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Retrocesso de Chama

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por Fernando Costa

Introdução

O retrocesso de chama é um fenômeno indesejável, que pode ocorrer em sistemas de queima em


algumas situações críticas.

A definição de retrocesso de chama, como a própria expressão diz, é o retorno da chama para o
interior do corpo do queimador ou até, nos casos mais graves, para as tubulações e reservatórios
de gás que alimentam os queimadores.

As principais conseqüências de um retrocesso de chama são o superaquecimento e a elevação de


pressão no interior de queimadores, tubulações e seus acessórios, todas estas indesejáveis.
Raramente essas conseqüências são levadas em conta quando sistemas de combustão ou de
distribuição de combustível são projetados, exceção feita a sistemas de acetileno ou hidrogênio.

Causas mais prováveis

Existem duas causas principais para que ocorra um retrocesso de chama:

A causa mais comum é quando a velocidade de saída da mistura combustível-comburente, em


alguma região da seção transversal do bocal do queimador, é inferior à velocidade da chama para
aquela proporção de mistura. Isso pode ocorrer quando um queimador está operando em potência
muito baixa ou no momento em que é desligado.

Outra causa é quando ocorre uma condição de ignição em alguma parte interna de queimadores
de pré-mistura, de forma que a mistura combustível-comburente se inflame. Isso pode se dar por
um superaquecimento, quando a temperatura mínima necessária para auto-ignição é atingida, ou
quando outra condição de ignição se faça presente, como fagulhamento pelo tráfego de partículas
ou centelha elétrica.

No bocal dos queimadores sempre ocorre uma disputa entre vetores de velocidades: por um lado,
os vetores de velocidade de saída da mistura combustível-comburente; pelo outro os vetores da
velocidade da chama no sentido contrário ao da mistura. A estabilidade da chama é o resultado do
equilíbrio dessa soma vetorial em todos os pontos da seção transversal do bocal do queimador.

As condições que mais favorecem a ocorrência de um retrocesso de chama são: baixa velocidade
de saída da mistura ou velocidades de chama elevadas.

As baixas velocidades de saída da mistura ocorrem quando um queimador está operando abaixo
de sua potência mínima ou quando o queimador é desligado.

As elevadas velocidades de chama são características intrínsecas aos combustíveis, aos


comburentes e às suas misturas. Os gases combustíveis se dividem em gases de baixa e alta
velocidades: o gás natural e o GLP são considerados gases de baixa velocidade, enquanto que o
acetileno e o hidrogênio são gases de alta velocidade. Porém, na queima com oxigênio, as
velocidades de chama se tornam elevadas para todos os gases combustíveis, embora os gases de
alta velocidade continuem a manter a vanguarda nesta característica.

Velocidades de chama
A velocidade de chama também é conhecida por velocidade de ignição, velocidade de queima ou
velocidade de propagação da chama.

As determinações das velocidades de chama dos gases combustíveis é um assunto que desperta
polêmica. É possível encontrar algumas indicações incoerentes em diferentes referências literárias.
Estamos anexando a seguir a Tabela 1 e a Tabela 2, de distintas origens, as quais apresentam
diferentes informações.

TABELA 1 - Velocidades Máximas de Chama - Segundo GLASSMAN

Comburente = Ar Atmosférico
Gás
v (m/seg) FC(*)
Metano 0,45 1,08
Etano 0,48 1,14
Etileno 0,73 1,13
Propano 0,46 1,06
Propileno 0,72 1,14
n-Butano 0,45 1,03
Butadieno 0,57 1,23
Monóxido de Carbono 0,52 2,05
Acetileno 1,55 1,25
Hidrogênio 3,25 1,80
H2S 0,41 0,90
(*) FC é o fator de combustão (estequiométrica = 1,00) 
Ref.: Glassman I., Combustion, Third Edition, Academic Press, San Diego, USA,1996

A Tabela 2, a ser apresentada a seguir, inclui também as velocidades de chama com oxigênio, o
que nos mostra como este comburente contribui para a elevação dos valores desta característica.
Esta tabela também indica as faixas de velocidades mais prováveis de serem encontradas.

TABELA 2- Faixas para as Velocidades Máximas de Chama - Segundo REED

Comburente
Gás Ar Atmosférico Oxigênio Puro
v (m/seg) v (m/seg)
Hidrogênio 2,49 - 3,64 8,93 - 11,87
Metano 0,33 - 0,44 3,24 - 4,82
Propano 0,40 - 0,47 3,60 - 4,01
Butano 0,38 - 0,46 3,34 - 3,55
Acetileno 1,10 - 1,81 9,49 - 12,77
Ref.: Reed, R. J., North American Combustion Handbook, Third Edition, Volume II, 1997.

As diferenças radicais entre as velocidades de chama da queima de gases combustíveis com ar


atmosférico (21% de oxigênio) e com oxigênio puro (praticamente 100% de oxigênio) tornam
impossível a troca do comburente em queimadores convencionais. Dentro de certos limites, um
queimador projetado para queimar gás combustível com ar pode operar com ar enriquecido com
oxigênio, onde tal limite não costuma ultrapassar o teor de 25% de oxigênio na atmosfera
comburente. Alguns queimadores de alta velocidade poderiam trabalhar com teores de, até, um
pouco acima dos 30% sem apresentar superaquecimento significativo do bocal e tendência ao
retrocesso da chama.

Existem queimadores capazes de queimar gás combustível, tanto com oxigênio puro como com ar
atmosférico ou ar enriquecido, sem que nenhuma modificação seja feita durante a operação,
bastando apenas realizar manobra de válvulas. A utilização desses queimadores possibilita uma
aplicação versátil em processos de alta temperatura, onde as demandas térmicas e as
necessidades de pressurização da câmara de queima são muito variáveis. Por exemplo, na etapa
da fusão de um metal a oxi-combustão apresenta as vantagens das altas eficiência e
produtividade. Porém, caso seja necessário manter o metal líquido no mesmo forno, a alternativa
mais adequada é, geralmente, a combustão com ar.

Combatendo as causas

Existem várias formas de se evitar o retrocesso de chama, as quais são peculiares a cada projeto
de queimador. As principais medidas são:

1. Aumento da velocidade do ar ou da mistura ar-gás no bocal do queimador ou nas suas


proximidades;
2. A limitação da potência mínima;
3. A redução do teor de ar primário nos queimadores de pré-mistura;
4. A refrigeração adequada do bocal e do corpo dos queimadores.

No caso dos queimadores destinados a operar com oxigênio, com ar preaquecido e em processos
de alta temperatura, uma especial atenção deve ser dada à compatibilidade dos materiais e dos
gases combustíveis com as temperaturas reinantes. As regiões onde trafeguem misturas
combustível-comburente podem se inflamar ao serem atingidas as respectivas temperaturas
mínimas de auto-ignição. Mesmo nos dutos destinados ao tráfego de gás combustível puro, ou
seja, na ausência de comburente, um superaquecimento poderia provocar a dissociação do gás e
suas conseqüências nefastas como acúmulo de fuligem e detonação. Cabe ressaltar que essa
dissociação poderia ocorrer tanto no tráfego através do queimador como também em qualquer
tubulação de distribuição de gás submetida a temperaturas excessivas.

Evitando as conseqüências

Em casos especiais, quando for necessário evitar as conseqüências de um eventual retrocesso de


chama, dispositivos especiais devem ser instalados. Esses dispositivos têm por filosofia extinguir a
chama, daí o nome "abafador de chama", e reter o fluxo reverso cortando a alimentação do
combustível e do comburente. A extinção da chama é obtida através do seu resfriamento pelo
contato com um meio que absorva calor, de forma a diminuir sua temperatura a valores abaixo da
temperatura mínima de auto-ignição dos gases considerados (ver Tabela 3, abaixo).

Os dispositivos mais antigos são do tipo selo de água, onde o gás atravessa o líquido borbulhando
no sentido ascendente. Esses dispositivos apresentam algumas desvantagens como umedecer o
gás e necessitar de água de reposição para manter o nível correto. Além disso devem ser
instalados em um trecho rígido da tubulação e manter uma posição fixa e bem definida.

Os dispositivos mais modernos são corpos geralmente cilíndricos, dotados com recheios metálicos
ou cerâmicos, de forma que a chama em retrocesso transfira calor para o recheio resfriando-se,
proporcionando assim a extinção da chama. A zona de extinção da chama não deve ultrapassar a
quarta parte inicial do comprimento no trajeto através do recheio, restando as três quartas partes
como reserva de segurança.
.
Os recheios podem se apresentar sob duas formas principais: metal sinterizado e selas metálicas
ou cerâmicas.

Os recheios de metal sinterizado são mais eficientes pois dividem o fluxo em um grande número
de microfluxos o que aumenta a eficiência da troca de calor. Porém, o metal sinterizado funciona
com um filtro, retendo impurezas em seus diminutos poros, exigindo sua troca ou difícil
manutenção quando a pressão diferencial entre a entrada e a saída atingir um valor incompatível
com as perdas de carga admissíveis no trecho considerado. Além disso, apresentam um custo
elevado.

Já os dispositivos com recheio de selas metálicas ou cerâmicas não funcionam como um filtro para
material particulado de baixa granulometria, portanto praticamente dispensando a manutenção e
eliminando a substituição. Caso este tipo de recheio seja acidentalmente contaminado com
material particulado, gomas ou matérias graxas e oleosas, sua limpeza é geralmente fácil de ser
feita com o uso de água, solventes, gases inertes e ar comprimido, de acordo com o contaminante.

A utilização de dispositivos contra retrocesso de chama é obrigatória e indiscutível nos casos de


queimadores de pré-mistura gás-oxigênio. Nos demais casos, a situação deve ser avaliada de
acordo com uma série de fatores expostos a seguir.

TABELA 3- Temperaturas Mínimas de Auto-Ignição (na pressão atmosférica)

Comburente
Gás
Ar Atmosférico (ºC) Oxigênio Puro (ºC)
Metano 537 -
Propano 493 468
n-Butano 287 -
Acetileno 305 296
Hidrogênio 572 560
Ref.: Ahlberg, K., AGA Gas Handbook, First Edition, Lidingö, Sweden, 1985.

Os principais fatores de risco que colaboram para a necessidade da instalação de dispositivos


contra retrocesso de chama são os seguintes:

1. Gases de alta velocidade de chama queimando com ar ou oxigênio;


2. Gases de baixa velocidade de chama queimando com oxigênio;
3. Quaisquer gases queimando com atmosferas enriquecidas com oxigênio;
4. Mistura combustível-comburente com extenso campo de inflamabilidade;
5. Queimadores de pré-mistura;
6. Câmara de combustão pressurizada ou outra configuração que possa exercer contra-pressão no
fluxo de mistura combustível-comburente;
7. Câmara de combustão ou atmosfera de operação operando cíclica ou continuamente em
temperatura superior à temperatura mínima de auto-ignição da mistura combustível-comburente
utilizada (Tabela 3);
8. Comburente preaquecido acima das temperaturas mínimas de auto-ignição;
9. Possíveis riscos e conseqüências ambientais significativas no caso da ocorrência de um
acidente.

Conclusões

O retrocesso de chama é um fenômeno que pode se tratar desde um simples "pop", ao apagar o
queimador de um fogão doméstico, até um acidente de graves conseqüências atingindo as fontes
de suprimento de gás.

A necessidade do uso de dispositivos contra retrocesso de chama é um assunto passível de


discussão, exceto no caso já citado dos queimadores de pré-mistura gás-oxigênio onde deve ser
obrigatório.
A avaliação dos riscos deve considerar não somente o número de fatores envolvidos mas também
a sua intensidade e possíveis conseqüências no caso de acidente.

Em casos de dúvida a opção eleita deve ser conservativa, ou seja, contemplar a instalação de
dispositivos contra retrocesso de chama. As opções mais comuns recomendam a instalação
desses dispositivos na linha de gás combustível nos queimadores gás-ar e nas linhas de gás e de
oxigênio no caso da oxi-combustão.

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