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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

Ficha de Identificação - Artigo Final


Professor PDE/2012
Título Literatura infanto-juvenil de Ziraldo: união perfeita entre imagem e
texto
Autor Liana Maria das Graças Stadler
Escola de Atuação Colégio Estadual Professor Pedro Carli Ensino Fundamental e Médio
Município da Escola Guarapuava / PR
Núcleo Regional de Educação Guarapuava
Professor Orientador Prof.ª Ms. Patrícia Elisabel Bento Tiuman
Instituição de Ensino Superior UNICENTRO/Irati
Disciplina/Área de ingresso no PDE Língua Portuguesa
Resumo: Considerando que o letramento literário pode ser compreendido como
o conjunto de práticas sociais que usam o texto literário, como um dos
recursos para trabalhar a inclusão dos saberes necessários ao uso da
norma padrão e acesso aos conhecimentos para os multiletramentos,
propõe-se como atividade de leitura Flicts, obra da literatura infanto-
juvenil do autor Ziraldo (2001), com turmas de 6ª série (7º ano), do
Ensino Fundamental II. Para execução do Projeto de Intervenção,
adotamos um método que despertasse a curiosidade do estudante em
relação à história selecionada. Escolheu-se a técnica de sequência
básica do letramento literário proposto por Rildo Cosson (2007), que
é constituído por quatro passos: motivação, introdução, leitura e
interpretação. Sendo Flicts um livro híbrido, para analisá-lo, optamos
pela proposta de Camargo (1995), o conceito de coerência
intersemiótica, o qual amplia o que seja coerência textual, para o
estudo das relações entre imagem e texto na ilustração de poesia
infantil. A relação dialógica da literatura de Ziraldo com outras
linguagens artísticas e com os temas sociais contemporâneos nos leva
a garantir o aprimoramento das outras práticas, oralidade e escrita, e à
construção de qualquer conhecimento. Sendo assim, ressalta-se a
importância de se explorar esse texto no Ensino Fundamental II.

Palavras-chave: Letramento literário. Coerência intersemiótica. Flicts.


Literatura infanto-juvenil de Ziraldo: união perfeita entre imagem e texto

STADLER, Liana Maria das Graças


(Professora PDE/2012)
TIUMAN, Patrícia Elisabel Bento
(Prof. Ms. Orientadora/UNICENTRO)

RESUMO: Considerando que o letramento literário pode ser compreendido como o conjunto
de práticas sociais que usam o texto literário, como um dos recursos para trabalhar a inclusão
dos saberes necessários ao uso da norma padrão e acesso aos conhecimentos para os
multiletramentos, propõe-se como atividade de leitura Flicts, obra da literatura infanto-juvenil
do autor Ziraldo (2001), com turmas de 6ª série (7º ano), do Ensino Fundamental II. Para
execução do Projeto de Intervenção, adotamos um método que despertasse a curiosidade do
estudante em relação à história selecionada. Escolheu-se a técnica de sequência básica do
letramento literário proposto por Rildo Cosson (2007), que é constituído por quatro passos:
motivação, introdução, leitura e interpretação. Sendo Flicts um livro híbrido, para analisá-lo,
optamos pela proposta de Camargo (1995), o conceito de coerência intersemiótica, o qual
amplia o que seja coerência textual, para o estudo das relações entre imagem e texto na
ilustração de poesia infantil. A relação dialógica da literatura de Ziraldo com outras
linguagens artísticas e com os temas sociais contemporâneos nos leva a garantir o
aprimoramento das outras práticas, oralidade e escrita, e à construção de qualquer
conhecimento. Sendo assim, ressalta-se a importância de se explorar esse texto no Ensino
Fundamental II.
PALAVRAS-CHAVE: Letramento literário. Coerência intersemiótica. Flicts.

1 INTRODUÇÃO

Demonstraremos aqui o trabalho de letramento com a prática do ensino da leitura


literária, iniciada com o texto Flicts de Ziraldo (2001). Para esse enfoque utilizamos teorias,
técnicas e metodológicas de autores preocupados com a educação e a formação de leitores.
Adotamos a técnica de sequência básica do letramento literário proposta por Cosson (2007),
para a prática da leitura e conhecimento da obra.
A fim de analisar o livro (imagem e texto), optamos pela técnica de Camargo (1995)
e o conceito de coerência intersemiótica. Para a parte teórica pesquisamos obras de autores
como: Abdala & Campedelli (1982), Azevedo (2005), Bordini & Aguiar (1993), Khéde
(1986), Machado (2001), Paraná (2008), Zilberman (2003).
Para a leitura, além de Ziraldo, utilizamos obras de outros autores como: Albergaria
& Franco (1997) que realizaram uma compilação dos contos de Andersen, Meireles (1964),
Moraes (1980). O pensamento desses estudiosos e pesquisadores foi de extrema importância
para aprimorar as habilidades de leitura, oralidade e escrita dos alunos, oportunizando a eles a
leitura do texto Flicts (2001) de Ziraldo.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O ato de comunicar-se faz parte da natureza humana e essa deve ser a origem do
impulso de contar histórias, transmitindo a outrem alguma experiência, que poderia ter
significado para todos. Dessa forma, surgiram as histórias orais e, posteriormente, as escritas.
Com a evolução da sociedade burguesa e o surgimento das instituições de ensino
bem como das novas ciências como a pedagogia e a psicologia, sentiu-se a necessidade de
inventar uma literatura especialmente voltada para o universo infanto-juvenil. Os primeiros
livros para crianças foram produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII.
Antes disso, não se escrevia para elas, porque não existia o conceito de “infância”. Hoje, essa
afirmação pode surpreender, todavia a concepção de uma faixa etária com interesses próprios
e necessitando de uma formação específica, só aconteceu em meio à Idade Moderna
(ZILBERMAN, 2003, p. 15).
Com a decadência do feudalismo e a ascensão da sociedade burguesa, terminou-se
com a repressão da criança que não tinha voz nem vez, houve uma mudança no padrão de
família e uma nova valorização da infância. A importância dada à criança gerou maior união
familiar e, igualmente, meios de controle do desenvolvimento intelectual infantil e
manipulação de suas emoções. E, para cumprir essa missão, houve uma reforma da escola, da
qual participou a invenção da Literatura Infantil (ZILBERMAN, 2003, p. 15).
A aproximação entre instituição escolar e o gênero literário colaborou para que a
literatura infantil se transformasse em um meio de intervenção pedagógica, tornando cada
menino, no ente modelar e útil ao funcionamento da engrenagem social (ZILBERMAN, 2003,
p. 16). A literatura infanto-juvenil, ao longo dos anos, vem adquirindo papel importante na
vida da criança e do adolescente, ao apresentarmos aqui a obra de Ziraldo, pretende-se que o
aluno recrie sua concepção de mundo e observe no contexto a integração da linguagem verbal
com outras linguagens. Segundo Soares, essa análise do universo literário só acontece
quando:

a leitura dessas múltiplas linguagens, realizada com propriedade, garante o


envolvimento do sujeito com as práticas discursivas, alterando “seu estado ou
condição em aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos
e até mesmo econômicos” (SOARES, 1998, p.18 apud PARANÁ, 2008, p. 51).
O trabalho com o texto literário será produtivo, quando o professor, como mediador
do conhecimento, oferecer condições para que o aluno atribua sentidos à sua leitura, visando à
formação de um sujeito crítico e atuante nas práticas de letramento literário.
Para a realização deste projeto, escolhemos o autor Ziraldo que possui grande
representatividade dentro do universo ficcional brasileiro, como observaremos em um breve
estudo sobre sua produção literária.

2.1 ZIRALDO E SUA PRODUÇÃO LITERÁRIA

Sendo a literatura um meio de retratar a sociedade da época, a de Ziraldo não é


diferente. Ele demonstra, em sua obra, a preocupação com os problemas sociais e políticos
que envolveram o Brasil desde 1949 até a atualidade. É considerado um autor versátil,
preocupado com a crítica política, a crônica dos costumes, o afeto, a sensibilidade infantil.
Comunicador por excelência dedica-se ao teatro, ao desenho, ao cartunismo e ao cartazismo.
Enfim, um escritor completo. Ziraldo tornou-se um desenhista humorístico conhecido do
público brasileiro no decorrer da década de 1960, quando começaram a aparecer seus cartuns
e charges políticas na revista O Cruzeiro e no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro
(CAMPEDELLI & ABDALA, 1982, p. 03).
Como desenhista de humor e cartazista, Ziraldo teve reconhecimento internacional a
partir de 1968, quando suas produções foram publicadas na revista suíça Graphis, uma
espécie de panthéon das artes gráficas. Ganhou nesse ano o Oscar Internacional de Humor do
32º Salão Internacional de caricaturas de Bruxelas. Seus trabalhos têm sido publicados em
importantes revistas internacionais como Penthouse e Private Eye (Inglaterra), Plexus e
Planète (França) e MAD (Estados Unidos) (CAMPEDELLI e ABDALA, 1982, p. 03).
É do início da década de 60 o aparecimento do Pererê, os primeiros volumes de
história em quadrinhos, em cores, exclusivamente brasileiro. E, também, nesse campo,
associando texto a desenho, Ziraldo vai apresentar produções criativas e de grande sucesso
editorial. O Menino Maluquinho, por exemplo, vendeu mais de 8.000 exemplares mensais,
durante o ano de 1981 (CAMPEDELLI & ABDALA, 1982, p. 03 a 04). Seu principal livro,
porém, é Flicts (1969), que já mereceu tradução para o italiano, francês, dinamarquês e
espanhol. O Menino Maluquinho (1980), Flicts e O Planeta Lilás (1979) deram origem a
peças teatrais. O primeiro foi o maior sucesso de público do teatro infantil no Rio de Janeiro,
em 1981, a peça teatral Flicts foi representada por mais de trezentos grupos teatrais do Brasil,
sendo representada também na Itália (CAMPEDELLI & ABDALA, 1982, p. 04).
Como Flicts (2001) é um livro híbrido, para analisá-lo optou-se pela teoria de
Camargo, segundo o qual “o livro ilustrativo serve como suporte para um texto verbo-visual”
(1995, p. 01).

2.2 TEORIA DA ANÁLISE DE ILUSTRAÇÕES

A proposta de Camargo (1995) é o conceito de coerência intersemiótica, o qual


amplia a ideia de coerência textual para o estudo das relações entre imagem e texto na
ilustração de poesia infantil. Esse procedimento faz um levantamento de todos os recursos
utilizados pelo autor ao ilustrar um texto, a esta relação atribui-se a função de ornar ou
elucidar o enunciado junto ao qual ela aparece, porém podem surgir outras funções:
representativa, descritiva, narrativa, simbólica, expressiva, estética, lúdica, conativa,
metalinguística, fática e pontuação.
A ilustração, como a escrita, em Flicts (2001), foi produzida por Ziraldo, portanto,
as duas linguagens, verbal e não-verbal cooperam no enunciado, constituindo-se em um texto
híbrido, “que exige um leitor híbrido, capaz de ler palavras e imagens. E não só capaz de ler
os dois textos separadamente – o verbal e o visual – mas também a sua interação”
(CAMARGO, 1995, p. 01). O conceito de Camargo permite-nos uma leitura das ilustrações
presentes no texto Flicts (2001) que mistura poema e prosa, nas quais várias funções podem
ser observadas. Analisamos imagens de algumas páginas do texto.
Figura 1: Flicts (ZIRALDO, 2001, p.05).

Analisa-se na ilustração acima referente à página 05, início da história, que mais da
metade da folha é dedicada à imagem de uma cor indefinida, imitando a aparência do ser ao
qual se refere, que é Flicts, adjetivada e descrita pelo narrador onisciente como sendo:
“muito rara e muito triste”, a imagem possui, ao mesmo tempo, a função representativa e
descritiva. A Figura 1 exibe a função narrativa, pois situa o ser no tempo e no espaço, na
qual a imagem vai se transformando, dando vida à personagem, como nos contos de fadas,
nas fábulas, apresentando ações por ela realizadas. A personagem busca um lugar para ficar,
nessa procura contínua, as imagens apresentam novos contextos. À medida que as cores vão
surgindo, todas apresentam uma desculpa para demonstrar que ali não tem lugar para Flicts.

Figura 2: Vermelho (ZIRALDO, 2001, p. 07).


A Figura 2 mostra que a cor acompanha o ritmo do poema, são duas páginas em
vermelho (p.06 e p.07), apresentando aqui tanto a função expressiva, porque representa força
e perigo quanto a função simbólica, já que a própria cor simboliza essas características. Tais
funções continuam nas páginas seguintes, duas páginas em amarelo, “não tinha a imensa luz
do Amarelo”, representando assim um obstáculo para a passagem de Flicts (ZIRALDO,
2001p. 08-09).
As páginas seguintes 10 e 11, uma é inteira azul e traz o verso “nem a paz que tem o
Azul”, a outra é dividida em azul e branco, e sobre o fundo branco está a estrofe: “Era
apenas/ o frágil e/ feio/ e aflito/ Flicts”. Na margem direita destes, paralela à cor branca,
representada por uma barra estreita, está a cor Flicts, aqui, a função expressiva da imagem
revela os sentimentos e valores expressos na obra, bem como as emoções e sentimentos do
ser representado, a fragilidade, a aflição. A paz é representada pelo tom branco em todo o
mundo e não pelo azul, talvez por isso, as páginas 10 e 11, uma inteira azul e a outra azul e
branco, são assim postas justamente porque o eu lírico adjetiva o azul com uma característica
do branco. Essas informações podem ser comprovadas por meio da Figura 3:

Figura 3: Azul (ZIRALDO, 2001, p.10)

Em outro momento, aparece o arco-íris, que se desfaz formando um círculo com


suas cores (p. 16 a 23), as quais alegres dão-se as mãos como se fossem crianças a brincar de
roda. Flicts também se achega para participar: “... e mais/ uma vez/ deixaram.../ Flicts/ na
sua branca/ solidão”, enfatizando aqui as relações de semelhança e de rejeição pelo diferente.
As funções poética, estética e lúdica, aparecem em todas as páginas do texto, pela
cadência, na qual imagem e texto cooperam, seguindo o mesmo ritmo, abrindo espaço pela
convergência de linguagens, linguagem verbal e não-verbal. A disposição do texto escrito e
da cor, nas páginas do livro, apresenta as características de um poema. Há espaços em
branco, irregulares, fragmentando as frases, fazendo-as versos livres sem métrica, quase sem
rimas. Ao se virar as páginas, folhas coloridas aparecem, expressando uma pluralidade de
sentidos, instalados nos próprios versos, fazendo com que o leitor participe do texto, no
momento da leitura, aplicando-lhe vários significados, conforme seu conhecimento.
A busca da personagem invade as páginas do livro, quando aparecem estes versos
“... um cantinho/ ou uma faixa/ em escudo/ ou em brasão/ em bandeira ou/ estandarte?”,
(ZIRALDO, 2001, p. 24). Os desenhos apresentam as mais variadas cores, em faixas
horizontais, diagonais, verticais, mistas, com círculos, quadrados, retângulos. Bandeiras de
vários países, inclusive a do Brasil, considerada como a mais bonita (p. 14 a p. 41). Nesse
processo destacam-se, assim, as funções lúdica e simbólica, despertando no leitor
encantamento pelo colorido da obra e estimulando em quem lê, o gosto pela arte.
A imagem em Flicts (2001) representa elementos dos movimentos de vanguarda
europeia, surgidos na época do Modernismo como o cubismo e o concretismo, não
impedindo o lirismo expresso na obra, as páginas 36 e 37, em que o eu lírico relata que Flicts
parou de procurar, destaca-se o concretismo. A barra de cor que estanca o verso mostra o
próprio herói sendo forçado a parar, por encontrar um obstáculo intransponível à sua frente.
Nos versos: “Olhou pra longe/ bem longe/ e foi subindo/ subindo... sumindo/.../ e
sumindo/ sumiu” (ZIRALDO, 2001, p. 38). Em que lugar Flicts se escondera ninguém podia
adivinhar, aqui as páginas ficam brancas e a barra de cor que representa a personagem vai
sumindo (p. 38 e 39), a página seguinte fica totalmente branca (p.40), apresentando uma
situação que fica fora do nosso alcance, não se sabe para onde foi Flicts, talvez para um
lugar vago, indeterminado da Terra. Nas páginas finais do livro (42 a 47), é constante a cor
negra, representando a imensidão do espaço, com seus mistérios e segredos. Por isso, o eu
lírico do texto conta que só os astronautas sabem o segredo de quem é Flicts, “que/de perto/
de/ pertinho”, “a Lua é flicts” (ZIRALDO, 2001, p. 46-47). Demonstramos o final,
apresentando a imagem que colabora para entendermos as funções: representativa que imita
a aparência do ser que é Flicts; e descritiva que detalha essa aparência, nesse caso, é a
imagem na qual a personagem transformou-se, a Lua.
Figura 4: Lua (ZIRALDO, 2001, p.46)

Sendo assim, salientamos que a imagem pode representar, descrever, narrar,


simbolizar, expressar, brincar, persuadir, normatizar, pontuar, além de chamar atenção para
sua configuração, para seu suporte ou para a linguagem visual (CAMARGO, 1995, p. 8,9).
Além desses aspectos funcionais, Camargo (1995) aborda os significados
denotativos e conotativos da imagem, a presença de algumas figuras de linguagem na
retórica visual, na relação imagem e texto, a coerência intersemiótica que traduz três graus
de coerência: a convergência, o desvio e a contradição. Estas, quando ocorrem, pode-se
considerar um caso ideal. Portanto, avaliar a coerência entre um texto e uma ilustração
significa analisar em que medida a ilustração converge para os significados do texto, deles se
desvia ou os contradiz.
Aliada à imagem está a linguagem verbal do texto, demonstrando que a enunciação
gráfica de um texto pode ser definida como a configuração visual de um texto. Desse modo,
torna-se necessária, também, a análise gráfica.

2.3 ANÁLISE DA GRAFIA

São vários os elementos que compõem a enunciação gráfica de um texto: ortografia;


maiúsculas e minúsculas; acentos e sinais de pontuação. Estes indicam entonação (e
intenção) como é caso dos pontos de interrogação, de exclamação e as reticências. Os sinais
de pontuação usualmente são associados a pausas, mas sua função principal é contribuir para
a organização lógica da escrita, a exemplo da vírgula, do ponto-e-vírgula e outros
(CAMARGO, 1995, p. 13). Em linhas gerais, o papel da enunciação gráfica é colaborar para
a visibilidade e a legibilidade do texto. As margens, sentido implícito e espaços em branco
que indicam início de parágrafo desempenham papel semelhante à paralisação na linguagem
falada: servem para relaxar a atenção, beneficiando sua retomada. De acordo com Camargo,

a enunciação gráfica também contribui para destacar os assuntos– os tópicos – do


texto e seus lugares... Basicamente, podemos ter três situações: 1) a estrofe tem um
único tópico, 2) a estrofe tem mais de um tópico ou 3) um tópico é desenvolvido
em mais de uma estrofe. A enunciação gráfica pode ir além de favorecer a
legibilidade, contribuindo para os significados do texto. (CAMARGO, 1995, p. 13-
14)

Como vimos, três situações são relevantes no texto híbrido com relação à
escrita. Nota-se que Flicts (2001) encaixa-se na terceira situação proposta por Camargo
(1995), segundo a qual o mesmo tópico é desenvolvido em várias estrofes.
Partindo da ideia de que o enunciado contribui para os sentidos do texto, a grafia,
em Flicts (2001), é como um objeto integrador entre imagem e cor, no qual o leitor vai
descobrindo o enredo à medida que vai lendo, criando um universo novo em relação ao
diferente. Na interação com a fantasia, a imaginação desperta valores espirituais,
desencadeia sonhos, o gosto artístico, desenvolvendo todas as suas potencialidades em
relação à arte. Amplia a capacidade expressiva e contribui para a formação da consciência
linguística.
Os recursos linguísticos de que se vale o poeta como a aliteração (que consiste na
repetição do mesmo som) e a personificação (que dá vida a seres inanimados), fazem com
que o texto ganhe alto valor poético. A primeira destaca-se nos versos: “... o frágil e/ feio/ e
aflito/ Flicts” (ZIRALDO, 2001, p. 11); a segunda aparece no 6º verso: “não/ tinha/ a/ força/
do/ Vermelho” (ZIRALDO, 2011, p. 07) - ver Figura 2.
A presença do mítico e do simbólico na escrita atinge seu grau máximo de
expressividade, por intermédio das cores, simbolizando as crenças, a cultura, o respeito que
o homem conquistou no decorrer de sua existência.
Destaca-se, assim, a importância deste texto e de seu autor para a literatura infanto-
juvenil brasileira. Sendo sua obra objeto de estudo e pesquisa por profissionais da educação,
o texto literário Flicts (2001) norteou todas as estratégias de ação para a implantação deste
projeto, sendo analisado tanto pela teoria proposta por Cosson (2007), quanto pela de
Camargo (1995).
3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Este artigo apresenta o resultado da implementação do projeto PDE 1 2012/2013,


desenvolvido no Colégio Estadual Prof. Pedro Carli, com alunos do 7º ano do ensino
Fundamental II.
A intenção aqui é demonstrar uma prática pedagógica desenvolvida para o incentivo
do ensino da leitura literária, aprimorando assim as habilidades de leitura, oralidade e escrita
visando à formação de um sujeito crítico e atuante nas práticas de letramento literário. Para
isso iniciamos o projeto com o texto Flicts (2001) de Ziraldo. Conforme Bordini & Aguiar, o
primeiro passo para a formação do hábito de leitura é:

a oferta de livros próximos à realidade do leitor, que levantem questões


significativas para ele. A literatura brasileira e a literatura infanto-juvenil nacionais
vêm preencher estes quesitos ao fornecerem textos diante dos quais o aluno
facilmente se situa, pela linguagem, pelo ambiente, pelos caracteres das
personagens, pelos problemas colocados (BORDINI & AGUIAR, p.18, 1993).

A clientela escolar cresce e ainda é baixo o número de leitores, isso faz com que
professores de Língua Portuguesa preocupem-se em desenvolver métodos de abordagens para
que os alunos se interessem em ler. Nesse sentido, a escola é o espaço intermediário da leitura
e da formação de leitores. Para que a escola, então, cumpra sua função, é fundamental
proporcionar aos educandos aulas lúdicas, pois é uma das melhores maneiras de despertar
neles o gosto de ler. Ressalva-se, no entanto, que interpretar literatura ainda é privilégio de
poucos, cabe, assim, ao professor leitor, por meio de exemplo, ser o mediador, provocando
nos alunos a vontade de realizar leituras significativas.
Para a execução do Projeto de Intervenção, seguimos o método de sequência básica
do letramento literário proposto por Rildo Cosson, que é constituído de quatro passos:
motivação, introdução, leitura e interpretação (COSSON, 2007, p. 54-64). Organizamos os
planos de aulas em uma unidade didática.
A motivação consiste em preparar o leitor para o contato com o texto, envolvendo-o
em atividades lúdicas de leitura, escrita e oralidade. O limite da motivação dentro dessa

1
Programa de Desenvolvimento Educacional, política pública de Estado regulamentado pela Lei Complementar
nº 130, de 14 de julho de 2010 que estabelece o diálogo entre os professores do ensino superior e os da educação
básica, através de atividades teórico-práticas orientadas, tendo como resultado a produção de conhecimento e
mudanças qualitativas na prática escolar da escola pública paranaense.
http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo= 20. Acesso em 30 de
setembro de 2013.
proposta é de uma aula. Considerando que Flicts (2001) é uma narrativa poética em versos
livres e cores que conta a história de uma cor com o mesmo título da obra. Para preparar os
alunos a conhecer o texto, demos explicações sobre a estrutura do gênero poético. Para
propiciar o entendimento da estrutura do texto, trabalhamos previamente com os poemas: A
Casa (1980, p. 68) e O Elefantinho (1980, p. 68) poesias de Vinícius de Moraes; Os
Carneirinhos (1964, p.19), O Mosquito Escreve (1964, p. 21), Ou isto ou aquilo (1964 p.72)
de Cecília Meireles, esse trabalho possibilitou a percepção dos recursos utilizados por esses
escritores. Depois da explicação da estrutura poética e dos exemplos com textos literários,
passamos a falar das cores, deixando que os alunos ponderassem sobre suas preferências, a
importância das cores para o visual de uma imagem, em obras de arte, na beleza da paisagem,
nas propagandas, nos filmes, novelas e outros.
Para iniciarmos os trabalhos, formamos grupos de alunos, explicando a técnica da
caixinha de música, ligamos o aparelho de som que foi circulando pelos grupos e, conforme
parava a música, cada grupo pegava as cores cujos nomes estavam escritos em papéis
embrulhados dentro da caixinha. Em seguida, o professor distribuiu as folhas de papéis
coloridos para os grupos e eles escreveram, conforme sua criatividade, pequenos poemas
sobre as cores que cada grupo pegou. Apresentaram sua produção para a turma, as quais
foram recolhidas e avaliadas, para compor o portfólio.
A introdução é o momento da apresentação do autor e da obra, é importante propor
a leitura do texto literário, fazer a propaganda do livro e expor a biografia do autor, fazendo
uma ligação entre obra/autor. Afinal, a história da vida do autor é uma entre outras situações
que acompanham o texto.
Para essa etapa, dividimos novamente a turma em grupos, destacamos a obra, objeto
de estudo, a qual lhes foi apresentada parte por parte por meio da técnica do texto fatiado,
dividida em quarenta e seis páginas. As apresentações foram realizadas em duas etapas, na
primeira, distribuímos a metade das peças e, em uma segunda etapa, os alunos conheceram o
final do texto.
Antes de conhecerem o fim da história, encaminhamos os alunos ao laboratório de
informática, onde fizeram uma pesquisa para conhecerem a vida e obra do autor, utilizamos
para isso a internet. Depois disso, fizemos a apresentação final do texto e eles associaram o
autor à obra. Percebeu-se em Flicts (2001) a originalidade, a beleza, o colorido das formas,
além disso, os alunos notaram que o escritor usou de todo seu conhecimento para construir o
texto.
Para a leitura mediamos o processo auxiliando o aluno em suas dificuldades,
inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura. Fizeram a leitura dos pedaços do texto até a
página vinte e três, orientamos como se lê um poema, deixamos que eles fizessem
interferências e observações que achassem necessárias. Antes da última parte do texto, os
discentes produziram um texto, a pedido da professora, para o final da história. Cada grupo
apresentou sua versão do final.
Em seguida, apresentamos o final da história, que foi distribuída em forma de
quebra-cabeça, cada grupo fez a leitura das partes do texto que pegaram, depois leram o
texto individualmente, fazendo as interferências necessárias. Na sequência, realizamos a
leitura da história para que eles percebessem o ritmo e os recursos utilizados pelo autor para
escrever o texto. A história completa ficou exposta em um mural para todos apreciarem e
lerem. Sugerimos também a leitura de outras obras de Ziraldo: O Menino Maluquinho
(1980), Uma professora Muito Maluquinha (2000), O Diário de Julieta, As Histórias Mais
Secretas Da Menina Maluquinha (2006), A turma do Pererê (2006) e outras obras que os
alunos conheceram pela internet.
A interpretação, de acordo com Cosson (2007), é a dialogia entre autor, leitor e
comunidade. Momento em que os alunos responderam questões de explanação oral, escrita,
caça-palavras, palavras cruzadas, exercícios para a prática intertextual por meio da leitura do
texto Flicts de Ziraldo (2001) e do texto O Patinho Feio de Andersen (1997) e exercícios de
produção de texto.
Outro elemento é a exposição da construção de sentido do texto à comunidade
escolar e familiar. Essa etapa realizou-se por meio de produção de texto e dramatização de
Flicts (2001). Para isso, montamos um texto coletivo para a execução da peça teatral, que foi
encenada pelos alunos participantes do projeto. Um dos colegiais interpretou Ziraldo
contando a história de sua vida e expondo as cenas da obra Flicts (2001) ao público presente.
Para que todo o grupo escolar e os convidados conhecessem o que foi desenvolvido
no projeto, os trabalhos diferenciados que compunham o portfólio foram expostos na Mostra
Literária e Cultural que organizamos.
O trabalho com o gênero textual poema nos levou a garantir o aprimoramento das
práticas de leitura, oralidade e escrita, bem como a construção do conhecimento, podendo ser
adaptada a outros gêneros.
Fizemos um trabalho em contra turno, com trinta alunos do 7º ano. Desses
educandos, vinte e sete terminaram o projeto, essa média foi satisfatória. Depois da
implementação do projeto, notou-se que os alunos passaram a ler mais, treinando a escrita,
registrando o que liam. O empréstimo de livros na biblioteca aumentou e, no trabalho em
grupo, faziam a propaganda das obras que liam para a turma. O processo de análise e crítica
das leituras passou a fazer parte do cotidiano escolar.
No período de implementação do projeto, transmitimos aos professores da Rede
Estadual de Ensino a nossa experiência em sala de aula, por meio do Grupo de Trabalho em
Rede (GTR), acontecendo assim uma troca de conhecimento entre nós, enriquecendo nossa
tarefa. O material construído ficou à disposição no portal, para que os docentes opinassem e
acrescentassem sua colaboração.
A preparação para o teatro empolgou os alunos, que não faltaram aos ensaios e se
uniram para que a apresentação fosse um sucesso. Isso prova que desenvolver atividades
lúdicas de leitura e interpretação com os alunos não é uma perda de tempo e, sim, um
trabalho educativo que ultrapassa os horizontes de expectativas do leitor.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao final do trabalho, compreendemos que durante todo o percurso do


projeto de intervenção, pensar práticas de ensino associadas à leitura literária abriu vários
canais para realizar leituras significativas, ampliando assim novos horizontes para
intepretação da história lida. De acordo com o que está contido nas Diretrizes Curriculares de
Educação Básica (PARANÁ 2008, p76), é importante que o professor trabalhe com seus
alunos as estruturas de apelo, demonstrando a eles que não é qualquer interpretação que cabe
à literatura, mas aquelas que o texto permite.
O teatro e a mostra literária foram escolhidos para demonstrarmos a efetivação da
leitura, sendo uma internalização daquilo que os alunos leram. A leitura expressiva estava
presente durante todos os momentos da implementação, ao apresentar e contextualizar o
produto do autor, o aluno conheceu a história e a obra de Ziraldo (2001), que escreveu Flicts,
em 1969, época em que o homem pela primeira vez pisou à Lua.
Todos os recursos utilizados pelo autor, elementos variados que compõem a obra, o
colorido que invade as páginas do livro fazendo da obra uma verdadeira exposição de arte,
tudo isso chama a atenção do leitor, despertando nele o espírito crítico, as habilidades de
produção de texto, aliando a imagem à escrita que acompanha a narrativa.
Enfim, considera-se que o objetivo do projeto foi atingido, pois desenvolvemos
habilidades de leitura, escrita e oralidade como foi previsto. A troca de experiência com os
professores da rede estadual do Paraná, durante a comunicação no GTR (Grupo de Trabalho
em Rede) foi produtivo, acrescentando novos conceitos ao nosso trabalho.
A partir de todo trabalho desenvolvido, entende-se que ensinar leitura literária é um
desafio para o professor de Português na formação de novos leitores, pois disputamos espaço
com o que há de mais moderno no contexto universal que são as novas tecnologias. Portanto
devemos estar sempre atentos e tornar nossas aulas cada vez mais atraentes para nossos
alunos.

REFERÊNCIAS

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<http://busca.unisul.br/pdf/74054_Marilena.pdf>. Acesso em: 22 maio 2012.

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1964.

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exercícios por Carlos Felipe Moisés. – São Paulo: Abril Educação, 1980. (Literatura
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______. Diário da Julieta. As histórias mais secretas da Menina Maluquinha. São Paulo:
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ZILBERMAN, Regina. A Literatura infantil na escola. São Paulo, SP. 11ª edição, Global,
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