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Fundamentos Filosóficos e Sociológicos

dos Direitos Humanos

Brasília-DF.
Elaboração

Paulo Renato Lima

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade I
Noções de Direitos Humanos........................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
Conceitos Iniciais................................................................................................................. 9

Capítulo 2
Principais documentos dos Direitos Humanos................................................................ 15

Unidade iI
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia.................................................................................... 29

Capítulo 1
Noções Iniciais.................................................................................................................... 29

Capítulo 2
Teoria Socialista dos Direitos............................................................................................ 44

Capítulo 3
Cronologia dos Direitos: da antiguidade à modernidade.......................................... 50

Capítulo 4
Habermas e os Direitos Humanos: da modernidade à contemporaneidade............... 64

Capítulo 5
Sociologia, Democracia, Cidadania e os Direitos Humanos ...................................... 73

Capítulo 6
Ética e os Direitos Humanos.............................................................................................. 82

Para (não) Finalizar...................................................................................................................... 93

Referências................................................................................................................................... 99

Anexo I......................................................................................................................................... 104


Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

6
Introdução
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi sem dúvida um marco na
história de proporções tais que seus efeitos ainda são sentidos até os dias de hoje e
muito provavelmente nas próximas décadas e séculos.

Contudo, existem fundamentos que deram base a ela e a todas as concepções que
envolvem os direitos humanos, isso inclui todas as noções sociológicas e, especialmente,
filosóficas ao longo da história da humanidade.

Para se chegar aonde estamos hoje ─ muitos acreditam que muito distantes ainda do
ideal ─, foi preciso uma série de eventos e pensamentos muito bem fundamentados que
deram origens e bases estruturais teóricas para as concepções de direitos humanos na
modernidade e contemporaneidade.

Neste material, primeiramente, é necessário que façamos um esboço dos conceitos


iniciais dos principais instrumentos e dispositivos legais que envolvem os direitos
humanos a fim de dar um pano de fundo importante e fundamental para a melhor
compreensão dos assuntos que serão tratados nos capítulos subsequentes.

Após essas noções iniciais sobre os seguintes documentos/assuntos: a própria


Declaração de 1948; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; Convenção Americana de Direitos
Humanos; sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos; Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e Convenção para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher e Convenção dos Direitos da Criança.

Iremos para a segunda unidade que tratará especificamente sobre a filosofia e a


sociologia, abordando inicialmente algumas concepções voltadas às origens dos
pensamentos sobre os direitos do homem.

Em um contexto mais filosófico, abordaremos a relevância da metafísica e das questões


ontológicas para os direitos humanos. Debruçar-nos-emos sobre algumas tratativas da
teoria socialista dos direitos.

Estudaremos uma cronologia mais aprofundada sobre o início do pensamento social


e filosófico dos direitos humanos, fazendo uma ponte desde a antiguidade até a
contemporaneidade.

7
Uma vez chegado a abordagens contemporâneas, discutiremos os pensamentos de
Habermas e os Direitos Humanos. No capítulo “Sociologia, Democracia, Cidadania e os
Direitos Humanos”, Bobbio e demais autores, que são sumariamente importantes para
os pensamentos sociais e filosóficos das teorias dos direitos humanos, serão também
abordados.

Fechamos com a questão da ética e os direitos humanos dentro de uma perspectiva


mais sociológica. Isso não somente com foco de equilibrar pensamentos filosóficos e
sociológicos em nosso material, mas, também, com o intuito de produzir um paralelo
sociológico da ética, uma vez que, dentro de uma perspectiva filosófica, já se tratou em
larga medida em nossos materiais de Ética Moderna e Ética Contemporânea.

Diante disso, sugerimos ao aluno proativo não olvidar as sugestões de leituras


complementares, elas somente farão com que o conhecimento neste campo de
estudos filosófico aumente progressivamente, considerando que muitos deles serão
fundamentais ao crescimento e desenvolvimento de seus conhecimentos.

Objetivos
»» Conhecer os principais documentos internacionais dos direitos humanos.

»» Fundamentar filosoficamente as noções de direitos humanos desde a


antiguidade até a contemporaneidade.

»» Estudar perspectivas filosóficas modernas e contemporâneas dos direitos


humanos.

»» Entender o papel da democracia e da ética frente aos direitos da


humanidade.

8
Noções de Direitos Unidade I
Humanos

CAPÍTULO 1
Conceitos Iniciais

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Figura 1 - Declaração Universal dos Direitos Humanos

Imagem disponível em: <http://www.unfpa.org.br/novo/images/Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal.jpg>.


Acesso em:12 maio 2016.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) – preferível ao termo homem


antes utilizado, isto é, Declaração Universal dos Direitos do Homem – marcou a história
por meio de sua promulgação. Foi elaborada por diversos juristas e povos das diferentes
partes do mundo. O respeito aos Direitos Humanos foi estimulado e promovido através
do estabelecimento da ONU, oriunda da Carta das Nações Unidas que a criou.

Herkenhoff (1998, pp. 35-36) esclarece-nos os motivos de a terminologia humanos ser


melhor do que somente homem:

9
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

Quadro 1 - Terminologia humanos em vez de homem.

Em “Direitos do Homem”, é preciso dar ao vocábulo “homem” um sentido ampliado para abranger “direitos do homem” e “direitos da mulher”.
A forma “Direitos do Homem” acentua uma conotação individualista desses direitos: direitos do homem, direitos de cada homem. Contrariamente
a esse sentido individualista, os “Direitos Humanos” devem ser entendidos dentro de um contexto coletivo para alcançarem todo o sentido ético e
político de sua conceituação.
A expressão “Direitos Humanos” abstrai os “Direitos dos Povos”, cujo respeito é essencial para que vigorem os “Direitos Humanos”.
A expressão “Direitos Humanos” significa “direitos da pessoa humana” – a pessoa humana homem, a pessoa humana mulher, a pessoa humana
individualmente considerada, a pessoa humana na sua dimensão coletiva, a pessoa humana referida à cultura e ao povo de que faz parte e que
integra.

Com efeito, o Conselho Econômico e Social, entendendo tal objetivo, criou a Comissão
de Direitos Humanos, a qual primariamente discutiu e votou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos que logo após foi submetida à Assembleia Geral. E foi dessa maneira
que a Assembleia Geral da ONU aprovou e proclamou de modo solene a Declaração em
10 de dezembro de 1948 (HERKENHOFF, 1998).

Essa proclamação se deu por meio da Resolução no 217 (III) da Assembleia Geral com
poderes normativos a fim de alcançar todas as nações e culturas da Terra, estabelecendo,
como nunca antes visto, uma forma de proteção aos Direitos Humanos de modo
universal. Ainda a Declaração de 1948 foi:

A forma jurídica encontrada pela comunidade internacional de eleger


os direitos essenciais à preservação da dignidade do ser humano. Em
sua real dimensão, esse documento deve ser visto como um libelo
contra toda e qualquer forma de totalitarismo. Seus 30 artigos têm
como meta dois pontos essenciais que se complementam mutuamente:
incrustar o respeito da dignidade da pessoa humana na consciência da
comunidade universal e evitar o ressurgimento da ideia e da prática da
descartabilidade do homem, da mulher e da criança (ALMEIDA et al,
2002, p.14).

Muito se sabe sobre a Declaração, bem como sua difusão no meio mundial, haja vista
o acesso de todos às informações contidas no documento, de fácil compreensão e
acessibilidade, com isso, a Declaração se faz de fato um marco na história humana.
Recentes democracias e muitos Estados se basearam também na DUDH, a qual foi
traduzida em mais de 360 idiomas, para elaboração e inspiração de suas Constituições,
tamanha relevância e abrangência da DUDH.

Em 1789, na verdade, nasceu o primeiro esboço da DUDH, sendo os primeiros gritos


do Século das Luzes:

A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,


criou o moderno conceito de cidadão; a Declaração Universal de Direitos
Humanos, de 1948, ao declarar que todas as pessoas nascem livres e

10
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

iguais, preserva esse conceito e amplia-o. Essa ampliação realiza-se por


meio dos reconhecimentos da inerente dignidade do ser humano, o que
significa dizer que os reconhecimentos da dignidade surgem com o fato
do nascimento de um ser humano. Esse imanente respeito ─ sinônimo de
dignidade ─ propicia-lhe o exercício dos direitos da liberdade, igualdade
e fraternidade e acompanha-o, de modo inseparável e incondicional, no
decorrer de sua existência. O novo que surge com a Declaração de 1948
é o reconhecimento pela comunidade internacional de que a dignidade
e o “direito a ter direitos” são imanentes ao homem ou à mulher, não
dependendo, em absoluto, de qualquer espécie de título, condição ou
fator (ALMEIDA, 2002, p. 16).

Ao contrário do que a maior parte dos leigos pensa, a Carta Internacional dos
Direitos Humanos não é composta apenas da DUDH, que é documento básico da
Carta, mas se compõe também destes outros documentos:

a. Declaração Universal dos Direitos Humanos.

b. Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

c. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo


Facultativo.

São, portanto, os principais instrumentos que compõem o sistema da ONU:

Quadro 2 - Principais instrumentos que compõem o sistema da ONU.

Instrumento Órgão Supervisor Países Partes


Pacto sobre Direitos Civis e Políticos. Comitê de Direitos Humanos. 130 (1995) - Brasil
Protocolo adicional ao Pacto sobre Dir. Civis e Políticos (queixas
Comitê de Direitos Humanos. 84
individuais).
Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 132 (Brasil)
Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial. Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial. 145 (Brasil)
Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a
140 (Brasil)
Mulher. Mulher.
Convenção contra a Tortura. Comitê contra a Tortura. 90 (Brasil)
Convenção dos Direitos da Criança. Comitê dos Direitos da Criança. 176 (Brasil)
Fonte: Elaboração do autor com dados de Júnior e Moisés (1999, p. 227).

Ainda sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é sabido que a Revolução
Francesa possuiu importante papel cultural na origem da Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) por meio de simbologias diversas e
terminologias aproximadas1. Segundo Almeida (2002):

1 Esta noção histórica será melhor tratada adiante em nosso material.

11
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

É com a Revolução Francesa, de 1789, que surge o moderno significado


da palavra revolução, que passa a significar a instauração do novo [...].
A Revolução Francesa derruba o Estado Absoluto e instaura o Estado
de Direito ou Constitucional; para efetivar essa passagem, muda o
significado de uma palavra: soberania [...]. Depois de 1789, a soberania,
até então exercida por uma única pessoa, o rei (soberano), passa a ser
exercida pelo povo, vale dizer: a soberania popular. Com o surgimento
do conceito de soberania popular, desaparece a figura do súdito (aquele
que só tem deveres) e surge a figura do cidadão (aquele que tem o direito
a ter direitos) (ALMEIDA, 2002, pp. 15-16).

Como nosso objetivo neste material é pensar filosoficamente sobre os Direitos Humanos,
faz-nos importante analisar as vantagens e desvantagens contidas no Manual Prático
dos Direitos Humanos do Ministério Público da União:

Quadro 3 - Vantagens e Desvantagens da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

VANTAGEM DESVANTAGEM
Uma vantagem é que a Declaração Universal dos Uma desvantagem é que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não se refere à
Direitos Humanos considera todos os direitos humanos autodeterminação dos povos, pois esta é vista frequentemente como requisito para a
em sua unidade, pois os direitos humanos econômicos, percepção dos direitos humanos em sua totalidade. O exemplo dos palestinos, a quem
sociais e culturais não são de maneira alguma de a realização do seu direito à autodeterminação ainda é negada, mostra que eles não
segunda classe. Mais do que isso, o direito à educação podem também exercer outros direitos humanos, como os de liberdade de locomoção,
ou à alimentação é considerado um pré-requisito para a trabalho e saúde.
percepção dos direitos políticos. Por conseguinte, não se Outra desvantagem é o fato de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é
podem separar dos direitos humanos. Outra vantagem é uma resolução da Assembleia Geral. Contudo, esses documentos não são fontes do
que este documento foi aprovado por unanimidade pela Direito Internacional juridicamente vinculativas, mas declarações políticas. Elas têm uma
Assembleia Geral (somente a União Soviética e a Arábia grande importância moral – especialmente quando aprovadas por unanimidade –, mas
Saudita se abstiveram). não são exequíveis. Devido à sua abordagem política, são muitas vezes semelhantes
a proclamações, que, no entanto, necessitam de aplicação legal. Isso se aplica, por
exemplo, ao art. 14 da Declaração, segundo o qual todos têm o direito de procurar e de
gozar de asilo em outros países.
Fonte: Elaboração do autor com dados de Peterke (2009, pp. 28-29).

Artigos I e II da Declaração Universal dos


Direitos Humanos e a Constituição da
República Federativa do Brasil
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de acordo com
o art. 3o:

I ─ construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

III ─ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades


sociais e regionais;

12
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

IV ─ promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,


cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O art. 4o, por sua vez, trata das relações internacionais da República Federativa do
Brasil, as quais são regidas pelos seguintes princípios:

[...]

II – prevalência dos direitos humanos;

III – autodeterminação dos povos;

[...]

V – igualdade entre os Estados;

VII – solução pacífica dos conflitos;

VIII – repúdio ao (...) racismo;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

De acordo com o art. 5o, a Carta Magna preconiza que “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”.

Quanto à proibição da discriminação em razão do sexo biológico, segundo a Constituição,


homens e mulheres também são iguais, seja no que tange a direitos e a obrigações (art.
5o, inciso I). Assim como o racismo, em que moralmente é desregulado o senso de
igualdade, constitui um ato de crime inafiançável e imprescindível, sujeitos a pena de
reclusão, nos termos da lei (art. 5o, inciso XLII).

Assim, à luz da nossa Constituição, verifica-se que o Brasil recepcionou


integralmente os preceitos contidos nos arts. I e II da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, com mais ênfase mesmo que o
próprio texto mundial. Fomos também sensíveis à ideia de “direitos
dos povos” quando adotamos os princípios da autodeterminação, da
não intervenção, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica
dos conflitos e da cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade. O constituinte esteve atento a nossa condição de povo
latino-americano quando determinou que busquemos a integração
econômico, política, social e cultural com os nossos irmãos da América
Latina (HERKENHOFF, 1998, p. 102).

13
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

Roniger (2004, p. 145) aborda com clareza e profundos estudos o legado de violações
dos direitos humanos no Cone Sul, afirmando que “os Estados autoritários”, no Cone
Sul, “aniquilaram seus inimigos sem nenhuma consideração por fronteiras nacionais
ou áreas de jurisdição e, por conseguinte, sempre que a questão dos desaparecimentos,
das torturas”, assunto que abordaremos mais adiante, “ou assassinatos tornava-se
crítica em um dos países da região depois da democratização, forte ecos reverberavam
nos demais”. Tema o qual não abordaremos em detalhes, entretanto...

Vale a pena, para que se aprofunde nos assuntos relacionados ao Cone Sul, a
leitura do excelente material de Roniger (2004) – O Legado de Violações dos
Direitos Humanos no Cone Sul da Editora Perspectiva.

14
Capítulo 2
Principais documentos dos Direitos
Humanos

Pacto Internacional de Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais
O tratado multilateral adotado em 16 de dezembro de 1966 e vigorado em 3 de janeiro
de 1976 pela mesma Assembleia (Assembleia Geral das Nações Unidas), denominado
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), aduz que
todos os membros que dela fazem parte integral devem concorrer para a concessão dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturas (DESC).

Peterke (2009, p. 255) nos ajuda:

É preciso destacar que o Brasil, somente após o fim da Ditadura Militar


(1964/1984), aderiu à Convenção Interamericana de Direitos Humanos,
aprovada pelo Decreto Presidencial no 678, em 6 de novembro de 1992
(e ao pacto adicional pelo Decreto Presidencial no 3.321, de 30 de
dezembro de 1999). Por sua vez, o Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc) teve o seu texto aprovado pelo
Decreto Legislativo no 226, de 12 de dezembro de 1991. Tendo a Carta
de Adesão sido depositada em 24 de janeiro de 1992, o pacto entrou
em vigor em nosso País nesta data e o Decreto Presidencial no 591,
em 6 de julho de 1992. Assim sendo, a Constituição brasileira de 1988
(anterior, portanto, à adesão do Brasil ao Pidesc e ao Pacto de São José
da Costa Rica), produto e símbolo da redemocratização, já trazia em
seu texto grande rol de direitos não só civis e políticos, mas também
sociais, que eram objeto de reivindicação dos movimentos populares
atuantes na época e que também já constavam de vários instrumentos
internacionais.

É um documento único, em que cada Estado é regulado pelas obrigações políticas


públicas ali preconizadas. Dessa maneira, a especificação dos direitos que estão
ali contidos somente tem sentido no plano interno de cada Estado, uma vez que os
pormenores de cada país têm influência direta em sua execução. Desse modo, a
comunidade internacional acabou por não elaborar outras normas sobre esses direitos

15
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

no que tange à ONU, mas se contentou com sua positivação pelo Pacto (ALMEIDA,
2002, p. 47).

Jubilit (2016 apud ALMEIDA, 2002, p. 47) prossegue nos informando os direitos
assegurados pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:

Autodeterminação dos povos e liberdade de cada Estado de dispor


livremente de suas riquezas naturais (art. 1o)2; igualdade entre homens
e mulheres (art. 3o); trabalho livremente escolhido e capacidade para
exercê-lo (artigo 6o); direitos trabalhistas – como condições justas de
trabalho (art. 7o), sindicalização (art. 8o) e previdência e seguro social
(art. 9o) -; alimentação, vestimenta e moradia (art. 11); saúde física e
mental (art. 12); educação (arts. 13 e 14); e cultura (art. 15).

O Pacto, portanto, nos traz as importantes diretrizes gerais para o mundo:

»» direito à autodeterminação;

»» igualdade entre homens e mulheres;

»» direito ao trabalho, descanso e lazer;

»» direito à greve e organização social e sindical;

»» direito à seguridade social (previdência e assistência social);

»» direito à proteção da família, da maternidade, das crianças e adolescentes


e dos jovens;

»» direito a viver com dignidade (alimentação e moradia);

»» direito à saúde;

»» direito à educação;

»» direito à cultura.

No que tange às similaridades dos documentos internacionais e à legislação brasileira,


vejamos os assuntos mais relevantes:

2 Para consulta dos artigos na íntegra, vide Anexo II.

16
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

Quadro 4 - Comparação de documentos internacionais de arcabouço legal nacional.

Incorporação ao
TRATADO Órgão de monitoramento Mecanismo de monitoramento
direito brasileiro
Relatórios periódicos e petições individuais,
Pacto Internacional dos Direitos Dec. no 592, de
Comitê de Direitos Humanos HRC para quem assinou o Protocolo Opcional. O
Civis e Políticos 7/7/1992
Brasil não assinou o protocolo.
Pacto Internacional de Direitos Dec. no 592, de Comitê de Direitos Econômicos,
Relatórios periódicos.
Econômicos, Sociais e Culturais 7/7/1992 Sociais e Culturais CESCR
Relatórios periódicos e petições individuais,
Convenção Internacional para Decreto no 65.810, de Comitê para Eliminação da
para quem assinou o Protocolo Opcional. O
Eliminação da Discriminação Racial 9/12/1969 Discriminação Racial CERD
Brasil não assinou o protocolo.
Convenção sobre Eliminação de Comitê para Eliminação da
Decreto no 89.460, de
todas as formas de Discriminação Discriminação contra a Mulher Relatórios periódicos.
20/3/1984
contra a Mulher CEDAW
Convenção sobre os Direitos da Decreto no 99.710, de Comitê sobre os Direitos da Criança
Relatórios periódicos.
Criança 21/11/1990 CRC
Convenção Contra a Tortura e Relatórios periódicos e petições individuais,
Decreto no 98.386, de
Outras Penas ou Tratamentos Comitê Contra a Tortura CAT para quem assinou o Protocolo Opcional. O
9/11/1989
Desumanos ou Cruéis Brasil não assinou o protocolo.
Fonte: Elaboração do autor com dados de Silveira et al. (2007, p. 88).

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

Medidas de Implementação e os Protocolos


Facultativos

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, também aprovado


pela Assembleia Geral da ONU em 16 de dezembro de 1966, entrou em
vigor em 23 de março de 1976, quando o 35o instrumento de ratificação
era depositado em mãos do Secretário Geral (Art. 49 do Pacto). Em
31 de dezembro de 1987, também 21 anos após sua aprovação, 87
Estados já haviam ratificado o Pacto ou aderido a ele. Novas ratificações
têm aumentando o seu raio de aceitação, contemporaneamente
(HERKENHOFF, 1998, pp. 40-41).

Os Pactos (Internacional de Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais


e Culturais) destinam-se a viabilizar os consagrados direitos civis e políticos contidos
na mesma Declaração Universal. O art. 4o do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos reconhece que existem diversas situações excepcionais que colocam em perigo
a vida de uma nação. Em função disso, os Estados signatários podem adotar algumas
medidas, limitadas estritamente aos detalhes da situação em si, que suspendam as
obrigações em virtude do Pacto. Entretanto, mesmo assim, os Estados signatários não
estão autorizados a suspender disposições que asseguram certos direitos mínimos
(HERKENHOFF, 1998).

17
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

A divergência que ocorria entre os países ocidentais e os países do bloco socialista


era sobre a autoaplicabilidade dos direitos que viessem a ser reconhecidos. Os países
ocidentais, nos quais a orientação acabou prevalecendo, entendiam de certa maneira
que os direitos civis e políticos eram autoaplicáveis, mas, em relação aos direitos sociais,
econômicos e culturais, eram “programáticos”, precisando de uma implementação
progressiva. Unidade e indivisibilidade dos direitos humanos, a ONU continuou
reafirmando, uma vez que os direitos civis e políticos só existiriam no plano nominal,
não fossem os direitos sociais, econômicos e culturais (AGAZZI, 1998).

Assim, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é adotado no


auge da Guerra Fria, reconhecendo, entretanto, um conjunto de direitos
mais abrangente que a própria Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Em virtude da ditadura militar que governou o país por 21
anos, o Governo brasileiro só ratificou o Pacto quando seus principais
aspectos já se encontravam garantidos na atual Constituição Federal,
em seu título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”
(AGAZZI, 1998, pp. 273-274).

Tome nota do art. 5o, caput e 7o do Pacto (Anexo III) sobre a semelhança em
propriedade com a nossa Carta Magna (CF de 1988) sobre o direito à vida, ausente
de tortura, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. O aluno com maior
interesse e certamente obterá melhor rendimento ao estudar o artigo 5o inteiro
da Lei Maior Brasileira.

A Carta Internacional dos Direitos Humanos uma vez que já contemplando os


dois Pactos, deixava a cabo dos Estados-partes o dever de informar como estavam
caminhando as coisas, no entanto deixando apenas nas mãos subjetivas das políticas
públicas. Dessa maneira, tiveram que encontrar outra forma de estabelecer um
mecanismo mais confiável de verificação das medidas de implementação dos direitos
humanos garantidos pelo Pacto e acima de tudo, daqueles que não dependeriam de
forma direta da adoção de políticas públicas dos Estados signatários.

No Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foram estabelecidos


regras para fiscalização da implementação dos direitos ali assegurados
pelos Estados-partes. Tais regras se encontram, como mencionado,
nos arts. 28 a 47, que formam a Parte IV desse documento3. Elas
preveem um sistema de comunicação interestatal, pelo qual um Estado
3 Vide anexo III.

18
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

parte pode denunciar a violação dos direitos humanos civis e políticos


protegidos por outro Estado parte; violação esta que será examinada
pelo Comitê de Direitos Humanos, também estabelecido por aquelas
regras. Apesar de constituir um avanço em relação aos documentos
internacionais anteriores, tal sistema não esgotava as medidas de
implementação necessárias, uma vez que cabia apenas aos Estados
denunciar as violações de diretos humanos; este fato, no contexto
histórico já mencionado, mitigava a credibilidade das denúncias, pois
as mesmas poderiam servir como meios de atingir um Estado rival
(ALMEIDA, 2002, p. 48).

Os direitos mínimos assegurados pelo Pacto aos Estados signatários, mesmo em face
das limítrofes de situações excepcionais das suspensões de diversas obrigações, são as
que seguem a seguir, seguidas de um breve posicionamento do especialista:

O artigo que protege a vida e impede a pena de morte arbitrária, ou


aplicada contra menores de 18 anos e mulheres grávidas; o que proíbe
a tortura e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes;
o que proíbe a escravidão ou servidão; o que proíbe a prisão civil; o que
impede a condenação de alguém, sem prévia definição do crime e prévia
cominação da pena; o direito de todo ser humano ao reconhecimento
de sua personalidade jurídica; a liberdade de pensamento, consciência
e religião. A nosso ver, esse artigo 4 está aquém do que seria desejável.
Mesmo em situações de excepcionalidade política, um eixo bem maior
de franquias deveria ter sido salvaguardado pelo Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos. É justamente nessas situações de anormalidade
política que os Direitos Humanos mais sagrados são pisoteados. Mesmo
em situações de excepcionalidade política, cremos que as prisões
deveriam estar abertas à fiscalização da Justiça e o preso deveria
estar à disposição do juiz. É sobretudo nas fases de excepcionalidade
político-social que mais se faz necessária a proteção da pessoa humana
pela Justiça (HERKENHOFF, 1998, pp. 41-42).

Para facilitar ainda mais o que vimos, dentre muitos temas abordados no Pacto, veja
o quadro a seguir para manter a linha de raciocínio quando necessário se utilizar da
informação:

19
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

Quadro 5 - Os direitos e princípios consagrados no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

O art. 2o do Pacto estabelece o compromisso que os Estados devem ter com os indivíduos que estejam em seu
a) Direito à igualdade território. Sem qualquer tipo de discriminação de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer
outra natureza.4

b) Da igualdade de direitos entre O art. 3o se destaca por afirmar que os Estados-partes também haverão de se comprometer a assegurar a
homens e mulheres homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos nele enunciados.

O art. 6o do Pacto nos traz que o direito à vida é inerente à pessoa humana e deverá ser protegido pela lei. E
c) Direito à vida
ainda tem mais, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida5.

d) Proibição da tortura e penas O art. 7o do Pacto é praticamente reproduzido na Lei Maior Brasileira, pois dispõe que “ninguém poderá ser
cruéis submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.

O art. 9o preconiza que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais, considerando que ninguém
e) Direito à liberdade poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente, salvo pelos motivos previstos em lei. Outro detalhe que traz o
art. 9o, em seu item 3, é que todo preso tem direito a ser julgado em prazo razoável.

O art. 10 do Pacto afirma que “toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e
f) Das garantias às pessoas
respeito à dignidade inerente à pessoa humana”. Contudo, o que vemos em nossa sociedade é que às pessoas
presas
presas tem-se impostos muito mais deveres do que respeitado seus direitos.

g) Proibição de prisão por não O art. 11, bem como a Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 7o, item 7, dispõe que ninguém será
cumprimento de obrigação privado da liberdade, seja por dívida ou por descumprimento de obrigação contratual, ao não a hipótese prevista
contratual no Pacto de San José quando houver débito decorrente de pensão alimentar.

O art. 14 do Pacto aduz que todas as pessoas são iguais perante Tribunais e Cortes de Justiça, cabendo sempre
h) Direito à justiça o exercício da defesa pessoal e o direito de estar presente ao julgamento. Assim como também ninguém pode
ser obrigado a confessar-se culpado (art.14, item 3, g) - Veja art. 5o, inc. LXIII.

i) Da liberdade de pensamento,
Os arts. 18 e 19 dispõem sobre o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião e de expressão,
de consciência, de religião e de
todos eles amplamente consagrados também na Constituição pátria.
expressão

j) Dos direitos políticos e de Os arts. 21 e 22 garantem o direito de reunião pacífica e o de livre associação, inclusive sindical. Encontra
associação proximidade com CF (art. 5o, incs. XVI e XVII).

Fonte: Elaboração do autor com dados de Agazzi (1998, pp. 273-283).

Sobre direito e política, Habermas (2012) posiciona-se asseverando a necessidade do


Estado como poder organizativo:

O Estado é necessário como poder de organização, de sanção e de


execução, porque os direitos têm que ser implantados, porque a
comunidade de direito necessita de uma jurisdição organizada e
de uma força para estabilizar a identidade, e porque a formação da
vontade política cria programas que têm que ser implementados […].
O poder político só pode desenvolver-se através de um código jurídico
institucionalizado na forma de direitos fundamentais (HABERMAS,
2012, p. 171).

4 Veja o art. 5o da Constituição Federal Brasileira, caput, para enriquecer o conteúdo e comparar os temas.
5 Vale lembrar que a provável instituição da pena de morte é terminantemente proibida pela Carta Brasileira, como preconiza no
artigo 5o, inciso XLVII (veja art. 60, parágrafo 4o da CF).

20
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

Direitos na América

Convenção Americana de Direitos Humanos6

A 2a Guerra Mundial foi uma devastação psicológica completa para os que dela
participaram e o foram contemporâneos. Viu-se, então, a iminente importância de se
reavaliar tudo que tangenciasse direitos humanos e assuntos relacionados.

A sistematização regional dos direitos humanos na Europa, por meio da celebração da


Convenção Europeia de Direitos Humanos (1953), chegou também na América, neste
espírito, aprovou-se em 22 de novembro de 1969 a Convenção Americana de Direitos
Humanos (AGAZZI, 1998).

Convenção – O Pacto de San José da Costa Rica – tem como propósito


a consolidação no Continente Americano da aplicação de um regime de
liberdades pessoais e justiça social, a ser alcançado com reafirmação nas
instituições democráticas dos direitos humanos fundamentais [...]. Os
princípios que servem de base para o Pacto de San José da Costa Rica
foram consagrados inicialmente na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, obedecendo a uma tendência de integração entre o sistema
regional e o sistema universal de proteção destes direitos, conforme
várias disposições contidas na Convenção que fazem referência a outras
convenções internacionais (AGAZZI, 1998, pp. 324-325).

No art. 1o, sobre “Obrigação de respeitar os direitos”, a Convenção aduz a obrigação de


respeitar os direitos e liberdades reconhecidos nela e garantir seu livre e pleno exercício
a toda pessoa sujeita à sua jurisdição:

Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os


direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno
exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem
discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião,
opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou
social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição
social7.

No ano de 1988, firmou-se o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos


Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, pouco notório com
esse nome, porém mais conhecido como Protocolo de San Salvador8. Pode ser visto,
6 Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>
7 Confira-a na íntegra, disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.
htm>.
8 Consulte-a na íntegra, disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=215628&norma=228560>.

21
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

em seu art. 1o, a obrigação do Estado parte adotar medidas reais que permitam a
implementação efetiva dos direitos sociais, econômicos e culturais, não deixando de
observar as regras de direito interno e a realidade de cada País, considerando que a
Convenção não disciplina estes direitos, mas recomenda aos Estados-partes sua
progressiva realização, eles estão contidos na Carta da OEA (AGAZZI, 1998).

São os direitos e as liberdades contidas no Pacto de San José da Costa Rica:

Quadro 6 - Os principais direitos e liberdades estabelecidos na Convenção.

DO DIREITO REFERÊNCIA OBSERVAÇÕES

Direito ao reconhecimento
Art. 3o Reconhecido também no Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas.
da personalidade jurídica

Respeito à vida desde a concepção. Não há pena de morte para delitos políticos,
tampouco ao menor de dezoito e maior de setenta, assim como à mulher em estado
Direito à vida Art. 4o
de gravidez. A CF se contrapõe à pena de morte, salvo em caso de guerra (art. 5o,
XLVII, a).

Direito à integridade Proíbe a tortura e os tratamentos cruéis, degradantes e desumanos. A pena imposta
Art. 5o
física, psíquica e moral aos condenados deverá ter o objetivo de recuperação e readaptação social.

Ninguém deverá ser obrigado a prestar trabalho forçado ou obrigatório, sendo


Proibição da escravidão e proibido o tráfico de mulheres e escravos.
Art. 6o
da servidão
Não são considerados trabalhos forçados aqueles relacionados aos deveres cívicos.

Não poderá ser privado o ser humano de sua liberdade física, salvo quando
houverem causas estabelecidas nas Constituições ou lei.
Direito à liberdade pessoal Art. 7o
Não haverá a prisão civil por dívidas, com exceção do inadimplemento da obrigação
alimentar.

Consagra os princípios gerais da técnica jurídica, tais como: princípio da legalidade,


do contraditório, da lei criminal ex post facto, bem como a independência e
Garantias judiciais Art. 8o
segurança do Estado parte (art. 27) pelo tempo limitado às exigências da situação.
excepcional. Mesmo em tais casos, há proibição da suspensão dos direitos básicos.

Direito à indenização por


Art. 10 Quando há condenação por sentença transitada em julgada de pessoa inocente.
erro judiciário

Direito à honra e à Proibição de ingerências arbitrárias na vida privada. Inclusive quanto à


Art. 11
dignidade correspondência, influenciando o estudo quanto às provas ilícitas no processo penal.

Que está sujeita unicamente às restrições legais relacionadas à “segurança, da


Direito à liberdade de
Art. 12 ordem, da saúde ou da moral pública ou dos direitos ou liberdades das demais
consciência e de religião pessoas”.

Direito à liberdade de Que compreende receber e difundir informação e ideias. Proibindo a propaganda
Art. 13
pensamento e expressão referente à guerra e à apologia da discriminação, seja de qual forma estiver revestida.

Direito de retificação ou Para proteger a honra e a reputação das pessoas submetidas a informações inexatas
Art. 14
resposta ou ofensivas pelos meios de comunicação.

22
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

Direito de reunião e Com limitações legais derivadas da segurança, ordem, saúde ou da moral pública e
Arts. 15 e 16
liberdade de associação dos direitos e liberdades das demais pessoas.

Que inclui o direito de igualdade entre os cônjuges e entre os filhos, havidos ou não
Proteção à família Art. 17
da relação matrimonial.

Direito à propriedade Que está subordinado aos interesses da sociedade e que não foi consagrado no
Art. 21
privada Pacto sobre Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas.

Direito de circulação e de Que consagra, entre outros, liberdade de ir e vir e o direito de asilo, proibindo as
Art. 22
residência expulsões coletivas.

O seu regular exercício somente pode ser limitado em razão da “idade, nacionalidade,
Direitos políticos Art. 23 residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz
competente, em processo penal”.

Os Estados-membros devem respeitar os direitos contidos na Convenção,


Direito de proteção assegurando o exercício pleno destes. Cada governo tem obrigações positivas e
Art. 25
judicial negativas relativamente à Convenção. Aos Estados cabe também o dever de adotar
medidas necessárias a garantir e a proteger os exercícios dos direitos pactuados.

De forma específica a Convenção não enumera os direitos sociais, culturais e


econômicos, mas determina a realização destes, mediante adoção de medidas
Direitos econômicos, legislativas ou outras.
Art. 27
sociais e culturais
Cada Estado parte deverá por conta da Carta da OEA, apresentar observações ao
desenvolvimento futuro deste sentido.

Fonte: Elaboração do autor com dados de Agazzi et al. (1998, pp. 327-332).

Corte Interamericana de Direitos Humanos


De acordo com Agazzi (1988):

A Corte é o órgão jurisdicional do sistema regional de promoção e


proteção de direitos humanos. A Corte, com sua competência para
julgar casos de violação de direitos humanos nos Estado membro
da Organização dos Estados Americanos, é importante instrumento
a ratificar a característica de internacionalização dos direitos
humanos, incorporada após as atrocidades cometidas no período
entre guerras. Esta Corte adquire fundamental importância quando
os órgãos nacionais demonstram sua fraqueza ou omissão (AGAZZI,
1988, p. 339).

A Corte não substitui os tribunais nacionais, mas sim os complementam, no sentido


de ser a última instância possível no julgamento do cumprimento por um Estado das
suas obrigações internacionais no que tange aos direitos humanos. No âmbito da União
Europeia, os Estados também possuem um órgão similar, qual seja a Corte Europeia de
Direitos Humanos, disciplinada pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, que
assim como a americana somente é aplicada a sua jurisdição aos Estados que a tenham
reconhecido expressamente (AGAZZI, 1988).

23
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

Pesquise mais sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos que está


disponível em: <http://www.corteidh.or.cr>.

Convenções

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas


de Discriminação Racial (1965)9

A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação


Racial foi adotada pelas Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965,
tendo sido ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968. Três
relevantes fatores históricos impulsionaram o processo de elaboração
desta Convenção na década de 1960, destacando-se o ingresso de
dezessete novos países africanos na ONU em 1960, a realização da
Primeira Conferência de Cúpula dos Países Não Aliados em Belgrado
em 1961 e o ressurgimento de atividades nazifascistas na Europa. Estes
fatores estimularam a edição da Convenção, como um instrumento
internacional voltado ao combate da discriminação racial (AGAZZI,
1998, p. 355).

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação


Racial foi aprovada em 21 de dezembro de 1965 pela Assembleia Geral da ONU. Ficou
claro nesta Convenção a luta que o mundo deve ter contra toda e qualquer forma de
discriminação racial, seja ela de qual magnitude e origem for, sendo tarefa principal da
ONU no que tange aos direitos humanos, logo após umas das experiências ideológicas
racial do nacional-socialismo; refletindo com isso também o fato de que os países
enxergam a proibição da discriminação como uma norma jus congens do direito
internacional (PETERKE, 2009).

Peterke (2009) complementa nos informando que:

De acordo com o art. 9, os países são obrigados a relatar suas medidas


adotadas contra o racismo a cada dois anos. Esse período curto provou
ser impraticável, de maneira que ocorrem regularmente violações a essa
obrigação por parte dos países. Porém, o Cerd não podia analisar todos
os relatórios profundamente. Por isso, reduziu a obrigação periódica
do relatório e deu prioridade a relatórios urgentes, necessários sempre
que surgirem problemas de convivência de grupos étnicos em um país.
No entanto, na literatura faz-se notar que os procedimentos do Cerd

9 Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=94836>. Acesso em: 30 maio 2016.

24
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

são relativamente ineficientes em comparação com os procedimentos


do Pacto Civil (PETERKE, 2009, p. 46).

De fato, existe uma posição unânime entre os estudiosos das grandes áreas dos direitos
internacionais quanto à atenção dos Estados-partes em favor do dever de cumprir as
obrigações da Convenção. Não se vê, como é cediço, um modo veemente de atendimento
ao controle da discriminação em geral, muito embora se tente.

Convenção sobre a eliminação de todas as


formas de discriminação contra a mulher e
convenção para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a mulher (1979)
Para a Convenção, “deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou
conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado10”.

No art. 2o da CEDCM, que é autônomo, os Estados comprometem-se,


entre outros, a assegurar por lei a realização prática do princípio da
igualdade entre homens e mulheres, a adotar medidas adequadas com
sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher,
a estabelecer proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base
de igualdade com os do homem e a garantir, por meio de tribunais
nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção
efetiva da mulher contra todo ato de discriminação. Nota-se, então, que
as medidas a serem tomadas e a proteção a ser oferecida não se limitam à
esfera estatal ou pública, mas abrangem, como o art. 3o explica, também
as esferas sociais, econômicas e culturais [...]. Os catorze artigos da parte
material da CEDCM concretizam, entre outros, os direitos da mulher
à educação, à participação política e à saúde, por exemplo, proibindo
sanções e demissão por motivo de gravidez (PETERKE, 2009, p. 294).

Veja na íntegra a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a


violência contra a mulher – “Convenção de Belém do Pará” (1994), disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/
belem.htm>. Veja também neste rodapé o link para leitura da Declaração sobre
a Eliminação da Violência contra Mulheres.

10 Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/belem.htm>. Acesso em: 30


maio 2016.

25
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

Ao ler com atenção os artigos nela preconizados, conforme indicado, concluirá que pouco
se fala de violência à mulher e que, após anos (somente em 1993), a Assembleia Geral da
ONU resolveu adotar a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra Mulheres11
em 20 de dezembro de 1993. Nessa Declaração, a Assembleia Geral reconheceu que a
violência contra a mulher era uma manifestação da histórica desigualdade de relações de
poder entre homens e mulheres, nas quais as mulheres eram especialmente vulneráveis.

Olga Spinoza também nos traz o panorama dos principais aspectos trazidos pela
Convenção:

A Convenção define outros aspectos também prioritários para as


mulheres, como a necessidade de modificar os padrões socioculturais
de conduta de homens e mulheres, reconhece a maternidade como
função social, o direito de cada casal eleger o número de filhos que
deseja ter, assim como o intervalo entre um filho ou outro, e estabelece
a responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres na
educação e desenvolvimento dos filhos. Incentiva os Estados a adotar
medidas para que as mulheres tenham efetivamente acesso à vida
política nacional, e, em geral, ao espaço público. Obriga os Estados a
garantir a igualdade no acesso à educação, a eliminar a discriminação
no âmbito do emprego e no acesso aos serviços de saúde e planificação
familiar, assim como nos diversos aspectos da vida econômica e social
(PIOVESAN, 1997 apud ALMEIDA, 2002, p. 57).

Convenção sobre a tortura e outros


tratamentos ou penas cruéis, desumanas e
degradantes12
Adotado pela Resolução no 39/1946 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de
dezembro de 1984, o tratado é um dos principais à proteção dos Direitos Humanos,
o qual no Brasil fora ratificado apenas em 28 de setembro de 1989. “É neste contexto
que se deve entender este Tratado: a ampla necessidade de proteção ao cumprimento
das leis, por um lado, e, por outro, o respeito à dignidade humana”, segundo a qual o
autor prossegue “que não se coaduna com práticas vexatórias à cidadania e penas que
ultrapassem o limite do tolerável e justo dentro de um sistema de leis que tenham sido
elaboradas em um estado de direito democrático” (AGAZZI, 1998).

A Convenção divide-se em três partes principais, em que, (1) nos arts. 1o a 16 discorre
sobre os direitos e as garantias reconhecidas pela Convenção; (2) nos arts. de 17 a
11 Disponível em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_4/IIIPAG3_4_7.htm>. Acesso em: 9 abr. 2016.
12 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm>. Acesso em: 9 abr. 2016.

26
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I

24 trata dos mecanismos de proteção adotados e (3) nos arts. 25 a 33 refere-se aos
procedimentos de adesão, declaração, emenda e denúncia. Assim:

A Convenção abrange as práticas que produzam dolosamente seja


sofrimento físico, seja mental, e que visem a um de quatro fins: a
obtenção de informações (ou de confissão), o castigo, a intimidação ou
a coação. Alcança ainda as práticas fundadas em discriminação de cor,
raça, gênero, orientação sexual, religião, origem, classe social ou outra
de qualquer natureza, mesmo que não se voltem aos fins delineados.
A Convenção restringe sua jurisdição às práticas cometidas por
“funcionários públicos ou outra pessoa no exercício de funções públicas,
ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência”,
visando a cobrir precipuamente condutas que violem a integridade
física e a dignidade daqueles sob custódia do poder público (ALMEIDA,
2002, p. 65).

De fato, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o texto mais importante de


banimento de prática da tortura: após 1948 gerou-se uma série de pactos e convenções,
reconhecendo-se a tortura como delito previsto no direito internacional positivo,
impondo-se aos Estados a obrigação de reprimi-la, e também de impingir sanções aos
violadores da norma. Como exemplos, tem-se:

»» A Convenção Europeia de Direitos Humanos (4/11/1950).

»» O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (12/1996).

»» A Convenção Americana de Direitos Humanos (11/1969 – Pacto San José


da Costa Rica).

»» A Convenção da ONU (1984) e a Convenção da OEA (1985).

Convenção dos Direitos da Criança (1989)13

Claramente temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos como berço histórico
na conquista dos Direitos da Criança, é a partir dela que partimos para as demais
Convenções, Tratados Internacionais e outros documentos importantes das conquistas
dos direitos das minorias e sociedade em geral.

Vejamos, abaixo, um pouco mais das etapas para se chegar à Convenção dos Direitos da
Criança nos pensamentos de M. B. Pennachi Dellore:

13 Disponível em: <http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf>. Acesso em: 9 abr.


2016.

27
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos

Em 1924, o primeiro passo nesse percurso foi dado quando a Liga das Nações elaborou a primeira Declaração dos Direitos da Criança.
Em 1945, a Carta das Nações Unidas também pode ser considerada importante etapa dessa história, uma vez que ela estabelece que os Estados
devem promover e também encorajar o respeito aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais “de todos”.
Em 1948, no mesmo ano, uma segunda Declaração dos Direitos da Criança foi elaborada. A terceira declaração aparece em 1957.
Em 1966, dois pactos internacionais foram adotados: um no que tange aos Direitos Civis e Políticos e outro aos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
Em 1978, com base em tais documentos (como já o estudamos em nosso material), a Polônia propôs à ONU um projeto de Convenção dos Direitos
da Criança. Formou-se então um grupo de trabalho de alto nível, para revisão e desenvolvimento do texto original.
Em 1989 (20 de novembro), a Convenção dos Direitos da Criança foi aprovada.
Fonte: Elaboração do autor com dados de Almeida (2002, p. 77).

Toda pessoa, para fins da Convenção, inferior aos 18 anos de idade, é considerada
criança, salvo em casos de o país em que vive a criança prever idade distinta.

Os demais assuntos pertinentes são quanto à prisão e a penas de morte, veja art.
37; ao recrutamento nas Forças Armadas ou à participação direta em conflitos
armados dos menores de 15 anos (art. 38); aos princípios basilares da Convenção
e à não discriminação (art. 2o); à persecução dos interesses da criança (art. 3o);
à vida e ao desenvolvimento plenos (art. 6o); à sua participação nas decisões
que se apliquem à sua vida (art. 12); à consideração da família como grupo
fundamental para o crescimento e bem-estar devido (preâmbulo e arts. 5o, 10 e
18); a opiniões dos pais (art. 12). Veja na íntegra em: <http://www.ilo.org/global/
lang--en/index.htm>.

28
Direitos Humanos,
Filosofia e Unidade iI
Sociologia

Capítulo 1
Noções Iniciais

Origens
Tal como é cediço, a palavra ‘filosofia’ é proveniente do grego Φιλοσοφία, cujo significado
é “amor à sabedoria”, e refere-se ao estudo de problemas fundamentais, relacionados
à existência, à verdade, ao conhecimento, aos valores morais e estéticos, à mente e à
linguagem.

Ao pensarmos na filosofia apenas como o estudo de problemas e a reflexão incessante


sobre o papel do homem na sociedade e seus valores, realmente podemos nos enganar.
Pensar que a filosofia possui um papel coadjuvante (ou nulo) na atuação dos Direitos
Humanos, visto que está localizada apenas no campo das ideias, é um absurdo.

Mas pensar em filosofia como um catalisador de ideias e com um papel de extrema


relevância para a concepção dos Direitos Humanos tanto quanto documentos
importantes internacionais, como a própria Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

Martins e Godinho (2012) ressaltam que:

No campo dos Direitos Humanos, a Filosofia tem papéis


insubstituíveis a desempenhar: o de fundamentá-los e o de contribuir
para a universalização deles. Trata-se de uma missão especulativamente
prática e social – a ética é uma teoria sobre a práxis moral ─ que
testa a própria legitimidade da Filosofia exercer o seu próprio direito
de existir. [...]. Mais do que os modelos e a linguagem, aproximam o
direito e a filosofia os desígnios fundamentais de ambos: a dignificação
da vida humana, mensagem que, hoje, também se pretende estender

29
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

ao desenvolvimento e à defesa da realidade do próprio universo.


As afinidades entre filosofia e direito são visíveis [...] (MARTINS;
GODINHO, 2012, p. 4, grifos do autor).

Ambos se tornaram uma referência insubstituível da sociedade, precisamente em ordem


à promoção e defesa da dignidade humana. Nesse sentido, é possível entender que os
direitos humanos nos concebem princípios ou valores que nos possibilitam condições
de nos afirmar como um ser humano, dessa forma podendo ser participativo na vida
biológica, social, psicológica, cultural e política.

Muitos, até os dias de hoje, conjecturam que filosofia e Direitos Humanos não possuem
ligação, mas a leitura um pouco mais aprofundada da história, da filosofia e da liberdade,
faz-nos enxergar que há, sim, ligação clara entre estes. A filosofia é o estudo relacionado
à existência, no sentido de conhecimento, verdade, razão etc., e os Direitos Humanos,
por sua vez, são a asseguração do exercício à liberdade e dignidade da pessoa, é visível
que um completa o outro em sua função.

Segundo Comparato (1997):

A teoria fundamental dos direitos do homem funda-se, necessariamente,


em uma antropologia filosófica, ela própria desenvolvida a partir da
crítica aos conhecimentos científicos acumulados em torno de três
polos epistemológicos fundamentais: o polo das formas simbólicas, no
campo das ciências da cultura; o do sujeito, no campo das ciências do
indivíduo e da ética; e o da natureza, no campo das ciências biológicas
(COMPARATO, 1997, p. 1).

Isso de modo que a questão dos direitos do homem está sempre atrelada ao discurso
filosófico.

Outras fontes ainda conhecidas da antiguidade e que são possíveis citar como
fundamentais para relação da filosofia com os direitos humanos são, por exemplo, o
Código de Hamurabi (XVIII a.C.), que estabelecia proteção às viúvas, aos órfãos e aos
mais vulneráveis, além de estabelecer o salário-mínimo para vários profissionais; por
outro lado, previa o corte da língua, a extração dos olhos e das mãos das crianças como
formas de punição caso elas cometessem “crimes” contra os pais. Os direitos eram
parciais, não abrangiam a todos.

Pensadores como Buda, Zoroastro e Confúcio (XI a.C.) já destacavam em seus


ensinamentos o respeito às pessoas, a tolerância e a preocupação com o bem-estar
comum.

30
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Em civilizações como o Egito, a Grécia e Roma, nas quais havia um esboço da civilização,
e eram berço da filosofia, buscavam-se a igualdade de direitos e a distribuição do poder.
Eram excluídos desses direitos, porém, as mulheres, os escravos e estrangeiros.

No entanto, decerto Jesus foi o que mais contribuiu com o resgate do diluído “direitos
humanos”. A humanidade havia perdido completamente a noção do respeito mútuo, a
começar de coisas simples como poluição visual, sanitária (rejeitos dispersos em toda
a cidade, sem a mínima noção de assiduidade e disposição correta de fezes, dentre
outros).

Cristo contribuiu para a compreensão dos direitos humanos, que advogou pela igualdade
entre as pessoas, a prática do bem e da justiça, incluindo especialmente mulheres,
crianças, escravos e estrangeiros como detentores de direitos.

Jesus, ao contrário do que era visto na época, foi de encontro a todo o sistema político,
hierárquico, econômico e, principalmente religioso, de seu tempo. Ele jamais fora um
anarquista, mas, sim, um alguém que se dispôs a colocar em ordem toda a “baderna”
humana do período.

Foi aquele que trouxe à tona a importância da mulher. Se existe um FEMEN hoje
(que milita contra o próprio Cristo), é graças ao acesso que Jesus abriu novamente
da mulher perante a sociedade, a qual até então era totalmente descartada com
absoluto preconceito. Decerto, tudo não mudou instantaneamente, porque, mesmo
com seus esforços, o homem (mal e podre, segundo toda noção de liberdade de Kant e
Schelling) olvidou completamente (em grande maioria) seus ensinamentos, restando
pouquíssimos (a igreja primitiva) que os resguardou.

Mas isso saiu caro: decapitações, mortes de cruz de ponta cabeça, matanças e dez
perseguições por parte do império à videira verdadeira (os cristãos primitivos), até se
chegar ao início do século IV, no qual todo o sincretismo se deu em Constantino e as
verdadeiras raízes cristãs praticamente foram aniquiladas. Somente no início do século
XVI, na Reforma, é que tudo começou a se encaixar novamente.

Outro movimento filosófico que reconheceu o valor do homem foi o humanismo (XIV
d.C.). Na Alemanha, esse movimento promoveu a valorização do homem e de sua
liberdade de consciência, sendo a base do Renascimento na Itália.

Jacques Maritan foi um dos mentores da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em seu livro “Princípios de uma política humanista”, descrevia o humanismo como
o sistema capaz de fazer florescer no âmago do ser humano todas as suas virtudes
(GALVÃO, s/d).

31
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

Ligações entre Filosofia e Direitos Humanos


Diante de todos esses exemplos, não há como dissociar a filosofia dos direitos humanos,
da sua origem até os dias atuais, a filosofia é essencial à discussão do tema, uma vez que
os DH não são imutáveis, mas se modificam de acordo com os tempos, as culturas e as
necessidades humanas.

Segundo vários pensadores, a Filosofia é intrínseca à condição humana por buscar


respostas para a relação homem-universo na análise do significado da existência
humana. Pela Filosofia, a percepção humana é condicionada ao tempo-espaço,
por múltiplos fatores de ordem econômica, social, política e cultural. O homem
transforma-se e é transformado pela realidade.

Segundo Bobbio (2004):

O homem é um animal político que nasce num grupo social, a família,


e aperfeiçoa sua própria natureza naquele grupo social maior, que é a
pólis; e, ao mesmo tempo, era necessário que se considerasse (embora
através de uma hipótese...humanas) o indivíduo em si mesmo, fora de
qualquer vínculo social e (com maior razão) político, num estado, como
o estado de natureza (BOBBIO, 2004, p. 135).

Nesse contexto, se desenvolveram o pensamento crítico, as lutas e os movimentos


pelos direitos humanos e tomaram formas diversas, objetivando que o homem pudesse
participar da vida em sociedade de modo pleno. A noção dos Direitos Humanos pode
ser percebida desde o início da civilização, podendo ser notada em vários preceitos de
muitas religiões, mas restrita àquele ambiente interno. E muitos dos povos tinham leis
que garantiam ao menos alguns dos direitos básicos aos homens.

Figura 2 - Noberto Bobbio.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/uYm1DV>. Acesso em: 25 maio 2016.

32
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

As concepções sobre Direitos Humanos são resultantes de mobilizações e tensões


históricas, do conflito entre homem-sociedade, nascidas em momentos de restrições
das garantias e liberdades individuais e coletivas que fomentaram o pensamento crítico.
Rafael Augusto de Conti diz que foi com o nascimento do pensamento racionalista da
modernidade que os Direitos Humanos foram colocados sob o crivo da racionalidade,
ou seja, como diria Kant, o Tribunal da Razão. Ao menos, sempre houve um consenso
de que todos os homens têm direito à dignidade, liberdade e igualdade.

A ligação entre a Filosofia e os Direitos Humanos refere-se à dignidade do ser humano


enquanto pessoa que é dotada de racionalidade e razoabilidade, portando sentimento e
razão, necessidades e aspirações. Para muitos autores, o conceito de dignidade provém
da noção kantiniana e possui uma perspectiva racional-metafísica. Para Kant, “O
homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não
só como meio”, tem autonomia e liberdade e a ele não se pode atribuir um valor (preço).

Bobbio (2004) complementa:

Quando digo que os direitos do homem constituem uma categoria


heterogênea, refiro-me ao fato de que – desde quando passaram a ser
considerados como direitos do homem, além dos direitos da liberdade,
também os direitos sociais – a categoria e seu conjunto passou a conter
direitos entre si incompatíveis, ou seja, direitos cuja proteção não
pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a proteção de
outros. Pode se fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo tempo livre
e justa, na qual são global e simultaneamente realizados os direitos de
liberdade e os direitos sociais; as sociedades reais, que temos diante de
nós, são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na
medida em que menos livres (BOBBIO, 2004, p. 62).

Para compreender a gênese de sua noção e sua formulação atual, efetivamente é forçoso
distinguir, de um lado, as origens e/ou raízes nas diferentes tradições e filosofias, e, de
outro, as fontes mais imediatas dos textos atuais concernentes aos direitos humanos. As
grandes correntes de pensamento, cada uma à sua maneira, propuseram, desde cedo,
certo ideal dos direitos humanos, mas foi apenas ao longo das últimas décadas que
se buscou dar a eles uma formulação precisa e jurídica com relação à qual os Estados
poderiam se comprometer.

As normas relativas aos Direitos Humanos, segundo o Direito Internacional, surgem


apenas após a II Guerra Mundial, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em 1948, que tem como primazia a dignidade, liberdade, igualdade e solidariedade,

33
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

considerando que a humanidade havia passado por tantos momentos de opressão,


repressão, privação e destituição de direitos.

Herkenhoff define Direitos Humanos “como aqueles direitos fundamentais que o homem
possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que
a ela é inerente”.

A Filosofia e Direitos Humanos se inter-relacionam. A Filosofia, em suas diferentes


concepções, tem papel importante na busca pela universalização dos Direitos Humanos,
pois é vasto o caminho a ser percorrido nesse sentido. Considerando também que o que
se julga bom para um momento histórico-cultural não se remete a outra época. O que
se busca em favor de todos os povos, na contemporaneidade, é o respeito aos direitos
humanos para que não se alegue sua ignorância e não haja violação deles, mantendo
sua imprescindibilidade e inalienação.

Ambas as partes procuram encontrar uma forma para que o sujeito se estabeleça e
plenamente viva no seu meio. A filosofia vem desde a Grécia antiga alicerçar os Direitos
humanos em sua própria constituição. Com as ideias de Hobbes, Rousseau e Kant, por
exemplo, vemos que a filosofia é relevante e indispensável ao que conhecemos hoje
como a base dos direitos humanos e ao seu desenvolver.

Para Hobbes (1988, p. 129), o significado de liberdade, em um sentido próprio, é “a


ausência de oposição (entendendo oposição os impedimentos externos do movimento)”.
Com grande similaridade aos dizeres da DUDH (1948) de “...um mundo em que os todos
gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor
e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum”.

Figura 3 - Thomas Hobbes.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/U6ERiU>. Acesso em: 28 maio 2016.

De acordo com Rousseau, “os princípios verdadeiros devem estar comprometidos com
a liberdade, e esta só pode se realizar na política. Como tudo está ligado à política, as

34
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

instituições são fundamentais, pois são elas que formam os cidadãos” (ROUSSEAU,
1987, I, p. 84). Instituições essas que, segundo a DUDH, devem promover divulgação,
amostra, leitura e explicação desta Declaração de Direitos “sem distinção nenhuma
baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados”.

Figura 4 - Jean-Jacques Rousseau.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/NW8sH8>. Acesso em: 28 maio 2016.

A contribuição significativa de Kant para a estruturação do que sabemos sobre Direitos


Humanos é vista também em suas palavras sobre o homem, uma vez que, mesmo que
não sendo moralmente bom em seu íntimo14, é compelido a ser um bom cidadão, bem
como: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa
de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio”.

Na modernidade, não se pode pensar nessa legitimidade sem se considerar também


as questões político-jurídicas que a envolvem, considerando a universalidade e a
internacionalização desses direitos.

Segundo Bobbio (2004):

Uma coisa é um direito; outra, a promessa de um direito futuro. Uma


coisa é um direito atual; outra, um direito potencial. Uma coisa é ter um
direito que é, enquanto reconhecido e protegido; outra é ter um direito
que deve ser, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser,
precisa transformar-se, de objeto de discussão de uma assembleia de

14 Tratamos em forte medida tais concepções éticas sobre o ser do homem, em uma perspectiva kantiana, em nosso material
‘Ética Moderna’.

35
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de


poder de coerção (BOBBIO, 2004, p. 83).

Concepções filosóficas que completam o Artigo VII da DUDH, em que afirma que:
“Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, à igual proteção
da lei. Todos têm direito à igual proteção contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.

Figura 5 - John Locke.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/QxnTv6>. Acesso em: 28 maio 2016.

Thomas Hobbes (1588-1679), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e John Locke (1632-


1704) também forneceram bases fundamentais para a luta pelos Direitos Humanos
do mundo moderno e contemporâneo. O que nos leva à conclusão de que os Direitos
Humanos foram “forjados” a partir da Filosofia e, assim sendo, descartar a sua relevância
nesta questão seria um absurdo.

O direito à liberdade e o direito à propriedade aparecem juntos em


Locke e fundamentam a sua filosofia do contrato social. Os homens não
fariam uma adesão voluntária ao contrato se não fosse para viverem
sob leis estabelecidas pelo consentimento. Não aceitariam, assim, a
tirania, que seria o exercício do poder pelo governante, além do direito,
em proveito da sua própria vontade. O direito de resistência à tirania
fica assegurado, pois, quando “os tiranos violarem ou destruírem a
propriedade do povo ou reduzi-lo à escravidão sob um poder arbitrário,
colocar-se-ão em estado de guerra contra o povo, que fica, a partir de
então, desobrigado de toda a obediência” [...]. A importância decisiva
de Rousseau sobre a declaração francesa dos direitos humanos é
incontestável. Seu texto, além da influência de Locke e da marca dos
fisiocratas, contém um poderoso legiscentrismo, fruto da vontade

36
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

geral, de feitura incontestavelmente rousseauniana. Rousseau utiliza


o conceito de estado da natureza, um postulado hipotético, como em
Hobbes e Locke, supondo que os homens chegam a uma situação social
em que a liberdade natural coloca em risco a conservação de suas
próprias vidas. Na luta pela sobrevivência, os homens rompem o estado
de natureza e podem tornar-se um mero agregado em que a base das
relações sociais seja a submissão assentada na relação senhor-escravo.
Faz-se necessário, então, uma primeira convenção, o ato de fundação
para estabelecer uma nova sociedade política (BRITO, 2013).

Brito (2013) finaliza:

Em Rousseau está mais evidente, mas encontra-se também em Hobbes


e Locke, a relação entre soberania e território. A não adesão ao contrato
implica que o indivíduo seja considerado um “estrangeiro”. A criação
de uma sociedade política, ou do Estado, não se diferencia da criação
de uma sociedade civil de cidadãos e súditos que aderiram ao contrato
e que residem em determinado território. O conceito de povo, tão
usado em Rousseau, delimita os que participam do poder soberano e
dele podem ser excluídos se acaso não mais se subordinarem às leis do
contrato (BRITO, 2013).

O papel da Filosofia no campo dos Direitos Humanos não se perdeu no passado, como
fundador das bases para estes. Cabe à filosofia contribuir para o debate da universalização
dos Direitos Humanos ao redor do mundo. E, para isso, faz-se necessário que a própria
filosofia se universalize a si própria:

Com efeito, para universalizar os direitos humanos, a filosofia tem de se


universalizar a si própria, enraizando a universalidade do seu saber no
solo da essencialidade, não apenas na do ser humano, mas na de toda a
realidade. Em termos concretos, isso significa que os filósofos terão de
ler, além dos textos filosóficos do Ocidente, os textos das outras culturas
e promover todos os textos em que as possibilidades da realidade
manifestem o seu sentido (GONÇALVES, 1998, p. 5).

O princípio de Universalidade também nasceu de um pensamento filosófico. Embora


alguns estudiosos não considerem a filosofia importante na construção dos direitos
humanos, a história nos mostra que ela foi de fato o alicerce dessa construção.

37
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

Relevância da metafísica e questões


ontológicas para os direitos humanos
A metafísica, também entendida como ontologia, expressa a reflexão filosófica das
coisas que estão acima da física, estuda a essência primeira de um ser, um objeto ou
fenômeno. A filosofia ontológica ou metafísica questiona aquilo que existe, as suas
propriedades e as estruturas dessas propriedades, ou seja, busca conhecer os princípios
e fundamentos de todos os seres e suas realidades.

Sendo os direitos humanos aqueles básicos e inerentes ao homem e sua dignidade,


conhecer a dignidade significa conhecer a essência humana.

No plano filosófico-ontológico, procura afirmar a existência e a legitimidade dos direitos


humanos como aqueles fundamentais a todos os homens, sem nenhuma distinção. A
base existencial-explicativa desses direitos pressupõe o discurso e a participação de
todos os seres humanos para sua efetivação e defesa, o que, no meu entendimento,
coaduna-se com a metafísica/ontologia se reportando ao mundo das ideias.

Para muitos pensadores, os direitos humanos fundam-se no conflito homem-sociedade


ao trazer à realidade um problema social e, daí, um combate de ideias, dando “vazão às
conjecturas”.

Por metafísica, entende-se o ramo da filosofia que estuda a essência do mundo, das
coisas, incluindo a existência do homem, na natureza e suas relações. As questões que
envolvem os direitos humanos possuem em sua gênese concepções da metafísica. A
posição metafísica se baseia em uma fundamentação ético-filosófica que interpreta o
direito a partir do entendimento do homem como sujeito social, cuja essência e natureza
são divinas, a concepção do homem como pessoa, que possui direitos inerentes, parte
desse pressuposto.

Baseado nessa exigência moral metafísica, na concepção de direitos naturais, é que se


fundamenta a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para Tomás de Aquino, o
homem conhece a lei natural por meio da razão, que permite a consciência moral ser
capaz de determinar o que é justo e o que é injusto; e essa razão é fundante e transmitida
à consciência humana por um ser superior, Deus. A ética do direito se fundamentaria
nessa lei natural.

Martins (2012) prossegue em nos informar:

[...] o conceito aristotélico de “physis” (natureza) comporta o conceito,


também aristotélico, de “entelecheia”, que exprime a causa final em
estrita correlação com a causa formal, ou seja, o andar, o caminhar de

38
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

acordo com a natureza. Dessa exigência moral, fundada na metafísica,


surge o conceito de lei natural. A finalidade, a teleologia natural
(télos) se estende em teleonomia (nómos). Para Tomás de Aquino,
esta “entelecheia” aristotélica é a expressão da lei eterna, em estreita
relação com a lei divina de Zenão de Heléia. A lei natural é, portanto,
o resultado, o produto de uma convergência de princípios, todos
muito bem adequados, relacionados, inserindo-se numa estrutura, na
do naturalismo do ser, do qual Deus também participa (Deus como
ser). O homem reconhece a lei natural através da razão, que permite
a consciência moral ser capaz de determinar o que é justo e o que é
injusto (MARTINS, 2012).

A compreensão metafísica dos Direitos Humanos (DH), entretanto, é alvo de muitas


críticas. Uma dessas críticas se baseia na dissociação entre a teoria e a prática dos DH,
como defende Burke.

Burke afirma que o caráter metafísico dos direitos humanos tem como efeito o desalinho
com a realidade, uma vez que:

Em defesa da Constituição inglesa, Burke atacara a Revolução Francesa,


desde sua fase inicial. A sua principal objeção é a de que o discurso dos
direitos humanos segue uma orientação metafísica, de modo que de
nada adianta discuti-los. Ao entrarem na vida prática, esses direitos,
compreendidos de forma abstrata, não se adequam às complexidades
das experiências humanas (MAXWELL, s/d, p. 61).

As teorias produzidas pela metafísica logo esbarram com a heterogeneidade da vida


humana, nenhum direito pode ser aplicado a todos os humanos indistintamente, nem
dissociados de sua cultura, história e tradição.

Os discursos estão desvinculados das situações, dos espaços e da


cultura, tornam-se campo de batalha em que os interesses de poder se
enfrentam para institucionalizar universalmente seus pontos de vista. E,
desta forma, os direitos humanos tornam-se símbolos inquestionáveis,
e bloqueiam outras perspectivas (MAXWELL, s/d, pp. 61-62).

De fato, existem muitas experiências que nos revelam a fragilidade da Declaração dos
Direitos Humanos na prática, os princípios e valores promulgados são de uma beleza
indescritível, mas não é possível afirmar o mesmo de sua execução.

Logo, as questões dos direitos humanos não estão ligadas somente à ciência, considerando
que esta desconsidera até mesmo a própria psicologia como ciência, portanto, existem,

39
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

sim, aspectos metafísicos profundamente envolvidos nas questões filosóficas sobre


direitos humanos, ou seja, desde reflexão sobre a natureza dos seres e sua realidade,
nas concepções dos direitos humanos, até instrumentalização de dispositivos legais,
que envolvem, decerto, muitos padrões morais.

Figura 6 - René Descartes.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/c4iqFG>. Acesso em: 28 maio 2016.

Para Descartes, não existe alguma verdade mais que seja mais duvidável do que a
dúvida em si. Logo, podemos pensar as coisas, negá-las etc. Eis o trecho mais famoso
deste filósofo francês em sua obra “O Discurso do Método”:

Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto queria assim pensar que
tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse
alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo,
era tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos
não seriam capazes de abalá-la, julguei que poderia aceitá-la, sem
escrúpulos, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava
(DESCARTES, 1987, p. 66).

No início da DUDH, algumas considerações são feitas a respeito dos fundamentos da


liberdade, das aspirações comuns do ser humano, a proteção dos direitos, as relações
amistosas na promoção dos direitos, a fé, a compreensão e a cooperação com os direitos
humanos, etc. E nenhum desses fatores poderia chegar a ser escrito sem grande reflexão
sobre a realidade em que se vive sem as concepções metafísicas envolvidas.

A DUDH de 1948 tem por base o conceito de liberdade inerente aos homens, porquanto
ela nasceu como resposta à emergência de governos totalitários, no período entre
guerras, que não respeitavam os direitos do ser humano e só compreendiam os deveres
para com o Estado.

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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

E é justamente na metafísica, mais especificamente nos textos do filósofo Immanuel


Kant (1724 - 1804), que é possível encontrar as bases para a fundamentação dos Direitos
Humanos. Em seu livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant nos
apresenta o conceito de “dignidade da pessoa humana”. Para o autor, a dignidade é um
valor que não possui preço, não pode ser substituída e todos possuem de maneira igual.
“A reflexão filosófica sobre a fundamentação, legitimação ou justificação de normas e
regras de conduta vinculadas a princípios morais, não é novidade” (LUNARDI, 2011).

Com efeito, é possível inferir que, em virtude do conceito de dignidade, é garantida a


liberdade e a autonomia do ser humano nos Direitos Humanos. Isso porque este ser
humano, independentemente de sua vida íntima ou social, é um ente possuidor de
dignidade, e, para que esta seja plena, faz-se necessário que seja exercida de forma
autônoma e livre, é possível então ver que a noção metafísica de dignidade é entendida
como um dos fundamentos para a construção dos Direitos Humanos, uma vez que
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (DUDH, 1948).

Alguns filósofos se posicionaram contrários à metafísica, uma vez que esta vai na
contramão do movimento filosófico denominado empirismo (isso vale para o Empirismo
Lógico de Viena, apenas uma nova capa para o positivismo de Auguste Comte), o qual
acreditava na formação de ideias somente por meio das experiências humanas.

Figura 7 – Karl Popper.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/7v8vyd>. Acesso em: 28 maio 2016.

Popper ignora a concepção ingênua dos empiristas de que o conhecimento começa com
a observação dos fenômenos e defende que ele começa com a construção de conjecturas
teóricas (estas dependem de uma base metafísica de interpretação ─ Kuhn fala melhor
sobre isso utilizando o conceito de “paradigma” e de “gestalt”), ou seja, desde o início
do processo do conhecimento científico, o cientista é um agente ativo de construção do
conhecimento não mero agente passivo.

41
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

Os positivistas normalmente interpretam o problema da demarcação


de maneira naturalista; interpretando como se ele fosse um problema
de ciência natural. Em vez de tomá-lo como razão que os leve a
empenhar-se em propor uma convenção adequada, acreditam estarem
obrigados a descobrir uma diferença decorrente da natureza das coisas,
por assim dizer, entre ciência empírica, de um lado, e metafísica, de
outro. Estão constantemente procurando mostrar que a Metafísica, por
sua natureza, nada mais é que tagarelice vazia [...]. Se com as palavras
“vazia” ou “sem sentido” desejarmos, por definição, expressar não
mais que “não pertencente à ciência empírica”, então se tornaria trivial
a caracterização da Metafísica em termos de absurdo sem sentido;
em verdade, a Metafísica tem sido repetidamente definida como não
empírica (POPPER, 1975, p. 36).

Popper (1975, pp. 36-37, grifo do autor) continua:

Contudo, os positivistas, naturalmente, acreditam ser possível dizer


acerca da Metafísica muito mais do que serem não empíricos alguns de
seus enunciados. As expressões “sem sentido” ou “absurdo” traduzem
e pretendem traduzir uma posição depreciativa; e não há dúvida de
que os positivistas realmente desejam não é tanto uma bem-sucedida
demarcação, mas a derrubada total e a aniquilação da Metafísica. Seja
como for, verificamos que toda a vez que o positivista tenta esclarecer
melhor o que pretendiam dizer com “significativo”, a tentativa conduziu
o mesmo resultado ─ uma definição de “sentença significativa” em
contraposição à “pseudo-sentença sem significado”) simplesmente
reiterou o critério de demarcação de sua Lógica Indutiva (POPPER,
1975, pp. 36-37).

Da mesma forma, os direitos humanos não são algo dado a priori por algo como um
“direito natural” transcendental, mas construídos imanentemente e ativamente pela
sociedade por meio de suas considerações acerca da natureza metafísica dos entes
humanos.

O conhecimento está intimamente ligado às percepções nesse caso. No entanto, a


metafísica procura explicar as coisas do mundo e suas relações entre si, se projeta para
além do que é natural, questionando o que é natureza e o que é físico e real.

Esse termo de origem grega teve como base as reflexões filosóficas da Grécia Antiga,
pois havia uma preocupação em explicar a realidade, que as correntes filosóficas da

42
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

época afirmavam ser expressões do mundo das ideias. Nota-se, nesse contexto, uma
construção filosófica que combina características explicativas e existenciais.

Os direitos humanos ou direitos fundamentais nasceram primeiramente das reflexões


filosóficas que buscavam garantir a dignidade da vida humana, direcionando a reflexão
para ação, criando normas que guiassem a conduta dos homens em favor dos seus
direitos naturais. É bastante plausível, então, que existam aspectos metafísicos na
construção dos direitos humanos.

Suas afinidades são visíveis desde os seus primórdios da cultura ocidental, no império
romano, embora nesta época a filosofia não desempenhasse seu papel principal para
promoção e defesa dos direitos humanos.

Immanuel Kant, um dos maiores pensadores, permite-nos, mediante sua filosofia,


compreender do quanto ele se importava, e tornou-se inflexível defensor da dignidade
e do respeito ao ser Humano. Nesse sentido, não se pode conceber um conceito correto
acerca dos conceitos no mundo, mas das relações cotidianas que podem ser chamadas
de metafísica (FERNANDES, 2007).

A identidade relacional entre o Direito e a Filosofia deve ser acompanhada de uma


profunda consciência; deve-se reconhecer que foi a exigência de uma vida equânime,
consequentemente, da justiça, uma exigência fundamentalmente ética, que provocou,
em grande parte, o desenvolvimento da Filosofia e do Direito que até hoje cultivamos.
Significa esse fato que a Filosofia e o Direito ocidentais se colocaram ao nível da
cidadania, circunscrita à sua forma greco-latina – lei natural, moral natural, direito
natural (MARTINS; GODINHO, 2012).

43
Capítulo 2
Teoria Socialista dos Direitos

Per Mazurek traz um contexto bastante claro, em termos de posicionamento, da


ideologia marxista no meio do direito e da sociedade:

Quem quiser ter acesso à teoria marxista do direito e se dirigir, por isso,
aos fundadores do materialismo histórico e dialético, vê-se confrontado
especialmente com duas dificuldades: Marx e Engels, não apresentaram
uma teoria sistemática, fechada, do direito, mas dispersa por toda
obra, fragmentários e dispersos, apenas os primeiros princípios de
uma crítica ao direito da sociedade burguesa. Além disso, na teoria
marxista do direito moderno [...], tanto essas afirmações quanto seu
ulterior desenvolvimento têm de ser entendidas na base da concepção
materialista da história e do método e a crítica marxista como decorrem
do conjunto de toda obra de Marx. No conjunto da obra de Marx, o
ponto principal reside na crítica da economia política como orientação
teórica da ação prática (MAZUREK, 2002, p. 443).

Marx somente encontrou sua perspectiva econômico-política ao se deparar com


o idealismo alemão de Fichte, Hegel e Kant – por sorte Schelling não faz parte dos
“inspiradores” de Marx – e, especialmente, o materialismo antropológico de Feuerbach.
“Por isso, Marx adia a investigação sistemática do direito, dedica-se às condições
materiais e investiga as formas sociais de produção, até os seus aspectos históricos, na
produção capitalista de mercadorias”. O direito, dentro desse contexto, é “considerado
como realidade produzida pela história e por toda a sociedade”, sob o ponto de vista da
totalidade.

Dentro de uma perspectiva marxista, Mazurek nos informa que “o tipo comportamental
do sujeito livre só se pode manter teoricamente como base da teoria da liberdade de
contrato (autonomia privada), se ele se basear, exclusiva e diretamente, na troca de
mercadorias e materiais equivalentes” (MAZUREK, 2002, p. 453).

A teoria da autonomia privada dissolve a liberdade de contrato


do trabalhador numa liberdade apenas formal. Ela não toma em
consideração a dependência material do trabalhador na produção,
pois o trabalhador, por falta de meios de produção próprios, está
preso às algemas invisíveis da relação do dinheiro, ficando obrigado
a esse contrato de troca (mão de obra por salário) como processo

44
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

de reprodução. Vê-se obrigado a vender a sua força de trabalho aos


proprietários dos meios de produção. O trabalhador é “livre no duplo
sentido de que dispõe, como pessoa livre, da sua energia como a sua
mercadoria, e de que, por outro lado, não tem outra mercadoria para
vender, faltando ele absolutamente todas as coisas necessárias para a
realização da sua mão de obra” (MAZUREK, 2002, p. 453, grifo nosso).

De acordo com o autor, esse fato é o que leva Marx a tratar apenas da aparência
objetiva dos direitos, uma vez que, ao contrário da troca de equivalentes do mercado
de trabalho, neste caso, a troca é apenas aparente. O conceito de justiça, portanto dos
direitos humanos, não é compreendido como um postulado a-histórico de justiça,
porém apenas como um conceito prático que é preciso examinar por meio do confronto
como a prática social.

Nesse exame, salienta-se que, no processo de constituição da sociedade


burguesa capitalista, os postulados dos direitos humanos naturais,
surgidos no processo de dissolução da sociedade feudal, adquiriram
funções ideológicas nos conceitos de liberdade (independência
económica) e igualdade (MAZUREK, 2002, p. 454).

A nova situação econômica de produção capitalista traz novas expectativas segundo o


autor, uma vez que elas se manifestam na transformação da liberdade civil em liberdade
do capital. O saber se se poderia contrariar essa evolução por meio das intervenções
do Estado social ou até mesmo da organização, pelo Estado, do conjunto das relações
sociais, orientada no sentido de uma existência humana digna, “é o que a teoria do
Estado marxista tem que esclarecer na análise de função e papel do estado no contexto
de modo de produção capitalista” (MAZUREK, 2002, p. 454).

Com efeito, Per Mazurek traz, baseando-se em Paul, as duas exigências adquiridas por
Marx na reflexão sobre o sentido do direito:

1. postulado da liberdade como postulado da racionalidade dos valores


no sentido de um mais liberal entendimento das normas visando de
emancipação;

2. postulado de livre desenvolvimento dos indivíduos, sob todos os aspectos,


visando à autorrealização.

Aqui é tratada a criação prática da teoria de direito emancipatória quando se pensa


na definição da modalidade do direito em uma perspectiva socialista, tendo que se
estabelecer a ligação com as tendências emancipatórias dentro da sociedade existente.
É preciso então indicar de que forma o direito tem de ser criado e institucionalizado

45
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

de maneira concreta a fim de poder afirmar de forma prática e emancipatória. As


transformações a realizar não podem ser apenas deduzidas da história.

O erro, então, para Mazurek (2002), da teoria socialista do direito, foi o de conceber a
história como “processo de emancipação objetivo”. Uma vez que Marx trata das relações
sociais como “matéria social”, Lenine entende a existência da matéria em um sentido
metafísico e filosófico, visto que está em perfeito acordo com a ciências naturais.

O autor tem profunda a razão em afirmar que a consciência perde a sua especificidade
quando se torna um mero reflexo simplesmente uma cópia da matéria ao se pensar nela
como simplesmente algo material.

Fundador do materialismo na história, o alemão foi um filósofo social e um


grande economista, contribuiu fortemente para o desenvolvimento da Sociologia,
concentrando-se nas relações sociais oriundas das formas de produção (fator de
transformação da sociedade), em uma tentativa de elaborar uma teoria sistemática da
estrutura e das transformações sociais (LAKATOS; MARCONI, 2010).

Marx reconheceu que a religião tem papel importante na manutenção


da estrutura social existente. Os valores da religião, como mencionado,
tendem a reforçar outras instituições sociais e a ordem social como um
todo. Segundo Marx, porém, a promoção da estabilidade social pela
religião apenas ajuda a perpetuar padrões de desigualdade social. Para
ele, a religião dominante reforça os interesses de quem está no poder [...].
Na visão marxista, a religião impede que as pessoas vejam em sua vida e
suas condições sociais em termos políticos ─ por exemplo, obscurecendo
o significado primordial de interesses econômicos conflitantes. Os
marxistas sugerem que, induzindo uma “falsa consciência” entre as
pessoas carentes, a religião diminui a possibilidade da ação política
coletiva capaz de terminar com a opressão capitalista e transformar a
sociedade (SCHAEFER, 2006, p. 337).

Apenas para solidificar o que falamos até aqui, para Marx, a sociedade divide-se da
seguinte forma:

Quadro 7 - Divisão social para Marx.

Infraestrutura Superestrutura
Divide-se em dois níveis:
Estrutura econômica, forma das 1) Estrutura jurídico-política, é formada 2) Estrutura ideológica (filosofia, arte, religião etc.),
relações de produção e forças pelas normas e leis que correspondem à justificativa do real, é formada por um conjunto de ideias
produtivas sistematização das relações já existentes de determinada classe social que, mediante sua ideologia,
defende seus interesses
Fonte: Elaboração do autor com dados de Lakatos e Marconi (2010, p. 48).

46
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

De acordo com o mesmo autor, dentro da concepção de infraestrutura, qualquer


mudança social parte das alterações nas forças produtivas e relações de produção.
Com efeito, Marx chegou a uma classificação de sociedades segundo o seu tipo que
predomina nas relações de produção:

»» comunidade tribal;

»» sociedade asiática;

»» cidade antiga;

»» sociedade germânica;

»» sociedade feudal;

»» sociedade capitalista burguesa (comercial, manufatureira e industrial;


financeira e colonialista);

»» sociedade comunista sem classes (que se instalaria por meio da ditatura


do proletariado).

Dentro de um contexto de “classes sociais”, o marxismo desenvolve acirrada busca para


denunciar as desigualdades sociais contra a falsa ideia de igualdade política e jurídica
tratada pelos liberais.

Para ele, os inalienáveis direitos de liberdade e justiça, considerados


naturais pelo liberalismo, não resistem às evidências das desigualdades
sociais promovidas pelas “relações de produção”, que dividem os homens
em proprietários e não proprietários dos meios de produção [...]. As
classes sociais formadas no capitalismo ─ burgueses e proletários ─
estabelecem instransponíveis desigualdades entre os homens e relações
que são, antes de tudo, de antagonismo a exploração [...]. Para Marx,
a história humana é a história da luta de classes, da disputa constante
por interesses que se opõem, embora essa oposição nem sempre se
manifeste socialmente sob a forma de conflito ou guerra declarada.
As divergências e os antagonismos das classes estão subjacentes a
toda relação social, nos mais diversos níveis da sociedade, em todos os
tempos, desde o surgimento da sociedade (COSTA, 2005, pp. 113-115).

A consciência é abrangida em Marx como parte do ser; por meio do ser social, é sabido,
dentro dessa perspectiva, que o homem constitui o sujeito/objeto do conhecimento

47
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

na unidade da teoria e prática. Lenine reincide em um materialismo mecanicista e


naturalista no momento da separação de sujeito e objeto. “O Marxismo trivializa-se
em visão do mundo, torna-se uma teoria contemplativa em vez de uma teoria prática e
crítica. Isso torna-se visível, depois, na ‘teoria socialista do direito’” (MAZUREK, 2002,
p. 456).

Mazurek (2002) ainda nos traz riquíssimas informações sobre a teoria socialista do
direito, as quais nos valem ter contato imediatamente direto:

O direito socialista seria criado pela classe dos trabalhadores, agora


dominante, sendo os seus interesses tidos como válidos, sem que as
contradições deste direito com a base sejam consideradas, nem sequer
como uma questão a investigar. O trabalhador é tido como sujeito real da
sociedade, função que ele, segundo Marx, só haveria de assumir na fase do
comunismo [...]. Como na teoria socialista do direito, a função do direito
é definida idealmente cada vez mais como a função de um instrumento
estatal orientador, com a ajuda do qual devem ser controlados os
processos econômicos, progressivamente complexificados em virtude
da crescente divisão do trabalho, do progresso da técnica, o direito chega
a ser reduzido a um elemento da base, como “força de produção direta”.
Com isso, o direito deixa de ser uma categoria ao mesmo tempo real e o
ideal a entender de forma ambivalente, como também é inevitável que
eu seja na concepção voluntarista do direito como “vontade da classe
dominante” (MAZUREK, 2002, p. 456).

Per Mazurek finaliza então sua crítica à teoria socialista do direito:

A teoria socialista do direito evita o acesso às suas condições sociais,


nas quais as determinações formais e econômicas da produção de
mercadorias, mesmo depois da socialização dos meios de produção,
continuam a ser relacionadas à apropriação privada dos
meios de produção, mediante o salário e a venda da mão de obra
contra salário. O contexto social continua a não se basear na
associação livre, consciente e direta dos membros da sociedade,
continuando, antes, sob o domínio do trabalho abstrato e da coação
da abstração reificada do valor. Desse modo, explicam-se, ao mesmo
tempo, a necessidade de direito e do Estado como conciliação entre
vontade geral e individualização geral, tem que esse lado formal do

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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

direito e a gênese desse modelo estadual sejam problematizadas


na teoria socialista do direito. Impede-se, assim, o acesso à
emancipação do homem, já que na construção do direito – como
vontade geral de pessoas políticas, livremente associadas – se dá por
suposta uma situação que teria ainda que ser construída (MAZUREK,
2002, p. 457, grifo nosso).

49
Capítulo 3
Cronologia dos Direitos: da antiguidade
à modernidade

Na Antiguidade
Na era arcaica pré-científica, data anterior ao século VII a.C., informa-nos
Kaufmann (2002) que o direito apenas existia em sagas, contos, ritos e mitos, hábitos
dos homens. O homem arcaico também buscava explicar o mundo por meio de algumas
questões metafísicas. Baseava-se muito mais nos fenômenos da natureza, no mundo na
vida e seu cotidiano, e tudo o que fazer analogia com um homem. E era também através
do mito que o direito se baseava.

Na época pré-socrática, deu-se o novo pensar polarizado. Anaximandro (600 a.C.)


distinguiu ser em ordem (hoje dito ser e dever-ser), mas, mesmo assim, eram vistos como
uma coisa só: “tudo o que é, é-o também como ‘sendo’ na ordem”. Tal pensamento, de
acordo ainda com Kaufmann (2002, p. 61), traz “uma afirmação de filosofia existencial,
no sentido de estar implicado na existência um direito de existir e existir assim, de
autoafirmação de cada ser em si mesmo, e, como tal, um dever de deixar o outro ser o
que é e como é”.

Kaufmann (2002, p. 62) informa que a maneira de pensar polarizado dos gregos atinge
sua máxima em Heráclito, o Obscuro (ca. 500 a.C.), ao qual influenciou praticamente
todos os pensadores que lhe sucederam, a saber:

»» a teoria das ideias de Platão, segundo a qual atrás do mundo das aparências
(φαινώ-μενα) está o mundo da ideia, do verdadeiro ser (νονμενα);

»» a “enteléquia” de Aristóteles, o princípio de todo o devir15 vivo.

Em Heráclito, temos a concepção de mundo que somente tem lugar aquilo que se
processa, o devir. Com isso, todas as coisas são oriundas da contradição, e todas as
situações são regidas por uma lei do mundo, a razão do mundo: logos.

Assim se compreende o famoso, mas também polêmico, fragmento 114:


“todas as leis humanas se alimentam daquela única lei divina”. Aqui,
distinguem-se, pela primeira vez, a justiça da norma humana (δίκαιον
νόμω) da justiça natural (δίκαιον φύσει), o direito positivo do direito
15 Vir a ser, torna-se.

50
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

natural e, assim, dá-se início a uma doutrina racional da justiça e do


direito natural. Lei e natureza são ainda vistas comunidade de ser, mas
o espírito pensante identifico-as como distinguíveis e estava, por isso,
preparado para a sua eventual desagregação.

Os sofistas, por seu turno, voltaram a diluir a pureza do direito natural, especialmente
em Protágoras (480-410 a.C.), Górgias e Trasímaco (ambos entre 450 e 350 a.C.),
Epicuro (371-270 a.C.) e Carneiades (214-129 a.C.), estes últimos cultivavam perspectiva
cética, segundo a qual nada seria justo por natureza. Enquanto Cálicles (séc. V a.C.)
defendeu o mesmo, que cada um possui o direito de satisfazer seus desejos por meio de
qualquer meio.

O mundo filosófico ático completou e superou os sofistas. Em Sócrates (469-399 a.C.),


difundido por Platão, e especialmente Xenofonte, executou uma viagem para o interior
do homem, não compartilhando a crença acrítica em uma razão moral de mundo,
enquanto, ao mesmo tempo, procurava enxergar além do subjetivismo e do relativismo
dos sofistas.

Kaufmann (2002, p. 65) prossegue em informar que, para Sócrates, “estava em


causa o avanço no sentido de uma esfera objetiva de verdade e a solução se chamava
aprofundamento para o interior: γνωθι σαντόν (conheça-te a ti mesmo)”. Com efeito:

A lei natural mora no seio do homem, a alma dá ao homem a medida


moral, e esta medida permanece nele, mesmo quando autoridade
exterior se encontra abalada. Desse modo, Sócrates fundou a doutrina
inatista do direito natural, que, mais tarde, encontrou muitos
seguidores: Cícero, Paulo, Santo Agostinho, Crisóstomo... Ao mesmo
tempo, Sócrates debatia-se com um problema objetivo ético da moral,
com a questão dos conteúdos da justiça, do bem, da virtude. A relação
entre direito e moralidade tornando-se um problema. E conseguiu
ainda, obviamente menos pelo seu ensinamento do que através da sua
vida, impor mais uma ideia, a ideia do caráter justo da lei (KAUFMANN,
2002, p. 65).

Bastante curioso é que, nesta sequência, Platão (427-347 a.C.) configurou uma série
de pensamentos filosóficos ao longo da história, um oriundo de outro. O fundador da
Academia de Atenas procurava pensamentos que não eram provenientes apenas da
opinião subjetiva (δόξα), mas que representasse um saber universal (έπιστήμη). Ele
queria avançar para uma esfera de verdade liberta de qualquer dúvida.

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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

Figura 8 - Antiguidade: Platão e Aristóteles.

Imagem disponível em: <http://goo.gl/5c2y54>. Acesso em: 20 maio 2016.

Kaufmann (2002, p. 66) traz uma interessante abordagem de como os pensamentos


recaem sobre Hegel e o Idealismo Alemão, forte passagem histórica dos Direitos
Humanos Contemporâneos. De fato, é uma cadeia de eventos, vejamos:

As ideias (ίδέα είδος) são o “Ser” verdadeiro porque têm um conteúdo


sempre idêntico, apriorístico e, dessa forma, escapam a toda mudança
(entre as alegorias de Platão a mais conhecida é a “alegoria da caverna”:
encontramo-nos na sombra, e por isso, no primeiro passo do nosso
conhecimento, apenas podemos avistar vagamente a fonte da luz, a
ideia do bem). Desse modo, Platão tornou-se o criador da teoria das
ideias, e, em geral, da filosofia objetivo-idealista, tal como ela surgiu,
algumas vezes ainda, séculos mais tarde, naturalmente com diversas
modificações – pense-se, sobretudo, em Hegel (KAUFMANN, 2002,
p. 66).

Em Aristóteles, o Estagirita (384-322 a.C.), a doutrina do direito natural da Antiguidade


atinge o apogeu. Aristóteles distingue dois tipos de justiça, nas quais a igualdade se
manifesta de duas maneiras diferentes, de acordo com Kaufmann (2002, pp. 69-70):

I. Iustitia commutativa: a justiça entre os desiguais por natureza, porém


iguais perante a lei (Aristóteles a denomina como “corretiva”: δικαιον
διορθωτικόν). Significando absoluta igualdade de prestação e retribuição
entre aqueles que a lei equipara.

52
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

II. Iustitia distributiva: ao contrário, traduz a igualdade proporcional no


tratamento de um conjunto de pessoas: a atribuição (δικαιον διανεμητικό)
de direitos e obrigações de acordo com dignidade, capacidade e
necessidade.

Para facilitar o entendimento, vejamos dois esquemas sobre justiça de direitos igualitários
que Kaufmann (2002, p. 72) nos traz a despeito da Antiguidade, especialmente no
estoicismo:

Esquema 1.

A Justiça (iustitia 1)
(justiça em sentido estrito: igualdade de direitos)

Sociedade

Iustitia
distributiva

Justiça
Distributiva Indivíduos

A1 A2 A3 B1 B2 Bn

Indivíduos
Justiça comutativa
(justiça de troca)

Esquema 2

Justiça

Iustitia legalis Iustitia distributiva Iustitia commutativa

Justiça social Justiça privada


(direito público) (direito privado)

(direito do trabalho, direito social etc.)

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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

O estoicismo de Marco Aurélio, Sêneca, Plotino, Plutarco pouco contribuiu ao


desenvolvimento do pensamento filosófico, desenvolveu e assimilou as contribuições
dos gregos. Marco Aurélio em Meditações afirma que: “Basta abandonar o passado,
confiar o futuro à providência e dirigir a ação ao presente para a piedade e a justiça”.

Sobre a noção de liberdade no contexto dos Direitos Humanos, temos as raízes


também na Antiguidade, passando especialmente pelo iluminismo francês: Voltaire,
Montesquieu, Diderot, D’Alembert etc., passando pelo Idealismo Alemão, inspirando
Kant, Fichte, Hegel e Schelling, chegando aos dias de hoje.

A influência da noção de Liberdade, em Schelling, especialmente, dos filósofos da


Antiguidade, fora Plotino. Este estoico fundamenta algumas noções de liberdade da
maneira que Carlos Lima, focado em Plotino, nos explica:

Já Plotino se debruçou sobre essa questão e também ele se viu envolto


em problemas e contradições. O Livro VI das Enéadas versa, todo ele,
sobre este problema, como já diz seu título: A vontade livre e a vontade
do Uno. Plotino sabe muito bem que, para ser livre, o homem tem
que ser ekousíon, tem que ser autexousíon, isto é, ele tem que poder
determinar-se a si mesmo, ele tem que poder dispor sobre suas ações
e sobre si mesmo. Essa autodeterminação é expressa por Plotino com
um termo intraduzível: tò ep’autõ. Tò ep’autõ aponta para aquilo que
está em meu poder, aquilo que está dentro de minhas possibilidades e
capacidades de ação. Quando o homem age segundo tò ep’autõ, ele está
agindo como autexousíon, como alguém que se determina a si mesmo.
Plotino parece ser pouco claro, mas o fato é que, até hoje, ninguém
conseguiu dizer muito melhor o que significa liberdade. Liberdade
consiste, dizem todos, neste agir segundo aquilo que está em meu poder,
segundo minhas possibilidades, segundo minha autodeterminação
(LIMA, 2005, p. 274).

Após isso, Plotino recai sobre a questão do Uno, que é o Bem, ao qual tem liberdade,
livre vontade e autodeterminação, ekousíon e autexousíon. Onde este Uno é a causa
de si mesmo, e toda a questão da causa sui a qual foge em alguma medida de nosso
objetivo. Em suma, o Uno é simplesmente causa de si mesmo, ou seja, Deus, a causa
de todas as coisas é incausado, não pode ser em si mesmo o efeito, pois, se o fosse,
sua causa seria o próprio Deus. Esta filosofia também influencia Schelling e Leibniz,
guardadas as devidas proporções.

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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Tal como Sócrates, os estoicos, sobretudo Cícero, defendiam a ideia


de que a lei natural seria inata ao homem como lex indita. Séneca (ca.
1-65 d.C.) salientou serem os homens todos parentes, em virtude da sua
natureza comum, e concluiu daí o mandamento do amor ao próximo.
De forma semelhante, Epicteto (50-138 d.C.) ensinava o amor ao
próximo e a cidadania do mundo com base na razão, à qual ele também
me conduzia o religioso. O homem já não era somente considerado um
formador do Estado (ζωον πολιτικόν), mas um ser social, “caridoso”
(ζωον κοινωνικόν). O espírito do historicismo também se manifestou
claramente no Corpus Iuris civilis; cfr. Digesto 1,3: “Juris praecepta
sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”
(Ulpiano). Foi por meio do estoicismo que se iniciou o contato entre as
filosofias grega e romana (KAUFMANN, 2002, p. 73).

O pensamento dos direitos do homem, na Idade Média, foi liderado filosoficamente


por Tomás de Aquino (peripatético) e Agostinho (platônico). Para Agostinho, “só a
vontade é moralmente valorizável, não o entendimento, a força essencial do homem. Na
vontade radical, do mal o homem não se consegue libertar pelas suas próprias forças,
mas somente pela misericórdia de Deus”. Enquanto em Tomás de Aquino a lei natural
é uma grandeza objetiva. Ele adotou o realismo aristotélico, em que o valor não está
separado da realidade, ser e dever-ser estão completamente relacionados.

O diálogo entre os Direitos Humanos e sua fundamentação filosófica na Teoria


Moral de Tomás de Aquino.

Disponível em: <http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/08/15_2_campolina_1.


pdf>.

O fim da escolástica se deu em Guilherme de Occam (ca. 1300-1350) e depois em Duns


Scotto (1266-1308). Occam entrou na história especialmente por meio da renovação do
nominalismo, doutrina que trata assistência somente do individual, o especial, não o
geral. Nela não pode haver uma lei natural geralmente assistente. Só existe espaço para
uma doutrina do direito natural subjetivista (idealista), “que não toma o direito
natural como algo dado ou sequer preestabelecido, encarando-o pura e simplesmente
como um ‘produto da teoria’” (KAUFFMANN, 2002, p. 81).

Essa ‘doutrina do direito natural’ que então servirá de pensamento base da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

1. Revolução Francesa e a Promulgação da Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão

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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

Figura 9 - Revolução Francesa.

Imagem disponível em: <http://goo.gl/2ljbaP>. Acesso em: 18 maio 2016.

Em 1789, a tão famosa Revolução na França se iniciou por parte do povo. A fundamental
desse evento foi o fato de que abriu a Idade Contemporânea como a conhecemos hoje.
Por diversos motivos políticos e econômicos, tais como o imperialismo sem nenhum
esboço de democracia republicana, se teve uma revolta popular sem precedentes na
história da França.

Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em


considerar que esse ato representou um daqueles momentos decisivos,
pelo menos simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o
início de outra, e, portanto, indicam uma virada na história do gênero
humano [...]. Chamando-a de uma “esplêndida aurora”, pelo que “todos
os seres pensantes celebraram em uníssono essa época”, expressa com
essa metáfora a sua convicção de que, com a Revolução, iniciara-se uma
nova época da história, com uma explícita referência à Declaração, cuja
finalidade era [...], a meta inteiramente política de firmar os direitos
naturais, o principal dos quais é a liberdade, seguido pela igualdade
diante da lei, enquanto uma sua ulterior determinação (BOBBIO, 2004,
pp. 99-100).

Como na Reforma protestante havia diversos nobres que buscavam ainda mais poder,
propriedades e dinheiro se posicionavam em favor da tomada de poder da Igreja
Católica, foram os burgueses na década de 1780 na França, os quais almejavam mais
riquezas, bens e poder para si, dessa forma apregoaram a Revolução de uma maneira
ímpar na história.

Após o iluminismo, o povo já não era mais refém do império, passando a exigir seus
direitos como humanos, desse modo não somente os burgueses, mas pobres em geral,

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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

desempregados, comerciantes, camponeses (sujeitos aos senhores feudais), os quais


eram obrigados a pagar tributos à nobreza e ao clero; representando os tipos de estado
da época: (1) Alto Clero; (2) Nobreza (funções militares, jurídicas) e (3) Burguesia
(baixo clero16, comerciantes, camponeses etc.).

O absolutismo monárquico até então era o que regia a França, cujos três estados acima
representavam o Estado Absolutista. Novamente, o povo francês influenciado pela forte
onda iluminista cobrou intensamente uma resposta da nobreza e do alto clero frente
aos seus direitos, uma vez que estes não pagavam impostos e possuíam o total direito
de se lançar a cargos públicos.

A Assembleia dos Estados Gerais foi uma reposta medrosa dos primeiro e segundo
estados, já que viram o abalo que estava se encontrando a sociedade em geral, na
tentativa de obrigar o povo em geral a continuar pagando tributos. Em maio de 1789,
surgiu o conflito interno dos primeiro e segundo estados logo após a Assembleia no
palácio de Versalhes. Depois de alguns outros impasses, os revolucionários, ao
saírem às ruas, gritavam “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

O terceiro estado (a burguesia e parte do povo) foram os reais responsáveis por esta
revolução e, em 10 de junho, uma Assembleia Nacional para que se formulasse uma
nova constituição para o país fora feita. Obviamente, o rei e o Alto Clero nem sequer
responderam, porém, em 17 de Junho, juntou-se o terceiro estado e todas as suas
vertentes uniram-se, mesmo sem resposta dos dois primeiros para elaborar a nova
constituição por conta própria. Iniciou-se a Revolução Francesa.

A economia não estava nada boa, apoiado pelo fato de que o meio ambiente não ajudava
muito, a agricultura em geral passou a se encontrar em forte queda, em decorrência
disso, fome e miséria eram latentes na maior parte do território nacional.

Para piorar mais ainda a revolta do terceiro estado, o Rei Luís XVI em vez de cobrar
tributos de quem podia pagar, já que a economia se encontrava mal das pernas, acabou
por cobrar dos que não podiam. Dessa forma, em 14 de julho de 1789, toda a massa
popular inundou a Bastilha17, resultando que, em 4 de agosto, a Assembleia Nacional
instituiu diversos decretos que tirava muitos privilégios da nobreza.

Em 26 de agosto de 1789, a proclamação feita na Assembleia Nacional Constituinte


foi o que de fato consolidou todos os direitos proclamados, almejados e tão sonhados
até então, mediante a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão (Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen), influenciada pela
16 Em algumas fontes encontra-se o baixo clero no primeiro Estado, porém cita-se aqui no terceiro considerando o fato que o
baixo clero possuía pouca ou nenhuma influência sobre o alto clero, sendo vistos mais como população em geral, sem direitos
exclusivos.
17 Prisão símbolo do Regime Antigo da França.

57
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

doutrina do direito natural, segundo a qual em qualquer local o homem não deixa sua
natureza, por isso, todos os seres humanos precisam ter seus direitos respeitados e
devidamente exigíveis.

Com efeito, no dia 26 de agosto de 1790, a Assembleia Nacional Constituinte proclamou


a redução do poder do clero e o colocou sob a autoridade do Estado. Intitulou-se o
documento emitido como Constituição Civil do Clero, todavia, obviamente, o papa
não aceitou tal determinação.

Houve um levante contrarrevolucionário por parte do rei Luís XVI, caindo por terra a
Monarquia Constitucional, e por consequência a dissolução da Assembleia Constituinte
e a Convenção Nacional de um novo parlamento.

Após esse período, o nome mais cotado para dar ordem a todo esse caos, por parte da
burguesia, fora Napoleão Bonaparte, que vinha ganhando prestígio ao longo dos anos,
o general que, em 1799, perdurou quinze anos no poder. Seu golpe foi um tiro fatal em
10 de novembro de 1799, episódio este que fico conhecido como 18 Brumário.

Filosofia do Direito Moderno

Em meio ao forte pensamento que engendrava grandes realizações científicas, avanços


tecnológicos e filosóficos, também modificavam-se a política e as concepções sobre os
Direitos Humanos.

Kaufmann (2002) traça um contexto da filosofia do direito nas épocas moderna e


contemporânea, uma vez que é vista transição e ruptura bastante acentuada do passado.
Ele usa o termo paradigma para se referir a tais mudanças, sendo impossível pensar em
paradigma sem lembrar das concepções filosóficas de Thomas Kuhn (no entanto, tal
contexto pode não satisfazer o objetivo deste material, por isso a sugestão de que haja
leitura complementar, especialmente sobre: a incomensurabilidade dos paradigmas
e o tratamento que Kuhn dá sobre a subjetividade da ciência por conta dos próprios
cientistas. Esses conceitos são importantes).

Proveniente dos Estados Unidos da França, a modernidade, ápice da racionalidade,


é o que o autor chama de nada menos do “que o retorno do irracional”, incluída a
pós-modernidade. Ele aconselha se aperceber de onde veio o mal-estar com a
modernidade, nomeadamente com o Iluminismo, conferindo ao pós-modernismo uma
força de atração.

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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Kaufmann (2002) tenta resumir em uma frase o “fracasso” do Iluminismo neste aspecto:

É a “pressão de realização da Modernidade”, a “razão totalizante», o


“Iluminismo perenizante” que apostou tudo num mero saber de domínio
e de utilidade e que, por isso, se revelou incapaz de dar respostas às
perguntas verdadeiramente importantes para o homem (KAUFMANN,
2002, p. 43).

O autor chama atenção para que, se olharmos para história, veremos que sempre
se confrontaram ou substituíram de maneira recíproca duas concepções extremas
sobre a tarefa da filosofia. Uma das correntes pensa que a filosofia tem a tarefa de
fazer afirmações absolutas, genérica e imutáveis sobre o mundo, sobre os homens e
seus direitos. Mas sempre é fracassada qualquer linha de pensamento absoluto neste
sentido. Citando Kant, ele afirma que o conhecimento puro apenas contém a forma por
meio da qual alguma coisa é conhecida. Os conteúdos são impuros quando estes não
são provenientes do entendimento, mas, sim, da experiência, que vale a posteriori.

Resultando em outra corrente por meio dessa descoberta. De acordo ainda com
Kaufmann (2002), em nome da pureza do filosofar, ela abstém qualquer conteúdo,
especialmente das afirmações sobre valores (tal como é tratado por Max Weber, Hans
Kelsen, Reine Rechstslehre etc.), dirigindo-se apenas às formas do ser, do pensar e do
direito.

Em virtude da pureza, muitos acreditam e consideram como critério decisivo a


finalidade da recusa de todo o filosofar sobre o conteúdo como e racional, e por conta
disso não científico. Mas é justamente por conta desta racionalidade, havendo aí um
reducionismo, há uma pureza formal, que precisa ser aceita e acusada de não responder
às perguntas que realmente interessam. O formalismo na filosofia acabou incorrendo
em uma produção de algumas teorias perspicazes, porém o seu significado para a vida
prática continuou ainda mais reduzido, quanto mais rigidamente se atrelaram à sua
regra de pureza.

Para o autor, não é possível ter as duas coisas, ou seja, a pureza formal e a força formativa
com conteúdo significativo.

De entre os modernos filósofos do direito, nenhum outro o sabia melhor


do que Gustav Radbruch que, após um século de teoria geral do direito
formalista, foi um dos primeiros a voltar a filosofar sobre os conteúdos
do direito. Praticamente ao mesmo tempo em que, na filosofia, se
reclamou pelo regresso “às próprias coisas”, também a filosofia do
direito se aproximou novamente da “essência do direito”. Apenas um

59
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

ano após as Ideias Para Uma Fenomenologia Pura e para Uma Filosofia
Fenomenológica (1913), de Edmund Husserl, surgiram os Elementos
da Filosofia do Direito (1914) de Radbruch, com os quais começou um
novo questionar do conteúdo e da correção do direito. Radbruch, tantas
vezes apelidado de testemunha principal do positivismo, é, na verdade,
aquele que o superou. A começar no “dualismo de método” entre ser
e dever-ser [...], passando pelo pensamento das “determinabilidade
material da ideia”, até a doutrina, da última fase, da “natureza das
coisas”, percorre-se um caminho reto. O nome de Radbruch opera
a transição para o novo capítulo da filosofia do direito: uma filosofia
do direito para além de direito natural e positivismo (KAUFMANN,
2002, p.44).

Por fim, Kaufmann (2002) conclui que o pensamento autoritário torna uma
comunicação à partida impossível. O relativismo abdica de maneira prematura um
diálogo comunicativo quando não se é verificado uma coincidência no conteúdo. A
meta do discurso filosófico é o alcance de um consenso intersubjetivo, e, nesse sentido,
a busca da verdade.

Na era cibernética e na pós-modernidade, os homens continuam a partilhar entre


si, livres da coação e violência, a fim de chegar até a si mesmos. A pós-modernidade
também encerra uma advertência no sentido de não levarmos tão longe a racionalidade
técnica, a qual nos faz esquecer do homem e dos seus anseios mais fundamentais.

Immanuel Kant

Como já mencionado, Kant possui relações com o direito e a liberdade da humanidade,


uma vez que toda filosofia do direito, toda dogmática jurídica contemporânea, está
sob a influência kantiana de modo bastante profundo. Mas esse pensamento está mais
voltado à crítica que Kant faz ao conhecimento do que à teoria do direito em si.

É preciso ter bem presente o que Kant demonstrou, o que ele refutou
e até que ponto se estende a sua argumentação. Ele provou não ser
possível deduzir o conteúdo de uma metafísica – de um direto natural
– simplesmente a partir de princípios formais aprioristicos, sem
recorrer ao empírico, e que, por isso, uma metafísica com conteúdo
jamais poderá ter validade universal e ser matematicamente exata.
Desse modo, foi rejeitada a pretensão de se poder fundar, a partir da
“natureza”, um direito natural com um conteúdo inequívoco igual para

60
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

todos os homens e para todos os tempos. Esta descoberta de Kant é


incontornável (KAUFMANN, 2002, p. 98).

Diante desse pensamento, está claro que a Declaração dos Direitos Humanos do mundo
contemporâneo contém bases da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
séculos atrás, mas que não significa que esta terá os mesmos efeitos daqui a décadas ou
séculos, e por isso o autor usa o adjetivo incontornável.

Figura 10 - Immanuel Kant.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/aOo2SC>. Acesso em: 18 maio 2016.

Kant traz uma nova revolução ética18, um mundo de forças e choques, infinito, sem
limites no espaço e no tempo. Não ser mais como modelo moral. Kant apoia-se no artigo
4 da Declaração de 1789, “ao formular o seu princípio geral do direito, segundo o qual
toda ação é equitativa, quando sua máxima permite uma convivência entre liberdade
de arbítrio de cada um e a liberdade de todos, conforme uma lei geral” (HABERMAS,
2012, p. 114).

E aqui existem profundas ligações com a questão social:

Conceito da lei explicita a ideia do igual tratamento, já contida no


conceito do direito: na forma de leis gerais e abstratas, todos os sujeitos
têm os mesmos direitos. Tais determinações conceituais esclarecem
por que o direito moderno se adequa especialmente à integração social
de sociedades econômicas que, em domínios de ação neutralizados
do ponto de vista ético, dependem das decisões descentralizadas de
sujeitos singulares orientados pelo sucesso próprio. Porém o direito
não pode satisfazer apenas às exigências funcionais de uma sociedade
complexa, devendo levar em conta também as condições precárias
18 Já bastante tratado nos materiais de Ética Moderna e Ética Contemporânea.

61
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

de uma integração social que se realiza, última instância, através das


realizações de entendimento de sujeitos que agem comunicativamente,
isto é, através da aceitabilidade de pretensões de validade (HABERMAS,
2012, p. 114).

Falamos adiante sobre as concepções habermasianas dos direitos humanos e sua tão
marcante filosofia comunicativa.

No plano moral, a Declaração dos Direitos do Homem (1789) instala o homem no


centro do mundo. Princípio da igualdade de todos os seres humanos (humanismo).
Rousseau afirma que a ação verdadeiramente moral é a ação desinteressada.
Libertar-se da lógica das tendências naturais que nos leva ao egoísmo.

Insistência no ideal do bem comum: na universalidade das ações morais, entendidas


como: superação dos exclusivos interesses particulares.

Moral do dever está ligada à liberdade – ação desinteressada – preocupação com o


interesse geral. Em Kant, a moralidade deve se expressar sob formas de ordens
indiscutíveis, ou seja, de um imperativo categórico: lutar contra o egoísmo
natural em nós.

»» Se fôssemos naturalmente bons, não haveria necessidade de recorrer a


ordens imperativas.

»» Há que se fazer um esforço para melhorar e progredir.

»» É na direção do universal, no reconhecimento do outro, que nos elevamos.

É uma Ética Meritória, pois todos temos dificuldades em realizar nosso dever em seguir
os mandamentos da moral. Kant afirma que se trata apenas de Boa Vontade.

No Humanismo moderno, de acordo com Luc Ferry (2012), tanto no plano moral, quanto
político ou jurídico é a vontade dos homens, desde que eles aceitem se restringir a si
mesmos, estabelecer seus limites, compreendendo que: a liberdade de cada um deve,
às vezes, terminar onde começa a do outro. É apenas dessa limitação voluntária de
nossos infinitos desejos de expansão e conquista que pode nascer a relação pacífica
entre os homens.

A vontade livre, segundo Kant, seria o reino dos fins, ou seja, os seres humanos serão
tratados como fins, não como meios, produzidos pela vontade livre. Mundo da vontade,
não mais da natureza. O homem por excelência digno de respeito.

62
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

[...] não se pode perder de vista que, com o princípio da autonomia moral
da pessoa, Kant deu um contributo, muito significativo, para
a fundamentação filosófica dos direitos humanos (apesar de
não existir um direito natural objetivo, existem, sim, direitos subjetivos
«naturais», inatos ao homem por igual). O conteúdo mínimo do estado
de direito indispensável e indisponível, que encontramos, hoje, nos
catálogos dos direitos fundamentais das nossas constituições, é herança
kantiana (KAUFMANN, 2002, p. 100, grifos nossos).

Ainda há muito o que se falar nas eras pós-kantianas, porém o espaço não nos
permitiria, destarte sugerimos as leituras complementares presentes no tópico
final deste material: para (não) finalizar.

63
Capítulo 4
Habermas e os Direitos Humanos: da
modernidade à contemporaneidade

Da Modernidade à Contemporaneidade dos


Direitos Humanos
O direito moderno, de acordo com Habermas, tira dos indivíduos o peso das normas
morais e acaba transferindo para as leis que dão garantias à compatibilidade das
liberdades de ação, obtendo, com efeito, sua legitimidade por meio de um processo
legislativo ao qual se apoia no princípio da soberania do povo.

Com ajuda dos direitos que garantem que os cidadãos tenham pleno exercício e
autonomia política, Habermas enxerga a possibilidade de explicar o paradoxo do
surgimento da legitimidade a partir da legalidade. Então, ele responde à pergunta: por
que se trata de um paradoxo?

Porque esses direitos dos cidadãos têm, de um lado, a mesma estrutura


de todos os direitos, os quais abrem ao indivíduo esferas da liberdade
de árbitro. Mesmo sem levar em conta as diferenças nas modalidades
de uso desses direitos, os direitos políticos também devem poder ser
interpretados como liberdades de ação subjetivas, as quais simplesmente
fazem do comportamento legal um dever, portanto liberam os motivos
para um comportamento conforme as regras. De outro lado, o processo
legislativo democrático precisa confrontar seus participantes com
as expectativas normativas das orientações do bem da comunidade,
porque ele próprio tem que extrair sua força legitimadora do processo
de um entendimento dos cidadãos sobre regras de sua convivência.
Para preencher a sua função de estabilização das expectativas nas
sociedades modernas, o direito precisa conservar um nexo interno com
a força socialmente integradora do agir comunicativo (HABERMAS,
2012, p.115, grifo do autor).

Para o filósofo e sociólogo alemão, tanto em um caso, como em outro, existem


dificuldades que podem ser explicadas, não apenas por meio das premissas da filosofia
da consciência, porém é possível também por meio da extração metafisica do direito
natural (tratado no início do capítulo sobre a “Cronologia dos Direitos Humanos”).
Isto é, partindo-se de uma subordinação do “direito positivo” ao “direito natural ou

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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

moral”. Contudo, “o direito positivo e a moral pós-convencional desenvolveram-se


co-originalmeme a partir das reservas da eticidade substancial em decomposição”.

Com bastante frisado até este ponto de nosso material, Habermas também trata das
grandes influências da filosofia Idealista para o direito, quando ele fala da autonomia
privada e pública, direitos humanos e soberania do povo. O valor inseparável conferido
ao direito privado cresce, à medida em que a reflexão progride. Para Habermas (2012,
p. 116), “‘o direito no sentido subjetivo’ é legítimo por si mesmo, porque ele, partindo
da invulnerabilidade da pessoa, da aplicação livre da vontade individual, garante ‘uma
região de dominação independente’ ”.

Figura 11 - Jürgen Habermas.

Imagem disponível em: <https://goo.gl/6qqUdt>. Acesso em: 18 maio 2016.

Habermas informa que o direito é essencialmente um direito subjetivo: “O direito é o


reconhecimento da liberdade que advém em igual medida aos homens como sujeitos
que detêm o poder da vontade”. E continua:

Nesta linha de interpretação, direitos subjetivos são direitos


negativos que protegem os espaços da ação individual, na medida
em que fundamentam pretensões, reclamáveis judicialmente, contra
intervenções ilícitas na liberdade, na vida e na propriedade. A autonomia
privada é a garantida, nessa esfera colocada sob proteção do dinheiro,
principalmente através do direito de fechar contratos, de adquirir,
herdar ou alienar propriedade (HABERMAS, 2012, p.117).

Com efeito, o século XIX, para Habermas, demonstrou que o direito privado apenas
teria possibilidade de legitimar-se por si mesmo durante o tempo em que a autonomia
privada dos sujeitos do direito se escorasse na autonomia moral da pessoa. O problema

65
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

maior foi que quando houve a perda da fundamentação Idealista da teoria moral
kantiana, automaticamente se perdeu o núcleo normativo de uma legítima liberdade
da vontade, a qual era natural sua necessidade de proteção.

Então o direito passou a se afirmar – e para isso Habermas se apoia em uma interpretação
positivista – “como a forma que reveste determinadas decisões e competências com a
força da obrigatoriedade fática”.

Direitos subjetivos valem, desde a época de Windscheid, como reflexos


de uma ordem jurídica, a qual transmite a indivíduos o poder de
vontade incorporada objetivamente nela: “Direito é um poder de
vontade ou dominação da vontade conferido pela ordem jurídica”. Mais
tarde, a interpretação utilitarista de Ihering, segundo a qual o proveito
e não a vontade constitui a substância do direito, é introduzida nesta
definição: “O direito subjetivo é conceitualmente um poder jurídico,
conferido ao indivíduo através da ordem jurídica, cujo fim consiste
em ser um meio para a satisfação de interesses humanos” A referência
ao gozo e ao interesse permitiu a extensão dos direitos privados
subjetivos aos direitos em geral. Eventualmente, resulta de um direito
subjetivo, não somente um direito de A a algo que está protegido contra
as intromissões de terceiros, mas também um direito, seja absoluto
ou relativo, à participação em realizações organizadas. Finalmente,
Hans Kelsen determina o direito subjetivo em geral como interesse
protegido, objetiva e juridicamente, e como liberdade de arbítrio
(ou “poder querer”, no sentido de Windscheid), assegurada objetiva
e juridicamente. Ao mesmo tempo, ele despe o direito objetivo das
conotações da teoria de Thon, até então influentes. Segundo Kelsen,
a autorização subjetiva é garantida através da vontade de um detentor
do poder e revestida de uma validade deontológica (Sollgeltung) - as
proposições do direito estabelecem liberdades de ação devidas. Esse
“dever-ser” é compreendido de modo empírico, não deontológico, como
a validade que o legislador político confere às suas decisões, acoplando
normas penais ao direito legislado. O poder de sanção estatal eleva a
vontade do legislador ao nível de “vontade do Estado” (HABERMAS,
2012, pp. 116-117).

Para o autor, a ruptura entre a pessoa natural e moral faz “o caminho da dogmática do
direito para uma interpretação puramente funcionalista dos direitos subjetivos”. Logo,
para ele, “a doutrina dos direitos subjetivos passa a ser domínio de um funcionalismo

66
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

do sistema que, por meio de decisões metódicas, te livra de todas as considerações


normativas”.

Embora a doutrina de Kant seja extremamente valiosa, Habermas encontra uma falha
no sentido de que o célebre filósofo não respondeu de maneira totalmente clara sobre
a legitimação de leis gerais, as quais deveriam fundamentar o sistema do egoísmo bem
ordenado. Ela também não deixa explícita a relação entre o princípio da moral, da
democracia e do direito.

Os três princípios exprimem, cada um à sua maneira, a mesma ideia


da autolegislação. Com esse princípio da autonomia, Kant reagiu à
tentativa frustrada de Hobbes de justificar a instauração de um sistema
de direitos burgueses sem o auxílio de argumentos morais, somente
a partir do autointeresse esclarecido dos participantes (HABERMAS,
2012, p. 122).

Mesmo assim Habermas depende que Kant se deu conta de que não há possibilidade
de que os direitos subjetivos sejam fundamentados de acordo com o modelo que
é extraído do direito privado. E por isso ele vai contra as concepções filosóficas de
Hobbes, levantando a objeção que convence Habermas, que é a de que Kant não levou
em consideração o que havia de diferente entre as figuras de (1) legitimação do contrato
de socialização e (2) o contrato privado.

Segundo Kant, os partidos não entregam a competência de legislar a


um soberano; o contrato social não tem, por sua natureza, um conteúdo
especial, pois ele constitui em si mesmo o modelo para uma socialização
sob o domínio do princípio do direito. Ele estatui performativamente
as condições sob as quais uma ordem legítima pode obter validade,
pois “o direito e a limitação da liberdade de cada um à condição de
sua concordância com a liberdade de todos, na medida em que esta é
possível segundo uma lei geral” (HABERMAS, 2012, p. 126).

Dentro desse ponto de vista, o contrato social presta um serviço voltado à


institucionalização do direito, intitulado até então como natural, a semelhantes
liberdades de ação subjetivas.

Habermas informa que Kant enxerga nesse direito humano primordial, que possui
suas bases fundamentais voltadas à autonomia de indivíduos morais (preliminarmente
dispostos, dentro de uma ótica social e de uma razão que executa o exame das leis), que
é possível fundamentar mediante de uma característica moral, e não somente por meio
da astúcia, a sua saída do estado de liberdades.

67
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

O filósofo do idealismo alemão, ainda segundo Habermas, percebe que o direito


humano tem a necessidade de ser diferenciado nos termos de um sistema de direitos,
por meio do qual tanto a liberdade de cada membro da sociedade (enquanto ser
humano), quanto a igualdade de uns para com os outros (enquanto súdito) são
assumidos como uma figura positiva. Assegurado por meio de leis públicas que apenas
têm a possibilidade da pretensão de legitimidade enquanto ato da vontade pública dos
cidadãos tanto em caráter de união de uns para com os outros, quanto da autonomia
individual de cada ser.

Uma vez que a pergunta acerca da legitimidade das leis que garantem
a liberdade precisa encontrar uma resposta no interior do direito
positivo, o contrato da sociedade faz prevalecer o princípio do direito,
na medida em que liga a formação política da vontade do legislador a
condições de um procedimento democrático, sob as quais os resultados
que apareceram de acordo com o procedimento expressam per se a
vontade consensual ou o consenso racional de todos os participantes.
Dessa maneira, no contrato da sociedade, o direito dos homens a iguais
liberdades subjetivas, fundamentado moralmente, interliga-se com o
princípio da soberania do povo. Os direitos do homem fundamentados
na autonomia moral dos indivíduos, só podem adquirir uma figura
positiva através da autonomia política dos cidadãos. O princípio do
direito parece realizar uma mediação entre o princípio da moral e o da
democracia (HABERMAS, 2012, p. 127).

Logo, “os direitos do homem, fundamentados na autonomia moral dos indivíduos,


só podem adquirir uma figura positiva através da autonomia política dos cidadãos”.
Contudo, retomando as críticas à Kant, Habermas trata que o princípio do direito
aparentemente realiza uma intermediação entre o princípio da democracia e o da
moral; não está totalmente clara a ideia de como esses dois princípios se comportam
mutuamente de maneira recíproca.

Nesse contundente posicionamento, bastante específico em defender e criticar as


questões dos direitos humanos em concepções filosóficas e sociológicas na modernidade,
Habermas sustenta que não é de modo algum viável a ideia de que é preciso entender
que o idealismo é uma fase superada da história e da estrutura política contemporânea,
uma vez que seu caráter voltado à soberania do povo em quesitos democráticos de um
Estado de direito possui profundo de interesses históricos e é reflexo da tensão entre
facticidade e validade, entre a positividade do direito e a legitimidade pretendida por
este, as quais são vistas no próprio direito. Logo, de modo algum nessa atenção, deve
ser olvidada nas questões políticas contemporâneas.

68
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Habermas lembra também que o direito natural cristão, ao qual reflete o ethos da
sociedade global, ultrapassa as camadas da população, fazendo a ligação das diferentes
ordens sociais. Ele cita as concepções filosóficas cristãs de Tomás de Aquino, Kierkegaard
e outros cristãos influenciadores da moral e do direito.

Em síntese, a exigência abstrata de uma apropriação consciente e


autocrítica, de aceitação responsável da própria história de vida individual,
insubstituível e contingente, substitui cada vez mais as instruções
exemplares para uma vida virtuosa e os modelos bem-sucedidos
de conduta de vida, recomendados para imitação [...]. A irrupção
da reflexão em histórias de vida e tradições culturais promove o
individualismo dos projetos de vida individuais e um pluralismo de
formas de vida coletivas. Ao mesmo tempo, as normas da convivência
tornam-se reflexivas e impõem-se orientações de valores universalistas
[...]. Ao mesmo tempo, cresce a necessidade de legitimação, a qual,
sob condições do pensamento pós-metafísico, só pode ser satisfeita
através de discursos morais. Estes estão voltados ao regulamento
imparcial de conflitos de ação. Ao contrário das considerações éticas,
que estão orientadas pelo telos de minha e/ou nossa vida boa ou
não fracassada, as considerações morais exigem uma perspectiva
distanciada de todo ego ou etnocentrismo. Sob o ponto de vista moral
do igual respeito por cada um e de uma consideração simétrica dos
interesses de todos, as pretensões normativas de relações interpessoais
legitimamente reguladas passam a ser problematizadas. No horizonte
de uma fundamentação pós-tradicional, o indivíduo singular forma
uma consciência moral dirigida por princípios e orienta seu agir pela
ideia da autodeterminação. A isso equivale, no âmbito da constituição
de uma sociedade justa, a liberdade da política do direito racional, isto
é, da autolegislação democrática (HABERMAS, 2012, pp. 129-131).

A legitimidade do poder administrativo: o Estado Democrático de Direito em


Jürgen Habermas.

Disponível em: <http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1210.pdf>.

Habermas e os Direitos Humanos


Segundo Jürgen Habermas, a Filosofia sempre buscou princípios racionais para explicar
o mundo, tendo assim a razão como seu tema fundamental. E é justamente na razão que

69
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

os Direitos Humanos são pautados. Na razão de que o homem, por ser um ser racional
e dotado de sensibilidade, capaz de se relacionar com os seus demais e de se adaptar ao
meio em que vive, deva possuir direitos inatos à sua existência e inerentes à sua pessoa.

De acordo com Habermas (2012), os “direitos humanos e o princípio da soberania do


povo formam as ideias em cuja luz ainda é possível justificar o direito moderno e isso
não é mera casualidade”.

À medida que são diferenciadas as questões éticas e morais (obviamente por meio de
uma filtragem discursiva, nas concepções habermasianas), a substância normativa
encontra a sua expressão na dimensão da autorrealização e da autodeterminação. Com
efeito, Habermas está certo de que os direitos da soberania do povo não estão à mercê
dessas duas dimensões.

As tradições políticas surgidas nos Estados Unidos e caracterizadas


como liberais e republicanas interpretam os direitos humanos como
expressão de uma autodeterminação moral e a soberania do povo
como expressão da autorrealização ética. Nessa perspectiva, os direitos
humanos e a soberania do povo não aparecem como elementos
complementares, e sim concorrentes (HABERMAS, 2012, p. 133).

Habermas prossegue em sua obra “Direito e democracia: entre facticidade e validade”


(e aqui estamos utilizando a segunda edição, de 2012), afirmando que Rousseau não
consegue entender a prática da autolegislação. Para ele, tudo indica que o conteúdo
normativo dos direitos humanos não pode ser oriundo na gramática de leis gerais e
abstratas como o é nos pensamentos de Rousseau.

O sentido de igualdade do conteúdo do direito, contido na pretensão de legitimidade


do direito moderno, não pode ser evidenciado de maneira suficiente por meio das
qualidades lógico-semânticas de leis gerais. Para o filósofo alemão, a forma gramatical
de mandamentos que são universais não tem nada a dizer sobre a sua validade.

Logo, em Habermas, temos que nem Kant tampouco Rousseau conseguem descobrir o
nexo interno entre os direitos humanos e a soberania do povo, que, para ele, “reside no
conteúdo normativo de um modo de exercício da autonomia política, que é assegurado
por meio da formação discursiva da opinião e da vontade, não através de formas das
leis gerais” (HABERMAS, 2012, p. 137, grifos do autor).

No caso de Kant, o problema não está em contar com um princípio moral,


unicamente a partir do qual se poderia avaliar se o que é bom para nós é
do interesse simétrico da cada um. O ponto de vista moral, dado com o
imperativo categórico, permite a fundamentação racional do conteúdo

70
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

normativo dos direitos humanos. O problemático, para Habermas,


reside no fato de a consideração moral já decidir previamente quais
poderiam ser os direitos humanos em termos de direito natural privado,
que apenas aguardam sua positivação por leis públicas. Mesmo que
eles possam ser alcançados posteriormente, no interior da construção
do contrato originário, o sentido do procedimento democrático perde
igualmente em radicalidade, se a orientação normativa é, por assim
dizer, já introduzida de fora da própria práxis legislativa e acatada pelos
cidadãos. De certo modo, essa práxis apenas justificaria o que é desde
sempre já justificado (REPA, 2013).

Habermas elucubra esta questão da seguinte maneira: se é possível formar apenas


num sujeito singular a vontade racional, segue-se que a autonomia moral dos sujeitos
singulares necessariamente precisa passar por meio de uma autonomia política da
vontade de todos de maneira uníssona, objetivando a garantia antecipada, por meio do
direito natural, autonomia privada de cada um.

Enquanto se é possível formar apenas em um sujeito superdimensionado (seja de um


povo ou ainda de uma nação) a vontade racional, segue-se que a autonomia política
precisa ser compreendida como “a realização autoconsciente da existência ética de uma
comunidade concreta”; e autonomia privada apenas possui a proteção contra o poder
que a subjuga da autonomia política por meio da forma não discriminadora de leis
gerais.

Entretanto, para ele, se discursos constituem o lugar onde é possível a formação de


uma vontade racional, a legitimidade do direito de se escorar em um arranjo, por
conseguinte, comunicativo.

Em decorrência disso – e aqui Habermas deixa mais claro ainda seu raciocínio – o tão
sonhado nexo interno entre os direitos humanos e a soberania do Povo apenas será
estabelecido, “se os sistemas dos direitos apresentar as condições exatas sobre as quais
as formas de comunicação [..] podem ser institucionalizadas juridicamente”.

Por fim:

Os sistemas dos direitos não podem ser reduzidos a uma interpretação


moral dos direitos, nem é uma interpretação ética da soberania do povo,
porque autonomia privada dos cidadãos não pode ser sobreposta e
nem subordinada à sua autonomia política. As instituições normativas,
que unimos aos direitos humanos e à soberania do povo, podem
impor-se de forma não reduzida no sistema dos direitos, se tomarmos

71
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

como ponto de partida que o direito às mesmas liberdades de ação


subjetivas, enquanto direito moral não pode ser simplesmente imposto
ao legislador soberano como barreira exterior, nem instrumentalizado
como requisito funcional para seus objetivos. A cooriginariedade da
autonomia privada e pública somente se mostra quando conseguimos
decifrar o modelo da autolegislação através da teoria do discurso, que
ensina serem os destinatários simultaneamente os autores de seus
direitos. A substância dos direitos humanos insere-se, então, nas
condições formais para a institucionalização jurídica desse tipo de
formação discursiva da opinião e da vontade, na qual a soberania do
povo assume figura jurídica (HABERMAS, 2012, pp. 138-139).

O papel dos direitos humanos na filosofia prática de Habermas. Disponível


em: <http://goo.gl/Q7MQSX>.

Habermas: os fundamentos do estado democrático de direito. Disponível


em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31732009000100008>.

Normas: o estabelecimento dos direitos humanos. Disponível em: <http://


dx.doi.org/10.1590/S0101-31732013000400009>.

A fundamentação moral dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802011000200007>.

Democracia e direitos humanos na sociedade aberta democrática.


Disponível em: <http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0041-86332011000200002>.

As definições teóricas de direitos humanos de Jürgen Habermas: o princípio


legal e as correções morais. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
31732013000400007>.

A cooriginariedade entre direitos humanos e soberania popular: a crítica de


Habermas a Kant e Rousseau. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
31732013000400008>.

72
Capítulo 5
Sociologia, Democracia, Cidadania e
os Direitos Humanos

Direitos Humanos, Cidadania e Sociedade


De acordo com Castro (2001), os direitos civis referem-se às pessoas, suas relações,
seus bens. Enquanto os direitos políticos estão relacionados à participação do poder
público, são eles que definem a cidadania. Os direitos sociais, por sua vez, compreendem
o bem-estar econômico e a seguridade, isto é, garantias sociais, econômicas, culturais,
morais e de lazer.

Direitos Definição

São os direitos de que os indivíduos dispõem para regular suas próprias relações recíprocas. Compreendem as
Civis
liberdades individuais de expressão, reunião, imprensa, associação.

Políticos Direito de participar do poder político, isto é, votar e ser votado. A máxima expressão é o sufrágio universal.

Sociais Referem-se à seu acesso, ao bem-estar econômico e à seguridade.

Fonte: Castro (2001, p. 175).

Os Direitos Humanos “foram proclamados universais, diante da existência de valores


constitutivos de um núcleo comum, ao qual se reportam: a dignidade humana”
(BRAGATO, 2006).

Nesta relação direita ao ser humano, pode afirmar que os direitos humanos são uma
exigência da própria raça humana para garantir a autonomia e o livre desenvolvimento
dos seres humanos. “Portanto, os direitos humanos se referem à condição humana
em si, independentemente de características culturais, econômicas, sociais,
nacionais, religiosas e outras, situando-se no domínio de uma antropologia abstrata”
(BRAGATO, 2006).

Para Noberto Bobbio, “os Direitos do homem são indubitavelmente um fenômeno


social”. A noção de Direitos Humanos, como vimos, está firmemente arraigada, desde
suas origens às concepções filosóficas e existências da liberdade. Contudo, para Bobbio,
nem sempre o aumento da liberdade significa integralmente algo bom, tal como nem
sempre o aumento do poder é um mal.

Bobbio (2004) ressalta aqui, dentre os diversos pontos de vista examinados, que existe
espaço fundamental dos direitos humanos no estudo da sociologia jurídica.

73
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

Ele afirma que a multiplicação desses conceitos se deu por três motivos principais:

1. Pelo fato de ter aumentado a quantidade de bens que são considerados


merecedores de tutela;

2. Em decorrência da extensão da titularidade de alguns direitos típicos e


sujeitos diversificados do homem;

3. Em virtude de o próprio homem não ser mais considerado como ente


genérico, ou homem em abstrato, porém analisado de maneira específica
ou concreta de suas variadas maneiras de ser em sociedade: criança,
velho, doente etc.

Bobbio (2004, pp.84-85) complementa:

Bem entendido, esse processo de multiplicação por especificação ocorreu


principalmente no âmbito dos direitos sociais. Os direitos de liberdade
negativa, os primeiros direitos reconhecidos e protegidos, valem para
o homem abstrato. Não por acaso foram apresentados, quando do seu
surgimento, como direitos do Homem. A liberdade religiosa, uma vez
afirmada, foi-se estendendo a todos, embora no início não tenha sido
reconhecida para certas confissões ou para os ateus; mas essas eram
exceções que deviam ser justificadas. O mesmo vale para a liberdade de
opinião. Os direitos de liberdade evoluem paralelamente ao princípio
do tratamento igual. Com relação aos direitos de liberdade, vale o
princípio de que os homens são iguais (BOBBIO, 2004, pp. 84-85).

Bobbio lembra-nos bem que no estado da natureza de Locke, um dos grandes filósofos
inspiradores das declarações de Direitos do Homem e do Cidadão, está peremptoriamente
presente a noção de igualdade, a qual é compreendida que todos são iguais no gozo da
liberdade, tal como presente no artigo primeiro da Declaração Universal. “Direito” é
uma figura deôntica e, portanto, é um termo da linguagem normativa, ou seja, de uma
linguagem na qual se fala de normas e sobre normas.

Bobbio também ressalta que tal universalidade, quando se pensa no eventual gozo dos
direitos de liberdade, não é válida para os direitos sociais, tampouco para os direitos
políticos, visto que, perante eles, os homens somente são iguais em termos genéricos,
mas não específicos.

Com relação aos direitos políticos e sociais, existem diferenças de grupos de indivíduos
para grupos de indivíduos. Existem tratamentos desiguais em todas as esferas e setores
da humanidade, e isso se dá com a maior frequência possível.

74
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Contudo, a sociologia do direito e a sociologia em geral possuem firmes fundamentos


históricos que fazem acreditar que cada vez mais as desigualdades em termos de direitos
se tornarão homogêneas, obviamente isso não é nada garantido, porém, em quesitos
de sociedade e de sua correlação com os direitos do homem, ela vem se amoldando
à medida que se avança na história, contribuindo de modo cada vez mais específico
aprofundado neste problema.

Para Bobbio, as declarações dos direitos não são mais do que meros enunciados
filosóficos, portanto sociologia e filosofia estão intrinsecamente ligadas a todas as
questões relacionadas aos direitos humanos.

A sociedade se torna cada vez mais igualitária, pois as exigências da hipótese racional
de análise comportamental real da igualdade e da liberdade dos direitos aumentaram
significativamente e prossegue em aumentar.

Enquanto a relação entre mudança social e nascimento dos direitos de


liberdade era menos evidente, podendo assim dar vida à hipótese de
que a exigência de liberdades civis era fundada na existência de direitos
naturais, pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente
de qualquer consideração histórica, a relação entre o nascimento
e crescimento dos direitos sociais, por um lado, e a transformação
da sociedade, por outro, é inteiramente evidente. Prova disso que as
exigências de direitos sociais se tornaram tanto mais numerosas quanto
mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade (BOBBIO,
2004, p. 90).

O autor ainda traz um contexto insofismavelmente contemporâneo, que é o da questão


ambiental:

E o que dizer dos movimentos ecológicos e das exigências de uma maior


proteção da natureza, proteção que implica a proibição do abuso ou do
mau uso dos recursos naturais, ainda que os homens não possam deixar
de usá-los? [...]. Numa sociedade em que só os proprietários tinham
cidadania ativa, era óbvio que o direito de propriedade fosse levado a
direito fundamental; do mesmo modo, também foi algo óbvio que, na
sociedade dos países da primeira revolução industrial, quando entraram
em cena os movimentos operários, o direito ao trabalho tivesse sido
elevado a direito fundamental. A reivindicação do direito ao trabalho
como direito fundamental — tão fundamental que passou a fazer parte
de todas as Declarações de Direitos contemporâneas — teve as mesmas
boas razões da anterior reivindicação do direito de propriedade

75
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

como direito natural. Eram boas razões que tinham suas raízes na
natureza das relações de poder características das sociedades que
haviam gerado tais reivindicações e, por conseguinte, na natureza
específica historicamente determinada — daquelas sociedades
(BOBBIO, 2004, p. 91).

Tão logo vejamos com mais calma este ponto tão importante na figura de Bobbio, o
direito ambiental.

O Direito Humano ao ambiente


ecologicamente equilibrado
O Artigo 225 da Lei Maior (CF 1988), bastante conhecido por todos os profissionais da
área de meio ambiente, afirma que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de


uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Bobbio (2004, p. 84) traz que, nos movimentos denominados ecológicos, “está
emergindo quase que um direito da natureza a ser respeitada e não explorada, onde as
palavras ‘respeito’ e ‘exploração’ são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente
na definição e justificação dos direitos do homem”.

Segundo Pavan Sukhdev, economista do Deutsche Bank, líder de um estudo europeu


sobre ecossistemas, somente a devastação ambiental causa um prejuízo que fica em
torno de dois a cinco trilhões de dólares por ano. Esse economista alemão chegou a
esta conclusão estimando o valor dos serviços – como a absorção de gás carbônico e
a disponibilidade de água doce – oferecidos pelas florestas com os custos tanto do seu
deslocamento como da vida sem ambos.

E concluiu que a crise de crédito é praticamente insignificante se comparada à crise


ambiental. Mas a visão Alemã está muito à frente visão sul-americana e de muitos
países ao redor do globo.

O presidente da França Nicolas Sarkozy num simples telefonema a chanceler da


Alemanha Angela Merkel pactuou entre os dois países o Pacote Energia-Clima, o
qual preconiza que até o ano de 2030 as emissões de gases poluentes sejam reduzidas
em 40%, bem como 27% de toda a energia consumida seja renovável, bem como
eficiência energética de 15%.

76
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Pacote Energia-Clima
Objetivo Meta
Redução das emissões de gases de efeito estufa (baseando-se em 1990). 40%
Incorporação de energias renováveis (até 2030). 27%
Eficiência energética para as interconexões 15%

As causas dessas crises são praticamente idênticas, pois, em ambos, têm demandado
reparações por supostos débitos que nunca serão suficientes. Infelizmente, temos a forte
tendência de acreditar que nossos recursos ecológicos serão infindavelmente duráveis.

O que vemos ocorrer no sistema ambiental recentemente, um verdadeiro colapso de


ideais que estão fora de qualquer realidade matemática e prática. Simples e prático em
uma pequena reflexão: consideremos que uma população de peixes cresça 3% ao ano e
que o setor de pesca cresça 10% = colapso. Exatamente essa concepção que vemos no
setor do ambiente hodierno.

O caso mais prático para nós brasileiros é o tão comentado caso amazônico, um
crescimento econômico totalmente desorganizado e pronto para colapsar muito em
breve se nada for feito. A expansão desordenada é fruto também de todas as atitudes
irracionais que nela são tomadas, sem nenhum órgão realmente competente que credite
e esteja no controle de tais atos.

Por meio da Resolução 1990/41, de 6 de março de 1990, intitulada Direitos Humanos


e o Meio Ambiente, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas afirmou sua
preocupação com o aumento da degradação ambiental e claramente se posicionou
quanto a relação entre a preservação do meio ambiente e a promoção de direitos
humanos (ALMEIDA, 2002).

Informa Almeida (2002):

Desde então, o tema passou a ser especificamente analisado no seio das


Nações Unidas, focando-se na consideração das seguintes questões:
preocupação universal com a escala, a seriedade e a complexidade dos
problemas ambientais; necessidade de medidas nacionais, regionais
e internacionais apropriadas para solucionar tais problemas; relação
íntima entre os direitos humanos e o meio ambiente, ou seja, algumas
violações de direitos humanos são causas ou fatores de degradação
ambiental e a deterioração do meio ambiente, por sua vez, afeta o gozo
dos direitos humanos; e atenção maior aos problemas ambientais que
afetam os direitos humanos. Nesse contexto, as disposições e práticas
relativas à consideração do meio ambiente como direito humano
em âmbitos nacional, regional e internacional foram analisadas,

77
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

destacando-se os desenvolvimentos dos trabalhos nos órgãos de


direitos humanos das Nações Unidas, evidenciando uma aceitação de
direitos relativos ao meio ambiente, impondo deveres aos Estados e à
sociedade, assim como a adoção de instrumentos legais para exercício
desses direitos (ALMEIDA, 2002, pp. 92-93).

A exploração predatória de madeira e caça; desmatamentos; contaminação de lagos e


rios que prejudica toda uma várzea rica em biodiversidade, mangues e toda flora são
alguns dos poucos exemplos os quais sinalizam um sistema fadado à falência.

Como se não bastasse, o crescimento intensivo da China evidencia o alto risco do


crescimento da crise ambiental, é notório o conhecimento, mas salientamos que a
expansão da economia chinesa, com seus nada menos que 1,3 bilhões de habitantes,
representando quase 20% da população mundial (ou seja, para cada seis pessoas no
mundo, podemos dizer que há praticamente um chinês no meio!). A quantidade de
resíduos pela China é gigantesca (considere a média mundial de um quilo de lixo
produzido por dia e terá uma vaga noção da quantidade de resíduos gerados por países
chamados ‘continentais’). Obviamente quanto mais rico o país ou a região, maior a
quantidade de resíduos gerados.

O ar é prejudicado, a biodiversidade de espécies está cada vez mais extinta, a


contaminação de solos, rios e lagos agravada, desmatamento de árvore já é considerado
sinônimo de expansão dos grandes centros, caça e pesca predatória crescem em um
ritmo desordenado e desorganizado; por consequência, o direito humano de todos é
prejudicado.

A recente intensificação do processo de salinização das áreas irrigadas, somada a


todo o colapso da economia mundial, exigirá cada vez mais do setor ecológico e do
meio ambiente em geral, havendo sérios ceticismos de uma melhora progressiva e
significativa.

A humanidade, em larga escala, ainda dentro desta cosmovisão antropocêntrica,


considera sagazmente o meio ambiente, seu habitat natural e tudo o que nele
naturalmente há como res nullius (coisas de ninguém) antagonizando qualquer noção
sadia de sociedade, economia e direito do ambiente ao não adotar o conceito de res
communes omnium (coisas comum a todos), terminologias utilizadas por Milaré (2011,
pp. 249-306). Destarte, deflagra-se um consenso entre todos e alastra-se como uma
chama nas mentes dantes preocupadas com seu oikos (casa), independentemente se
outrem possui a mesma dedicação ou não.

78
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Em economia verde, esta ideia surge como uma verdade inerente ao plano do homem
como consumidor capitalista, uma vez que pesquisas do setor aferem números
específicos. No livro “Economia Verde”, de Joel Makower (MAKOWER, 2009), são
dados os números sobre o tema:

Pesquisas de 2008 apontam que 64% dos consumidores em todo o


mundo dizem estar dispostos a pagar um preço mais alto – em média
11% a mais – por produtos e serviços que produzem menores emissões
dos gases de efeito estufa, de acordo com um estudo da Accenture.
Entretanto, dos 63% que se dizem “muito preocupados” com os efeitos da
mudança climática ou aquecimento global, dois terços não sabem como
a maior parte da eletricidade é produzida, de acordo com outro estudo
do Shelton Group Energy Pulse, e ainda, menos de 4% conseguiram
apontar corretamente a produção de eletricidade pela queima de
carvão como a maior responsável pela alteração climática. 37% dos
consumidores sentem-se “altamente preocupados” com o ambiente,
mas apenas um em cada quatro se acha amplamente consciente de tais
problemas [...]. Somente 22% acham que podem fazer diferença quando
se trata do ambiente (MAKOWER, 2009, pp. 33-36).

O crescimento econômico impacta o meio ambiente, isso é um fato empírico, haja vista
o livro de Al Gore “Uma Verdade Inconveniente”. Segundo Thomas e Callan (2010, p.
485), o crescimento populacional mundial se dá em torno de 1,7% ao ano, “os dados
implicam que o resultante impacto ambiental por unidade de renda precisa diminuir a
um índice entre 3,5% e 4% ao ano para evitar mais população e exaustão dos recursos
naturais”, de acordo com os autores, dá-se a relação entre crescimento populacional,
aumento da renda e meio ambiente em determinado tempo, abaixo:

Renda Impacto Ambiental


Impacto Ambiental = X X População
População Renda

Logo após a Assembleia Geral das Nações Unidas adotar a Declaração sobre Direito
ao Desenvolvimento, Almeida (2002) expõe que a Declaração afirma que o direito ao
desenvolvimento é um direito humano inaliável e que a pessoa humana é o sujeito central
do desenvolvimento, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em
março de 1987, voltou-se à análise da relação entre desenvolvimento e meio ambiente,
introduzindo o conceito de desenvolvimento sustentável, cuja definição é:

A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o


desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual,
sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras

79
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o


futuro.19

A Declaração e o Programa de Ação adotados na referida Conferência Mundial sobre


Direitos Humanos de Viena (1993) falam diretamente da relação entre desenvolvimento,
meio ambiente e direitos humanos. Após reafirmar os princípios da Declaração sobre
Direito ao Desenvolvimento, preconiza, no parágrafo 11 da Parte I, que o direito
ao desenvolvimento deve ser realizado de forma a satisfazer equitativamente às
necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras
(ALMEIDA, 2002).

Os históricos dos pensamentos legislativos e ativistas também não serão


descartados, uma vez que a Eco-92, a Agenda 21, a Declaração do Rio sobre
o Meio ambiente, a Convenção de Estocolmo, o Protocolo de Montreal e suas
respectivas emendas, o marco histórico criado pelo Protocolo de Kyoto, dentre
outros tratados e acordos internacionais que alteraram significativamente o
modo de ver o meio ambiente pela indústria e pelo Estado, são importantes
processos que a humanidade passou com relação ao processo crescente, muito
embora lento para os padrões necessários, da preocupação ambiental.

Como não nos cabe falar de todos eles aqui em nosso material, fica mais uma dica
de estudos para o aluno proativo interessado. Obviamente a demanda de estudos
que se dá por trás de temas relevantes internacionais não caberia em livros de
grandes volumes, quanto mais em nosso material. Desse modo, a importância
de buscar informações relevantes fora aumentar seus conhecimentos sobre o
tema. Tais assuntos são facilmente encontrados em sites ambientais da Web.

Existem, de fato, diversos textos bilaterais e multilaterais no que tange ao arcabouço


ambiental. A partir de 1960, teve-se uma tentativa de sua definição jurídica no Direito
Internacional, valendo-nos mais estudar diretamente nestas palavras:

Apenas a partir de 21 de junho de 1993, data em que os Estados Partes


do Conselho Europeu e outros da Europa adotaram, em Lugano,
a Convenção Europeia sobre Responsabilidade Civil por Danos
Resultantes de Atividades Prejudiciais ao Meio Ambiente, motivada pela
necessidade de regulamentarem-se as relações de Estados que, no velho
continente, se encontram acobertados por um subsistema poderoso
de unificação/harmonização de normas internas e interestatais sobre
proteção ao meio ambiente (a Comunidade Europeia) e outros Estados
europeus (JÚNIOR; MOISÉS, 1999).
19 Disponível em <http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/questoes_ambientais/desenvolvimento_sustentavel/>. Acesso
em: 30 maio 2016.

80
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

O direito internacional do meio ambiente e o greening da Convenção


Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: <http://dx.doi.
org/10.1590/S1808-24322013000100008>.

A convergência entre a proteção ambiental e a proteção da pessoa humana


no âmbito do direito internacional. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
S0034-73292007000100007>.

Além dos humanos: reflexões sobre o processo de incorporação dos direitos


ambientais como direitos humanos nas conferências das Nações Unidas.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832013000200011>.

As Tutelas Constitucional e Penal do Meio Ambiente. Disponível em:


<http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-
99112010000100006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>.

Uma nova tônica nos Direitos Fundamentais: acesso internacionalizado


de um Direito Fundamental. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1692-25302013000200005>.

81
Capítulo 6
Ética e os Direitos Humanos

A importância da Ética para os Direitos


Humanos
Primeiramente, é importante deixar claro que todas as noções éticas em Kant e no
Idealismo Alemão como um todo estão sobremodo tratadas em nossos materiais “Ética
Moderna” e “Ética Contemporânea”. Com efeito, discutiremos aqui uma abordagem em
paralelo, porém não acentuada, de noções éticas históricas e filosóficas da ética, será
tratada com maior enfoque social.

Ética é o estudo, na filosofia, do que é certo ou errado, tem seus alicerces em princípios
fundados na reflexão da conduta dos seres humanos, tanto para o bem quanto para o
mal ao longo de sua existência. Dessa reflexão contínua, nasceram valores considerados
universais e que os indivíduos se impõem para bem viver em sociedade.

Enquanto a ética tem origem grega, as origens da moral são latinas,


com Aristóteles fazendo uma ponte entre ambas. Na “Ética a Nicômaco”
(ARISTÓTELES, 1979, pp. 1103-1117), ηθική› refere-se a hábitos, caráter,
tradições populares, costumes, portanto, à moral, e tem uma conotação
mais coletiva e social; ήθος› (com um “e” longo) refere-se à ética,
portanto, à moralidade, e tem uma dimensão pessoal e subjetiva. No uso
comum, a moralidade carrega elementos de moralismo, enquanto a ética
envolve uma dimensão de deliberação pessoal e de responsabilidade
subjetiva. A distinção de Hegel entre moralidade abstrata (Moralität) e
vida ética concreta (Sittlichkeit) se sobrepõe à distinção anterior, mas
não corresponde a ela. A ética grega trata do cultivo de virtudes e não de
imperativos categóricos e normas universais, que são uma herança do
estoicismo, do cristianismo e do kantismo (VANDENBERGHE, 2015).

Os Direitos Humanos são, além de uma questão social, jurídica e política, também uma
questão ética, pois, enquanto o Poder Judiciário protege contra a não violação desses
direitos, e os setores político e social buscam as formas mais fáceis de acesso do cidadão
a eles, cabe à ética a construção de um indivíduo mais solidário e justo. A questão da
ética e dos direitos humanos é fundamental para compreendermos como a ética pode
orientar as deliberações que dizem respeito aos direitos fundamentais do homem em
relação com sua cultura e com as normas internacionais.

82
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

[...] ética é uma disciplina teórica sobre uma prática humana, que é o
comportamento moral... A ética tem também preocupações práticas.
Ela orienta-se pelo desejo de unir o saber ao fazer. Como filosofia
prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a ética
busca aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que
deve ser (COTRIM, 2004, p. 264).

Desde que o homem se reconheceu dotado de razão e viu no outro seu semelhante,
a questão ética se faz presente. A partir daí, decorreu a preocupação com o modo de
pensar e agir corretamente, visando a preservar a vida e a dignidade da pessoa, e, para
tanto, era necessária uma convivência ética, reflexo da consciência individual e social
de cada momento histórico. O homem, enquanto ser social, produzindo e reproduzindo
suas relações com o meio e com o outro, projeta uma carga valorativa de um sobre o
outro. O que é ético para um também o deve ser para o outro.

Nessa perspectiva, os direitos humanos, pautados pela dignidade inerente de todo


homem, têm determinação ética e moral que definem as normas e os valores da
sociedade, relacionados com os aspectos culturais, sociopolíticos e econômicos de cada
momento. O desafio das culturas modernas, apesar da universalização, ao menos teórica
dos direitos humanos, reside na dificuldade da efetivação, na prática, desses direitos.
Garantir os direitos fundamentais, que em muito coincide com os direitos cidadãos,
exige compromisso ético de cada ser humano, da sociedade e do Estado.

Em razão das complexas estruturas do mundo moderno, a autonomia e a autossuficiência


de cada um já se não basta, é necessária a articulação social, não excluindo a essência
interior do homem, mas agregando a ela novos valores, sentidos e símbolos sociais.

Barroco (2006) defende que ética não trata apenas dos valores positivos, mas, também,
da reflexão acerca da negação desses valores, como a intolerância, o desrespeito ao
outro, a não liberdade, uma vez que a ética trata de compreender o movimento real
entre a afirmação e a negação dos direitos.

Para a autora, a ética tem um caráter universalizante porque sua razão de ser é exatamente
estabelecer a conexão entre a singularidade e a genericidade do homem. Barroco
(2006) pontua que o relativismo ético não é uma alternativa para o enfrentamento da
problemática entre os valores universais e os culturais de determinado povo, para o
relativismo ético “não é possível chegar a um acordo racional universal na discussão
dos princípios éticos, e, portanto, à impossibilidade de discernir, entre juízos morais
em conflito, qual é o correto” (ETXBERRIA, 2002 apud BARROCO, 2006).

83
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

Barroco (2006) sugere a defesa do universal como estratégia, ainda que a Declaração
de Direitos Humanos não possa ser tomada como um modelo ético-político perfeito,
uma vez que possui fundamentos que correspondem à cultura ocidental, cristã, liberal e
capitalista. Para a autora, a validade da Declaração sempre deverá ser medida pelo nível
de incorporação das diferentes culturas e de uma construção que estabeleça mediações
entre o particular e o humano genérico, por meio de movimentos mundialmente
articulados e representativos de toda a diversidade existente.

Em Segato (2006), temos posicionamentos que corroboram com Barroco (2006), ao


tratar que o direito moderno encontra-se em tensão com alguns costumes, não somente
no caso das sociedades “simples” ou “povos originários”, mas também no próprio
ocidente, em plena modernidade.

A autora afirma que, nos países islâmicos, o movimento dos direitos humanos é visto
como imposição dos valores ocidentais e símbolo da continuidade da hegemonia
política e cultural do Ocidente. A ética, nesse caso, seria o impulso que permite abordar
criticamente a lei e a moral, e considerá-las inadequadas: “a pulsão ética nos possibilita
não somente contestar e modificar as leis que regulam o “contrato” impositivo em que
se funda a nação, mas, também, distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer
e transformar os costumes das comunidades morais de que fazemos parte” (SEGATO,
2006, p. 222), ética que possibilitaria a revisão da moral que orienta os costumes e a lei
que os limita.

Outro ponto levantado por Segato é o fato de que a discriminação é combatida e criticada
somente em relação aos direitos civis e políticos e é tolerada como inevitável em relação
aos direitos econômicos, sociais e culturais. Para a autora, o anseio ético é o princípio
que pode promover a expansão desses direitos em um movimento universal.

Logo, é bastante corroborado, nesta reflexão, de que a ética está acima da lei (Declaração
Universal dos Direitos Humanos), e acima da moral dos povos e culturas; uma vez que
há pontos de tensão entre lei e moral, o que deve prevalecer é uma reflexão ética acerca
da questão, e a busca compartilhada do que é o certo encontrar um caminho entre o
coletivo e o particular.

A reflexão ética também possibilita o questionamento acerca dos motivos pelos quais os
direitos positivados de segunda e terceira geração ainda não estão ocorrendo na prática,
mesmo nos países do Ocidente, as desigualdades econômicas e sociais são imensas: o
sistema econômico capitalista dificulta a efetivação desses direitos.

A ética constitui o princípio motor dos direitos humanos, é a partir da reflexão ética
que podemos questionar os valores impostos pela lei e aqueles que ainda não foram

84
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

alcançados, encontrar meios para que a lei torne-se praticável e vias de diálogo com as
diferentes culturas e povos para que os Direitos Humanos sejam, de fato, universais.
Ribeiro (2003) afirma que ser ético é não ter respostas prontas, mas assumir o risco de
violar a lei, se preciso for, para buscar o melhor para a humanidade, e se tornar um ser
humano melhor.

Roberto Aguiar (2010) em seu artigo sobre Ética e Direitos Humanos, começa
desenvolvendo uma concepção de termos, visto que para o autor é necessário, primeiro,
compreender os termos e ideias envolvidas, a fim de não cair em ideias formalistas. O
autor inicia com a ideia de Heráclito teria superado Parmênides, sendo assim, as ideias
de transformações seriam superior as das essências imutáveis e fixas.

Para o autor, o ser humano é um ser no tempo, que nele se transforma e constantemente
se constitui. Portanto, é necessário compreender o papel do ser humano na historicidade
e compreender o papel do homem na sociedade. É necessária uma eliminação do
entendimento da sociedade como um todo harmônico, formado de individualidades. O
homem precisa pertencer a uma sociedade complexa, onde seus membros se atraem ou
se repelem em função de diversos fatores, como grupos e classes sociais. Para o autor,
as sociedades funcionam pela lógica das contradições, não pela lógica da identidade,
não sendo, assim, harmônicas.

Para Aguiar (2010), os direitos não podem se traduzir apenas em leis e códigos,
mas também seriam constituídos pelos conflitos da sociedade, que mostrariam as
transformações e avanços da humanidade. Sendo assim, é preciso ver o direito sob o
ângulo do contexto de sua origem, da forma que foi normatiza e de seus efeitos na
sociedade.

Ao se pensar no direito como um fenômeno complexo, principalmente quando se pensa


nas concepções do mundo e homem, ao “comparar” suas escolhas de condutas, sendo
algumas premiadas, e outras punidas, dependendo das concepções da sociedade que o
homem está inserido. Portanto, é importante verificar a dimensão ética ou antiética do
direito, dependendo do grupo social que o está analisando.

Aguiar (2010) também analisa a visão dos direitos humanos na história, afirmando que
o entendimento do tema no século XVIII na França não teria o mesmo significado de
tratar o tema no Brasil atual, visto que a sociedade atual, com as mudanças históricas,
vive novos problemas e novos entendimentos, que garantem um novo referencial para
os direitos humanos na sociedade.

A análise prossegue ao comparar os pensamentos gregos e romanos, onde compara


uma das fontes do que se entende hoje por direito natural, de origem grega, com a

85
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

definição de justiça, de origem romana. O autor oferece uma análise crítica ao modelo
romano, que traduziria a justiça como “viver honestamente, não lesar o outro e dar a
cada um o que é seu”.

No entanto, o que parece ser uma expressão edificante, na verdade seria uma estratégia
de exercício de poder. Para isto, Aguiar (2010) utiliza-se de figuras como Hitler e
Pinochet, afirmando que ao se pensar na expressão romana, poder-se-ia encontrar
justificativas para as ações desses ditadores.

O autor segue sua análise ao comentar sobre o surgimento da expressão cidadão nas
cidades-estados e avança para a Idade Média Feudal, onde, para o autor, o sentido
de direito e cidadania passa por um retrocesso. As leis humanas e naturais perderam
espaço para as leis divinas, o que teria trazido uma hegemonia ideológica e política
da igreja. É importante citar uma frase dita para o autor, sobre a questão ética nesse
período: “O campo ético estava apartado do ser humano, uma vez que era a vontade
divina o árbitro da justiça dos direitos” (AGUIAR, 2010).

Com o surgimento de uma nova classe, a burguesia, novos valores surgiram na


sociedade, que possibilitaram a reutilização do direito romano. O autor comenta, então,
a evolução dos feudos para a unificação dos primeiros estados-nação, governados por
reis absolutistas, que eram, no momento, a fonte única do direito, visto que “escolhidos
por Deus”. Para Aguiar (2010), esse é um momento único, em que o lucro passa a ser
visto como marca da virtude e como padrão de justiça.

Ocorre a evolução das relações sociais, com o enfraquecimento a partir do século XVII,
no qual o racionalismo e uma nova classe burguesa surgem. É um momento histórico
com diferentes revoluções, com foco na Revolução Francesa, que originou a Declaração
dos Direitos Humanos e que propiciou o aparecimento do Código Civil de Napoleão, em
1810, base para grande parte das legislações ocidentais, conforme já tratado.

Os valores éticos eram os da liberdade, sendo o ser humano entendido como um


indivíduo racional, portador de uma vontade livre. Esses valores eram usados de um
modo conforme a expressão ainda utilizada hoje, segundo a qual minha liberdade
termina onde começasse a liberdade do outro. Além disso, os valores éticos também
seriam os da propriedade, da segurança e da igualdade.

Com a Revolução Industrial, há o nascimento de novas relações sociais, já que, nessa


época, o lucro vinha da exploração da força de trabalho. Nesse cenário, há um conflito,
no qual existe o pedido dessa força de trabalho por direitos mínimos. Segundo o autor,
nessa época, os direitos não são mais de Deus, da natureza, do homem burguês ou da
Razão, e sim fruto da luta dos homens.

86
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Geralmente pensamos que a Revolução Industrial foi um acontecimento


que ocorreu na Inglaterra no fim do século XVIII, quando invenções
tais como a máquina a vapor, o tear mecânico e a máquina de fiar
provocaram o estabelecimento de um sistema fabril. Contudo, essas
invenções, apesar de importantes, eram apenas marcos de um processo
revolucionário que estava transformando todo o mundo com grande
rapidez. Esse processo foi adequadamente definido como “a grande
transformação – bem-sucedida, expansionista e irreversível”, e como “a
mudança mais fundamental, rápida e universal da história” (BIESANZ,
1972, p. 367).

Surge, então, a preocupação com os direitos humanos sociais, que mais tarde são
consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Na declaração, é
possível encontrar os novos valores éticos traduzidos por diferentes preocupações da
população, como condições justas e favoráveis ao trabalho, direito de governar e eleger,
entre outros.

Nesse cenário, a justiça passaria a ter como critério o reconhecimento entre os homens,
tendo a igualdade sendo analisada sobre as óticas social, econômica e política. A
cidadania é estendida a todos, sendo o ser humano, agora, o sujeito da história.

Aguiar (2010) conclui sua análise focando-se no termo ética. Para ele, é uma questão de
optar sobre valores que não admitem meio termo. A opção ética permite a participação,
enquanto cidadãos organizados, em que o poder político é centrado na coletividade.
Para o autor, essa é uma forma de constituir liberdade no processo histórico. Além
disso, afirma que os direitos só podem ser concretizados por uma ação ético-política.

Ética e Direitos Humanos, uma perspectiva


histórica
Segundo Bobbio (2004):

[...] os direitos de cidadania são construídos historicamente, ou seja,


nascidos em determinadas circunstâncias, “caracterizadas por lutas
em defesa de novas liberdades contra velhos poderes”. [...] Esta luta é
possível apenas no campo democrático, porém é necessário haver uma
política que proteja os direitos conquistados no decorrer da história
(BOBBIO, 2004, p. 5).

Ao empobrecer a ética, deixando-a apenas para o campo dos mandamentos dos códigos,
acabamos por admitir que o direito é somente um conjunto de leis de um dado Estado,

87
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

retiramos a ética do seu papel principal, de valorização do crescimento humano. Essa é


uma visão interessante do autor, que coloca a ética como principal, não somente para a
efetivação dos direitos, mas para sua própria valorização.

Kant demonstra a importância do respeito ao outro nas relações: “age de tal forma
que tu trates a humanidade, tanto na tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro,
sempre como um fim e nunca como um meio”, ou seja, fazer aos outros aquilo que se
deseja ser feito a nós mesmos. Para melhor compreensão disso, de maneira superficial,
é também necessário conceber a notória e talvez mais famosa concepção kantiana – o
imperativo categórico:

Kant desenvolve três formulações derivadas do imperativo categórico,


quais sejam: na primeira fórmula derivada, as máximas devem ser
escolhidas de maneira a poderem ser convertidas em leis universais
da natureza; a segunda fórmula derivada considera nas máximas a
humanidade do ser racional como um fim, jamais como um meio; a
terceira fórmula derivada considera as máximas na sua determinação
completa, ao enunciar que emanam da própria legislação do homem,
com o que se gera um reino de fins, o qual seria um reino da natureza.
Na teoria moral kantiana, o imperativo categórico não deriva da
experiência e impõe-se por si mesmo, e não pela finalidade que permite
agir. O imperativo categórico, cumprido ou não, sempre terá o caráter
de lei prática, sendo uma proposição construída por Kant, a qual impõe
ao sujeito um imperativo (uma máxima) que deve ser cumprido por
enunciar uma lei universal (HAMEL, 2011).

Kant diz ainda que a Ética é autônoma, ditada pela consciência moral e consiste em um
equilíbrio entre a lei e a liberdade, em que deveres e obrigações derivam da moralidade,
a qual ele chamou de imperativo categórico – ética da convicção. Weber, por sua vez,
afirmava que a Ética decorre da responsabilidade, que a pessoa é responsável por
seus atos, que ela analisa as circunstâncias contextuais (presente) e suas possíveis
consequências (futuro) para tomada de decisões, que seria uma solução pragmática.

Em Vandenberghe (2015), temos um olhar mais atencioso dos pensamentos weberianos:

Para Weber, os valores são meramente subjetivos e arbitrários; não


podem ser defendidos de modo objetivo e imparcial. Uma pessoa pode
impor os próprios valores pelo uso da força, de ardis ou da persuasão,
mas não por meio da razão prática, da argumentação racional, da
referência às leis naturais, sentimentos morais, senso de justiça ou
uma mistura desses [...]. Em Weber, a dupla expulsão dos valores e sua

88
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

redução a meros sentimentos e afetos seguem par a par com a expulsão


das emoções da razão e sua consequente redução a expressões de
preferência ou atitude. Em oposição a Weber e seus colegas emotivistas,
Barbalet (2001, pp. 29-61) argumenta que as emoções podem ser
racionais e demonstra que o funcionamento da razão instrumental
pressupõe o trabalho de “emoções de fundo” (como satisfação no
próprio trabalho, orgulho do próprio talento etc.) (VANDENBERGHE,
2015).

Para alguns, a questão sobre a Ética e suas reflexões surgiram na Grécia Antiga, com
seus pensadores, todavia, bem antes dos gregos, outras civilizações milenares, como a
egípcia, judaica, chinesa, hindu, entre outras, já consideravam as questões éticas em
suas relações sociais. O fato é que se atribui a Sócrates, Platão e Aristóteles o título de
fundadores da Ética, pois é a partir deles que se deu uma abordagem mais racional
sobre o tema, diferenciando a lei natural da lei humana. Para eles, de modo geral, a
Ética era essencial à formação do homem e da pólis para a vida em sociedade, a fim de
se alcançar a felicidade e, portanto, ética e política eram indissociáveis.

Na Idade Média, o direito e a moral tinham uma concepção divina, firmados pelos
regimes absolutistas e marcados pela submissão, o direito restrito a poucos, em especial,
o direito à propriedade. Com o Iluminismo, propaga-se o ideário de emancipação do
homem, os direitos humanos tendem a ser considerados como direitos naturais, inatos
a qualquer indivíduo. O sujeito iluminista era dotado de personalidade individual,
racional, sendo assim consciente e responsável por seus atos. Nesse ponto, a Ética e o
direito deslocam-se dos princípios religiosos, tornando-se decorrente da racionalidade
do homem.

A relação entre ética e direitos humanos reside intrinsecamente na ideia comum a ambas
de se resguardar e preservar a vida e a dignidade do ser humano. Tem sua percepção
condicionada ao tempo/espaço por múltiplos fatores de ordem econômica, política,
social e cultural, movidos por tensões, conflitos e movimentos no decorrer da história.
As lutas e os movimentos em prol dos direitos humanos tomaram formas diversas, em
sintonia com as muitas culturas e sistemas políticos-jurídicos.

Primeiramente, o direito à propriedade de Locke e Hobbes, seguido pelo direito à


liberdade de Kant, acrescidos pelos direitos políticos de Hegel e, enfim, pelos direitos
sociais de Marx (bastante confrontados até então).

Para Norberto Bobbio (2004, p. 30) – tal como já tratamos em alguma medida – “os
direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como
direitos positivos particulares, para finalmente encontrar sua plena realização como

89
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

direitos positivos universais”, diz ainda que o homem, como indivíduo, deve ser livre,
e como ser social, deve estar em relação de igualdade com os demais indivíduos. A
legitimação dos direitos dos cidadãos, os quais são desdobramento dos direitos
fundamentais.

Para legitimar a cidadania, é preciso haver igualdade de oportunidades, visando a uma


vida digna em que os direitos básicos sejam conquistados coletivamente e assegurados
juridicamente, que implica também comportamento ético e moral.

Com efeito, a importância da reflexão sobre a Ética nas relações individuais e coletivas
permite a construção de uma consciência social mais ampla, do compromisso com a
coletividade e com os problemas sociais, que não podem causar apenas indignação e
repulsa.

Barroco (2001, p. 56) destaca que, “quando a Ética não exerce esta função crítica, pode
contribuir, de modo peculiar, para a reprodução de comportamentos alienantes [...]
favorecendo a ideologia dominante”.

Na contemporaneidade, quanto à implementação e à efetivação dos direitos humanos,


percebe-se um conflito entre os valores consagrados universais e os textos legais e as
práticas político-jurídicas, na sociedade há uma descrença nas possibilidades objetivas
dos Direitos Humanos, ou seja, teoria e prática não se coadunam.

O direito, em muitas situações, é confundido com a lei, que, na verdade, deve ser uma
expressão sua. Portanto, para que sejam praticados os valores igualitários inscritos no
pensamento que norteia as sociedades liberais - de homens livres e iguais perante a
lei, por fim, cidadãos – pressupõem-se necessárias condições jurídicas e políticas que
possibilitem sua realização em amplitude universal, que busque superar a problemática
fundamentação versus efetivação.

Desse modo, os direitos humanos alinham-se e amoldam-se à sociedade, possuindo uma


dimensão também histórica, fundamentados a partir de problemas sociais, políticos e
econômicos, traduzindo o momento cultural de cada sociedade, seus valores éticos e
morais, suas tradições e costumes.

Os direitos humanos não precisam ser necessariamente compreendidos como


construção de uma sociedade abstrata de sujeitos individuais, mas das relações que se
desenvolvem entre os indivíduos, a sociedade e suas instituições.

Relações essas que são expressões do exercício e desenvolvimento da cidadania, para


melhor ou para pior. Nas democracias modernas, percebe-se um movimento pela
conscientização da sociedade civil quanto ao respeito pelos direitos fundamentais.

90
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II

Torna-se claro, diante dos muitos conflitos e das contradições motivados pelos choques
de interesses e diversidade dos grupos sociais, que a dignidade e a liberdade não são um
fato concreto, mas um valor e ideal a ser perseguido.

Para Covre (1998, pp. 11):

[...] a cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de


um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos
de atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis
de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no
Universo.

Considerar os Direitos Humanos como um desdobramento da Ética implica, de


maneira clara e objetiva, invocar a democracia e a cidadania, pois direitos sociais estão,
comumente, atrelados aos direitos fundamentais que envolvem questões socioculturais,
econômicas e políticas.

Logo, o direito à vida, à dignidade e liberdade, à paz e à justiça, à participação social,


ao respeito mútuo, ao desenvolvimento sustentável e igualitário são construídos
cotidianamente. Isso envolve a discussão constante sobre questão ética nas relações
que se desenrolam, pois são nítidas as transformações que a sociedade capitalista impõe
aos diversos segmentos sociais, alavancadas pelo mundo globalizado.

Não há como discutir cidadania apartada de direito e suas implicações éticas, porque
um incorre no outro, e ambos estão relacionados à vida humana e à sua dignidade na
perspectiva das relações de poder entre as classes, no universo capitalista.

Sobre ética, sociologia e direitos humanos:

Diálogos em psicologia social. Disponível em: <http://static.scielo.org/


scielobooks/vfgfh/pdf/jaco-9788579820601.pdf>.

Ética e paradigmas na psicologia social. Disponível em: <http://static.scielo.


org/scielobooks/qfx4x/pdf/ploner-9788599662854.pdf>.

Da relação entre moral e direitos humanos: uma reflexão a partir de Kant e


Habermas. Disponível em: <http://seer.ucpp.br/seer/index.php?journal=LexHu
mana&page=article&op=view&path%5B%5D=174>.

Antropologia e direitos humanos: alteridade e ética no movimento de


expansão dos direitos universais. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
mana/v12n1/a08v12n1.pdf>.

91
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia

A Sociologia como uma Filosofia Prática e Moral (e vice-versa). Disponível em:


<http://dx.doi.org/10.1590/15174522-017003903>.

Cidadania e direitos humanos na formação universitária. Disponível em:


<http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32622010000200009>.

Direitos Humanos no Século XXI: Cenários de Tensão. Disponível em: <http://


www.andhepp.org.br/anais/arquivos/IIencontro/direitoshumanos-seculoxxi.
pdf>.

Los Derechos Humanos como campo de luchas por la diversidad humana:


Un análisis desde la sociología crítica de Boaventura de Sousa Santos.
Disponível em: <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0120-48072009000200011>.

Estado, justiça e reconhecimento. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/


scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732010000100003>.

Sobre os filósofos citados e os direitos humanos:

Liberdade, lei natural e direito natural em Hobbes: limiar do direito e da


política na modernidade. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
31732009000200002>.

A ONU e os direitos humanos. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/


v9n25/v9n25a14.pdf>.

As paixões humanas em Thomas Hobbes: entre a ciência e a moral, o medo


e a esperança. Disponível em: <http://static.scielo.org/scielobooks/72gwc/pdf/
silva-9788579830242.pdf>.

A cooriginariedade entre direitos humanos e soberania popular: a crítica de


Habermas a Kant e Rousseau. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
31732013000400008>.

Habermas leitor de Rousseau. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/


S0101-31732013000400012>.

As definições teóricas de direitos humanos de Jürgen Habermas: o princípio


legal e as correções morais. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
31732013000400007>.

92
Para (não) Finalizar

Não pare no meio do caminho!

Ingenuidade é acreditar que um assunto se encontra esgotado sempre ao final de


algum livro, material ou estudo, estes são meios de pesquisa para que nossos estudos
prossigam sempre em ascensão.

E é dessa maneira, para enriquecer os conhecimentos do aluno dedicado, que nos


esforçamos em oferecer conteúdo de grande valia para aprimoramento de seu curso e
disciplina, tanto para quem deseja conhecer por meio de seu primeiro contato com o
tema, quanto para profissionais do setor que possuem o desejo de aprofundar-se ainda
mais.

Desse modo, está claro que esta não é uma forma de esgotar o assunto, visto que os
conteúdos, os artigos e as sugestões de leituras complementares diversos aqui citados
estão baseados em outros, os quais, por sua vez, tomaram por consulta outros e assim
sucessivamente. Esse é o brilho do escalonamento do conhecimento.

Indicamos, portanto, os seguintes conteúdos, e especialmente temáticas úteis, a fim de


dar cadência e continuidade aos seus estudos de temáticas para pesquisas (não tratadas
ou não necessariamente aprofundadas neste material):

Sobre a dispositivos diversos:

»» Carta Americana de Direitos e Deveres do Homem (restrita às três


américas).

»» Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta do Continente


Africano).

»» Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem (adotada pelos


países muçulmanos).

»» Convenção Europeia de Direitos Humanos, que vem sendo implementada


sob a Comissão Europeia de Direitos Humanos.

93
Para (Não) Finalizar

»» Carta Universal dos Direitos dos Povos, a qual está fora do domínio
internacional da ONU e de outras organizações;

»» Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo.

Sobre a filosofia hegeliana:

»» Cenários da liberdade de imprensa e opinião pública em Hegel. Disponível


em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2009000100004>.

»» HegeleacríticaaoestadodenaturezadoJusnaturalismomoderno.Disponível
em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2011000100005>.

»» Hegel e Haiti. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-


33002011000200010>.

»» A constituição histórico-ontológica da ética e dos direitos


humanos. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1414-
49802011000200004>.

»» O embasamento dos direitos humanos e sua relação com os direitos


fundamentais a partir do diálogo garantista com a teoria da reinvenção
dos direitos humanos. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
S1808-24322012000200013>.

Sobre materialismo e os direitos humanos:

»» O materialismo histórico-dialético e a Educação. Disponível em: <http://


www.scielo.br/pdf/icse/v1n1/06.pdf>.

»» Envolvimento nos direitos humanos e sistemas de valores. Disponível


em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722004000100008>.

»» Deficiência, direitos humanos e justiça. Disponível em: <http://dx.doi.


org/10.1590/S1806-64452009000200004>.

Sobre positivismo, existencialismo e os direitos humanos:

»» Gênese, evolução e universalidade dos direitos humanos frente à


diversidade de culturas. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
S0103-40141997000200003>.

94
para (não) finalizar

»» A macrobioética e os direitos humanos: um caminho para o


humanismo dialético. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.4321/S1886-
58872012000300003>.

»» O igualitarismo liberal de Dworkin. Disponível em: <http://dx.doi.


org/10.1590/S0100-512X2005000100005>.

»» A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt.


Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141997000200005>.

»» Saúde mental e direitos humanos. Disponível em: <http://dx.doi.


org/10.1590/S1516-44462002000100003>.

»» Psicologia, direitos humanos e sofrimento mental: ação,


renovação e libertação. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
S1414-98931998000100006>.

»» As interfaces do direito agrário e dos direitos humanos e a segurança


alimentar. Disponível em: <http://static.scielo.org/scielobooks/s3vn9/
pdf/maniglia-9788579830143.pdf>.

Sobre o ressurgimento dos direitos naturais:

»» Liberdade, lei natural e direito natural em Hobbes: limiar do direito e


da política na modernidade. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
S0101-31732009000200002>.

»» Direito subjetivo — base escolástica dos direitos humanos. Disponível


em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69091999000300003>.

»» A cooriginariedade entre direitos humanos e soberania popular: a


crítica de Habermas a Kant e Rousseau. Disponível em: <http://dx.doi.
org/10.1590/S0101-31732013000400008>.

Sobre o neopositivismo e os direitos humanos:

»» O direito, ontem e hoje. Crítica ao neopositivismo constitucional e


insuficiência dos direitos humanos. Disponível em: <http://dx.doi.
org/10.11606/issn.2318-8235.v102i0p579-590>.

»» El Derecho Internacional de los Derechos Humanos como fuente principal


del Derecho Colombiano. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/

95
Para (Não) Finalizar

scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-38862013000100008&lng=e
n&nrm=iso&tlng=es>.

»» A moralidade da prática de pesquisa nas ciências sociais: aspectos


epistemológicos e bioéticos. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
S1413-81232004000300028>.

Sobre as teorias filosóficas e sociológicas habermasianas (complementares às já


indicadas):

»» Teoria social de Habermas: evolução social, sociedade e poder. Disponível


em: <http://books.scielo.org/id/4ghgb/pdf/rivera-9788575412480-03.
pdf>.

»» Entre potenciais e bloqueios comunicativos: Habermas e a crítica do


Estado democrático de direito. Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792011000200006>.

»» Sobre moral, direito e democracia. Disponível em: <http://dx.doi.


org/10.1590/S0102-64452004000100005>.

»» Apel versus Habermas: como dissolver a ética discursiva para salvaguardá-


la juridicamente. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-
512X2010000100005>.

»» O papel dos direitos humanos na política democrática: uma


análise preliminar. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
69092003000300009>.

»» Luhmann, Habermas e o estado de direito. Disponível em: <http://


dx.doi.org/10.1590/S0102-64451996000100006>.

»» O direito internacional, os direitos do homem e a ação política. Disponível


em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702000000100001>.

»» Filosofia e educação – de Sócrates a Habermas. Disponível em: <http://


dx.doi.org/10.1590/S0101-73302007000100016>.

»» As contribuições de Jürgen Habermas para a construção do sentido


substancial de democracia. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.
br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15110>.

96
para (não) finalizar

Sobre meio ambiente equilibrado com o direito humano:

Compare as concepções dos Direitos Humanos Universais x Revolução Francesa de


fraternidade, liberdade e igualdade.

Estude e compare com a realidade do cotidiano as situações complexas tratadas da


Declaração Universal dos Direitos Humanos por meio de conceitos-chaves como:

»» O direito de todos à propriedade (Art. XVII).

»» O direito à nacionalidade (Art. XV).

»» O direito de asilo (Art. XIV).

»» O direito ao casamento e à fundação de uma família (Art. XVI).

»» O direito que toda pessoa tem de participar da vida política de seu país
(Art. XXI).

»» O direito de todos à segurança social (Art. XXII).

»» O direito de todos ao trabalho e à livre escolha de emprego (Art. XXIII).

»» O direito ao repouso e ao lazer (Art. XXIV).

»» O direito de todos a um padrão de vida que assegure saúde e bem-estar,


inclusive à família (Art. XXV).

»» Os deveres de todos para com a comunidade (Art. XXIV).

Leia também:

»» Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados – Protocolo sobre o


Estatuto dos Refugiados. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/
fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_
Estatuto_dos_Refugiados.pdf?view=1>.

»» Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas


(1994). Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/k.
Desaparecimento.htm>.

»» Direitos humanos do trabalhador (O.I.T.). Disponível em: <http://www.


tst.jus.br/documents/1295387/1312862/Os+direitos+humanos+do+tra
balhador>.

97
Para (Não) Finalizar

»» Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RJ) de


1992. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/
rio92.pdf>.

Artigos:

»» Proporcionalidade no direito ambiental. Disponível em: <http://books.


scielo.org/id/ff2x7/pdf/livianu-9788579820137-06.pdf>.

»» Educação planetária em face da globalização. Disponível em: <http://


books.scielo.org/id/4r/pdf/boaventura-9788523208936-13.pdf>.

»» Saúde Pública e Meio Ambiente: evolução do conhecimento e da prática,


alguns aspectos éticos. Disponível em: <https://www.nescon.medicina.
ufmg.br/biblioteca/imagem/0540.pdf>.

Veja também:

»» Considerações sobre o fundamento moral da propriedade. Disponível


em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2007000100013>.

»» Estado e sociedade civil no pensamento de Marx. Disponível em: <http://


dx.doi.org/10.1590/S0101-66282010000100003>.

»» A ruptura dos direitos humanos na filosofia política de Hannah Arendt.


Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2013000100010>.

»» A dignidade da pessoa humana em Immanuel Kant. Disponível em:


<https://jus.com.br/artigos/21605/a-dignidade-da-pessoa-humana-
em-immanuel-kant>.

»» A dignidade da pessoa humana no pensamento de Kant: da fundamentação


da metafísica dos costumes à doutrina do direito. Uma reflexão crítica
para os dias atuais. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7069/a-
dignidade-da-pessoa-humana-no-pensamento-de-kant>.

»» Os cosmopolitas. Kant e os “temas kantianos” em relações


internacionais. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
85292003000100001>.

»» Da ética kantiana à ética habermasiana: implicações. Disponível em:


<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S1414-49802011000200003>.

98
Referências

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Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998.

AGUIAR, R. Ética e direitos humanos. 2010. Disponível em: <http://www.


portalmedico.org.br/include/biblioteca_virtual/des_etic/5.htm>. Acesso em: 30 maio
2016.

ALMEIDA, G. A. et. al. Direito internacional dos direitos humanos: instrumentos


básicos. São Paulo: Atlas, 2002.

AMARAL JÚNIOR, A.; MOISÉS, C. P. O cinquentenário da declaração universal


dos direitos humanos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

BARROCO, M. L. S. Ética, direitos humanos e diversidade. 2006. Disponível em:


<http://docslide.com.br/documents/etica-direitos-humanos-e-diversidade.html>.
Acesso em: 30 maio 2016.

______. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez. 2001

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103
Anexo I

Ao tratar do direito de todos no âmbito dos Direitos Internacionais dos Direitos


Humanos, é fundamental que o aluno tenha em mãos a diferenciação dos principais
documentos que compõem os direitos internacionais, a fim de que, ao se deparar com
eles, resguarde as devidas proporções, hierarquias de importâncias e amplitude de
alcance:

Quadro 1 - Documentos dos Direitos Internacionais.

TERMINOLOGIA DEFINIÇÕES
O Direito Internacional Público tem por princípio ainda vigente o do livre consentimento. Tal princípio,
nascido com o advento da revolução francesa, e posteriormente do positivismo jurídico, passou a ser
um dos mais importantes elementos da vida societária internacional [...]. Para se configurar como
tratado, este acordo internacional que se conclui deve ser tomado em seu sentido jurídico. Ou seja, não
Acordo internacional
basta que um dado documento internacional contenha uma convergência de vontades que expresse
um “acordo” entre partes. É necessário que este acordo tenha por finalidade criar entre essas mesmas
partes um vínculo juridicamente exigível em caso de descumprimento. Em outras palavras, o acordo
concluído deve visar à produção de efeitos jurídicos.
Os tratados internacionais são, diferentemente dos costumes, acordos essencialmente formais. E tal
formalidade implica obrigatoriamente a sua escritura. Somente por meio de sua escritura é que se pode
Celebrado por escrito
deixar bem consignado o propósito a que as partes chegaram após a sua negociação. A forma de
celebração oral não satisfaz, pois, o requisito da formalidade.
Como atos jurídicos internacionais, os tratados só podem ser concluídos por entes capazes de assumir
Concluído entre Estados
direitos e obrigações no âmbito externo.
Para um ato internacional ser considerado tratado, deve ele operar dentro do âmbito do Direito
Regido pelo Direito Internacional. Dois Estados podem formalmente (por escrito) celebrar um acordo internacional e este
Internacional acordo (que não deixou de ter ammus contrahendi) não ser tratado por faltar-lhe a regência do direito
das gentes, caso seja governado pelo direito interno de um dos Estados contratantes.
Celebrado em instrumento Além do texto principal do tratado, podem existir outros instrumentos que o acompanham, a exemplo
único ou em dois ou mais dos protocolos adicionais e dos anexos, produzidos concomitantemente à produção do texto principal.
instrumentos conexos
A Convenção de 1969 deixa bem claro que a palavra “tratado” se refere a um acordo regido pelo
Direito Internacional, “qualquer que seja sua denominação específica”. E dizer tratado é expressão
Ausência de denominação
genérica, variando as denominações utilizadas conforme a sua forma, seu conteúdo, seu objeto ou seu
específica fim. O que importa saber, para a configuração da existência de um tratado, assim, se preenche com os
seus requisitos ou elementos essenciais, acima estudados, e não a denominação que lhe é atribuída.
É a expressão genérica por natureza, eleita pela Convenção de Viena de 1969 para designar todo
acordo internacional, bilateral ou multilateral, de especial relevo político, qualquer que seja sua
Tratado denominação específica (art. 2o, § lo, alínea a). O termo designa normalmente (mas não exclusivamente)
os ajustes solenes concluídos entre Estados, e/ou organizações internacionais, cujo objeto, finalidade,
número e poderes das partes têm maior importância.
Esta expressão começou a ser empregada no sentido atual a partir da proliferação dos congressos e
das conferências internacionais, nos quais matérias da maior relevância para a sociedade internacional
passaram a ser frequentemente debatidas, dando à luz atos internacionais criadores de normas gerais
Convenção de Direito Internacional Público, demonstrativos da vontade uniforme das partes em assuntos de
interesse geral. A expressão convenção conota então aquele tipo de tratado solene (e multilateral) em
que a vontade das partes não é propriamente divergente, como ocorre nos chamados tratados-contrato,
mas paralela e uniforme, ao que se atribui o nome de tratados-lei ou tratados-normativos.
É a terminologia utilizada no acordo constitutivo do Pacto da “Sociedade das Nações”, de 1919. Na
Pacto atualidade, a expressão tem sido utilizada para restringir o objeto político de um tratado, do qual é
exemplo o Pacto de Aço celebrado em Berlim em 1939.

104
anexos

TERMINOLOGIA DEFINIÇÕES
Comumente emprega-se a expressão para designar tratados de natureza econômica, financeira,
comercial ou cultural, podendo, contudo, dispor sobre segurança recíproca, projetos de desarmamento,
Acordo questões sobre fronteiras, arbitramento, questões de ordem política, etc. Entende-se por acordo, assim,
os atos bilaterais ou multilaterais - muitas vezes com reduzido número de participantes e de relativa
importância cuja natureza pode ser política, econômica, comercial, cultural ou científica.
Emprega-se a troca de notas diplomáticas para assuntos de natureza geralmente administrativa, bem
Acordo por troca de notas como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos. São acordos que, como já se deu
notícia, são firmados em momentos distintos e no nome de apenas uma das partes.
São também conhecidos pela expressão americana executive agreements. A expressão designa aqueles
tratados concluídos pelo Poder Executivo sem o assentimento do Poder Legislativo. São concluídos, na
Acordo em forma simplificada maioria dos casos, por troca de notas diplomáticas, troca de correspondências, ou outro procedimento
ou acordo do executivo similar, sendo sua assinatura, em regra, suficiente para obrigar o Estado. Caracterizam-se, pois, pela sua
conclusão imediata (negociação e assinatura), dispensando-se desse procedimento a ratificação do
Chefe de Estado.
É a expressão designada para expressar aqueles acordos de cavalheiros regulados por normas de
Gentlemen’s agreements conteúdo moral e cujo respeito repousa sobre a honra. São concluídos entre Chefes de Estado ou de
Governo, estabelecendo uma linha política a ser adotada entre as partes.
Comumente empregada para estabelecer os instrumentos constitutivos de organizações internacionais,
Carta podendo também ser empregada para tratados solenes que estabeleçam direitos e deveres para os
Estados-partes.
Além da sua utilização designativa dos resultados de uma conferência diplomática ou de um acordo
menos formal que o tratado, o termo protocolo também tem sido empregado para nomear acordos
Protocolo subsidiários ou que mantêm ligação lógica (v. g., de complementação) com um tratado anterior. Mas
nada impede que o protocolo seja um acordo desvinculado de qualquer outro tratado, uma vez que a
terminologia dos atos internacionais não tem qualquer interesse, a não ser sob o ponto de vista prático.
Terminologia utilizada há alguns anos atrás para designar as resoluções sobre assistência mútua e
Ato ou ata solidariedade americana, conhecida por Ato de Chapultepec, firmado em 1945, na Conferência
Interamericana do México.
É expressão utilizada para aqueles atos que estabelecem certas regras ou princípios jurídicos, ou, ainda,
Declaração
para as normas de Direito Internacional indicativas de uma posição política comum de interesse coletivo.
Utilizado na designação de acordos temporários ou provisórios, normalmente de ordem econômica, de
importância relativa. Essa provisoriedade referida é o seu traço característico mais nítido. A Santa Sé já
“Modus vivendi”
se utilizou por várias vezes desse tipo de acordo internacional para resolver pendências diplomáticas
com certos Estados.
Empregado para os acordos concluídos provisoriamente ou destituídos de caráter jurídico, a exemplo
Arranjo
dos empreendidos junto ao Fundo Monetário Internacional.
Designação empregada nos acordos bilaterais de caráter religioso, firmados pela Santa Sé com Estados
que têm cidadãos católicos versando em geral questões sobre a organização de cultos religiosos),
Concordata exercício da ministração eclesiástica, etc. As concordatas, do ponto de vista formal, não diferem em
nada dos tratados stricto sensu concluídos por sujeitos do Direito Internacional Público (sendo uma das
artes a Santa Sé), motivo pelo qual se lhes aplicam todos os princípios gerais do Direito dos Tratados.
Empregam-se para a finalidade específica de estabelecer concessões recíprocas entre Estados ou de
Reversais ou notas reversais declarar que a concessão ou benefício especial que um Estado faz a outro não derroga direitos ou
privilégios de cada um deles já anteriormente reconhecidos.
Empregados para designar compromissos de importância relativa ou secundária, sem, contudo,
Ajuste ou acordo complementar perderem a características de tratados. É o ato que dá execução a outro, anterior, devidamente
concluído, geralmente colocado ao abrigo de um acordo-quadro ou acordo-básico.
Bastante utilizado na prática brasileira, designa normalmente acordos de interesse político, embora
Convênio também seja empregado para designar ajustes de menor importância, bem como matérias culturais e
de transporte.
Terminologia normalmente empregada na fixação de um acordo (quase sempre bilateral) pelo qual dois
ou mais Estados comprometem-se a recorrer à arbitragem para resolver os litígios existentes entre eles,
Compromisso ou quaisquer outras lides que venham aparecer no futuro. Daí a designação conhecida por compromisso
arbitral, normalmente quando já existe tratado de arbitragem anterior prevendo esta cláusula geral de
resolução de conflitos.
Geralmente empregado para os tratados que estabelecem normas para os tribunais de jurisdição
Estatuto internacional.

105
anexos

TERMINOLOGIA DEFINIÇÕES
Um tanto quanto raro, esta terminologia não apresenta uma definição muito nítida. Foi a denominação
Regulamento que se utilizou no Congresso de Viena de 1815 (Réglement de Vienne), para estabelecer a ordem de
precedência no serviço diplomático.
A expressão não tem sido formalmente utilizada no cenário internacional, sendo o único texto de
que se tem notícia sob esta denominação o Código Sanitário Pan-Americano de Havana, de 1924.
Código Sob o cognome código, entretanto, convencionou-se chamar algumas convenções internacionais,
como o “Código de Bustamante”, de 1928, cujo título oficial é Convenção Interamericana de Direito
Internacional Privado.
É raríssimo o emprego do termo Constituição para designar tratados internacionais, sendo um dos
motivos óbvios para tanta confusão que se pode fazer com as Constituições estatais. O exemplo que
Constituição se conhece de tratado chamado de Constituição é o instrumento constitutivo da OIT, chamado de
Constituição da Organização Internacional do Trabalho, adotado originalmente em 1919, e substituído
em 1946.
Sua utilização tem sido evitada na prática internacional, por ser um termo intimamente ligado ao Direito
Contrato interno, apropriado para designar aqueles acordos celebrados entre um sujeito do Direito Internacional
Público e uma entidade privada, em oposição a um tratado internacional.
Atualmente, cada vez mais se coloca o problema dos chamados “memorandos de entendimento”
Memorandos de entendimentos
concluídos pelos Estados entre si na órbita internacional.

Fonte: Elaboração do autor com dados de Mazzuoli (2011, pp. 170-186).

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