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Texto Base: Minicurso Online Biologia e Conservação de Golfinhos

Quinto Módulo – Ameaças e conservação

A conservação do ambiente marinho é uma questão muito desafiadora


devido ao conhecimento científico limitado, à imensa escala dos oceanos, a sua
conectividade e dinamismo, assim como aos nossos problemas logísticos e à
complexidade jurisdicional. As pressões ambientais e antrópicas sobre os
mamíferos aquáticos têm mudado ao longo do tempo. Historicamente, a caça foi
a atividade humana que mais afetou a abundância dos mamíferos marinhos,
reduzindo muitas espécies a baixos níveis populacionais. As ameaças da caça
para o consumo alimentar e utilização do óleo e das peles foram reduzidas com
a mudança dos hábitos das populações humanas, embora não tenham sido
ainda completamente eliminadas. Atualmente, novas ameaças surgiram, tais
como o aquecimento global, a poluição sonora de baixa frequência, a
intensificação do tráfico marítimo e a redução na disponibilidade de presas,
fatores que não eram considerados ameaças no passado e que hoje são motivos
de grande preocupação.
O aumento da população humana, especialmente na zona costeira, tem
exercido forte pressão nos ecossistemas marinhos pela perda, degradação e
fragmentação de hábitats, poluição e competição por recursos. Os mamíferos
aquáticos são especialmente vulneráveis a diversas ameaças devido às suas
baixas taxas intrínsecas de aumento populacional, consequentes da maturação
sexual lenta, intervalos longos entre as crias e um filhote por parição,
representando o que Pianka (1970) denomina como espécies K-estrategistas.
Apesar de pertencerem a grupos taxonômicos de origens diversas, os
mamíferos aquáticos são considerados como um grupo distinto dos terrestres no
desenvolvimento de ações e normas legais de proteção, pois todos são
dependentes de ecossistemas aquáticos para a sua sobrevivência e submetidos
a pressões e ameaças semelhantes.
As duas extinções conhecidas de mamíferos marinhos da história recente
foram a da vaca-marinha-de-steller (Hydrodamalis gigas) e da foca-monge-do-
caribe (Monachus tropicalis), que foram o resultado da caça indiscriminada em
populações já, por outras causas, debilitadas.
Atualmente, algumas espécies e populações no mundo estão em situação
crítica. A vaquita (Phocoena sinus), um pequeno cetáceo endêmico da porção
norte do Golfo da Califórnia (Mar de Cortez) teve sua população estimada em
poucas centenas de indivíduos em 1999 que continua declinando rapidamente
devido às capturas incidentais em redes de pesca e às construções de barragens
no Rio Colorado, nos Estados Unidos da América.
O baiji (Lipotes vexillifer), um golfinho fluvial endêmico do Yangtze, China,
está em situação ainda pior. Em 2006, após extensiva pesquisa em 3.500 km do
Rio Yangtze, não foi encontrado nenhum indivíduo e a espécie foi considerada
tecnicamente extinta. Estimativas populacionais feitas nos censos entre 1997 e
1999, já indicavam apenas 13 indivíduos distribuídos em 1.400 km do Rio
Yangtze. As principais causas desse declínio populacional foram, além da
destruição dos ambientes naturais, a pesca elétrica ilegal, que correspondeu a
40% da mortalidade conhecida durante os anos 90, as capturas em redes de
pesca, as explosões para a manutenção dos canais navegáveis e a construção
de barragens, interrompendo seus deslocamentos, eliminando o acesso a outros
tributários e lagos, e reduzindo a produtividade das suas presas. Se medidas de
conservação in situ e ex situ, apontadas em 1986 para a proteção e recuperação
da espécie, tivessem ocorrido nessa época, talvez as metas de recuperação da
sua população tivessem sido mais efetivas.
A extinção do baiji representa não somente a eliminação de uma espécie
e de uma família inteira (Lipotidae), mas de uma linhagem evolutiva completa da
radiação dos mamíferos. Em relação aos pequenos cetáceos, uma revisão
apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP/CMS)
estabeleceu as seguintes porcentagens para as ameaças sofridas mundialmente
por esses animais em seu hábitat natural: 1) capturas incidentais - 26,5%; 2)
capturas intencionais - 24,9%; 3) poluição – 21,2%; 4) degradação de hábitat –
9%; 5) sobrepesca - 5,8%; 6) abate por pescadores devido à atribuição dos
cetáceos como competidores indesejáveis – 4,8%; 7) poluição sonora – 1,1%; e
8) ameaças desconhecidas – 6,9% (CULIK, 2004).
As ameaças antrópicas ao meio ambiente nem sempre são processos que
ocorrem separadamente, sendo complicado, inclusive, ordená-los em tópicos,
por serem processos complexos, frequentemente interligados e inter-
relacionados. Tais processos ainda podem sofrer sinergia ao ocorrerem
simultaneamente ou serem consequência do outro. Agora vou mostrar alguns
exemplos dessas ameaças e como ocorrem.
Começando pelas capturas incidentais, ou seja, as não intencionadas.

Com o aumento populacional observamos a cada ano o aumento da


necessidade de alimento e, consequentemente, o aumento da captura de uma
proteína bem consumida ao redor do mundo, o peixe. No entanto nesse
processo, vários outros animais são capturados e mortos. A arte de pesca que
mais gera impacto sob a população de pequenos cetáceos é a pesca de redes
de emalhe de malha larga, no entanto, artes de pesca como pescaria com
traineira e espinhel também são impactantes na captura incidental desses
animais.

Uma possível medida mitigadora testada, foi a criação de dispositivos


acústicos acoplados em redes de pesca que emitem frequências que afastam os
Cetáceos, no entanto, pesquisas notaram que em regiões onde existem lobos-
marinhos, sua audição é prejudicada por esses dispositivos.

A próxima ameaça é a captura intencional. A partir da década de 70 e 80


essas capturas começaram a sofrer uma queda, através da conscientização anti-
caça e pró conservação. Animais eram e ainda são capturados, para isca,
consumo ou venda de partes do seu corpo. No entanto a fiscalização em alguns
países é defasada e acarretou a ação de diversos ativistas pelo mundo em sua
defesa. Uma organização sem fins lucrativos muito famosa mundialmente na
conservação de animais marinha é a Sea Shepherd.

Alguns exemplos de capturas acidentais no Brasil são a comercialização


de olhos e órgão genitais do tucuxi e no boto-cor de rosa na Amazônia, com fim
de amuletos para superstições culturais.

A próxima ameaça é o abate por competição, ele ocorre quando, no caso,


os pescadores, acreditam que a sua pesca está sendo prejudicada pela caça do
outro animal, e para “solucionar” o problema machucam ou matam esses
animais. No mundo um exemplo de abate por competição acontece no Canadá
com as Belugas. Já no Brasil são observadas mutilações intencionais de animais
capturados por pesca incidental.
Fica mais que claro, que a solução para uma possível competição não é
essa, e sim, uma maior preocupação com restauração do habitat de desova dos
peixes e uma diminuição da sobrepesca.

A sobrepesca, pode ser entendida como uma atividade pesqueira


executada de forma desenfreada, ou seja, uma pesca excessiva e insustentável
praticada pelos humanos. Ela é considerada uma ameaça a biodiversidade
marinha e assume uma postura devastadora sobre os ecossistemas aquáticos,
já que não leva em conta a capacidade de reposição das espécies exploradas.
Através da pesca excessiva ocorre a redução, de predadores de topo de cadeia,
incidentalmente ou intencionalmente e a modificação dos níveis tróficos
marinhos.

Isso pode afetar de maneira a diminuir o recurso alimentar, gerando


problemas como o abate por competição e captura incidental. Além do fato de
que esses animais possuem um ciclo reprodutivo longo e com poucos filhotes
por gestação, pode gerar também uma diminuição da sua população.

Uma ação que pode vir a se tornar ou não uma ameaça é o turismo de
observação. Na América latina, desde 1998 vem havendo um aumento de 11,3%
na taxa anual de turismo de observação. E com esse aumento, o aumento de
tráfego e de irregularidades, gerando na maioria dos casos, efeitos adversos no
comportamento, na fisiologia e até no habitat dos animais

Um exemplo no Brasil é a perseguição ao golfinho-rotador no Arquipélago


de Fernando de Noronha, onde os barcos, para acompanharem o ritmo dos
animais seguiam os mesmo em alta velocidade. Pesquisadores notaram que
essa perseguição gerava a divisão do grupo e a aceleração do deslocamento,
além do aumento do seu gasto energético.

E para controlar isso, uma lei foi criada, a lei 7.643 do IBAMA que proíbe
qualquer forma de molestamento de Cetáceos em águas jurisdicionais
brasileiras.

No final do século 19 começaram a observar as primeiras colisões de


embarcações com Cetáceos, isso devido principalmente ao aumento da
velocidade das mesmas, para 13 a 15 nos (24 a 28 km/h). No entanto atualmente
o problema se agravou com o aumento do número de embarcação, gerando o
aumento do tráfego e consequentemente o aumento de risco de colisões.

Como mitigação também entra em ação a lei citada anteriormente e a


consequente fiscalização.

Um assunto bem discutido na relação dos humanos com os outros


animais é a poluição, seja ela: química, física ou sonora. As químicas, como já
podem imaginar, também vem acompanhada de um avanço industrial e
populacional onde o descarte é realizado de forma indevida em ambientes
dulcícolas ou marinhos. Alguns exemplos de poluentes químicos são os
plásticos, hidrocarbonetos, metais nitrogênios e pesticidas, provenientes
principalmente da agricultura, além claro, do derramamento de óleo.

Já a poluição física, é caracterizada pelos chamados entulhos marinhos,


são os apetrechos de pesca e os lixos gerados por humanos, fazendo com que
os animais se confundam durante sua alimentação ou se enrosquem, o chamado
enredamento, gerando complicações imediatas ou em algum estágio da vida.

A próxima poluição é a sonora, podendo ser causada por: embarcações,


atividades sísmicas e dragagem, que se trata de uma escavação, desobstrução
ou perfurações. Essas atividades quando em excesso podem gerar problemas
na comunicação dos Odontocetis, podendo gerar até perda auditiva ou possíveis
danos aos animais tais como o afastamento de presas, gerando a migração de
populações de áreas tradicionais em busca de alimento.

Um caso de mitigação aqui no Brasil foi o de diminuição de quase todos


os blocos exploratórios na APA Costa dos Corais e do Parque Nacional Marinho
de Abrolhos, conseguida pelo IBAMA em 2004.

Barragens e represamentos, afetam diretamente as espécies fluviais,


como tucuxi e boto-cor-de-rosa, aqui no Brasil.

A construção de barreiras artificiais, feitas em um curso de água para a


retenção de grandes quantidades de água, utilizada, sobretudo para
abastecimento e produção de energia elétrica também é uma ameaça. Quando
em locais represados esses animais são impedidos de se deslocar, gera uma
fragmentação da população, formação de subpopulações geneticamente
isoladas, diminuição da disponibilidade de presas e mais possibilidade de
encalhe em locais rasos.

Um exemplo no Brasil aconteceu em 1997 com os botos-cor-de-rosa, os


quais ficaram retidos em lagos formados á jusante da Usina Hidrelétrica da Serra
da Mesa situada no Rio Tocantins.

E novamente, quais medidas devem ser tomadas? Deve–se aumentar a


pesquisa cientifica, gerando maiores informações sobre todos os malefícios e
gerar a sensibilização da população através da educação ambiental e dos
tomadores de decisões.

E por fim, a última ameaça e muito discutida globalmente, a mudança


climática. Não diferente das outras, também tem influência dos humanos, e com
o aumento da industrialização há o aumento na concentração dos gases estufa
e consequentemente como um dos efeitos a mudança da temperatura, gerando,
por exemplo, aumento de chuvas intensas e secas, o derretimento dos gelos
polares e o aumento do nível do mar.

A distribuição dos mamíferos marinhos é geralmente relacionada às


tolerâncias de temperaturas de cada espécie. Algumas são encontradas
somente em águas tropicais quentes, outras na zona temperada e outras
somente nos polos e mesmo que algumas possuam uma adaptação a essa
transição de temperatura, as suas presas podem não possuir, gerando uma
modificação drástica no habitat e toda sua ecologia.
Quanto a sua conservação, os Cetáceos, especial as baleias e cachalotes
têm sido objeto de pesca ao longo dos séculos, com o primeiro registro datado
de 8.000 anos, com o propósito de utilização da carne, gordura, barbatana e
espermacete, para a produção de energia construção e produção de
adstringentes.
E foi apenas em 1946 que a ONU aprovou uma resolução criando a
Convenção Internacional para a Regulamentação da Atividade Baleeira. E partir
daí a consciência quanto à ecologia e conservação foi aumentando, no entanto
até os dias de hoje essa batalha ainda não acabou.
A conservação depende de investimento em pesquisa, manejo e
conservação, assim como de mudanças em educação e cultura por parte da
população e do poder público em relação aos animais e ambientes nos quais
vivem: rios, estuários e mar.
E um dos caminhos mais indicados para resguardar o que resta da
biodiversidade dos ambientes dulce-aquícolas e marinhos é a criação,
implantação e fiscalização de áreas protegidas.
A restrição de uso humano em determinada área minimiza o efeito das
atividades antrópicas mais impactantes para pequenos cetáceos como a pesca,
poluição, tráfego náutico e alterações de hábitat.
Áreas aquáticas protegidas podem ser áreas de preservação permanente,
áreas de exclusão de pesca, áreas marinhas não-aptas à exploração e produção
de petróleo ou unidades de conservação. Sendo as unidades de conservação,
as formas de proteção mais utilizadas na conservação de pequenos cetáceos.
Mas o que são Unidades de conservação?
São unidades definidas pela Lei n.º 9.985, de 18 de julho de 2000, que
institui o Sistema Nacional de unidades de conservação da Natureza (SNUC).
As unidades de conservação podem ser de proteção integral (reserva biológica,
estação ecológica, parque nacional, refúgio de vida silvestre ou monumento
natural) ou unidades de conservação de uso sustentável (área de proteção
ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva
extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável ou
reserva particular do patrimônio natural).
E qual órgão é responsável por essas unidades de conservação?
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade que é uma
autarquia em regime especial vinculado ao Ministério do Meio ambiente, tem
como função executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar
as UCs.
Em alguns casos, para a efetiva proteção das populações de pequenos
Cetáceos presentes em unidades de conservação, é de igual importância a zona
de amortecimento, que é uma porção de área ao redor da unidade, onde as
atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o
propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. No entanto nosso
país sofre com alguns obstáculos nos setores governamentais quanto ao que diz
respeito a proteção dos pequenos Cetáceos, como a carência de recursos
humanos e financeiros, à inexistência ou não implementação de planos de
manejo e às deficiências nos programas de proteção da unidade.
Dentre as unidades de conservação marinhas com maior eficiência na
proteção de Cetáceos no Brasil destacam-se a APA da Baleia Franca (SC), a
APA de Anhatomirim (SC), o Parnamar Abrolhos (BA) e o Parnamar Fernando
de Noronha (PE).
Logo é possível observar a importância da ciência no processo do
entendimento da ecologia do habitat ou das espécies, para então, conseguir
construir um alicerce firme sustentando projetos para implementação de unidade
de conservação.
A educação ambiental também é uma grande aliada no processo da
conservação, tal como o apoio do governo em vigência. No entanto, se cada um
fizer sua parte dentro de sua capacidade, aos poucos a mudança se apresenta.
Acreditando sempre no futuro e na vida.

Referências Bibliográficas

LUIZ-JR., O. J. 2009. Estudo de Capacidade de Carga e de Operacionalização


Das Atividades de Turismo Náutico no Parque Nacional Marinho de Fernando de
Noronha. Brasília: ICMBio.

MARTIN, A. R.; DA SILVA, V. M. F. & SALMON, D. L. 2004. Riverine habitat


preferences of botos (Inia geoffrensis) and tucuxis (Sotalia fluvitilis) in the Central
Amazon. Marine Mammal Science, 20(2):189-200.

O’SHEA, T. J.; REEVES, R. R. & LONG, A. K. 1999. Marine Mammals and


Persistent Ocean Contaminants: Proceedings of the Marine Mammal
Commission Workshop. Keystone, Colorado, 12-15. October. p. 1-5.

PLANO DE AÇÃO NACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DOS MAMÍFEROS


AQUÁTICOS: PEQUENOS CETÁCEOS / ANDRÉ SILVA BARRETO ... [et al.];
organizadores Claudia Cavalcante Rocha-Campos, Ibsen de Gusmão Câmara,
Dan Jacobs Pretto. – Brasília : Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade, Icmbio, 2010. 132 p.

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