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IX 

Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa ­ IX ENABED ­ 
Forças Armadas e Sociedade Civil: Atores e Agendas da Defesa Nacional no Século 
XXI  
 
 
 
 
 
 
VISÕES SOBRE A GUERRA DE INFORMAÇÃO: COGNIÇÃO DE BOYD E 
SZAFRANSKI E TECNOLOGIA DA RMA 
 
 
João Gabriel Burmann da Costa 
Guilherme Henrique Simionato dos Santos 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 
Programa de Pós Graduação em Estudos Estratégicos (PPGEEI) 
 
 
 
 
 
 
AT3 ­ Estudos Estratégicos 
 
 
 
 
 
 
 
 
06­08 de Julho de 2016 
Florianópolis ­ SC 

Visões sobre a Guerra de Informação: cognição de Boyd e Szafranski e 
tecnologia da RMA. 
 
1
João Gabriel Burmann da Costa   
2
Guilherme Henrique Simionato dos Santos  
 
Procura­se  discutir  a  obra  de  John  Boyd  e  Richard  Szafranski  acerca  do  papel  da 
cognição  na  guerra.  Através  do  debate  do   conceito  de  Guerra  de  Informação, 
objetiva­se  reconhecer  seus  meios  de  emprego  e   demonstrar  a influência dos autores 
no  uso  hodierno  deste  conceito.  Relaciona­se  a  concepção atual do termo, surgida no 
debate  acadêmico  estadunidense  nos  anos  1990,  com  a  lógica  da  Revolução  nos 
Assuntos  Militares  (RMA),  predominante  naquela  época.  Os  teóricos  da  RMA 
defendem  a  existência  de  uma  mudança  nos princípios de condução da guerra  devido 
aos  avanços  tecnológicos  do  último  século.   A  literatura  acerca  da  Guerra  de  
Informação  adota  uma   abordagem  que  avalia  o   alvo  prioritário   no  processo  decisório 
inimigo,   representado  pelas  tecnologias  de  coleta,   processamento  e  difusão  de 
informação.  Defende­se  que  a  influência  de  Boyd  e  Szafranski  no  debate  se  dá 
através  da  ideia  de  Ciclo  OODA  (Observação,  Orientação,  Decisão  e  Ação),  que 
representa  um  processo de tomada de decisão. Todavia, a proposta dos dois autores ­ 
complementares  entre  si  ­  tem  como  foco  as  capacidades  cognitivas,  individuais  e 
coletivas,  de  gerar  conhecimento.  Portanto,  diferem  da  abordagem  influenciada  pela 
literatura  de  RMA  que  trata  a  Guerra  de  Informação  como  algo  meramente 
tecnológico.  A  proposta  metodológica  consiste  em  operar  uma  revisão  da  obra  dos 
dois  autores  e  seus  principais  continuadores,  bem  como  realizar  uma discussão entre 
a  abordagem  cognitiva  da  guerra  e  a  tecnológica,  representada pela RMA. A hipótese 
de  trabalho  é  que  a  influência  dos  dois  autores,  inicialmente,  se  deu  por  meio  da 
complementariedade  de  suas  obras,  resumidamente  pela  associação  do Ciclo OODA, 
de  Boyd,  e  do  papel  atribuído  a  imagem  e  o  neocórtex  do  cérebro  por  Szafranski. 
Posteriormente, com a popularização  da RMA e a adoção doutrinária pelos EUA dessa 
abordagem,  a  Guerra  de  Informação  teria  incorporado   um  viés  predominantemente 
tecnológico, em detrimento da cognitiva. 
 
 

Palavras­Chave:  Estudos  Estratégicos,  Revolução  nos  Assuntos  Militares,   Processo 


Cognitivo, Guerra de Informação. 

   

1
  Mestrando  no  Programa de  Pós Graduação  em  Estudos  Estratégicos Internacionais (PPGEEI) 
da  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  (UFRGS)  e  pesquisador  associado do  Instituto 
Sul­Americano de Política e Estratégia (ISAPE). 
2
  Mestrando  no Programa de  Pós Graduação  em  Estudos  Estratégicos Internacionais (PPGEEI) 
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 

Introdução 

O  presente  artigo  trata  das  diferentes  visões  sobre  a  Guerra  de  Informação. 
Constitui­se  em  um  esforço  de  análise  dos   novos  meios  de  se   travar  a  guerra,  uma 
atividade  em  constante  modificação.  São muitas as interpretações acerca da evolução 
et  al,​
da  arte  da  guerra.  Da  divisão  em  gerações  (HAMMES,  2006;  LIND  ​   1989)  a 
divisão  em  ondas  (TOFFLER  &  TOFFLER,  1994), parece  ser unânime, que a partir do  
surgimento   do  computador  e  do  processo  de  digitalização  da  guerra,  a  informação 
ganhou  um  novo  destaque  na  literatura  de  Estudos  Estratégicos.  Nesse  sentido,   até 
mesmo  o surgimento do debate sobre a Revolução em Assuntos  Militares – que trouxe 
controvérsias  sobre  as  reflexões  de  evolução  da  guerra  –  reforça  a  compreensão  de 
que  a  partir  da  Terceira  Revolução  Tecnológica  e  o  surgimento  do  computador  e  da 
rede,  a  atividade  da   guerra  e  os   meios  de  se  travá­la  passaram  por  uma  grande 
modificação.  Desse  modo,   esse   trabalho  se  pretende,  modestamente,  a  contribuir  no 
debate  brasileiro  de  Estudos   Estratégicos,  ao  discutir  a  definição  do  atual  conceito de 
Guerra  de  Informação,  em  específico,  apresentando  a   contribuição  das obras de John 
Boyd e de Richard Szafranski nesse campo da literatura. 

Guerra  de  Informação  foi  um  termo   surgido  na  literatura  estadunidense  na 
primeira  metade  dos  anos  1990,  que  procura classificar os novos meios de se travar a 
guerra  em  que  a  destruição  física  do  inimigo  não  ocupa  mais o lugar central da tática. 
De forma subsidiária, se buscará também explicar os principais meios reconhecidos de 
se  travar  a  guerra  de informação, sempre destacando os demais termos  utilizados nas 
doutrinas  ou  artigos  acadêmicos.  A  literatura  acerca  da  Guerra  de  Informação  adota 
uma   abordagem  que  avalia  o  alvo  prioritário   no  processo  decisório  inimigo, 
representado  pelas  tecnologias  de  coleta,  processamento  e  difusão  de  informação.  
Neste  trabalho,  categorizou­se  duas  vertentes   principais  acerca  da  Guerra  de 
Informação.  A  primeira,  influenciada  pelas  obras  de  Boyd  e  Szafranski,  destaca  o 
papel  da  cognição  na  guerra  moderna,  especificamente  a  partir  do  conceito  de  Ciclo 
OODA,  acrônimo   para  Observação,  Orientação,  Decisão  e  Ação,  que  representa  um 
processo  de  tomada  de  decisão.   A  proposta dos dois autores – complementares entre 
si  –  tem  como  foco  as  capacidades  cognitivas,  individuais  e  coletivas,  de  gerar 
conhecimento.  

A  segunda  vertente  é  influenciada  pela  lógica  da  Revolução  nos   Assuntos 


Militares  (em  diante,  representada  pela  sigla  em  inglês  RMA  –  ​
Revolution  in  Military 
Affairs​
),  debate  surgido  na  segunda  metade  da  década  de  1990  e  que  defende  a 

existência  de uma mudança nos princípios de condução da guerra devido aos avanços 
tecnológicos  do  último  século.  A  Guerra  de  Informação  insere­se  no  debate  da  RMA 
juntamente   com  as  reflexões  acerca  do  papel  da  inteligência e da guerra centrada em 
redes,  proporcionadas  pela  disseminação  do  computador  e  do  uso  da  rede   como 
forma  de  exercício  de  comando,  controle  e  comunicação  (C3).  Neste  sentido,  são  
destacados  os  sistemas  tecnológicos  que  permitem  a  execução  da  guerra  de 
informação,  bem  como  os  alvos,  a  orientação,  da  atividade  ofensiva  se  tornam  os 
computadores  e  a  rede   adversária.  Alguns  teóricos  como  Pape  (1996)  e  Warden 
(1995)  inserem­se  nesse  debate  por  meio  do  papel  do  poder  áereo,  mas  também 
enfatizando o papel das sistemas de armas que atingem as cadeias de C3 do inimigo. 

A  hipótese  de  trabalho  é  que  o  conceito  de  Guerra  de  Informação  surgiu 
fortemente  influenciado  pela  abordagem  cognitiva  de  Boyd  e  Szafranski,  por   meio  da 
complementariedade  de  suas  obras,  resumidamente  pela  associação  do Ciclo OODA, 
de  Boyd,  e  do  papel  atribuído  a  imagem  e  o  neocórtex  do  cérebro  por  Szafranski. 
Posteriormente,  a  Guerra  de   Informação  encontrou  terreno  fértil  nas  teorias 
emergentes  centradas  na  RMA,  onde  a  tecnologia  permitiu  agir  de  forma  mais   direta 
sobre o processo cognitivo do inimigo.  
O  artigo  é  dividido  em  três  partes.   Primeiro,  se  realiza  uma  revisão  da  obra  de 
Boyd  e  Szafranski  e  seus  principais  continuadores,  buscando  clarificar  a  abordagem 
definida  como  cognitiva.  Posteriormente  se  apresenta  a  visão   da  Revolução  nos 
Assuntos Militares, mostrando como ele lida com a questão da informação em  especial 
a  ênfase  na  tecnologia.  Na  terceira  parte,  discute­se  algumas  interpretações  sobre  a 
guerra  de  informação,  de   forma  a  ilustrar  a  presença  das  abordagens  da  cognição  e 
da RMA na literatura. Por fim, faz­se considerações finais. 
 

1. A abordagem cognitiva pelas obras de Boyd e Szafranski 

Essa  primeira   seção  se  propõe  a  apresentar  as  as  ideias  de   John  Boyd  e 
Richard   Szafranski,  e  destacar  a   abordagem  focada  na  cognição  que  esses  dois 
autores  trazem  para  o  debate  de  Estudos  Estratégicos.  Defende­se  que  por  meio  da 
complementaridade  da  obra  dos  dois  autores,  eles  influenciaram  o  início  do   debate 
acerca  da  Guerra de Informação, no início dos anos  1990. Assim, busca­se apresentar 
algumas  interpretações  de  autores  que  corroboram  a  visão  cognitiva  de  Boyd  e  de 
Szafranski. 

1.1  O pensamento de John Boyd 

John  Boyd  (1927  –  1997)  foi  um  coronel  da   Força  Aérea  dos  Estados  Unidos 
(USAF),  pensador  militar  e  consultor  do  Pentágono.  Piloto  de  caça  na  Guerra  da 
Coreia,  foi  instrutor  da  Air  Force  Weapons  School  na  década  de  1950.  Considerado  
um  grande  piloto,  posteriormente,  foi  para  o  Pentágono  e  atuou  nos  projetos  de 
desenvolvimento  dos  caças F­15 e F­16. (CORAM, 2002; HAMMOND, 2001; OSINGA, 
2005).   Quando  foi  para   a  reserva,  em  1975,  Boyd  tornou­se  um  pensador  militar, 
elaborando  apresentações  com  suas  ideias  e  as  divulgando  no  Pentágono,  em 
escolas militares, e para congressistas estadunidenses.  

O  Ciclo  OODA  consiste  na  principal  ideia  de  John  Boyd  e  no  seu  maior  legado, 
sendo  uma  das  poucas  ideias  suas  que  são  referenciadas  e  citadas  por  outros 
autores.  O  desenvolvimento  desse  conceito  foi   um processo de quase 20 anos, desde 
a  primeira  publicação  de  sua  apresentação  Patterns  of  Conflict  até  a  última  revisão,  
em  1996.  De  modo  resumido,  de  acordo  com  Schechtman  (1996,  p.  33)  o  Ciclo 
OODA  é  uma  sistematização  de  um  processo  de  tomada  de  decisão  racional.  A 
premissa  fundamental  do  modelo  é  que  o  processo  de tomada de decisão é resultado 
de  um  comportamento  racional,  composto  por  quatro  fases:  Observação,  Orientação, 
Decisão e Ação. 

Como  um  modelo   de  tomada  de  decisão   racional,  todos  os  seres  humanos  o  
desenvolveriam,  de  modo  intuitivo  –   ou  deliberado  –,  a  fim  de  sobreviverem.   O  Ciclo  
OODA  sintetiza  o  processo   cognitivo  humano  e   o  relaciona  à  competição  pela 
sobrevivência.  Portanto,  cabe  a  cada  um  de   nós  garantirmos   o  funcionamento  do 
nosso  Ciclo  OODA  e,  na  medida  do  necessário,  impedir  o  funcionamento  do  Ciclo 
OODA do oponente.  

Partindo­se do pressuposto da guerra como a continuação da política  com outros 
meios,  conforme  atestado  por  Clausewitz   (2007,  p.  28­29),  e  sendo  a  política  uma 
expressão  da  racionalidade  humana,  pode­se  concordar  com Osinga, quando este diz 
que:  

“Boyd  avançou  a  ideia  de  que  o  sucesso  na  guerra,   conflito, 


competição  e até mesmo sobrevivência, gira em torno da qualidade e do 
tempo  do   processo  cognitivo  de  líderes  e  suas organizações. A  guerra 
pode ser concebida como uma coalizão de organizações realizando seus 
próprios Ciclos OODA.” (2005, p. 3) 

A  figura  01  demonstra  graficamente  o  conceito  de  Ciclo  OODA,  conforme 


concebido por Boyd em 1995. 

Figura 1  ­  Ciclo  OODA. Imagem originalmente elaborada por BOYD, 1995. Traduzida por Rodrigo 


Jaroszewski. Disponível em: <http://bit.ly/imagemcicloOODA>. Acesso: 19 de junho de 2016. 

A  Observação  é  a  primeira  parte  do  processo  cognitivo.  Consiste  em   captar 


informações  externas  e  as  circunstâncias   em  curso  e  deve  absorver  os  impactos  da 
própria  ação, através  do mecanismo de retroalimentação. Como destacado por Osinga 
(2005,   p.  271)  a  observação  é  “o  método  pelo  qual   os  indivíduos  identificam  a 
mudança  ou  a  falta de mudança no ambiente ao seu redor”. Por  esse  motivo, deve  ser 
executada  constantemente  e  constitui­se  na   fonte  primária  de  novas  informações  no 
processo cognitivo. 

A  Orientação  é  com  certeza  o   elemento  de  destaque  do  Ciclo  OODA  e  o 


diferencial  entre  o  processo  cognitivo  humano  e  o  de  máquinas.  Em  resumo, 
orientar­se  é  ter  a  compreensão  da  realidade.  A  Orientação não é um simples estado, 
mas  sim  um  processo.  Estamos  sempre  nos  orientando.  Assim,  pode­se  dizer  que  a  
Orientação  condiciona  todo  o  Ciclo  OODA.  Ele  consiste  no   conjunto  de  imagens, 
percepções,  impressões  e,  informações  moldadas  por  um  processo  interativo  –  que é 
constantemente  alimentado.  Esses  inputs  são  processados  por  um  conjunto  de 
características  de  cada  indivíduo,  tais  como,  carga  genética,  experiência  prévia, 
aspectos  de  tradição  e  cultura,  suas  análises  e  sínteses,  etc.  O  resultado  da 
Orientação  são  imagens,  conceitos  e  impressões  mentais  que  devem  corresponder  à 
realidade em que o indivíduo habita.  

Os  outputs da Orientação condicionarão a Decisão e a Ação, que Boyd relaciona 
com  Hipótese   e Teste. Ou seja, a “Decisão é o componente no qual os atores decidem 
quanto  a  ações  formuladas  na  fase  de  Orientação”  (OSINGA,  2005,  p.  271).  Nesse 
sentido,  as  ações  seriam  os  testes  da  hipótese  adotada.  Devem  ser  rápidas, 
ambíguas,  ameaçadoras  e  variadas.  Em  outras  palavras,  de  acordo  com  a  realidade 
da guerra na visão boydiana, caótica, incerta e complexa. 

A  eficácia  do  uso  do  Ciclo  OODA  não  reside  tanto  na  velocidade  em  que  se 
aplica  o  processo,  mas  sim  na  sua  eficiência.  A velocidade é importante e constitui­se 
enquanto  elemento  de  vantagem  em  uma  competição.  Contudo,  a  eficiência  na 
realização  do  processo  implica  que  as  informações  sejam  melhor  captadas  e  que  o 
processo  cognitivo  se  dê  em  sua  plenitude.  Dessa  forma,  um  número  maior  de 
características  do  meio   ambiente  são  observadas  e  orientadas,  de  modo  a  se  
concretizarem em ações que levarão à vitória.  

A  visão  mais  precisa  acerca  do  uso  do  Ciclo  OODA  se  assemelha  à  defendida 
por  Gray  (1999,  p.  28),  Osinga  (2005),  Coram  (2002,  p.  335)  e  Ford  (2010,  p.  29):  a 
chave  para  o  sucesso  está  em  operar  dentro  do  Ciclo  OODA  inimigo.  “Vantagens  na 
observação  e  na  orientação  provêm   um  ganho  de  tempo  no  processo  de  tomada  de 
decisão   que quebra o ritmo do inimigo e, portanto sua capacidade de reagir em tempo” 
(GRAY,  1999,  p.  28).  A  verdadeira  intenção  de  Boyd  ao  pensar  a  utilização  desse 
modelo  de  tomada  de  decisão  na  guerra  é,  portanto,  levar  o  inimigo  ao  colapso, 
provocando a sua paralisia, através da interferência no Ciclo OODA. 

O  Ciclo  OODA  é  uma  construção  intelectual  baseada  no  indivíduo, podendo ser 


considerada  no  nível  da  tática.  Todavia, Boyd o generaliza para abarcar todo o Estado 
adversário.   Mais  do  que  o  foco  nas  lideranças,  a  guerra  deve  ser  travada  contra  o 
Ciclo  OODA  da  sociedade,  do  governo  e  das  Forças  Armadas  em  conjunto.  Assim,  a 
estratégia é apenas a maximização da tática e consiste em: 

penetrar  o  ser  moral,  físico  e  mental  para  dissolver  sua  fibra  moral, 
desorientar  suas  imagens  mentais,  corromper  suas  operações  e 
sobrecarregar seu sistema – assim como subverter, quebrar, apreender, 
ou  subjugar  esses  bastiões,  conexões ou  atividades morais,  mentais, e 
físicas  –  de   modo  a  destruir  a  harmonia  interna,  produzir  a paralisia, e 
colapsar a vontade do adversário em resistir. (BOYD, 1986, p. 133) 

1.2 O pensamento de Richard Szafranski 

Richard   Szafranski  é  um  Coronel  da  Reserva  da  Força  Aérea  dos  EUA,  desde 
Strategic Air Command,​
1996.  Ocupou  cargos  no  ​  no ​
United States Space  Command e 
comandou  unidades  de  B­52 em nível  de esquadrão e ala aérea. Ocupou a cátedra de 
Estratégia  Militar  Nacional  na  Air  University  e  foi  o  Diretor  de  Estudos  do  Projeto  Air 
Force  2025,  um  estudo   acerca  das  capacidades  aéreas,  espaciais  e  informacionais, 
requeridas  pela  Força  Aérea   no  século  XXI. Na reserva, Szafranski prestou serviço de 
consultoria para diversos órgãos governamentais dos EUA e a empresas privadas.  

Szafranski  é  autor  de  diversos  artigos  que  tratam  sobre  guerra  de  informação, 
guerra  aérea  e  os  rumos  da   Força  Aérea.  Sua  principal  obra,  para   efeitos  deste 
trabalho,  é  um   artigo  denominado  Neocortical  Warfare?  The  Acme  of  Skill,  publicado 
originalmente na Military Review, em 1994 (SZAFRANSKI, 1997 [1994]) e trata sobre a 
Guerra Neocortical e o uso da imagem como o ápice da habilidade militar.  

Szafranski (1997 [1994], p. 403) conceitua a guerra neocortical como:  

a  guerra  que  ambiciona  controlar  ou  moldar   o  comportamento  do  


organismo  inimigo,  mas  sem   destruir  esse  organismo.  Ele   faz  isso 
influenciando,  até  mesmo  ao  ponto  de  regular  a  consciência,   as 
percepções  e  a  vontade da  liderança  adversária.  Em termos simples,  a  
guerra   neocortical  tenta  penetrar  os   recorrentes  e  simultâneos  Ciclos 
OODA adversário. 

O  termo neocortical tem como base a Teoria do Cérebro Trino, de  Paul McLean . 
Essa  teoria  expõe  que  o  cérebro  humano  e de primatas mais desenvolvidos é dividido 
em  três  partes:  o  cérebro  reptiliano,  o  sistema  límbico  e  o  neocórtex.  O  primeiro  é 
responsável  por  funções   básicas  como  respiração,  batimentos  cardíacos  e  o  controle 
de  reflexos  simples  –  em  suma,  o  nosso  cérebro primitivo. O segundo, é um  resquício 
evolutivo  dos  primeiros  mamíferos.  A  ele  competiria  funções  como  alimentação,  os 
instintos,  correr,  lutar  e  a  reprodução  sexual,  emoções  e  as  medidas  como 
recompensas e punições. 

O  terceiro,  mais  evoluído,  é  o  neocórtex,   que  corresponde  a  cerca  de  80  por 
cento  do  tamanho  do  cérebro  humano.  Ele  é  também   chamado  de  cérebro  racional, 
pois  é  responsável  pela  imaginação,  percepção  e  raciocínio  e  todas  funções 
relacionadas  a  essas   ações.  O  neocórtex  possui  também  uma  divisão  em  dois 
hemisférios,  o  lado  esquerdo  e  o  lado  direito.  O  lado  esquerdo  é  o  lado  cognitivo,  ou 
seja,  o  lado  analítico,  racional,  objetivo,  com  maior  facilidade  para  o  registro  e  a 

análise  de palavras e números. O lado direito, pelo contrário, é mais adepto ao  registro 


de  imagens,  padrões,  sons.  Enfim,  a   elementos  mais  sensoriais.  Por  esse  motivo,  o 
lado direito do neocórtex é mais intuitivo, subjetivo, sintetizador e arbitrário.  

A  relação  entre  Szafranski  e  Boyd  é  direta:  ambos  utilizam  o  conceito   de  Ciclo 
OODA  como  modelo  de  tomada  de  decisão.  Por  esse  motivo,  Szafranski  possui 
limitações  semelhantes  às  de  Boyd ao propor uma estratégia. Nosso argumento é que 
Szafranski  complementa  a   proposta  de  Boyd  de  interferência  no  Ciclo  OODA 
adversário,  ao propor que isso seja feito através da imagens. Com a guerra neocortical 
seria  possível   afetar  o  processo  de  Orientação  do  Ciclo   OODA  de  um  adversário  e 
influenciar  na  sua  decisão  e  ação,  compelindo­o  a  não lutar ou, então, a agir de modo 
que  seja  danoso  a  si  próprio,  de  acordo  com  o  desejo  de  quem  aplica  a  guerra 
neocortical.  

Conforme  exposto  por  Boyd,  a  Orientação  é  a  parte  mais importante do ciclo de 


tomada  de  decisão  e  é  composta   de  elementos  complexos,  que  envolvem  o  uso 
completo  do  cérebro,   ou  seja,  hemisfério  esquerdo   e  direito  do  neocórtex.  Com  a 
substituição  desses  elementos  complexos   pela  imagem,  estimula­se  a   utilização  do 
lado  direito  do  neocórtex,  que  captura  o  aspecto  subjetivo  e  holístico.  A  imagem 
cumpriria  a  função  substitutiva  de  todos  os  procedimentos   lógicos  e  racionais  mais 
complexos,  implícitos  no  processo de Orientação. Desse modo o uso da imagem é um 
modo mais efetivo de se influenciar o  Ciclo OODA adversário, uma vez que  automatiza 
a  Orientação  com   base  nas  imagens  recebidas,  e  que  por  consequência altera todo o  
resto do Ciclo.  

Ao  propor  o  uso  da  guerra  neocortical  como  modo  de  influenciar  o  Ciclo  OODA 
adversário,   Szafranski  aproxima­se  da  proposta  de  Boyd  de  romper  com  a  moral 
adversária,   através  da  influência  nos  processos  cognitivos.  O  autor  expressa  isso  da 
seguinte  maneira:  “o objetivo [da guerra neocortical] é fazer com que  o inimigo escolha 
não  lutar  através  do  exercício  da  influência  reflexiva,  quase  controle  parassimpático, 
sobre os produtos do neocórtex adversário”. (SZAFRANSKI, 1997 [1994], p. 405) 

2. A abordagem tecnológica da Revolução nos Assuntos Militares (RMA) 

A  ideia  sobre  Revolução  em  Assuntos  Militares  (RMA)  é  resultado  da 


interpretação   do  papel  transformador  da  tecnologia  sobre  o  modo   de  fazer  a  guerra e 
sobre  a  vitória  militar.  Tem  raízes  na  segunda  metade  da  Guerra  Fria,  com  autores  
soviéticos,  como  o  Marechal  Ogarkov,  que  viam   no  avanço  da  tecnologia  uma  forma 

de  empoderar  as  armas  convencionais  frente  as  armas  nucleares  de  nível  tático 
(COHEN,  1996,  p.  39).  Chapman  (2003, p. 2) ­ e também Cohen (1996, p. 39)  ­ afirma 
que  o  conceito  de  RMA  foi   levado  aos  EUA  por  influência  de Andrew Marshall, diretor 
Office  of  Net  Assesment,  ​
por  mais  de  quarenta  anos  do  ​ um  think­tank  do  Pentágono 
que  influenciou   diversas  gerações  de  civis  e  militares  da  área   de  defesa  nos  Estados 
Unidos.  

Foi  apenas  após  a  Guerra  do  Golfo  em  1991 que se tornou a teoria dominante 


na  pensamento  estratégico­militar  dos  Estados  Unidos.  O  evento  em  questão  é 
considerado  a  primeira  experiência  de  aplicação  da  RMA,  com  a  aplicação  das 
munições  guiadas  de  precisão  (na  sigla  em  inglês,  PGM,  de  ​
precision­guided 
munitions​
)  e  dos  sistemas  embarcados  de  distribuição  de  informação,.  Dessa 
perspectiva,  as  PGMs,  conjugadas  com  o  surgimento  da  aeronave  AWACS  (sigla  em 
Airborne  Warning  and  Control  System)​
inglês  para  ​   E­3  Sentry  e  do  caça  F­15A/B  e, 
posteriormente,  de  sua  versão  de  interdição  F­15E,  seriam  capazes  de  produzir  uma 
definição  militar  rápida  e  praticamente  sem  custos  (em  todos   os  sentidos:  humano, 
militar,  político  e  econômico).  As  guerras  do  Afeganistão  em  2001  e  do  Iraque  em 
2003,  consolidoram  o  modelo,  que  Max  Boot  (2003)  chamou  de  “Novo  Modo 
Americano de Fazer a Guerra”. 

As  experiências  de  1991,  2001  e  2003  foram  usadas  para  corroborar  com  a 
visão  dos  defensores  do  poder áereo como forma de definição das  guerras. Em suma, 
com  a  RMA,  tem­se  a  concepção  de  que,  devido  aos  avanços   técnicos  em termos de 
precisão,  de  furtividade  e   de  comunicação,  controle  e  reconhecimento,  o  poder  aéreo 
adquiriu  uma  centralidade   sem  precedentes  na  guerra   moderna.  Se  antes  a  Força 
Aérea  tinha  uma  função limitada de apoio ao solo ou no máximo de interdição, agora o 
poder  aéreo  estava  empoderado  e  era  o  protagonista  do  sucesso  militar,  desde  que 
agisse de forma independente e sobre os centros de poder do adversário.  

Segundo  Pape  (1996),  dentre  as  diversas  teorias  do  poder aéreo derivadas da 


RMA,  a  com  o  maior  apelo  no  pós­Guerra  Fria  foi  a  da  decapitação.  Baseada  nas 
ideias  de  John  Warden  III  (1995),  a  ideia  central  da  teoria  é  que  o  foco  dos  esforços 
ofensivos  deve  ser  sob  a  liderança  política  e  sob   a  rede  de  telecomunicações  do 
inimigo  –  o  calcanhar  de  aquiles  dos  estados  modernos.  Eliminados  e  destruídos  
esses  alvos,  o  adversário  se  desmancharia  como   um  castelo  de  cartas, a despeito de 
sua  capacidade  industrial  ou  de  suas  forças  armadas.  Nesse  sentido,  além  de  serem 
10 

mais  eficientes,  os  ataques  aéreos  gerariam  menos  atrito,  menor  custo  político  e 
menores efeitos colaterais em geral. 

Nesse   sentido,  três  tipos  diferentes  (embora  não excludentes) de estratégia de 


decapitação  podem  ser  identificadas.  A   primeira  delas  é  a decapitação das lideranças 
políticas,  as  quais  devem  ser  eliminadas  sob  a   assunção  de  que  representam  o 
sustentáculo  do  esforço  militar  do  inimigo.   A  segunda,  por  sua  vez,  é  a  decapitação 
política:  o  poder  aéreo  é  utilizado  como  meio  de se criar as circunstâncias políticas  na 
qual  os  próprios  grupos  domésticos  consigam  derrubar  o  regime  consolidado  e   tomar 
o  poder.  Isso  se  dá  através  de  ataques  aos   mecanismos  de  controle  interno  do 
governo  –  estruturas  e sistemas de contrainteligencia, forças de segurança e  unidades 
leais ao regime – e  aos meios de comunicação entre os líderes e suas fontes de apoio. 
Por fim, tem­se a terceira abordagem, a da decapitação militar, onde se busca atacar o 
comando  político­militar  e  suas  comunicações,  a  fim  de   isolá­lo  das  forças   no  campo 
de  batalha  e   privá­los  de  deliberar  sobre  as  ordens  operacionais  e  direções 
estratégicas da guerra (PAPE, 1996).  

Dentre  os  téoricas  da  RMA,  além  da  vertente  que  defende  o  poder  aéreo, 
Cohen  destaca   a  vertente  do  “sistema  de  sistemas”,  muito  difundida no ​
establishment 
militar  dos  EUA,  por  meio do trabalho do Almirante William Owens (1996). Na visão de 
Owen,  a   RMA  propiciou  mudanças  em   três  setores  principais  das  capacidades 
militares  dos  EUA:  a   inteligência,  comando  e  controle,  e  precisão.  (OWENS,   1996,  p. 
1). Cohen define a ideia de “sistema de sistemas” como 

 ​
“um  mundo  em  que  muitos  tipos  de  sensores,  de  satélites   a 
radares  embarcados,  de  veicúlos  aéreos  não  tripulados  a  dispositivos 
acústicos  implantados  remotamente,  irão  prover  informação  para 
qualquer militar que necessite” (1996, p. 40, tradução nossa) 

Michael  O’Hanlon  (2000)  também  considera o “sistema de sistemas” uma  escola 


de  pensamento  a  parte   dentre  os  teóricos  da  RMA,  e  afirma  que  essa  é  a  raiz  para 
integração  de  todas  forças   e  comandos  dos  EUA,  por  meio  de  uma  hierarquia  de 
estruturas  de  comando  e  controle  e  tecnologias,  que trabalharão de forma a propiciar 
o  uso  combinado  e  integrado  dos  sistemas  militares  de  cada  uma  das  forças.  (O’  
HANLON,  2000  apud  CHAPMAN  2003,  p.7).  Também  tratando  dessa  visão  sobre  a 
RMA,  mas  de  forma  crítica,  Ferris  (2004,  p.199,  tradução  nossa)  conceitua  a  ideia  a 
RMA  como  aquela  “que  assume  que   a  informatção  e  a   era  da  informação   irão 
transformar  o  conhecimento  disponível  nas  forças  armadas  e  então  a  natureza  da 
11 

guerra”.  Dentro  desse  arcabouço  se  inseririam  conceitos  como  a Guerra Centrada em 


Network  Centric  Warfare),​
Rede  (​   C4ISR  (comando,  controle,  comunicações,  
computadores,  inteligência,  vigilância  e  reconhecimento,  “infoesfera”  e  operações  de 
informação.  Todos  esses  conceitos   se  enquadram  em  uma  zona  mista  entre  os 
Estudos  Estratégicos  e  os  Estudos  de  Inteligência,  pois  dão  maior  destaque  para  o 
papel  da  inteligência  na  guerra,  ainda  que   com  uma  ênfase  majoritariamente  focada 
na tecnologia.  

Por  fim,  Hammes  (2006)  define  bem  o  impacto  da  aceitação  da  RMA  no  
Departamento  de  Defesa  dos  EUA,  sendo  incorporado  nas  doutrinas  estratégicas  e 
operacionais:  

“A  então   chamada  ‘Revolução  nos  Assuntos  Militares’  junto  com 


conceitos  articulados  no  Joint  Vision  2010,  Joint  Vision   2020, 
Departamento  de Defesa  ‘Transformation  Planning Guidance’, e ‘Guerra 
Centrada  em   Rede’,  mostra  a  evolução  da   política  oficial  dentro  do 
departamento. Em  cada  um  desses conceitos, a  tecnologia é vista como  
o  fator  primário  de  mudança.  Em  particular,  esses  conceitos  veem  o 
aumento   de  capacidades  técnicas  de  comando e controle  como o  fator 
chave  na  formação  da  guerra  futura.”   (HAMMES,   2006,  p.06,  tradução  
nossa). 

3. Interpetações da Guerra de Informação 

Desde  o   surgimento  do  conceito  de  guerra  de  informação,  uma  das  principais  
discrepâncias  no  debate  se  baseava  no  meios  pelos  quais  se  poderia  travar  a  guerra 
de  informação,  e  consequentemente,  o  termo  mais  preciso  para  designar  aquele  tipo 
de  guerra.  Parte  dessa  controvérsia,  se  explica  pelo  fato  de  que  o  conceito   em  si  é 
tributário  de  duas  visões  principais,  que  se  relacionam,  mas  que  necessitam  de 
mediações:  a  abordagem  cognitiva  e  a  abordagem   tecnológica.  A   seguir,   busca­se 
apresentar  como  o  conceito  de  guerra  de  informação  foi  sendo   interpretado  e 
influenciado pelas duas abordagens tratadas anteriormente. 

O  próprio  Szafranski  utilizou  o  termo  Guerra  de  Informação  em  um  artigo  de 
1995,  publicado  na  Air&Space  Power   Journal.  Logo  de  início  ele  destaca  a 
convergência entre a guerra de informação e o Ciclo OODA:  

“no  mais  amplo  sentido,  os  sistemas  de  informação  abrangem  


todos  os   meios  pelos  quais  o   adversário  chega  a  ter  crenças  ou 
12 

conhecimento.   […]  Em  conjunto,  os  sistemas  de   informação  são  um 


conjunto  compreensivo  de   conhecimentos,   crenças  e  os  sistemas  de 
processo de  tomada  de  decisão do  adversário”  (SZAFRANSKI, 1995, p. 
1). 

Ao  se  objetivar  afetar  esse  conjunto  de  conhecimentos,  busca­se  passar  uma 
mensagem   de  que  o  adversário  deve  parar  de  combater  e  não  mais  resistir.  Isso  se 
daria  por  diversos  motivos,  dentre  eles  a  perda  da  lei  moral,  a  crença  de  que  a  força 
de  combate   foi  destruída  ou  a  consciência  de  que  lutar  traz  menos  ganhos  e  mais 
riscos  do  que  não  lutar.  Em  resumo,  a  principal  preocupação  é  com  o  processo 
cognitivo do adversário, que o motiva a lutar ao invés de desistir. 

  George  Stein  (1995),  outro  autor   pioneiro  no  assunto,  reforça  a  visão  de 
Szafranski  e  destaca  elementos   da essência da guerra de informação. Argumenta que 
ela  envolve  ideias  e   epistemologia,  ou  seja, diz respeito a como as pessoas pensam e  
decidem,  portanto  tem  como   alvo  a  mente  humana  de  modo  geral.  Ainda  que  Stein 
utilize um argumento mais abstrato para caracterizar a guerra de  informação, o mesmo 
destaca  o  fato  de  que  o  fenômeno  a  que  se  refere  é   guerra  mesmo,  pois  trata­se  da 
utilização da informação para criar um desequilíbrio entre nós e o oponente.  

Ainda  em  1995,   mesmo  ano  de  publicação  das  obras  de  Szafranski  e  Stein, 
Martin  Libicki,   da  National  Defense  University   publicou  a  obra  ​
What  Is  Information  
Warfare?  (1995).  Nesta,  o  autor  afirma  que  o  surgimento  do  conceito  tem suas raízes 
no  fato  inegável  de  que  a  informação  e  as  tecnologias   da  informação  são  essenciai  s 
para  a  segurança  nacional.  Contudo,  seu  argumento  vai  um  pouco  de  encontro ao de 
Szafranski,  ao  afirmar  que  não  existe  uma  técnica   separada  de  se  travar  a  guerra  de 
informação   –  que  ele  caracteriza  como  conflitos  que  envolvem  a  proteção, 
manipulação,  degradação  e  negação  de  informação.  É  o  início  do  debate  acerca  dos 
meios  de emprego desse tipo de guerra e da introdução  do viés tecnológico. Conforme 
Libicki, podem ser distinguidos sete formas de guerra de informação:  

“(i) guerra  de comando e controle: que ataca contra a cabeça e o 
pescço  inimigo;  (ii)  guerra  baseada  em  inteligência,   que  consiste  na 
elaboração,  proteção   e  negação  de  sistemas  que  busquem  
conhecimento  suficiente  para  dominar  o  espaço  de  batalha; (iii)  guerra 
eletrônica, composta por técnicas rádio­eletrônicas ou criptografadas; (iv) 
guerra  psicológica,  em  que a informação é usada para afetar a mente de  
aliados,  neutros  e  inimigos;  (v)  guerra  hacker,  em  que  sistemas 
13 

computadorizados  são  atacados;   (vi)   guerra  de  informação econômica, 


bloqueando  informações  ou  as  canalizando  para  obter  domínio 
econômico;  (vii)  guerra  cibernética,  um   pacote   de  cenários  futuristas” 
(1995, p. x) 

As  categorizações  feitas  por  Libicki  ainda  se  mantém  atuais  e  presentes   nas 
doutrinas  das  Forças  Armadas,  que  foram  surgindo  ao  longo dos anos 1990. Talvez a 
maior  omissão  do   argumento  do  autor  seja  a  pouca atenção dispendida para a guerra 
cibernética.  Na  época,  com  o   recente  surgimento  da  internet,  falar  de  guerra 
cibernética  era  tratar  de  questões  futuristas   e  muito   propensas  a  erro.  Todavia,  a 
evolução  tecnológica  mostrou  que  as  ressalvas  de  Libicki  não  foram   acertadas,  uma 
vez  que  se  tornou  disseminado  o  uso  de  computadores   e  outros  aparelhos em rede e 
portanto as ameaças a esses.  

Entretanto,  ainda  na  primeira  metade  dos  anos  1990  havia  quem utilizava­se do 
termo  guerra  cibernética  como   sinônimo  de   guerra  de  informação,  demonstrando 
como  ao  elemento  tecnológico  já  se  fazia  presente  na  formulação  do  conceito.  É  o 
caso  de  "Winn  Schwartau,  autor  do  livro  Information  Warfare:  Chaos on the Electronic 
Superhighway  (1994)  que  define  “guerra  de  informação  como   'um  conflito  eletrônico 
em  que  a  informação  é  um  meio  estratégico  que  vale  a  pena   conquistar  ou 
destruir'”(SCHWARTAU,  1994,  p.  13  apud  ALDRICH,  1997,  p.3).  Arquilla  e  Ronfeldt 
também utilizam o termo e de acordo com Aldrich, (1997, p.2):  

“definiram guerra  de informação  como soma da guerra de rede e 


da  ciberguerra.  Definem  guerra  de  rede  como  'conflito,  no  nivel   da 
sociedade  travado  usando  os  modernos  meios  de  comunicação   da 
Internet'.  Definem   ciberguerra  como  “condução  e  preparo da  condução 
de operações militares de acordo com os princípios informacionais”.   

Como  discutido  anteriormente,  a  RMA  teve  no  público  da  Força  Aérea  um 
grande  defensor  dos  impactos  das  mudanças  tecnológicas  que  impactaram  no  modo 
de  se  travar  a  guerra.  Assim,  o  debate  acerca  do  conceito  de  guerra  de  informação, 
logo  foi  incorporado  também   nas escolas militares, como esforço de formalizá­lo como 
doutrina.  Em  um  documento  de  1995  da  Força  Aérea  dos  EUA  (USAF,  1995), 
intitulado  Cornerstones  of  Information  Warfare,  a   guerra  de  informação  é  definida 
como  “qualquer  ação   para  impedir,  explorar,  deteriorar  ou  destruir  as  informações  do  
inimigo  e  as  suas  funções; proteger­nos  contra ações desse tipo; e explorar as nossas 
próprias  funções  de  informação  militar”  (USAF,  1995,  p. 2). O documento enfatiza que 
14 

esse  tipo  de  guerra  só  depende  da  natureza  da  ação,  não  dos  meios  pelo  qual  ela  é 
travada.  Desse  modo,  um  bombardeio  convencional   a  um  centro  de  computação 
(comando  e  controle)  do  inimigo,  poderia  ser  classificado  como  guerra  de  informação 
(ALDRICH, 1997, p. 3).  

A  visão  da  Força  Aérea  parece  estar  em  concordância  com  a  de  Szafranski, 
conforme a seguinte passagem:  

“(...) em alguns casos devemos introduzir o  choque, a surpresa e 
o  terror  no  mundo  exterior  do  adversário,  no  sentido  que  Arquilla  e 
Ronfeldt  [1993]   chamam  de  'o   uso   exemplar  de  nossas  capacidades 
militares',  para   abastecer   pesadelos  e  a  desorientação  buscada  no  
mundo  interno  do  adversário”  (SZAFRANSKI,   1997  [1994],  p.  408, 
destaque nosso). 

Além  do  fato  de  que  o  próprio  Szafranski  pode  ter  tido  influência  direta  na 
formulação  da doutrina da Força  Aérea, por ser membro dessa Força, outra doutrina, a 
de  Choque  e  Pavor,  reforça  a  convergência  entre   as  duas  visões.  A  doutrina  de 
Choque  e  Pavor,  formulada  por  Ullman  e  Wade  em  1996  e  também  conhecida  como 
Domínio  Rápido,  é  definida  como  objetivando  “afetar  a  vontade,  percepção,  e  o 
entendimento  do  adversário   para  lutar  ou  responder  aos  fins  da  nossa   política 
estratégica através de um regime de Choque e Pavor” (ULLMAN&WADE, 2008, p. 15) 

Para  isso,  devem  ser  obtidos  efeitos  físicos  e  psicológicos,  mas  o  objetivo 
continua  sendo  destruir  a  vontade   inimiga  de  resistir,  em  uma  mistura do disposto por 
Boyd  e  Szafranski,  e  a  teoria  da  decapitação  de  John  Warden  III  (1995).  O  termo 
rápido  implica  “a  habilidade  de  deter  a  dimensão  do  movimento temporal, mais rápido 
que  um  oponente,  operando  dentro   do  seu  ciclo  de  decisão,  e  resolvendo   conflitos 
favoravelmente em um curto período de tempo” (ULLMAN&WADE, 2008, p. 14).  

A  doutrina  de  Choque  e   Pavor  da  Força  Aérea,  bem  como  o  debate  acerca das 
Operações  Baseadas  em  Efeitos  (ASH,  2001;  BINGHAM,  2002),  revela  um  lado 
frequentemente negligenciado pela academia no debate  sobre a guerra de informação: 
o  papel  do  uso  da  força,  ou  seja,  a  destruição  física,  como  forma   de  obter  efeitos 
cognitivos.  

Atualmente,  a  concepção  do  Departamento  de  Defesa dos EUA está muito mais 


técnica  e  repleta  de  eufemismos,  para  conceitos  outrora  mais  explícitos   em 
15 

significado.  De  acordo  com  o  Dicionário  de  Termos  Militares  do  Pentágono  de  2015  
(DOD, 2015), Operações de Informação podem ser definidas como:  

“O  emprego  integrado,   durante  operações  militares,  de 


capacidades informacionais em conjunto com  outras linhas de operação, 
para  influenciar,  disromper,  corromper  ou usurpar  a  tomada de  decisão 
dos  adversários  e  potenciais  adversários,  enquanto  protege  a  nossa 
própria.  Também  chamada  GI   (Guerra  de  Informação).  Ver  também,  
guerra   eletrônica,   dissimulação  militar,  operações  militares 
informacionais de suporte, operações de segurança. “ 

Considerações Finais 

O  argumento  desenvolvido  nesse  artigo  foi  de  que  devido  ao  desenvolvimento  


das  Novas  Tecnologias  de   Informação  e  o  processo  de  digitalização   da  guerra  nas 
ultimas  décadas,  tem  havido   um  aumento  exponencial  nos meios em que a Guerra de 
Informação  pode  ser  travada,  além  do  uso  tradicional  da  força.  Ainda  assim,   em  sua  
essência,  as  diversas  interpretações  do  conceito  de  guerra  de  informação,  enfatizam 
como  meta  final  interromper  o  processo  de  tomada  de  decisão  adversário.  E  é  na 
essência  da  guerra   de  informação  que  a  influência  do  pensamento  de  Boyd   e 
Szafranski se faz presente.  

Nesse   sentido,  com  surgimento  das  teorias  baseadas  no   poder  aéreo   e 


centradas  no  papel   revolucionário  da  técnologia,  criaram­se  não  apenas  novos  meios 
para  se  atingir  os  objetivos  da  guerra  de  informação,  mas  também  as  bases  teóricas 
que  justificam   o  seu  emprego  em   caráter  de  protagonista  na  guerra  moderna.  A 
materialização  disso  se  deu  a  partir  da  Guerra  do  Golfo,   onde  a  estratégia  da 
decapitação e da interdição estratégica foi amplamente utilizada sob essa justificativa.  

A  complementariedade  entre  o  Ciclo OODA de Boyd e a Guerra Neocortical de 


Szafranski,  mais  especificamente  em  como   o  uso  da  imagem  pode  influenciar  no 
processo  de  Orientação  e  automatizar  o  processo  de  tomada  de  decisão  em  sua 
totalidade,  revela   a  importância  de  se estudar o papel da cognição na guerra. Partindo 
de suas ideias, se tem  as bases para o debate futuro acerca dos  meios de emprego da 
guerra  de  informação.  E  no  caso  do  Brasil,  e  de  outras  potências  emergentes,  talvez 
seja  tão  ou  mais   importante  que  o  debate  de  como  travar  a  guerra  a  informação,  o 
16 

debate  de  como  se  proteger  desse  tipo  de  ação.  Entender  a  literatura  e  as  doutrinas  
que fundamentam essas ações nos parece ser um bom começo. 

Referências 

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ASH,  Eric.   A  Seleção  de  Alvos  com  o  Intuito de Provocar o Terror: o moral da história. 


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BINGHAM,  Price  T..  Transformar  a  Guerra   com  Operações  Combinadas  Baseadas 


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