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PARAÍSO, Marlucy Alves.

In: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves. (Org.). Metodologias de pesquisas pós-
críticas em Educação. 1ed.Belo Horizonte: Mazza, 2012, v., p. 23-45.
A autora inicia o texto elencando algumas das teorias pós-críticas, entre elas destacam-se:
Multiculturalismo, pós-estruturalismo, pós-colonialismo, pós-gênero, pós-feminismo, estudos culturais,
estudos étnicos e raciais, pensamento de diferença e estudos queer.

As pesquisas pós-criticas em educação: Os estudos culturais:

• Não possuem um método recomendado; • Pressupõem a existência de pedagogia, modos de ensinar e


possibilidades de aprender nos mais diferentes artefatos
• Interroga e ressignifica as metodologias de culturais que se multiplicam em nossa sociedade.
pesquisa existentes;
• Logo, amplia-se a possibilidade de entendimento a respeito
• Não desconsidera o já produzido, ocupa-se dele dos objetos curriculares, sendo considerados todo e qualquer
para suspender significados, interrogar os textos, artefato cultural que ensina.
encontrar outros caminhos, rever e problematizar
os saberes produzidos e percursos trilhados • Portanto, torna-se viável buscar o currículo que eles
apresentam.
• São construídas conforme os questionamentos e
problemas formulados; • Interessa ler estes artefatos e estabelecer relações com a
educação escolar. (e também...)
Metodologias pós-críticas: premissas e pressupostos

A autora nos apresenta premissas e pressupostos fundamentais que devemos levar em


consideração para construirmos os modos de interrogar adequados à perspectiva com a
qual estamos trabalhando. São eles:

1. Nosso tempo vive mudanças significativas na educação. Condições sociais, relações


culturais, racionalidades, distâncias, geografias, identidades, diferenças, pedagogias,
modos de ensinar e aprender, estratégias de colonizar, educar, governar,
pensamentos, raciocínios, modos de descolonizar, mapas culturais, ...

2. Portanto, pesquisamos e educamos em um tempo diferente, pós-moderno, que


produz descontinuidade com criações da modernidade – o sujeito racional, as causas
únicas e universais, as metanarrativas, a linearidade da história, a noção de
progresso, a visão realista do conhecimento.
3. As teorias, conceitos, categorias que podem explicar a vida e a educação são outras, a
teorização social e cultural, os movimentos sociais, a pedagogia e a educação não
podem mais ser as mesmas. Ampliam-se as categorias de análise – gênero,
sexualidade, raça/etnia, geração, idade, cultura, regionalidade, nacionalidade, novas
comunidades, localidade, multiculturalidade, ...

4. A verdade é uma invenção, uma criação. Não existe a “verdade”, mas sim, “regimes de
verdade”, isto é, discursos que funcionam na sociedade como verdadeiros. Cabe
interrogarmos como os discursos se tronaram verdadeiros, quais as relações de poder
travadas, quais estratégias foram usadas, que outros discursos foram excluídos para
que estes pudessem ser autorizados e divulgados.

Ao mesmo tempo sabemos que o discurso que produzimos com nossas pesquisas é
parcial, construído com base naquilo que conseguimos ver e significar com as
ferramentas teóricas-analíticas-descritivas que escolhemos para operar.
5. Segundo Foucault, “discursos são práticas que formam sistematicamente os objetos de
que fala”. O discurso tem uma função produtiva naquilo que diz, interessa construirmos
nossas metodologias buscando seu funcionamento e o que ele produz.

A “realidade” se constrói dentro de tramas discursivas que a nossa pesquisa precisa


mostrar. Para isso, busca-se estratégias de descrição e análise que nos possibilitem
trabalhar com o próprio discurso para mostrar os enunciados e as relações que o
discurso coloca em funcionamento, suas tramas e relações históricas.

Analisamos as relações de poder que impulsionaram a produção do discurso que


estamos investigando, e mostramos com quais outros discursos ele se articula e com
quais ele polemiza ou entra em conflito.

Mostramos como o discurso que investigamos produz objetos, práticas, significas e


sujeitos.
6. O sujeito centrado, homogêneo, coerente, racional, iluminado, unificado e universal
ganhou uma dimensão inimaginável nas teorias sociais e culturais contemporâneas.
Foucault concebeu o sujeito como um artifício da linguagem (dos discursos, dos textos,
das representações, das enunciações, dos modos de subjetivação, das relações de
endereçamentos, das relações de poder-saber), uma produção discursiva, um efeito das
relações de poder-saber. O sujeito passa a ser, então, aquilo que dele se diz.

As subjetividade é entendida como sendo produzida pelos diferentes textos,


experiências, vivências e linguagens pelas quais os sujeitos são nomeados, descritos,
tipificados.

Os modos de subjetivação são as formas pelas quais as práticas vividas constituem e


medeiam certas relações da pessoa consigo mesma. São práticas e processos
heterogêneos por meio dos quais os seres humanos vêm se relacionar consigo mesmos
e com outros como sujeitos de um certo tipo.
7. Em diferentes instituições, espaços, currículos e diferentes artefatos estão presentes
relações de poder de diferentes tipos – classe, gênero, sexualidade, idade, raça, etnia,
geração, cultura... Nossa atenção está em mapeá-las, descrevê-las, desconstruí-las,
mostrar o seu funcionamento e analisa-las.

A escola, o currículo e os mais diferentes artefatos culturais operam com raciocínios


generificados que ensinam, regulam e dão sentido a normas que garantem distinções,
diferenciações e demarcações que, por sua vez, produzem hierarquias e desigualdades.

Esses espaços e discursos podem ser desnaturalizados, questionados e desconstruídos


e rupturas podem ser introduzidas numa transformação constante das relações de poder
já instauradas. Nos diferentes espaços aonde relações desiguais são reproduzidas e
reforçadas, também as resistências e lutas podem ser empreendidas e fortalecidas.
8. A diferença é o que vem primeiro, é ela que devemos fazer proliferar em nossas
pesquisas. A diferença e a multiplicidade em vez da identidade e da diversidade.

Em Deleuze, a diferença não é “entre”, mas a diferença “em si”, interna.

Já a identidade, que tem como critério a diversidade, reduz o diverso a um ponto


comum, busca reunião, agrupamento, a identificação das coisas e das pessoas.

A diversidade é estática, reafirma o idêntico, remete a formas e ao já existente.

A diferença, por sua vez, tem como critério o acontecimento, trabalha pela variação de
sentidos, pela multiplicação das forças.

A multiplicidade é multiplicadora, ativadora e produtora de diferenças.


Trajetórias e procedimentos ou estratégias descritivo analíticas
Alguns trajetos importantes nas investigações pós-criticas.

1. Articular e bricolar – articular saberes e bricolar metodologias, momento de


desterritorialização e invenção de outros novos territórios. A bricolagem ocorre com
operações de recorte e colagem, junção de coisas, procedimentos e materiais díspares.
Não se busca restaurar a unidade, mas sim a junção dos diferentes, uma composição
feita de heterogêneos.

2. Ler – os “ditos e escritos” sobre o nosso objeto, e a leitura sobre a teorização que
escolhemos para realizar a investigação. Em ambos os casos opera-se com
procedimentos de desmontagem, remontagem, composição, decomposição,
recomposição.

3. Montar, desmontar e remontar o já dito – ocupa-se do já feito e sabido para


suspender verdades, mostrar como funcionam e investigar o que faz aparecer
determinados discursos, práticas e saberes.
4. Compor, decompor, recompor – escolha de conceitos que nos auxiliem a fazer
perguntas, a interrogar o material, a multiplicar sentidos, mostrar as contingências dos
acontecimentos e a proliferação da diferença. Dos autores, descartamos doutrinas,
aproveitando deles aquilo que nos move, nos inquieta e alimenta o nosso pensamento.

5. Perguntar, interrogar - assim como Foucault, não perguntamos “o que é isso?”.


Perguntamos “como isso funciona?” O que posso fazer com isso?” Que ralações podem
ser estabelecidas com outras enunciações, com outros discursos divulgados em outros
tempos e lugares? Que urgência histórica essa invenção veio responder? Que
continuidades e descontinuidades podemos traçar? Quem está nesse discurso autorizado
a falar ou prescrever? Que relações de poder e de saber movem esse discurso? Que
modos de subjetivação estão em funcionamento nesse discurso?
6. Descrever – minuciosamente, detalhadamente, estabelecendo relações dos textos, dos
discursos dos enunciados, em suas múltiplas ramificações. Mostrar as regras de
aparecimento de um discurso, de uma linguagem, de um artefato, de um objeto. As relações
de poder-saber, a relação entre o discurso e aquilo que nomeia.
Descrevendo compreendemos o que somos, o que fizeram de nós, o que fazemos de nós
mesmos, “como se chega a ser o que se é” (Nietzsche).

7. Analisar as relações de poder – Mapear as condições de possibilidade dos saberes e


seus vínculos com relações de poder. Explicar a existência e a transformação dos saberes
situando-os como peças das relações de poder. Uma microfísica do poder, suas pequenas
astúcias e produções e exclusões. O poder enquanto “relação estratégica” e não como
“propriedade”.
8. Multiplicar - os sentidos de todos os textos, discursos, linguagens e artefatos que
investigamos. Aonde vermos “e”, perguntamos, “será”? Descartamos a existência de um
olhar mais puro, mais objetivo, mais desinteressado.

9. Poetizar – produzir, fabricar, inventar, criar sentidos novos, inéditos. Entrar no jogo da
disputa por produção de sentidos, buscar invenções que apontem para a abertura, a
transgressão, a subversão, a multiplicação dos sentidos.

10. Estar à espreita – abrir-se às multiplicidades, ver, ouvir, sentir. Para ocorrer uma
inspiração é necessário muito preparo e, sobretudo, estar permanentemente à espreita de
uma ideia (Deleuze)
Pesquisar “lançando-nos além de nós mesmas”

• Ser rigoroso e inventivo sem qualquer rigidez.

• Ser flexível, estar sempre aberto a modificar, (re)fazer, (re)escrever tudo aquilo que
vamos significando ao longo da investigação.

• Não podemos ficar reféns dos procedimentos de pesquisa que dominamos e que
muitas vezes nos dominam.

• Olhar qualquer currículo, qualquer discurso como uma invenção. Sentir-se instigado a
fazer “outras invenções”, “pensar o impensado”.

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