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Bom dia hoje vou apresentar o poema “As ilhas afortunadas” de Fernando

Pessoa.
O poema “As ilhas afortunadas” insere-se no 3ª grupo de mensagem “O
encoberto”, no 1º subgrupo (Os Símbolos) e é o 4º poema deste subgrupo.
Quanto à estrutura formal, este poema é composto por 15 versos, mais
especificamente 3 quintilhas, e os versos estão em redondilha maior, ou seja,
têm todos 7 sílabas métricas; quanto ao esquema rímico, a rima é em esquema
abccb ou seja com um verso branco no início de cada estrofe.
As Ilhas Afortunadas
Que voz vem no som das ondas/ Que não é a voz do mar?/ É a voz de alguém
que nos fala, /Mas que, se escutarmos, cala,/ Por ter havido escutar./ E só se,
meio dormindo,/ Sem saber de ouvir ouvimos/ Que ela nos diz a esperança/ A
que, como uma criança/ Dormente, a dormir sorrimos./ São ilhas afortunadas/
São terras sem ter lugar,/ Onde o Rei mora esperando./ Mas, se vamos
despertando/ Cala a voz, e há só o mar.
Observações: Discurso na 3.ª pessoa, estrutura do poema como um enigma
(interrogação nos dois primeiros versos e revelação nos restantes); uso de
metáforas (o próprio título do poema pode ser considerado uma); uso de
oposições e paradoxos (por ex. “se escutarmos, cala”).
Análise do título:
Fernando pessoa escreveu, num texto que seria para o seu livro
“Sebastianismo”, que D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de
névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a
hora da volta.
Se a lenda tem o seu valor, Pessoa parece neste poema desvalorizá-la. Veja-se
que no poema anterior, D. Sebastião é “O Desejado”, ou seja, depois de morto
uma nação perdida deseja o seu regresso. Como se vai operar esse regresso? –
É esta a pergunta que Pessoa agora começa a responder mais concretamente.
Pessoa inicia desmistificando. Não haverá um regresso da ilha, como na lenda,
porque isso é uma crença popular sem sentido, alegórica, mas não simbólica.
Concordamos que aqui se entra no campo do inconsciente, mas discordamos
num ponto: não chegamos a sair da lenda.
PRIMEIRA ESTROFE
É notável a subtileza com que Pessoa usa a ironia na análise da lenda – e
simultaneamente no contraponto a todos os que acreditavam realmente que o
Rei iria regressar igual, humano, a cavalo, incólume. “Que voz vem no som das
ondas / Que não é a voz do mar?”, ou seja, que voz se ouve sem ser o som das
ondas? É certamente uma voz – uma presença – “mas que, se escutarmos,
cala, / Por ter havido escutar”, ou seja, é uma voz que fala, mas que não quer
ser ouvida.
O que é uma voz que fala mas que não quer ser ouvida, senão um mistério. E
um mistério não pode ser encarado como realidade comum. O mistério “fala”,
mas fala por símbolos e revela-se pelo sofrimento.
SEGUNDA ESTROFE
Desistir de procurar, é uma submissão ao Destino. Ao mesmo tempo a mais
difícil e a mais nobre atitude humana, porque se por um lado humilha a
liberdade, por outro abençoa a compreensão oculta. O poeta acreditava que as
almas fortes atribuem tudo ao Destino, só os fracos confiam na vontade
própria.
Esta segunda estrofe diz tudo isto de uma maneira quase infantil. “Meio
dormindo (…) sem saber (…) ouvir ouvimos / Que ela nos diz a esperança / A
que, como uma criança / Dormente, (…) sorrimos”. “Ela” é a “voz” da primeira
estrofe. É essa voz que, se na primeira estrofe não era compreendida, porque
alguém se esforçara para a ouvir, agora se revela, por já não haver esse
esforço, mas sim submissão, sofrimento.
É “meio dormindo” que o mistério se insinua na nossa compreensão de
“criança dormente”. Nem se deve falar em compreensão, mas sim intuição,
instinto. Compreendemos, mas sem saber que o fazemos, e por isso “a dormir
sorrimos”.
TERCEIRA ESTROFE
Pessoa desenha uma conclusão simples: as ilhas afortunadas não existem,
senão em devaneios, nas lendas simplistas das almas simples.
Mas não é um corte total com a lenda. Existe uma voz distante, que nos fala de
“esperança”. Só que essa voz não reside em nenhuma ilha material, e se
tentarmos escutá-la, ela cala-se, porque é um mistério.
Quem quer o regresso do Rei de maneira material – quem espera o mesmo rei
– tem aqui um poderoso aviso (ou pré-aviso, na melhor acepção da palavra).
Outros “Avisos” virão de seguida, mais concretos. Certo é que Pessoa é
implacável e inamovível na sua convicção: D. Sebastião regressa símbolo, não
carne.
As ilhas afortunadas, essas são “terras sem ter lugar”, que, “se vamos
despertando (…) há só mar”, nada mais. Não cabem estas ilhas na realidade,
apenas no sono irreal, e no sono a “voz” insinua-se de outras maneiras.

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