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Mundo Tentacular

sábado, 6 de março de 2021


A lenda da Montanha do Medo e do Mosteiro na Fronteira do Além

Há Lugares Estranhos no mundo.

Lugares que parecem conectados com um outro mundo e que funcionam como uma
encruzilhada entre o aqui e o além. Em tais lugares nem tudo é o que parece, nem
todas as leis da natureza funcionam e nem todas as verdades são absolutas.

Localizada na parte central da remota Península de Shimokita no distrito de Aomori,


norte do Japão, encontramos a montanha vulcânica conhecida como Monte Osore. E este
é um desses lugares estranhos. Também chamada Osore-zan, seu nome deixa claro que
se trata de um lugar infame, já que pode ser traduzido como "Montanha do Medo" ou
"Montanha do Terror". A região possui um aspecto rude, marcado por uma sensação
indescritível de profundo isolamento que faz com que ele mereça seu nome.

Monte Osore é formado por uma cadeia de oito vulcões e possui uma paisagem
escarpada, permeada por um forte cheiro de enxofre. Esse odor pronunciado é lançado
no ar por depósitos de gás subterrâneos e caldeiras. Eles são a fonte dos anéis de
fumaça que encobre o topo das montanhas e da sinistra água toxica amarelada que
desce pela encosta. O Lago Osori, no topo do monte principal possui uma água tão
cáustica que é capaz de corroer metal.

A paisagem estranha do Monte Osore

É uma região acidentada, rochosa, com aspecto de superfície lunar, repleto de


pedras lascadas e uma fumaça mortal que surge das profundezas da terra. O solo é
escuro, com fragmentos de vidro formados naturalmente. Cientes de tudo isso, a
natureza tende a evitar a região: poucos pássaros e ainda menos animais rasteiros
chamam esse lugar insalubre de lar. Mesmo a vegetação é esparsa, com apenas os
espécimes mais tenazes conseguindo se adaptar à aridez reinante.

Ainda assim, o Monte Osore é uma terra de beleza surreal com vales e paisagens
surpreendentes. Talvez seja esse estranho casamento de beleza e perigo o
responsável por tornar o Monte Osore o centro de tantas lendas e histórias sobre o
mundo sobrenatural e fantástico. Um mundo que ali parece muito próximo.

O Monte sempre foi cercado por mitos e lendas, desde os primeiros registros sobre
sua existência. A lenda mais antiga menciona um monge budista chamado Ennin que
recebeu uma visão quando ainda estava na China. Nessa profecia ele foi contatado
por um poderoso espirito que lhe mandou seguir rumo ao Japão e uma vez lá tomar o
caminho para o leste. Ele foi instruído a encontrar um lugar espelhando a
cosmologia budista, cercado por oito montanhas e tendo um monte, a exata geografia
em torno do Monte Osore.

O monge vagou por quase um mês antes de encontrar o que estava procurando, lá ele
descobriu um platô onde experimentou outra visão sagrada na qual contemplou um
monastério. Nos 20 anos que se seguiram, ele ajudou a construir o primeiro templo
Bodhisattva Jizo que se tornou o centro da religião no Japão.

Uma representação da busca do Monge Ennin

Depois disso, as crenças sobre esse lugar desolado ser um portal para o submundo
budista se difundiram com rapidez. A paisagem sombria era exatamente aquilo que os
primeiros budistas supunham ser a representação da terra dos mortos. A região do
Monte Osore é cercada por oito montanhas distribuídas de tal maneira que o padrão
remete às oito pétalas da flor de lótus. Mais que isso, assim como nas lendas, o
leito seco de um rio corta transversalmente a paisagem. O curso d'água, conhecido
como Sai-no-Kawara, que significa "leito seco do submundo" é similar ao das
escrituras.

De acordo com o saber budista, o rio deve ser cruzado por todas as almas em seu
caminho para o pós vida. Aqueles que se perdem nessa travessia acabam se
convertendo em espíritos habitando um tipo de limbo. Tal condição é especialmente
crítica para as almas de crianças se estas morrerem antes de pagar a divida de vida
que tem com os pais. Os espíritos dessas crianças ficam presos ao rio pela
eternidade e desesperados tentam puxar aqueles que atravessam suas águas. Para se
proteger desse perigo, monges colocaram marcos com símbolos sagrados e estátuas ao
longo do curso para que eles afastem esses espíritos.

Sendo o rio um tipo de encruzilhada entre o mundo real e o sobrenatural, é natural


que ele funcione como uma espécie de via de não dupla. Embora a maioria das almas
sigam o caminho do pós vida, outros seres espirituais usam o mesmo curso para
penetrar em nosso mundo. Entre os seres que cruzam esse umbral estão espíritos
confusos, almas espúrias e claro, demônios. Estes demônios, segundo o folclore são
seres de maldade incomparável que existem apenas para possuir pessoas, corromper e
disseminar o caos. São geralmente invisíveis, mas por vezes escolhem se deixar ver,
assumindo formas grotescas que espelham loucura e horror inenarráveis.

Estátua que protege a margem do rio dos espíritos

Para lidar com essas ameaças, os monges Bodhisattva Jizo aprendem técnicas que lhes
permitem esconjurar esses demônios de volta ao submundo. Os rituais envolvem canto,
dança, gestual e o uso de fórmulas místicas. Envolve por vezes também saber
manipular armas de forma letal. Os demônios possuem pessoas inocentes e animais
selvagens transformando-os em monstros. A única maneira de expulsa-los é arrancando
as entidades e prendendo-as em objetos inanimados que mais tarde são descartados em
caldeiras profundas que supostamente se conectam ao submundo.

Os numerosos dutos que vomitam fumaça, calor e enxofre no ar pontilham os arredores


do Monte Osore. Conforme a tradição, cada duto supostamente conduz a um diferente
inferno e um reino sobrenatural habitado pelas entidades.

As pontes também são de extrema importância para as crenças locais. Sobre outros
cursos hídricos, como o Rio Sanzu, há várias pontes de formato curioso. Para os
olhos dos vivos, estas pontes arqueadas, pintadas de vermelho escarlate são uma
mera construção para ir de uma margem a outra. Para os espíritos eles são um
obstáculo formidável. De tempos em tempos, monges se colocam sobre uma dessas
pontes para afugentar os horrores da terra dos mortos e garantir a passagem das
almas virtuosas.

As Pontes que Bloqueiam os Espíritos Malignos

O sagrado Templo na Fronteira - Bodai-Ji

A tradição local afirma ainda que o rio corre para o interior do Monte Osore. Um
templo Zen-Budista chamado Bodai-Ji foi construído no ano 862 dC, no exato local da
entrada da caverna, e ele está lá até hoje.
Há muitas histórias e mistérios a respeito desse lugar proibido para qualquer um
sem a devida permissão. Em seu interior atrás de altos muros, coisas estranhas
tendem a acontecer pois é o mais perto que uma pessoa pode chegar do além, ao
menos, sem estar morta.

Fantasmas e sombras vagam pelo lugar. São espíritos pertencentes a monges que
escolheram ficar para sempre no monastério como seus defensores. Um dos mais
importantes tesouros são quatro enormes banheiras de pedra, onde aqueles que se
banham são curados de todas as doenças conhecidas e recebem o dom de uma longa
existência. Os monges, dizem as lendas, vivem mais de 200 anos por conta disso. Há
ainda uma imensa estátua de Bodhisattva Jizo, que supostamente adquire vida para
entrar no mundo espiritual e combater os demônios que lá habitam. Além disso,
monges e iniciados se colocam como protetores desse acesso. Uma antiga lenda zen
budista diz que se um dia o monastério ruir, a fronteira ficará desguarnecida e
todos horrores do além virão caçar os vivos.

Uma Itako enfrenta um demônio que escraviza os mortos

Bodai-ji talvez seja mais conhecido por um pequeno cabal de monges sensitivos
conhecidos como Itako, místicos treinados desde a infância para se comunicar com o
além. As itako são todas mulheres e tradicionalmente cegas, embora nos dias atuais
essa condição tenha sido abandonada. Seu condicionamento e os rituais de
purificação lhes garante uma profunda sensibilidade quanto ao mundo espiritual.

O treino das itako e tão intenso, suas práticas asceticas tão severas e sua
existência tao espartana, que poucas são capazes de concluir o caminho. Estima-se
que haja menos de 20 dessas médiuns no Japão, metade delas permanentemente vivendo
em Bodai-ji.

Entre as habilidades das itako está a capacidade de dar voz aos espíritos,
permitindo que eles as usem como condutores. Elas encarnam os maneirismos, a voz e
o saber dos mortos. Parentes e amigos as procuram em desespero querendo saber dos
seus entes queridos que partiram. Duas vezes por ano, no verão e outono é
comemorado o festival de "Itako Taisai," que congrega as itako do país para a
realização dos seus rituais mais importantes. O festival é extremamente popular, e
atrai muitos peregrinos, muitos deles pessoas de luto que desejam se comunicar com
os mortos é saber se fizeram a travessia.

Os Monges enfrentam todo tipo de ameaça sobrenatural no Monte Osore

Mas o Monte Osore não é apenas morte, esquecimento e o fim de todas as coisas. Os
monges acreditam que uma porção do paraíso transcedental existe em um lugar secreto
nessas mesmas montanhas sagradas. Esse pedaço do paraíso faz fronteira com o mundo
físico e está ligado ao mítico Lago Gokuraku, que possui uma praia de areias
brancas imaculadas. Os monges que conhecem a localização do lago o visitam no verão
e depositam na areia presentes ofertados aos espíritos virtuosos.

A história do Monte Osore é extremamente rica e seus mitos de uma complexidade


incrível.

É possível que nós jamais venhamos a compreender a real extensão de seus mistérios.

Postado por King in Yellow às 11:32 3 comentários: Links para esta postagem
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sexta-feira, 5 de março de 2021
Conhecimento na Carne - Três Livros do Mythos de Cthulhu escritos em pele humana

8
Livros encadernados com pele humana podem ser bizarros, mas não são de modo algum
artigos incomuns ou raros. Um dos nossos recentes artigos mostrou alguns exemplos
de livros que receberam tratamento especial e foram preservados para a posteridade
com esse acabamento.

Curiosamente, na vida real, nenhum dos livros versam sobre ocultismo, magia negra e
elementos sinistros que à primeira vista seriam os temas que as pessoas poderiam
supor estariam presentes em tais tomos.

Mas que tal a gente subverter um pouco isso e inserir no contexto da Anthropodermic
Bibliopegy algo mais macabro, bem ao estilo dos Mythos de Cthulhu?

Aqui estão três livros imaginários que contém conhecimento esotérico profano e que
por alguma razão receberam um acabamento em pele humana.

O EVANGELHO DO DEUS SEM PELE


(Dedicado ao Skinless One, avatar de Nyarlathotep), Turquia, século XII

Até onde foi possível apurar, existe apenas um exemplar conhecido dessa obscura
obra que esteve em poder do Museu Rumeli Hisam (Rumelihisari) em Istambul até o
início dos anos 1920.

O volume chegou até o Museu oficialmente através de uma doação anônima. Na época em
que ele foi incluído no acervo, houve rumores de que o livro teria sido na verdade,
encontrado no pátio externo do museu, nas mãos de um cadáver humano cuja pele havia
sido completamente removida. O cadáver teria sido colocado sentado num dos bancos
enquanto o livro repousava em seu colo. Os boatos sobre esse estranho episódio
jamais foram confirmados, embora alguns afirmem ter havido testemunhas.

O "livro" é na realidade uma coleção de páginas com coloração amarelo-castanha


difícil de ser descrita e também decifrada, uma vez que a tinta utilizada ficou
bastante clara em alguns pontos. Essas "páginas" foram confeccionadas a partir de
camadas de pele humana, sobre a qual tatuagens foram aplicadas ainda durante a vida
de vários indivíduos. Esses pedaços de pele foram em seguida habilmente esfolados,
curados e tratados para que se transformassem em páginas. Segundo os estudiosos que
examinaram o livro, as 21 páginas que compõem a obra, pertencem às costas de 21
indivíduos diferentes, devidamente tatuados e esfolados para que o trabalho fosse
completo. É possível que o livro esteja incompleto e que trechos estejam ausentes.
As páginas são mantidas reunidas em uma espécie de caixa, não surpreendentemente,
forrada com retalhos costurados de pele humana com diferentes texturas e
complexões.

A obra em si tem conteúdo religioso e pertence a uma espécie de seita ou culto


medieval que se instalou na Turquia durante o século XII. Embora não haja registros
oficiais a respeito desse secto, alguns pesquisadores se referiam a eles como "A
Irmandade do Sem-Pele" ou "Os Irmãos do Deus Esfolado". Muito pouco se sabe a
respeito desse grupo além do fato que ela operava no submundo das grandes cidades,
realizando seus rituais às escondidas, uma vez que seriam condenados pelo estrito
código moral islâmico. É possível também que a seita possuísse enclaves em pequenos
vilarejos que abrigavam mosteiros onde sacerdotes recebiam instrução e onde
seguidores se encontravam. Até onde se sabe, a Irmandade teria sido totalmente
erradicada no período das Cruzadas, quando autoridades religiosas exigiram um
tratamento mais duro contra quaisquer seitas consideradas heréticas. Um pequeno
registro, datado de 1189, menciona a captura de seguidores da "horrível seita que
trabalha a pele de cadáveres" e a destruição de "um medonho templo dedicado aos
seus costumes blasfemos".

O livro em si, intitulado "O Evangelho do Deus sem Pele" provavelmente foi criado
no século XII e com base em todo cuidado e dedicação dispensados, é de se supor,
que se tratava de uma obra mantida em poder de algum sacerdote de grande influência
ou líder religioso.

O confuso texto em caracteres árabes medievais narra a lenda de uma entidade


chamada apenas de "Deus sem Pele" que seria um avatar vivo de uma divindade
ancestral, mais antiga que o homem e o próprio mundo. Essa entidade repulsiva, que
teria a forma de um homem adulto destituído de pele, mas ainda assim vivo, seria a
figura central da seita. Os irmãos dessa fraternidade jurariam lealdade a ele e a
tudo que ele representa, e se dedicariam a cumprir todas as suas vontades em troca
de sua benevolência. Os objetivos do culto não são claros, mas há indícios que seus
membros tencionavam derrubar outras crenças - sobretudo a fé muçulmana, e
substituí-la pelo culto do Deus sem Pele.

O texto descreve a filosofia e os aspectos dogmáticos do culto, quais as obrigações


e deveres de seus seguidores, além é claro, os rituais mais importantes para
venerar seu Deus. Dentre os temas discutidos estão incluídas cerimônias de
sacrifício, esfolamento de vítimas, aplicação de tatuagens e rituais de magia que
podem ser aprendidos pelos cultistas de grau mais elevado. O livro também cita um
artefato lendário que seria o depositário de energia mística do Deus, uma espécie
de Simulacro, que permitiria a entidade caminhar entre os homens fisicamente.
Segundo consta nas últimas páginas, esse artefato de notável importância teria sido
roubado ou destruído durante as Cruzadas, o que representou um duro golpe para a
estrutura da Irmandade.

O livro desapareceu após um ousado roubo a Biblioteca do Museu Rumeli Hisam em


1922. O livro estava em poder da instituição há cerca de oito meses e nesse período
foi apenas parcialmente traduzido pelos especialistas em idiomas medievais. O
desaparecimento coincidiu com uma série de outros ataques a museus e instituições
que guardavam objetos antigos valiosos.

O Evangelho do Deus sem Pele


em árabe medieval, autor desconhecido, c. Século XII.
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O LIVRO DO SUPLÍCIO DE ZHAO FENG


(dedicado a Yibb-Tstll), China, século III

Este livro macabro é comumente considerado uma lenda chinesa, ao menos, até a
descoberta de um exemplar em 1916. O volume foi obtido por um missionário britânico
chamado Mark Leland, que o recebeu como presente em sua missão religiosa
estabelecida em Gansu, no Noroeste da China. Atualmente o livro (na verdade um
manuscrito) está em exposição em um Museu na cidade de Birminghan, na Inglaterra.

Segundo a Lenda, Zhao Feng foi um místico, médico, astrólogo e feiticeiro que viveu
na China, em meados de 300 depois de Cristo. As estórias a respeito dele atravessam
os séculos e muitas de suas façanhas são consideradas em grande parte folclore
disseminado nas regiões rurais da China. O feiticeiro segundo algumas estórias era
capaz de comungar com demônios, ambos da Terra e de fora dela, de controlar
magníficas bestas aladas (que ele usaria para se locomover em algumas ocasiões) e
de capturar espíritos para responderem as suas perguntas. Ele também teria dominado
a arte da alquimia e da complexa medicina chinesa que lhe permitiu destilar pós e
unguentos que lhe garantiram uma existência muito prolongada.

O Livro dos Suplícios teria resultado de um ritual que Zhao Feng criou a partir das
instruções de demônios ou entidades extra-planares, contatadas através do transe
narcótico. Uma dessas entidades, chamada de "O Deus Paciente" (também conhecido
como Yibb-Tstll) teria plantado na mente de Zhao um artifício perfeito para
desvendar alguns dos segredos mais antigos e obter uma visão do futuro.

O medonho método empregado para obter esse conhecimento é uma das razões pelas
quais o nome de Zhao Feng se tornou temido em grande parte da China Continental.
Conforme a lenda, o feiticeiro preparou um ritual de tortura e sacrifício que
visava destruir quase que completamente o corpo de uma vítima, levando-a a um
limiar de dor e sofrimento tamanho que criaria um estado de consciência superior.
Uma vez aberto esse canal, administrando uma bebida mágica, o feiticeiro poderia
obter respostas para questionamentos profundos e de natureza arcana.

O ritual pode ser a base para a obscena prática de execução conhecida como "Morte
por Mil Cortes", uma modalidade bárbara de inigualável atrocidade que foi empregada
na China até o início do século XX, quando foi banida por ordem imperial. Há
similaridades chocantes entre os estilos de execução. Em ambos os casos, a vítima é
amarrada em um poste ou totem de onde não pode se mover e do qual é incapaz de se
soltar. Em seguida pequenos cortes começam a ser feitos em sua pele a fim de deixar
fluir um fluxo de sangue. Os cortes são executados com uma faca especial,
extremamente afiada. A medida que os cortes vão sendo feitos, as feridas são
lavadas com uma mistura de sal grosso e amônia que amplifica o sofrimento infligido
a um nível quase insuportável. Na execução tradicional, os cortes acabam levando à
morte pela perda de sangue, já no ritual do Suplício, a vítima recebe uma beberagem
especial que a coloca em transe e permite que seu corpo seja possuído pelo Deus
Paciente. Uma vez presente, ele começa a revelar segredos proibidos a respeito do
universo, sobre o cosmos e os Mythos de Cthulhu.

Zhao Feng teria tentado o ritual em várias oportunidades, tendo êxito em uma única
vez. Na ocasião ele teria anotado ao longo de 48 horas os segredos sussurrados pela
vítima em transe profundo. Ao fim da narrativa, a vítima enfim expirou, o mago a
desceu do poste, esfolou sua pele e a curtiu para se tornar a capa de um tomo
contendo tudo o que ele havia dito.

O Livro dos Suplícios é um manuscrito escrito em caracteres chineses em pergaminho.


A encadernação é de pele humana curtida, onde ainda se pode perceber uma infinidade
de pequenos cortes e rasgos, supostamente provocados pelo ritual do feiticeiro. Ler
o Livro dos Suplícios e a descrição do ritual, faz com que o leitor adquira uma
espécie de hipersensibilidade a dor. O menor dos estímulos físicos é capaz de
incomodá-lo profundamente. Esta "maldição" acompanha todos que aprendem o ritual, e
ao que tudo indica, não há uma forma conhecida de retirar, aliviar ou mitigar essa
condição.

O Livro do Suplício
em chinês, autor Zhao Feng, c. Século III.
Custo de Sanidade por ler 1d6/1d10
+10% em Cthulhu Mythos
Multiplicador de magia, x3

Nota: Em temos de jogo, a maldição contida no livro se instaura se o investigador


aprender o Ritual do Suplício (descrito acima). Ele deverá imediatamente fazer um
teste na Tabela de Resistência contra PODer (POW) dificuldade 15. Se o personagem
conseguir passar no teste, a maldição não irá se instalar e ele ficará imune a ela.
No entanto, em caso de falha a maldição se inicia imediatamente. Qualquer estímulo
de dor no personagem será amplificado tornando a sua vida um tormento constante. O
personagem afligido sempre que receber pelo menos 1 ponto de dano físico em seu HP,
perderá um ponto adicional, ocasionado pela sua hipersensibilidade. A maldição
também acarreta na perda de 1d3 pontos de sanidade, toda vez que o personagem for
ferido (não importando o grau de seriedade).

AS PEREGRINAÇÕES DO MONGE TORNEY,


França, século XVIII

Até onde se sabe, existe um único exemplar desse curioso manuscrito, em poder da
Biblioteca Nacional de Paris.

Seu autor, Berengar de Torney foi um monge erudito, o responsável pela biblioteca
de um pequeno monastério na região rural de Lyon. Pouco se sabe a respeito de sua
história, a não ser o fato dele ter trabalhado com afinco para preservar uma
biblioteca que incluía além de obras censuradas pela Igreja, tomos esotéricos
versando sobre os Mythos de Cthulhu. Alguns teóricos do Mythos acreditam que Torney
foi um grande estudioso de Metafísica Medieval e da Filosofia de Averoigne, mas
nesse ponto não há consenso: alguns dizem que ele pode ter sido um inimigo
declarado de cultos, enquanto outros sustentam que ele próprio teria enveredado
pelo caminho da adoração a Divindades blasfemas. É possível ainda que em algum
momento ele tenha sido possuído por uma mente da Grande Raça de Yith.

Seja qual for a verdade, os arquivos do mosteiro relatam que o monge teria deixado
a ordem da qual fazia parte em meados de 1785 quando acometido de uma estranha
condição mental resolveu partir em peregrinação. Durante as suas viagens, o monge
teria experimentado visões apocalípticas nas quais contemplou a existência de
deuses e demônios, teria visitado terras distantes sendo carregado aos céus nas
costas de aterrorizantes montarias e ainda comungado com seres não-humanos que lhe
ensinaram as artes mágicas.

No início de 1788, o monge reapareceu em Paris onde foi preso por discursar nas
ruas a respeito de suas pavorosas visões. Tido como um lunático ele foi preso na
Bastilha, mas posteriormente acabou ganhando liberdade quando a Revolução teve
início e os prisioneiros foram soltos. Supõe-se que Torney tenha vivido por alguns
tempo nas ruas, até ser recolhido e mandado para o famoso Manicômio de Charenton.
Lá, um outro ilustre prisioneiro ficou interessado em ouvir as suas narrativas e o
incentivou a escrevê-las. Este não era outro senão o infame nobre Donatien Alphonse
François de Sade, mais conhecido como o Marquês de Sade.

Fascinado pelas descrições vívidas de lugares assombrosos, rituais blasfemos e


criaturas apavorantes, Sade que ainda tinha alguma influência, conseguiu fazer com
que um de seus contatos contrabandeasse o esboço do livro para fora do manicômio e
o entregasse a um de seus editores. O plano era publicar o volume intitulado "As
Peregrinações do Monge Torney" em uma pequena tiragem, mas a censura em vigor na
época acabou impedindo esses planos. As cópias foram todas apreendidas e
destruídas.

Posteriormente, o Monge Torney escreveu uma segunda versão de seu livro quando já
se encontrava muito velho e doente. A obra foi concluída poucas semanas antes dele
morrer em Charenton. Acredita-se que Sade teria pago um coveiro para exumar o
cadáver do Monge e um médico para esfolar sua pele e com ela encapar o manuscrito
final. Na primeira página do livro há uma citação escrita a mão, supostamente pelo
Marques de Sade onde se lê:

Este é um resumo das peregrinações de Berengar de Torney, em vida, um homem que


tinha muitas perguntas. Em sua ânsia por conhecimento, ele mergulhou em mares
escuros e insondáveis, e quando emergiu se deparou com uma luz que o cegou ao mesmo
tempo que lhe abriu os olhos para a grandeza do universo. Sua pele envolve esse
manuscrito, seus segredos encerrados no que restou de seu corpo.

O manuscrito foi descoberto na coleção da Biblioteca Nacional em 1842,


possivelmente ele foi doado pelos descendentes do Marques de Sade, falecido em
1814.

O tratado é uma confusa narrativa sobre as visões do Monge Torney e de suas


experiências metafísicas. Ele narra encontros com entidades cósmicas como Hastur e
Yog-Sothoth, além de viagens estelares feitas nas costas de Byakhees que o levaram
a Aldebaran, onde ele teria visitado Carcosa e a críptica Biblioteca de Celaeno. A
escrita é extremamente complicada e exige muito do leitor e de sua capacidade de
interpretar o texto, apenas alguém com prévio conhecimento do Mythos é capaz de
entender o tema central, qualquer outra pessoa julgaria o texto como os delírios de
uma mente perturbada.

As Peregrinações do Monge Torney


em francês, autor Berengar de Torney, c. 1796.
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Postado por King in Yellow às 10:50 Um comentário: Links para esta postagem
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Marcadores: Call of Cthulhu, Cthulhu Mythos, Cultos, Magias
quinta-feira, 4 de março de 2021
Anthropodermic Bibliopegy - A bizarra prática de encadernar livros com pele humana

Do site Roadtrippers, scoop de José Luiz F. Cardoso


Existe algo definitivamente sinistro a respeito das grandes e escuras bibliotecas.
Os sussurros baixos, a quietude artificial e o cheiro de velhos tomos empoeirados
se combinam para criar uma experiência quase surreal. Mas quando se trata de
bibliotecas de aspecto sinistro, a Biblioteca da Universidade de Harvard leva o
prêmio como lugar mais assustador... isso porque três dos livros que compõe o
acervo da biblioteca são encadernados com pele humana.

Poucos anos atrás, três livros que estavam separados dos demais, guardados em uma
caixa de madeira foram descobertos pelos pesquisadores. Chamava atenção a estranha
capa desses livros que ao que tudo indicava eram feitas de couro curado. Não é
totalmente estranho que livros antigos fossem encadernados dessa maneira como forma
de preservação. À primeira vista, os livros haviam sido encadernados com couro de
porco, contudo, uma inspeção mais minuciosa determinou que aquele couro macio e
poroso era na verdade pele humana.

Mais macabro ainda é o fato de que em pelo menos um dos casos, a pele foi retirada
de uma pessoa ainda viva, a medida que a vítima era cuidadosamente esfolada.
Por mais bizarra que possa ser a noção de usar a pele de seres humanos para encapar
livros, a prática era bastante popular no século XVII. Ela é reconhecida pelo nome
Anthropodermic Bibliopegy e se mostrou incrivelmente comum, ironicamente no que se
refere a livros sobre anatomia e medicina. Profissionais da área médica algumas
vezes utilizavam a pele de cadáveres que eles haviam dissecado para esse fim. Uma
maneira incomum de não desperdiçar nada.

A técnica ganhou maior popularidade durante a Revolução Francesa quando a pele de


várias pessoas executadas pelos Tribunais da Revolução foi aproveitada para encapar
os novos Códigos de Lei. Supõe-se que em Paris mais de uma centena de pessoas
executadas nas guilhotinas tenham recebido esse tratamento, isso porque segundo um
livreiro da época, "a pele dos indivíduos nobres é consideravelmente mais lisa,
mais clara e por sinal, menos oleosa do que a da plebe, acostumada aos rigores do
trabalho".

No século XVIII e XIX a prática continuava sendo empregada nas camadas mais
elevadas da sociedade. Possuir uma biblioteca era considerado algo refinado, e ter
em sua coleção volumes com encadernação incomum era motivo de orgulho. E o que
poderia ser mais exótico e curioso do que dispor em sua prateleira de um livro cuja
capa era feita de couro humano? No Novo Mundo, a "matéria prima" para a
Anthropodermic Bibliopegy invariavelmente era suprida por escravos e indígenas.

Os três livros de pele presentes no acervo da Biblioteca de Harvard não são a


respeito de medicina e tratam de assuntos mais triviais do que se poderia supor. Um
dos livros trata de poesia romana, outro é um tratado de Filosofia escrito em
francês e o terceiro é um Códice Legal Espanhol (este último é o tal em que a
vítima foi esfolada ainda viva).

De acordo com o Diretor da Universidade, Sidney Verba, é possível que existam ainda
mais destes volumes bizarros, com capa de pele humana escondidos na coleção. É
provável que estes livros tenham sido separados por algum bibliotecário que
considerou de gosto duvidoso permitir que estes volumes ficassem à disposição dos
alunos, dada a sua origem discutível. Após a descoberta, os livros foram incluídos
no acervo e podem ser consultados, tocados e manipulados na seção de Livros Raros
da Biblioteca.

Abaixo está uma lista de exemplares que foram confirmados como exemplos de
Anthropodermic Bibliopegy. Eles foram arranjados na ordem estimada de publicação:

True and Perfect Relation of the Whole Proceedings Against the Late Most Barbarous
Traitors, Garnet A Jesuit and His Confederates (Verdadeiro e Perfeito Procedimento
Completo contra o Falecido bárbaro traidor, Garnet, um Jesuíta e seus colegas)

1606, Doador: Padre Henry Garnet

Esse livro contém uma descrição a respeito do notório Complô da Pólvora que tentou
explodir o Parlamento Inglês no século XVII. Ele descreve todos os fatos, o
julgamento e a sentença dos éus envolvidos na conspiração. Os Conspiradores da
Pólvora eram um grupo de rebeldes católicos que em 1605 tentaram assassinar o Rei
Protetante James I, seu filho mais velho, e a maior parte da corte e chefes de
governo. Seu plano era explodir uma grande quantidade de pólvora negra estocada em
barris durante uma sessão do Parlamento. A tentativa falhou e todos os envolvidos
foram capturados e julgados como traidores, a maioria tendo sido executados. O mais
famoso dos conspiradores era Guy Fawkes, entretanto, um dos co-conspiradores era o
Padre Henry Garnet, o líder da ordem Jesuíta na Inglaterra. Foi a sua pele que foi
utilizada, após a sua execução para criar a capa desse livro. O volume em latim
possui um título, em que se lê " severa penitência punida diretamente na carne".
Este é um dos livros mais famosos desse tipo de encadernação. Indivíduos
supersticiosos garantem que é possível ver o rosto do padre contorcido em agonia
quando a luz incide sobre a capa.
Practicarum Quaestionum Circa Leges Regias Hispaniae (Questionário Prático de Leis
Reais de Espanha)

1632, Doador: Jonas Wright

Na Seleta Coleção de obras Raras da Biblioteca de Harvard este livro possui um


lugar de destaque como um dos mais estranhos e incomuns. O livro tem como título
Practicarum Quaestionum Circa Leges Regias Hispaniae. Ele é um tratado de Leis
vigentes no Império Espanhol. Na última página, há uma inscrição quase que
totalmente apagada onde se lê:

"A encadernação desse livro é tudo o que restou de meu querido amigo Jonas Wright,
que foi esfolado vivo pelos Wavuna no quarto dia do mês de agosto, 1632. Ele deu-me
o livro de presente e uma vez que era uma das suas possessões mais queridas,
ordenei que a capa do volume fosse coberta com sua pele. Requiescat in pace."
Os Wavuna, acredita-se, foram uma tribo africana que viveu no que hoje conhecemos
como o moderno Zimbabue. Ele seriam conhecidos pela sua agressividade e por tratar
os prisioneiros com extrema violência, torturando-os até a morte e usando entre
outros métodos rituais que esfolavam suas vítimas. Esse volume é um exemplo notável
de anthropodermic bibliopegy, uma prova de que a prática embora bizarra podia ser
usada por motivos sentimentais para honrar o morto ao invés de representar
simplesmente algo macabro.

Ledger (Caderno de Registros)

1700, Doador: Desconhecido

Em 2006, um livro de registros com cerca de 300 anos de idade foi descoberto no
centro da cidade de Leeds, na Inglaterra. Ele foi achado após uma tentativa de
roubo de mobília em um antiquário. Não se sabe muito a respeito do velho
manuscrito, sabe-se no entanto que ele foi escrito em francês e é de antes de 1700.
Há sugestões de que ele possa ter sido encapado durante a Revolução Francesa, uma
época em que a anthropodermic bibliopegy havia ganho popularidade (e francamente,
material). Se realmente ele data da Revolução Francesa, então o livro de registros
está ao lado de documentos como a Declaração dos Direitos do Homem s e a
Constituição Francesa de 1793 que também, acredita-se tenha cópias encadernadas com
pele humana.

Red Barn Murder Judicial Procedures (Procedimento Judicial do Assassinato no


Barracão Vermelho)

1828: Doador: William Corder

O Assassinato do Barracão Vermelho foi uma infame morte ocorrida em Polstead,


Condado de Suffolk, na Inglaterra no ano de 1827. O caso teve início quando uma
jovem mulher chamada Maria Marten teve o filho ilegítimo de um conhecido ladrão
chamado William Corder, uma ofensa que na época podia levar a uma sentença por
parte das autoridades locais. Os dois combinaram de se encontrar na frente de um
barracão vermelho em uma rua afastada. Porém, quando Corder avistou a mulher,
atirou nela e enterrou seu corpo dentro do barracão para se livrar da
responsabilidade. O cadáver da mulher foi descoberto depois que sua alegou
experimentar sonhos a respeito dela ter sido morta e enterrada em um lugar pintado
de vermelho.
Quando o corpo foi descoberto, confirmando as premonições da mãe da vítima, a
população ficou enfeitiçada pelo ocorrido. O assassinato e subsequente julgamento e
execução de William Corder se tornou uma sensação nacional, inspirando baladas,
peças teatrais e poesias que sobreviveram até os dias atuais. Após a execução de
Corder na forca, seu corpo foi dissecado e examinado por profissionais de medicina
que buscavam a comprovação de que o homem tinha um gêmeo maligno em seu interior
(uma crença comum na época). O esqueleto dele se tornou ferramenta no Hospital de
West Suffolk. Sua pele foi curada pelo cirurgião George Creed e usada para encapar
os textos que formaram o Processo Legal do infame assassinato. No verso da capa, o
médico escreveu:

"A capa desse livro foi feita com a pele do assassino William Corder retirado de
seu corpo e curada por mim mesmo no ano de 1828. George Creed cirurgião do Hospital
Suffolk."

The Poetical Works of John Milton (Os Trabalhos Poéticos de John Milton)

1852: Doador: George Cudmore

Em 1830, um matador de ratos de Roborough chamado George Cudmore envenenou sua


esposa com arsênico introduzido em uma maça assada e num copo de leite. Cudmore foi
preso e em seguida enforcado pelo crime na Prisão do Condado de Devon. Após sua
morte, ele foi levado para Exeter a fim de ser dissecado num hospital. Enquanto seu
corpo aguardava no hospital, um dono de livraria e editor se apresentou afirmando
que o falecido lhe devia uma soma em dinheiro. Como Cudmore não tinha dinheiro, um
juiz concedeu que o editor recebesse um pedaço da pele do morto como pagamento. Um
médico foi contratado para esfolar um pedaço das costas que foi entregue ao credor.
Este usou o macabro pagamento para encapar um volume dos Trabalhos Poéticos de John
Milton. A frente do livro possui uma inscrição que menciona Cudmore e seu crime. O
livro foi arrematado em um leilão e hoje se encontra na Biblioteca Westcountry na
cidade de Exeter.
El Viaje Largo (A Longa Viagem)

1972, Doador Tere Medina

Nem todos os livros são antigos testemunhos de séculos atrás. Na Universidade de


Slipery Rock existe um estranho livro de poesia erótica escrito em espanhol. Com o
título "A Longa Viagem", o livro manuscrito até onde se sabe existe apenas nessa
versão. A constatação de que a capa foi feita em pele humana é algo chocante, já
que ele foi editado em 1972. Na primeira página está escrito em inglês e espanhol:

"A capa desse livro foi produzida com pele humana. A tribo Aguadilla do Platô de
Mayaguez preservou a epiderme do torso de um membro falecido da tribo e ela foi
esfolada posteriormente. A tribo culturalmente faz uso desse procedimento há
séculos. Alguns podem achar isso estranho ou mesmo bárbaro, mas a tradição precede
a chegada dos colonizadores e é visto como algo natural. Ainda hoje alguns nativos
mantém esse costume e comercializam partes de pele para um pequeno mercado
consumidor. Essa capa é parte dessa demanda".

Ninguém sabe ao certo quem foi Tere Medina, o autor do livro, ou o que o levou a
encadernar seu manuscrito dessa forma. O volume foi doado a Universidade em 1974
anonimamente.
Postado por King in Yellow às 11:15 Nenhum comentário: Links para esta postagem
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Marcadores: Artefatos, Mistérios e Enigmas, Mundo Bizarro
terça-feira, 2 de março de 2021
Bibliomania - A Loucura por Livros Raros que infectou a Europa do século XIX

Ainda que não seja uma doença psicológica, colecionadores de livros e bibliófilos
descrevem a "bibliomania" como uma condição médica.

Dr. Alois Pichler estava quase sempre cercado por livros. Em 1869, Pichler,
originalmente da Bavaria, se tornou o que na época era chamado "Bibliotecário
Extraordinário" da Biblioteca Publica de St. Petersburg, na Russia, uma posição de
prestigio que deu a ele um salário três vezes maior do que o de um bibliotecário
comum: aproximadamente 3,000 rublos.

Enquanto muitos bibliotecários possuem uma profunda admiração por livros, Pichler
sofria de uma estranha condição. Poucos meses depois que Pichler assumiu a posição
na Biblioteca, a equipe descobriu que uma alarmante quantidade de livros haviam
desaparecido da coleção. Eles começaram a suspeitar que pudesse estar havendo algum
tipo de roubo. Os guardas contratados para vigiar todos os funcionários, perceberam
que Pichler estava agindo de maneira estranha - deixando livros em lugares
curiosos, retornando volumes para o lugar errado e se recusando a deixar seu grande
sobretudo no armário. Também perceberam que ele vinha saindo repetidas vezes da
biblioteca, mesmo durante seu horário de trabalho. Começaram então a prestar
atenção em suas ações.

Em março de 1871, um dos guardas decidiu seguir o bibliotecário e percebeu que ele
carregava um volume em seu casaco. Ele contratou um rapaz para esbarrar no sujeito
e tentar descobrir o que ele estava carregando escondido. Eram livros, e quando o
Bibliotecário percebeu que estava sendo vigiado imediatamente tentou escapar, sendo
capturado pelo guarda que lhe deu voz de prisão.

Na casa do Bibliotecário, a polícia encontrou nada menos do que 4,500 livros sobre
os mais variados tópicos, desde criação de perfumes até teologia, que pertenciam a
biblioteca e que haviam sido surrupiados. Pichler vinha retirando ao menos três
livros ao dia e havia cometido o que foi chamado de o maior roubo a uma biblioteca
na história.

Pichler foi levado a julgamento, e durante o processo, seu advogado alegou que o
bibliotecário não era capaz de controlar o seu impulso de se aproprar dos livros
que caiam em suas mãos. Ele era influenciado por uma "peculiar condição mental, uma
mania que não existia na historiografia média, mas que se manifestava como uma
irresistível, irrefreável e incontrolável de subtrair livros".

Sua defesa tentava mitigar a punição e apelar para a boa vontade dos jurados.

Não funcionou! Pichler foi considerado culpado e acabou sendo exilado para a
Sibéria onde passou 10 anos cumprido pena de trabalhos forçados.

O bibliotecário talvez tenha sido a primeira vítima de Bibliomania, uma condição


psicológica obscura que varreu as classes altas da Europa e da Inglaterra durante
os anos de 1800. Os sintomas incluíam um frenesi por encontrar, adquirir e caçar
livros raros, de preferência as primeiras edições de diferentes obras. A "doença"!
também se manifestava fazendo com que a pessoa afetada se dedicasse a determinados
temas, tipos de livro, encadernação e papel.
"Qualquer forma de obsessão pode se tornar uma doença", diz David Fernandez, um
bibliotecário especializado em livros raros e obras selecionadas que trabalha na
Biblioteca Fisher na Universidade de Toronto. "Um dos aspectos interessantes é que
a pessoa afligida muitas vezes não escolhe livros especialmente caros. Não se trata
de uma questão financeira, ele deseja livros raros"

A primeira definição de Bibliomaia; ou Loucura por Livros foi publicada em 1809 e


era uma análise da condição feita por Thomas Dribdin.

A elite social formada por estudiosos e pesquisadores fazia de tudo para obter e
coletar livros - sem se importar muitas vezes com o preço, ou com o fato de que
eles muitas vezes, não estavam a venda. Alguns colecionadores gastavam verdadeiras
fortunas para construir suas bibliotecas particulares. Ainda que jamais tenha sido
considerada como uma aflição mental, as pessoas na época realmente temiam vir a
sofrer de bibliomania. Existiam várias descrições, fictícias e reais, de pessoas
sofrendo de bibliomania. Para os cavalheiros do período, o roubo era considerada
uma transgressão capaz de arruinar uma reputação por inteiro. Ser acusado de
subtrair qualquer coisa, mesmo um livro, era tido como algo imperdoável.

Um dos casos mais conhecidos e que possui farta documentação envolve o Reverendo
Thomas Frognell Dibdin, um amante de livros britânico e vítima dessa estranha
neurose. Em 1809 ele publicou um livro a respeito de Bibliomania na qual descrevia
as estranhas, curiosas e peculiares reações de colecionadores de livros que Dibdin
havia conhecido.

"Acredito que uma das melhores palavras para descrever essa situação é "bizarro",
diz Fernández, que teve acesso ao texto escrito pelo bibliotecário no século XIX.
"Era um produto de sua geração ao que tudo indica".

Uma das imagens dentro do texto mostra o que o autor chama de "Tolo por Livros", um
indivíduo descrito como um sujeito que não vê limites para sua coleção, que precisa
sempre expandir seu acervo e que não se importa em gastar dinheiro, tempo e
recursos nessa atividade", descreve Fernandez.

O "Tolo por Livros"

De acordo com o Reverendo Dibdin, a "praga dos livros" teria atingido o seu ápice
em grandes metrópoles como Paris e Londres em 1789. Após a Revolução Francesa em
1799, aristocratas franceses venderam boa parte de suas bibliotecas para fugir de
seu país natal e muitas bibliotecas foram esvaziadas de títulos raros que mudaram
de mãos por toda Europa. Da mesma forma, várias bibliotecas públicas foram
destruídas na Revolução e muitos livros acabaram sendo roubados e vendidos em um
mercado negro que movimentava enormes fortunas. Catálogos de Casas de leilão do
século XVIII e XIX trazem uma grande quantidade de livros franceses. O preço de um
volume raro poderia ser quadruplicado nesse período e a disputa por livros raros
causava uma disputa que às vezes envolvia persuasão, coação, intimidação e até
mesmo violência.

Muitos homens e mulheres que negociavam livros raros os compravam secretamente. As


cifras eram enormes e agentes à serviço destes colecionadores tinham liberdade para
fazer propostas e negociar. Por vezes, agentes a serviço de colecionadores
inescrupulosos podiam chegar ao ponto de contratar rufiões e planejar roubos a
bibliotecas, tudo para conseguir o volume que completaria uma coleção privativa.
Não por acaso, companhias de seguro ofereciam proteção para livros raros e guardas
eram contratados para proteger esses bens.
Não apenas as bibliotecas particulares estavam na mira dos colecionadores. Acervos
de Universidades e Bibliotecas Públicas mundo afora poderiam ser vítimas desses
ladrões. Além de livros, pergaminhos, mapas, documentos, cartas e outros papéis
raros acabavam sendo subtraídos.

Certos livros eram desejados por razões específicas, como os que tinham
encadernação rara, notas de rodapé deixadas por pessoas ilustres ou que eram
citados como verdadeiras obras de arte de tipografia. Nessa categoria os "Black
Letter" (Letras Negras), eram considerados especialmente desejáveis pela sua
excelência na impressão.

O poeta e escritor escocês Robert Pearse Gillies escreveu em suas memórias em 1851:
"Houve um período de minha vida em que sofri de uma mania incontrolável de adquirir
volumes com black letter. Não posso descrever o que sentia, mas era uma necessidade
de ter em minhas mãos tais livros, possuí-los... o mais estranho é que eu queria
apenas tê-los, não necessariamente lê-los. É possível que mesmo aqueles mais raros,
que foram mais difíceis de conseguir, eu não tenha lido mais do que 50 páginas".

Thomas Frognall Dibdin, Bibliófilo britânico e bibliomaníaco.

Isso não era exatamente algo raro. Havia um grupo muito grande de colecionadores
que desejavam ter os livros em sua posse pelo mero desejo de possuí-los. Driblin
descreve em seu texto a condição equiparando-a realmente a uma doença, usando para
isso termos médicos consagrados no período. Ele destacava haver oito tipos de
livros em especial que os colecionadores bibliomaníacos desejam ter acima de
qualquer outros: primeiras edições, edições únicas, livros impressos com black
letter, volumes em formato incomum, livros cujas margens haviam sido cortadas à
mão, volumes com iluminuras, cópias com anotações, cópias encadernadas em veludo e
em seda.

Além de escrever a respeito de livros e seus colecionadores, o Reverendo fundou o


Clube de Apreciadores de Livros Raros de Roxburghe, que se tornou conhecido como
uma sociedade que trocava livros e oferecia a chance de adquirir ou se desfazer de
volumes raros. A sociedade contou com inúmeros bibliófilos famosos e é claro, com
bibliomaníacos. Em determinado momento, o Clube teve mais de 2000 membros, sendo
que muitos destes eram estrangeiros.

Dibdin não foi o único a escrever a respeito da bibliomania, Gustave Flaubert


também devotou artigos inteiros para relatar suas disputas com um rival na
aquisição d elivros raros, um negociante espanhol que ele chamava de "O Monge
Espanhol". Flaubert chegou ao ponto de afirmar temer pela sua vida, uma vez que em
mais de uma ocasião esse rival o ameaçou através de agentes que buscaram dissuadi-
lo de comprar certos volumes.

Uma ilustração de Gustave Flaubert para seu artigo Bibliomanie, uma obra a respeito
da loucura por livros raros.

Flaubert escreveu um ensaio a respeito de um personagem fictício (mas provavelmente


baseado em alguém de carne e osso) chamado Lisardo. Um homem rico, sem família e
fanático por colecionar livros raros. Quando ele é apresentado a um outro
colecionador que o leva até sua biblioteca ele acaba sucumbindo à mania:

"Lisardo correu na direção das prateleiras e armários. Ele observava com grande
velocidade cada volume, suas mãos gananciosas agindo com velocidade, virando
páginas, consultando e avaliando cada volume de folios e quartos, então os octavos.
Seus dedos deslizando sobre as páginas eram capazes de sentir a textura do papel e
calcular a idade e o tipo d eimpressão. Ele não deixava de lado os duodecimos,
alguns deles com cuidadosas ilustrações e iluminuras. Suas mãos calejadas
verificavam a encadernação, o material da linha e a condição geral da seda usada,
se havia deterioração ou qualquer condição adversa".

No conto de Flaubert, o pobre Sr. Lisardo acaba enlouquecendo e tem que ser
colocado em um manicômio depois de se desesperar por não ser o doo daquela coleção
magnífica.

Embora a história fosse uma ficção, é bem provável que bibliomaníacos do período se
comportassem de maneira semelhante. "Boa parte daqueles colecionadores eram
indivíduos de classe social elevada e não estavam acostumados a terem um desejo
frustrado. Alguns iam até as últimas consequências para ter o livro que tanto
desejavam. E quando não conseguiam, acabavam enlouquecidos", explica Fernandez.

Tomemos por exemplo o colecionador de livros britânico Richard Heber que chegou a
ter oito casas completamente tomadas por volumes que chegavam a 146,000 volumes. Ao
longo de sua vida, Heber gastou 100 mil libras, uma enorme fortuna para construir a
sua coleção em 1804. Enquanto isso, outro colecionador Sir Thomas Phillipps levou a
sua família a ruína financeira ao gastar quase toda a sua fortuna em livros raros.
Phillipps era obcecado por manuscritos em veludo, e teria dito certa vez que estava
em uma campanha para adquirir todos os livros quepudesse encadernados dessa forma,
não importando o custo.

Um dos contemporâneos de Phillips relatou que sua casa era um verdadeiro pântano
dilapidado recoberto por livros de todos os tipos, tamanhos, e formas; "O estado
das coisas era realmente inacreditável. Lady Phillips estava ausente, não havia
suportado as excentricidades do marido. Ele, pouco se importava, estava satisfeito
com sua vasta coleção". O homem continuou escrevendo: "Cada sala, cada aposento,
cada pequeno espaço encontra-se abarrotado com pilhas de papéis, manuscritos,
livros, mapas, pacotes ainda fechados e volumes empoeirados: mesas, camas,
cadeiras, escadas".

Um bibliofilo cuidando de sua coleção, pintura de Carl Spitzweg de 1850

Hoje em dia, um comportamento semelhante pode facilmente ser enquadrado em alguma


das condições de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) ou como o mal dos
acumuladores. De fato, alguns estudiosos contemporâneos ligam a bibliomania, com
uma desordem mental: "Parece bastante claro que essa condição não é normal e que
algumas pessoas levam sua obsessão por livros até um patamar que beira o extremo. O
prazer que acumuladores sentem ao colecionar é profundo e reflete na auto-estima e
em sua imagem pessoal. O desejo por acumular mais e mais livros se torna o sentido
e propósito de sua existência".

Dibdin acreditava que a cura da bibliomania só poderia ser alcançada quando o


próprio indivíduo aceitava se desfazer de sua coleção. Ele próprio, reconheceu ser
um bibliomaníaco em meados de 1820 e fez de tudo para se desfazer de sua coleção,
vendendo a maioria de seus livros. Eventualmente ele conseguiu se desfazer de sua
biblioteca, mas seu alerta a respeito da obsessão continua sendo um válido mesmo
nos dias atuais.
Postado por King in Yellow às 08:25 4 comentários: Links para esta postagem
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sábado, 27 de fevereiro de 2021
Troféus de Guerra - O medonho costume de colecionar inimigos derrotados

"A Guerra é o Inferno".

Ou assim diz o ditado.

Pode parecer absurdo e bizarro para nossos padrões de civilização, mas soldados
sempre removeram partes dos corpos de seus inimigos caídos e os usaram como troféus
de guerra. A prática é bastante antiga e reconhecida por historiadores e
arqueólogos que estudam o uso recorrente de restos humanos como souvenires de
guerra. Segundo estudiosos do tema, os troféus se dividem em duas categorias
distintas: Troféus de Dominância e Troféus de Veneração.

Um Troféu de Dominância é coletado do corpo de um adversário como uma forma de


desumanizar o inimigo e demonstrar a habilidade superior do coletor em batalha.
Aquele que venceu o embate passa a "ter direito" sobre os restos do inimigo morto,
podendo usá-lo como bem entender. Ele se torna um objeto que pode ser descartado e
prospectado sem cerimônia. É o tipo mais comum de Troféu de Guerra e difundido
praticamente em todas as partes do planeta.

No Mundo Antigo os romanos tornaram essa uma prática muito tolerada e difundida em
suas fileiras. Basicamente, eles coletavam todo tipo de troféu dos mais variados
povos que entravam em seu caminho e que eram subjugados pela eficiente máquina de
guerra romana. De mãos, dedos, orelhas até globos oculares, ossos, narizes e pênis,
os troféus de guerra eram uma forma de rememorar grandes vitórias e conquistas nos
campos de batalha.

Prisioneiros sendo executados nas Cruzadas

Vários soldados à serviço do Império coletavam pedaços dos inimigos caídos e os


usavam com distinção, quase como um distintivo de seus feitos. Havia até mesmo
soldados especializados em trabalhar os pedaços trazidos até eles e conceder a cada
troféu uma aparência especial. Cronistas romanos como Tito Lívio mencionam
legionários que carregavam colares com orelhas ou polegares em volta do pescoço.
Era uma forma de identificar o indivíduo como alguém perigoso, habilidoso ou quem
sabe, cruel. A prática não era exclusiva dos soldados, mesmo os oficiais tinham
seus troféus particulares. Estes eram obtidos diretamente de chefes guerreiros e
indivíduos importantes que chamavam a atenção pelas suas características físicas.
Na Campanha pelo Norte da África, Plínio menciona que um Tribuno possuía uma vasta
coleção de globos oculares guardados em pequenas caixas.

A prática, estava presente também entre outros povos da antiguidade. Os Persas


aparentemente haviam se especializado em coletar pedaços de pele humana que eram
guardados em rolos como papiros. Os cartagineses davam especial atenção aos ossos
que achavam em campos de batalha, os poliam e por vezes os adicionavam aos
cinturões ou armaduras. Algo similar era feito pelos Pictos escoceses que usavam
ossos das costelas de inimigos como coletes.

Na Idade Média, a prática continuou muitíssimo popular. Durante as Cruzadas,


soldados à caminho de Jerusalém colecionavam dedos de seus inimigos caídos como uma
forma de contar quantos inimigos haviam derrotado em nome da Liberação da Terra
Santa. Por sua vez, os turcos tinham a prática de arrancar a língua de seus
oponentes que eram então pregadas em escudos de madeira e deixadas ali até secarem
formando padrões ao gosto do dono. A prática de arrancar pedaços do corpo e pregas
nos portões de fortes e fortalezas era bastante popular, uma forma de dizer que
invasores não eram bem vindos.

Práticas similares estão presentes em outras partes do mundo. Os Impérios Maia e


Asteca se notabilizaram pelas guerras que travavam contra praticamente todos seus
vizinhos. A maioria de suas incursões tinham como fim obter escravos, mas não era
raro que as vítimas que resistiam fossem de alguma forma "aliviadas" de partes de
sua anatomia. Os Astecas davam enorme importância aos crânios e costumavam decepar
os inimigos mais valorosos. Alguns usavam as cabeças atadas ao cinturão quando
retornavam para casa. Ao chegar, mandavam as cabeças para indivíduos especializados
em limpar carne, músculos e cartilagens deixando o crânio limpinho. Estes eram
oferecidos aos deuses como tributo, mas podiam ser usados para adornar as casas. Os
cabelos de vítimas eram um presente comum para mulheres e crianças.

Na Grande Guerra enfermeira recebe um "presentinho" dos soldados

Na conquista do Oeste selvagem, colonos fizeram enorme fortuna com a prática de


escalpelar os nativos americanos. Os cabelos negros e volumosos dos índios eram
removidos e usados como perucas. Embora muitas tribos nativas, em especial os
Apaches, sejam associados com a prática de escalpelar, os primeiros a fazê-lo foram
os colonos. A prática posteriormente foi adotada por algumas tribos que admiravam
sobretudo cabelos loiros e ruivos. O célebre General George Custer teve a longa
cabeleira que lhe valia o apelido de "Cabeça Dourada" removida após sua derrota em
Little Big Horn. Mesmo na sangrenta Guerra do Paraguai, tropas brasileiras, se
notabilizaram por arrancar orelhas das cabeças dos soldados inimigos degolados.

Um caso bastante peculiar envolve um soldado inglês que foi recompensado pela sua
bravura na Batalha de Waterloo. Permitiram a ele que pedisse qualquer coisa do
campo de batalha e ele não teve dúvida: quis o esqueleto de um general Francês. O
pedido incomum foi acatado, o soldado colocou os ossos em um baú e os levou para a
Inglaterra. Lá foram entregues a um artesão que os utilizou como matéria prima na
criação de um jogo de chá. As peças eram usadas pelo soldado e pela sua família até
que os utensílios fossem doados ao Museu de Hanley onde se encontram até hoje.

Troféus de Veneração são algo bem diferente. Nesse caso, a parte removida do corpo
de um indivíduo é usada como uma espécie de relíquia a ser respeitada, tratada com
distinção ou até mesmo venerada pela pessoa que a obtém passando de pai para filho
como uma herança.

A pratica é um pouco mais rara, mas está presente na maioria das civilizações e
culturas. Os Troféus de Veneração podem assumir várias formas, sendo as mais
recorrentes ossos e dentes ainda que existam exemplos de unhas, cabelos e até
órgãos devidamente embalsamados. Figuras históricas, indivíduos famosos ou que
obtiveram de alguma forma notoriedade são as principais vítimas dessa predação.

O costume de escalpelar os inimigos e arrancar seus cabelos

Nas culturas primitivas, Troféus de Veneração supostamente eram usados como uma
maneira de preservar ou transmitir alguma característica desejada - do dono
original para aquele que o obtinha. Um guerreiro famoso por sua resistência física
podia ter o coração arrancado e usado como amuleto, depois deste ser devidamente
ressecado e embalsamado. Um arqueiro de grande habilidade podia ter a mão, usada em
vida para fazer os disparos, amputada e usada em volta do pescoço para que
favorecesse seu novo dono. Entre as tribos selvagens que viviam no Rio Congo, o
pênis avantajado de um inimigo derrotado podia ser arrancado e guardado numa caixa.
Este era colocado sob a cama nupcial como uma forma de conjurar o vigor sexual do
indivíduo derrotado.
Troféus de Veneração eram muitas vezes oferecidos a Indivíduos Importantes, de
Chefes Tribais a Líderes Políticos, passando por Generais e Imperadores. Vários
Imperadores Romanos receberam como presente após suas conquistas militares Troféus
arrancados de algum Inimigo Valoroso. A Cabeça do famoso General Cartaginês
Hannibal, teria sido resgatada de sua sepultura em Lybissa e ofertada aos Tribunos
Romanos. Dizem que seu crânio servia como "conselheiro" alertando seus donos contra
manobras militares arriscadas. Da mesma forma, existe a lenda de que quando o líder
Mongol Genghis Khan morreu, seu crânio teria motivado um grande desentendimento
entre indivíduos próximos que desejavam guardá-lo. Acreditava-se que parte de sua
habilidade militar poderia ser invocada por seja lá quem o tivesse em seu poder.

Um exemplo famoso de Troféu de Veneração inclui os restos dos 800 Mártires de


Otranto. Antonio Primaldo e 800 de seus leais companheiros de armas foram
executados por invasores turcos em um monte nos arredores da cidade italiana de
Otranto em 1480. Eles se recusaram a se converter ao Islã e foram degolados um a
um. Terminada a execução - o que segundo rumores demorou 3 dias para transcorrer, a
população da cidade carregou os restos para a Catedral. No entanto, dedos, dentes,
tufos de cabelo e até mesmo alguns pedaços foram removidos no caminho para serem
mantidos como Troféus de Veneração extraídos diretamente de mártires. Os homens
foram posteriormente beatificados pelo Papa em 1771, o que deu início a uma nova
corrida por souvenirs removidos da cripta onde os restos eram mantidos. Uma enorme
quantidade de ossos foram retirados por visitantes e curiosos ao longo dos séculos.
As pessoas acreditavam serem aqueles restos sagrados. O Papa Francisco beatificou
os Mártires de Otranto em 2013, mas a essa altura incontáveis pedaços deles já
haviam sido surrupiados.

Os Mártires de Otranto

Um exemplo mais recente envolve o Sargento britânico Thomas Kitching que lutou com
o 12o Batalhão de Durham na Grande Guerra. Sua perna foi esmagada na Batalha do
Some e precisou ser amputada em 1916. Rather deixou ordens expressas assim que
soube que o membro teria de ser removido. Ordenou que um pedaço do fêmur fosse
salvo e que ele fosse transformado em um broche para sua noiva, Lizzie. Kitching
sobreviveu ao grave ferimento, casou com Lizzie que usou o presente até sua morte.

Mas se enganam aqueles que pensam que os Troféus de Guerra são algo relegados ao
passado e tempos menos esclarecidos. Apesar de leis aprovadas pela maioria das
nações, sendo a mais conhecida a célebre Convenção de Genebra assinada em 1929,
Troféus de Guerra continuam sendo coletados em campos de batalha.

Em 1944, um congressista norte-americano presenteou o então Presidente Franklin D.


Roosevelt com um abridor de cartas feito com o osso do braço de um soldado japonês
morto em Saipan. Roosevelt devolveu o macabro presente alguns dias depois e ordenou
que ele fosse enterrado de maneira respeitosa. Vários outros itens similares foram
trazidos para a América por marines que lutaram no teatro do Pacífico. As forças
armadas recolheram a maioria deles, que incluíam todo tipo de souvenir macabro. Do
outro lado, japoneses também ficaram conhecidos por coletar prêmios de soldados
mortos. Em um bunker em Iwo Jima os militares encontraram uma vasta coleção de
mãos, pés, crânios, ossos e genitálias pertencentes a soldados americanos. Os itens
ao que tudo indica faziam parte da coleção particular de um oficial nipônico.

Há muitos relatos a respeito da prática ocorrendo nas Guerras da Coréia e do


Vietnã, em que não apenas militares foram usados como fonte de troféus. Durante o
sangrento conflito no Vietnã o Exército americano teve de emitir ordens expressas
para que os soldados envolvidos no front parassem de coletar troféus dos mortos.
Mesmo assim, fotografias de soldados posando ao lado de cadáveres mutilados e
vestindo colares feitos de orelhas humanas apareceram em jornais com grande
destaque.

Marines em Iwo Jima posam ao lado de caveiras de inimigos mortos

Mesmo mais recentemente, na Guerra da Bósnia que se seguiu após a desintegração da


Iugoslávia, partes de cadáveres de soldados mortos foram usadas de modo absurdo e
desrespeitoso, com mãos se transformando em cinzeiros, ossos em flautas e crânios
em copos.

Parece haver uma relação direta entre a escalada de violência nas guerras e o
surgimento de Troféus. Quanto mais brutal se torna um conflito, mais desses
horríveis itens tendem a aparecer, como se a brutalidade se tornasse uma espécie de
licença tácita para que atrocidades ainda maiores pudessem ser cometidas
livremente. Em algum momento, no calor do conflito a moral é afogada pelo sangue.

Comecei esse artigo com um ditado, então aqui vai outro para encerrar: "Na Guerra,
a primeira vítima é sempre a inocência dos combatentes".

A frase pode parecer lugar comum, mas não deixa de ser verdade.
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Marcadores: Antiguidade, História e Arqueologia, Mundo Macabro
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MUNDO TENTACULAR
MUNDO TENTACULAR
2009-2019
Mundo Tentacular
Ao longo de sua vida, H.P. Lovecraft jamais conseguiu obter a mesma fama que teve
após a sua morte. Suas criações (e criaturas) nunca foram tão famosas. Se na época
de sua morte elas não passavam de criações bizarras com nomes impronunciáveis, hoje
muitas delas possuem status de cult. Muito disso se deve aos colegas e amigos de
Lovecraft que continuaram com sua benção a expandir os conceitos definidos por H.P.
Lovecraft gerando aquilo que hoje conhecemos como Cthulhu Mythos ou Mythos de
Cthulhu.

Graças a essa comunidade de autores e fãs, suas criações continuaram vivas


assombrando uma infinidade de fãs ao longo de décadas. Elas inspiraram filmes,
desenhos, quadrinhos, RPGs, séries de televisão e é claro centenas de outros
autores interessados em dar a sua contribuição para detalhar ainda mais a Mythos.

Este blog é uma pequena e humilde contribuição no mesmo espírito empreendido pelos
membros do Círculo Lovecraftiano que manteve o nome de Cthulhu e dos Antigos vivo.
Nestas páginas, Cthulhu e os Antigos encontrarão abrigo até que um dia as estrelas
se alinhem definitivamente. Até lá, ficamos em boa companhia...

Luciano Paulo Giehl


Seu comentário é sempre bem vindo
Seu comentário é sempre bem vindo
Welcome
Welcome all visitors to the “Mundo Tentacular” (Tentacular World). This is a
Brazilian blog based on H.P. Lovecraft work, RPG Call of Cthulhu and Trail of
Cthulhu, movies and stories of terror (real or else), everything about horror.

Thank for visiting and if you have any questions you may send them in english. For
now all articles are in portuguese, but I can answer questions in english and maybe
in the future we have some articles in English too.

We are here since 2009 and if the stars allow us we hope to stay until the end of
times when Great Cthulhu rises. Maybe He thinks good of us and let us continues
even then.

Ia! Ia! Cthulhu fhtagn.


1º Lugar - Concurso Blogs Punks Retropunk
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