência.
Os ajuntamentos de jovens dentro dessa subcultura propiciaram o
aparecimento de “tribos” cristãs entre a população, e estes, por sua
vez, produziram movimentos que, mais tarde, passariam a identificar-
se como emergentes. Na Inglaterra, onde a expressão do cristianismo
evangélico tradicional é muito pequena e a frequência à igreja está
entre 2 e 3% da população, a igreja emergente tornou-se rapidamente
uma expressão importante.
As igrejas emergentes são comunidades que passam por um
processo de “seeker friendly” (ou seja, “adaptada ao usuário” ou
“orientada para o consumidor”). A busca sempre é satisfazer o fiel que
está na igreja, tornando sua experiência a mais prazerosa possível. É
marcadamente uma igreja que valoriza o hedonismo, a satisfação das
necessidades e prazeres, da experiência em primeiro lugar.
É marcada pelo não-absolutismo, ou seja, nega a existência de algo
que seja real ou verdadeiro ou absoluto para todos do mesmo jeito.
É pluralista. Assim como o pós-modernismo. A proposta

92 A cidade em perspectivas multidisciplinares


emergente enfatiza os sentimentos e afeições sobre o pensamento
linear e a racionalidade; a experiência em contraposição à verdade;
a inclusão ao invés da exclusão; a participação em contrapartida ao
individualismo.
O subtítulo de um livro sobre igreja emergente revela este
espírito pluralista: Por que sou um cristão missional, evangélico,
pós-protestante, liberal-conservador, místico-poético, bíblico,
carismático-contemplativo, fundamentalista-calvinista, anabatista-
anglicano, metodista, católico, verde, encarnacional, deprimido-mas-
esperançoso, emergente e inacabado – ou seja, uma mistura de tudo e
assim não se tem identidade.
Simon Hall, líder da comunidade Revive, em Leeds, Reino Unido,
afirma: Meu alvo para a comunidade não é ser “pós” tudo. Nós somos
evangélicos e carismáticos e liberais e ortodoxos e contemplativos e
ligados à justiça social e ao culto alternativo.
É uma comunidade do protesto. O conceito de uma cosmovisão
integral com valores objetivos e absolutos é impossível de ser vivido
de maneira coerente e relevante nos tempos da pós modernidade.
O protesto, então, é resultado da forma incoerente como vive o
cristianismo que se diz bíblico. É comum encontrar nos relatos
emergentes a noção de que as estruturas eclesiásticas do modernismo
e suas hierarquias são antibíblicas.
Ao lado do protesto contra as estruturas, caracterizam-se
também pelo protesto contra a teologia sistemática ou dogmática.
Entendem que a teologia sistemática foi para uma época e que hoje
pode ser descartada.
Caracteriza-se como missional. Apesar de essa ser uma
característica extremamente positiva do grupo, tende a leva-los
para uma vida cristã somente horizontal, olhando para as relações
como única forma de se viver uma espiritualidade sadia, deixando
de preservar a relação vertical com Deus, que precisa fazer parte da
espiritualidade cristã.
Linguagem, culto e pregação. Esta forma de manifestação sempre
será não linear. Para a geração que cresce nos tempos contemporâneos
a comunicação precisa acontecer em forma de rede, como um site
na internet, onde as possibilidades de continuidade são inúmeras e,

93
na verdade, ninguém sabe onde ela vai terminar. Uma das propostas
fundamentais na comunicação emergente é a criação de um culto
experimental e multissensorial, numa atmosfera trabalhada por luzes,
velas, símbolos, mensagens multimídia, arte estática e em movimento,
espontânea e participativa, dando sempre lugar à experiência.
Há outros movimentos, como o Movimento das Igrejas
Apostólicas, Movimento das Igrejas Judaizantes, Movimento de
Igrejas Puritanas, Igrejas Contemporâneas, Movimento de Igrejas
Generacionais etc.
Há um forte movimento religioso no Brasil e cada diz que passa
há mais pessoas migrando de igrejas para outros movimentos.
Esse número cresce, infelizmente, devido a nossa falta
de sensibilidade e de visão correta a respeito das pessoas, não
conseguindo ler as mesmas através da ótica do reino de Deus, das suas
necessidades, suas fraquezas, suas dificuldades e principalmente a
falta de conhecimento de Deus.

94 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 10
As geografias da cidade
Um estudo de caso de pesquisa geo-censitária na
cidade de Londrina

Introdução

Nesta aula iremos realizar um estudo de caso de


análise geográfica na cidade de Londrina a partir da
pesquisa realizada na Igreja Presbiteriana Boas Novas, no
Conjunto São Lourenço.

Objetivos

Fazer o estudante entender que os processos de análise


documental e geográfico influenciam e ajudam a definir
estratégias para a comunicação do Evangelho na cidade.

95
Igreja Presbiteriana Boas Novas, Conjunto São
Lourenço, Londrina
Um estudo de caso
Este levantamento a partir da área de atuação da Igreja
Presbiteriana Boas Novas, utilizando o ferramental histórico,
geográfico e da comunicação (marketing) visa traçar um perfil da
região, suas raízes, cultura, necessidades, pontos de inserção para
promover uma melhor visibilidade e atuação da Igreja no seu contexto
sócio-histórico-cultural e cumprir a sua missão – ser sal e luz.
Foi usado como base para a Perspectiva Histórica Atas da Igreja
Presbiteriana Boas Novas, Biografias e Livros Históricos sobre a Igreja
Presbiteriana do Brasil – para a Perspectiva Geográfica os dados
estatísticos levantados são do IBGE, censo de 2000 e inserção de
pesquisa de campo realizadas pelos adolescentes da Igreja Presbiteriana
Boas Novas para este fim – para a Perspectiva da Comunicação foi
utilizado idéias e pesquisas feitas a partir de necessidades visualizadas
no próprio bairro como no levantamento.

1– Perspectiva Histórica
1.0. – O Brasil presbiteriano
Para ter uma visão mais correta presbiterianismo e sua influência
aqui em Londrina é necessário reportar-se ao começo, ao começo
no Brasil. No solo brasileiro a história começa em 1555, quando um
grupo de franceses que liderados por Nicolas Durand de Villegagnon
instalados em uma das ilhas da Baía da Guanabara solicita ao seu líder
em Genebra, João Calvino que envia um grupo de pastores e colonos em
resposta ao pedido. Em 10 de março de 1557 foi realizado o primeiro culto
evangélico protestante no Brasil; apesar desse começo houve desavenças
entre os que foram enviados e o líder no Brasil, Villegagnon que resultou
numa “confissão” chamada de “Confissão de Fé da Guanabara” através
da qual três dos calvinistas que chegaram foram executados e um outro
foi poupado por ser o único alfaiate da colônia.
No século XVII, os calvinistas holandeses tentaram novamente

96 A cidade em perspectivas multidisciplinares


introduzir o Calvinismo no Brasil e apesar do bom avanço, com a
implementação de várias igrejas, congregações, presbitérios e um
sínodo o grande projeto do Brasil Holandês não se efetivou, pois foram
expulsos e as igrejas nativas extinguiram-se e até os vestígios de um
Calvinismo no Brasil desapareceram até que em 1810 foi firmado um
tratado por Inglaterra e Portugal, dando liberdade religiosa no Brasil
aos imigrantes protestantes, mas durante muitos anos o Calvinismo
ficou restrito à comunidades imigrantes, sem atingir os brasileiros.
Em 1859 o missionário presbiteriano Ashbel Green Simonton
chega ao Brasil que veio realizar um trabalho relevante, fundando
igrejas, presbitérios, imprensa, jornais e um seminário.
1.2. – O presbiterianismo no Paraná
O Rev. Roberto Lenington, do presbitério do Rio de Janeiro,
iniciou em 1884 o trabalho regular de evangelização no interior do
Paraná, permanecendo até 1886. Em 26 de outubro de 1884 fundou-se
a primeira Igreja Presbiteriana no Paraná.

1.3. – Nascimento de Londrina


Em 1930, colonos orientados pela Companhia de Terras do
Norte do Paraná chegam para a implantação de Londrina. A cidade
desenvolve-se, atraindo pessoas de outros estados.
1.4. – Londrina como campo missionário presbiteriano
Em novembro de 1935 o Rev. Henrique de Oliveira Camargo, da
Igreja Presbiteriana de Sengés, veio até Londrina para visitar alguns
presbiterianos que se estabeleceram na cidade. Desse envolvimento
surge o envio do missionário, o seminarista Rangel Simões com o
objetivo de se iniciar um trabalho permanente na cidade.
Em 1936 resolve o Presbitério Norte do Paraná fundar uma
igreja em Londrina. Inicialmente o evangelho, como em outras partes
do país é de caráter domiciliar, não tendo templos estabelecidos. No
dia 18 de julho de 1936 foi realizada a reunião para recebimento de
membros para a então Igreja Presbiteriana de Londrina. A Igreja
Presbiteriana Central foi organizada com 47 membros, contando com
dois presbíteros, dois diáconos e um pastor.

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1.5. – Nascimento de Igrejas Presbiterianas em Londrina
Depois da Igreja Presbiteriana Central, em 1936 houve mais 5
organizações até chegar à Igreja Presbiteriana Boas Novas, que é a
sexta igreja presbiteriana plantada em Londrina – e são:
Igreja Presbiteriana da Vila Nova (segunda) – 1951
Igreja Presbiteriana da Vila Judith (terceira) – 1966
Igreja Presbiteriana do Jardim Bandeirantes (quarta) – 1974
Igreja Presbiteriana Arco-Íris (quinta) – 1978

1.6. – 1979 – Início da Igreja Presbiteriana Boas Novas


O nascimento da igreja surge através do pastoreamento de
grupos familiares em São Lourenço, principalmente por causa de um
culto de gratidão pela vida e saúde do filho de um dos membros do
grupo familiar, sendo organizada uma escola dominical na casa desta
família. O trabalho passa por um acréscimo de pessoas, mudando-se
para uma casa alugada e novamente retornando para a casa de um dos
membros, pela diminuição da freqüência.
Em 1981 inicia-se a construção de um templo e uma residência
no terreno doado pela Cohab, situado à Av Aristides de Souza Mello,
56, no conjunto São Lourenço.
Até 1993 o trabalho permanece dependente e ainda congregação
da Igreja Presbiteriana Central. Em 20 de fevereiro de 1993 é decidida
a organização da congregação como Igreja, o que vem acontecer no
dia 21 de fevereiro de 1993 e o pastor designado para estar a frente
deste trabalho foi o Rev. Lucimar Manoel Vieira – a igreja é organizada
então com 80 membros.
Após 11 anos de atuação a Igreja resolve implementar no que
antes era a casa pastoral ao lado do templo, uma pré-escola sendo que
hoje é uma escola de educação infantil de caráter particular.
1.7. – O Conjunto São Lourenço hoje
O conjunto foi implementado pela Cohab, com casas para
habitação de pessoas de baixa renda, sendo que está na periferia da
cidade, já divisa com o próximo município. A região é rodeada por
terras agrícolas, sendo que é “fértil” a proliferação de favelas – o São

98 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Marcos e o Bairro União da Vitória fazem parte desta região.
Há um comércio local ainda incipiente, mas que conta com
uma estrutura básica de padarias, pequenos supermercados, lojas de
roupas, móveis, armarinhos, agência de correios, locadores de vídeos
e DVDs etc. A região não é assistida por bancos.
A grande maioria de suas ruas é asfaltada, sendo servida por
energia elétrica. Há ainda muita incidência de casas onde a rede de
esgoto não serve.
O povo tem uma característica rural, bem mais acentuada que no
restante da cidade. Os cultos lembram ainda um culto numa igreja de
zona rural, principalmente por causa da inquietude dos participantes
e da informalidade de suas falas e atuações.
A cultura popular é mais tradicional, ainda medida em termos
de valores como na modernidade e a presença dos moradores em
determinada igreja é mais efetiva e menos volátil.
A religiosidade do povo é vista nas muitas igrejas evangélicas
(apenas na região pesquisa temos mais de 10 igrejas evangélicas) e
a presença católica que é marcada pelos seus dois templos e escolas
na região. Algumas pequenas comunidades surgem e como surgiram
também encerram suas atividades, às vezes mudando de lugar ou
incorporando-se a outra comunidade já estabelecida.
O conjunto é uma área bem pequena, com casas muitas vezes
ainda no estilo que foram construídas, mas que tem uma grande área
de abrangência – na área pesquisa (utilizamos oito setores censitários)
há um total de 9803 pessoas residentes.
Há um leque de informações que passaremos a analisar em
seguir, que a ferramenta da Geografia poderá nos ajudar.

Perspectiva Geocensitária
1.8. - Mapas de localização e apresentação
Informações e mapas produzidos através de utilização de
ferramentas: Philcarto, Adobe Illustrator, Adobe Photoshop, Corel
Photopaint, PowerBullet e MS PowerPoint, Sites na Internet – IBGE
e Google Earth.

99
1.9. Demografia
1.9.1. - Densidade demográfica – pessoas residentes;
- Pessoas residentes por domicílio – comparação entre homens
e mulheres;
Existem na região cerca de 2670 domicílios com um total de
9803 pessoas residentes. Destas pessoas residentes as mulheres são a
maioria, com um total de 5017 (51,17% da população residente) contra
4786 homens (48,82% da população residente).
1.9.1.2. - Crianças % e total de crianças;
As crianças da região perfazem um total de 2518 (25,69% da
população residente).
1.9.1.1.3. - Crianças % versus concentração de Igrejas;
A região conta com 13 igrejas evangélicas com um total de 193
crianças em média por alcance do evangelho.
1.9.1.1. 4. - Idosos % e total de idosos
Há 806 idosos (8,22% da população residente).

1.10. – Educação
1.10.1. - Analfabetismo em geral
75,24% (7376 pessoas) da população é alfabetizada contra 24,75%
(2427 pessoas) de pessoas ainda não alfabetizadas.
1.10.2. - Analfabetismo entre crianças e adolescentes
Entre crianças e adolescentes há um total de 444 pessoas não
alfabetizadas que é 4,52% da população residente.
1.10.3.- Número de Escolas
Existem 6 escolas na região, entre escolas particulares (privadas
ou confessionais) e públicas – 1633 pessoas para cada escola.
1.11. - Meio sócio-ambiental
1.11.1. - Domicílios com apenas 1 morador
Existem 185 domicílios em que apenas uma pessoa mora.
1.11.2.- Domicílios com 7 ou mais moradores
154 domicílios são habitados por 7 ou mais pessoas.

100 A cidade em perspectivas multidisciplinares


1.11.3. - Domicílios sem acesso à rede esgoto ou saneamento precário;
22,32% (596 domicílios) dos domicílios da região não tem
sistema de esgoto.
1.11.4. - Número e distribuição de Igrejas
13 igrejas na região distribuídas em área de maior concentração
de pessoas numa média de 754 pessoas para cada Igreja. Existem 10
igrejas evangélicas o que dá uma média de 980 pessoas por Igreja.

1.12. – Economia
1.12.1. Linha de baixos salários – responsáveis com até 2
mínimos
44,00 % dos domicílios tem seus responsáveis recebendo menos
que dois salários mínimos o que dá um total de 1175 domicílios.
1.12.2. Linha da pobreza – responsáveis sem rendimento
263 domicílios – 9,8 % do número total tem os seus responsáveis
declarando como sem rendimento.
1.12.3. Linha de altos salários – responsáveis com 15 salários ou mais
Apenas 0,7 % dos domicílios da região tem responsáveis que
ganham 15 salários mínimos ou mais – 21 no total.
1.13. – Dados Estatísticos
Domicílios (total) 2670
Domicílios com apenas 1 morador 185
Domicílios com 7 ou mais moradores 154
Domicílios sem esgoto 596
Homens responsáveis por domicílios 2014
Mulheres responsáveis por domicílios 635
Pessoas residentes (total) 9803
Homens residentes 4786
Mulheres residentes 5017
Crianças entre 0 e 12 anos 2518
Crianças % em relação à população residente 25,69 %

101
Pessoas alfabetizadas 7376
Pessoas não alfabetizadas 2427
Jovens não alfabetizados (5-19 anos) 444
Idosos 806
Idosos % em relação à população residente 8,22 %
Responsáveis por domicílios com até 2 salários mínimos 1175
Responsáveis por domicílios com 15 salários mínimos ou mais 21
Responsáveis por domicílios sem rendimento 263
Igrejas 13
Escolas 6

1.14. Mapas elaborados


1. Comparação de domicílios com e sem esgoto
2. Comparação de domicílios com responsáveis até 2 salários
mínimos
3. Comparação de domicílios com responsáveis com mais de 15
salários mínimos
4. Comparação entre domicílios com um morador e sete ou
mais
5. Comparação entre homens e mulheres residentes
6. Comparação entre pessoas alfabetizadas e não alfabetizadas
7. Concentração de crianças entre 0 e 12 anos
8. Concentração de domicílios com apenas um morador
9. Concentração de idosos
10. Concentração de não alfabetizados entre 5 e 19 anos
11. Contraste entre homens e mulheres responsáveis por
domicílios
12. Concentração de pessoas residentes
13. Relação de homens responsáveis por domicilio
14. Relação de mulheres responsáveis por domicilio
15. Comparação entre pessoas residentes e o número de igrejas
na região
16. Relação da porcentagem de crianças
17. Comparação entre porcentagem de crianças e concentração
de igrejas

102 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Perspectiva da Comunicação
Analisando o Contexto Sócio-cultural-histórico juntamente
com os dados Geo-censitários quero propor 5 ações para a Igreja
Presbiteriana Boas Novas estender melhor o seu brilho (ser luz) e
garantir uma melhor conservação da região em que está incrustrada
(ser sal) para cumprir o seu papel, a sua missão como agente de
transformação do reino de Deus.
1.15. – Transformar a sua Escola de pré-ensino e ensino
fundamental – que hoje é particular com preços elevados para a região
em uma Escola voltada para a comunidade em que está inserida, com
ensino gratuito e de qualidade;
1.15.1. Mudar o enfoque da Escola;
1.15.2. Estabelecer normas e padrões para o alcance da Escola;
1.15.3. Gerar na comunidade um conhecimento desta ação
objetivando um melhor visibilidade;
3.1.3.1 – Palestras em associações do bairro
3.1.3.2 – Folders e cartazes para serem afixados
3.1.3.3 – Pesquisa para definir qual emissora de rádio é mais
ouvida na região e anunciar nela sobre a escola;
1.16. – Criar um programa de educação de Jovens e Adultos para
sanar a deficiência de alfabetização entre jovens de 5-19 anos;
1.16.1. Utilizar a pesquisa do IBGE para identificar os pontos
de maior incidência da analfabetização de jovens e fazer propaganda
massiva com folders, pesquisas, anúncios na emissora de rádio da região;
1.16.2. Utilização da escola e dependências da Igreja para o
ensino e alfabetização;
1.16.3. Utilizar educadores da própria Igreja para uma real
identificação com a população local;
1.17.– Ter um programa na emissora de rádio mais ouvida na região;
1.17.1. Mostrar os projetos da Igreja;
1.17.2. Mostrar os cultos e trabalhos da Igreja com entrevistas de
pessoas da região
1.17.3. Dar destaque para evangelização

103
1.18. – Criar um programa de artesanato e outras confecções
manuais visando minorar a deficiência de sustento familiar na região,
principalmente com aqueles domicílios que tem responsáveis ainda
sem rendimento;
1.18.1. Artesanato
1.18.2. Corte e costura
1.18.3. Decoração de objetos
1.18.4. Culinária (doces e salgados)

1.19. – Confeccionar e colocar em locais estrategicamente


escolhidos (áreas com menos concentração de Igrejas no bairro)
painéis ou outdoors fixos mostrando a área de atuação da Igreja no
bairro
1.19.1. Descrição das atividades
1.19.2. Descrição da clientela a ser atingida
1.19.3. Descrição dos objetivos (inclusão)
1.19.4. Informações para contato

Conclusão

Após ter sido feita a leitura exaustiva da região, chega-se a


conclusão que a necessidade de Igreja é intensificada com o não
conhecimento de sua história, a não adequação dos seus projetos de
acordo com as necessidades e uma visibilidade que visa tão somente
um crescimento numérico.
O micro-cosmo pesquisado serve como referência, pois
representa ou pelo menos dá-nos uma idéia de como anda a Igreja
– isolada, sem interação com a comunidade, sem um projeto vivido
definido, sem execuções que abalam estruturas – parece mais apenas
querer sobreviver ao caos e não ser um agente de transformação na
sociedade.

104 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 11
A cidade e as ações sociais
A diakonia na cidade

Introdução

Nesta aula iremos definir alguns critérios bíblico-


teológicos para a ação social da igreja na cidade e sua
atuação como agente de transformação em cumprimento
da Missão de Deus.

Objetivos

Fazer o estudante entender que a sua teologia bíblica


e ação em meio à cidade devem ser coerentes com a ação
de Deus, de cuidado, de transformação, de inclusão com o
objetivo do cumprimento da Missio Dei.
Entender como funciona o mal estrutural na cidade e
a atuação da igreja como fator de ampliação da justiça social
na cidade através de uma evangelização cristocêntrica e
solidária.

105
Ensinamento Bíblico-Teológico
Conceitos de diaconia
Durante muitos anos fui diácono, ou seja, tive o ofício de diácono
numa igreja presbiteriana na cidade de Nova Venécia (Espírito Santo)
e naquela época (coisa que se seguiu até hoje!) nunca vi muito sentido
em ser diácono com aquele padrão estabelecido, como se a diaconia se
resumisse a tornar-se um porteiro da congregação, cuidando para que
bêbados não entrassem no templo ou mesmo cachorros, servindo à mesa
da ceia, retirando e colocando ali a toalha que cobre os pães e vinhos ou
até mesmo trazendo um copo de água para um pregador sedento no
púlpito! Pronto. Meu serviço diaconal está indo muito bem...
Hoje, anos mais tarde, olho para diaconia com outros olhos,
não de um ofício secundário, mas como uma resposta a Deus do seu
próprio serviço e do bem que tem feito a nós, sua Igreja – como diriam
alguns, um ato segundo em resposta ao ato primeiro de Deus, em nos
amar e vir, em Cristo, para servir!
Diakonos (grego do Novo Testamento) é o termo que intitula
aqueles que servem ao Senhor por meio do serviço à comunidade –
gosto de pensar que esta comunidade é mais abrangente que a própria
noção de igreja/templo que temos em nossos dias, mas que se coloca
de tal forma que inclui em seu alvo de ação aqueles que estão ao
nosso redor, em nossa casa, bairro, cidade – ou seja, todos aqueles que
verdadeiramente estarão vivendo ao nosso lado, compartilhando da
vida comum designada a nós serão o alvo desta diakonia. Este termo
é usado para aquelas pessoas que são sensíveis às necessidades dos
outros, quer sejam de ordem física/mental ou espiritual/religiosa –
assim, servindo a outros, servem a Deus!
Uma das grandes marcas do pecado na vida do ser humano é a
capacidade desenvolvida por todos de sermos egoístas, orgulhosos e
vaidosos e com isso pensarmos que não precisamos de ninguém para
viver, como também sentirmos que não precisamos nos deixar envolver
por outros. Jesus vive em meio à cultura hedonista dos religiosos
judeus e age justamente na contracultura, mostrando, ensinando e
atuando de maneira que suas ações sempre incluem o outro quer seja

106 A cidade em perspectivas multidisciplinares


num relacionamento pessoal com o Mestre ou em meio à sociedade,
mas principalmente inclui-nos em Deus, na sua salvação e propósito
de reconciliar consigo mesmo todas as coisas.
O modelo proposto para esse estudo, mesmo que brevemente,
não poderia ser outro senão o próprio Jesus. Paulo afirma em Filipenses
2:4-5, que nossas atitudes devem ser as mesmas que Cristo teve; ele diz:
“Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos
interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus”.
Está incluído nestas poucas palavras o cerne da diakonia – o serviço
ao interesse do outro como Cristo fez. Mas o que chama atenção neste
texto é justamente que não somente devemos fazer como Cristo fez, mas
também ter o mesmo sentimento, atitude que ele teve. A força do serviço
não está no ato de servir, mas num coração maleável, servo, amável que
faz o que faz não porque é necessário apenas, mas também porque ama
o alvo do seu servir e quer glorificar a Deus com tudo isso. O ato de
cuidarmos do outro (diakonia - serviço) responde ao que Deus fez em
primeiro lugar: ele amou e decidiu servir. O ato primeiro, de Deus, que
exige de nós uma resposta diaconal é justamente o amor com que nos
alcança em primeiro lugar – “Nisto consiste o amor: não em que nós
tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho
como propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4:10). Deus nos buscou
antes de o buscarmos e através de Jesus é quem nos serve (diaconia) em
primeiro lugar, pois o próprio Cristo afirma através de Marcos que “o
próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e
dar a Sua vida em resgate por muitos” (Mc 10:43-45). O verbo servir está
ligado diretamente ao serviço, trabalho, feito que tem como alvo outra
pessoa, outro objeto que não a nós mesmos.
O Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento
(DITNT) diz que “quando falamos acerca de servir, damos a entender o
trabalho feito para outra pessoa, ou voluntária ou compulsoriamente (como
escravo)” (2000, p. 2341). Aqui vemos a mistura dos conceitos de diakonos
com doulos. Enquanto doulos enfatiza mais a certeza da propriedade do
Senhor para conosco, seus servos (escravos), diakonia toma a ênfase no
serviço prestado à comunidade em obediência a esse Senhor.
Há de se fazer “diferença entre o ‘diakonos’ e o ‘doulos’ (escravo),

107
pois o segundo ressalta quase exclusivamente a sujeição
completa do cristão ao Senhor; ‘diakonos’ diz respeito ao seu
serviço em prol da igreja, dos seus irmãos e do seu próximo,
em prol da comunhão, quer o serviço se realize ao servir à
mesa, com a palavra, ou de alguma outra maneira. O ‘diakonos’
sempre é aquele que serve em nome de Cristo e que continua o
serviço de Cristo” (DITNT, 2000, p. 2345).
Vemos diakoneo que é o verbo grego no Novo Testamento para
servir, apoiar. Ele denota as ações de quem faz algo em direção a outro.
Juntamente vemos o substantivo diakonia que é o serviço, ou cargo,
ajuda, sustento, distribuição de esmolas, cargo de diácono. Enfatizando
a situação ou como o serviço executado é visto pelos outros. Já o
substantivo diakonos mostra uma pessoa que serve, para aquele que
executa estas ações e estes serviços – servo ou diácono.
O contexto do grego clássico da palavra diakoneo (verbo: servir)
denota dar-se trabalho; no sentido secular do grego clássico é de servir
à mesa, ou mesmo cuidar das necessidades do lar e também servir de
modo geral. O substantivo (diakonia) era usado no sentido de um
garçom e por isso foi usado mais tarde para aqueles que serviam as
refeições rituais (DITNT, 2000, p. 2342).
A palavra diakonia não é encontrada em nenhum dos evangelhos a
não ser em Lucas quando Marta, irmã de Maria e Lázaro, se diz preocupada
com muitos serviços, pois ela tinha sido deixada para servir sozinha.
Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos
serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te
importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir
sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me (Lc 10:40).
Diakoneo é encontrada com mais freqüência no Novo Testamento,
quase sempre com o sentido de servir à mesa. Diakonia é achada 34
vezes com o mesmo sentido de serviço à mesa. Pode envolver tanto o
cuidado com alimentação, ceia, ofertas, especialmente pensando no
trabalho dos diáconos.
O ato de servir a mesa, principalmente pensando em Atos,
remete-nos ao serviço em partir o pão de casa em casa e também
nas festas realizadas, onde os que tinham posses cuidavam daqueles

108 A cidade em perspectivas multidisciplinares


que nada possuíam. Este serviço, quando forças, posses e vida eram
dedicadas a outros deve ser vista como um elemento principal e que
sustentava a comunhão entre os irmãos no Novo Testamento (DITNT,
2000, p. 2344).
Em Atos, Lucas evita o termo diakonos, pois em momento
nenhum ele expressa que os sete que foram escolhidos tinham um
cargo ou função apenas. I. Howard Marshall afirma o seguinte:
... a tarefa combinada do ensino e da assistência aos pobres
era grande demais para eles (os apóstolos). Na realidade, não
conseguiram cumprir devidamente nenhuma parte dela. Os
seus cuidados para com os pobres chegaram a ser criticados, e
eles mesmos sentiam a convicção que não estavam dedicando a
devida atenção às suas orações e ao s eu ministério da palavra.
Não se sugere necessariamente que ‘servir as mesas’ está num
nível mais baixo do que orações e o ensino; a ênfase dirige-se
ao fato de que tarefa à qual os Doze foram especificamente
chamados era de testemunho e evangelização. A solução ao
problema era nomear um novo grupo de líderes para ‘servir às
mesas’ (1988, p. 123).
Digno de nota em relação a isso é o comentário feito por John Stott:
A obra dos doze e a obra dos sete são igualmente chamadas de
‘diakonia’ (vs. 1 e 4), ‘ministério’ ou ‘serviço’; e isso certamente
é deliberado. A primeira é o ‘ministério da palavra’ (v.4) ou
o trabalho pastoral; a segunda, o ‘ministério junto às mesas’
(v.2) ou o trabalho social. Nenhum ministério é superior ao
outro. Pelo contrário, ambos são ministérios cristãos, ou seja,
meios de servir a Deus e ao seu povo. Ambos exigem pessoas
espirituais, ‘cheias do Espírito’ para exercê-los. E ambos podem
ser ministérios cristãos de tempo integral. A única diferença
está na forma que cada ministério assume, exigindo dons e
chamados diferentes (1994, p. 135).
Stott é mais enfático ainda ao afirma sobre a igualdade dos
ministérios cristãos perante a Igreja, dizendo que
Prestamos grande desserviço à igreja sempre que nos referimos
ao pastorado como ‘o ministério’, quando, por exemplo,

109
falamos da ordenação em termos de ‘entrar para o ministério’.
O emprego do artigo definido pressupõe que o pastorado
seja o único ministério que existe. Mas ‘diakonia’ é um termo
geral para serviço; ele não é específico, a não ser que receba
o adjetivo como ‘pastoral’, ‘social’, ‘político’, ‘médico’ ou outro
(1994, p. 135).

O significado de diakonia precisa ser mais abrangente e envolver


todos os que se dispõe a seguir a Cristo, pois “todos os cristãos, sem
exceção, sendo seguidores daquele que veio não para ser servido, mas
para servir, são chamados para ministrar, ou melhor, para darem suas
vidas em ministério” (Stott, 1994, p.135).
Este é o verdadeiro ponto a ser tratado, pois “o significado neo-
testamentário de diakoneo deriva da pessoa de Jesus e do Seu evangelho”
(DITNT, 2000, p. 2344). Portanto, é necessário entender que toda e
qualquer ação ministerial da parte do cristão é feito obrigatoriamente,
mesmo que sob o ponto de vista da voluntariedade no meio da igreja
local, é sempre uma resposta ao chamado do Senhor para viver a vida
cristã em ministério e isso implica necessariamente em diakonia, como
cuidado e serviço ao outro.
Esta maneira de pensar remete-nos ao que Paulo percebe que
quando de sua encarnação, Jesus sendo a realidade superior às sombras
projetadas na lei deveria ter o lugar de maior destaque na vida de
todos os cristãos – “Paulo percebeu que uma vez vindo a substância
a sombra devia desaparecer” (Erdman, 1988, p. 12). Assim ele toma
para si a responsabilidade de demonstrar, com muitos argumentos
bíblico-teológicos e a respeito da própria experiência dele mesmo e
dos cristãos a quem se dirige que a igreja não é meramente uma seita
judaica, mas é à vontade revelada de Deus para acabar com toda e
qualquer distinção entre os homens servindo a irmãos, conhecidos,
vizinhos e desconhecidos como forma de manter esta comunhão, para
desenvolver a edificação do corpo deste mesmo Cristo, encarnado
para nossa redenção.
A partir desta apreensão podemos esquematizar que apesar
das diferenças marcantes com respeito a raça, credo, posição social
e gênero que, “no mundo dos dias de Paulo a distinção estava
profundamente arraigada. Vencê-la marcou uma das maravilhas do

110 A cidade em perspectivas multidisciplinares


cristianismo” (Guthrie, 1988, p. 139) – a afirmação da igualdade para as
raças, para as categorias e para os sexos não era uma afirmação pueril de
acabar com as diferenças – elas existiam e sempre existirão: mulheres são
diferentes de homens, suas manifestações culturais, sociais, emocionais,
entre outras, são fruto de sua vida e enxergar a diferença neste aspecto
também é valorizar a pessoa. Esta comunhão sustentada é a do corpo, um
corpo só. O corpo é um só, mas os membros ou partes dele são distintos e
diferentes; há classes sociais diferentes; raças diferentes; línguas diferentes;
pensamentos diferentes; teologias diferentes.
John Stott, falando sobre estas diferenças, afirma que “quando
dizemos que Cristo aboliu as diferenças, não queremos dizer que elas não
existem, mas que não importam. Continuam existindo, mas já não mais
criam barreiras à comunhão” (1997, p. 93). Em Cristo, as distinções são
abolidas, para dar início a formação de um nele mesmo – “todos vós sois
um em Cristo Jesus”. Digno de nota aqui é a força do artigo masculino (do
grego neo-testamentário - heis – um) que expressa não uma organização
unificada (como poderíamos pensar na igreja instituição) mas sim
uma personalidade unificada, um organismo vivo. A questão não é o
corporativismo, mas a personalização do um, onde nele, no um, todos são
iguais, não há distinções, não existem barreiras à comunhão nem a vida
de liberdade que Deus proporciona para os seus em Cristo Jesus.
O conceito de diakonia propõe-nos algo mais abrangente e Paulo
expandiu ainda mais o conceito de diakonia. Via a totalidade da salvação,
a diakonia de Deus em Cristo pelos homens e entre eles, expressada na
diakonia dos apóstolos (DITNT, 2000, p. 2344). A “igreja inteira fica sendo
um corpo para o serviço ao mundo (Ef 4.1-16)” (DITNT, 2000, p. 2345).
Este serviço da Igreja ao mundo, como um corpo, evidencia-se através de
alguns textos bíblicos. Vejamos:
Em 1 Coríntios 8:3-5, Paulo afirma que este cuidado (assistência)
abrange não somente o corpo, mas a própria vida, tanto de quem serve
como de quem é servido, mas também dinheiro e posses pessoais e
comunitárias:
Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo
acima delas, se mostraram voluntários, pedindo-nos, com muitos
rogos, a graça de participarem da assistência aos santos. E não
somente fizeram como nós esperávamos, mas também deram-se a
si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus.

111
Esta assistência ou cuidado para com os outros acaba por ser
uma das maneiras que Deus se utiliza para edificar o corpo de Cristo,
como o próprio Paulo deixa isso claro em Efésios 4:16 – “todo o corpo,
bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a
justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para
a edificação de si mesmo em amor”. A expressão “segundo a justa
cooperação de cada parte” enfatiza o serviço que contribui para a
comunhão e estabelece o crescimento e edificação do corpo de Cristo.
Quando Paulo vai falar sobre os dons em Coríntios ele utiliza
para o dom de serviço a palavra diakoniai – “E também há diversidade
nos serviços, mas o Senhor é o mesmo” (2 Co 12:5).
Este serviço não é apenas uma prática desprovida de análise,
apenas obediência cega. É necessário entendermos e conhecermos
as reais necessidades de outros para nos aventurarmos no serviço, na
diakonia.
Antonio Carlos Barro, em seu excelente artigo Implicações e
desafios da Missão Integral, falando sobre o olhar da igreja para o povo,
alvo de sua ação missionária, faz-nos entender algo importante sobre
o conceito da diakonia que é a empatia:
Empatia é “sentir o que se sentiria caso se estivesse na situação
e circunstâncias experimentadas por outra pessoa” (Dicionário
Aurélio). Seria como colocar-se na situação do outro e calçar os
seus sapatos, pois somente quando sabemos onde realmente o
sapato aperta o nosso pé é que teremos empatia com o outro.
Muitas vezes o nosso evangelho é muito teórico, pois temos as
respostas para todas as perguntas e temos as soluções para todos
os problemas. Os pastores, principalmente, são mestres em quase
todos os assuntos da vida. Eles entendem de uma complicada
doença, economia, casamento, política, carro, casa, seguro.
Sabem como resolver os problemas da juventude e da velhice.
Devemos reconhecer que muitas das coisas que um pastor fala
e aconselha, ele o faz sem nenhuma consideração pela pessoa à
sua frente. Ele dá conselhos com a maior naturalidade e tem a
mais absoluta certeza de que se a pessoa praticar o que ele está
dizendo, todas as coisas serão solucionadas (2003, p. 21).

112 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Signos e significados do serviço cristão
Há muitas implicações para a diakonia quando olhamos o
serviço cristão não como algo corporativo ou apenas situado dentro
do contexto do templo, da igreja local. Creio que devemos fazer uma
diferenciação entre estes pontos para acertamos a abrangência e
encontrarmos o alvo para a diakonia.
Bill Mills, em seu livro Siervos del nuevo pacto, diz:
No reino de Deus há somente uma função: a função de servo.
Há um Senhor e todos os demais são servos com diferentes
capacidades para servir aos demais. Cristo insistiu para que seus
discípulos aprendessem a olhar para os outros com os olhos de
servos para que tivessem um ministério significativo. A Palavra
de Deus será melhor pregada e compartilhada se proceder de
um coração de um servo (1987, p. 2).
Este serviço que vem de Deus para nós implica em sermos
preparados por ele para tanto e ao enxergarmos este preparo devemos
olhar para os dons em prioritariamente como uma capacitação para o
ministério cristão.

Dons e significados para o ministério cristão


Para que tenhamos um ministério significativo é preciso entender
o processo pelo qual Deus nos usa para abençoar outros. Os dons
são essa capacitação vinda do próprio Senhor para fazer-nos edificar
o corpo de Cristo, cada parte, unida, fazendo sua parte, não apenas
numa comunidade local, como muitos pensam, mas sim numa união
com o corpo invisível de Cristo, em prol do seu Reino, em qualquer
parte, cuidando de todos aqueles que Deus coloca a nossa frente, quer
sejam da comunidade de fé ou não.
Paulo afirma em Romanos que esse corpo, junto, possui uma só
unidade, mas muitas funções diferentes:
Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas
nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós,
conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros
uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça
que nos foi dada (Rm 12:5-6).

113
É a graça de Cristo que nos faz viver em comunhão e cuidado.
Pedro também entendia isso e mais especificamente ainda nos diz que
devemos viver em diakonia uns para com os outros – “Servi uns aos
outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros
da multiforme graça de Deus” (1 Pe 4:10).
O serviço ao outro depende de nossa união com o corpo de Cristo
(“os membros de um mesmo corpo”) e também deve ser exercido cada
qual dentro do dom que recebeu do Senhor. Por isso diakonia precisa ser
entendida como algo mais abrangente que apenas a ação ou assistência
social por parte de pessoas da igreja para com seus membros ou os
de fora – esse conceito diaconal perpassa a todo ministério cristão –
“servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu” – Pedro
queria nos mostrar que se pregamos, servimos à mesa, cuidamos da
administração, ensinamos ou desenvolvemos qualquer outro ministério
cristão devemos fazê-lo como diakonia – servindo aos outros.
Em Filipenses 2:1 Paulo expõe quatro frases que começam com a
interjeição se – na verdade o termo grego (ei) deveria ter sido traduzido
de outra forma, para não dar a idéia de algo condicional, pois não é o
caso, mas se de certeza absoluta. F. F. Bruce argumenta que esta tradução
correta de ei “implica na inexistência de qualquer dúvida quanto à
realidade destas bênçãos, quer na mente de Paulo, quer na experiência
dos filipenses: poderia ser traduzido assim: ‘tão certo quanto’” (1989,
p. 74) – “Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação
de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e
misericórdias” (Fp 2:1).
Paulo está argumentando com a igreja de Filipos que ele
gostaria de ter mais alegria quando eles entendessem que exortações,
consolações, comunhão, afetos e misericórdia já se encontram
em Cristo e estão a nossa disposição no viver diário cristão. No
sentido incorporativo a frase em Cristo é que demonstra para as quatro
condicionais como é que se pode ter cada uma daquelas afirmações:
• Em Cristo é que se tem conforto, consolação, comunhão no
Espírito e entranháveis afetos e misericórdias;
• Exortação – pode ser conforto, consolo (paraklesis) que é

114 A cidade em perspectivas multidisciplinares


sinônimo de consolação – Paulo usa uma para associar com a outra;
• Consolação de amor – não há nada mais difícil que conseguir
uma unidade em amor no meio da comunidade, mesmo cristã, posto
que somos muito diferentes, cultural e psicologicamente e quando
partilhamos do mesmo espaço, quer seja numa igreja, quer seja em um
grupo existe hoje (como na época de Paulo já demonstrava também
existir!) uma tendência grande ao hedonismo – os interesses pessoais
quase sempre estão em primeiro lugar e nada mais justo que esta
exortação (consolação) do apóstolo para a Igreja, onde não é também
o interesse da massa ou da comunidade que deverá estar em primeiro
lugar, como no comunismo, mas sim o interesse de Cristo, a glória do
seu reino. O objetivo da consolação é nos fazer participantes da graça
de Cristo e não apenas sanar os problemas;
• Comunhão no Espírito – porque estamos em Cristo é que temos
comunhão uns com os outros. Paulo refere-se aqui à comunhão no
Espírito na decorrência de termos sido todos batizados no corpo de Cristo
(batismo no Espírito Santo) e, portanto “aquele que nos une a Cristo (o
Espírito) é o mesmo que nos une uns aos outros” (Bruce, 1989, p. 74).
No amor é que há a consolação saudável e possível para esta
comunhão espiritual. O fato de Paulo mostrar aqui a referência aos
afetos e misericórdias é algo sublime, pois evoca o que foi feito conosco,
quando Deus nos tratou com afeto e misericórdia mesmo sendo nós
ainda inimigos. Estes afetos e misericórdias referem-se diretamente
ao serviço cristão, na diakonia, o cuidado para com o outro. Bruce
também argumenta que “os crentes experimentaram os entranháveis
afetos e compaixões de Cristo, de modo que agora podem demonstrar
mais facilmente tais virtudes para com os outros” (1989, p. 70). Essa
é a condição do cristão – ele já experimentou de Cristo, e através do
Espírito Santo de Deus recebeu de Deus misericórdia a afeto, recebeu
consolação, recebeu conforto e consolo recebeu comunhão com Cristo
e com os outros – ou seja, há em nós condições de sermos estes que
completam a alegria evocando e trazendo para nossa vida tudo aquilo
que o Pai já fez em nós através de Cristo e do Espírito Santo. E isso é
diakonia ou serviço cristão.
Paulo continua construindo seu argumento da necessidade

115
da ausência de presunção pessoal acerca de qualquer coisa,
principalmente acerca dos outros que estão ao nosso redor. Em
Filipenses 3:2 Paulo trata da questão do partidarismo. Parece
algo muito comum às comunidades cristãs estarem divididas
ou dividindo-se em partidos. No versículo 2 ele insta para que a
Igreja tenha um só pensamento e partidarismo é o contrário da
unidade de pensamento.
Ser um servo humilde, como Cristo se propôs não era algo
que tinha um conceito muito bom naquela época (continuamos na
mesma hoje!) e era associada ao servilismo, literalmente poderia ser
traduzida como um espírito mesquinho, de servo. Humildade não
era uma virtude estimada principalmente no meio da sociedade
pagã, tendo como ponto de vista as culturas romanas e gregas. Os
discípulos mesmo sentiam dificuldade em aprender isso – Jesus
tinha que insistir que o maior entre eles deveria ser o que serve,
tomando como exemplo ao próprio Mestre, que “não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc
10:45). O que Paulo diz aqui é ao considerar os outros superiores
a nós mesmos, é o processo aqui de aplicação da humildade numa
vida prática não fingida, tendo uma sinceridade e comunhão de
amor como relatou anteriormente. Em discussões ou debates temos
a tendência de tomar partido, de olhar as coisas do ponto de vista
único válido – o nosso! E é isso que o apóstolo quer evitar ao
demonstrar que os afetos e misericórdias de Deus já vieram até nós
e que, portanto temos condições de fazer com outros aquilo que já
foi aplicado a nós.
Em 2:4 ele argumenta – atente cada um ... para o que é dos
outros – é possível que essa exortação aqui é para devemos ficar
atentos (olhar fixamente) para as qualidades dos nossos irmãos que
estão ao nosso lado no corpo de Cristo, e que “quando tais virtudes
forem reconhecidas serão um incentivo a nossa forma de viver”
(Bruce, 1989, p. 75).
Paulo está preparando a Igreja a pensar de modo semelhante
a Cristo – como alguém que pôs os interesses dos outros antes dos
seus próprios interesses. Essa maneira de pensar difere em muito

116 A cidade em perspectivas multidisciplinares


da maneira como Paulo deve ter sido educado no judaísmo e aqui
ele está nos fazendo assimilar o conceito sobre o qual tratará mais
adiante, quando Cristo deixa no céu a sua glória e despojando-se (não
considerando o que era propriamente seu, o céu, sua glória, o poder
e o esplendor!), abrindo mão para que outros pudessem ter também
da sua glória – é o cumprimento do propósito de Deus, fazer outros
partilharem da glória de Cristo.

Entendendo o modelo Jesus – implicações para a


vida cristã
A alegria de Deus em Cristo precisa repetir-se na alegria que ele
tem comigo, com cada um de nós. O intuito de sua vida em nós é
justamente nos fazer entender que a essência da condição de sermos
santos e separados para ele nos dá um favor, uma obrigação, mas
acima de tudo uma alegria no Senhor de saber que o propósito que ele
realizou em Cristo será realizado conosco.
A humilhação que conduz a glória é o que vemos no processo
de esvaziamento de Cristo Jesus. Paulo argumenta corretamente sobre
isso em Filipenses.
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em
Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não
julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo
se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em
semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a
si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e
morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira
e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao
nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo
da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para
glória de Deus Pai. (Fp 2:5-11).
Quando a Palavra do Senhor nos diz que Cristo se esvaziou não
devemos entender como ele tendo perdido alguma coisa, mas sim que
ele deixa de agir exclusivamente como Deus e encarna-se para, na
dependência do Espírito Santo de Deus, agir 100% como ser humano.
A teoria cinótica do esvaziamento de Deus nada tem a ver com esse

117
verso – que é chamada de Kenosis. O que está sendo tratado aqui é
justamente Paulo trazendo a memória o hino do servo em Isaías –
quando o esvaziar-se até a morte pode ser considerado como Jesus
tendo derramado a sua vida na morte (Is 53:12).
Louis Berkhof argumenta que “o estado de humilhação consiste
em Cristo ter posto de lado a majestade divina que era Sua como
soberano governador do universo ter assumido a natureza humana na
forma de servo e ter ficado, Ele que é o supremo legislador, sujeito às
exigências e à maldição da lei” (1985, p. 170).
O fato mais preponderante certamente é que ele sendo Deus, não
considerou como sendo impedimento o ele ser Deus, para encarnar-
se homem, assumindo a atitude e forma de servo e sendo obediente
como servo até a morte e essa morte não é uma morte qualquer, mas é
uma morte onde ele seria contado com os malditos.
Ser servo na época de Cristo era o ponto extremo de negação
dos direitos de uma pessoa. Cristo assumiu o fato de que sua diakonia
o colocaria numa posição em que as necessidades dos outros viriam
antes das suas. O fato de Cristo ter assumido esta posição, de serviço
ao outro, torna nossa vida cristã e ministério cristão possível. Nossa
condição, então, é a de quem já experimentou de Deus, já recebemos
amor, misericórdia, conforto e consolação de Deus, portanto, podemos
ter comunhão com outros, pois o mesmo Espírito que já nos uniu a
Deus nos une uns aos outros. Assim, por causa de Deus e para a glória
de Cristo a diakonia, o ministério cristão se torna possível e esperado.

118 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 12
A cidade e os desafios para o século XXI

Introdução

Nesta aula iremos apropriar ao que já foi estudado


conceitos e estratégias para o alcance da cidade em meio aos
grandes desafios que a cidade no século XXI nos propõe.

Objetivos

Fazer o estudante analisar o contexto geral da cidade em


relação ao mal estrutural, visando uma atuação contextual,
transformadora, proclamadora e de reconciliação para com
toda a criação, que inclui a cidade.

119
Implicações missiológicas para o serviço cristão
Ao afirmamos que a Missão de Deus também tem o seu lado de
responsabilidade social não estamos sós, mas junto com milhares de
homens e mulheres que entendem que o pacto de Lausanne representa
uma declaração de fé válida para nossos dias. Neste pacto, lemos o
seguinte no seu ponto 5, da responsabilidade social cristã:
Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens.
Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela
conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos
homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi
feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça,
religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma
dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e
servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos
de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado
a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas.
Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação
com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação
política salvação, afirmamos que a evangelização e o
envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever
cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas
doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso
próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da
salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda
forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não
devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que
existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo
em seu reino e devem procurar não só evidenciar mas também
divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A
salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando
na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A
fé sem obras é morta (Lausanne:1983, p. 12).
O teólogo Reginaldo von Zuben, professor na FTSA afirma
em seu artigo intitulado Superando dualismos, publicado na Práxis
Evangélica, revista teológica da Faculdade Teológica Sul Americana
sua visão sobre a missão integral, dizendo:

120 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A perspectiva integral do ser humano e se sua situação histórica
não esteve ausente nos debates e discussões em Lausanne, assim
como não deve estar ausente na perspectiva da missão cristã
hoje. Neste sentido, a evangelização deve necessariamente levar
em conta a preocupação e o compromisso com as questões
sociais, como percebemos na citação abaixo:

“Um dos mais calorosos debates da reunião que firmou o


Pacto de Lausanne foi o da relação entre a evangelização e
o compromisso social. Com muita sabedoria, o conclave
então reunido formulou sua compreensão desta relação de
modo tal que veio a se tornar o grande elemento peculiar do
evangelicalismo contemprâneo: a integridade da missão da
Igreja: todo o evangelho, em todo mundo, para o ser humano
todo. (Zabatiero, 2005, p.21)” (Zuben, 2005, p. 48).
Porém, o compromisso social não é a única vertente possível para
a diakonia, pois o proposto nesta reflexão é justamente a integração do
ministério cristão como sendo um fruto da vida de um servo(a) de
Deus no seu sentido mais amplo e abrangente possível.

Toda a criação e não somente uma parte dela


Não há de se entender redenção ou mesmo a missão ou sua
ação missionária essencial na evangelização sem que se atente para o
plano geral (e maior!) de Deus em relação a todas as coisas criadas: a
expectativa da Revelação de Deus é fazer o ser humano entender que
tudo foi criado com um propósito que é de dar glória a Deus e não
apenas o ser humano. Tendo então a criação como um todo o objetivo
de glorificar o nome de Deus, é necessário pensar na função da Igreja
em salgar a terra de maneira mais inclusiva do que existe hoje, talvez
até mesmo numa digressão, estabelecer novos conceitos pelos quais
fortalecer a fé e despertar ações a caminho de uma vida cristã mais
autêntica, holística e em consonância com o plano e propósito de Deus
para a própria criação.
Em Gênesis 1:26 a 2:17, enxergando o texto pela ótica da missão
de Deus, podemos perceber a humanidade criada foi feita à imagem
e semelhança do seu Criador (v. 26-27), foi abençoada por Deus (v.

121
28) e Deus mesmo diz que tudo foi criado perfeito e bom (v.31), nas
palavras de Derek Kidner, “abençoar não é só conferir uma dádiva,
mas também uma função (conforme 1.22; 2.3)” e é dessa função que
estamos pensando aqui neste texto (1985, p. 16).
Qual o objetivo da natureza? Ela foi criada por Deus para manter
e preservar a vida do ser humano – “todas as ervas... de toda a terra...
todas as árvores... todos os animais da terra... todas as aves do céu...
todos os répteis da terra... lhes será por mantimento” (v. 29-30). Para
sua própria preservação, a humanidade recebe de Deus a bênção,
ou seja, a bênção funcional de cuidar de toda a natureza – “Deus...
colocou (o ser humano) no jardim... para o cultivar e o guardar” (v.
15). A preservação mútua da vida – da humanidade e de toda a criação
além de serem interdependentes faz parte do plano do Senhor para
que a sua glória venha a ser manifestada – ou seja, para que a missão
de Deus seja cumprida por ele mesmo.
Com a queda a terra se torna maldita (Gn 3:17) por causa do
pecado, mas mesmo após a queda enxergamos nos relatos que Deus
permanece ligado ao seu propósito primeiro: glorificar o seu nome
através do seu plano com a criação. Deus re-estabelece esta verdade
em Noé – “Estabeleço a minha aliança convosco (com o ser humano)...
para perpétuas gerações” (Gn 9:9-12).
Depois da generalizada corrupção do ser humano que tem por
fim a história de Noé (Gn 6 a 9) e com a ampliação da corrupção em
Babel (Gn 11), Deus espalha as famílias pela terra (Gn 11) e chama
a Abraão, para que o povo formado através dele fosse bênção para
“todas as famílias da terra” (Gn 12:3); Deus não mudou seus planos e
continua com o mesmo propósito: abençoar a humanidade com sua
manifestação, revelação e bondade para que a sua glória seja manifesta
e toda a terra seja invadida com a sua glória.
Os verdadeiros filhos de Abraão (Jesus declara que são aqueles que
são chamados pela fé como o crente Abraão) agora são denominados
pelo próprio Senhor de “sal da (para) terra” (Mt 5:13). Analisando
exegeticamente este versículo chegaremos a uma conclusão no mínimo
espantosa. Vejamos:
O sal, referindo-se provavelmente ao cloreto de sódio retirado
de perto do Mar Morto, um pó branco que muitas vezes permanecia

122 A cidade em perspectivas multidisciplinares


misturado a outros produtos, era conhecido de qualquer um dos ouvintes
de Jesus. Fala-se muito das propriedades preservadoras do sal ou mesmo
da função de dar sabor às comidas. O contexto da análise lingüística,
porém, sugere que antes de qualquer coisa se deve levar em conta a
“propriedade estimulante do sal, como fertilizante. Esta idéia é mais
edificante do que atrasar a putrefação. Jesus não veio para evitar que o
mundo entrasse em putrefação, mas, sim, para salvá-lo (Jo 3:17) e dar vida
em abundância” (DITNT, 1983, p. 332-338). Encontramos ainda que o sal
deve ser encarado aqui como “condimento que tem a função de ressaltar
a qualidade do alimento ou do solo” (1983, p. 332-338).
A melhor tradução da frase seria, portanto: “Vós sois o sal para a
terra”, pois a terra (tes ges – grego Koinê) está como genitivo objetivo
indicando que o sal da questão deve ser pensado como propriedade
para a terra. A palavra terra (ge) aqui empregada denota mais a questão
geográfica do que política e geralmente é utilizada para distinguir o céu
(ouranos) da terra (ge), obviamente diferente de mundo (kosmos) onde
a ênfase são as pessoas, ou o lugar de habitação delas, num significado
mais religioso ou filosófico.
Juan Mateos argumenta que moiranô (falando sobre o sal se
tornar insosso) refere-se a Mateus 7:26, principalmente na questão de
ser néscio aquele que ouve as palavras de Jesus e não as pratica. Assim,
“a comunidade que em sua prática trai a mensagem não tem nenhuma
razão de existir” (1983, p. 62-63).
Orlando Boyer diz que Jesus “proferiu estas palavras afastado das
multidões (cf Mt 5:1), mas com o alvo de abençoá-los por intermédio
daqueles a quem ensinava” (1970, p. 84), seus discípulos.
Sendo que Deus tem a sua missão (reinar soberano e absoluto,
conforme a tríplice missão em Apocalipse) e tem um povo da Missão,
seus discípulos, desde o princípio, quer seja na criação, no mandato
cultural, nas alianças, no chamado de Abraão, na vinda de Jesus, na
formação da Igreja ele continua querendo a mesma coisa: que nós,
os que foram separados por ele e para ele e que somos constituídos
de material diferente da terra que nos cerca (o sal é uma substância
diferente da terra) precisamos exercer a função de salgar a terra,
abençoando e não apenas dando sabor, ou preservando-a da podridão.
É necessário ser mais positivo no alcance do sal para a terra, pois o que

123
está implícito no texto é justamente a produção de vida que depende da
utilização do sal corretamente, sem sujeiras que possam desqualificá-lo.
Então, ser sal para a terra tem uma resignificação a ser feita:
ser sal é ser mais que um pregador, é ser mais que um defensor da
sã doutrina, é ser mais que um apologista de Deus, é ser mais que
um denunciador profético dos males e corrupções do mundo, é ser
mais, muito mais; é ser alguém comprometido com o Reino de Deus
de maneira que as ações de salgar a terra perpassem a nossa própria
conduta como servos do Reino e nossas ações sejam inclusivas e não
exclusivas. É ser ativo no compromisso com a restauração da vida e
não somente com a pregação de um evangelho alienante que só faz
sentido dentro das quatro paredes das igrejas. É enxergar os sinais
do reino de Deus, dentro e fora da igreja e persegui-los, e quando
os alcançar promovê-los para que o Reino de Deus seja ampliado e
as bênçãos deste reino alcancem o que Deus planejou alcançar deste
o princípio: toda a sua criação sendo restaurada para a glória dele
mesmo. Estas atitudes pressupõem para nós mais que simplesmente
pregar o evangelho falando às pessoas ou ações/assistências sociais.
Charles Van Engen argumentou em 2008, em um curso na
Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA) em Londrina, que “a
igreja não existe como propósito de servir a seus membros, mas sim
consiste de membros que existem para ser povo de Deus, participando
da sua missão no meio da comunidade e servindo a outros”.
Por causa disso, desta vocação missionária que pesa sobre a igreja
do Senhor, faz-se necessário e urgente conhecer o contexto da vida
urbana que processa uma mudança enorme na maneira como o ser
humano habita e vive na cidade. Esta mudança ocorre principalmente
por causa do esvaziamento da zona rural numa migração da grande
maioria da população hoje, ao contrário do que no passado, habita em
meio à cidade e suas necessidades.
José Comblin, o teólogo da cidade, diz que “parece chegar
o momento de considerar-se as realidades humanas concretas e
confrontá-las com a realidade do cristianismo. A cidade é uma destas
realidades, e uma das mais importantes” (1991, p. 12).
A cidade constitui um desafio maior que podemos supor, pois
grande do tempo de vida da igreja foi desenvolvido no modelo e para o

124 A cidade em perspectivas multidisciplinares


modelo rural, portanto nos ausentamos muito da cidade – não que não
habitássemos nela, mas sim que a considerávamos como réu do fogo
do inferno e lugar de completa perdição e assim a comunidade cristã
se dedicou a olhar para as pessoas na cidade como símbolo de perdição
irremediável e, portanto não havia o que fazer para sanar isso.

Transformando a cidade para a glória de Deus


Paulo, muito sabiamente, delineia o que creio ser a abrangência
da obra redentiva de Cristo, ao afirmar em Romanos a necessidade de
toda a criação. Vejamos:
A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos
filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não
voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na
esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro
da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus.
Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e
suporta angústias até agora (Rm 8:19-22).
Há uma ardente expectativa da criação e esta expectativa é gerada
pela redenção de Cristo e o que me chama muita atenção neste texto é
que a criação espera (aguarda) algo que tem a ver conosco. Esta criação
(toda a criação) tem esperança da redenção. Este cativeiro da corrupção
que sujeito o ser humano no pecado também encerrou toda a criação do
mesmo jeito e o que nos alcança para a redenção deverá chegar também
até a criação que a um só tempo, geme e suporta angústias.
Existe aqui um paradigma a ser vencido – nossa preocupação
com a salvação parece assumir a máxima de que nossas almas
precisam desta redenção e a criação é apenas algo que vou me utilizar
para manter-me vivo enquanto espero o fim de todas as coisas.
Em relação à cidade geralmente a enxergamos como algo do
mal e que não pode ser redimida, pois nela residem e comandam os
ímpios e o seu destino é piorar até ser destruída como foram com
várias cidades bíblicas que podemos citar.
Ênio Caldeira Pinto, em seu esclarecedor artigo A Missio Dei na
cidade, argumenta o seguinte:

125
No mundo bíblico o que se pode perceber é que a Palavra de
Deus foi privilegiando as cidades como horizontes missionários
carentes de uma mensagem de transformação. Naquela época, os
estóicos eram os religiosos de proeminência social. Seus ensinos
enfatizavam o espírito em detrimento ao corpo. Para eles, o
corpo era mau, a matéria ruim e somente o espírito possuía boas
qualidades. Na verdade, o estoicismo cosmopolitano tomou o
controle religioso, formando uma cidade espiritual. É justamente
nesse contexto que o Evangelho ganhou terreno fértil para a
pregação cristã. As cidades helênicas tornaram-se palcos de uma
nova ordem religiosa. Sobretudo em o Novo Testamento, Cristo
foi pregado como transformador da cidade (2003, p. 33)
Olhando para a maneira como Paulo introduz várias de suas
cartas entenderemos um pouco sobre a necessidade de inserção da
ekklesia na vida da cidade. Antes se faz necessário brevemente definir
ekklesia, pois fazemos muita confusão entre templo e igreja.
O termo para igreja no Novo Testamento é ekklesia que é
composto pela preposição ek (para fora de) e a raiz kaleo (chamar)
que literalmente poderia ser traduzido por chamada para fora de,
dando-nos a idéia de uma comunidade que tem como alvo óbvio da
sua existência o fato de ter sido criada a partir de pessoas que foram
convocadas para agir fora do contexto interno da própria convocação.
Isso está presente, obviamente, por causa do contexto da formação do
termo – quase sempre eram pessoas convocadas para uma assembléia
que iriam discutir e decidir pontos a respeito da sua sociedade –
decisões políticas, econômicas e religiosas – muitas vezes era uma
convocação para a guerra. Qualquer que fosse o motivo o objetivo era
a reunião para fazer alguma coisa fora do contexto da convocação –
por isso chamada para fora. Obviamente o termo também está ligado
a agrupamento de indivíduos e em todo o Novo Testamento adquire o
conceito de comunidade dos santos.
O que importa para nosso estudo aqui é que a conformação
ekklesia não se prende ao templo (local onde ela se reúne) e nem
mesmo a certo número de pessoas organizadas como igreja local.
O fato de que pequenos grupos em casas individuais se chamam
‘ekklesia’ (Fm 2; 1 Co 16.19; Rm 16.5; cf. também Cl 4.15) indica

126 A cidade em perspectivas multidisciplinares


que nem a significância da cidade, nem o tamanho numérico
da assembléia determina o emprego do termo. O que conta é a
presença de Cristo entre aquelas pessoas (cf. Gl 3.1) e a fé que
Ele alimenta nelas (DITNT, 2000, p. 994).
Por isso os escritores do Novo Testamento evitam a todo custo
o uso da palavra synagoge (assembléia, sinagoga), deixando esta
expressão técnica apenas para as reuniões da sinagoga judaica em cada
cidade (tendo com exceção apenas Tiago 2:2.
A idéia da localização da igreja é menor no sentido de que o
objetivo primeiro do chamado deste povo de Deus é para proclamação
de Jesus Cristo.
Quando Paulo fala da igreja, dando ênfase diferente nas várias
cartas individuais, seu ponto de partida é a proclamação de
Jesus Cristo. Quando os homens a recebem pela fé, Cristo se
torna presente e real na experiência deles. A ‘ekklesia’ surge
como um evento do qual Deus cumpre sua eleição através da
chamada pessoal (Rm 8.29-30) (DITNT, 2000, p. 991).
O fato dos escritores do Novo Testamento, principalmente Paulo
localizarem a igreja vinculando-a com uma cidade tem uma grande
razão de ser, pois cada um, chamado por Cristo, pertence à igreja que
está localizada na cidade e por conseguinte ele ou ela não perdem a sua
cidadania terrena, mas ganham uma dupla cidadania.
Paulo, em Filipenses 3:20, descreve sobre esta nova cidadania –
“nossa pátria está nos céus” utilizando o termo politeuma (cidadania)
onde o apóstolo contrasta o estilo de vida dos cristãos com os que não
são, mas pensando aqui única e exclusivamente na cruz de Cristo, pois
anteriormente ele intitula de “inimigos da cruz de Cristo” (cf. 3:18) e
parece referir-se as pessoas que estavam no meio da ekklesia, mas que
não pertenciam a ela.
Mesmo que a ekklesia seja uma colônia do céu na terra (como a
cidade de Filipos era uma colônia de Roma) não implica em perder a
cidadania terrena e viver de modo alienado – este novo modo de vida
está impreterivelmente junto com o modo antigo, por isso ekklesia
possui a sua localização e existência marcada pelos limites geográficos
da cidade – eles (os cristãos) pertencem tanto ao céu como a terra;

127
são cidadãos do céu na terra e continuam pertencendo a cidade onde
habitam.
Assim, quando Paulo quer explicar sua idéia de ekklesia ele lança
mão de vários recursos, mas o que melhor caracteriza seu pensamento
é a de ekklesia ser um corpo (soma) e que nesse corpo, o corpo de
Cristo, cada membro possui uma função esperada e também recebe da
cabeça (Cristo) dons específicos para a edificação deste mesmo corpo
ou edifício. Estes dons dão entregues por Cristo, pelo Espírito santo e
tem como objetivo edificar o seu próprio corpo, tanto cuidando uns
dos outros dentro da comunidade como para cumprir a vontade do
Senhor na proclamação e cuidado para com os de fora.
Localizar igreja apenas vinculada a uma instituição ou mesmo
a um lugar (templo) onde efetivamente ela se reúne é um desserviço
ao corpo de Cristo. Por isso Agostinho, Wycliffe, Lutero e Calvino
desenvolvem a idéia da igreja invisível deixando claro que aqueles
que pertencem à igreja efetivamente só são conhecidos mesmo pelo
Senhor, principalmente pensando em 2 Timóteo 2:19 – “O Senhor
conhece os que lhe pertencem”.
Esta ekklesia que está localizada na cidade tem como alvo
primeiro do seu ministério cristão os que são de fora.
Daí algumas considerações práticas missionárias sobre a
transformação da cidade a partir da vida da ekklesia.
José Comblin, falando sobre a teologia da cidade, afirma:
Não seria fácil demonstrar historicamente o que as cidades
devem ao cristianismo. Teríamos que estudá-las uma a uma e
fazer a história das influências que agiram em cada caso. É mais
importante realçar que, apesar do que possa ter sido o passado,
a tarefa dos cristãos e o efeito da redenção de Cristo é salvar
a cidade de seu mal, transformá-la em autêntica comunhão
humana (1991, p. 58).
É assim que devemos entender o nosso chamado, um chamado
radical de Cristo para que assumamos neste quesito chamado cidade a
função de transformá-la em algo que glorifique também o nome de Cristo.
Invariavelmente muita coisa pode acontecer quando somos
enviados à cidade.

128 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Os cristãos são enviados à cidade, não para assimilarem-se a
ela e dissolverem-se em suas estruturas, mas para transformá-
la, para libertá-la de seus pecados, para adaptá-la à verdadeira
comunidade humana. Nisso consiste a dialética interior de cada
cristão: aproximar-se da vida urbana o bastante para convertê-
la e afastar-se também o bastante para não ser convertido por
ela. Alguns cristãos, mais do que ter que afrontar esta tensão
interior permanente, podem ser tentados a dar marcha à ré
e voltar ao gueto do Antigo Testamento. Pertencem à igreja
de maneira tão exclusiva que a transformam em sociedade
fechada e completa à margem da vida urbana. Em lugar de
abrir, mediante a missão, o círculo dos privilégios, mantêm-no
fechado (Comblin, 1991, p. 60).
Exercer diakonia em relação à cidade para transformá-la passa,
portanto pelo conhecido das suas reais necessidades, não daquelas
que imaginamos que existam, mas pela pesquisa antropológica séria
que nos levará a viver uma mensagem do evangelho contextual e
libertadora.
Perto do ano de 1562, Pieter Bruegel, pinta o quadro O triunfo da
morte e retrata um mundo a beira das trevas e dominado pelo exército
da morte que ataca por todos os lados individualmente ou em grupo
a quem encontram pela frente. O triunfo da morte é o retrato do mal
estrutural (nesse caso retratado como a morte) e retira a esperança do
ar tornando-se a essência de toda a existência apenas sucumbir.
As estruturas da cidade, todas elas, estão permeadas pelo mal
– podemos chamar isso de mal estrutural. Jun Vencer, em aulas
ministradas na FTSA, mostra que o mal estrutural gasta por ano mais
de 9 trilhões de dólares, com financiamentos de crimes, armamentos
militares, fraudes financeiras, apostas, crime organizado, alimentos
perdidos para pragas urbanas (ratos, por exemplo), tabagismo,
sonegação de impostos, drogas ilegais e roubo. Isso é 32% do produto
interno bruto mundial. Segundo o professor Jun Vencer se este valor
fosse reduzido para 6% sobraria dinheiro para abrigar todos os pobres
do mundo com moradia, educação, comida e água.
Ao escrever o livro Um jumentinho na avenida, Marcos Monteiro
diz:

129
Diante das transformações psicológicas, sociológicas,
tecnológicas e culturais que têm ocorrido nas grandes cidades,
qualquer pastor, com sua teologia bíblica e sua experiência
mística, se sente tão anacrônico quanto um jumentinho
puxando em meio à velocidade e ao barulho das motocicletas,
automóveis, ônibus e caminhões, ele vai ruminando suas
limitações pessoaIs e arrastando uma carroça (chamada igreja)
cheia de objetos velhos e móveis usados (2007, p. 11).
Essa é uma grande realidade em meio as cidades e igrejas, pois
as mudanças ocorridas nos últimos anos na configuração demográfica,
saindo da ruralidade para um vida urbana caótica, coloca líderes e
pastores quase completamente despreparados para a prática da missão
em meio à urbe.
A pergunta crucial que devemos fazer a esta altura é: como
agir missionariamente numa época tão voltada para o intra, para o
particular, para as necessidades individualizadas?
Participe da sua cidade! Não adianta você florescer, ter
prosperidade, ser abençoado se outros ao seu redor continuam sofrendo
com problemas. Exigir ruas calçadas, que não tenham buracos e que
sejam iluminadas coerentemente dentre outras coisas são atitudes
esperadas daqueles que são exercem diakonia no ministério cristão e é
previsto no Estatuto da Cidade que você pode fazer parte das decisões
sobre a mesma. Se participarmos da vida na cidade irá melhorar a
cidade e a vida de todos os que habitam nela.
Agir em diakonia para com a cidade implica em oferecer da
parte do corpo (ekklesia) e também individualmente como cidadãos
que pertencem às duas cidades – a cidade dos homens e a cidade de
Deus, atitudes de cuidado, de transformação, de mudança de valores,
de reestruturação para a transformação das vidas na cidade e da própria
estrutura da cidade em si, de modo que venha ser um lugar também
onde se encherá da glória de Deus, como as águas cobrem o mar.
Ítalo Calvino (1923-1985), em seu livro Cidades Invisíveis,
coloca o viajante Marco Polo encontrando-se com o imperador
mongol Kublai Khan narrando sobre cidades, cada uma delas com
o nome de uma mulher e nenhuma delas eram reais – ele fala sobre
uma cidade chamada Dorotéia em torres de alumínio, muralhas

130 A cidade em perspectivas multidisciplinares


enormes, pontes levadiças que separavam os bairros, mas que possuía
uma população apaixonada e que andava pelas ruas de maneira rápida
e alegre. Na narrativa o que se mostra mais evidente é que as cidades
são importantes pelo que são os seus habitantes nelas, pelo que fazem,
como e para onde andam, pelos seus olhares, pela maneira como amam,
quer sejam cidades muito organizadas ou bagunçadas. As pessoas
amam suas cidades ou não justamente por causa da vida que tiveram
ali, porque viveram ali situações ricas, apaixonadas e marcantes.
Sérgio Lyra, em seu livro Cidades para a glória de Deus nos
traz sensatez ao tratar do tema da cidade dizendo sobre Jesus:
A opção de Jesus pelas cidades não significou que o seu
ministério só era exercido dentro das cidades. Cristo não visava
atingir apenas os que moram nos centros urbanos, ele buscava
pessoas. Ora, as cidades eram os locais onde elas estavam em
quantidade, daí a sua estratégia, prioritariamente urbana.
Contudo, se faz necessário notar que Jesus, também, desejava a
transformação das estruturas injustas da cidade (2004, p. 130).
E também afirma que
Tal atuação se contrapõe à interpretação de muitos teólogos
do grupo evangelical, em especial aqueles autodenominados
fundamentalistas, que tendem a centralizar a teologia na obra de
Deus, unicamente para salvação da alma do homem. A própria
história é testemunha daqueles que ao se preocuparem apenas
com a salvação individual, produziram uma alienação social ao
reduzirem o pecado como mal inserido somente no individuo.
Ao se estabelecer que “o mal de uma cidade é composto pelo
engrandecimento pessoa, auto-indulgência, injustiça social e
idolatria”, seria ingênuo pensar que a conversão de pessoas nas
cidades, automaticamente, produzirá a restauração urbana. Se os
sistemas que a controlam não forem impactados com os valores
do Reino de Deus, não haverá transformação efetiva, e isto não
passou despercebido no ministério de Jesus (2004, p.131).
Expus, inda que brevemente, vários dos aspectos necessários à
‘diakonia’ na cidade; assuntos e áreas de interesse em que cada um de
nós, cristãos urbanos necessitamos atuar com esta ênfase no ministério

131
cristão, no serviço cristão ao outro.
Há necessidade urgente de vivenciarmos uma fé mais viva, mais
intensa e que serve a Deus através do serviço à comunidade.
Este cristianismo, de uma fé viva e não morta é o verdadeiro
cristianismo que diferente da falsa religião, nos constrange a seguirmos
o samaritano e não o sacerdote ou o levita do texto de Lucas 10.
Ronaldo Lidório, em seu livro “Plantando Igrejas” nos diz que:
O sacerdote, conhecedor da Palavra, e o levita, ministro da
adoração a Deus, formavam o clero religioso da época. Sua
relutância em parar perante um homem caído ao lado demonstra
muito mais que insensibilidade. Mostra que é possível ser
Igreja, conhecer a Palavra, se envolver com a adoração a Deus
e ao mesmo tempo desprezar o desespero humano (2008, p.80)
Entendo que podemos, mesmo hoje, reproduzir este ‘modelo’
perverso, onde nossa prática cristã diferencia tanto de nossas pregações
como dos mandamentos bíblicos e das palavras de Jesus.
René Padilha também afirma algo parecido em seu livro “Missão
Integral” que “a salvação é o retorno do homem a Deus, mas é também o
retorno do homem a seu próximo” (2000, p. 32) colocando de modo direto e
simples a temática da ‘diakonia’, que gera cuidado e mantém a comunhão.
Creio que a única maneira de entendermos e praticarmos este
tipo de Missão, voltada para o louvor, a glória de Deus bem como para
a reconciliação do ser humano e de toda a criação para com o próprio
Senhor está no modelo Jesus: a sua encarnação e palavra nos mostram
que “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar
a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45).
Quando você enxerga sua cidade, suas dificuldades e necessidades,
as ansiedades que transtornam a vida das pessoas levando muitos ao
desespero completo, deve pensar como ser um agente de transformação
para eles. Ronaldo, ainda no seu livro “Plantando Igrejas” diz que
“igrejas plantadas que ao longo dos anos não fomentem transformação
humana e social são redutos espirituais que, mesmo na busca cúltica
pelos valores do Reino, deixam de ser sal da terra e luz do mundo” (2008,
p.81). Ele também fornece algumas dicas para um maior envolvimento
social que promova esta ação de transformação social. São elas:

132 A cidade em perspectivas multidisciplinares


1. Peça ao Senhor para sensibilizar seu coração, para que você seja
levado a se importar e observar as demandas humanas e sociais. Olhe
para onde está o sofrimento humano.
2. Pregue de forma inconformada com o pecado e suas conseqüências,
como a injustiça humana, crendo que Cristo há de salvar a alma e dar
senso de justiça ao corpo.
3. Desenvolva uma linha de ação a partir do perfil da sua igreja.
Se há um corpo presente de médicos e enfermeiros promova clínicas
volantes. Se há mães e mulheres dispostas inicie uma creche de auxílio
à comunidade carente. Se há um corpo de psicólogos desenvolva um
programa de auxílio às doenças emocionais.
4. Inicie um projeto pequeno e experimental. Envolva-se
pessoalmente neste projeto.
5. Envolva a igreja com a sociedade. Deixe que ela sinta o sofrimento
humano e passe a se importar. Leve-os a transitar na sociedade local.
6. Exponha na Palavra a diferença que Cristo faz em uma sociedade
transformando o sofrimento em esperança.
7. Não se deixe corromper pela revolta contra a miséria e injustiça
pois um espírito revoltado não possui equilíbrio para a batalha. Tenha
em mente que a Palavra é o melhor instrumento e o maior bem que
você pode usar e entregar a uma sociedade. Somente o evangelho
produzirá transformação durável e permanente.
Estes ‘redutos espirituais’ a que Ronaldo denomina parecem-
se muitos com as clausuras e mosteiros de séculos passados, onde
homens e mulheres se refugiavam em busca de uma espiritualidade
mais sadia, mas algumas vezes sem um envolvimento direto com o
‘outro’. Francisco de Assis entendeu que isso não deveria ser assim e
Valdir Steuernagel em seu livro “Obediência Missionária e Prática
Histórica” nos diz que:
O movimento mendicante nos ensina que não se pode ficar no
passado (sociedade feudal) e cultivar o enclausuramento (vida
no mosteiro). É preciso perceber os sinais dos tempos e estar
em contato com as crises e mudanças da sociedade para melhor

133
servir a Deus e às pessoas. Atentos às mudanças de seu tempo, os
franciscanos foram às cidades e serviram aos pobres. Este é um
desafio absolutamente premente e contemporâneo. Não é possível
falar em missão hoje sem falar na cidade e no pobre (1993, pág. 87).
Ir às cidades e servir às pessoas, cuidar da vida do que necessita
tanto pobre quando rico, tanto do desesperado por necessidades
físicas como psicológicas ou espirituais é o sinônimo de um evangelho
integral que enxerga a alma e também o corpo, tem os olhos voltados
para o céu, mas os pés no chão. Isso nos ajuda a entender que “uma
espiritualidade sadia abre o coração para Deus, a mente para a Palavra
e dirige os nossos pés para um mundo necessitado onde muitos ainda
não ouviram essa Palavra, ainda não comeram hoje e têm na vida um
pesadelo cotidiano” (Steuernagel, 1993, pág. 88).

134 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 13
O mundo não é o mesmo
Nos últimos anos, as pessoas, frustradas com a religião
e com a ciência, mudaram sua forma de pensar, suas
expectativas, seus interesses e suas prioridades. O mundo em
que vivemos é muito diferente do mundo em que aconteceu
a reforma protestante e o movimento pentecostal.
A igreja foi afetada
Uma nova forma de pensar mudou a Igreja onde ela não
podia ser mudada: Na santidade e no fundamento bíblico.
Despreparados para enfrentar as novas pressões do
secularismo, muitos crentes abraçaram novas verdades, se
distanciaram de Deus, das Escrituras e causaram mau a si
mesmos e a outros.
A Igreja não mudou
Infelizmente a Igreja mudou onde não devia mudar,
mas não mudou onde era necessário e urgente:
• A forma de pregar
• As estratégias para evangelizar
• A liturgia – forma de culto
• A visão crítica do mundo
• A alienação da vida cristã (voltada para si mesma)
O mundo todo, todo mundo
Parece que já não somos mais capazes de pregar o Evangelho
de modo que a maioria das pessoas possam compreender. Devemos
ser capazes de responder aos anseios de nossa geração e cresce cada
vez mais o número de pessoas secularizadas, decepcionadas, longe de
tudo que é religioso.

135
Pensando nas cidades, no plantio de igrejas nos meios urbanos,
o que mais vemos em nossa época é a a secularização, o pluralismo,
o individualismo tomando conta das pessoas, das massas. Plantar
igrejas em zona urbana nos dias de hoje, requer um conhecimento de
como o ser humano tem se transformado, nas gerações que estão se
estabelecendo.
Tomando como base os conceitos sobre pessoas secularizadas
extraído do texto de G. George Hunter III poderemos estabelecer
algumas características e diretrizes para o cuidado com os secularizados.
Vejamos:
1. É essencialmente alguém ignorante aos conceitos básicos do
cristianismo. Eles encontram-se fora da ação ou da esfera de atuação
da religião, portanto não recebem dela seus ensinamentos e muito
menos compartilham com a mesma seus valores e verdades – apesar de
não negá-los muitas vezes frontalmente age diametralmente opostos a
idéia de vida estabelecida na e por meio da instituição religiosa.
2. Está buscando vida diante da morte. A ênfase da vida do
secularizado não está no celeste porvir (no além, céu, recompensas
celestes e futuras), mas sim, em questões vivenciais que respondam
a dúvidas e necessidades reais do aqui e do agora. Estão em busca de
sentido para suas vidas.
3. São pessoas mais conscientes de suas dúvidas que de suas culpas.
Há uma busca de sentido para a vida e isso leva a questionamentos
– geradores de dúvidas, mas como estão fora do eixo estabelecido
e normatizado da religião não tem muitas culpas, pois os valores
religiosos são apenas referenciais teóricos.
4. Possuem uma imagem negativa da igreja. A igreja (ou igrejas) é
vista como lugar de manipulação e alienação o que gera desconfiança
e visão negativa generalizada. A identificação do movimento religioso
cristão tendo mesmas bases e permeando os mesmos resultados faz
o secularizado entender que o que vale é o resultado – a produção é
o que mescla e transforma a vida e como o valor é determinado pelo
“mercado”, qualquer ação pode ser válida para a “venda do produto” –
daí o conceito da não confiança.

136 A cidade em perspectivas multidisciplinares


5. Possuem múltiplas alienações. O secularizado não está à
vontade em nenhuma instituição que o denomine. Geralmente o fato
de não estar ligado a instituições denominadoras faz com que perca
o sentimento de pertença, talvez o sentimento de não pertencer a
lugar nenhum o leve a alienações múltiplas. Além disso, por causa da
individualização e hedonismo ele está pronto para buscar situações
que satisfaçam a si mesmo – assim se aliena mais ainda.
6. São desconfiados. O secularizado levanta suspeita sobre muitas
das ações humanas – não confiam geralmente em movimentos religiosos,
pois só conseguem enxergar o corporativismo que alimenta estes setores.
7. Geralmente possuem baixa auto-estima. O secularizado vive em
um mundo que não sente como sendo seu – o seu sentimento é o de não
pertencer. Está no meio da sociedade brasileira que ainda é massivamente
religiosa e cristã, mas sente-se isolado das práticas e do cotidiano da
vida brasileira que passa por muitos movimentos, situações, práticas e
rituais religiosos. Esse isolamento consciente gera constantemente uma
baixa auto-estima, pois está baseado num sentimento de não pertencer
ao meio que se vive e não se aceito pelo grupo.
8. No seu entendimento as forças da história estão “fora de
controle”. Enxerga o corporativismo, a corrupção, a má gestão do
dinheiro e destino públicos, as guerras em nome de Deus, os fanáticos
religiosos que não se contentam com a religiosidade da paz, mas
também da guerra e tudo isso em suas mentes gera uma forte sensação
de que tudo está fora do controle – principalmente porque Deus não
faz mais parte de sua história, seus valores e princípios não regem mais
sua vida, não está debaixo da influência da religião e entendem que
não há uma força motriz por trás (no meio) da história humana.
9. No seu entendimento as pessoas estão fora de controle. Vivem
num conflito por causa da instabilidade de sua própria personalidade
e consideram que a psique humana como fora de controle. Seus
sentimentos os levam a viver sem envolvimentos profundos e estes
relacionamentos (por serem rasos e inconstantes) quase sempre
acabam por fracassar, aumentando ainda a sensação de que não há
nada que controle a vida.

137
10. O secularizado não consegue “achar a porta”. Perderam a
noção real da presença de uma porta ou ponte entre o seu mundo
e a realidade cristã, justamente por se colocarem fora da influência
desta; a falta de um conhecimento básico do cristianismo leva-os para
longe das possibilidades de encontrar um sentido no que é oferecido
do cristianismo no decorrer de suas vidas.
Cuidando dos secularizados – passos práticos e estratégias
Para plantarmos igrejas existem alguns passos práticos que
podemos seguir para nos ajudar a sermos mais contextuais em nossa
evangelização. Há 12 (ou mais) passos que poderemos seguir no intuito
de cuidar de pessoas secularizadas. Estes passos (ou itens) devem ser a
base de qualquer ministério que deseja ser relevante no cuidado para
com pessoas secularizadas.
1. Precisamos de ministérios que enfatizem a instrução dos valores
e princípios cristãos, sem o estigma da “catequese” e do proselitismo;
estes ministérios devem ser baseados em relacionamentos pessoais
(através de redes);
2. É necessário desenvolver ações que ajudem os secularizados
a encontrar significados para a sua própria vida, respondendo suas
dúvidas mais que apontando suas culpas; oferecer ministérios que
respondam às suas necessidades;
3. Será preciso que providenciemos que os secularizados tenham
contato com cristãos confiáveis;
4. Há de se ajudá-los a descobrir o seu valor próprio para que vençam
sua baixa autoestima, através de ministérios que tenham relevância e
utilize-se de ferramentas que trabalhem com a restauração de pessoas
com a autoestima diminuída com a produção de grupos de autoajuda,
ministérios de aconselhamento e provisão de saúde integral etc.
5. Proporcionar grupos de suporte para pessoas viciadas ou
com dificuldades de relacionamento interpessoal; O isolamento, as
alienações e a baixa autoestima estimulam as pessoas tornarem-se
dependentes de vários tipos de vícios que supram (insatisfatoriamente)
suas necessidades de sentido.

138 A cidade em perspectivas multidisciplinares


6. Estabelecer redes de relacionamento que promoverão o
alcance e o cuidado com os secularizados; as redes de contato tornam
o cuidado mais duradouro e aproveitável. Elas funcionam também
como mantenedoras de afinidades, onde se pode instruir e prestar
auxílio e serviços dentro de um contexto já assimilado e utilizado pelo
secularizado.
7. Promover ministérios que proporcionem o engajamento social;
grande parte das pessoas secularizadas procura um engajamento social
até porque isso pode dar sentido e re-significado à sua vida.
8. Identificar e buscar pessoas receptivas; estes podem ser chaves
no processo da construção das redes de amizade e contato;
9. Oferecer formas culturalmente apropriadas de ministérios
cristãos; o trabalho religioso tradicional, cheio de rituais e desprovido
de ambientação cultural ativa não cativa o secularizado. Os melhores
ministérios num trabalho missionário são aqueles que contextualizam
a mensagem e incultura a vivência do grupo.
10. Multiplicar as unidades da igreja (através de grupos ou igrejas casa);
11. Engajar as pessoas em sua própria realidade; o secularizado
está em busca de sentido para a sua vida e não uma substituição
por outra vida; engajá-los nas suas próprias realidades é tentar dar
sentido ao que vivem; o processo é a re-significação dos conceitos, do
ambiente, da vida, dos relacionamentos, minimizando-se assim efeitos
de mudanças.
12. E por fim, oferecer a esperança do Reino de Deus. No
viés da falta de esperança gerada pela perda de credibilidade que o
secularizado tem no ser humano e em Deus, pela atuação dos seus
pares corporativistas e interessados em resultados que justifiquem os
meios, da própria vida e personalidade como estando fora de controle,
nada melhor que oferecer a esperança do Reino de Deus.

139
140 A cidade em perspectivas multidisciplinares
A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 14
A cidade e as estratégias de alcance
Por Ronaldo Lidório

ESTRATÉGIA 1 – Pesquisa e compreensão da


sociedade local;
Tentar alcançar pessoas, evangelizá-las e agrupá-las em comunidades
cristãs, sem antes compreendê-las é demonstração de soberba e falta de
sabedoria. Sem uma pesquisa e compreensão da sociedade local criaremos
IGREJAS-INSTITUIÇÃO e não IGREJA-POVO.
Uma pesquisa sócio demográfica é fundamental para o processo
de plantio de igrejas.
Algumas dicas:
Perceba e registre quais são os segmentos culturais, sociais
e econômicos ao seu redor ou na área alvo para o plantio da Igreja.
Este estudo não deve concentrar-se em mapas, mas na distribuição
humana. Identifique aquele que seja o seu alvo principal com maior
potencial para influenciar outros.
SE URBANA, lembre-se: eles são normalmente mais cautelosas
em relação aqueles que não pertencem ao seu meio. Formam
agrupamentos com ênfase na privacidade, trabalho e eventos seletivos
a pequenos grupos. Símbolos de status são de grande relevância
e identificam classes sociais e hierarquia. O Evangelismo deve ser
direcionado e específico.
SE SUBURBANA, lembre-se: são normalmente estruturados
com base na família e mais abertas ao relacionamento com os de fora.
O nível de privacidade é menor e há uma tendência em relacionar-
se de maneira mais informal em praças, ruas e comércio. São mais
abertos a presença de igrejas que se envolvem com a comunidade na
tentativa de minimizar suas perdas sociais. O plantador de igrejas deve
morar entre eles e se tornar um deles.

141
SE RURAL, lembre-se: demonstram mais amabilidade com o de
fora, porém maior desconfiança. Apesar de a hospitalidade ser um fator
de inserção a desconfiança os mantém interiormente distantes. São mais
tradicionais e agregados aos seus valores comunitários e religiosos, o que
deve gerar barreira ao evangelismo. O esforço evangelístico deve ocorrer
através de famílias-chave e é necessário se estabelecer entre eles e participar
dos eventos rurais.
SE TRIBAL, lembre-se: são exclusivistas impondo maiores
restrições aos de fora. Normalmente possuem barreiras étnicas,
linguísticas e culturais distintas, portanto o processo de aceitação do outro
na sociedade é mais lento e complexo. Este processo envolve adaptação
pessoal, envolvimento comunitário, fluência linguística e aptidão cultural.
São tradicionais e identificarão em um primeiro momento o evangelismo
como algo alienígena ao seu ambiente e cosmovisão.

ESTRATÉGIA 2 – Abundante evangelismo


Igrejas não são plantadas em igrejas, gabinetes pastorais ou centro de
reflexão missiológica – são plantadas nas RUAS. Neste aspecto a quantidade
e a constância de evangelismo tornam-se uma ação fundamental em um
processo de plantio de igrejas.
Alguns campos não frutificam porque investem mais tempo na
estruturação eclesiástica ou missionária e menos tempo no evangelismo e
este é um perigo que envolve tanto nossas igrejas locais como os campos
missionários mais distantes.
Se desejamos plantar igrejas transformadoras e missionais a macro-
estrutura para subsistência será de grande cooperação, entretanto o fator
determinante será a presença de constante evangelismo.
David Brainerd (1718-1747), na evangelização dos indígenas na
América do Norte, registra o maior resultado evangelístico em sua reunião
com menor estrutura missionária quando da ausência do seu intérprete que
adoecera, ficou em seu lugar um índio alcoolizado e com pouca fluência
no inglês, o qual mal conseguia se sentar sem cair. Em seu diário ele escreve
que A MENSAGEM VAI ALÉM DO MENSAGEIRO.
Não importa o que você faça, mas deverá ter como prioridade a
abundante evangelização.

142 A cidade em perspectivas multidisciplinares


ESTRATÉGIA 3 – Comunicação de um evangelho
Cristocêntrico
Um dos maiores erros no plantio de igrejas é tratar o evangelho
como um projeto. O evangelho não é um PROJETO, ele é CRISTO,
uma PESSOA. É a Palavra de Deus, seu anúncio da vida de Cristo, sua
obra e missão é que converte os corações.
David Hesselgrave nos alerta que em meio ao mar de necessidades
é “o evangelho dá a direção... pois a Palavra precede a nossa visão”.
O evangelismo sem Cristo é um palco com palavras soltas, nada
mais que interessantes, que poderão convencer de algum valor do
cristianismo, mas jamais levará o ser humano até Deus e a sua salvação.

ESTRATÉGIA 4 – Oração constante


Patrick Johnstone, um dos maiores missiólogos dos nossos dias
afirma que “quando o homem trabalha, o homem trabalha. Quando o
homem ora, Deus trabalha”.
Jesus ensinou que a oração, associada a fé, promove uma resposta
do Pai (Mateus 21.22). Também nos lembra que nos embates mais
difíceis devemos nos preparar com oração e jejum (Mateus 17.21).
Também associou a oração a vida diária como Deus como necessidade
de todo ser humano (Lucas 6.12), se entristeceu quando seus discípulos
dormiam ao invés de vigiar (Lucas 22.45).
Há pelo menos 200 movimentos de plantio de Igreja hoje no
mundo – em todos eles, seus líderes testificam a presença de oração
intencional, voluntária e abundante.
Se tencionamos plantar igrejas, devemos orar.

ESTRATÉGIA 5 – Organização de Igrejas locais


Devemos observar uma clara diferença entre evangelismo e
plantio de Igrejas. O evangelismo investe no indivíduo visando levá-lo
ao conhecimento de Cristo, enquanto o plantio de Igreja investe no
discipulado levando o ser humano a relacionar-se diretamente com
Deus e com outros cristãos.
Organizar igrejas locais era estratégia paulina.

143
Há sete princípios que devem permear a organização destas
igrejas locais. Vejamos:
Evangelismo e discipulado são dois elementos que precisam
caminhar juntos, em equilíbrio. A ênfase no primeiro superlotará os
templos com pessoas pouco amadurecidas em Cristo. A ênfase no segundo
trará um pequeno grupo de crentes maduros e firmes, porém vivendo
numa congregação estática e sem acréscimo de novas pessoas à fé.
O discipulado é o melhor momento para identificação da futura
liderança local. Um plantador de igrejas deve reconhecer entre os
discipulandos aqueles que são líderes. Deve investir neles para capacitá-
los. Além do estudo da palavra, introduza-os em particularidades do seu
ministério, visitando, no evangelismo e na solução de conflitos.
Ajuntamento para o culto público a Deus é um ato que deve ser
central na organização de igrejas locais. O culto público nos lembra que
nos reunimos PARA Deus e POR Deus.
A eleição ou apontamento de líderes locais é um passo importante
e deve ser dado com segurança, a partir de crentes que sejam fiéis a Deus,
conhecedores da Palavra e que já tenham sido testados na vida de fé.
A ceia do Senhor e o batismo promovem a comunhão e compromisso.
A exposição da Palavra, seja em um púlpito de maneira formal ou o
ensino de casa em casa em contexto informal, deve ser central na vida da
igreja. A maturidade da comunidade dependerá disto.
A responsabilidade missionária não deve esperar. Já no discipulado
e nas primeiras reuniões, a igreja deve ser levada a reproduzir aquilo que
aprendeu do Senhor perante outros, seja perto, seja longe. Lembre-se
de que a Igreja ainda incipiente, somente aprenderá se você a conduzir
no evangelismo, levando os novos consigo para o alcance de outros. O
investimento em pessoas locais, passando-lhes a visão, paixão e estratégias
garantirá um processo de plantio de igrejas que vá além do missionário
ou evangelista. Irá além da sua geração.
Um projeto de plantio de igrejas não deve ser medido pelo
número de pessoas envolvidas ou na estrutura construída para tal.
Devemos medir sua solidez pela quantidade e qualidade de pessoas
locais que estão sendo discipuladas e preparadas para a liderança.

144 A cidade em perspectivas multidisciplinares


ESTRATÉGIA 6 – Discipulado e treinamento de
líderes locais
Hibbert avalia que o discipulado é algo a ser realizado de maneira
intencional, porém INFORMAL e que envolva testemunho pessoal.
De acordo com ele, esse discipulado envolve basicamente 5 coisas.
Vejamos:
1. Caminhar com o discípulo – incorporá-lo em sua vida diária
de maneira que haja constante comunicação.
2. Testemunhar ao discípulo – evidenciar com sua vida como é
seguir a Jesus.
3. Ensinar ao discípulo – estudar com ele a Palavra de Deus de
maneira sistemática.
4. Dar oportunidades ao discípulo – para que ele possa, assim
que possível, desenvolver atividades em conjunto com seu
discipulador.
5. Permitir e incentivar que o discípulo discipule.

ESTRATÉGIA 7 – Envolvimento social que


promova ações sociais
No estudo demográfico e social que orientamos anteriormente,
vimos que é preciso observar a comunidade na qual você vive e prega
a Palavra. Perguntas são feitas e que precisam ser respondidas:
1. Quais seus anseios e reais necessidades?
2. Quais os elementos de desespero?
3. O que é preciso ser feito?
4. Quais são as causas humanamente perdidas para que com elas
nos envolvamos? Onde estão os caídos ao longo do caminho?
Temos falado sobre o fato de que Calvino, em Genebra, queria
uma escola para cada igreja na cidade. Sua influência social foi bem
além da educação.
Harkness menciona que ele nutria o desejo de transformar
Genebra na Civit Dei – Cidade de Deus. Ganoczy complementa
que esta cidade de Deus consistia no fato de ver a a Palavra sendo
pregada influenciando todos os aspectos da sociedade: a moral, ética,

145
comportamental, educacional e social. Ele simplesmente não planejou
apenas plantar uma igreja, mas fazer dela uma comunidade que
influenciasse toda a cidade para que refletisse os valores de Cristo.
Igrejas que, ao longo dos anos não fomentam transformação
humana e social são redutos espirituais que, mesmo na busca cúltica
dos seus valores do reino deixam de ser sal da terra e luz do mundo –
ou seja, deixa de ser igreja.

146 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 15
A cidade e a teologia da encarnação de Cristo

Encarnação de Cristo, o Espírito Santo e a Missão


Integral
Cristo encarnado é o centro da missão. É ele quem nos capacita
para alcançarmos a cidade, pois ele amou a cidade. Precisamos
entender essa encarnação para podermos ver que a partir disso ele
nos envia como igreja, uma igreja visionária, que entende a missão e
cumpre o que é preciso.

Estados de Cristo – humilhação e exaltação


Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em
Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não
julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo
se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em
semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a
si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e
morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira
e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao
nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo
da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para
glória de Deus Pai. (Filipenses 2.1-11)

Humilhação
Quando a Palavra do Senhor nos diz que Cristo se esvaziou não
devemos entender como ele tendo perdido alguma coisa, mas sim que
ele deixa de agir exclusivamente como Deus e encarna-se para, na
dependência do Espírito Santo de Deus, agir 100% como ser humano.
O estado de humilhação consiste em Cristo ter posto de lado
a majestade divina que era Sua como soberano governador do
universo ter assumido a natureza humana na forma de servo e

147
ter ficado, Ele que é o supremo legislador, sujeito às exigências e
à maldição da lei.” (Louis Berkhof – Manual de Doutrina Cristã
– página 170)

Exaltação
Como exaltado é justamente o processo inverso do seu caminho
da humilhação e é glorificado por Deus, sendo colocado no seu lugar
de direito, assentado a destra do trono de Deus.
No estado de exaltação, Cristo saiu de debaixo da lei, que era
uma obrigação pactual, tendo pagado a penalidade do pecado
e merecido a justiça e a vida eterna para o pecador. Como
Mediador começou a gozar do favor total e do bom prazer de
Deus e foi coroado com glória e honra correspondentes. (...) Sua
exaltação foi também Sua glorificação.” (Louis Berkhof – Manual
de Doutrina Cristã – página 174)
Jesus sendo Deus e como Deus, tendo a forma de Deus, deseja ser
reconhecido em figura humana, tanto que encarna homem, trazendo
assim para a vida da humanidade a presença corporal de Deus. Ele não
apenas encarna, mas o faz movido por obediência e amor. Jesus não
somente fez-se homem, mas ele possuía consciência de sua identidade
como Deus. Ele não resolveu encarnar-se acidentalmente, mas o fez
intencionalmente, pois queria encontrar-se no meio da humanidade,
tornar-se homem e com isso ele abre mão de suas prerrogativas da
identidade divina que tem para viver como homem, 100%, nada
mais, nada menos. Sua obediência voluntária e amorosa não se
limita ao fato de tornar-se parte da humanidade, mas vai até o fim,
tornando-se escravo, numa obediência forte e radicalmente oposta à
desobediência de Adão, o primeiro homem. Segue-se que após sua
completa obediência, a morte e morte de cruz, ele é ressuscitado pelo
Pai e assim, após sua ascensão é glorificado no céu, voltando ao seu
estado anterior, porém aperfeiçoado, tendo ainda em si as mesmas
naturezas que a partir da sua encarnação estão presentes em Jesus –
divina e humana.

148 A cidade em perspectivas multidisciplinares


“O auto-esvaziamento (kenosis) de Cristo, que foi um ato
voluntário, consistiu na desistência do exercício independente
dos atributos divinos. O auto-esvaziamento de Cristo na
encarnação foi a suspensão voluntária do pleno exercício dos
atributos divinos, ainda que, potencialmente, todos os recursos
divinos estivessem presentes.” (Emery H Bancroft – Teologia
Elementar – página 114 e 115)

Formação e vida do Homem Jesus


Jesus ao encarnar, através do poder do Espírito Santo de Deus que
produziu um corpo concebido pelo Espírito Santo (Credo Apostólico)
ou seja, lhe preparou um corpo para encarnar, “... descerá sobre ti o
Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por
isso o ente santo que há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lucas
1.35) – “... por isso, ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não
quiseste; antes, um corpo me formaste” (Hebreus 10.38).
Ele foi também ungido com o Espírito Santo de Deus – “Deus
ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder.” (Atos 10.38).
Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro,
achou o lugar onde estava escrito: O Espírito do Senhor está
sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração
da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e
apregoar o ano aceitável do Senhor. (Lucas 4.17-19).
Ele foi guiado pelo Espírito Santo, “foi Jesus levado pelo Espírito
ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mateus 4.1).
Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi guiado
pelo mesmo Espírito, no deserto, durante quarenta dias, sendo
tentado pelo diabo.” (Lucas 4.14).
Ele andou cheio do Espírito Santo, “Jesus, cheio do Espírito Santo,
voltou do Jordão” (Lucas 4.14).
Todo o seu ministério foi realizado no poder do Espírito Santo,
O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para

149
evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos
cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os
oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor.” (Lucas 4.17-18).
É pelo Espírito Santo que ele oferece a si mesmo como sacrifício,
“muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si
mesmo se ofereceu sem mácula a Deus” (Hebreus 9.14).
Ele foi ressuscitado pelo poder do Espírito Santo de Deus,“se
habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre
os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os
mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do
seu Espírito, que em vós habita.” (Romanos 8.11).
Ele deu mandamentos aos Apóstolos por intermédio do
Espírito Santo, “Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando
todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia
em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio
do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às
alturas.” (Atos 1.1, 2).
Ele mesmo enviou o Espírito Santo para a Igreja que o recebeu a
partir do Pentecostes – “E, havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-
lhes: Recebei o Espírito Santo.” (João 20.22).

A dependência de Jesus ao Espírito Santo


Jesus viveu toda a sua vida terrena dependendo do Espírito Santo
para tudo, não fazendo nada de si mesmo (significando aqui tanto a
insuficiência humana como o seu auto-esvaziamento de agir como Deus
em sua encarnação) e isso o fez por obediência em amor para com o Pai.
Então, lhes falou Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que
o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo
que vir fazer o Pai; (...) Eu nada posso fazer de mim mesmo;
na forma por que ouço, julgo. O meu juízo é justo, porque
não procuro a minha própria vontade, e sim a daquele que me
enviou.” (João 5.19 e 30).
Ele, Jesus, não o fez apenas para ser um modelo, o fez porque
agiu com obediência a Deus, pois o primeiro Adão justamente falhou
nesse ato – obedecer a Deus – e, portanto, Jesus, para que se cumprisse

150 A cidade em perspectivas multidisciplinares


a condição pactual, obedeceu onde o primeiro Adão desobedeceu,
agindo como Deus queria e determinara, indo sua obediência muito
além do que podemos imaginar, até a morte de cruz.

Testemunhas
Feito isso, Jesus nos outorgou o poder do Espírito Santo para ser
testemunhas dele e cumprirmos nossa missão – “recebereis poder, ao
descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas” (Atos 1.8).
Ser testemunha de Cristo não significa simplesmente que é alguém
que viu Jesus e pode então falar dele pra outros, mas é alguém que,
identificado com Jesus, pelo poder do Espírito Santo de Deus, pode
então viver uma vida semelhante à dele mesmo, tem poder e autoridade
1
para viverem o Reino de Deus, viver uma vida de transformação da
realidade através de suas vidas – a nova humanidade.
Sendo assim, cada um de nós deve entender (e assim viver!)
da mesma maneira que Jesus viveu, ou seja, dependendo completa e
totalmente do Espírito Santo de Deus, que nos capacita, que habita em
nós e que então nos transforma dia-a-dia na imagem de Jesus, e essa
separação que existe em nós, de uma vida espiritual e outra, a normal
é algo que não vemos em Cristo, onde o fato dele encarnar o faz viver
integralmente. Essa dicotomia também permeia a obra da Igreja, ou a
Missio Dei, fazendo com que a Igreja separe da obra de salvação aquilo
que denominamos de obra social, o que é inconcebível na vida do
Senhor Jesus Cristo.
“... no ministério público de Jesus, estas duas realidades (evangelização
e ação social) são inseparáveis, pelo menos nas sociedades livres, e
raramente teremos de optar entre uma e outra. Em lugar de estarem
em competição, elas se sustentam e fortalecem mutuamente, numa
espiral ascendente de preocupação crescente” 2

1
Mateus 28.19 – “todo poder e autoridade me foi dada nos céus e na terra” juntamente com
Lucas 9.1, 2 – “Tendo Jesus convocado os doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os
demônios, e para efetuarem curas. Também os enviou a pregar o reino de Deus e a curar os
enfermos.”.
2
EVANGELIZAÇÀO e responsabilidade social: Relatório da consulta internacional realizada em
Grand Rapids sob a presidência de John Stott. 2. ed. V.2. Série Lausanne. São Paulo/Belo Horizonte:
ABU/Visão Mundial, 1985.

151
Essa dicotomia é devido a fatores externos de influência,
principalmente no que vemos na filosofia platônica “argumentando que
o ser humano é essencialmente um ser espiritual e que apenas tem conexão
funcional com um corpo que, na melhor das hipóteses, é um impedimento
e, na pior, um grande mal”. 3 Trazendo para mais perto de nós, vemos
que a influência da ação missionária tem sido grandemente produtora
da dicotomia que importa o evangelho, ora destruindo, ora ignorando
a cultura, não “deixando” que Deus se manifeste culturalmente, sendo
que se cria então um evangelho alienante e alienígena e um abismo
entre a vida evangélica e a vida comum do filho de Deus no meio da
sociedade; além disso, a própria teologia sistemática que é por demais
espiritualista, mas o que enxergamos na Palavra de Deus é que “a salvação
que afirmamos usufruir deve produzir em nós uma transformação total,
em termos de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é
morta” (O PACTO DE LAUSANNE, V).
George Eldon Ladd afirma que “o reino de Deus é o domínio
redentor de Deus, ativo dinamicamente, visando estabelecer seu
governo entre os homens, e que este Reino, que aparecerá como um
ato apocalíptico na consumação dos tempos, já entrou para a história
humana na pessoa e missão de Jesus com a finalidade de sobrepujar o
mal, de libertar os homens do seu poder e propriciar-lhes a participação
das bênçãos da soberania de Deus sobre suas vidas” (Teologia do Novo
Testamento, página 87 – grifo meu).
Essa maneira espiritualista de enxergar o reino, deixando de fora
tudo o que a Igreja tem para participar e realizar do Reino, sua Missão,
faz com que tenhamos uma vida cristã dissociada do bem estar do
outro – somos ensinados a fazer o bem para os da “família da fé”
somente e o restante como sendo apenas alvo de nossa evangelização
e busca pelo perdido.

3
Josivaldo de França Pereira – Artigo publicado – Revista Online Missões

152 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Conclusão
Jesus ao se fazer gente, o fez dentro de um contexto cultural e
político difícil, onde os seus irmãos eram subjugados por um poder
tirânico (Roma) e que vivia um tempo de crise – vemos isso bem
de perto ao analisar a frase dita pelos discípulos de Jesus: ao final de
três anos junto com eles, falando sobre o Reino de Deus, sua morte,
ressurreição e volta, Jesus promete o Espírito Santo e está perto da sua
ascensão, os seus amigos chegados perguntam – “Senhor, será este o
tempo em que restaures o reino a Israel?” (Atos 1.6). Ao perguntarem,
utilizam a palavra grega para tempo, dia, mês e ano – kronos – de onde
vem a nossa palavra cronologia. Eles realmente queriam saber, pois
fazia parte do consciente coletivo, quando seria a derrubada de Roma
para o estabelecimento final do reinado de Davi na pessoa do Messias
Libertador. Não somente o contexto era conturbado e difícil, mas os
próprios amigos de Jesus não entenderam muito bem esse conceito
sobre o Reino de Deus – esperavam algo físico e palpável.
Jesus, como não poderia deixar de fazê-lo, responde mostrando
o verdadeiro sentido das palavras – “Não vos compete conhecer tempos
ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade” (Atos
1.7). Ele poderia ter construído sua frase utilizando a palavra kronos
como os discípulos o perguntaram – seria correto dizer que não era
da competência deles preocuparem-se com os tempos, o dia ou o
mês ou o ano em que isso aconteceria; a frase, porém, é construída
utilizando-se as duas palavras gregas para tempo – kronos e kairos.
Kairos é a palavra que indica o tempo que regia no Olimpo, lugar
dos deuses e, portanto não tem nada a ver com cronologia – poderia
muito bem ser traduzido como tempo oportuno de Deus. Jesus com
isso dá indicação do que queria ao ensinar, pregar e viver o Reino de
Deus – ele não formou uma igreja para ser preocupada com tempos
cronológicos e nem mesmo para preocupar-se com os tempos de Deus
da implantação do Reino, mas deveriam viver esse Reino que “está
dentro de vós” (Lucas 17.21) recebendo poder para ser representante
do Reino de Deus onde quer que estejam (Atos 1.8). A ênfase de Jesus
é justamente no caráter do Reino e não na sua localidade geográfica

153
ou temporal – o que ele realmente nos mostrou com sua vida é que o
Reino deve ser vivido em todos os aspectos e oportunidades que vida
tenha, sendo que essa é a verdadeira vida da Igreja.
“Portanto, se a igreja pretende evangelizar a sua sociedade secular
circundante, ela precisa encarnar-se nesta” (Caio Fábio D´Araujo Filho,
no livro organizado pelo Valdir Steuernagel – A missão da Igreja –
Artigo: A missão da igreja e o ministério da evangelização – página 65).
Cumprir o mandato do Senhor Jesus é justamente andar pelo
caminho que ele andou, sendo sal e luz da terra – “a igreja não pode
ser, de modo algum, uma comunidade paralela ao mundo. Não somos
sal do sal, nem luz da luz; somos sal da terra e luz do mundo” (Idem
citado acima).
Evangelização é muito mais que uma simples proclamação
de uma verdade acerca de Deus, de seu Filho, da sua salvação e
redenção – evangelizar é viver esse evangelho, que é uma vasilha onde
encontramos os valores de Deus.
Como diz René Padilla – “O conceito de Igreja como uma entidade
‘separada’ do mundo se presta a toda sorte de falsas interpretações. (...)
Urge a recuperação de uma evangelização que faça justiça ao binômio
mundo/igreja, visto na perspectiva do evangelho: uma evangelização
que se oriente para o rompimento da escravidão do homem no mundo e
que não seja uma expressão da escravidão da igreja ao mundo”. (Missão
Integral – página 22).
“A salvação é o retorno do homem a Deus, mas é também o retorno
do homem a seu próximo” (René Padilha – Missão Integral – página
32). A encarnação de Jesus faz-se o início desse retorno do homem
para o seu próximo; Jesus vem com o intuito de estar perto de nós,
de viver a nossa vida, de morrer a nossa morte, pra que vivamos em
novidade de vida. O Espírito Santo nos capacita a isso, assim como
capacitou Jesus a viver na dependência de Deus e fazer sua vontade
– e essa é nossa Missio Dei – esta é a Missão da Igreja, uma missão
integral e isso acontecerá quando entendermos que Jesus não é apenas
o Salvador do mundo, mas também é o seu Senhor e vivamos essa vida
sendo sal da terra e luz do mundo, em novidade e em justiça.

154 A cidade em perspectivas multidisciplinares


A cidade em perspectivas multidisciplinares
Unidade - 16
Por Ronaldo Lidório

Igreja, uma comunidade visionária


Há hoje na Igreja de Cristo um grande abismo que distancia o que
crê o nosso coração - Ortodoxia - e como age o nosso ser - Ortopraxia.
Somos capazes de crer no amor cristão mesmo contemplando
terríveis choques denominacionais dentro do Corpo: cremos na
comunhão entre os santos mesmo com alguns possuindo mais do que
necessitam e outros que nem sequer alimentos têm à mesa; cremos
na unicidade do corpo de Cristo mesmo com grupos que se negam a
adorar a Deus em conjunto com outros irmãos; cremos na Igreja como
célula de expansão da fé cristã ao mesmo tempo em que negamos
qualquer envolvimento financeiro, litúrgico ou humano com Missões
mundiais; cremos na universalidade do Corpo de Cristo sem permitir
ceder o “pastor local” para qualquer trabalho fora da “igreja local” e
assim por diante. Partimos ao meio a Eclesiologia.
Um irmão chileno ao visitar o Brasil comentou que viu-nos como
uma contradição: “Se a Igreja Evangélica Brasileira agisse segundo os
fundamentos teológicos nos quais afirma crer, teríamos a nossa frente
uma potência evangelística capaz de chocar o mundo Porém não há
uma associação entre a Ação da Igreja e sua Teologia”.
Aqui na África, enquanto plantamos igrejas entre Konkombas,
uma oração sempre esta presente em nossas mentes: “Não permita
Senhor que a sua Igreja nesta tribo caia na armadilha demoníaca que
ensina ser a crença do coração dissociada da existência da vida”.
Após uma palestra no Brasil sobre “A necessidade de uma
Teologia Missiológica que mova a Igreja a uma Ação Missionária”
alguns irmãos perguntaram-me: “Teologicamente até onde deve ir a
Ação da Igreja?” Após algum tempo cheguei a conclusão que a Igreja
necessita ir até onde vai o Sacrifício de Cristo.

155
“... e entoavam novo cântico dizendo:
digno és de tornar o livro e abrir-lhe os selos,
porque foste morto e com o teu sangue
compraste para Deus
os que procedem de toda tribo,
povo, língua e nação”
Apocalipse 5:9

O sacrifício de Cristo vai até ao último povo perdido na terra e é até


ai que a Igreja deve ir!
Introdutoriamente devemos entender que nenhum despertamento
missionário irá acontecer enquanto não nos dispormos a viver segundo o
que cremos. Necessitamos voltar a ser uma Igreja Visionária, que traduza
a sua teologia perante a gritante angústia do mundo sem Deus. Que tenha
os valores do Reino, que entenda de uma vez por todas que “uma alma vale
mais que o mundo inteiro”, que abdique de seus portentosos edifícios de
concreto e invista naquele que é alicerçado na Rocha o qual nunca cairá,
que ofereça sua vida, seus olhos, suas forças para que ao fim, com lágrimas
nos olhos e alegria nos corações contemplemos, ajoelhados, lado a lado,
homens de todas as extremidades da terra louvando conosco ao Cordeiro
Jesus, formando com os santos de todas as gerações. A grande multidão
dos salvos no último dia
Uma Igreja Visionária é unia Igreja que põe a mão no arado e
ara a terra.
Conceituando igreja numa perspectiva do Novo Testamento
Inicialmente devemos entender que o próprio termo grego
EKKLESIA (“Igreja”) é composto pela preposição EK (“para fora de”) e
KLESIA que provém de KALEO (“chamar”) de onde podemos entender
EKKLESIA como “Chamada para fora de”, o que a princípio expõe não
somente a etimologia, mas também a nacionalidade da “Igreja”.
Obviamente o termo está ligado a “agrupamento de indivíduos” e de
certa forma à “Instituição”. No N.T. adquire o conceito de “comunidade dos
santos” e fora Mt 16:18 e 18:17, esta ausente dos evangelhos aparecendo,
porém 23 vezes em Atos e mais de 100 vezes em todo o N.T. Gostaria

156 A cidade em perspectivas multidisciplinares


que passássemos rapidamente por alguns dos principais conceitos
neotestamentários para esta “comunidade dos santos”.

A. “IGREJA DE DEUS”
UMA PERSPECTIVA DE POSSE
Comumente encontramos no N.T. a expressão “Igreja de Deus”
1
, o que evidencia que esta Igreja veio de Deus e pertence a Deus. É
uma comunidade que possui Deus como fonte; é eterna, espiritual e
universal. Não provém de elucidações humanas ou de uma obsessão
nutrida por um gripo de loucos há vinte séculos, antes, porém foi
articulada por Deus, formada por Deus, é pertencente a Deus e está
ligada a Deus. Independente das deturpações da fé, das ramificações
que se liberalizaram, dos que se perderam pelo caminho, a Igreja
permanece, pois, é posse de Deus.
O misterioso princípio bíblico sobre a “Igreja de Deus” transcende
a esfera da lógica otimista, contrapõe a filosofia do acaso e chega ao
único lugar onde a teologia bíblica poderia nos levar: à Redenção aos
pés do Cordeiro. Jesus não somente é a Rocha sobre a qual a sua Igreja
está edificada, como também é a Inspiração para que esta Igreja viva.
O viver contracultural e inquietante de Jesus inspiram a Igreja em seu
caminho de glorificar a Deus. A mensagem do Mestre fala sobre uma
forma diferente de viver, uma forma “evangélica”, onde o marido não
domina sua esposa, ama-a; onde o perseguido não odeia aquele que o
persegue, antes ora por ele; onde o líder cristão não exerce domínio
sobre o seu rebanho, mas serve-o; onde a comunidade dos santos não
organiza revoluções contra as más autoridades, porém intercede por
elas; onde o menor é o maior; onde morrer é um ganho; onde só se
torna forte os que reconhecem a fraqueza; onde se anda duas milhas
com quem te obriga a andar uma e vira-se a outra lace a quem te fere;
onde não há apego a este mundo, pois, todos são peregrinos; onde a
terra natal é desconhecida, a garantia é uma promessa e só se alcança
a vida eterna quem primeiro morre.
Era o nascer de uma comunidade onde homens ricos paravam de
roubar para devolverem o dinheiro até quatro vezes mais aos que foram

157
ludibriados; mulheres adúlteras largavam suas vidas de promiscuidade
e transformavam-se instantaneamente em testemunhas; pescadores
largavam suas redes para seguirem um carpinteiro de Nazaré; muitos
vendiam tudo o que tinham para distribuírem entre os que nada
possuíam, milhares morriam crucificados ou queimados por se
recusarem a negar o seu Senhor o qual nunca haviam visto face a face.
Esta sem dúvida é a “Igreja de Deus”, uma Igreja Visionária!

B. “HUMANIDADE DA IGREJA”
UMA PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO
Dentro deste termo – “Igreja” – também nos deparamos no
N.T. com um conceito humano/social. Em 1 Tessalonicenses 1:1, por
exemplo, encontramos “Igreja de Tessalônica”2 que originalmente
dá-nos a idéia sobre alguns que ao mesmo tempo são “Igreja” sendo
também e “tessalonicenses”, cidadãos de Tessalônica.
Mostra-nos o fato de que por serem “Igreja” não significa
que deixam de ser cidadãos, patriotas, carpinteiros, lavradores,
comerciantes, desportistas, pais de família, esposas ou filhos. A “Igreja”
no N.T. não é apresentada como uma comunidade alienante, mas como
uma comunidade que abrange o homem em seu contexto humano.
Necessitamos entender que a Igreja não foi retirada do mundo, mas
purificada dentro dele.
Quando olhamos esta “Igreja” dentro de um prisma mais
humano e menos alienante, entendemos que a Santidade pessoal, e
não a estrutural social, é o cerne da vida da Igreja.
A cada dia estou mais convencido de que a Santidade ao Senhor
é a condição Bíblica para a proclamação do evangelho a todos
os povos numa perspectiva eclesiológica. Muitos poderão enviar
missionários ao mundo, mas apenas um povo santo fará isto movido
pela compaixão que brota do coração, muitos poderão falar ao mundo
da glória de Deus, mas apenas um povo santo, ao fim, dará glória a
Deus, muitos poderão andar dezenas de milhares de quilômetros para
falar das boas novas de salvação, mas apenas um povo santo andará
com Deus; muitos poderão preparar-se em altos cursos teológicos,
culturais, missiológicos e lingüísticos. Sentindo-se preparados e

158 A cidade em perspectivas multidisciplinares


sendo enviados ao campo, mas apenas um povo santo, após toda e
qualquer preparação, se sentirá ainda despreparado, necessitando
desesperadamente da graça e misericórdia de Deus sobre suas vidas,
muitos poderão chegar às extremidades do mundo, falar do evangelho
aos não alcançados, criar postos missionários, agências missionárias e
Igrejas em campos missionários, mas apenas um povo santo chocará
o mundo com o testemunho derramando lágrimas apaixonadas pelos
que ainda nada ouviram.
Vem-me palavras escritas no livro Missões: O Desafio Continua
- parte I: o que importa primariamente não são quantos celeiros
abarrotados de missionários possuímos; não são nossas estratégias
certeiras ou métodos infalíveis; não é nossa aceitação política e
adaptabilidade cultural, mas sim quanta santidade há em nosso
meio. Não creio em despertamento missionário sem quebrantamento
espiritual. A pergunta que fará diferença no final será: até onde você
está disposto a ir por Jesus?
E somente um povo santo poderá respondê-la. Somente uma
Igreja santa, visionária, irá até aos confins para dar glória a Deus!

C. “IGREJA LOCAL”
UMA PERSPECTIVA DE EXTENSÃO
Também encontramos no N.T. o conceito de Igreja local. Em 1
Co 1:12 vemos, por exemplo, a expressão “Igreja que está em Corinto”
3
, quando “que está” 4 indica a localidade da Igreja. Entretanto este
termo não expressa que a Igreja esta condicionada ao local. “Que está”
não indica que a Igreja pertence à Corinto, mas sim que os santos de
Corinto pertencem a Igreja.
Precisamos entender que a “Igreja”, numa perspectiva de extensão.
Localiza-se onde estão os santos e não onde estão os templos.
Lembro-me que estava na região de Nabukorá, noroeste do Togo,
a caminho da aldeia de Molani, quando algo interessante aconteceu.
Após andar sozinho por vários dias, cerca de 120 km de área não
habitada, cheguei junto a um rio e montei um pequeno acampamento.
Estava acendendo uma fogueira quando comecei a sentir uma forte

159
opressão demoníaca. Um terrível peso no coração e uma nítida sensação
da presença maligna naquele lugar, e somente após um longo período
de oração consegui sentir novamente a paz do Senhor. Isto já havia
acontecido 2 vezes antes quando estávamos próximos de comunicar o
evangelho pela primeira vez em aldeias até então não alcançadas pelo
evangelho. Mas algo peculiar acontecera desta vez, bem simples, mas
que para mim evidenciou um grande princípio da batalha espiritual.
Eu estava cerca de 80 km de distância de qualquer aldeia ou grupo
de pessoas. Era uma área inabitada. Eu estava sozinho. Até onde sei,
aquela área nunca fora habitada antes; não havia fetiches ao meu redor
ou lugares onde eram praticadas cerimônias animistas. Ao contrário
de Deus, Satanás e seus demônios não são onipresentes, limitam-se
ao espaço; em termos práticos, não havia qualquer “interesse maligno
local” naquela arca. Poderia concluir-se que: eu havia sido seguido,
possivelmente passo a passo, durante 120 km, por algum ser maligno
portador de alguma missão destrutiva.
Apesar de não haver nada de novo nisto, este fato ganhou
um tremendo peso para mim pelo contexto em que me encontrava
e levou-me a relembrar o conceito Bíblico de que a Igreja localiza-
se onde estão os santos e não onde estão os templos. E é ali, entre
os santos, que é travada a luta, onde se experimenta o cansaço das
batalhas, a glória das vitórias, o dissabor do pecado e seja em uma
mata distante ou no centro de uma cidade, que a oração, o louvor, a
adoração e o testemunho da Palavra transformam templos de concreto
ou choupanas de palha em lugar santificado; não pelo material com
que foram construídos, mas por ser ali que se ajunta o povo de Deus
para adoração.
A Igreja evangélica hoje possui uma forte tendência de “localizar”
a Igreja, condicionando-a tão fortemente à sua cidade ou seu bairro
que alguns chegam a impedir a realização de trabalhos “fora da sua
jurisdição local”. E há até mesmo aqueles que chegam a demarcar até
onde pode ir o trabalho da Igreja. Necessitamos compreender que num
conceito neotestamentário “Igreja” é uma comunidade sem fronteiras.
Creio, portanto, que há assim uma necessidade de sacrametalizarmos
mais os “santos” e menos os “templos”.

160 A cidade em perspectivas multidisciplinares


Igreja visionária
Após termos esta rápida visão dos conceitos de “Igreja” no N.T.,
vejamos o desenvolver da história desta Igreja em Atos. Há aqui uma
tremenda ênfase do Espírito na expansão desta Igreja. Mesmo perante
perseguições, dificuldades financeiras falta de obreiros preparados e
crises políticas vemos uma Igreja expandindo o evangelho a custo de
suor, sacrifícios e vidas. A humanidade passo a passo era chocada com
a fé daqueles que “transtornavam o mundo”, onde o viver era Cristo. O
objetivo era ganhar almas, a alegria era a adoração, o que os uni era a
verdadeira comunhão, o amor era traduzido em ações, os fortes guiavam
os fracos, as dificuldades eram enfrentadas com oração, a paz enchia os
corações e todos, sem quaisquer estruturas, possuíam como finalidade
de vida apenas testemunhar do seu Mestre. Era uma Igreja Visionária!
Porém, às vezes somos levados a crer nesta época como uma
“época mágica” onde as ações da Igreja por si só impactavam o mundo.
Olhando para Atos, vemos, porém que todo este ministério explosivo
era antes autenticado pela forma como viviam. Creio que necessitamos
compreender que as estratégias, apesar de úteis, não definem o sucesso
ministerial da Igreja. Só a santidade faz isso.
Há muitos séculos atrás houve uma Igreja que muito contribuiu
para a expansão do evangelho na região oriental do mundo: foi
chamada de Igreja Nestoriana.
Segundo a história desta Igreja, certo dia um de seus missionários
chegou em uma pequena vila que ficava ao lado de uma grande
plantação de arroz. Ele então começou a lhes falar do Senhor Jesus
até que em pouco tempo havia alguns convertidos entre eles. Semanas
depois, durante um culto, um dos recém-convertidos perguntou para
aquele missionário: “Até onde devemos ir para falar de Jesus a outros?”
O missionário olhou para a plantação de arroz e perguntou: “Na
colheita, até onde você pegará o arroz?”
“Até o ultimo pé”, - respondeu o camponês.
“Pois é até ai o campo que Jesus nos deu: até o último” - afirmou
o missionário.

161
Creio que é este o conceito que vemos na missiologia
neotestamentária: até a última fronteira.
Vejamos, portanto um pouco do que é narrado sobre a Igreja
neotestamentária, a qual explodia no mundo conturbado do primeiro
século.

ATOS 1
Um dos assuntos mais enfáticos de Jesus Custo era o Reino de
Deus. Falava aos discípulos sobre o Reino presente e futuro e sobre sua
escolha de homens para a ação neste Reino. Após morrer Ele ressurgiu
e passou 40 dias falando-lhes ajuda sobre este Reino. No momento de
subir aos céus houve um dialogo decisivo entre Cristo e seus discípulos:

“... Senhor, será este o tempo


em que restaures o reino a Israel?” (v.6)

Com que estavam os discípulos preocupados? Sem dúvida


alguma com Israel (etnocentrismo), mas acima de tudo estavam
preocupados com o TEMPO - o tempo em que Israel seria restaurado.
No original grego normalmente usamos “tempo” para traduzir o
termo “Kronos”. “Kronos” (tempo na cosmovisão humana) é o tempo
como medimos: dia, mês, ano, etc. Esta foi justamente a pergunta dos
discípulos: “Senhor, dá-nos o Kronos: ano, mês, dia, se possível hora,
da restauração do Reino a Israel”.

Na resposta de Jesus vemos um principio missiológico:


“Não vos compete conhecer
tempos ou épocas
que o Pai reservou
para sua exclusiva autoridade” (v. 7)
O texto original possui duas opções plausíveis para “tempos ou épocas”:
a) Kronos: Jesus poderia responder também usando Kronos, já
que a pergunta foi feita em Kronos. Desta forma a ênfase seria: “Não
vos compete conhecer o dia, mês e ano que o Pai reservou para sua
exclusiva autoridade”.

162 A cidade em perspectivas multidisciplinares


b) Kairós: enquanto Kronos era usado para o tempo de
forma metódica - dia, mês e ano, por exemplo, Kairós era o termo
que regia o Olimpo na mitologia grega. No N.T. dá a idéia de “tempo
oportuno de Deus”. Daí a ênfase seria:
c) “Não vos compete conhecer o tempo oportuno da ação
de Deus que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade”.

Entretanto, vê-se com grande surpresa textual que foram usados


os dois: “Não vos compete conhecer tempos (Kronos) ou épocas
(Kairós) que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade”, ou seja, Jesus
não havia formado uma Igreja para se preocupar com os TEMPOS.
Escatologia não expressa a ênfase do ensino de Jesus. E Ele
continua:
“Mas recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e
sereis minhas testemunhas... (v.8)
Jesus formou uma Igreja para testemunhar. E a dimensão deste
testemunho é explicita: “... tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia
e Samaria e até aos confins da terra”.
Até a última fronteira. Era a ênfase de Jesus. Alguns crêem que os
discípulos não entenderam isto, entretanto se olharmos para a tradição
apostólica, Mateus foi para a Etiópia (África), André alcançou os Citas
(na região da antiga URSS), Bartolomeu atingiu a Arábia e Tomé a
Índia. Paulo por sua vez foi testemunha na Galácia, Macedônia, Acaia
e Ásia. Até onde vejo, eles entenderam o desejo do Senhor: até a última
fronteira!
Permitam-me abrir aqui um parêntese para expor algo que
julgo importante nesta altura: a necessidade de desenvolvermos uma
eclesiologia mais pessoal e menos de massa; mais humanitária e menos
estrutural.
Há poucas semanas chegamos a aldeia de Cráchi, atravessando o
rio Volta, na região de Kintampo. Impressionou-me ver mulheres que
chegavam de longa distância carregando um filho amarrado às costas,
os poucos pertences na cabeça e por vezes ainda em estado avançado
de gravidez. Vinham de até 200 km de distância, caminhando, fingindo
da guerra tribal que teve inicio dois meses atrás. Fiquei olhando para
aqueles rostos desfigurados pelo cansaço, vidas com historia - passado

163
e presente - com emoções, expectativas. Que sentem a dor, desespero
e angústia de forma intensa e olhos chocados por terem presenciado
tantas atrocidades nesta guerra tribal.
Eu estava em grande ativismo durante estes dias, organizando
a recém nascida Igreja em Cráchi, tentando estruturar a aldeia
para receber tantos refugiados e usando os poucos remédios que
dispúnhamos para suprir a grande demanda de pessoas que chegavam
a cada instante. Certa noite parei e me espantou ver que não havia
vertido nenhuma lágrima perante tamanha dor. Sentia pena daquelas
mulheres e estava trabalhando dia e noite para ajudá-las, entretanto
não conseguia chorar por suas dores. Fui para a palhoça a fim de orar
e naquela oração fui confrontado por Deus. Orei por minha família,
pela pequena Igreja que estávamos plantando em Cráchi, por um
ministério de poder e autoridade, mas não conseguia orar, orar de
verdade, com o coração, mente e alma, por aquelas mulheres. Algo
me incomodava. Algo faltava. Ali estava eu, missionário entre a tribo
Konkomba, no meio de uma aldeia Konkomba, sem poder orar por
um grupo de mulheres Konkombas. Foi então que o Senhor ministrou
fortemente uma palavra ao meu coração: Ninguém é capaz de orar
por milhões de vidas que perecem sem Cristo se não consegue chorar
sequer por uma delas. Fiquei desmontado por dentro e não acabei
aquela oração. Fui até a periferia da aldeia onde estavam dezenas
daquelas mulheres. Muitas eram Konkombas, outras Bassaris e ainda
outras Nawris. Encontrei uma que falava o dialeto compatível com o
meu e sentei-me ao seu lado. Era uma mulher baixa, muito magra,
com uma criança recém-nascida nos braços e olhar fixo em frente. Fia
estava tremendo e suando e sem que nada lhe perguntasse ela começou
a falar. Narrou como perdera seus outros filhos quando a palhoça em
que morava fora queimada em sua aldeia mais ao norte, falou como se
esforçou para correr com a filhinha recém-nascida e outra de três anos
que fora flechada já fora da aldeia, contou sobre o paradeiro do seu
marido: era um guerreiro Konkomba e já por dois meses havia viajado
para a região de maior conflito; falou sobre medo, pavor, angustia
e por fim desesperança. Tudo isto entrava em meus ouvidos e algo
forte era ministrado ao meu coração. No meio do burburinho de um
campo vasto, com pouquíssimos missionários, somos levados a tratar

164 A cidade em perspectivas multidisciplinares


pessoas como multidões. Falamos sobre os “refugiados de guerra”,
sobre as “tribos não alcançadas”, sobre as “etnias da janela 10x40”, ou
sobre os “povos ocultos”. Passeava por minha mente, entretanto, às
vezes que Jesus parou para falar com um coletor de impostos e cear
em sua casa, para conversar e tratar com uma mulher samaritana, para
dialogar e curar um cego em Jericó, para expulsar os demônios de um
homem gadareno, para se emocionar e chorar perante o túmulo de um
amigo, tratando pessoas como pessoas, mesmo em meio a multidões.
Comecei a chorar com aquela mulher Konkomba, chorar suas
lágrimas, suas dores, angustias e tristezas. Não chorava apenas com
os olhos, meu coração se constrangia perante tão grande dor e pude
então compartilhar com ela sobre Aquele que levou sobre si todas as
nossas dores. Houve consolo e conforto naquela noite e quanto voltei
a minha palhoça continuei a orar. Havia um claro ministrar do Senhor
ao meu coração repetindo que ninguém é capaz de orar por milhões
de vidas sem Cristo, se não consegue chorar sequer por uma delas.

ATOS 2
Creio que o Pentecostes em Atos 2, quando o Espírito Santo
desceu permanentemente sobre a Igreja é um marco para entendermos
o piano de Deus para o seu povo.

Em Atos 1:8 Jesus havia falado que:


“recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo
(profetizando assim o Pentecostes)
“e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em
toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra”
(referindo-se a extensão do ministério de sua Igreja)
No Pentecostes vemos este poder sendo recebido pela Igreja
na descida do Espírito Santo; porém necessitamos também ver que
Deus preparou as circunstâncias para que a Igreja entendesse que o
recebimento do Espírito possuía uma finalidade básica: capacitar
espiritualmente a sua Igreja para o testemunho, incluindo o testemunho
transcultural.

165
Vemos que justamente nesta época do Pentecostes (Festa Judaica)
estavam reunidos em Jerusalém os chamados Judeus da dispersão
(2:5), os quais habitavam em mais de 14 regiões diferentes e certamente
conheciam diversas línguas gentílicas. Lucas dá-se ao trabalho de registrar
que eram “partos, medos e elamitas e os naturais da Mesopotâmia,
Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia; da Frigia e Panfilia, do Egito e das
regiões da Líbia nas imediações de Cirene, e Romanos que aqui residem,
tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios...” (v. 9-11) e que esta
multidão, presenciando a descida do Espírito na Igreja de Cristo ficou
perplexa porque ouviam o que era falado pelos discípulos “cada um em
sua própria língua materna” (v. 8). Qual era a mensagem que ouviam?
No v. 11 Lucas registra que eles ouviram as “grandezas de Deus”.
Com certeza Deus havia preparado as circunstâncias para o
primeiro testemunho transcultural da Igreja revestida. Os dispersos
que ali estavam para a festa chamada Pentecostes e que presenciariam
a descida do Espírito Santo, em pouco tempo voltaria para as etnias das
quais vieram, pois estavam ali de passagem e, quando lá chegassem,
seriam pessoas conhecedoras das “grandezas de Deus” na língua nativa
daqueles povos, propiciando o testemunho a cada etnia.
Devemos perceber que Deus queria mostrar algo com isto e creio
que a Igreja de Atos entendeu:
a) Que a descida do Espírito não veio apenas como uma
“experiência para edificação dos salvos” tuas como um “revestimento
para que a Igreja testemunhe com poder”;
b) Que a primeira ação do Espírito Santo na Igreja ainda durante
o Pentecostes foi impulsiona-los a testemunhar, falando das “grandezas
de Deus”;
c) Que este primeiro testemunho da Igreja revestida foi
transcultural, feito em línguas gentílicas para os judeus dispersos em
países remotos, entre povos ainda não alcançados.
d) Que “até aos confins da terra” era o alvo de Deus para a sua
Igreja após o “recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo”.
Parece-me claro que desde o inicio da vida da “Igreja revestida”
Deus conduzia o seu ministério a uma visão do Reino, a uma visão dos
povos, a uma visão do testemunho como resultado de um avivamento,
a visão dos confins. Deus preparava uma IGREJA VISIONÁRIA.

166 A cidade em perspectivas multidisciplinares


ATOS 8
No capitulo 8 Lucas inicia mostrando a vida da Igreja de uma
forma mais panorâmica. Diz que havia uma “grande perseguição” (v.
1); narra que “sepultaram Estevão” (v.2), que homens e mulheres da
Igreja eram encerrados em cárceres (v.3), mas que apesar disto os que
foram dispersos iam “pregando a palavra”.
Isto mostra-nos que a atitude da Igreja perante a perseguição
onde homens cheios do Espírito como Estevão pregavam até a morte,
onde muitos eram encarcerados testemunhando do Mestre e os que
fugiam, fugiam pregando a Palavra. A Igreja inspirava a teologia de
que “o viver é Cristo”. E devemos também aqui ressaltar que eles não
eram os “cristãos do primeiro século” como gostamos de nos referir
criando assim uma categoria de homens que viviam entre o céu e a
terra. Eram esposos, esposas, pais, filhos, negociantes, carpinteiros,
lavradores... Homens que choravam, temiam a morte, sentiam fome
e sede, preocupavam-se com o futuro de seus filhos e clamavam:
“... até quando Senhor?” Homens com temores, medos, fraquezas,
dores, sonhos e esperanças como nós. Não eram homens mágicos,
não era uma época mágica, a Graça, entretanto era derramada
abundantemente para que a Igreja humana, formada também de carne
e sangue conseguisse olhar para os céus e tivesse a visão de Deus. A
visão do mundo. Nascia uma IGREJA VISIONÁRIA!!!
Tenho aprendido um importante principio missiológico: é o próprio
Deus quem está edificando a sua Igreja na história humana. Nós somos
apenas servos. O que tem acontecido aqui na África não é diferente.
Após andar um longo caminho chegando a aldeia de Cráchi,
às margens do rio Volta tinha a impressão de estar contatando uma
etnia ainda não alcançada pelo evangelho: os Konkombas-Tyniis. Mas
chegando ali percebi que Alguém havia chegado antes: o Espírito Santo.
Ao chegar na aldeia fui logo levado ao homem mais idoso chamado
Wali. Ali começamos a conversar sobre quem eu era, o que queria e
coisas assim. Ao ver alguns fetiches no seu “compound” afirmei: “o
caminho dos que o seguem é a morte”. Uso quase sempre esta afirmação
como um termômetro para ver o quão envolvidos e encarcerados eles
estão pelo poder do inimigo. Em geral eles responderiam: “Os fetiches

167
são poderosos e podem ouvir - não os confronte”. Daí normalmente eu
passaria a falar-lhes sobre “Uwumbor Aagbang” - a Palavra dinâmica
de “Uwumbor Aa Ni” - o Poder de Deus, mas desta vez foi diferente.
Wali olhou para aqueles fetiches em seu compound, balançou a cabeça
e disse: “Também acho”.
Fiquei desconcertado e nem sabia bem o que falar, quando ele
passou a contar-me que há cerca de 6 meses atrás houve uma grande
tempestade ali, quando um raio caiu exatamente sobre as duas árvores
fetiches que erguiam-se no meio da aldeia onde eram feitos todos
os sacrifícios e derrubou uma delas, cortando-a pela raiz. A partir
daquele dia ele começou a questionar o poder dos fetiches. “Ou
aquelas árvores não eram fetiches” - dizia ele – “ou o poder do raio
é maior que o poder dos fetiches”. Aproveitei o momento e disse: “Eu
tenho uma história que quero contar a você sobre Uwumbor (O Deus
Presente) e o início dos tempos quando Ele criou a terra, os céus, os
homens e os raios”. Passamos algumas horas juntos e ao fim de toda a
explanação ele levantou-se e entrou em sua palhoça sem nada dizer.
Entre os Konkombas isto significa que foi importante o que ouviu e que
pensaria sobre isto. Senti que aquele homem e outros que ali estavam
haviam sido tocados pelo Espírito Santo de Deus. Hoje a Igreja de
Cráchi conta com mais de 100 pessoas e Wali é o presbítero mais ativo.
Nascia em Cráchi uma Igreja local evidenciando que é o Senhor,
e não homens, que soberanamente tem plantado a sua Igreja dentro do
princípio que Ele mesmo proferiu: Para o alcance de homens de toda
tribo, povo, língua e nação. Uma Igreja Visionária!!

ATOS 8:26-40
Neste texto Lucas inicia uma narração sobre Felipe, o diácono.
No capitulo 8 mostra a Igreja sendo perseguida em Jerusalém (pois a
Igreja não havia saído de lá!) e sendo dispersa pelas regiões da “Judéia
e Samaria” (v. 1), onde os crentes que foram dispersos “iam por toda
parte pregando a Palavra” (v.4). Após falar sobre a ação de Pedro e João
em Samaria, onde o evangelho também deveria chegar (segundo Atos
1:8), Lucas começa a falar do diácono Felipe. Narra que um anjo do
Senhor o enviou a “banda do sul, no caminho que desce de Jerusalém

168 A cidade em perspectivas multidisciplinares


a Gaza” (v.26) e ele indo, encontrou um Etíope, eunuco, oficial de
Candace, rainha dos Etíopes, o qual viera adorar em Jerusalém e lia
Isaías, sem, porém entender. Felipe desta forma lhe expõe o texto e
apresenta-lhe Jesus Cristo. O Etíope aceita a Palavra, é batizado e então
o Espírito arrebata Felipe.
Notem que esta era a história da Igreja da época e com certeza
o fato era importante para que Lucas o registrasse com detalhes.
Evidencia plenamente o Espírito Santo movendo a comunidade
dos santos a testemunharem, além de evidenciar uma profunda
preocupação transcultural.
Por tradição histórica o cristianismo chegou a Etiópia no século
IV d.C. através de missionários Coptas, os quais chegando na região
viram que Jesus não era totalmente desconhecido ali, pois séculos
atrás alguém já o havia anunciado. Registra-se que este alguém fazia
parte do governo Etíope, o que se encaixa ao “nosso” Etíope, o qual era
superintendente de todo o tesouro real e alto oficial (v.27).
Creio assim que Deus tencionava deixar claro que a extensão
ministerial da sua Igreja era além fronteiras. Talvez a Igreja que
permeava a mente do Senhor fosse uma Igreja cheia do Espírito, de
vida santa, plena comunhão, que testemunhasse onde estivesse, que
perseguida ou não, pregasse a Palavra, que enviasse missionários
a buscarem Etíopes perdidos nos desertos que alcançasse o centro
do Império que se preocupasse em espalhar um evangelho prático
causador de metamorfose, que olhasse o mundo sem romantismo e
soubesse que seria necessário suor e esforço para serem realmente
testemunhas e que acima de tudo agissem na força do Espírito Santo -
uma Igreja Visionária!
A importância que o Espírito Santo dá e Lucas registra no
testemunho transcultural da Igreja no Pentecostes e agora com o
Etíope não é casual: é determinante para o direcionar do ministério
desta Igreja e afirma:
a. que ele começa onde estamos;
b. que deve ser movido pelo Espírito;
c. que vai até onde houver alguém a espera dele até aos confins
da terra.

169
ATOS 13
Vimos que durante o Pentecostes e no episódio com o Etíope, Deus
reafirmou o desejo de que Sua Igreja possuísse uma atenção especial
quanto ao testemunho transcultural. Esta preocupação transcultural,
portanto não é registrada apenas no V.T. e em alguns textos do N.T.,
mas em especial durante o nascer da Igreja Crista seu revestimento
de poder e sua vida Fica claro que uma comunidade visionária é uma
comunidade que vê o mundo como campo e se propõe a ara-lo na força
do Espírito. E uma comunidade com um ministério transcultural.
Não pensemos, porém que a Igreja de Atos era uma Igreja
sedenta de cumprir a visão transcultural de Deus, ao contrário vemos
claramente que esta Igreja relutava em participar desta visão. Mesmo
após o revestimento de poder no Pentecostes eles relutavam em sair da
Judéia; Pedro relutou em testemunhar a Cornélio, um romano; mesmo
após a perseguição a Igreja os apóstolos relutavam em abandonar
Jerusalém e até quando foram dispersos muitos cristãos relutavam em
testemunhar a outros que não fossem Judeus.
Em Atos 13, porém inicia a narração da Igreja de Antioquia uma
Igreja formada em grande parte pelos dispersos de Jerusalém a qual
estendeu-se depois a crentes vindos de todos os lugares e desta forma
certamente ela não possuía os preconceitos étnicos como a Igreja de
Jerusalém. Parece-nos que Deus em Atos 13 levantava unia Igreja
gentílica para cumprir Sua visão transcultural a qual permanecia
embrionária entre os crentes em Jerusalém.
Quanto a Antioquia, nem tudo era fácil.
a. Antioquia era uma cidade em expansão e o cristianismo era
recente ali, necessitando desta forma de todo ajuda possível para a
sustentação da Igreja local;
b. A situação política era instável por toda a região em decorrência
das estratégias romanas quanto à integração do Império. Digamos que
havia dificuldades na política externa;
c. A situação econômica da Igreja local certamente era precária
pelo lato da grande maioria dos seus membros serem imigrantes e,
portanto ainda não estabelecidos;

170 A cidade em perspectivas multidisciplinares


d. Por evidências históricas crê-se que a Igreja de Antioquia
também enfrentava sérias restrições quanto à evangelização regional.
Porém vemos que apesar disto a Igreja enviou a Barnabé e a Paulo
segundo a palavra do Espírito: “para a obra a que os tenho chamado”
(v.2) e vemos que tal obra possuía um caráter transcultural.
Parece-me que Deus movia Antioquia a cumprir de forma mais
direta o desafio transcultural o qual até o momento era cumprido
relutantemente pela Igreja central em Jerusalém. A visão desta Igreja
gentílica enviando o melhor que eles tinham para além fronteiras deu
um passo largo na expansão do evangelho no inundo. Desta forma
houve testemunho das maravilhas de Deus em Salamina. Antioquia
da Psídia. Icônio, Listra, Derbe, Perge, Filipos, Tessalônica, Beréia,
Atenas, Corinto, Éfeso, Trôade, Mileto, Tiro, Malta e Roma, o centro
do Império. Alcançaram assim a Galácia, Macedônia, Acaia e Ásia.
Através de uma Igreja gentílica Deus expressava que Missões
dá certo. Independente das circunstâncias e do contexto difícil que se
encontrava aquela Igreja, enviaram o melhor que possuíam e etnias
foram alcançadas, Igreja fundadas e o nome do Cordeiro proclamado
além fronteiras. A Obra Missionária será feita por Igrejas que tenham
a visão do Reino, independentes de pertencerem ao “primeiro” ou
“terceiro” mundo; de possuírem dificuldades com a política externa;
de possuírem uma moeda instável ou mesmo de não terem obreiros
suficientes para a obra local. Será feita por uma Igreja que apesar das
circunstâncias ainda cultiva a visão de Deus.
Estes princípios não estão distantes de nós em nosso trabalho urbano,
pois a cidade também é campo missionário e onde quer que estejamos
precisamos florescer.
Que Deus nos use para a sua glória.
1 “Ekklesia tou theou” I Co 1:2; 11:16; Gl 1:3; I Ts 2:14 etc.
2 Ekklesia Thessalonikeon
3 Ekklesia te ouse en Korintho
4 Te ouse

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