Brasília-DF.
Elaboração
Produção
Apresentação.................................................................................................................................. 4
Introdução.................................................................................................................................... 7
Unidade I
Noções de Direitos Humanos........................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1
Conceitos Iniciais................................................................................................................. 9
Capítulo 2
Principais documentos dos Direitos Humanos................................................................ 15
Unidade iI
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia.................................................................................... 29
Capítulo 1
Noções Iniciais.................................................................................................................... 29
Capítulo 2
Teoria Socialista dos Direitos............................................................................................ 44
Capítulo 3
Cronologia dos Direitos: da antiguidade à modernidade.......................................... 50
Capítulo 4
Habermas e os Direitos Humanos: da modernidade à contemporaneidade............... 64
Capítulo 5
Sociologia, Democracia, Cidadania e os Direitos Humanos ...................................... 73
Capítulo 6
Ética e os Direitos Humanos.............................................................................................. 82
Referências................................................................................................................................... 99
Caro aluno
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
6
Introdução
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi sem dúvida um marco na
história de proporções tais que seus efeitos ainda são sentidos até os dias de hoje e
muito provavelmente nas próximas décadas e séculos.
Contudo, existem fundamentos que deram base a ela e a todas as concepções que
envolvem os direitos humanos, isso inclui todas as noções sociológicas e, especialmente,
filosóficas ao longo da história da humanidade.
Para se chegar aonde estamos hoje ─ muitos acreditam que muito distantes ainda do
ideal ─, foi preciso uma série de eventos e pensamentos muito bem fundamentados que
deram origens e bases estruturais teóricas para as concepções de direitos humanos na
modernidade e contemporaneidade.
7
Uma vez chegado a abordagens contemporâneas, discutiremos os pensamentos de
Habermas e os Direitos Humanos. No capítulo “Sociologia, Democracia, Cidadania e os
Direitos Humanos”, Bobbio e demais autores, que são sumariamente importantes para
os pensamentos sociais e filosóficos das teorias dos direitos humanos, serão também
abordados.
Objetivos
»» Conhecer os principais documentos internacionais dos direitos humanos.
8
Noções de Direitos Unidade I
Humanos
CAPÍTULO 1
Conceitos Iniciais
9
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Em “Direitos do Homem”, é preciso dar ao vocábulo “homem” um sentido ampliado para abranger “direitos do homem” e “direitos da mulher”.
A forma “Direitos do Homem” acentua uma conotação individualista desses direitos: direitos do homem, direitos de cada homem. Contrariamente
a esse sentido individualista, os “Direitos Humanos” devem ser entendidos dentro de um contexto coletivo para alcançarem todo o sentido ético e
político de sua conceituação.
A expressão “Direitos Humanos” abstrai os “Direitos dos Povos”, cujo respeito é essencial para que vigorem os “Direitos Humanos”.
A expressão “Direitos Humanos” significa “direitos da pessoa humana” – a pessoa humana homem, a pessoa humana mulher, a pessoa humana
individualmente considerada, a pessoa humana na sua dimensão coletiva, a pessoa humana referida à cultura e ao povo de que faz parte e que
integra.
Com efeito, o Conselho Econômico e Social, entendendo tal objetivo, criou a Comissão
de Direitos Humanos, a qual primariamente discutiu e votou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos que logo após foi submetida à Assembleia Geral. E foi dessa maneira
que a Assembleia Geral da ONU aprovou e proclamou de modo solene a Declaração em
10 de dezembro de 1948 (HERKENHOFF, 1998).
Essa proclamação se deu por meio da Resolução no 217 (III) da Assembleia Geral com
poderes normativos a fim de alcançar todas as nações e culturas da Terra, estabelecendo,
como nunca antes visto, uma forma de proteção aos Direitos Humanos de modo
universal. Ainda a Declaração de 1948 foi:
Muito se sabe sobre a Declaração, bem como sua difusão no meio mundial, haja vista
o acesso de todos às informações contidas no documento, de fácil compreensão e
acessibilidade, com isso, a Declaração se faz de fato um marco na história humana.
Recentes democracias e muitos Estados se basearam também na DUDH, a qual foi
traduzida em mais de 360 idiomas, para elaboração e inspiração de suas Constituições,
tamanha relevância e abrangência da DUDH.
10
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
Ao contrário do que a maior parte dos leigos pensa, a Carta Internacional dos
Direitos Humanos não é composta apenas da DUDH, que é documento básico da
Carta, mas se compõe também destes outros documentos:
Ainda sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é sabido que a Revolução
Francesa possuiu importante papel cultural na origem da Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) por meio de simbologias diversas e
terminologias aproximadas1. Segundo Almeida (2002):
11
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Como nosso objetivo neste material é pensar filosoficamente sobre os Direitos Humanos,
faz-nos importante analisar as vantagens e desvantagens contidas no Manual Prático
dos Direitos Humanos do Ministério Público da União:
VANTAGEM DESVANTAGEM
Uma vantagem é que a Declaração Universal dos Uma desvantagem é que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não se refere à
Direitos Humanos considera todos os direitos humanos autodeterminação dos povos, pois esta é vista frequentemente como requisito para a
em sua unidade, pois os direitos humanos econômicos, percepção dos direitos humanos em sua totalidade. O exemplo dos palestinos, a quem
sociais e culturais não são de maneira alguma de a realização do seu direito à autodeterminação ainda é negada, mostra que eles não
segunda classe. Mais do que isso, o direito à educação podem também exercer outros direitos humanos, como os de liberdade de locomoção,
ou à alimentação é considerado um pré-requisito para a trabalho e saúde.
percepção dos direitos políticos. Por conseguinte, não se Outra desvantagem é o fato de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é
podem separar dos direitos humanos. Outra vantagem é uma resolução da Assembleia Geral. Contudo, esses documentos não são fontes do
que este documento foi aprovado por unanimidade pela Direito Internacional juridicamente vinculativas, mas declarações políticas. Elas têm uma
Assembleia Geral (somente a União Soviética e a Arábia grande importância moral – especialmente quando aprovadas por unanimidade –, mas
Saudita se abstiveram). não são exequíveis. Devido à sua abordagem política, são muitas vezes semelhantes
a proclamações, que, no entanto, necessitam de aplicação legal. Isso se aplica, por
exemplo, ao art. 14 da Declaração, segundo o qual todos têm o direito de procurar e de
gozar de asilo em outros países.
Fonte: Elaboração do autor com dados de Peterke (2009, pp. 28-29).
[...]
12
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
O art. 4o, por sua vez, trata das relações internacionais da República Federativa do
Brasil, as quais são regidas pelos seguintes princípios:
[...]
[...]
De acordo com o art. 5o, a Carta Magna preconiza que “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”.
13
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Roniger (2004, p. 145) aborda com clareza e profundos estudos o legado de violações
dos direitos humanos no Cone Sul, afirmando que “os Estados autoritários”, no Cone
Sul, “aniquilaram seus inimigos sem nenhuma consideração por fronteiras nacionais
ou áreas de jurisdição e, por conseguinte, sempre que a questão dos desaparecimentos,
das torturas”, assunto que abordaremos mais adiante, “ou assassinatos tornava-se
crítica em um dos países da região depois da democratização, forte ecos reverberavam
nos demais”. Tema o qual não abordaremos em detalhes, entretanto...
Vale a pena, para que se aprofunde nos assuntos relacionados ao Cone Sul, a
leitura do excelente material de Roniger (2004) – O Legado de Violações dos
Direitos Humanos no Cone Sul da Editora Perspectiva.
14
Capítulo 2
Principais documentos dos Direitos
Humanos
15
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
no que tange à ONU, mas se contentou com sua positivação pelo Pacto (ALMEIDA,
2002, p. 47).
Jubilit (2016 apud ALMEIDA, 2002, p. 47) prossegue nos informando os direitos
assegurados pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:
»» direito à autodeterminação;
»» direito à saúde;
»» direito à educação;
»» direito à cultura.
16
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
Incorporação ao
TRATADO Órgão de monitoramento Mecanismo de monitoramento
direito brasileiro
Relatórios periódicos e petições individuais,
Pacto Internacional dos Direitos Dec. no 592, de
Comitê de Direitos Humanos HRC para quem assinou o Protocolo Opcional. O
Civis e Políticos 7/7/1992
Brasil não assinou o protocolo.
Pacto Internacional de Direitos Dec. no 592, de Comitê de Direitos Econômicos,
Relatórios periódicos.
Econômicos, Sociais e Culturais 7/7/1992 Sociais e Culturais CESCR
Relatórios periódicos e petições individuais,
Convenção Internacional para Decreto no 65.810, de Comitê para Eliminação da
para quem assinou o Protocolo Opcional. O
Eliminação da Discriminação Racial 9/12/1969 Discriminação Racial CERD
Brasil não assinou o protocolo.
Convenção sobre Eliminação de Comitê para Eliminação da
Decreto no 89.460, de
todas as formas de Discriminação Discriminação contra a Mulher Relatórios periódicos.
20/3/1984
contra a Mulher CEDAW
Convenção sobre os Direitos da Decreto no 99.710, de Comitê sobre os Direitos da Criança
Relatórios periódicos.
Criança 21/11/1990 CRC
Convenção Contra a Tortura e Relatórios periódicos e petições individuais,
Decreto no 98.386, de
Outras Penas ou Tratamentos Comitê Contra a Tortura CAT para quem assinou o Protocolo Opcional. O
9/11/1989
Desumanos ou Cruéis Brasil não assinou o protocolo.
Fonte: Elaboração do autor com dados de Silveira et al. (2007, p. 88).
17
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Tome nota do art. 5o, caput e 7o do Pacto (Anexo III) sobre a semelhança em
propriedade com a nossa Carta Magna (CF de 1988) sobre o direito à vida, ausente
de tortura, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. O aluno com maior
interesse e certamente obterá melhor rendimento ao estudar o artigo 5o inteiro
da Lei Maior Brasileira.
18
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
Os direitos mínimos assegurados pelo Pacto aos Estados signatários, mesmo em face
das limítrofes de situações excepcionais das suspensões de diversas obrigações, são as
que seguem a seguir, seguidas de um breve posicionamento do especialista:
Para facilitar ainda mais o que vimos, dentre muitos temas abordados no Pacto, veja
o quadro a seguir para manter a linha de raciocínio quando necessário se utilizar da
informação:
19
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Quadro 5 - Os direitos e princípios consagrados no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
O art. 2o do Pacto estabelece o compromisso que os Estados devem ter com os indivíduos que estejam em seu
a) Direito à igualdade território. Sem qualquer tipo de discriminação de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer
outra natureza.4
b) Da igualdade de direitos entre O art. 3o se destaca por afirmar que os Estados-partes também haverão de se comprometer a assegurar a
homens e mulheres homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos nele enunciados.
O art. 6o do Pacto nos traz que o direito à vida é inerente à pessoa humana e deverá ser protegido pela lei. E
c) Direito à vida
ainda tem mais, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida5.
d) Proibição da tortura e penas O art. 7o do Pacto é praticamente reproduzido na Lei Maior Brasileira, pois dispõe que “ninguém poderá ser
cruéis submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
O art. 9o preconiza que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais, considerando que ninguém
e) Direito à liberdade poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente, salvo pelos motivos previstos em lei. Outro detalhe que traz o
art. 9o, em seu item 3, é que todo preso tem direito a ser julgado em prazo razoável.
O art. 10 do Pacto afirma que “toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e
f) Das garantias às pessoas
respeito à dignidade inerente à pessoa humana”. Contudo, o que vemos em nossa sociedade é que às pessoas
presas
presas tem-se impostos muito mais deveres do que respeitado seus direitos.
g) Proibição de prisão por não O art. 11, bem como a Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 7o, item 7, dispõe que ninguém será
cumprimento de obrigação privado da liberdade, seja por dívida ou por descumprimento de obrigação contratual, ao não a hipótese prevista
contratual no Pacto de San José quando houver débito decorrente de pensão alimentar.
O art. 14 do Pacto aduz que todas as pessoas são iguais perante Tribunais e Cortes de Justiça, cabendo sempre
h) Direito à justiça o exercício da defesa pessoal e o direito de estar presente ao julgamento. Assim como também ninguém pode
ser obrigado a confessar-se culpado (art.14, item 3, g) - Veja art. 5o, inc. LXIII.
i) Da liberdade de pensamento,
Os arts. 18 e 19 dispõem sobre o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião e de expressão,
de consciência, de religião e de
todos eles amplamente consagrados também na Constituição pátria.
expressão
j) Dos direitos políticos e de Os arts. 21 e 22 garantem o direito de reunião pacífica e o de livre associação, inclusive sindical. Encontra
associação proximidade com CF (art. 5o, incs. XVI e XVII).
4 Veja o art. 5o da Constituição Federal Brasileira, caput, para enriquecer o conteúdo e comparar os temas.
5 Vale lembrar que a provável instituição da pena de morte é terminantemente proibida pela Carta Brasileira, como preconiza no
artigo 5o, inciso XLVII (veja art. 60, parágrafo 4o da CF).
20
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
Direitos na América
A 2a Guerra Mundial foi uma devastação psicológica completa para os que dela
participaram e o foram contemporâneos. Viu-se, então, a iminente importância de se
reavaliar tudo que tangenciasse direitos humanos e assuntos relacionados.
21
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
em seu art. 1o, a obrigação do Estado parte adotar medidas reais que permitam a
implementação efetiva dos direitos sociais, econômicos e culturais, não deixando de
observar as regras de direito interno e a realidade de cada País, considerando que a
Convenção não disciplina estes direitos, mas recomenda aos Estados-partes sua
progressiva realização, eles estão contidos na Carta da OEA (AGAZZI, 1998).
Direito ao reconhecimento
Art. 3o Reconhecido também no Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas.
da personalidade jurídica
Respeito à vida desde a concepção. Não há pena de morte para delitos políticos,
tampouco ao menor de dezoito e maior de setenta, assim como à mulher em estado
Direito à vida Art. 4o
de gravidez. A CF se contrapõe à pena de morte, salvo em caso de guerra (art. 5o,
XLVII, a).
Direito à integridade Proíbe a tortura e os tratamentos cruéis, degradantes e desumanos. A pena imposta
Art. 5o
física, psíquica e moral aos condenados deverá ter o objetivo de recuperação e readaptação social.
Não poderá ser privado o ser humano de sua liberdade física, salvo quando
houverem causas estabelecidas nas Constituições ou lei.
Direito à liberdade pessoal Art. 7o
Não haverá a prisão civil por dívidas, com exceção do inadimplemento da obrigação
alimentar.
Direito à liberdade de Que compreende receber e difundir informação e ideias. Proibindo a propaganda
Art. 13
pensamento e expressão referente à guerra e à apologia da discriminação, seja de qual forma estiver revestida.
Direito de retificação ou Para proteger a honra e a reputação das pessoas submetidas a informações inexatas
Art. 14
resposta ou ofensivas pelos meios de comunicação.
22
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
Direito de reunião e Com limitações legais derivadas da segurança, ordem, saúde ou da moral pública e
Arts. 15 e 16
liberdade de associação dos direitos e liberdades das demais pessoas.
Que inclui o direito de igualdade entre os cônjuges e entre os filhos, havidos ou não
Proteção à família Art. 17
da relação matrimonial.
Direito à propriedade Que está subordinado aos interesses da sociedade e que não foi consagrado no
Art. 21
privada Pacto sobre Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas.
Direito de circulação e de Que consagra, entre outros, liberdade de ir e vir e o direito de asilo, proibindo as
Art. 22
residência expulsões coletivas.
O seu regular exercício somente pode ser limitado em razão da “idade, nacionalidade,
Direitos políticos Art. 23 residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz
competente, em processo penal”.
Fonte: Elaboração do autor com dados de Agazzi et al. (1998, pp. 327-332).
23
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Convenções
24
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
De fato, existe uma posição unânime entre os estudiosos das grandes áreas dos direitos
internacionais quanto à atenção dos Estados-partes em favor do dever de cumprir as
obrigações da Convenção. Não se vê, como é cediço, um modo veemente de atendimento
ao controle da discriminação em geral, muito embora se tente.
25
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Ao ler com atenção os artigos nela preconizados, conforme indicado, concluirá que pouco
se fala de violência à mulher e que, após anos (somente em 1993), a Assembleia Geral da
ONU resolveu adotar a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra Mulheres11
em 20 de dezembro de 1993. Nessa Declaração, a Assembleia Geral reconheceu que a
violência contra a mulher era uma manifestação da histórica desigualdade de relações de
poder entre homens e mulheres, nas quais as mulheres eram especialmente vulneráveis.
Olga Spinoza também nos traz o panorama dos principais aspectos trazidos pela
Convenção:
A Convenção divide-se em três partes principais, em que, (1) nos arts. 1o a 16 discorre
sobre os direitos e as garantias reconhecidas pela Convenção; (2) nos arts. de 17 a
11 Disponível em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_4/IIIPAG3_4_7.htm>. Acesso em: 9 abr. 2016.
12 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm>. Acesso em: 9 abr. 2016.
26
Noções de Direitos Humanos │ UNIDADE I
24 trata dos mecanismos de proteção adotados e (3) nos arts. 25 a 33 refere-se aos
procedimentos de adesão, declaração, emenda e denúncia. Assim:
Claramente temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos como berço histórico
na conquista dos Direitos da Criança, é a partir dela que partimos para as demais
Convenções, Tratados Internacionais e outros documentos importantes das conquistas
dos direitos das minorias e sociedade em geral.
Vejamos, abaixo, um pouco mais das etapas para se chegar à Convenção dos Direitos da
Criança nos pensamentos de M. B. Pennachi Dellore:
27
UNIDADE I │ Noções de Direitos Humanos
Em 1924, o primeiro passo nesse percurso foi dado quando a Liga das Nações elaborou a primeira Declaração dos Direitos da Criança.
Em 1945, a Carta das Nações Unidas também pode ser considerada importante etapa dessa história, uma vez que ela estabelece que os Estados
devem promover e também encorajar o respeito aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais “de todos”.
Em 1948, no mesmo ano, uma segunda Declaração dos Direitos da Criança foi elaborada. A terceira declaração aparece em 1957.
Em 1966, dois pactos internacionais foram adotados: um no que tange aos Direitos Civis e Políticos e outro aos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
Em 1978, com base em tais documentos (como já o estudamos em nosso material), a Polônia propôs à ONU um projeto de Convenção dos Direitos
da Criança. Formou-se então um grupo de trabalho de alto nível, para revisão e desenvolvimento do texto original.
Em 1989 (20 de novembro), a Convenção dos Direitos da Criança foi aprovada.
Fonte: Elaboração do autor com dados de Almeida (2002, p. 77).
Toda pessoa, para fins da Convenção, inferior aos 18 anos de idade, é considerada
criança, salvo em casos de o país em que vive a criança prever idade distinta.
Os demais assuntos pertinentes são quanto à prisão e a penas de morte, veja art.
37; ao recrutamento nas Forças Armadas ou à participação direta em conflitos
armados dos menores de 15 anos (art. 38); aos princípios basilares da Convenção
e à não discriminação (art. 2o); à persecução dos interesses da criança (art. 3o);
à vida e ao desenvolvimento plenos (art. 6o); à sua participação nas decisões
que se apliquem à sua vida (art. 12); à consideração da família como grupo
fundamental para o crescimento e bem-estar devido (preâmbulo e arts. 5o, 10 e
18); a opiniões dos pais (art. 12). Veja na íntegra em: <http://www.ilo.org/global/
lang--en/index.htm>.
28
Direitos Humanos,
Filosofia e Unidade iI
Sociologia
Capítulo 1
Noções Iniciais
Origens
Tal como é cediço, a palavra ‘filosofia’ é proveniente do grego Φιλοσοφία, cujo significado
é “amor à sabedoria”, e refere-se ao estudo de problemas fundamentais, relacionados
à existência, à verdade, ao conhecimento, aos valores morais e estéticos, à mente e à
linguagem.
29
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Muitos, até os dias de hoje, conjecturam que filosofia e Direitos Humanos não possuem
ligação, mas a leitura um pouco mais aprofundada da história, da filosofia e da liberdade,
faz-nos enxergar que há, sim, ligação clara entre estes. A filosofia é o estudo relacionado
à existência, no sentido de conhecimento, verdade, razão etc., e os Direitos Humanos,
por sua vez, são a asseguração do exercício à liberdade e dignidade da pessoa, é visível
que um completa o outro em sua função.
Isso de modo que a questão dos direitos do homem está sempre atrelada ao discurso
filosófico.
Outras fontes ainda conhecidas da antiguidade e que são possíveis citar como
fundamentais para relação da filosofia com os direitos humanos são, por exemplo, o
Código de Hamurabi (XVIII a.C.), que estabelecia proteção às viúvas, aos órfãos e aos
mais vulneráveis, além de estabelecer o salário-mínimo para vários profissionais; por
outro lado, previa o corte da língua, a extração dos olhos e das mãos das crianças como
formas de punição caso elas cometessem “crimes” contra os pais. Os direitos eram
parciais, não abrangiam a todos.
30
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Em civilizações como o Egito, a Grécia e Roma, nas quais havia um esboço da civilização,
e eram berço da filosofia, buscavam-se a igualdade de direitos e a distribuição do poder.
Eram excluídos desses direitos, porém, as mulheres, os escravos e estrangeiros.
No entanto, decerto Jesus foi o que mais contribuiu com o resgate do diluído “direitos
humanos”. A humanidade havia perdido completamente a noção do respeito mútuo, a
começar de coisas simples como poluição visual, sanitária (rejeitos dispersos em toda
a cidade, sem a mínima noção de assiduidade e disposição correta de fezes, dentre
outros).
Cristo contribuiu para a compreensão dos direitos humanos, que advogou pela igualdade
entre as pessoas, a prática do bem e da justiça, incluindo especialmente mulheres,
crianças, escravos e estrangeiros como detentores de direitos.
Jesus, ao contrário do que era visto na época, foi de encontro a todo o sistema político,
hierárquico, econômico e, principalmente religioso, de seu tempo. Ele jamais fora um
anarquista, mas, sim, um alguém que se dispôs a colocar em ordem toda a “baderna”
humana do período.
Foi aquele que trouxe à tona a importância da mulher. Se existe um FEMEN hoje
(que milita contra o próprio Cristo), é graças ao acesso que Jesus abriu novamente
da mulher perante a sociedade, a qual até então era totalmente descartada com
absoluto preconceito. Decerto, tudo não mudou instantaneamente, porque, mesmo
com seus esforços, o homem (mal e podre, segundo toda noção de liberdade de Kant e
Schelling) olvidou completamente (em grande maioria) seus ensinamentos, restando
pouquíssimos (a igreja primitiva) que os resguardou.
Mas isso saiu caro: decapitações, mortes de cruz de ponta cabeça, matanças e dez
perseguições por parte do império à videira verdadeira (os cristãos primitivos), até se
chegar ao início do século IV, no qual todo o sincretismo se deu em Constantino e as
verdadeiras raízes cristãs praticamente foram aniquiladas. Somente no início do século
XVI, na Reforma, é que tudo começou a se encaixar novamente.
Outro movimento filosófico que reconheceu o valor do homem foi o humanismo (XIV
d.C.). Na Alemanha, esse movimento promoveu a valorização do homem e de sua
liberdade de consciência, sendo a base do Renascimento na Itália.
Jacques Maritan foi um dos mentores da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em seu livro “Princípios de uma política humanista”, descrevia o humanismo como
o sistema capaz de fazer florescer no âmago do ser humano todas as suas virtudes
(GALVÃO, s/d).
31
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
32
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Para compreender a gênese de sua noção e sua formulação atual, efetivamente é forçoso
distinguir, de um lado, as origens e/ou raízes nas diferentes tradições e filosofias, e, de
outro, as fontes mais imediatas dos textos atuais concernentes aos direitos humanos. As
grandes correntes de pensamento, cada uma à sua maneira, propuseram, desde cedo,
certo ideal dos direitos humanos, mas foi apenas ao longo das últimas décadas que
se buscou dar a eles uma formulação precisa e jurídica com relação à qual os Estados
poderiam se comprometer.
33
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Herkenhoff define Direitos Humanos “como aqueles direitos fundamentais que o homem
possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que
a ela é inerente”.
Ambas as partes procuram encontrar uma forma para que o sujeito se estabeleça e
plenamente viva no seu meio. A filosofia vem desde a Grécia antiga alicerçar os Direitos
humanos em sua própria constituição. Com as ideias de Hobbes, Rousseau e Kant, por
exemplo, vemos que a filosofia é relevante e indispensável ao que conhecemos hoje
como a base dos direitos humanos e ao seu desenvolver.
De acordo com Rousseau, “os princípios verdadeiros devem estar comprometidos com
a liberdade, e esta só pode se realizar na política. Como tudo está ligado à política, as
34
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
instituições são fundamentais, pois são elas que formam os cidadãos” (ROUSSEAU,
1987, I, p. 84). Instituições essas que, segundo a DUDH, devem promover divulgação,
amostra, leitura e explicação desta Declaração de Direitos “sem distinção nenhuma
baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados”.
14 Tratamos em forte medida tais concepções éticas sobre o ser do homem, em uma perspectiva kantiana, em nosso material
‘Ética Moderna’.
35
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Concepções filosóficas que completam o Artigo VII da DUDH, em que afirma que:
“Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, à igual proteção
da lei. Todos têm direito à igual proteção contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
36
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
O papel da Filosofia no campo dos Direitos Humanos não se perdeu no passado, como
fundador das bases para estes. Cabe à filosofia contribuir para o debate da universalização
dos Direitos Humanos ao redor do mundo. E, para isso, faz-se necessário que a própria
filosofia se universalize a si própria:
37
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Por metafísica, entende-se o ramo da filosofia que estuda a essência do mundo, das
coisas, incluindo a existência do homem, na natureza e suas relações. As questões que
envolvem os direitos humanos possuem em sua gênese concepções da metafísica. A
posição metafísica se baseia em uma fundamentação ético-filosófica que interpreta o
direito a partir do entendimento do homem como sujeito social, cuja essência e natureza
são divinas, a concepção do homem como pessoa, que possui direitos inerentes, parte
desse pressuposto.
38
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Burke afirma que o caráter metafísico dos direitos humanos tem como efeito o desalinho
com a realidade, uma vez que:
De fato, existem muitas experiências que nos revelam a fragilidade da Declaração dos
Direitos Humanos na prática, os princípios e valores promulgados são de uma beleza
indescritível, mas não é possível afirmar o mesmo de sua execução.
Logo, as questões dos direitos humanos não estão ligadas somente à ciência, considerando
que esta desconsidera até mesmo a própria psicologia como ciência, portanto, existem,
39
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Para Descartes, não existe alguma verdade mais que seja mais duvidável do que a
dúvida em si. Logo, podemos pensar as coisas, negá-las etc. Eis o trecho mais famoso
deste filósofo francês em sua obra “O Discurso do Método”:
Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto queria assim pensar que
tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse
alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo,
era tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos
não seriam capazes de abalá-la, julguei que poderia aceitá-la, sem
escrúpulos, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava
(DESCARTES, 1987, p. 66).
A DUDH de 1948 tem por base o conceito de liberdade inerente aos homens, porquanto
ela nasceu como resposta à emergência de governos totalitários, no período entre
guerras, que não respeitavam os direitos do ser humano e só compreendiam os deveres
para com o Estado.
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Alguns filósofos se posicionaram contrários à metafísica, uma vez que esta vai na
contramão do movimento filosófico denominado empirismo (isso vale para o Empirismo
Lógico de Viena, apenas uma nova capa para o positivismo de Auguste Comte), o qual
acreditava na formação de ideias somente por meio das experiências humanas.
Popper ignora a concepção ingênua dos empiristas de que o conhecimento começa com
a observação dos fenômenos e defende que ele começa com a construção de conjecturas
teóricas (estas dependem de uma base metafísica de interpretação ─ Kuhn fala melhor
sobre isso utilizando o conceito de “paradigma” e de “gestalt”), ou seja, desde o início
do processo do conhecimento científico, o cientista é um agente ativo de construção do
conhecimento não mero agente passivo.
41
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Da mesma forma, os direitos humanos não são algo dado a priori por algo como um
“direito natural” transcendental, mas construídos imanentemente e ativamente pela
sociedade por meio de suas considerações acerca da natureza metafísica dos entes
humanos.
Esse termo de origem grega teve como base as reflexões filosóficas da Grécia Antiga,
pois havia uma preocupação em explicar a realidade, que as correntes filosóficas da
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
época afirmavam ser expressões do mundo das ideias. Nota-se, nesse contexto, uma
construção filosófica que combina características explicativas e existenciais.
Suas afinidades são visíveis desde os seus primórdios da cultura ocidental, no império
romano, embora nesta época a filosofia não desempenhasse seu papel principal para
promoção e defesa dos direitos humanos.
43
Capítulo 2
Teoria Socialista dos Direitos
Quem quiser ter acesso à teoria marxista do direito e se dirigir, por isso,
aos fundadores do materialismo histórico e dialético, vê-se confrontado
especialmente com duas dificuldades: Marx e Engels, não apresentaram
uma teoria sistemática, fechada, do direito, mas dispersa por toda
obra, fragmentários e dispersos, apenas os primeiros princípios de
uma crítica ao direito da sociedade burguesa. Além disso, na teoria
marxista do direito moderno [...], tanto essas afirmações quanto seu
ulterior desenvolvimento têm de ser entendidas na base da concepção
materialista da história e do método e a crítica marxista como decorrem
do conjunto de toda obra de Marx. No conjunto da obra de Marx, o
ponto principal reside na crítica da economia política como orientação
teórica da ação prática (MAZUREK, 2002, p. 443).
Dentro de uma perspectiva marxista, Mazurek nos informa que “o tipo comportamental
do sujeito livre só se pode manter teoricamente como base da teoria da liberdade de
contrato (autonomia privada), se ele se basear, exclusiva e diretamente, na troca de
mercadorias e materiais equivalentes” (MAZUREK, 2002, p. 453).
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
De acordo com o autor, esse fato é o que leva Marx a tratar apenas da aparência
objetiva dos direitos, uma vez que, ao contrário da troca de equivalentes do mercado
de trabalho, neste caso, a troca é apenas aparente. O conceito de justiça, portanto dos
direitos humanos, não é compreendido como um postulado a-histórico de justiça,
porém apenas como um conceito prático que é preciso examinar por meio do confronto
como a prática social.
Com efeito, Per Mazurek traz, baseando-se em Paul, as duas exigências adquiridas por
Marx na reflexão sobre o sentido do direito:
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
O erro, então, para Mazurek (2002), da teoria socialista do direito, foi o de conceber a
história como “processo de emancipação objetivo”. Uma vez que Marx trata das relações
sociais como “matéria social”, Lenine entende a existência da matéria em um sentido
metafísico e filosófico, visto que está em perfeito acordo com a ciências naturais.
O autor tem profunda a razão em afirmar que a consciência perde a sua especificidade
quando se torna um mero reflexo simplesmente uma cópia da matéria ao se pensar nela
como simplesmente algo material.
Apenas para solidificar o que falamos até aqui, para Marx, a sociedade divide-se da
seguinte forma:
Infraestrutura Superestrutura
Divide-se em dois níveis:
Estrutura econômica, forma das 1) Estrutura jurídico-política, é formada 2) Estrutura ideológica (filosofia, arte, religião etc.),
relações de produção e forças pelas normas e leis que correspondem à justificativa do real, é formada por um conjunto de ideias
produtivas sistematização das relações já existentes de determinada classe social que, mediante sua ideologia,
defende seus interesses
Fonte: Elaboração do autor com dados de Lakatos e Marconi (2010, p. 48).
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
»» comunidade tribal;
»» sociedade asiática;
»» cidade antiga;
»» sociedade germânica;
»» sociedade feudal;
A consciência é abrangida em Marx como parte do ser; por meio do ser social, é sabido,
dentro dessa perspectiva, que o homem constitui o sujeito/objeto do conhecimento
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Mazurek (2002) ainda nos traz riquíssimas informações sobre a teoria socialista do
direito, as quais nos valem ter contato imediatamente direto:
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
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Capítulo 3
Cronologia dos Direitos: da antiguidade
à modernidade
Na Antiguidade
Na era arcaica pré-científica, data anterior ao século VII a.C., informa-nos
Kaufmann (2002) que o direito apenas existia em sagas, contos, ritos e mitos, hábitos
dos homens. O homem arcaico também buscava explicar o mundo por meio de algumas
questões metafísicas. Baseava-se muito mais nos fenômenos da natureza, no mundo na
vida e seu cotidiano, e tudo o que fazer analogia com um homem. E era também através
do mito que o direito se baseava.
Kaufmann (2002, p. 62) informa que a maneira de pensar polarizado dos gregos atinge
sua máxima em Heráclito, o Obscuro (ca. 500 a.C.), ao qual influenciou praticamente
todos os pensadores que lhe sucederam, a saber:
»» a teoria das ideias de Platão, segundo a qual atrás do mundo das aparências
(φαινώ-μενα) está o mundo da ideia, do verdadeiro ser (νονμενα);
Em Heráclito, temos a concepção de mundo que somente tem lugar aquilo que se
processa, o devir. Com isso, todas as coisas são oriundas da contradição, e todas as
situações são regidas por uma lei do mundo, a razão do mundo: logos.
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Os sofistas, por seu turno, voltaram a diluir a pureza do direito natural, especialmente
em Protágoras (480-410 a.C.), Górgias e Trasímaco (ambos entre 450 e 350 a.C.),
Epicuro (371-270 a.C.) e Carneiades (214-129 a.C.), estes últimos cultivavam perspectiva
cética, segundo a qual nada seria justo por natureza. Enquanto Cálicles (séc. V a.C.)
defendeu o mesmo, que cada um possui o direito de satisfazer seus desejos por meio de
qualquer meio.
Bastante curioso é que, nesta sequência, Platão (427-347 a.C.) configurou uma série
de pensamentos filosóficos ao longo da história, um oriundo de outro. O fundador da
Academia de Atenas procurava pensamentos que não eram provenientes apenas da
opinião subjetiva (δόξα), mas que representasse um saber universal (έπιστήμη). Ele
queria avançar para uma esfera de verdade liberta de qualquer dúvida.
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Para facilitar o entendimento, vejamos dois esquemas sobre justiça de direitos igualitários
que Kaufmann (2002, p. 72) nos traz a despeito da Antiguidade, especialmente no
estoicismo:
Esquema 1.
A Justiça (iustitia 1)
(justiça em sentido estrito: igualdade de direitos)
Sociedade
Iustitia
distributiva
Justiça
Distributiva Indivíduos
A1 A2 A3 B1 B2 Bn
Indivíduos
Justiça comutativa
(justiça de troca)
Esquema 2
Justiça
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Após isso, Plotino recai sobre a questão do Uno, que é o Bem, ao qual tem liberdade,
livre vontade e autodeterminação, ekousíon e autexousíon. Onde este Uno é a causa
de si mesmo, e toda a questão da causa sui a qual foge em alguma medida de nosso
objetivo. Em suma, o Uno é simplesmente causa de si mesmo, ou seja, Deus, a causa
de todas as coisas é incausado, não pode ser em si mesmo o efeito, pois, se o fosse,
sua causa seria o próprio Deus. Esta filosofia também influencia Schelling e Leibniz,
guardadas as devidas proporções.
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Essa ‘doutrina do direito natural’ que então servirá de pensamento base da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Em 1789, a tão famosa Revolução na França se iniciou por parte do povo. A fundamental
desse evento foi o fato de que abriu a Idade Contemporânea como a conhecemos hoje.
Por diversos motivos políticos e econômicos, tais como o imperialismo sem nenhum
esboço de democracia republicana, se teve uma revolta popular sem precedentes na
história da França.
Como na Reforma protestante havia diversos nobres que buscavam ainda mais poder,
propriedades e dinheiro se posicionavam em favor da tomada de poder da Igreja
Católica, foram os burgueses na década de 1780 na França, os quais almejavam mais
riquezas, bens e poder para si, dessa forma apregoaram a Revolução de uma maneira
ímpar na história.
Após o iluminismo, o povo já não era mais refém do império, passando a exigir seus
direitos como humanos, desse modo não somente os burgueses, mas pobres em geral,
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
O absolutismo monárquico até então era o que regia a França, cujos três estados acima
representavam o Estado Absolutista. Novamente, o povo francês influenciado pela forte
onda iluminista cobrou intensamente uma resposta da nobreza e do alto clero frente
aos seus direitos, uma vez que estes não pagavam impostos e possuíam o total direito
de se lançar a cargos públicos.
A Assembleia dos Estados Gerais foi uma reposta medrosa dos primeiro e segundo
estados, já que viram o abalo que estava se encontrando a sociedade em geral, na
tentativa de obrigar o povo em geral a continuar pagando tributos. Em maio de 1789,
surgiu o conflito interno dos primeiro e segundo estados logo após a Assembleia no
palácio de Versalhes. Depois de alguns outros impasses, os revolucionários, ao
saírem às ruas, gritavam “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
O terceiro estado (a burguesia e parte do povo) foram os reais responsáveis por esta
revolução e, em 10 de junho, uma Assembleia Nacional para que se formulasse uma
nova constituição para o país fora feita. Obviamente, o rei e o Alto Clero nem sequer
responderam, porém, em 17 de Junho, juntou-se o terceiro estado e todas as suas
vertentes uniram-se, mesmo sem resposta dos dois primeiros para elaborar a nova
constituição por conta própria. Iniciou-se a Revolução Francesa.
A economia não estava nada boa, apoiado pelo fato de que o meio ambiente não ajudava
muito, a agricultura em geral passou a se encontrar em forte queda, em decorrência
disso, fome e miséria eram latentes na maior parte do território nacional.
Para piorar mais ainda a revolta do terceiro estado, o Rei Luís XVI em vez de cobrar
tributos de quem podia pagar, já que a economia se encontrava mal das pernas, acabou
por cobrar dos que não podiam. Dessa forma, em 14 de julho de 1789, toda a massa
popular inundou a Bastilha17, resultando que, em 4 de agosto, a Assembleia Nacional
instituiu diversos decretos que tirava muitos privilégios da nobreza.
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
doutrina do direito natural, segundo a qual em qualquer local o homem não deixa sua
natureza, por isso, todos os seres humanos precisam ter seus direitos respeitados e
devidamente exigíveis.
Houve um levante contrarrevolucionário por parte do rei Luís XVI, caindo por terra a
Monarquia Constitucional, e por consequência a dissolução da Assembleia Constituinte
e a Convenção Nacional de um novo parlamento.
Após esse período, o nome mais cotado para dar ordem a todo esse caos, por parte da
burguesia, fora Napoleão Bonaparte, que vinha ganhando prestígio ao longo dos anos,
o general que, em 1799, perdurou quinze anos no poder. Seu golpe foi um tiro fatal em
10 de novembro de 1799, episódio este que fico conhecido como 18 Brumário.
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Kaufmann (2002) tenta resumir em uma frase o “fracasso” do Iluminismo neste aspecto:
O autor chama atenção para que, se olharmos para história, veremos que sempre
se confrontaram ou substituíram de maneira recíproca duas concepções extremas
sobre a tarefa da filosofia. Uma das correntes pensa que a filosofia tem a tarefa de
fazer afirmações absolutas, genérica e imutáveis sobre o mundo, sobre os homens e
seus direitos. Mas sempre é fracassada qualquer linha de pensamento absoluto neste
sentido. Citando Kant, ele afirma que o conhecimento puro apenas contém a forma por
meio da qual alguma coisa é conhecida. Os conteúdos são impuros quando estes não
são provenientes do entendimento, mas, sim, da experiência, que vale a posteriori.
Resultando em outra corrente por meio dessa descoberta. De acordo ainda com
Kaufmann (2002), em nome da pureza do filosofar, ela abstém qualquer conteúdo,
especialmente das afirmações sobre valores (tal como é tratado por Max Weber, Hans
Kelsen, Reine Rechstslehre etc.), dirigindo-se apenas às formas do ser, do pensar e do
direito.
Para o autor, não é possível ter as duas coisas, ou seja, a pureza formal e a força formativa
com conteúdo significativo.
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
ano após as Ideias Para Uma Fenomenologia Pura e para Uma Filosofia
Fenomenológica (1913), de Edmund Husserl, surgiram os Elementos
da Filosofia do Direito (1914) de Radbruch, com os quais começou um
novo questionar do conteúdo e da correção do direito. Radbruch, tantas
vezes apelidado de testemunha principal do positivismo, é, na verdade,
aquele que o superou. A começar no “dualismo de método” entre ser
e dever-ser [...], passando pelo pensamento das “determinabilidade
material da ideia”, até a doutrina, da última fase, da “natureza das
coisas”, percorre-se um caminho reto. O nome de Radbruch opera
a transição para o novo capítulo da filosofia do direito: uma filosofia
do direito para além de direito natural e positivismo (KAUFMANN,
2002, p.44).
Por fim, Kaufmann (2002) conclui que o pensamento autoritário torna uma
comunicação à partida impossível. O relativismo abdica de maneira prematura um
diálogo comunicativo quando não se é verificado uma coincidência no conteúdo. A
meta do discurso filosófico é o alcance de um consenso intersubjetivo, e, nesse sentido,
a busca da verdade.
Immanuel Kant
É preciso ter bem presente o que Kant demonstrou, o que ele refutou
e até que ponto se estende a sua argumentação. Ele provou não ser
possível deduzir o conteúdo de uma metafísica – de um direto natural
– simplesmente a partir de princípios formais aprioristicos, sem
recorrer ao empírico, e que, por isso, uma metafísica com conteúdo
jamais poderá ter validade universal e ser matematicamente exata.
Desse modo, foi rejeitada a pretensão de se poder fundar, a partir da
“natureza”, um direito natural com um conteúdo inequívoco igual para
60
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Diante desse pensamento, está claro que a Declaração dos Direitos Humanos do mundo
contemporâneo contém bases da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
séculos atrás, mas que não significa que esta terá os mesmos efeitos daqui a décadas ou
séculos, e por isso o autor usa o adjetivo incontornável.
Kant traz uma nova revolução ética18, um mundo de forças e choques, infinito, sem
limites no espaço e no tempo. Não ser mais como modelo moral. Kant apoia-se no artigo
4 da Declaração de 1789, “ao formular o seu princípio geral do direito, segundo o qual
toda ação é equitativa, quando sua máxima permite uma convivência entre liberdade
de arbítrio de cada um e a liberdade de todos, conforme uma lei geral” (HABERMAS,
2012, p. 114).
61
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Falamos adiante sobre as concepções habermasianas dos direitos humanos e sua tão
marcante filosofia comunicativa.
É uma Ética Meritória, pois todos temos dificuldades em realizar nosso dever em seguir
os mandamentos da moral. Kant afirma que se trata apenas de Boa Vontade.
No Humanismo moderno, de acordo com Luc Ferry (2012), tanto no plano moral, quanto
político ou jurídico é a vontade dos homens, desde que eles aceitem se restringir a si
mesmos, estabelecer seus limites, compreendendo que: a liberdade de cada um deve,
às vezes, terminar onde começa a do outro. É apenas dessa limitação voluntária de
nossos infinitos desejos de expansão e conquista que pode nascer a relação pacífica
entre os homens.
A vontade livre, segundo Kant, seria o reino dos fins, ou seja, os seres humanos serão
tratados como fins, não como meios, produzidos pela vontade livre. Mundo da vontade,
não mais da natureza. O homem por excelência digno de respeito.
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
[...] não se pode perder de vista que, com o princípio da autonomia moral
da pessoa, Kant deu um contributo, muito significativo, para
a fundamentação filosófica dos direitos humanos (apesar de
não existir um direito natural objetivo, existem, sim, direitos subjetivos
«naturais», inatos ao homem por igual). O conteúdo mínimo do estado
de direito indispensável e indisponível, que encontramos, hoje, nos
catálogos dos direitos fundamentais das nossas constituições, é herança
kantiana (KAUFMANN, 2002, p. 100, grifos nossos).
Ainda há muito o que se falar nas eras pós-kantianas, porém o espaço não nos
permitiria, destarte sugerimos as leituras complementares presentes no tópico
final deste material: para (não) finalizar.
63
Capítulo 4
Habermas e os Direitos Humanos: da
modernidade à contemporaneidade
Com ajuda dos direitos que garantem que os cidadãos tenham pleno exercício e
autonomia política, Habermas enxerga a possibilidade de explicar o paradoxo do
surgimento da legitimidade a partir da legalidade. Então, ele responde à pergunta: por
que se trata de um paradoxo?
64
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Com bastante frisado até este ponto de nosso material, Habermas também trata das
grandes influências da filosofia Idealista para o direito, quando ele fala da autonomia
privada e pública, direitos humanos e soberania do povo. O valor inseparável conferido
ao direito privado cresce, à medida em que a reflexão progride. Para Habermas (2012,
p. 116), “‘o direito no sentido subjetivo’ é legítimo por si mesmo, porque ele, partindo
da invulnerabilidade da pessoa, da aplicação livre da vontade individual, garante ‘uma
região de dominação independente’ ”.
Com efeito, o século XIX, para Habermas, demonstrou que o direito privado apenas
teria possibilidade de legitimar-se por si mesmo durante o tempo em que a autonomia
privada dos sujeitos do direito se escorasse na autonomia moral da pessoa. O problema
65
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
maior foi que quando houve a perda da fundamentação Idealista da teoria moral
kantiana, automaticamente se perdeu o núcleo normativo de uma legítima liberdade
da vontade, a qual era natural sua necessidade de proteção.
Então o direito passou a se afirmar – e para isso Habermas se apoia em uma interpretação
positivista – “como a forma que reveste determinadas decisões e competências com a
força da obrigatoriedade fática”.
Para o autor, a ruptura entre a pessoa natural e moral faz “o caminho da dogmática do
direito para uma interpretação puramente funcionalista dos direitos subjetivos”. Logo,
para ele, “a doutrina dos direitos subjetivos passa a ser domínio de um funcionalismo
66
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Embora a doutrina de Kant seja extremamente valiosa, Habermas encontra uma falha
no sentido de que o célebre filósofo não respondeu de maneira totalmente clara sobre
a legitimação de leis gerais, as quais deveriam fundamentar o sistema do egoísmo bem
ordenado. Ela também não deixa explícita a relação entre o princípio da moral, da
democracia e do direito.
Mesmo assim Habermas depende que Kant se deu conta de que não há possibilidade
de que os direitos subjetivos sejam fundamentados de acordo com o modelo que
é extraído do direito privado. E por isso ele vai contra as concepções filosóficas de
Hobbes, levantando a objeção que convence Habermas, que é a de que Kant não levou
em consideração o que havia de diferente entre as figuras de (1) legitimação do contrato
de socialização e (2) o contrato privado.
Habermas informa que Kant enxerga nesse direito humano primordial, que possui
suas bases fundamentais voltadas à autonomia de indivíduos morais (preliminarmente
dispostos, dentro de uma ótica social e de uma razão que executa o exame das leis), que
é possível fundamentar mediante de uma característica moral, e não somente por meio
da astúcia, a sua saída do estado de liberdades.
67
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Uma vez que a pergunta acerca da legitimidade das leis que garantem
a liberdade precisa encontrar uma resposta no interior do direito
positivo, o contrato da sociedade faz prevalecer o princípio do direito,
na medida em que liga a formação política da vontade do legislador a
condições de um procedimento democrático, sob as quais os resultados
que apareceram de acordo com o procedimento expressam per se a
vontade consensual ou o consenso racional de todos os participantes.
Dessa maneira, no contrato da sociedade, o direito dos homens a iguais
liberdades subjetivas, fundamentado moralmente, interliga-se com o
princípio da soberania do povo. Os direitos do homem fundamentados
na autonomia moral dos indivíduos, só podem adquirir uma figura
positiva através da autonomia política dos cidadãos. O princípio do
direito parece realizar uma mediação entre o princípio da moral e o da
democracia (HABERMAS, 2012, p. 127).
68
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Habermas lembra também que o direito natural cristão, ao qual reflete o ethos da
sociedade global, ultrapassa as camadas da população, fazendo a ligação das diferentes
ordens sociais. Ele cita as concepções filosóficas cristãs de Tomás de Aquino, Kierkegaard
e outros cristãos influenciadores da moral e do direito.
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
os Direitos Humanos são pautados. Na razão de que o homem, por ser um ser racional
e dotado de sensibilidade, capaz de se relacionar com os seus demais e de se adaptar ao
meio em que vive, deva possuir direitos inatos à sua existência e inerentes à sua pessoa.
À medida que são diferenciadas as questões éticas e morais (obviamente por meio de
uma filtragem discursiva, nas concepções habermasianas), a substância normativa
encontra a sua expressão na dimensão da autorrealização e da autodeterminação. Com
efeito, Habermas está certo de que os direitos da soberania do povo não estão à mercê
dessas duas dimensões.
Logo, em Habermas, temos que nem Kant tampouco Rousseau conseguem descobrir o
nexo interno entre os direitos humanos e a soberania do povo, que, para ele, “reside no
conteúdo normativo de um modo de exercício da autonomia política, que é assegurado
por meio da formação discursiva da opinião e da vontade, não através de formas das
leis gerais” (HABERMAS, 2012, p. 137, grifos do autor).
70
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Em decorrência disso – e aqui Habermas deixa mais claro ainda seu raciocínio – o tão
sonhado nexo interno entre os direitos humanos e a soberania do Povo apenas será
estabelecido, “se os sistemas dos direitos apresentar as condições exatas sobre as quais
as formas de comunicação [..] podem ser institucionalizadas juridicamente”.
Por fim:
71
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
72
Capítulo 5
Sociologia, Democracia, Cidadania e
os Direitos Humanos
Direitos Definição
São os direitos de que os indivíduos dispõem para regular suas próprias relações recíprocas. Compreendem as
Civis
liberdades individuais de expressão, reunião, imprensa, associação.
Políticos Direito de participar do poder político, isto é, votar e ser votado. A máxima expressão é o sufrágio universal.
Nesta relação direita ao ser humano, pode afirmar que os direitos humanos são uma
exigência da própria raça humana para garantir a autonomia e o livre desenvolvimento
dos seres humanos. “Portanto, os direitos humanos se referem à condição humana
em si, independentemente de características culturais, econômicas, sociais,
nacionais, religiosas e outras, situando-se no domínio de uma antropologia abstrata”
(BRAGATO, 2006).
Bobbio (2004) ressalta aqui, dentre os diversos pontos de vista examinados, que existe
espaço fundamental dos direitos humanos no estudo da sociologia jurídica.
73
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Ele afirma que a multiplicação desses conceitos se deu por três motivos principais:
Bobbio lembra-nos bem que no estado da natureza de Locke, um dos grandes filósofos
inspiradores das declarações de Direitos do Homem e do Cidadão, está peremptoriamente
presente a noção de igualdade, a qual é compreendida que todos são iguais no gozo da
liberdade, tal como presente no artigo primeiro da Declaração Universal. “Direito” é
uma figura deôntica e, portanto, é um termo da linguagem normativa, ou seja, de uma
linguagem na qual se fala de normas e sobre normas.
Bobbio também ressalta que tal universalidade, quando se pensa no eventual gozo dos
direitos de liberdade, não é válida para os direitos sociais, tampouco para os direitos
políticos, visto que, perante eles, os homens somente são iguais em termos genéricos,
mas não específicos.
Com relação aos direitos políticos e sociais, existem diferenças de grupos de indivíduos
para grupos de indivíduos. Existem tratamentos desiguais em todas as esferas e setores
da humanidade, e isso se dá com a maior frequência possível.
74
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Para Bobbio, as declarações dos direitos não são mais do que meros enunciados
filosóficos, portanto sociologia e filosofia estão intrinsecamente ligadas a todas as
questões relacionadas aos direitos humanos.
A sociedade se torna cada vez mais igualitária, pois as exigências da hipótese racional
de análise comportamental real da igualdade e da liberdade dos direitos aumentaram
significativamente e prossegue em aumentar.
75
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
como direito natural. Eram boas razões que tinham suas raízes na
natureza das relações de poder características das sociedades que
haviam gerado tais reivindicações e, por conseguinte, na natureza
específica historicamente determinada — daquelas sociedades
(BOBBIO, 2004, p. 91).
Tão logo vejamos com mais calma este ponto tão importante na figura de Bobbio, o
direito ambiental.
Bobbio (2004, p. 84) traz que, nos movimentos denominados ecológicos, “está
emergindo quase que um direito da natureza a ser respeitada e não explorada, onde as
palavras ‘respeito’ e ‘exploração’ são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente
na definição e justificação dos direitos do homem”.
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Pacote Energia-Clima
Objetivo Meta
Redução das emissões de gases de efeito estufa (baseando-se em 1990). 40%
Incorporação de energias renováveis (até 2030). 27%
Eficiência energética para as interconexões 15%
As causas dessas crises são praticamente idênticas, pois, em ambos, têm demandado
reparações por supostos débitos que nunca serão suficientes. Infelizmente, temos a forte
tendência de acreditar que nossos recursos ecológicos serão infindavelmente duráveis.
O caso mais prático para nós brasileiros é o tão comentado caso amazônico, um
crescimento econômico totalmente desorganizado e pronto para colapsar muito em
breve se nada for feito. A expansão desordenada é fruto também de todas as atitudes
irracionais que nela são tomadas, sem nenhum órgão realmente competente que credite
e esteja no controle de tais atos.
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UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
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Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Em economia verde, esta ideia surge como uma verdade inerente ao plano do homem
como consumidor capitalista, uma vez que pesquisas do setor aferem números
específicos. No livro “Economia Verde”, de Joel Makower (MAKOWER, 2009), são
dados os números sobre o tema:
O crescimento econômico impacta o meio ambiente, isso é um fato empírico, haja vista
o livro de Al Gore “Uma Verdade Inconveniente”. Segundo Thomas e Callan (2010, p.
485), o crescimento populacional mundial se dá em torno de 1,7% ao ano, “os dados
implicam que o resultante impacto ambiental por unidade de renda precisa diminuir a
um índice entre 3,5% e 4% ao ano para evitar mais população e exaustão dos recursos
naturais”, de acordo com os autores, dá-se a relação entre crescimento populacional,
aumento da renda e meio ambiente em determinado tempo, abaixo:
Logo após a Assembleia Geral das Nações Unidas adotar a Declaração sobre Direito
ao Desenvolvimento, Almeida (2002) expõe que a Declaração afirma que o direito ao
desenvolvimento é um direito humano inaliável e que a pessoa humana é o sujeito central
do desenvolvimento, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em
março de 1987, voltou-se à análise da relação entre desenvolvimento e meio ambiente,
introduzindo o conceito de desenvolvimento sustentável, cuja definição é:
79
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Como não nos cabe falar de todos eles aqui em nosso material, fica mais uma dica
de estudos para o aluno proativo interessado. Obviamente a demanda de estudos
que se dá por trás de temas relevantes internacionais não caberia em livros de
grandes volumes, quanto mais em nosso material. Desse modo, a importância
de buscar informações relevantes fora aumentar seus conhecimentos sobre o
tema. Tais assuntos são facilmente encontrados em sites ambientais da Web.
80
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
81
Capítulo 6
Ética e os Direitos Humanos
Ética é o estudo, na filosofia, do que é certo ou errado, tem seus alicerces em princípios
fundados na reflexão da conduta dos seres humanos, tanto para o bem quanto para o
mal ao longo de sua existência. Dessa reflexão contínua, nasceram valores considerados
universais e que os indivíduos se impõem para bem viver em sociedade.
Os Direitos Humanos são, além de uma questão social, jurídica e política, também uma
questão ética, pois, enquanto o Poder Judiciário protege contra a não violação desses
direitos, e os setores político e social buscam as formas mais fáceis de acesso do cidadão
a eles, cabe à ética a construção de um indivíduo mais solidário e justo. A questão da
ética e dos direitos humanos é fundamental para compreendermos como a ética pode
orientar as deliberações que dizem respeito aos direitos fundamentais do homem em
relação com sua cultura e com as normas internacionais.
82
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
[...] ética é uma disciplina teórica sobre uma prática humana, que é o
comportamento moral... A ética tem também preocupações práticas.
Ela orienta-se pelo desejo de unir o saber ao fazer. Como filosofia
prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a ética
busca aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que
deve ser (COTRIM, 2004, p. 264).
Desde que o homem se reconheceu dotado de razão e viu no outro seu semelhante,
a questão ética se faz presente. A partir daí, decorreu a preocupação com o modo de
pensar e agir corretamente, visando a preservar a vida e a dignidade da pessoa, e, para
tanto, era necessária uma convivência ética, reflexo da consciência individual e social
de cada momento histórico. O homem, enquanto ser social, produzindo e reproduzindo
suas relações com o meio e com o outro, projeta uma carga valorativa de um sobre o
outro. O que é ético para um também o deve ser para o outro.
Barroco (2006) defende que ética não trata apenas dos valores positivos, mas, também,
da reflexão acerca da negação desses valores, como a intolerância, o desrespeito ao
outro, a não liberdade, uma vez que a ética trata de compreender o movimento real
entre a afirmação e a negação dos direitos.
Para a autora, a ética tem um caráter universalizante porque sua razão de ser é exatamente
estabelecer a conexão entre a singularidade e a genericidade do homem. Barroco
(2006) pontua que o relativismo ético não é uma alternativa para o enfrentamento da
problemática entre os valores universais e os culturais de determinado povo, para o
relativismo ético “não é possível chegar a um acordo racional universal na discussão
dos princípios éticos, e, portanto, à impossibilidade de discernir, entre juízos morais
em conflito, qual é o correto” (ETXBERRIA, 2002 apud BARROCO, 2006).
83
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Barroco (2006) sugere a defesa do universal como estratégia, ainda que a Declaração
de Direitos Humanos não possa ser tomada como um modelo ético-político perfeito,
uma vez que possui fundamentos que correspondem à cultura ocidental, cristã, liberal e
capitalista. Para a autora, a validade da Declaração sempre deverá ser medida pelo nível
de incorporação das diferentes culturas e de uma construção que estabeleça mediações
entre o particular e o humano genérico, por meio de movimentos mundialmente
articulados e representativos de toda a diversidade existente.
A autora afirma que, nos países islâmicos, o movimento dos direitos humanos é visto
como imposição dos valores ocidentais e símbolo da continuidade da hegemonia
política e cultural do Ocidente. A ética, nesse caso, seria o impulso que permite abordar
criticamente a lei e a moral, e considerá-las inadequadas: “a pulsão ética nos possibilita
não somente contestar e modificar as leis que regulam o “contrato” impositivo em que
se funda a nação, mas, também, distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer
e transformar os costumes das comunidades morais de que fazemos parte” (SEGATO,
2006, p. 222), ética que possibilitaria a revisão da moral que orienta os costumes e a lei
que os limita.
Outro ponto levantado por Segato é o fato de que a discriminação é combatida e criticada
somente em relação aos direitos civis e políticos e é tolerada como inevitável em relação
aos direitos econômicos, sociais e culturais. Para a autora, o anseio ético é o princípio
que pode promover a expansão desses direitos em um movimento universal.
Logo, é bastante corroborado, nesta reflexão, de que a ética está acima da lei (Declaração
Universal dos Direitos Humanos), e acima da moral dos povos e culturas; uma vez que
há pontos de tensão entre lei e moral, o que deve prevalecer é uma reflexão ética acerca
da questão, e a busca compartilhada do que é o certo encontrar um caminho entre o
coletivo e o particular.
A reflexão ética também possibilita o questionamento acerca dos motivos pelos quais os
direitos positivados de segunda e terceira geração ainda não estão ocorrendo na prática,
mesmo nos países do Ocidente, as desigualdades econômicas e sociais são imensas: o
sistema econômico capitalista dificulta a efetivação desses direitos.
A ética constitui o princípio motor dos direitos humanos, é a partir da reflexão ética
que podemos questionar os valores impostos pela lei e aqueles que ainda não foram
84
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
alcançados, encontrar meios para que a lei torne-se praticável e vias de diálogo com as
diferentes culturas e povos para que os Direitos Humanos sejam, de fato, universais.
Ribeiro (2003) afirma que ser ético é não ter respostas prontas, mas assumir o risco de
violar a lei, se preciso for, para buscar o melhor para a humanidade, e se tornar um ser
humano melhor.
Roberto Aguiar (2010) em seu artigo sobre Ética e Direitos Humanos, começa
desenvolvendo uma concepção de termos, visto que para o autor é necessário, primeiro,
compreender os termos e ideias envolvidas, a fim de não cair em ideias formalistas. O
autor inicia com a ideia de Heráclito teria superado Parmênides, sendo assim, as ideias
de transformações seriam superior as das essências imutáveis e fixas.
Para o autor, o ser humano é um ser no tempo, que nele se transforma e constantemente
se constitui. Portanto, é necessário compreender o papel do ser humano na historicidade
e compreender o papel do homem na sociedade. É necessária uma eliminação do
entendimento da sociedade como um todo harmônico, formado de individualidades. O
homem precisa pertencer a uma sociedade complexa, onde seus membros se atraem ou
se repelem em função de diversos fatores, como grupos e classes sociais. Para o autor,
as sociedades funcionam pela lógica das contradições, não pela lógica da identidade,
não sendo, assim, harmônicas.
Para Aguiar (2010), os direitos não podem se traduzir apenas em leis e códigos,
mas também seriam constituídos pelos conflitos da sociedade, que mostrariam as
transformações e avanços da humanidade. Sendo assim, é preciso ver o direito sob o
ângulo do contexto de sua origem, da forma que foi normatiza e de seus efeitos na
sociedade.
Aguiar (2010) também analisa a visão dos direitos humanos na história, afirmando que
o entendimento do tema no século XVIII na França não teria o mesmo significado de
tratar o tema no Brasil atual, visto que a sociedade atual, com as mudanças históricas,
vive novos problemas e novos entendimentos, que garantem um novo referencial para
os direitos humanos na sociedade.
85
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
definição de justiça, de origem romana. O autor oferece uma análise crítica ao modelo
romano, que traduziria a justiça como “viver honestamente, não lesar o outro e dar a
cada um o que é seu”.
No entanto, o que parece ser uma expressão edificante, na verdade seria uma estratégia
de exercício de poder. Para isto, Aguiar (2010) utiliza-se de figuras como Hitler e
Pinochet, afirmando que ao se pensar na expressão romana, poder-se-ia encontrar
justificativas para as ações desses ditadores.
O autor segue sua análise ao comentar sobre o surgimento da expressão cidadão nas
cidades-estados e avança para a Idade Média Feudal, onde, para o autor, o sentido
de direito e cidadania passa por um retrocesso. As leis humanas e naturais perderam
espaço para as leis divinas, o que teria trazido uma hegemonia ideológica e política
da igreja. É importante citar uma frase dita para o autor, sobre a questão ética nesse
período: “O campo ético estava apartado do ser humano, uma vez que era a vontade
divina o árbitro da justiça dos direitos” (AGUIAR, 2010).
Ocorre a evolução das relações sociais, com o enfraquecimento a partir do século XVII,
no qual o racionalismo e uma nova classe burguesa surgem. É um momento histórico
com diferentes revoluções, com foco na Revolução Francesa, que originou a Declaração
dos Direitos Humanos e que propiciou o aparecimento do Código Civil de Napoleão, em
1810, base para grande parte das legislações ocidentais, conforme já tratado.
86
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Surge, então, a preocupação com os direitos humanos sociais, que mais tarde são
consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Na declaração, é
possível encontrar os novos valores éticos traduzidos por diferentes preocupações da
população, como condições justas e favoráveis ao trabalho, direito de governar e eleger,
entre outros.
Nesse cenário, a justiça passaria a ter como critério o reconhecimento entre os homens,
tendo a igualdade sendo analisada sobre as óticas social, econômica e política. A
cidadania é estendida a todos, sendo o ser humano, agora, o sujeito da história.
Aguiar (2010) conclui sua análise focando-se no termo ética. Para ele, é uma questão de
optar sobre valores que não admitem meio termo. A opção ética permite a participação,
enquanto cidadãos organizados, em que o poder político é centrado na coletividade.
Para o autor, essa é uma forma de constituir liberdade no processo histórico. Além
disso, afirma que os direitos só podem ser concretizados por uma ação ético-política.
Ao empobrecer a ética, deixando-a apenas para o campo dos mandamentos dos códigos,
acabamos por admitir que o direito é somente um conjunto de leis de um dado Estado,
87
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
Kant demonstra a importância do respeito ao outro nas relações: “age de tal forma
que tu trates a humanidade, tanto na tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro,
sempre como um fim e nunca como um meio”, ou seja, fazer aos outros aquilo que se
deseja ser feito a nós mesmos. Para melhor compreensão disso, de maneira superficial,
é também necessário conceber a notória e talvez mais famosa concepção kantiana – o
imperativo categórico:
Kant diz ainda que a Ética é autônoma, ditada pela consciência moral e consiste em um
equilíbrio entre a lei e a liberdade, em que deveres e obrigações derivam da moralidade,
a qual ele chamou de imperativo categórico – ética da convicção. Weber, por sua vez,
afirmava que a Ética decorre da responsabilidade, que a pessoa é responsável por
seus atos, que ela analisa as circunstâncias contextuais (presente) e suas possíveis
consequências (futuro) para tomada de decisões, que seria uma solução pragmática.
88
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Para alguns, a questão sobre a Ética e suas reflexões surgiram na Grécia Antiga, com
seus pensadores, todavia, bem antes dos gregos, outras civilizações milenares, como a
egípcia, judaica, chinesa, hindu, entre outras, já consideravam as questões éticas em
suas relações sociais. O fato é que se atribui a Sócrates, Platão e Aristóteles o título de
fundadores da Ética, pois é a partir deles que se deu uma abordagem mais racional
sobre o tema, diferenciando a lei natural da lei humana. Para eles, de modo geral, a
Ética era essencial à formação do homem e da pólis para a vida em sociedade, a fim de
se alcançar a felicidade e, portanto, ética e política eram indissociáveis.
Na Idade Média, o direito e a moral tinham uma concepção divina, firmados pelos
regimes absolutistas e marcados pela submissão, o direito restrito a poucos, em especial,
o direito à propriedade. Com o Iluminismo, propaga-se o ideário de emancipação do
homem, os direitos humanos tendem a ser considerados como direitos naturais, inatos
a qualquer indivíduo. O sujeito iluminista era dotado de personalidade individual,
racional, sendo assim consciente e responsável por seus atos. Nesse ponto, a Ética e o
direito deslocam-se dos princípios religiosos, tornando-se decorrente da racionalidade
do homem.
A relação entre ética e direitos humanos reside intrinsecamente na ideia comum a ambas
de se resguardar e preservar a vida e a dignidade do ser humano. Tem sua percepção
condicionada ao tempo/espaço por múltiplos fatores de ordem econômica, política,
social e cultural, movidos por tensões, conflitos e movimentos no decorrer da história.
As lutas e os movimentos em prol dos direitos humanos tomaram formas diversas, em
sintonia com as muitas culturas e sistemas políticos-jurídicos.
Para Norberto Bobbio (2004, p. 30) – tal como já tratamos em alguma medida – “os
direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como
direitos positivos particulares, para finalmente encontrar sua plena realização como
89
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
direitos positivos universais”, diz ainda que o homem, como indivíduo, deve ser livre,
e como ser social, deve estar em relação de igualdade com os demais indivíduos. A
legitimação dos direitos dos cidadãos, os quais são desdobramento dos direitos
fundamentais.
Com efeito, a importância da reflexão sobre a Ética nas relações individuais e coletivas
permite a construção de uma consciência social mais ampla, do compromisso com a
coletividade e com os problemas sociais, que não podem causar apenas indignação e
repulsa.
Barroco (2001, p. 56) destaca que, “quando a Ética não exerce esta função crítica, pode
contribuir, de modo peculiar, para a reprodução de comportamentos alienantes [...]
favorecendo a ideologia dominante”.
O direito, em muitas situações, é confundido com a lei, que, na verdade, deve ser uma
expressão sua. Portanto, para que sejam praticados os valores igualitários inscritos no
pensamento que norteia as sociedades liberais - de homens livres e iguais perante a
lei, por fim, cidadãos – pressupõem-se necessárias condições jurídicas e políticas que
possibilitem sua realização em amplitude universal, que busque superar a problemática
fundamentação versus efetivação.
90
Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia │ UNIDADE II
Torna-se claro, diante dos muitos conflitos e das contradições motivados pelos choques
de interesses e diversidade dos grupos sociais, que a dignidade e a liberdade não são um
fato concreto, mas um valor e ideal a ser perseguido.
Não há como discutir cidadania apartada de direito e suas implicações éticas, porque
um incorre no outro, e ambos estão relacionados à vida humana e à sua dignidade na
perspectiva das relações de poder entre as classes, no universo capitalista.
91
UNIDADE II │ Direitos Humanos, Filosofia e Sociologia
92
Para (não) Finalizar
Desse modo, está claro que esta não é uma forma de esgotar o assunto, visto que os
conteúdos, os artigos e as sugestões de leituras complementares diversos aqui citados
estão baseados em outros, os quais, por sua vez, tomaram por consulta outros e assim
sucessivamente. Esse é o brilho do escalonamento do conhecimento.
93
Para (Não) Finalizar
»» Carta Universal dos Direitos dos Povos, a qual está fora do domínio
internacional da ONU e de outras organizações;
»» HegeleacríticaaoestadodenaturezadoJusnaturalismomoderno.Disponível
em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2011000100005>.
94
para (não) finalizar
95
Para (Não) Finalizar
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-38862013000100008&lng=e
n&nrm=iso&tlng=es>.
96
para (não) finalizar
»» O direito que toda pessoa tem de participar da vida política de seu país
(Art. XXI).
Leia também:
97
Para (Não) Finalizar
Artigos:
Veja também:
98
Referências
______. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez. 2001
BIESANZ, J. B. et. al. Introdução à ciência social. São Paulo: Editora Nacional;
Editora da USP, 1972.
99
Referências
CONTI, R. A. de. História da filosofia dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi,
Teresina, ano 13, no 1929, 12 out. 2008. Disponível em: <https://jus.com.br/
artigos/11846>. Acesso em: 10 abr. 2016
EWING, A. C. O que é filosofia e por que vale a pena estudá-la. 2016. Disponível
em: <http://filosofia.paginas.ufsc.br/files/2013/04/O-que-%C3%A9-Filosofia-e-por-
que-vale-a-pena-estud%C3%A1-la.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2016.
FERRY, L. Aprender a viver: filosofia para os novos tempos. Rio de Janeiro: Objetiva,
2012.
100
Referências
KANT, I. Crítica da razão prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70,
1995.
101
Referências
POPPER, Karl. A lógica da investigação científica. São Paulo: Abril S.A. Cultural,
1975. Sexualidade Ainda é Um Tabu.
RONIGER, L. O legado das violações dos direitos humanos no cone sul. São
Paulo: Perspectiva, 2004.
103
Anexo I
TERMINOLOGIA DEFINIÇÕES
O Direito Internacional Público tem por princípio ainda vigente o do livre consentimento. Tal princípio,
nascido com o advento da revolução francesa, e posteriormente do positivismo jurídico, passou a ser
um dos mais importantes elementos da vida societária internacional [...]. Para se configurar como
tratado, este acordo internacional que se conclui deve ser tomado em seu sentido jurídico. Ou seja, não
Acordo internacional
basta que um dado documento internacional contenha uma convergência de vontades que expresse
um “acordo” entre partes. É necessário que este acordo tenha por finalidade criar entre essas mesmas
partes um vínculo juridicamente exigível em caso de descumprimento. Em outras palavras, o acordo
concluído deve visar à produção de efeitos jurídicos.
Os tratados internacionais são, diferentemente dos costumes, acordos essencialmente formais. E tal
formalidade implica obrigatoriamente a sua escritura. Somente por meio de sua escritura é que se pode
Celebrado por escrito
deixar bem consignado o propósito a que as partes chegaram após a sua negociação. A forma de
celebração oral não satisfaz, pois, o requisito da formalidade.
Como atos jurídicos internacionais, os tratados só podem ser concluídos por entes capazes de assumir
Concluído entre Estados
direitos e obrigações no âmbito externo.
Para um ato internacional ser considerado tratado, deve ele operar dentro do âmbito do Direito
Regido pelo Direito Internacional. Dois Estados podem formalmente (por escrito) celebrar um acordo internacional e este
Internacional acordo (que não deixou de ter ammus contrahendi) não ser tratado por faltar-lhe a regência do direito
das gentes, caso seja governado pelo direito interno de um dos Estados contratantes.
Celebrado em instrumento Além do texto principal do tratado, podem existir outros instrumentos que o acompanham, a exemplo
único ou em dois ou mais dos protocolos adicionais e dos anexos, produzidos concomitantemente à produção do texto principal.
instrumentos conexos
A Convenção de 1969 deixa bem claro que a palavra “tratado” se refere a um acordo regido pelo
Direito Internacional, “qualquer que seja sua denominação específica”. E dizer tratado é expressão
Ausência de denominação
genérica, variando as denominações utilizadas conforme a sua forma, seu conteúdo, seu objeto ou seu
específica fim. O que importa saber, para a configuração da existência de um tratado, assim, se preenche com os
seus requisitos ou elementos essenciais, acima estudados, e não a denominação que lhe é atribuída.
É a expressão genérica por natureza, eleita pela Convenção de Viena de 1969 para designar todo
acordo internacional, bilateral ou multilateral, de especial relevo político, qualquer que seja sua
Tratado denominação específica (art. 2o, § lo, alínea a). O termo designa normalmente (mas não exclusivamente)
os ajustes solenes concluídos entre Estados, e/ou organizações internacionais, cujo objeto, finalidade,
número e poderes das partes têm maior importância.
Esta expressão começou a ser empregada no sentido atual a partir da proliferação dos congressos e
das conferências internacionais, nos quais matérias da maior relevância para a sociedade internacional
passaram a ser frequentemente debatidas, dando à luz atos internacionais criadores de normas gerais
Convenção de Direito Internacional Público, demonstrativos da vontade uniforme das partes em assuntos de
interesse geral. A expressão convenção conota então aquele tipo de tratado solene (e multilateral) em
que a vontade das partes não é propriamente divergente, como ocorre nos chamados tratados-contrato,
mas paralela e uniforme, ao que se atribui o nome de tratados-lei ou tratados-normativos.
É a terminologia utilizada no acordo constitutivo do Pacto da “Sociedade das Nações”, de 1919. Na
Pacto atualidade, a expressão tem sido utilizada para restringir o objeto político de um tratado, do qual é
exemplo o Pacto de Aço celebrado em Berlim em 1939.
104
anexos
TERMINOLOGIA DEFINIÇÕES
Comumente emprega-se a expressão para designar tratados de natureza econômica, financeira,
comercial ou cultural, podendo, contudo, dispor sobre segurança recíproca, projetos de desarmamento,
Acordo questões sobre fronteiras, arbitramento, questões de ordem política, etc. Entende-se por acordo, assim,
os atos bilaterais ou multilaterais - muitas vezes com reduzido número de participantes e de relativa
importância cuja natureza pode ser política, econômica, comercial, cultural ou científica.
Emprega-se a troca de notas diplomáticas para assuntos de natureza geralmente administrativa, bem
Acordo por troca de notas como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos. São acordos que, como já se deu
notícia, são firmados em momentos distintos e no nome de apenas uma das partes.
São também conhecidos pela expressão americana executive agreements. A expressão designa aqueles
tratados concluídos pelo Poder Executivo sem o assentimento do Poder Legislativo. São concluídos, na
Acordo em forma simplificada maioria dos casos, por troca de notas diplomáticas, troca de correspondências, ou outro procedimento
ou acordo do executivo similar, sendo sua assinatura, em regra, suficiente para obrigar o Estado. Caracterizam-se, pois, pela sua
conclusão imediata (negociação e assinatura), dispensando-se desse procedimento a ratificação do
Chefe de Estado.
É a expressão designada para expressar aqueles acordos de cavalheiros regulados por normas de
Gentlemen’s agreements conteúdo moral e cujo respeito repousa sobre a honra. São concluídos entre Chefes de Estado ou de
Governo, estabelecendo uma linha política a ser adotada entre as partes.
Comumente empregada para estabelecer os instrumentos constitutivos de organizações internacionais,
Carta podendo também ser empregada para tratados solenes que estabeleçam direitos e deveres para os
Estados-partes.
Além da sua utilização designativa dos resultados de uma conferência diplomática ou de um acordo
menos formal que o tratado, o termo protocolo também tem sido empregado para nomear acordos
Protocolo subsidiários ou que mantêm ligação lógica (v. g., de complementação) com um tratado anterior. Mas
nada impede que o protocolo seja um acordo desvinculado de qualquer outro tratado, uma vez que a
terminologia dos atos internacionais não tem qualquer interesse, a não ser sob o ponto de vista prático.
Terminologia utilizada há alguns anos atrás para designar as resoluções sobre assistência mútua e
Ato ou ata solidariedade americana, conhecida por Ato de Chapultepec, firmado em 1945, na Conferência
Interamericana do México.
É expressão utilizada para aqueles atos que estabelecem certas regras ou princípios jurídicos, ou, ainda,
Declaração
para as normas de Direito Internacional indicativas de uma posição política comum de interesse coletivo.
Utilizado na designação de acordos temporários ou provisórios, normalmente de ordem econômica, de
importância relativa. Essa provisoriedade referida é o seu traço característico mais nítido. A Santa Sé já
“Modus vivendi”
se utilizou por várias vezes desse tipo de acordo internacional para resolver pendências diplomáticas
com certos Estados.
Empregado para os acordos concluídos provisoriamente ou destituídos de caráter jurídico, a exemplo
Arranjo
dos empreendidos junto ao Fundo Monetário Internacional.
Designação empregada nos acordos bilaterais de caráter religioso, firmados pela Santa Sé com Estados
que têm cidadãos católicos versando em geral questões sobre a organização de cultos religiosos),
Concordata exercício da ministração eclesiástica, etc. As concordatas, do ponto de vista formal, não diferem em
nada dos tratados stricto sensu concluídos por sujeitos do Direito Internacional Público (sendo uma das
artes a Santa Sé), motivo pelo qual se lhes aplicam todos os princípios gerais do Direito dos Tratados.
Empregam-se para a finalidade específica de estabelecer concessões recíprocas entre Estados ou de
Reversais ou notas reversais declarar que a concessão ou benefício especial que um Estado faz a outro não derroga direitos ou
privilégios de cada um deles já anteriormente reconhecidos.
Empregados para designar compromissos de importância relativa ou secundária, sem, contudo,
Ajuste ou acordo complementar perderem a características de tratados. É o ato que dá execução a outro, anterior, devidamente
concluído, geralmente colocado ao abrigo de um acordo-quadro ou acordo-básico.
Bastante utilizado na prática brasileira, designa normalmente acordos de interesse político, embora
Convênio também seja empregado para designar ajustes de menor importância, bem como matérias culturais e
de transporte.
Terminologia normalmente empregada na fixação de um acordo (quase sempre bilateral) pelo qual dois
ou mais Estados comprometem-se a recorrer à arbitragem para resolver os litígios existentes entre eles,
Compromisso ou quaisquer outras lides que venham aparecer no futuro. Daí a designação conhecida por compromisso
arbitral, normalmente quando já existe tratado de arbitragem anterior prevendo esta cláusula geral de
resolução de conflitos.
Geralmente empregado para os tratados que estabelecem normas para os tribunais de jurisdição
Estatuto internacional.
105
anexos
TERMINOLOGIA DEFINIÇÕES
Um tanto quanto raro, esta terminologia não apresenta uma definição muito nítida. Foi a denominação
Regulamento que se utilizou no Congresso de Viena de 1815 (Réglement de Vienne), para estabelecer a ordem de
precedência no serviço diplomático.
A expressão não tem sido formalmente utilizada no cenário internacional, sendo o único texto de
que se tem notícia sob esta denominação o Código Sanitário Pan-Americano de Havana, de 1924.
Código Sob o cognome código, entretanto, convencionou-se chamar algumas convenções internacionais,
como o “Código de Bustamante”, de 1928, cujo título oficial é Convenção Interamericana de Direito
Internacional Privado.
É raríssimo o emprego do termo Constituição para designar tratados internacionais, sendo um dos
motivos óbvios para tanta confusão que se pode fazer com as Constituições estatais. O exemplo que
Constituição se conhece de tratado chamado de Constituição é o instrumento constitutivo da OIT, chamado de
Constituição da Organização Internacional do Trabalho, adotado originalmente em 1919, e substituído
em 1946.
Sua utilização tem sido evitada na prática internacional, por ser um termo intimamente ligado ao Direito
Contrato interno, apropriado para designar aqueles acordos celebrados entre um sujeito do Direito Internacional
Público e uma entidade privada, em oposição a um tratado internacional.
Atualmente, cada vez mais se coloca o problema dos chamados “memorandos de entendimento”
Memorandos de entendimentos
concluídos pelos Estados entre si na órbita internacional.
106