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i

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL E O SERVIÇO DE
ACOLHIMENTO FAMILIAR

Orientadora: Prof. Dra. Janete Luzia Leite


Discente: Cristiane Lessa dos Santos

Rio de Janeiro

2011
ii

Cristiane Lessa dos Santos

A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA


SOCIAL E O SERVIÇO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA
ACOLHEDORA

Dissertação de Mestrado apresentada


ao Programa de Pós-graduação em
Serviço Social da Escola de Serviço
Social, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Serviço Social.

Rio de Janeiro

2011
iii

FICHA CATALOGRÁFICA

S237 Santos, Cristiane Lessa dos

A centralidade da política de assistência social e o serviço de aco -

lhimento familiar. / Cristiane Lessa dos Santos. Rio de Janeiro:

UFRJ, 2012.

154 f.

Orientadora: Prof.ª Drª. Janete Luzia Leite.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Escola de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social, 2012.

1. Assistência social - políticas. 2. Serviço de acolhimento familiar. I. Leite, Janete


Luzia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Serviço Social. III.
Título.

CDD:361.7
iv
v

Cristiane Lessa dos Santos

A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA


SOCIAL E O SERVIÇO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA
ACOLHEDORA

Dissertação de Mestrado apresentada


ao Programa de Pós-graduação em
Serviço Social da Escola de Serviço
Social, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Serviço Social

Aprovada em: 23 de setembro de 2011

______________________________

(Profa. Dra. Janete Luzia Leite, Orientadora, UFRJ)

_____________________________

(Profa. Dra. Silvina Galizia, UFRJ)

_____________________________

(Profa. Dra. Luciene Naiff, UFRRJ)

Rio de Janeiro

2011
vi

Dedico esta dissertação

aos meus pais,

à meu avô Paulo (in memorian)

à minha avó Janete

e à minha amada irmã Simone


vii

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por guiar e proteger a mim e a minha família em todos os dias

de nossas vidas.

Agradeço aos meus pais Elizabeth e Sérgio, por me ensinarem através dos seus

exemplos que o essencial na vida são laços de amor e fraternidade que nos movimentam.

A minha irmã Simone Lessa, essencial na minha vida. Palavras jamais conseguirão

descrever o amor que sinto por ela.

A minha avó Janete, exemplo de vida, meu espelho. Com o seu jeito doce, me

ensinou que para enfrentar a vida precisamos ser fortes, mas sem esquecer a humildade.

Agradeço também a meu avô Paulo (in memorian), fonte de inspiração, exemplo de

humildade e caráter. Tenho certeza da sua presença a nos orientar e nos proteger.

As minhas tias, em especial tia Paula e tia Márcia pelo carinho, por sempre

acreditarem no meu potencial e por estarem presentes em todos os momentos da minha

vida.

Agradeço a minha amiga e irmã “gêmea” Ana Carolina Nunes Ferreira. Os laços

sanguíneos não seriam suficientes para descrever o afeto e o respeito que eu tenho por

ela. Com certeza não conseguiria concluir esta dissertação sem o seu apoio. Aprendo e

ainda tenho muito que aprender com você, amiga.

Agradeço a minha orientadora Janete Luzia Leite, nosso porto seguro acadêmico,

que apesar de conhecer minhas limitações, não me deixou desistir de concluir esta

jornada. À professora, orientadora e amiga, devo não somente meu crescimento

profissional, mas principalmente meu crescimento pessoal. A ela também, dedico todo

meu reconhecimento e admiração, não somente por ser uma excelente profissional, mas

por ser uma pessoa maravilhosa. Pela sua eficiência, lucidez, clareza, profissionalismo, e

pelas suas colocações sempre bem feitas, que me fizeram crescer muito.
viii

Ao meu grande amigo e esposo de profissão Maurício Caetano. Obrigada pela

confiança e carinho.

Ao NUPEQUESS, grupo de pesquisa divisor de águas na minha vida. Espaço

acadêmico de constante aprendizagem e no qual fiz grande amigos.

Aos amigos, Rodrigo Silva e Gisele Alcântara, que apesar da distância, sempre

torceram por mim.

Aos colegas de trabalho do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes.

Aos amigos e companheiros de trabalho do CREAS Aldaíza Sposati, em especial a

Renata Gomes, pela compreensão mostrando-se sempre tolerante e doce em suas

palavras.

A Rosângela Iduino. Obrigada pela força e companheirismo no dia a dia do

trabalho.

Ao Achiles Miranda Dias por todas as nossas discussões sobre acolhimento

familiar, profissional que respeito e admiro.

Meus sinceros agradecimentos as professoras Luciene Naiff e Silvina Galizia, por

aceitarem fazer parte da banca examinadora, as quais deram grandes contribuições para

o desenvolvimento deste trabalho desde a qualificação.


ix

Órfãos do Paraíso
Milton Nascimento

Órfãos do sonho Brasil

Busquem os restos nas sobras da vida

Nas cinzas da esperança

As brasas da chama que nunca apagou

Venho inventar um novo país

Colar pedaços de sonhos de amor

Basta de escuro

Espadas de fogo

Que os anjos nos abram os portões do paraíso


x

RESUMO

SANTOS, Cristiane Lessa dos. A CENTRALIDADE DAS POLÍTICAS DE


ASSISTÊNCIA SOCIAL E O SERVIÇO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA
ACOLHEDORA. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Escola de Serviço
Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

Esta dissertação tem como objeto o Serviço de Acolhimento Familiar previsto na


PNAS/SUAS através da análise dos motivos (motivações) que levaram os acolhedores a
se envolverem com este Serviço. Para tanto, buscamos compreender a viragem da
Política de Assistência Social no Brasil, estabelecida na Constituição de 1988, nos atuais
programas e serviços assistenciais, sob a égide do neoliberalismo. Metodologicamente,
realizamos uma revisão bibliográfica inspirados na teoria social crítica, que trata sobre o
capitalismo e políticas sociais públicas, notadamente o pensamento de José Paulo Netto,
Elaine Behring, Ivanete Boschetti e Ana Elizabeth Mota. No que concerne ao debate
sobre família e o acolhimento familiar de crianças e adolescentes, utilizaremos como
marco teórico Regina Mioto, Potiara Pereira, Rachel Batista e Irene Rizzini. Como
instrumento de coleta de dados foram realizadas entrevistas semi-estruturadas aos
acolhedores cadastrados e habilitados no Serviço de Acolhimento da Prefeitura do Rio
de Janeiro. Partimos do pressuposto de que as mudanças ocorridas na Política de
Assistência Social no contexto do neoliberalismo se, por um, lado esvaziam os orfanatos
através do Serviço de Acolhimento Familiar, por outro lado não oferecem porta de saída
para esta parcela da população usuária. Este exemplo pode ser generalizados para as
demais políticas de assistência social. Sob o neoliberalismo, a família começa a ser vista
como importante agente privado de proteção social. Por esta razão, o Estado passa a
estimular medidas de apoio familiar através de programas e serviços que estimulem o
movimento autônomo e voluntarista da família para manter seu bem-estar mediante a
chamada “autoproteção”. Assim, a família vem sendo “convocada” como componente
central substitutivo da ação do Estado na provisão de bens e serviços.
xi

ABSTRACT

SANTOS, Cristiane Lessa dos. THE CENTRALITY OF THE SOCIAL ASSISTANCE


POLICIES AND THE SERVICE OF SHELTER IN HOSPITABLE FAMILY. Dissertation
(Master in Social Service) - School of Social Service, Federal University of Rio de
Janeiro, 2011.

This dissertation has as object the Service of Familiar Shelter foreseen in the
PNAS/SUAS through the analysis of the reasons (motivations) that led the shelters to
get involved with this Service. Therefore, we seek to understand the turn of the
Politics of Social Assistance in Brazil, established in the Constitution of 1988, in the
current programs and social services, under the aegis of neoliberalism.
Methodologically, we conducted a literature review inspired in the critical social theory
that treats on the capitalism and public social policies, notably the thought of José
Paulo Netto, Elaine Behring, Ivanete Boschetti and Ana Elizabeth Mota. Regarding the
debate about family and the familiar shelter of children and adolescents, we will use as
theoretical milestone Regina Mioto, Potiara Pereira, Rachel Batista and Irene Rizzini.
Half-structuralized interviews to the shelters registered and qualified in the Service
of Shelter of the City Hall of Rio de Janeiro were conducted as an instrument of data
collection. We assumed that changes in the Social Assistance Policy in the context of
neoliberalism empty the orphanages through the Service of Familiar Shelter, however,
on the other hand, do not provide gateway to this part of the user population. This
example can be generalized to other social assistance policies. Under neoliberalism, the
family begins to be seen as important private agent of social protection. For this
reason, the State shall encourage family support measures through programs and
services that encourage proactive and autonomous movement to maintain its family
welfare through the so-called "self-protection". Thus, the family has been "summoned"
as a central component substituting the State in the provision of goods and services.
xii
xiii

LISTA DE TABELAS

TABELA 1. Dados do acolhimento familiar – julho/2011 121


xiv

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICOS
GRÁFICO 1. Sexo dos acolhedores 116
GRÁFICO 2. Estado civil dos acolhedores 117
GRÁFICO 3. Faixa etária dos acolhedores 118
GRÁFICO 4. Escolaridade dos acolhedores 119
GRÁFICO 5. Religião dos acolhedores 120
xv

LISTA DE SIGLAS

ABTH Associação Brasileira Terra dos Homens

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

AP Área Programática

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BNH Banco Nacional de Habitação

BPC Benefício de Prestação Continuada

CAD ÚNICO Cadastro Único em Programas Sociais


CAS Coordenadoria de Assistência Social
CEME Central de Medicamentos
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CRAS Centro de Referência da Assistência Social

CREAS Centro de Referencia Especializado em Assistência Social

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

DATAPREV Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

EUA Estados Unidos da América

FHC Fernando Henrique Cardoso

FMI Fundo Monetário Internacional

FUNABEM Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor

INSS Instituto Nacional de Seguro Social

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

LA Liberdade Assistida

LBA Legião Brasileira de Assistência

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social


xvi

MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome

MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social

MP Medida Provisória

NOB Norma Operacional Básica

NUPEQUESS Núcleo de Pesquisa e Estudos em Política Pública, "Questão Social" e Serviço Social

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização Não-Governamental

OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo

OS Organização Social

PBF Programa Bolsa Família

PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos

PAIF Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família

PCRJ Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

PIA Plano Individual de Atendimento

PIB Produto Interno Bruto

PNAS Política Nacional de Assistência Social

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPP Parceria Público-Privado

PT Partido dos Trabalhadores

PSC Prestação de Serviços à Comunidade

PUC Pontifícia Universidade Católica

RA Região Administrativa

SAPECA Serviço Alternativo Especial à Criança e ao Adolescente

SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

SMAS Secretaria Municipal de Assistência Social

SUAS Sistema Único de Assistência Social

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro


xvii

SUMÁRIO

Introdução 16

1. Capitalismo, “Questão Social” e Serviço Social 20

1.1. “Questão Social”, Política Social e Reestruturação Capitalista 22

1.2. As políticas sociais brasileiras estabelecidas na Constituição


Federal de 1988: a “viragem” sob a égide neoliberal 37

2. A Política de Assistência Social: reflexões sobre a sua estrutura e regulação na

atualidade 55

2.1. A ênfase nas Políticas de Assistência Social no marco do


neoliberalismo 56
2.2. A lógica da PNAS e do SUAS 71

3. Análise do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora previsto na Política

Nacional de Assistência Social 90

3.1. A Centralidade na Família 91

3.2. Breve resgate da história do acolhimento familiar 99

3.3. O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora conforme a PNAS e o


SUAS 103
4. O “olhar do Acolhedor”: as entrevistas com os acolhedores do Serviço de

Acolhimento em Família Acolhedora do município do Rio e Janeiro 114

4.1. Análise das entrevistas com os acolhedores 115

Considerações Finais 138

Referências Bibliográficas 145

Anexos
16

INTRODUÇÃO

E
sta Dissertação consiste numa pesquisa realizada sob orientação

docente, como requisito para a obtenção do título de Mestre em

Serviço Social, a ser concedido pela Escola de Serviço Social da Universidade

Federal do Rio de Janeiro.

O objetivo proposto nesta pesquisa é compreender a viragem da

assistência social no Brasil, estabelecida na Constituição de 1988, nos atuais

programas e serviços assistenciais, sob a égide do neoliberalismo a partir da

análise do serviço de acolhimento familiar, bem como identificar os motivos

(motivações) que levaram os acolhedores a se envolverem com o serviço de

acolhimento familiar.

Partimos do pressuposto que as mudanças ocorridas na Política de

Assistência Social no contexto do neoliberalismo se por um lado esvaziam

orfanatos, através do Serviço de Acolhimento Familiar, por outro lado, ela não

oferece porta de saída para esta parcela da população usuária. Fator que pode

ser generalizados para as demais políticas de assistência social.

A partir da crise econômica mundial dos anos 70 e, a reboque o avanço do

neoliberalismo, a família começa a ser vista como importante agente privado da

proteção social. Por esta razão, o Estado passa a estimular medidas de apoio

familiar, principalmente no que tange a infância e a juventude, através de

programas e serviços, que estimulem movimento autônomo e voluntarista da

família para manter seu bem-estar chamado de “autoproteção”.

Nosso caminho metodológico foi construído através da utilização do

referencial da teoria social crítica para a análise das políticas sociais públicas, e

também por meio de entrevista semi-estruturada aos acolhedores cadastrados e


17

habilitados do serviço de acolhimento em família acolhedora inseridos nos

centros de referência especializados em assistência social da prefeitura da

cidade do rio de janeiro.

O interesse pelo tema surgiu a partir da minha inserção profissional como

assistente social servidora da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, pelo

trabalho que desenvolvi no Serviço de Acolhimento Familiar no Centro de

Referência Especializado em Assistência Social Aldaíza Sposati localizado em

Realengo, zona Oeste do município do Rio de Janeiro.

Desta forma, durante as orientações e reuniões de pesquisa do Núcleo de

Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas “Questão Social” e Serviço Social

(NUPEQUESS), interessei-me em realizar a Dissertação de Mestrado envolvendo

o tema “acolhimento familiar”, para melhor analisar esta questão.

Para compreendermos o Serviço de Acolhimento Familiar temos

primeiramente que fazer referência a Política de Assistência Social que

regulamenta este serviço. Estabelecemos, portanto, a seguinte trajetória:

O capítulo 1 trata a origem da “Questão Social” e das políticas sociais na

ordem do Capitalismo Monopolista, discutiremos as políticas sociais públicas do

Welfare State e o binômio fordismo/keynesianismo. Em seguida, abordaremos a


crise de superprodução e subconsumo do capitalismo contemporâneo da década

de 1970 e a necessidade do capital refundar o Estado, alterar as relações sociais

e redesenhar as classes como um todo. Aqui a Reestruturação do Capital

juntamente com o neoliberalismo, asfixia o Estado de Bem-Estar Social ferindo

de morte o caráter universalizante das políticas sociais públicas. Neste contexto,

os desafios para a consolidação das Políticas Sociais Brasileiras são enormes.

O capítulo 2 discute a Centralidade da Política Pública de Assistência

Social a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica de Assistência

Social 1993 e a lógica que a Política de Assistência Social assume com a


18

implantação da Política Nacional de Assistência Social. O Estado neoliberal

transfere para o domínio da Assistência Social a “solução” dos problemas sociais,

o combate a pobreza, desemprego e o enfrentamento da desigualdade social. A

Assistência Social é coroada como finalidade única da proteção social, ou seja, a

Assistência Social se transforma num fetiche social. Mota (2008)

Um dos destaques da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e do

Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é a forma de organização dos

serviços e programas de assistência social: em serviços de proteção social básica

e proteção social especial.

Os serviços de Proteção Social Especial podem ser subdivididos em

serviços de média complexidade e de alta complexidade. Os serviços de média

complexidade oferecem atendimento às famílias com direitos violados, mas os

vínculos familiares e comunitários não foram rompidos. Já os serviços de

Proteção Social Especial de alta complexidade garantem proteção integral: Eles

se dirigem às famílias, seus membros e indivíduos que se encontrem sem

referência e/ou ameaçados e, nestas condições, necessitem ser retirados de seu

núcleo familiar e comunitário. São eles: Atendimento Integral Institucional; Casa

Lar; República; Casa de Passagem; Albergue; Família Substituta; Família

Acolhedora; Medidas socioeducativas restritivas de liberdade; Trabalho

protegido. PNAS (2004).

A matricialidade sócio-familiar é um dos elementos da Política de

Assistência Social, pois o foco de atenção não é o individuo isolado, mas inserido

num núcleo familiar imprescindível na relação entre os sujeitos e a sociedade.

O capitulo 3 trata do Serviço de Acolhimento Familiar previsto na Política

Nacional de Assistência Social organiza o acolhimento na residência de famílias

acolhedoras, de crianças e adolescentes afastados da família de origem mediante


19

medida protetiva. O atendimento visa fornecer proteção integral às crianças e

adolescentes até que seja possível a reintegração familiar.

Dada a relevância do tema proposto, acreditamos na contribuição deste

estudo para fomentar o debate em torno do acolhimento familiar e da efetivação

e ampliação das políticas de Assistência Social.


20

CAPÍTULO 1

CAPITALISMO, “QUESTÃO SOCIAL” E POLÍTICA SOCIAL

No
século XVIII inaugura-se o período de emersão e crescimento

da sociedade burguesa. O capitalismo ascendente adquire força,

poder político e econômico, principalmente com a vitória da Revolução Francesa e,

posteriormente, com a Revolução Industrial, que estabeleceu a supremacia

burguesa na ordem econômica e acelerou o crescimento urbano.

De acordo com Coutinho (1972), ao desenvolver a crítica lukasciana da

cultura burguesa, esta passa por dois momentos: até 1848, no qual os ideólogos

da burguesia revolucionária não negavam a exploração do trabalho, mas

entendiam que o desenvolvimento pleno da sociedade burguesa iria superar as

mazelas. E o segundo momento, pós-1848, a agora burguesia conservadora,

permeada pelo protagonismo sociopolítico do proletariado1. Isto significa que a

condição de existência da sociedade capitalista é a relação necessária e

antagônica entre burguesia e proletariado, na qual não há possibilidade de

conciliação de interesses. O resultado da contradição entre trabalho e capital, no

interior do processo de industrialização capitalista, é o que se conhece como

“questão social”.

Ou seja,

1
A Revolução de 1848 coloca a luta de classes em um novo patamar; as lutas operárias assumem consciência
do antagonismo entre burguesia e proletariado. O movimento operário ganha força política através da
primeira e segunda Internacionais – (Associação Internacional dos Trabalhadores 1864-1876 e
Internacional Socialista 1889 entrou em crise em 1914), o movimento sindical se estrutura juntamente com
os partidos políticos operários – socialista e social-democrata, transformando o operariado de “classe em si”
em “classe para si”. Isto é, os interesses que defendem o movimento operário tornam-se interesses de
classe. Ver: Marx (1982); Coutinho (1972); Netto (1992); Coggiola (2003).
21

(...) o conjunto de problemas políticos sociais e econômicos que o


surgimento da classe operária impôs ao mundo, no curso da constituição
da sociedade capitalista. Assim, a questão social está fundamentalmente
vinculada ao conflito entre capital e trabalho (...) (CERQUEIRA FILHO,
1982, p.21)

A “questão social”, portanto, é a manifestação dos problemas políticos,

sociais e econômicos expressos pela classe operária na formação da sociedade

capitalista. Por este motivo, está inapelavelmente atrelada ao conflito capital-

trabalho. As expressões da “questão social” tem seu chão histórico na produção

social, que se torna cada vez mais coletiva quando, em contrapartida, a

apropriação dos bens advindos do trabalho torna-se cada vez mais privada e

concentrada.

Segundo Iamamoto (2008), a “questão social”, além de retratar

desigualdades e antagonismos, também é rebeldia e resistência, indicando,

dentro de um circuito contraditório, um duplo universo: o que apresenta as

desigualdades sociais como a pobreza, o desemprego, a miséria; e também o que

representa as lutas sociais, a pressão da classe trabalhadora, a organização das

formas de luta através dos movimentos sociais e da organização dos sindicatos.

Portanto, é a visibilidade da classe operária dentro do universo político da

sociedade; é o seu reconhecimento como classe e a expressão da contradição

entre proletariado e burguesia.

Ora, durante o capitalismo concorrencial, a “questão social” era vista como

objeto da ação do Estado apenas quando a mobilização trabalhadora chegava ao

extremo, colocando em risco a manutenção da força de trabalho e os lucros para

o capital. É sob a égide do capitalismo concorrencial que surgem as primeiras

lutas de classe entre a burguesia e o proletariado, e a resposta burguesa ao

movimento operário voltava-se para a manutenção da ordem pública com

repressão e controle. A intervenção estatal se restringia em legitimar a ordem,

atuando de forma repressiva junto aos trabalhadores, tendo o dever de garantir


22

a manutenção da propriedade privada e assegurar o “enquadramento” dos

trabalhadores.

No capitalismo concorrencial, a intervenção estatal sobre as sequelas da


exploração da força de trabalho respondia básica e coercitivamente às
lutas das massas exploradas ou à necessidade de preservar o conjunto de
relações pertinentes à propriedade privada burguesa como um todo – ou,
ainda, à combinação desses vetores (...) (NETTO, 1992, p.22).

Já sob a vigência do capitalismo monopolista, iniciado por volta de 1873,


2
também conhecido como “imperialismo clássico” , este possui contornos

diferenciados: grandes grupos capitalistas controlavam ramos industriais

inteiros, influenciando decisivamente nas economias nacionais. Logo, ultrapassou

as barreiras nacionais, atingindo dominância internacional, acompanhado pela

monopolização do capital bancário. (NETTO, 1992).

1.1 – “Questão Social”, Política Social e Reestruturação Capitalista

A burguesia atinge sua maturidade histórica, se amplia e complexifica. A

sociedade burguesa no capitalismo monopolista ao mesmo tempo em que

aprofunda as contradições do capitalismo agrega novas contradições e

antagonismos; eleva aos mais altos níveis a exploração do trabalhador.

Ainda de acordo com o autor em análise, durante o período “clássico” do

capitalismo monopolista, observam-se dois elementos típicos: o primeiro deles é a

supercapitalização, ou seja, a consolidação dos espaços de valorização do capital


através do autofinanciamento e das inversões (quando ocorre excedente de uma

indústria e este excedente é utilizado em outra indústria). A limitação deste

processo se dá na possibilidade da outra indústria em supercapitalizar. A solução

para a supercapitalização é sempre momentânea e parcial; nunca o capitalismo vai

2
De acordo com Netto (1992), período situado entre 1890 a 1940, fim da Primeira Guerra Mundial.
23

resolver o problema da supercapitalização, embora ela possa ser parcialmente

atenuada através do autofinanciamento, inversões, emergência da indústria

bélica, migração de capitais e queima de excedente em atividades que não

produzem valor. O segundo elemento é o parasitismo, um fenômeno típico dos

monopólios que se fixou na vida social da burguesia.

Assim, o capitalismo monopolista movimenta a economia capitalista a partir

de uma série de vetores:

(...) a) os preços das mercadorias (e serviços) produzidas pelos


monopólios tendem a crescer progressivamente; b) as taxas de lucro
tendem a ser mais altas nos setores monopolizados; c) a taxa de
acumulação se eleva, acentuando a tendência decrescente da taxa média
de lucro (...) e a tendência ao subconsumo; d) o investimento se concentra
nos setores de maior concorrência, uma vez que a inversão nos
monopolizados torna-se progressivamente mais difícil (logo, a taxa de
lucro que determina a opção do investimento se reduz); e) cresce a
tendência a economizar trabalho ‘vivo’, com a introdução de novas
tecnologias; f) os custos de venda sobem, com um sistema de distribuição
e apoio hipertrofiado – o que, por outra parte, diminui os lucros
adicionais dos monopólios e aumenta o contingente de consumidores
improdutivos (contrarrestando, pois, a tendência ao subconsumo)
(NETTO, 1992, p.20-21)

Neste sentido, o capitalismo monopolista cumpriu sua missão principal:

viabilizar o acréscimo dos lucros capitalistas por meio do controle dos mercados

e da reorganização do sistema bancário, além de estabelecer o controle da força

de trabalho, além de tensionar a extrema contradição entre a socialização da

produção e a sua apropriação. A produção torna-se cada vez mais

internacionalizada e os grupos monopólicos controlam pelo alto, ultrapassando

povos e Estados.

Para a acumulação capitalista efetivar-se com êxito, demanda mecanismos

de intervenção extraeconômicos. Para tanto, o Estado é capturado pelo capital

para legitimar a ordem burguesa. O Estado torna-se por excelência a instância do

poder extraeconômicos a serviço do capital, cujo eixo da ação visa garantir os

superlucros do capital.
24

Simultaneamente, capitaneado pela organização do movimento operário, o

debate da “questão social” se espraia como elemento próprio do capitalismo e

insuprimível nos marcos desta sociedade. Para contrarrestar a ameaça das lutas

dos trabalhadores, haja vista a consolidação política do movimento operário urge,

neste momento, a legitimação política do Estado burguês, colocando a “questão

social” num patamar de intervenção sistemática. (NETTO, 1992).

Até então, o Estado, na certeira caracterização marxiana o


representante do capitalismo coletivo, atuara como o cioso guardião das
condições externas da produção capitalista. Ultrapassava a fronteira de
garantidor da propriedade privada dos meios de produção burgueses
somente em situações precisas – donde um intervencionismo emergencial,
episódico, pontual. Na idade do monopólio, ademais da preservação das
condições externas da produção capitalista, a intervenção estatal incide
na organização e na dinâmica econômicas desde dentro, e de forma
contínua e sistemática. (NETTO, 1992, p. 24-25 – grifos do autor)

Netto (1992) distingue com clareza as funções do Estado monopolista.

A função econômica direta mostra que o Estado age como empresário na

economia. Cria empresas estatais com a finalidade de produzir matérias primas

necessárias ao capital. O Estado assume empresas capitalistas em dificuldade,

saneia-as e, após saneadas, reprivatiza-as. Entrega aos monopólios complexos

construídos com fundos públicos e venda de estatais aos capitais privados.

A função econômica indireta caracteriza a intervenção do Estado mediante

a ajuda a determinados empresários na compra e encomenda de mercadorias. O

Estado paga, em geral, preços superfaturados para garantir o lucro das

empresas. Os subsídios que Estado faz aos capitais podem ser também indiretos,

que são os de transporte público, infraestrutura e educação.

As funções estratégicas são as mais expressivas: ação macroscópica,

função de atingir a totalidade da economia do país, função de planejamento

econômico para tentar organizar, regular, controlar as crises econômicas.


25

A função extra-econômica é traduzida pelas políticas sociais públicas. Por

meio da política social, o Estado burguês cria estratégias para administrar as

expressões da “questão social”, com o objetivo de atender tanto as demandas do

capital, quanto as da classe trabalhadora.

Portanto, a função da política social no Estado burguês é viabilizar a

manutenção e controle da força de trabalho por meio da regulamentação das

relações entre capitalistas e trabalhadores: criação do seguro social, os sistemas

de previdência social – aposentadoria e pensões, que, além de atender a massa de

trabalhadores, serve para afastar a tendência ao subconsumo.

A ordem do capital é que o Estado se coloque como árbitro na economia,

tendo legitimidade para intervir nas medidas econômicas e sociais, controlar a

moeda, utilizar mecanismos para amortecer a crise3, elementos que jamais seriam

utilizados na burguesia liberal.

(...) o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria


condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação
política através do jogo democrático, é permeável a demandas
subalternas, que podem fazer incidir nele seus interesses e suas
reivindicações imediatos (...). (NETTO, 1992, p.29)

Neste sentido, as políticas sociais foram se estruturando de acordo com

cada país e com a organização da classe trabalhadora. A emergência das políticas

sociais primeiramente ocorreu com a introdução do seguro social na Alemanha,

em 1883, com Bismarck.

3
Autores como Netto (1992; 1999), Chesnais (2003), Coggiola (2004) e Dias (2005) e discutem que, na
verdade, a crise é cíclica e medular ao capital, ou seja, ela é constitutiva e constituinte do capitalismo, é o
elemento propulsor do desenvolvimento capitalista. Nas palavras de Netto & Braz (2006) não existiu, não
existe e não existirá capitalismo sem crise. Pode ser iniciada por volta de 1825, na qual o capitalismo
presencia sua primeira crise econômica. Seguida em 1848, em que explodem as revoluções democrático-
populares na Europa, alguns anos depois o capitalismo passa por mais uma grande crise, em 1873, cujas
tendências de centralização e concentração confluem com a criação dos monopólios. O capitalismo enfrenta
uma nova grande crise em 1929, dando origem a Grande Depressão. Os anos de 1970 revelam uma nova crise
do capitalismo. A mais recente crise do capitalismo ocorreu em 2008 e seus ecos (que se alargam neste
exato momento) continuam a reverberar.
26

O modelo bismarckiano implantado na Alemanha utiliza como parâmetro de

proteção social o sistema dos seguros sociais, semelhante aos seguros privados,

que atendem prioritariamente aos trabalhadores contribuintes e suas famílias. O

financiamento deste modelo é proveniente da contribuição dos empregados e dos

empregadores retirados compulsoriamente da folha salarial.

O sistema de gerenciamento era organizado por meio de caixas: caixas de

aposentadoria, caixas de seguro-saúde (geridas pelos próprios contribuintes). Em

seguida, as políticas sociais se ampliam, desconcentrando as ações então

direcionadas para a questão contributiva.

Segundo Netto (1992), em alguns países europeus e nos Estados Unidos, no

final do século XIX e início do século XX, a economia capitalista era baseada no

laissez faire, na qual o Estado ainda atuava de forma residual. Este cenário
manteve-se até o período do pós-1ª Guerra, momento em que a economia

estadunidense sofre com o crash de 294, que provocou a queda da bolsa de Nova

York, e os Estados Unidos assistiu o seu crescimento econômico ir em direção ao

caos, gerando uma crise econômica mundial.

No contexto da crise de 1929, o capitalismo articulou estratégias de

superação, instaurando um novo processo de acumulação mediante

transformações profundas em seu funcionamento. As instituições capitalistas,

juntamente com a revolução técnica e organizacional das empresas,

proporcionaram o aumento do tamanho das indústrias e a mecanização da

produção é aprimorada, gerando a Revolução da Gestão. (CHESNAIS, 2003).

Esta “revolução”, segundo Chesnais (Op. cit.) encontra-se largamente no

movimento das grandes sociedades anônimas e com as fusões dos grandes

oligopólios empresariais.

4
Crise de 1929, conhecida também como a Grande Depressão, ganhou contornos mundiais. Iniciada pelo
sistema financeiro estadunidense, fez com que o comércio mundial fosse reduzido a um terço do era antes,
iniciando mais uma das crises inerentes ao capitalismo. (NETTO, 1992; BEHRING, 2003)
27

O ponto central é a linha de montagem – o fordismo 5 -, seguido do

taylorismo6 - que atua na organização da fábrica e sua reorganização científica.

Isto quer dizer que o taylorismo e a cadeia de montagem impulsionam os ganhos

de produtividade e garantem a contínua utilização do maquinário, viabilizando a

extração dos superlucros.

O fordismo ampliou a produção, com a confecção de artigos em série (o

que barateava o custo da mercadoria por unidade produzida), as linhas de

montagem e a racionalização da produção, a partir do controle do movimento das

máquinas e dos homens. Essa forma de produção proporcionou a geração de

grandes concentrações econômicas, tensionando a extrema contradição entre a

socialização da produção e a sua apropriação. (NETTO, 1992; HARVEY, 1993).

Consequentemente, a produtividade e a rentabilidade do capital

aumentaram. A “revolução da gestão” permitiu um aumento da taxa de lucro. em

conjunto com a elevação do salário real. A constituição dos oligopólios foi

fundamental para o crescimento das finanças. Desta forma, a dupla finança–

indústria define o quadro institucional do capitalismo do século XX. (CHESNAIS,

2003).

Interligado a este contexto, o nível de combatividade dos movimentos

operários, somado aos partidos políticos operários, ganhou expressão e mobilizou

5
De acordo com Harvey (1993), a data inicial do fordismo pode ser marcada a partir de 1914, quando Henry
Ford introduziu as linhas de montagem e uma jornada diária para os trabalhadores de 8 horas e 5 dólares.
Ford racionalizou tecnologias e promoveu uma detalhada divisão do trabalho, propôs a produção em massa e
o consumo em massa. Este novo modelo significou um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma
nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo
tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista. Os pressupostos de Ford ganharam
fôlego após a Grande Depressão, chegando à maturidade no pós-2ª Guerra Mundial, como regime de
acumulação aliado ao uso dos poderes do Estado. Neste período, o capitalismo dos países avançados eleva
suas taxas de crescimento econômico, o Estado assumiu os compromissos keynesianos, como novos papéis e
poderes institucionais, os sindicatos ganharam poder de negociação coletiva nas indústrias de produção em
massa, conquistando poder político sobre questões como benefícios da seguridade social e outras políticas
sociais.
6
Os princípios da Administração Científica foi escrito por Taylor em 1911. Constituiu-se em um influente
tratado segundo o qual a produção do trabalho poderia aumentar através da decomposição e fragmentação
de cada processo de trabalho de acordo com a padronização do tempo. (HARVEY, 1993).
28

grandes contingentes de trabalhadores. A Revolução de Outubro em 1917, na

Rússia, cria o primeiro Estado Proletário, atraindo vanguardas operárias. Os

partidos comunistas, estimulados pela Internacional Comunista ou Terceira

Internacional (1919, em Moscou), ameaçavam a ordem burguesa. Até a crise que

levou ao colapso da experiência socialista em 1989, os Estados Unidos

trabalharam incansavelmente na “luta contra o perigo vermelho”, principalmente

através da Guerra Fria, após a 2ª Guerra Mundial. (NETTO, 1992).

Como resultado da pressão dos trabalhadores e articulado à crise 29 e

principalmente aos efeitos devastadores da Segunda Guerra, o Estado é

compelido a reconhecer alguns direitos sociais, marcando a consolidação das

políticas sociais que dão forma aos vários modelos de Estado de Bem-Estar

Social (Welfare State), cuja orientação macroeconômica de matriz keynesiana7

conjugada ao sistema fordista entre o fim da 2ª Guerra Mundial e os anos 1960,

forjou os “anos de ouro” do capitalismo.

Os efeitos nocivos do processo de acumulação do capital após a crise de

1929 e a 2ª Guerra Mundial deixaram evidente a necessidade da intervenção

estatal, com vistas a reconstrução econômica dos países. Para tanto, o Estado de

Bem-Estar Social - Welfare State precisou conjugar alguns fatores:

estabelecimento de políticas keynesianas para geração do pleno emprego,

viabilizando o crescimento econômico capitalista; instituição de políticas sociais,

a fim de criar demanda e ampliar do mercado de consumo; e, por fim, um pacto

social, ou seja, um amplo acordo entre esquerda e direita, entre capital e

7
“Um suporte teórico era mesmo necessário, uma vez que esse tipo de intervenção estatal contrariava os
dogmas do pensamento liberal-conservador, para o qual o papel do Estado, formalmente, deveria ser mínimo
(o ‘Estado guarda noturno’). O principal responsável por essa inovação foi Keynes (...). De acordo com Keynes,
o capitalismo não dispõe espontânea e automaticamente da faculdade de utilizar inteiramente os recursos
econômicos; seria preciso, para tal utilização plena (que evitasse as crises e suas conseqüências, como o
desemprego maciço), que o Estado operasse como um regulador dos investimentos privados através do
direcionamento dos seus próprios gastos – numa palavra, Keynes atribuía papel central ao orçamento público
enquanto indutor de investimento (...)” (NETTO & BRAZ, 2006 – grifos dos autores).
29

trabalho. Os princípios do Welfare State estão circunscritos na lógica do Plano

Beveridge8:

(...) 1) responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos


cidadãos, por meio de um conjunto de ações em três direções: regulação
da economia de mercado a fim de manter elevado nível de emprego;
prestação pública de serviços sociais universais, como educação
segurança social, assistência médica e habitação; e um conjunto de
serviços sociais pessoais; 2) universalidade dos serviços sociais; e 3)
implantação de uma ‘rede de segurança’ de serviços de assistência social
(BEHRING & BOSCHETTI, 2006, p.94).

A intervenção estatal a serviço dos monopólios agiu numa dupla função: a

primeira - estimular a acumulação capitalista, desonerando parte da preservação

da força de trabalho; a segunda – desenvolver mecanismos de coesão social,

sufocando as influências das correntes de esquerda, adotando medidas de

caráter social protetor. (NETTO, 1992; HARVEY, 1993; CHESNAIS, 2003;

BEHRING & BOSCHETTI, 2006)

Desta forma, o Estado de Bem-Estar Social passa a intervir no controle

das relações capital-trabalho, fomenta a subvenção ao consumo, garantindo a

reprodução da força de trabalho, a expansão da acumulação capitalista. A

estratégia para tal intento foi construir uma espécie de “pacto social”,

incorporando respostas estatais às demandas trabalhistas: as políticas sociais, o

“pleno emprego”, a legislação trabalhista, o desenvolvimento da participação

democrática e a ampliação da cidadania.

Parecia que a dupla fordismo/keynesianismo, assegurada pelo Estado de

Bem-Estar Social, teria sua expansão infinita, e qualquer “sombra” de crise era

amortecida pela intervenção estatal e a retomada da acumulação era rápida e

intensa.

8
O Plano Beveridge foi publicado em 1942, na Inglaterra. Suas diretrizes marcaram uma nova lógica para a
organização das políticas sociais, até então dominantes, apontando a superação do caráter securitário das
políticas sociais, propondo a incorporação de um conceito ampliado de Seguridade Social. (BEHRING, 2003).
30

Contudo, entre 1968 e 1973, a longa onda expansiva começa a dar sinais de

esgotamento. A taxa de lucro sofre reduções e, a reboque, o crescimento

econômico apresenta significativas retrações. O capitalismo vivencia o colapso do

sistema financeiro, cujo pico foi a alta do preço do petróleo pela Organização dos

Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Para os capitalistas, a desaceleração do

crescimento e a queda das taxas de lucro foram agravadas com os custos das

garantias conquistadas pelo trabalho, tendo em vista o reconhecimento dos

direitos sociais, implicando, para os capitalistas, em um aumento da carga

tributária. (ANDERSON, 1995; CHESNAIS, 2003; DIAS, 2005; NETTO &

BRAZ, 2006).

A profunda recessão econômica instaura mais uma crise do capital,

encerrando a fase do padrão de crescimento dos “anos de ouro” do capitalismo,

sustentado pelas “longas ondas expansivas” e pelo “pacto de classes” mantido pelo

Welfare State. Encerra também as bases de articulação sociopolítica que


estavam em curso na época, bem como exponencia as contradições inerentes à

lógica do capital, fazendo com que novas transformações societárias entrem em

curso. (NETTO & BRAZ, 2006).

De acordo com Harvey (1993), a crise dos anos 70 ilustrou o esgotamento

do regime de acumulação rígido, cujo modo de regulação sociopolítica era

fordista-keynesiano como aludido linhas atrás. Para superar a crise e retomar as

taxas de acumulação, o capitalismo recorre a outro regime de acumulação, agora

flexível, e consequentemente vai refletir no modo de regulação sociopolítico.

Portanto, a fim de restaurar as taxas de lucro, o capitalismo implementou

estrategicamente um conjunto de respostas a crise, materializadas na

reestruturação do capital, que vem a ser a articulação entre a reestruturação

produtiva, a financeirização do capital e a ideologia neoliberal. (NETTO, 1996;

CHESNAIS, 2003; DIAS, 2005; HARVEY, 2005; NETTO & BRAZ, 2006)
31

A crise geral das décadas 70 rompeu o compromisso do Welfare State.


Para fazer frente a esta crise o capitalismo articula e põe em cena uma
dupla solução: o neoliberalismo e a reestruturação produtiva. Estas duas
estratégias constituem uma mesma processualidade. O capitalismo,
“superados” os principais obstáculos à sua continuidade, entre eles o
desmonte objetivo dos estados “socialistas”, coloca em questão o
chamado bem estar social. Os capitalistas, “liberam-se” de todo e
qualquer compromisso com a satisfação das necessidades reais da
população e da ampliação da cidadania. Para tal, levaram a extremos a
idéia de liberdade do mercado. Têm ainda uma vantagem adicional: os
movimentos partidário, sindical e popular que se reivindicam dos
trabalhadores estão, também eles, em uma brutal crise. (DIAS, 2005. p,
49).

Assim, o capitalismo se vê compelido a buscar novas alternativas frente a

crise com a qual atravessava. Transformações que, de acordo com Netto (1996),

atravessam o âmbito econômico, político e sociocultural. Suas consequências vão

atingir medularmente a arena dos direitos sociais e a luta dos trabalhadores.

Neste sentido, ainda nas palavras do autor, a esfera econômica, trata da

desregulamentação da economia em escala mundial vinculada à financeirização e a

articulação supranacional das unidades produtivas posta notadamente a partir

dos anos 70.

A “flexibilização” do sistema produtivo é acompanhada pela aceleração das

atividades financeiras. É adotado o uso de tecnologias, mobilidade no espaço-

tempo, a produção passa a ser segmentada, horizontalizada e descentralizada,

viabilizando a “desterritorialização” dos polos produtivos através das redes

supranacionais de produção. (HARVEY, 1993).

A base da acumulação flexível tem outro tipo de produção. Ao invés de ser

em grande escala, destina-se a “nichos” específicos de mercados. O capital

promove a desterritorialização da produção, ou seja, cadeias produtivas inteiras

são desmembradas, ocupando espaços onde a exploração do trabalho pode ser


32

mais intensa. A peça-chave da acumulação flexível é a incorporação dos avanços

técnico-científicos9.

Na esfera social, de acordo com Netto (1996), essas transformações

alteram a estrutura de classes da sociedade burguesa, seja no plano econômico

(produção/reprodução das classes e suas relações) ou no plano ídeo-subjetivo (o

reconhecimento como pertencimento de classe). Assim, subvertem o mundo do

trabalho: a classe operária tradicional com identidade classista, sindical e

política começa a ser substituída por diferenciações e recomposições – surgem

os trabalhadores autônomos, terceirizados, pagos por tarefa, empreendedores.

Para a massa de trabalhadores, a introdução no processo produtivo da

eletrônica e da informatização no circuito da automação, gera consequências no

processo de trabalho e nos mecanismos de controle e organização, que também

sofrem alterações: implica numa enorme economia de trabalho vivo em

detrimento dos interesses do capital. O mercado de trabalho é reestruturado,

crescendo assustadoramente o excedente de força de trabalho. A relação dos

excluídos/incluídos também é alterada, pois são utilizadas novas modalidades de

contratação: flexíveis, parciais informais, precarizadas. Este sistema produtivo

exige amplos níveis de trabalho vivo superqualificado e polivalente,

exponenciando os índices de exploração dos trabalhadores e, como consequência,

da “questão social” (HARVEY, 1993; NETTO, 1996, MOTA, 2005).

Neste processo, destaca-se a crise do movimento sindical: redução dos

sindicalizados e perda da força do sindicalismo, além da redução considerável dos

9
Segundo Harvey (1993), a nova etapa produtiva é chamada de Terceira Revolução Industrial, pois introduz
a robótica, a microeletrônica e a biotecnologia, patrocinadas pelos grandes conglomerados empresariais. É o
que chamamos de mundialização capitalista, orientado pela desnacionalização do capital, financeirização,
ampliação da desregulamentação da economia, garantindo lucros exorbitantes para os capitalistas.
Caracteriza-se pelo processo de mundialização da economia a imposição da redivisão social e internacional do
trabalho.
33

operários industriais. Ferramentas utilizadas pelos capitalistas para pressionar

os trabalhadores e ocultar o protagonismo político da organização destes.

As relações de trabalho, as garantias, arrancadas pelas grandes lutas


sociais, são denunciadas como corporativismo. Propõe-se,
fundamentalmente, sua flexibilização, sua precarização. E, ao mesmo
tempo, afirma-se a qualificação como elemento vital: se o trabalhador
não é qualificado, capaz, o problema e a culpa é dele e não do mercado.
Busca-se eliminar dos textos legais as garantias ao trabalho; reduz-se
consistentemente os empregos de tempo integral, promovem-se as
jornadas de tempo parcial; terceirizam-se atividades, etc. As novas
formas de gestão — de tipo japonês — são colocadas como as únicas
alternativas, exige-se mais e mais a incorporação passiva dos
trabalhadoras à ordem. O trabalho vivo parece diminuir mais e mais.
Fala-se mesmo em crise do trabalho abstrato. Mas, de fato, o que se
está criando — processo não isento de contradições — é um trabalhador
inteiramente subordinado, objetiva e subjetivamente, à sociabilidade do
mercado. Carente de referências classistas, a maioria do movimento
social organizado, em escala planetária, tende, cada vez mais, a integrar-
se passivamente à ordem, permanece prisioneiro de concepções
econômico-corporativas, reduzindo suas intervenções nas lutas sociais,
privilegiando o campo corporativo, para tentar articular uma defesa no
plano do emprego, de melhores salários, etc. (DIAS, 2005, p. 51).

Desta forma, as transformações implementadas pelo capitalismo renovam

e agudizam as formas de exploração da força de trabalho. O trabalhador sofre

com a redução salarial, com a expansão das formas precárias de emprego sem

quaisquer garantias sociais, o trabalho parcial que obriga o trabalhador a exercer

várias ocupações. Este fatores estão alinhados com o discurso do capital de

flexibilização, desregulamentação das relações de trabalho. (CHESNAIS, 2003;

DIAS, 2005; NETTO & BRAZ, 2006).

Neste sentido, o que marca o capitalismo na sua atual fase é a

exponenciação da “questão social”, do desemprego, acrescida do pauperismo e da

criminalização dos pobres.

Ainda na esfera social, percebem-se as modificações no perfil demográfico

das populações em razão do aumento das taxas de crescimento ou da expectativa

de vida; a expansão urbana; crescimento do setor de serviços; novos circuitos da


34

indústria cultural. Estas transformações são significativas e rebatem na

estrutura da família, vinculados as mudanças de natureza cultural que alteram os

padrões de sociabilidade. Netto (1996) destaca três impactos decisivos neste

processo:

Dois deles estão nos novos protagonistas sociais, encabeçados pelo

movimento das mulheres e dos jovens. As demandas femininas ganharam força e

a juventude fundou a “revolução dos costumes” nos anos 60/70, passando a

constituir categoria social específica, adquirindo amplitude internacional,

rompendo com padrões de comportamento.

O terceiro encontra-se no âmbito das garantias sociais – esta fase do

capitalismo marca em alto nível o caráter concentrador de renda, riqueza e

propriedade. Em contrapartida, no que tange aos direitos sociais, o traço é

excludente e restritivo. A flexibilização passa por uma horda de segmentos

desprotegidos; que são os aposentados com pensões miseráveis, crianças e

adolescentes, doentes, trabalhadores expulsos do mercado de trabalho. Marca o

surgimento de “sub-classes” situadas nas bordas da “sociedade oficial”. (NETTO,

1996).

Na esfera cultural, ocorrem alterações importantes, cuja manifestação

basilar ilustra o fim do Programa da Modernidade baseado no Iluminismo. Trata-

se do denominado movimento pós-moderno, funcional à lógica do estágio

contemporâneo do capitalismo uma vez que suas características são

extremamente funcionais para a estrutura ídeo-social da mercadoria e do

capitalismo.

No plano político, as transformações apresentam novas problemáticas,

afetadas pelas mudanças econômicas e socioculturais. O Estado e sociedade civil

mudam entre si e nas relações entre ambos. Na sociedade, as camadas

subalternas vivem em crise: é o período de dessindicalização, enfraquecimento


35

dos partidos políticos populares/operários. Ao mesmo tempo, ganham espaço

“novos sujeitos coletivos” 10 , novos movimento sociais e estes movimentos

demandam novos direitos. (LESSA & PÓVOA, 2010).

O Estado burguês é redimensionado, e a mudança imediata é a regulação da

ação estatal no que se refere a suas funções legitimadoras. O capital rompe com

o pacto que engendrava o Welfare State, retirando as coberturas sociais

públicas, com corte nos direitos sociais. A estratégia capitalista de redução do

Estado no processo de ajuste (neoliberal) tem por objetivo reduzir os gastos do

capital com a reprodução da força de trabalho, gerando ambiência favorável para

a reprodução capitalista.

A desqualificação do Estado tem sido o foco da ideologia neoliberal, cuja

defesa do Estado mínimo pretende garantir basicamente o Estado máximo para o

capital. Para tanto, o neoliberalismo “sataniza” o Estado, desenvolve a cultura

política do anti-Estado. (NETTO, 1996; DIAS, 2005).

O Estado deve abandonar o campo do social, deve transformá-lo em


terreno de caça mercantil. Tudo, absolutamente tudo, deve ser
submetido à mercantilização. Para que tudo isso se realize, é, no entanto,
necessário dar outro passo: refundar a própria cidadania capitalista.
Realiza-se uma revolução passiva, no sentido gramsciano. Se no início do
capitalismo, a cidadania se pretendia expansiva, agora ela é
necessariamente restritiva. Cortam-se, destróem-se direitos sociais,
asfixiam-se possibilidades de organização sindical, produzem-se
mutações no processo partidário e, acima de tudo, desideologiza-se e
despolitiza-se a luta. (DIAS, 2005, p. 51-52 – grifos do autor).

A essência da ofensiva neoliberal é romper com qualquer proposta de

superação da ordem do capital. Há um verdadeiro ataque ao Estado de Bem-Estar

10
Jameson (1992) faz a crítica ao movimento contracultural dos anos 1960, que marca o período de
conquista da “autoconsciência dos povos oprimidos” e, desta forma, faz emergir “novos sujeitos da história”,
constituindo as “identidades coletivas”, materializadas na identidade do negro, da mulher, do idoso etc.,
desfazendo a concepção clássica de classe social, “fatiando-a” na forma de segmentos sociais, traduzidos
nos movimentos das minorias sociais. Este movimento posteriormente é capturado pela ideologia neoliberal
conferindo legitimidade notadamente na (re)formatação das políticas sociais cuja ordem é a fragmentação e
pulverização das políticas sociais públicas.
36

Social e às políticas keynesianas. No âmbito social e político-institucional,

desregulamenta os direitos sociais e as funções reguladoras do Estado. No

âmbito econômico, é contra a redução das desigualdades inerentes ao

capitalismo. (NETTO, 2001).

O grande capital estrangula a ação estatal, objetivando liquidar com os

direitos sociais. Este processo é apresentado como “modernização” da sociedade,

“valorização” da sociedade civil, libertando a população das amarras do Estado

protetor. Em substituição, a construção ideológica para a defesa da “liberdade” e

da “cidadania” implica na transferência, para a sociedade civil, das

responsabilidades antes atribuídas ao Estado, e a redução das lutas populares, o

que pode redundar na despolitização das demandas sociais.

A liberdade, para o neoliberalismo, é a liberdade de mercado. A liberdade

econômica se faz possível num mercado livre, “livre” de qualquer tipo de

mecanismo regulatório, inclusive dos mecanismos extra-econômicos.

Assim, o mercado delimita o espaço legítimo da ação estatal separada em

duas funções: fornecer estrutura para o desenvolvimento do mercado e além do

Estado mantenedor da propriedade privada, este deve combater os direitos

sociais e atuar pontualmente frente às situações de pauperização e extrema

pobreza. (DIAS, 2005).

O projeto neoliberal possui um outro tipo de política econômica, bem como

um novo padrão de relação Estado/sociedade, implicando no desenvolvimento das

políticas sociais, abrindo o período das chamadas “contrarreformas” que

mergulham os países em dívidas não somente de cunho econômico, mas

fundamentalmente sociais. Em contrapartida, observamos o capital cada vez mais

forte e mais truculento nas suas formas de exploração.

Uma das principais consequências da onda neoliberal foi o crescimento dos

índices de desemprego, incluindo também a precarização das relações de


37

trabalho, a ampliação de empregos temporários, parciais e instáveis, redução dos

gastos com o sistema de proteção social.

O capitalismo contemporâneo executa uma série de medidas “antissociais”

para a população, com um discurso travestido de “modernização”. Desta forma,

procura legitimar as ações do Estado neoliberal, baseadas na restrição de gastos,

na privativatização/mercantilização.

Com isso, os direitos sociais passam a ser reduzidos e restritos, assumindo

uma roupagem com ações pontuais e compensatórias aliadas a promoção e

desregulamentação das relações de trabalho, com o objetivo de flexibilizar,

reduzir, fragmentar e silenciar a massa dos trabalhadores. (NETTO, 1996;

BOSCHETTI, 2003; BEHRING & BOSCHETTI, 2006)

Não obstante, o neoliberalismo no contexto brasileiro acompanha

sistematicamente as determinações da reestruturação internacional do capital,


notadamente, as políticas sociais são redimensionadas para a lógica da

mercadoria (previdência e saúde) e a assistência social por sua vez, fica restrita

aos programas de transferência de renda. É o que discutiremos no próximo item.

1.2 – As políticas sociais brasileiras estabelecidas na Constituição Federal

de 1988: a “viragem” sob a égide neoliberal

O Brasil não escapou à reestruturação do capitalismo. Fazendo as devidas

mediações no que tange à inserção subalterna do Brasil no sistema capitalista

mundial, enquanto a Europa e os EUA vivenciavam a reação burguesa frente à

crise dos anos 70, nosso país, no período da Ditadura Militar pós-64, vivencia o

“milagre brasileiro”, com a expansão do “fordismo à brasileira”. A “questão social”

passa a ser enfrentada de modo dual, entre a repressão e a assistência, para

controlar as forças produtivas. (BEHRING & BOSCHETTI, 2006).


38

Em meio à censura, numa conjuntura de perda de liberdades democráticas

e de tortura, o regime militar buscava legitimidade através da expansão das

políticas sociais. Para tanto, centralizou a previdência social no Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS), tratando a gestão da previdência social

como uma questão técnica e atuarial; a assistência social continua a ser prestada

pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). Mas, em 1974, foi criado o Ministério

da Previdência e Assistência Social (MPAS), incorporando a LBA, a Fundação

Nacional para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM - criada em 1965), a Central de

Medicamentos (CEME) e a Empresa de Processamento de Dados da Previdência

Social (Dataprev). A ditadura militar também incentivou a política de habitação,

criando o Banco Nacional de Habitação (BNH). (Ibidem).

A partir de 1974 começam a transparecer sinais de esgotamento do

regime militar - umbilicalmente vinculados aos impactos da economia

internacional -, com restrição dos fluxos de capitais e com o crescimento das

lutas sociais no bojo da sociedade brasileira. Os anos seguintes foram marcados

pelo período de distensão: abertura lenta e gradual do regime militar, em direção

à transição democrática11.

Os anos 80 são conhecidos como “a década perdida” do ponto de vista

econômico, haja vista os altos índices de endividamento externo. A crise

inflacionária marca o período de retração do emprego e o acirramento da

informalidade. Por pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI) na economia

11
O processo de transição para a democracia inicia “alinhado” às orientações conservadoras neoliberais já
em curso no nível mundial. Nas palavras de Sader (1990), a transição democrática foi fortemente controlada
pelas elites para evitar a constituição de uma vontade popular radicalizada, tendo em vista o crescimento
das demandas represadas, fruto do acirramento da “questão social”. O esgotamento do milagre brasileiro
demonstrou aos trabalhadores e movimentos sociais que os tais frutos não seriam redistribuídos, apontando
para a crise econômica que se aproximava. Assim, a força dos trabalhadores e dos movimentos populares
exigiam as eleições, as “Diretas Já”, reforçando o movimento político de massas contra a ditadura, pelas
liberdades democráticas, que vinha se fortalecendo desde as greves do ABCD paulista em 1978-79. O
movimento das Diretas Já revelou a força das lutas sociais no país e o Colégio Eleitoral foi a saída
institucional para assegurar o controle conservador da redemocratização. Ver: Fernandes, (1986); Sader
(1990).
39

brasileira, a socialização da dívida - cerca de 70% -, tornou-se responsabilidade

estatal. Sendo assim, a alternativa do governo era cortar gastos públicos ou

vender Títulos do Tesouro a preços atraentes. Consequentemente, a taxa de

crescimento econômico foi reduzida, bem como a taxa de investimento. Em

direção oposta, os índices inflacionários foram fortemente elevados,

acompanhados do agravamento financeiro do setor público. (BEHRING &

BOSCHETTI, 2006).

Com o fim da Ditadura Militar, o governo Sarney (1985-1989) instaurou a

chamada Nova República. A condução da política econômica deste governo foi

dirigida por Bresser Pereira, que suspendeu a moratória da dívida externa e

buscou estreitar as relações com a comunidade financeira internacional. O

governo Sarney adotou medidas de liberalização e abertura orientada para o

mercado, bem como, à revelia da Constituição recém-aprovada, não priorizou os

setores da indústria nacional para acesso aos instrumentos da política industrial.

(BEHRING, 2003).

O carro-chefe da política social no governo de Sarney foi o Programa do

Leite, voltado para associações populares que tinham a atribuição de distribuir

tickets para famílias pobres, legitimando o clientelismo e o assistencialismo em


detrimento da ampliação do acesso a alimentação, mantendo o caráter seletivo,

focalizado e compensatório da política social. (BOSCHETTI, 2003).

Outro aspecto de grande destaque nos anos 80 e que redefiniu as regras

políticas no país foi a instauração do Congresso Constituinte. Os movimentos

operário e popular somaram forças políticas decisivas na história do país,

superando o controle das elites. A força reivindicatória das lutas sociais

interferiu na agenda política dos anos 80 e pautou alguns eixos da Constituinte:

reafirmação das liberdades democráticas; impugnação da desigualdade


descomunal e afirmação dos direitos sociais; reafirmação de uma
40

vontade nacional e da soberania, com rejeição das ingerências do FMI;


direitos trabalhistas e reforma agrária. (BEHRING, 2003, p. 142)

A Carta Constitucional de 1988 conferiu legitimidade aos movimentos

operário e popular que lutavam pelo reconhecimento dos direitos sociais - com

destaque para a seguridade social, direitos humanos e políticos. Representou a

ampliação do campo dos direitos sociais; institucionalizou as Políticas Sociais

Públicas e instaurou um grande avanço social, resultado das lutas sociais no país.

Neste sentido, a Constituição de 1988 institui o Sistema de Seguridade

Social12 baseado no tripé Saúde, Previdência Social e Assistência Social13, posto

no artigo 194. A Saúde refletiu grande influência do movimento de reforma

sanitária, consolidado na VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual

se discutiu a saúde integral vinculada às condições de vida e de trabalho da

população. Na Previdência Social, para além da lógica securitária, foi definida a

ampliação de direitos: licença maternidade para trabalhadores rurais e

empregados domésticos, pensão para maridos e companheiros, redução do limite

de idade para aposentadoria (60 anos homem) e (55 anos mulher); vinculação do

valor do benefício previdenciário ao salário mínimo. A Assistência Social, por sua

vez, supera a lógica do clientelismo e do focalismo, sendo alçada à condição de

política pública. (BEHRING, 2003).

Nas palavras de Behring & Boschetti (2006), o princípio da universalidade

da cobertura assegura a política de saúde como direito universal, estabelece a

A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
12

sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.


Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos
seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos
benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos
benefícios; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio;
VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e
do governo nos órgão colegiados. (Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 194, 1988).
A Seguridade Social foi regulamentada pelas Leis da Seguridade Social (1991), Lei Orgânica da
13

Previdência Social (1991), Lei Orgânica da Assistência Social (1993) e Lei Orgânica da Saúde (1990).
41

assistência como direito aos que dela necessitam e a previdência é submetida à

lógica do seguro.

Os princípios da uniformidade e da equivalência dos benefícios garantem a

unificação dos regimes urbanos e rurais no âmbito do regime de previdência,

mediante contribuição.

A irredutibilidade do valor dos benefícios indica que nenhum deles deve

ser inferior ao salário mínimo. A diversidade das bases de financiamento, talvez

um dos mais importantes princípios constitucionais, fundamental para estruturar

a seguridade social, tem duas implicações. Primeiro, as contribuições dos

empregadores não devem ser mais baseadas somente sobre a folha de salários.

Elas devem incidir sobre o faturamento e o lucro, de modo a tornar o

financiamento mais redistributivo e progressivo. Em seguida, essa diversificação

faz com que o governo federal, os estados e os municípios e destinarem recursos

fiscais ao orçamento da seguridade social.

Finalmente, de acordo com as autoras, o caráter democrático e

descentralizado da administração deve garantir a gestão compartilhada entre

governo, trabalhadores e prestadores de serviços, que devem participar das

tomadas de decisão.

Tais princípios deveriam provocar mudanças nas políticas de Saúde,

Previdência Social e Assistência Social no sentido formarem uma rede articulada

de proteção social ampliada, coerente e consistente. No entanto, estes princípios

não foram executados.

Observa-se também a não-efetivação de um Ministério da Seguridade

Social, isto porque o titular da pasta teria um peso muito grande, assim como o

peso econômico do orçamento da Seguridade Social. Desta forma, a permanência

de ministérios setorizados e sem articulação entre si na definição a política de

Seguridade Social reforça a fragmentação e a independência de cada política


42

com fundos orçamentários próprios, conselhos e conferências específicos.

(BOSCHETTI, 2003).

Não obstante a promulgação da Carta Magna, o ordenamento constitucional

de 1988 sofre uma “viragem”, ou seja, os princípios constitucionais foram

colocados na contracorrente conforme as orientações neoliberais, pois os

interesses do grande capital aliados à força inercial do conservadorismo da

sociedade brasileira revigoraram o projeto hegemônico do capital.

As diretrizes do neoliberalismo nos países latino-americanos foram ditadas

pelo Consenso de Washington, realizado em 1989, reunião entre os presidentes

dos países da América Latina com representantes do Banco Mundial, Fundo

Monetário Internacional, Banco Interamericano de Desenvolvimento, que

estabeleceu reformas de cunho neoliberal para o desenvolvimento econômico. Os

países latino-americanos devem promover as privatizações, desregulamentar

mercados e descentralizar a intervenção estatal. (LAURELL, 2009).

Pastorini & Galizia (2006), traçam o percurso das ideias neoliberais, que

primeiro passam pela esfera econômica, conectada ao processo de reforma do

Estado, condição imposta para que o país receba ajuda financeira dos organismos

multilaterais (FMI, BM e BIRD). Para tanto, deve ser executado o processo de

reforma do Estado com vistas à privatização e desregulamentação dos direitos

sociais, submetendo-os à lógica do consumo. A ênfase estatal deve voltar-se

apenas para os programas sociais de alívio à pobreza. O segundo caminho passa

pela esfera político-ideológica, ou seja, as diretrizes neoliberais ganham

legitimidade a partir das críticas feitas a Constituição Federal de 88, com o

argumento de desequilíbrio financeiro, gastos sociais excessivos, ineficiência do

aparelho estatal.

No campo das políticas sociais, a orientação dos organismos multilaterais

para a Política de Saúde se materializa na oferta de serviços de saúde mínimos e


43

a expansão do setor privado. Na Política de Previdência Social, é indicada a

gestão do regime de capitalização por entidades privadas. A Assistência Social

fica restrita aos programas de alívio à pobreza para a população desfavorecida,

para qual, será reservado um conjunto de programas focalizados e emergenciais,

implementados pelo Estado em conjunto com a sociedade civil. (PASTORINI &


GALIZIA, 2006, p. 88).

O divisor de águas para a implantação das reformas neoliberais no Brasil

foi a corrida presidencial em 1989, polarizada entre dois candidatos à

presidência da república, com projetos totalmente diferentes: Lula da Silva e

Collor de Mello. A crise econômica estava cada vez mais acirrada e exigia

mudanças.

Collor de Mello tinha o apoio das elites insatisfeitas com a promulgação da

Constituição Federal de 1988; Lula contava com o apoio do movimento operário e

popular, colocando-se como alternativa ao poder político. A lógica neoliberal

logrou êxito com a eleição de Collor de Mello, que dá o pontapé inicial às políticas

neoliberais. (BOSCHETTI, 2003).

Assim, em 1990, iniciado com Collor de Mello, o ajuste neoliberal abre o

processo de contrarreformas e redirecionamento das conquistas instituídas pela

Constituição. Ou seja, a partir da gestão de Collor de Mello, a Constituição de

1988 tornou-se alvo do grande capital.

Collor utilizou largamente os mecanismos midiáticos, com o discurso de que

as causas da crise econômica e social estavam na formatação do modelo estatal.

Para tanto, era fundamental instituir as reformas orientadas para o mercado,

enfatizando as privatizações, a racionalização da máquina pública, destacando o

desprezo pelas conquistas de 1988 através de reformas constitucionais e

estratégias que buscassem reduzir ao mínimo as legislações sociais.

(RAICHELIS, 2008).
44

As primeiras medidas de Collor de Mello - ou do “caçador de marajás” -

foram: confisco de parte dos ativos financeiros; instauração das chamadas

Reformas Estruturais, materializadas no programa de privatizações, orientadas

pelo corte dos gastos públicos e pela reforma financeira. As consequências da

política econômica de Collor de Mello foram catastróficas: acirramento do

desemprego, elevação dos índices inflacionários e estagnação econômica que,

reunidos, conduziram a economia a uma profunda recessão. (BEHRING, 2003).

O carro-chefe da política social de Collor de Mello era dirigido aos

“descamisados”, mas o enfrentamento das refrações da “questão social” pautou-

se no clientelismo, numa visão de assistência social restrita e direcionada às

camadas miseráveis. Pouco tempo depois, Collor é descoberto por fazer parte de

um esquema de corrupção, revelando o escândalo das subvenções sociais em

parceira com a direção da primeira-dama à frente da LBA, fato que gerou o seu

impeachment. Em seu lugar, Itamar Franco assume a presidência da república.

O projeto hegemônico burguês avançou e foi efetivamente implementado

com os dois governos de FHC. O grande sustentáculo do governo FHC foi o Plano

de Estabilização Monetária situado no Plano Real, através do controle da inflação.

O processo de reformatação do Estado brasileiro para a adaptação à

lógica do capital indicou o êxito ídeo-político das propostas econômico-sociais da

agenda neoliberal, cujo elemento central foi o ajuste fiscal. O governo de FHC

foi marcado pelas privatizações em massa e um direcionamento em prol da

desregulamentação trabalhista e da flexibilização das relações de trabalho.

(NETTO, 1996).

Para Netto (1996), a particularidade brasileira face ao projeto neoliberal

impõe traços singulares porque no Brasil não houve Welfare State a destruir, a

efetividade dos direitos é residual, portanto, não há gorduras nos gastos sociais.

Neste sentido, o projeto neoliberal não pode ser incorporado abertamente com a
45

“desregulamentação” e “flexibilização”. O grande capital teve que travestir o

projeto neoliberal, mascará-lo; não chamar de individualismo, mas de

“solidariedade”, não de rentabilidade, mas de “competência”, não de redução de

direitos, mas de “justiça”.

Desta forma, forja-se o consentimento da privatização em nome da crise.

O Estado consegue conduzir as políticas sociais para a lógica da

privatização/mercantilização, que inclui os direitos sociais constitucionalmente

consagrados, sempre em direção da viabilidade do processo de acumulação

capitalista.

As campanhas para legitimar as privatizações foram feitas sob a

justificativa de que este processo facilitaria a entrada de capitais; as dívidas

externa e interna seriam reduzidas, refletindo em preços mais baixos para os

consumidores; os setores de serviços seriam mais eficientes, uma vez que o

controle não mais estaria nas mãos do Estado. (BEHRING & BOSCHETTI, 2006).

FHC transfere para o setor privado atividades que eram públicas e podem

ser controladas pelo mercado, isto é, privatizou os complexos industriais

inteiros, antes gerenciados pela ação estatal (siderurgia, indústria naval,

petroquímica); o setor de serviços foi privatizado (energia, transporte,

telecomunicações etc.). Toda a riqueza social passa a ser controlada pelos grupos

monopolistas. (Ibidem)

A formulação e sistematização da “reforma” estão no Plano Diretor das

Reformas do Estado criado em 1995, dirigido na época por Bresser Pereira,

então ministro da economia de FHC. O projeto trata de uma contrarreforma

conservadora e regressiva, com inspiração nos organismos multilaterais.

(...) o Brasil e a América Latina foram atingidos por uma dura crise fiscal
nos anos 1980, acirrada pela crise da dívida externa e pelas práticas de
populismo econômico. Esse contexto vai exigir, de forma imperiosa, a
46

disciplina fiscal, a privatização e a liberalização comercial (...).


(BEHRING, 2003, p. 172)

Bresser Pereira atribui as causas da crise fiscal às práticas do que ele

chama de “populismo econômico”, que vem a ser a intervenção do Estado nos

diversos setores da sociedade e na redistribuição da renda. Para a superação da

crise, o Estado deve assumir uma disciplina fiscal, priorizar a privatização e a

liberação comercial.

Portanto, de acordo com o Plano, o Estado tem o papel suplementar, ou

seja, nas palavras de Bresser Pereira (apud BEHRING, 2003, p. 173):

Ao Estado cabe o papel coordenador suplementar. Se a crise se localiza


na insolvência fiscal do Estado, no excesso de regulação e na rigidez e
ineficiência do serviço público, há que reformar o Estado, tendo em vista
recuperar a governabilidade (legitimidade) e a governance (capacidade
financeira e administrativa de governar). A perspectiva da reforma é
garantir taxas de poupança e investimento adequadas, eficiente alocação
de recursos e distribuição de renda mais justa. O lugar da política social
no Estado social-liberal é deslocado: os serviços de saúde e educação,
dentre outros, serão contratados e executados por organizações
públicas não-estatais competitivas.

Bresser Pereira supõe que a superação da crise fiscal é a chave elementar

para o combate à crise do Estado, isto é, se a crise está localizada na insolvência

fiscal do Estado, no excesso de regulamentação, deve reformar o Estado para

retomar a governabilidade e a legitimidade.

Numa visão reducionista, Bresser Pereira, defende que a democracia deve

ser um meio de acesso ao poder político. Isto significa que o acesso à democracia

ocorre de quatro em quatro anos através do processo eleitoral. Propõe, também,

um pacto de modernização, através da liberalização comercial, das privatizações,

estabilização monetária com o Plano Real e o programa de reforma da

administração pública – denominada de Reforma Gerencial do Estado. (BEHRING,

2003).
47

O setor social foi um dos que mais sofreu, posto que a ofensiva neoliberal

incidiu diretamente nos direitos sociais assegurados na Constituição de 1988,

fato que implica em inúmeras problemáticas, como o agravamento da questão

agrária; sucateamento e precarização dos direitos sociais como saúde e

educação; a ausência de política de emprego somado à exponenciação do

desemprego.

Para o governo FHC, a Constituição é perdulária/paternalista, fomenta o

crescimento do déficit público, promovendo assim um verdadeiro ataque a

seguridade social. Na mesma medida, FHC implantou políticas públicas de

Previdência, Saúde e Assistência Social de forma desarticulada, assinalando o

seu espírito anticonstitucional, criando as Organizações Públicas Não-estatais, as

Organizações Sociais (entidades de direito privado sem fins lucrativos que

formalizam um contrato de gestão com o Poder Executivo), ou seja, a ordem é

privatizar. (BEHRING, 2003)

Assim, a seguridade social ocupa o lugar secundário e o conjunto de

direitos historicamente conquistados no marco legal é submetido ao ajuste fiscal,

gerando a pauperização das políticas sociais e uma articulação entre

assistencialismo focalizado e acesso ao mercado voltado ao cidadão-consumidor,

ou seja, aqueles que podem pagar para ter acesso aos bens e serviços sociais.

(MOTA, 2005; 2008).

A focalização restringe o acesso somente aos pobres que

comprovadamente não podem pagar pelos serviços, dando ênfase aos programas

assistenciais que envolvem transferências monetárias cujo objetivo é inserir

famílias no circuito do consumo a partir dos programas de combate à pobreza,

sempre emergenciais e residuais (Ibidem).

Neste âmbito, as políticas sociais culminaram num processo amplificado de

fragmentação e focalização, retratando um conjunto de ações emergenciais e


48

compensatórias expressas em programas como o “Programa Comunidade

Solidária”, criado em 1995 pela então primeira-dama, Ruth Cardoso.

Carro-chefe da política social de FHC, o Programa Comunidade Solidária

expressa uma velha tradição de poder no Brasil – o primeiro-damismo -, que

segue o exemplo de Darci Vargas na presidência da LBA. Observa-se como a

cultura patriarcal e liberal se manifesta, tendo em vista que o “social” é encarado

como um setor secundário, para os fracos, que não conseguem ter a satisfação de

suas necessidades no mercado, ficando à mercê da filantropia tecnificada

através da imagem bondosa da primeira dama, que remete a mistificação do papel

feminino na sociedade direcionado ao “cuidado” dos necessitados. Como

substituto da política pública, o Programa Comunidade Solidária, atuava de forma

compensatória na pobreza e nas mazelas da “questão social”, entra de forma

voraz no cenário das políticas sociais a refilantropização da assistência social e

do voluntariado. (RAICHELLIS, 2008).

Posteriormente, a ascensão de Lula da Silva de do Partido dos

Trabalhadores (PT), em 2003, deveu-se em grande parte a ao descontentamento

da população com o governo de FHC. A chegada de Lula ao governo proliferou

esperanças por todos os setores populares, pois significava a vitória de um

projeto alternativo às medidas ditadas pelo FMI e BM. Entretanto, a eleição de

Lula da Silva representou, na verdade, a forma perspicaz que o capital encontrou

para conseguir impor medidas antipopulares, uma vez que Lula e o PT se

comprometeram em prosseguir com as reformas do Estado, mantendo a

estrutura do programa capitalista por meio de alianças com importantes

representantes da burguesia financeira.

Assim,

O novo governo da principal nação latino-americana estruturou-se


claramente como um governo de frente popular, com um programa
capitalista, e com importantes representantes da burguesia financeira no
49

seu interior, como uma manobra política de colaboração de classes para


criar um fator de contenção da emergência do movimento operário e
camponês da América Latina. (COGGIOLA, 2004, p. 31)

De acordo com Braz, (2004), a população, ao eleger Lula da Silva com todo

o peso simbólico da chegada de um operário com histórico de lutas democrático-

populares ao cargo máximo no país, a princípio, estava dizendo não às plataformas

neoliberais e a coalizão de centro-direita. Ademais, o governo Lula da Silva

direcionou-se na contramão do seu histórico de lutas, sepultou as esperanças de

que o governo se disporia a mobilizar sua legitimidade política para implementar

uma verdadeira mudança de rota econômica e social do país.

Coggiola (2004) coloca ainda que a política de Lula da Silva pode ser

chamada de “neoliberalismo de rosto humano”. Isto porque havia um mimetismo

nas ações políticas de Lula da Silva: de um representante de esquerda, ex-líder

sindical, aplicou um festival de ações particularistas, privatistas, exponenciando

as políticas dos governos anteriores. “O PT chega, portanto, ao governo, da

mesma forma como se executa a melodia ao violino: segura com a mão esquerda e
toca com a direita” (LEITE, 2010, p. 07).

A política neoliberal de Lula da Silva tinha em seu discurso uma forte

carga messiânica, que conduziu à despolitização e desorganização das massas,

pois “desqualifica os partidos, os sindicatos, enfim, as organizações das classes

trabalhadoras” (DIAS, 2004, p.147). Vale destacar que o governo Lula da Silva
cumpriu com todos os contratos capitalistas em detrimento da classe

trabalhadora brasileira.

Sendo assim, a política de Lula rendeu ao país uma herança ainda mais

perniciosa que aquela deixada por FHC, tendo em vista a fragilização dos

movimentos sociais, em grande parte devido à cooptação, a descrença ainda maior

no Brasil como nação, e o avanço dos níveis de desemprego e suas ramificações

como do subemprego e a informalidade. (COGGIOLA, 2004).


50

Durante o governo de Lula da Silva, foram aprofundadas e agudizadas a

contrarreforma da Previdência do setor público, a Sindical e a contrarreforma

Trabalhista (estas duas últimas ainda em curso). Deste modo, o “neoliberalismo

garante a continuidade do projeto iniciado por Collor (que desorganiza o Estado),


assumido por FHC (que o desmonta) e coroado por Lula (cuja missão é redesenhar
o Estado)”. (LEITE, 2008, p.5).

As tendências da Seguridade Social seguem num duplo movimento de

privatização e assistencialização, com ênfase nos programas de transferência de

renda, estratégias impostas pelo grande capital na busca da flexibilização,

acumulação e constituição de um Estado mínimo. A Reforma da Previdência Social

consolidada por Lula prevê a revisão dos benefícios previdenciários apoiados na

contribuição direta aos trabalhadores, empregadores e Estado, retornando à

ótica do seguro social limitado ao trabalho formal e, portanto, despreocupado

com a proteção social, com a cidadania. Diferente da reforma da Previdência

Social do governo FHC que atingiu o setor privado, desta vez o setor público

sofre com a perversa e inominável taxação dos aposentados. O enfoque foi

incentivar os sistemas de previdência complementar privados e os fundos de

pensão segundo a lógica da financeirização do capital. (LEITE, 2010).

Os parâmetros macroeconômicos herdados da era FHC seguiram

intocáveis: manutenção do superávit primário; desvinculação das Receitas da

União, que desvincula cerca de 20% dos impostos arrecadados e contribuições

sociais e fontes da Seguridade Social para o pagamento da dívida pública e

manutenção do superávit pela Reforma Tributária; taxas de juros elevadas;

incentivo da política de exportação baseada no agronegócio, que não gera

empregos nem tampouco se volta ao mercado interno; o inesgotável pagamento

dos juros, encargos e amortização da divida pública; aumento da arrecadação da


51

União que não reflete em investimentos produtivos ou em políticas sociais.

(COGGIOLA, 2004; BRAZ, 2004).

Na esfera da Saúde, as diretrizes da Reforma Sanitária são submetidas ao

projeto conservador. A universalização do acesso à saúde é acompanhada pela

expansão dos mecanismos de racionamento, especialmente pela queda da

qualidade dos serviços de saúde. “O subsistema público estaria sendo relegado a

uma medicina de baixa densidade tecnológica, parcos recursos: uma medicina


pobre para os pobres”. (LEITE, 2010, p.13).

A Assistência Social, frente ao desemprego e ao aumento da pobreza, é

deslocada do campo da Seguridade Social, passando a adquirir dois movimentos

que se complementam: no primeiro, a Assistência Social ganha centralidade

frente às outras políticas sociais. O segundo movimento caracteriza-se pela

hegemonia dos meios mais conservadores, que determinam condicionalidades para

escolher, dentre os miseráveis, os mais “disciplinados”. Resgata ainda a

culpabilização individual, moralização, conservantismo e ênfase na família e na

comunidade. (LEITE, 2010).

A política social deste governo teve seu carro-chefe no Programa Fome

Zero de “erradicação da fome”, seguido dos Programas Bolsa Família14. Instaura

ainda a Política Nacional de Assistência Social15 (PNAS – 2004) e logo em seguida

o Sistema Único da Assistência Social (SUAS). Enfim, o Estado acirra a

intervenção de forma compensatória na pobreza e nas refrações da “questão

social”, dando ênfase às políticas de assistência social em detrimento das outras

políticas sociais. (BOSCHETTI, 2007).

14
O Programa Bolsa Família foi sancionado pela Lei Federal no 10.836, de 09 de janeiro de 2004. O objetivo
do Programa é viabilizar transferência de renda com critérios de condicionalidades e seletividades, voltados
para a cidadania e a inclusão social das famílias em situação de extrema pobreza, reunindo em um único
programa antigas ações de governos anteriores (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás e cartão
alimentação).
15
Discutiremos a lógica da PNAS e do SUAS no próximo capítulo.
52

Neste sentido, a reeleição de Lula da Silva indicou a continuidade do

projeto neoliberal, reverberando inclusive o mote de FHC: “ou eu ou o caos”

(LEITE, 2010, p. 8). Assim, Lula avançou na obra incompleta de seu antecessor,

na qual os programas sociais (destacando-se o Programa Bolsa-Família) foram a

moeda de troca (naturalmente, amesquinhada) durante o processo eleitoral, que

facilmente converteu a maior parte dos votos para a sua reeleição. Desta forma,

o governo de Lula da Silva aprofunda a maré montante neoliberal, garantindo a

exponenciação dos lucros do grande capital, criando a ilusão frente à população,

de que as condições de vida para a parcela carente melhoraram com as ações do

Estado. (LEITE, 2010).

O país viu crescer o montante de gastos destinados à assistência social em

seu caráter específico em detrimento das políticas universais. Este crescimento

do orçamento da assistência social representa uma distorção da política

governamental, que faz com que as demais áreas fiquem subjugadas à assistência.

Tal fato reflete na polarização entre o cidadão-consumidor (pode suprir suas

necessidades no mercado) e o cidadão de última categoria (o usuário da

assistência social). (MOTA, 2010).

A lógica das políticas de assistência social é criar novas formas para

garantir a manutenção da acumulação capitalista: a primeira delas é gestar o

Estado neoliberal com políticas de assistência social para os mínimos sociais

voltados aos famélicos e depauperados, garantindo a contenção/silenciamento

das massas; os direitos sociais passam a ser reduzidos e restritos, e as políticas

de assistência social são ampliadas e travestidas em programas assistenciais,

com ações pontuais e compensatórias, assegurando o acesso focalizado à parcela

da população comprovada e extremamente pobre. A segunda forma é delegar

para a esfera da sociedade civil e da família a responsabilidade em suprir as

necessidades sociais da população.


53

Neste sentido, de acordo com Pereira (2010), a importância da família no

âmbito da política social não é algo novo, mas ultimamente o debate da família -

principalmente as famílias pobres - adquire centralidade no contexto das

políticas sociais. A família ressurge no contexto da reformatação das políticas

sociais, pois os programas e serviços tem implementado ações tendo em vista o

âmbito familiar. Isto porque as modificações que assolam a sociedade capitalista

afetam diretamente o debate da família, que também sofre mudanças de

natureza cultural e indicam a ruptura de velhos padrões de vida familiar, ao

redefinir papéis como: divórcio, aborto, mães solteiras, união homoafetiva etc.

Estas mudanças refletem em novas composições da estrutura familiar, ganham

fôlego mecanismos de solidariedade familiar para criar alternativas de

enfrentamento da exclusão social. (LEITE, 2010).

Crescem, portanto, os programas e serviços voltados ao atendimento às

famílias, como também cresce o esforço em pressionar e sobrecarregar ainda

mais as famílias, exigindo-lhes novas responsabilidades diante do Estado e da

sociedade, podendo reforçar a culpabilização das famílias ante as situações de

risco social. Ato contínuo, despolitiza-se o papel das famílias, ao reproduzir o

discurso das famílias desestruturadas e incapazes de aproveitar as

oportunidades que lhe são ofertadas para, assim, solucionar seus “problemas”

com recursos próprios. (PEREIRA, 2010).

Neste cenário, para Iamamoto (2008), a “velha” questão social

metamorfoseia-se, assumindo novas roupagens. Ela evidencia hoje a imensa

fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as

relações sociais que o impulsionam. Esta fratura que vem se traduzindo na

banalização da vida humana, na violência escondida no fetiche do dinheiro e na

mistificação do capital ao impregnar todos os espaços e esferas da vida social.


54

Sendo assim, ainda nas palavras de Iamamoto (2008), por um lado, tem-se

a gestão da “questão social” pela via das políticas sociais compensatórias, com

traços de responsabilização/culpabilização individual e de psicologização da

“questão social”; e, por outro lado, a reatualização da “questão social” como caso

de polícia, trazendo o fenômeno da criminalização da pobreza. É retomada a

noção de “classes perigosas”, sujeitas à repressão e opressão. Evidencia-se a

tendência em naturalizar a “questão social”, transformando suas expressões em

objetos de programas assistenciais focalizados de combate à pobreza. As

propostas imediatas para o enfrentamento da “questão social” no Brasil, na

atualidade, se fazem na articulação entre assistência focalizada e repressão,

com o apoio coercitivo do Estado.

As políticas sociais, travestidas doravante em “programas para grupos


específicos”, funcionam exatamente como instrumento de divisão das
classes trabalhadoras, a partir da sua característica residual. Perde-se,
com isso, o horizonte da luta coletiva. Ademais, a focalização despolitiza
as políticas, tirando o foco da totalidade do real, naturalizando,
banalizando e – ato continuo criminalizando a “questão social”,
transformando-as em expressões individuais. (LEITE, 2010, p.19).

A “questão social” torna-se pulverizada e fragmentada em diversas

questões sociais, que transformam problemas sociais em problemas individuais

solucionados isoladamente perdendo, assim, o seu caráter coletivo e o recorte

classista.

Este quadro apontado por Leite (2010) revela a expansão da “desproteção

social” no país, vinculado a exponenciação da pobreza, da miséria e do

desemprego num contexto de retirada de direitos e retração das políticas

sociais. Estes elementos provocam de uma franja social que começou a ser

desnecessária ao capital, isto é, que não se insere na economia no setor formal ou

informal. Esta franja social além de colocar em xeque as maravilhas do mundo

capitalista, como também é a prova da falência deste modelo econômico.


55

CAPÍTULO II

A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: REFLEXÕES SOBRE

SUA ESTRUTURA E REGULAÇÃO NA ATUALIDADE

A
Constituição Federal de 1988 trouxe avanços significativos para a

formatação das políticas sociais públicas no país, em especial, eleva

para o campo do direito social o acesso a Assistência Social. Sabemos que

materializar a política pública de Assistência Social é o grande desafio do Estado

e da sociedade.

No entanto, a Seguridade Social, na contramão da sua ampliação e

concretização, vem sofrendo constantes reformulações que restringem direitos

e desarticulam políticas sociais públicas. Em que pese o avanço da reestruturação

capitalista vinculada a reforma do Estado, que redesenha a proteção social no

Brasil à moda dos organismos financeiros internacionais, conferindo centralidade

aos programas de transferência de renda produzindo impactos no aumento do

consumo e no acesso aos mínimos sociais de subsistência para a população pobre.

Por conseguinte, a “questão social” sofre um processo de passivização, pois

se desloca do campo do trabalho para se apresentar como sinônimo das

expressões da pobreza, e objeto da assistência social e não do trabalho.

Consequentemente, esta perspectiva alimenta a despolitização das lutas e do

caráter classista das desigualdades sociais, que passam a ser vistas ora como

exclusão, ora como evidência da desfiliação em relação à proteção estatal.


56

2.1 – A ênfase nas Políticas de Assistência Social no marco do neoliberalismo

A Constituição de 1988 coloca a Assistência Social16 como dever do Estado

e direito de cidadania. A Assistência Social passa a ter como balizamento não os

necessitados, mas as necessidades sociais em sentido ilimitado. Isso indica que

deve buscar garantir um padrão mínimo de vida a todo o cidadão. (LEITE, 2008).

O processo Constituinte reúne esforços para garantir um lugar e um modo

de ser da Assistência Social, articulado aos direitos sociais e a justiça social,

devendo atingir a todos os cidadãos, como política pública não contributiva. O

marco legal qualifica a Assistência Social partícipe do tripé da Seguridade Social

juntamente com as políticas de Saúde e de Previdência Social17. A Assistência

Social adquire uma nova concepção 18, incluída no âmbito da Seguridade Social,

inaugurando o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da

responsabilidade do Estado.

Como política de Estado passa a ser um espaço para a defesa e atenção


dos interesses e necessidades sociais dos segmentos mais empobrecidos
da sociedade, configurando-se também como estratégia fundamental no
combate à pobreza, à discriminação e a subalternidade econômica,
cultural e política em que vive grande parte da população brasileira.
Assim, cabe à Assistência Social ações de preservação e provimento de
um conjunto de garantias ou seguranças que cubram, reduzam ou

16
Historicamente, as ações públicas para o enfrentamento da “questão social” na sociedade brasileira, tem
sido acompanhadas por algumas distorções que Yazbek (1996, p.50), destaca: a) O apoio na matriz do favor,
do apadrinhamento, do clientelismo e do mando, formas enraizadas na cultura política do país, sobretudo no
trato das classes subalternas, reproduzindo relações de dependência. Reforçam a figura do “pobre
beneficiário”, do “desamparado” e do “necessitado” e da posição de subalternização e de culpabilização pela
sua condição de pobreza. b) a histórica vinculação com o trabalho filantrópico, voluntário e solidário dos
indivíduos na vida em sociedade. Uma das marcas da assistência é a identificação com assistencialismo
paternalista fundado nas razões de benemerência. Assim, a regulação estatal por vezes pode ser permeada
pelo favoritismo na distribuição de benesses do Estado.
17
Conforme Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Capítulo II, art. 194.
De acordo com Sposati (2010) no Brasil, a primeira grande instituição assistencial foi instalada no durante
18

o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, a Legião Brasileira de Assistência – LBA criada em 1942,
organismo que assegurou sua presidência às primeiras damas da República. Representou a união entre a
esfera pública e a iniciativa privada, numa relação entre benefício/caridade e beneficiário/pedinte, entre
Estado e classes subalternas. A LBA passou a compor o Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social (SINPAS) em 1969, cuja finalidade foi promover a implantação e execução da Política Nacional de
Assistência Social. É extinto também o antigo Conselho Nacional de Serviço Social (1938 a 1993) em
substituição, instaura-se o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
57

previnam exclusão, riscos e vulnerabilidades sociais bem como atendam


às necessidades emergentes ou permanentes decorrentes de problemas
pessoais ou sociais de seus usuários. (YAZBEK, 2004, p. 14)

Pela primeira vez, a Assistência Social é admitida como dever do Estado e

direito de cidadania, passando a ter como fundamento “não os necessitados, mas

as necessidades sociais em sentido ilimitado” (LEITE, 2008. p. 04). Isto significa


que a política pública de Assistência Social deve ter como objetivo central a

garantia de um padrão mínimo de vida a todo o cidadão, fora da esfera

contributiva. Esta garantia se efetiva pelo conjunto de programas, serviços e

benefícios voltados para a proteção social com vistas ao atendimento de

necessidades da população usuária. Assim, a assistência social compreende um

campo vasto e heterogêneo, comporta diversas áreas como a infância e

juventude, idosos, desempregados e dependentes químicos, o que mostra a

importância da sua integração com outras políticas. (LEITE, 2008).

Desta forma, a Assistência Social na esfera da efetivação dos direitos

tem a função estratégica de romper com a tradição clientelista e

assistencialista19 historicamente permeada na sociedade brasileira. A política de

Assistência Social, em consonância com os princípios constitucionais, preconiza a

descentralização político-administrativa na gestão da Assistência Social, como

forma de ampliar os espaços de participação democrática. Coloca o âmbito

municipal para contribuir na inclusão social das esferas locais, sem perder de

vista a integração nacional. A descentralização contribui para reconhecer as

Historicamente a assistência social nas palavras de Yazbek (1996), é permeada pela relação de tutela, de
19

dependência da população usuária. Do ponto de vista político, as políticas de assistência social além de
favorecerem a acumulação, fortalecem a legitimação do Estado e reproduzem a dominação. Assim, o objetivo
da política de assistência social é minimizar as tensões sociais, é manter as bases de apoio do Estado,
mostrando uma face mais humana do capitalismo. As políticas de assistência de acordo com Yazbek (1996)
são marcadas pelo favor, compadrio e clientelismo, reforça politicamente o palco dos redutos eleitorais.
Assim, a prática clientelista retrata o não reconhecimento dos direitos, espera-se lealdade da população que
é atendida pelos serviços. A população por sua vez, aparece como inferior, sem autonomia. A prática
clientelista fragmenta e desorganiza a população subalterna ao apresentar como um favor aquilo que é
direito, personaliza a relação com os dominados, gerando cumplicidade e gratidão na população atendida.
58

particularidades e interesses próprios de cada município, levando os serviços

mais perto da população. (YAZBEK, 2004)

Em 1993 é sancionada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) - Lei

n˚8742/93, que se põe como um marco no embate contra as visões restritas de

assistência social como não-política, menos-valor. Leva para o campo dos direitos

a universalização do acesso e a responsabilidade do Estado, tornando a

assistência social uma política pública de direito dos que dela necessitam.

Na LOAS regulamentam-se os artigos 203 e 20420 da Constituição Federal

de 1988. Nas palavras de Raichelis (2008), a LOAS foi instituída após um longo

processo de lutas envolvendo um conjunto de agentes e entidades sociais,

produto de um processo de mobilização de segmentos sociais que se organizaram

objetivando fortalecer a concepção de assistência social como função

governamental e política pública.

A aprovação da LOAS define a assistência social como política pública de

seguridade social, operacionaliza o Beneficio de Prestação Continuada (BPC),

propõe a descentralização e a participação popular, a criação dos Conselhos de

Assistência Social deliberativos e paritários nas três esferas de governo, a

constituição do Fundo Nacional de Assistência Social e a instituição das

Conferências de Assistência Social. (RAICHELIS, 2008).

20
Art. 203. A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância e à velhice; II– o
amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV- a
habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção se sua integração à vida
comunitária; V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas
com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas
com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as
normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas
estadual e municipal, bem como entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da
população, por meio organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em
todos os níveis. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988)
59

Para Mestriner (2011) com a instituição da Assistência Social como política

pública, o conjunto de iniciativas benemerentes, filantrópicas e caritativas de

socorro aos pobres que historicamente estruturou a Assistência Social passam a

ser fiscalizadas pelos órgãos públicos, e as atribuições destas entidades passam

a ser definidas na LOAS e certificadas pelo Conselho Nacional de Assistência

Social (CNAS).

Todavia, a Política de Assistência Social a partir da Constituição Federal

de 1988 e da LOAS, esbarra na configuração político-econômica que se instaurou

nos anos 90, sob a égide do neoliberalismo e da reestruturação do capital, cujo

ponto de partida pode ser definido a partir do Consenso de Washington em 1989.

O Consenso de Washington caracterizou-se como um acordo firmado entre

representantes dos governos dos países da América Latina, com o FMI, BIRD e

BM (agências de financiamento internacional). Este acordo prevê uma ajuda

financeira aos países latino-americanos, inclusive o Brasil, que em contrapartida,

devem implementar algumas reformas econômicas, viabilizando a expansão do

ideário neoliberal (LAURELL, 2008). As orientações dos organismos multilaterais

pode se resumida em: disciplina fiscal; liberalização financeira, regime cambial,

liberalização comercial, investimento direto estrangeiro, privatização e

desregulamentação.

Mestriner (2011) analisa que as recomendações dos organismos

multilaterais atingem medularmente o recém-estruturado sistema de proteção

social no Brasil, isto é, desmontam conquistas sociais, submetendo-as aos ditames

do FMI, retrai o precário aparato social, desestatizando o sistema público.

Neste sentido, a orientação neoliberal para as políticas sociais é a conjugação

entre a mercantilização dos serviços sociais, e a prioridade da ação estatal aos

programas sociais (principalmente os programas de transferência de renda), em

detrimento das outras políticas sociais.


60

Isto posto, Mota (2008) faz uma análise da política de Seguridade Social e

o significado da expansão da assistência social. Utiliza o argumento de que as

políticas que integraram o sistema de seguridade social brasileira, longe de

formarem um amplo e articulado mecanismo de proteção social, conformaram uma

unidade contraditória que segue entre a mercantilização e privatização das

políticas de saúde e previdência social, baseada na restrição do acesso aos

serviços que lhe são próprios. Em contrapartida, a assistência social é ampliada

como política não contributiva, voltada para o enfrentamento da desigualdade

social, transformando-se no principal mecanismo de proteção social no Brasil.

Sitcovsky (2008) afirma que desde os anos 90 o Estado brasileiro passa

por um esforço em redimensionar sua atuação na vida social, econômica e política,

processo que o leva a uma refundação em direção à desmoralização e ao

desaparelhamento. Os impactos para as políticas sociais são enormes, atingindo

medularmente o sistema de seguridade social, dotando a política de Assistência

Social de uma centralidade no trato das contradições e conflitos sociais.

O autor em exame atribui as causas deste fenômeno aos novos arranjos

decorrentes das transformações no mundo do trabalho: a precarização das

relações trabalhistas, terceirização, aumento da informalidade, desemprego,

inflexão do trabalho protegido. Portanto, diante dos elevados índices de

desemprego e precarização do trabalho, situações que, a priori, extrapolam as

finalidades da política de assistência social, a orientação neoliberal é a de que o

Estado se aproprie da assistência social como único mecanismo de enfrentamento

da desigualdade social, típico das relações contraditórias estabelecidas pelo

processo de acumulação capitalista.

Sendo assim,

(...) o trabalho assalariado, para uma parcela significativa da população,


deixa de ser, gradativamente, o ideário de integração à ordem, e a
assistência social, particularmente pelos programas de transferência
61

monetária; como política compensatória, parece cumprir este papel


econômico e político, na medida em que possibilita, ainda que
precariamente, o acesso aos bens de consumo. A parcela da população
que não tiver suas necessidades atendidas nas vitrines do mercado,
mediante os seus salários, tornar-se-á público da Assistência Social. Isso
denota a relação existente entre a assistência social, o trabalho e a
intervenção do Estado na reprodução material e social da força de
trabalho. (SITCOVSKY, 2008, p. 154)

Neste sentido, os benefícios pagos pela política de assistência social

através dos programas de transferência de renda assumem um peso importante

na renda das camadas pauperizadas, ou podem até ser a única fonte de renda de

muitas famílias, contribuindo para o circuito de compra e venda de mercadorias.

Entretanto, não proporcionam nenhuma possibilidade de ascensão social vertical a

estes indivíduos.

Para Mota (2008) e Sitcovsky (2008), ao focalizar os segmentos mais

pobres da sociedade, a Seguridade Social adquire um novo formato,

principalmente porque redesenha a política de assistência social, enfatizando os

programas de transferência de renda, subtraindo os direitos de outras frações

da classe trabalhadora.

O discurso dos organismos internacionais para o Estado está centralizado

na privatização da Previdência Social e da Saúde e a defesa da expansão da

Assistência Social, mediadas por expressões morais como “reparar injustiças”,

combater os marajás da seguridade”, “acabar com a fome”, “incluir os excluídos”;

todos em nome da democracia, da cidadania e da justiça social. (SITCOVSKY,

2008)

Paiva (2006) coloca que a expansão do desemprego impactou na perda dos

vínculos com a previdência social, aumentando a demanda por outros sistemas de

proteção social, como é o caso da assistência social. Paralelamente, é introduzida

a mercantilização dos serviços e benefícios ofertados pela previdência e saúde.

Consequentemente, este processo fragiliza a universalidade posta na seguridade


62

social, assegurada constitucionalmente pela integração das políticas de

previdência, saúde e assistência social.

No bojo das aspirações neoliberais o mercado passa a ser o principal

veículo de acesso aos bens e serviços e a expansão da assistência social recoloca

duas questões: a primeira diz respeito ao retrocesso no campo dos direitos

historicamente conquistados na esfera da saúde e da previdência social; e a

segunda questão é a relação entre trabalho e Assistência Social em tempos de

desemprego e precarização do trabalho. Assim, o grande capital utiliza o social

como pretexto para ampliar seus espaços de acumulação através do estímulo ao

consumo nos programas de transferência de renda. (MOTA, 2008).

As inspirações neoliberais expandem iniciativas solidárias assumindo

relevância em comparação às ações do Estado face às necessidades sociais da

população. Este contexto revela a direção compensatória centrada na extrema

pobreza aos pobres dos mais pobres, incapazes de serem inseridos no mercado

de trabalho. Delimitam, sobretudo, alternativas seletivas e privatistas que

sequer conseguem amenizar a situação de pobreza de parcela da população.

(MESTRINER, 2011).

As propostas universalizantes da Constituição Federal de 1988 passam a

ser subsumidas à focalização e a privatização, combinada à ênfase que

organismos multilaterais dão ao tema da pobreza e da miséria, isto é, os gastos

sociais devem ser voltados/restritos aos programas sociais de alívio a pobreza.

Assim, a recomendação para a Assistência Social é:

- Parcerias entre instituições públicas e organizações da sociedade civil


(dentre elas, empresas privadas, associações voluntárias, ONG’s) com o
intuito de buscar sinergias para reduzir a pobreza;

- Focalização das ações assistenciais para as populações


comprovadamente necessitadas, como forma de obter mais eficácia e
eficiência dos programas sociais, assim como da utilização dos escassos
recursos;
63

- Caráter compensatório dos programas, definindo como essencial para


atender uma falta ou necessidade individual, geralmente entendida como
ausência de rendimentos que permita a sobrevivência biológica;

- Solidariedade entendida como engajamento ético de quem está


preocupado com a situação de miséria em que vive parte da população
mundial; dessa forma se substitui a ética da solidariedade que cimenta as
políticas universais, pela ética da eficiência. (PASTORINI & GALIZIA,
2006, p. 88).

Neste contexto, a Assistência Social encontra-se numa situação

extremamente complicada: ao mesmo tempo em que se afirma como política

pública, observa um Estado em que o público passa a significar parceria com o

privado. O Estado, no bojo do processo de redução, transforma-se numa

instância descomprometida em produzir bens públicos, conservando anacronismos

tradicionais como centralização, tecnocratismo, fisiologismo e clientelismo.

(MESTRINER, 2011)

Ao defrontar com a demanda constitucional pela efetivação de direitos


sociais, num movimento pela ‘terceira via’, o Estado brasileiro busca as
organizações sociocomunitárias como uma saída para as suas
responsabilidades sociais nunca antes assumidas. Neste ideário, seja pelo
papel de subsidiariedade que vai lhe caber, seja pelas limitações que o
neoliberalismo vai impor, o Estado fará avançar, com nova ênfase, os
paradigmas da solidariedade, da filantropia e da benemerência
(MESTRINER, 2011, p. 27).

Estes elementos reforçam os mecanismos criados pelo Estado para

subsidiar organizações sem fins lucrativos no campo da assistência social, sem

redirecionar a assistência social ao novo patamar de política social de direitos

previstos na Constituição. Legitimam-se “novas” formas privadas de provisão das

atenções sociais, por meio de “velhas” formas de solidariedade familiar,


comunitária e beneficente. (MESTRINER, 2011, p.28).

O processo de reformatação da Política de Assistência Social imposta

pelos organismos multilaterais teve início a partir do Plano Diretor da Reforma

do Estado brasileiro dos anos 90, na qual a assistência social está no rol dos
serviços não-exclusivos do Estado.
64

Segundo Netto (1999), nos governos FHC a política social aparece

subordinada à orientação macroeconômica estabelecida pelos ditames do grande

capital e no que diz respeito à Assistência Social;

O projeto de FHC reduz o protagonismo do Estado a uma espécie de


pronto-socorro social, donde um enfrentamento à questão social
caracterizado pelo focalismo das ações e seu caráter intermitente,
derivado da natureza de uma intervenção basicamente emergencial – o
modelo dessa política é paradigmaticamente oferecido pelo Comunidade
Solidária (NETTO, 1999, p.88)

O Programa Comunidade Solidária (PCS), durante o governo FHC, traz

novas propostas de parceria entre Estado e sociedade, expressas na reforma do

Estado. As parcerias delimitam que todos tenham o mesmo objetivo: conjugar

esforços para o enfrentamento da pobreza e da exclusão como mecanismo de

controle e manutenção da ordem social. As ações estavam centradas em

programas emergenciais/assistencialistas, voltados à população pobre, retrato da

desresponsabilização social do Estado, que transfere para a sociedade, sob o

apelo da solidariedade e da parceria, o dever da proteção social. (MESTRINER,

2011).

O atendimento de parcela da população sem condições de prover suas

necessidades básicas de sobrevivência passa a ser realizado pelo Programa

Comunidade Solidária.

O Programa Comunidade Solidária (PCS) foi anunciado na MP 813, de


1/1/95, do governo FHC e formalizado pelo Decreto-Lei n˚ 1.366, de
12/1/95 e pelo Decreto-Ato nº de 17/2/95 do Diário Oficial da União.
Este programa, apesar da denominação, é explicitado pelo governo
federal como estratégia de articulação e gerenciamento dos programas
sociais dos vários ministérios e órgãos governamentais. Presidido pela
primeira-dama, é órgão vinculado à Presidência da República por meio da
Casa Civil. (...) Seu objeto é a coordenação das ações governamentais
dirigidas ao atendimento dos segmentos sociais sem meios de garantir
sua subsistência, especialmente programas de combate à fome e à
pobreza. Seus objetivos: melhoria no gerenciamento de programas
sociais universais e a promoção da participação no controle da execução;
apoio a experiências e projetos do governo e da sociedade em áreas de
concentração da pobreza, potencializando iniciativas descentralizadas e
65

em parcerias com a sociedade que possam ser multiplicadas;


identificação de novas prioridades e elaboração de propostas de ação em
relação a temas emergentes e grupos sociais vulneráveis, cujas
necessidades e direitos não estejam contempladas pelos programas em
desenvolvimento. As áreas de atuação definidas pelo PCS são:
alimentação e nutrição, serviços urbanos (moradia e saneamento),
desenvolvimento rural, geração de emprego e renda defesa de direitos e
promoção social, com ênfase no atendimento de crianças e adolescentes.
(RAICHELIS, 2008, p.107)

O Programa Comunidade Solidária (PCS), conforme analisa Raichelis

(2008), entra em rota de colisão com o que determina os princípios

constitucionais, integrados na proteção social e na garantia de direitos. No PCS,

o governo extinguiu a LBA e distancia-se dos princípios da LOAS - que estimulam

a participação da sociedade civil nas deliberações da Assistência Social e no

exercício da sua representação nos conselhos implantados. O governo FHC

desconheceu o processo político e os sujeitos sociais integrantes das lutas de

1988; a Assistência Social se constituiu em um campo de ações e medidas

unilaterais. O governo FHC imprime um verdadeiro descaso aos preceitos

constitucionais que definem a Assistência Social como responsabilidade

governamental na condução da política pública de Seguridade Social.

O Programa Comunidade Solidária de acordo com Siqueira (2007)

estabeleceu parceria com a sociedade civil e um forte apelo ao solidarismo.

Fizeram parte deste Programa ações como: alfabetização solidária, Universidade

Solidária, Capacitação Solidária e Artesanato para Geração de Renda21.

21
Siqueira (2007) distingue as ações deste programa: o Programa Universidade Solidária – Unisol foi criado
em 1996, cujo objetivo era promover a integração entre prefeituras, universidades e empresas privadas,
ainda encontra-se em vigor. Inicialmente, as universidades receberiam o repasse do CNPq, das prefeituras e
as empresas privadas ofertariam bolsas de estudos para estudantes e professores em contrapartida as
empresas, receberiam incentivos fiscais e as prefeituras o subsidio financeiro do governo federal. No
entanto, o que se tem é a desresponsabilização do governo federal no trato das políticas sociais, a lógica da
extensão dos programas universitários é uma forma de obtenção de mão-de-obra barata e qualificada; as
empresas privadas ganham com o incentivo fiscal e o marketing, além do estímulo ao crescimento e
fortalecimento das fundações, institutos e Organizações Não Governamentais. O Programa Capacitação
Solidária implantado em 1997 volta-se para a inserção de jovens entre 15 e 21 anos, moradores das regiões
metropolitanas ao mercado de trabalho. A lógica do Capacitação Solidária, estimulou o crescimento das
Organizações Não Governamentais que administravas este programa, segundo o qual o Estado repassava a
66

O Programa Comunidade Solidária inclui, dentre suas propostas de

intervenção, o fortalecimento da sociedade civil, convoca sua participação na

prestação de serviços e no combate à pobreza, promovendo o voluntariado 22 e as

parcerias entre o governo e o setor privado, suscitando o fortalecimento das

ONG. Assim, são implantadas as “organizações da sociedade civil de interesse

público” (OSCIP), ou seja, elementos estatais e não-estatais que envolvem a

regulação social. A figura da OSCIP criada pelo governo viabiliza a transferência

de recursos públicos para ONG, instituída pelo Estado através do “Termo de

Parceria” (Lei nº 9.790/99), que trata sobre a execução de atividades nas áreas

de meio ambiente, cultura, com destaque para a saúde e assistência social.

Inaugura uma relação seletiva entre Estado e a esfera privada no que tange a

assistência social, desconsiderando a LOAS, seus princípios e diretrizes.

(MESTRINER, 2011).

Desta forma, governo e sociedade vendem uma imagem legal que não se
concretiza: avançam com um discurso que não é operacionalizado.
Reconhecem na retórica a cidadania, mas não a instituem em fatos e

responsabilidade e gestão, execução e planejamento para a sociedade civil que captava recursos de
empresas para consecução do programa. O Programa Alfabetização Solidária também iniciou em 1997, cuja
proposta era erradicação do analfabetismo entre jovens de 12 a 18 anos e adultos. A implantação deste
programa contou com parcerias entre empresas privadas e universidades. Sob coordenação de uma ONG, o
objetivo era reduzir as diferenças regionais, promover a profissionalização e motivar o reingresso e a
permanência de jovens e adultos na escola. Os recursos para manutenção dos novos cursos e prosseguimento
do programa foram oriundos da campanha Adote um Aluno, lançada em julho de 1999. A campanha consistia
na contribuição de R$ 17,00, durante seis meses, período de duração do curso. As universidades privadas,
que nesse programa tiveram uma importante participação, ganham o título de instituição filantrópica –
portanto, completa isenção fiscal, assim como recebem um repasse de verba dos organismos financiadores.
O Programa Artesanato e Geração de Renda é uma iniciativa do Programa Comunidade Solidária em parceria
com a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a Caixa Econômica Federal (CEF), com a finalidade de incentivar a
comercialização de produtos artesanais tradicionais. Sua operacionalização envolveu ONG, universidades e
outras instituições com ações envolvidas com as questões da seca. Com o objetivo de criar fontes
alternativas de renda, o programa propunha o desenvolvimento e aperfeiçoamento da qualidade, a ampliação
da produtividade, o fortalecimento de associações e a revitalização da confecção de artesanatos
tradicionais das regiões. O caráter destes Programas deixa evidente que o avanço da ofensiva neoliberal
beneficia as empresas privadas, brindando a solidariedade com a redução fiscal, estabelecendo parcerias do
governo com a sociedade civil, fortalecendo assim o desenvolvimento do terceiro setor.
O governo FHC também aprova a legislação que dispõe sobre o serviço voluntário (Lei n˚9608/98) e sobre
22

a concessão de Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos (Decreto n˚2536/98), restringindo as


isenções de cotas patronais à contribuição para a Previdência Social, demonstrando a tendência
governamental de privatização das responsabilidades sociais e a redução dos gastos com políticas sociais.
67

consequências. Nem a sociedade incorpora esta conseqüência de


cidadania, nem o Estado a convalida, permanecendo somente na
legislação, como uma pseudocidadania. (MESTRINER, 2011, p.33)

Estes fatores conduzem à reedição dos traços caritativos e filantrópicos

sob o invólucro da política de parcerias, do solidarismo e do voluntarismo

moderno, designando novas bases para a relação entre o Estado e a sociedade

civil. O Programa Comunidade Solidária desvincula-se da Assistência Social

enquanto política pública, como também não se insere na concepção de Direitos

Sociais garantidos na Constituição. Isto porque o governo FHC tem a

característica de precarização dos serviços, focalização à população pobre,

retração estatal no que tange o financiamento, retração na prestação dos

serviços (entregues a ONG). Este conjunto de elementos faz com que os serviços

sociais percam o caráter de direito e conquista, assumindo a roupagem de

benefício concedido. (Ibidem).

No centro da política de assistência social do governo de FHC de acordo

com Siqueira (2007), foi lançado em 1998 o Programa de Garantia de Renda

Mínima (PGRM), implantado em 1999 com o Bolsa Escola, destinado a famílias que

possuem crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos. A condição para a inclusão

neste projeto é a frequência escolar de 85%. As famílias recebem um valor

mensal por criança inserida na escola, com limite de até três crianças por

família23. Foi criado, ainda no governo de FHC, o Programa Nacional de Renda

Mínima vinculado à saúde – o Bolsa Alimentação – através da Medida Provisória

nº 2.206, de 10 de agosto de 2001 sob a supervisão do Ministério da Saúde. O

programa era destinado à promoção das condições de saúde e nutrição de

nutrizes, gestantes e crianças de seis meses a seis anos de idade. Em 2002 foi

implementado o “Auxílio-Gás”, pelo Decreto nº 4.102, cujo objetivo era subsidiar

23
Atualmente este Programa foi transformado em Programa Bolsa Família durante a gestão de Lula da Silva.
68

o preço do gás às famílias de baixa renda. Este programa por sua vez, estava sob

a responsabilidade do Ministério de Minas e Energia.

Os programas de transferência de renda implementados no governo FHC (e

posteriormente do governo Lula) foram executados em consonância com as

determinações do FMI e do BM, isto é, a política de assistência social na atenção

às famílias em situação de pobreza apresenta-se sem a capacidade de articular

com as demais políticas setoriais, ferindo assim o princípio de universalidade.

Expressa também a focalização e seletividade das ações com a intensificação do

controle sobre as famílias em situação de pobreza. (...) o BIRD vigiará e

monitorará sistematicamente os progressos realizados tendentes ao


cumprimento da meta da redução da pobreza nos países devedores (...).
(PASTORINI & GALIZIA, 2006, p.78-79)

Cabe ressaltar que ao final do mandato de FHC, o Programa Comunidade

Solidária tornou-se uma ONG presidida pela Sra. Ruth Cardoso.

A Política de Assistência Social de Lula da Silva segue em articulação com

a agenda neoliberal, em consonância com os organismos multilaterais. As fontes

de financiamento são provenientes dos empréstimos junto ao BIRD, BM e ao FMI

implicando no aumento da dívida externa e a subserviência do Brasil aos países

centrais, principalmente aos Estados Unidos que determinam a condição das

políticas sociais e econômicas. (PASTORINI & GALIZIA, 2006; SIQUEIRA,

2007)

O carro-chefe da política social de Lula da Silva foi a implementação do

Programa Bolsa Família como meta das ações sociais que garantam o combate a

fome. Este programa unificou todos os programas sociais implementados no

governo anterior, segundo a qual as regras de condicionalidade são as mesmas:

acompanhamento de saúde e frequência escolar.


69

Em janeiro de 2003 Lula lançou o Programa Fome Zero e o Ministério

Extraordinário de Segurança Alimentar (MESA), responsável pelo combate à

Fome. O objetivo do Programa Fome Zero - maior promessa eleitoral de Lula da

Silva - era erradicar a fome no Brasil em 4 anos. Seu como ponto de partida foi a

linha de pobreza adotada pelo Banco Mundial, que considera como pobres pessoas

com renda inferior a US$ 1,08/dia. Sendo assim, o Fome Zero mantém a clássica

pulverização de ações implementadas no governo anterior, a Assistência Social

permanece órfã de uma institucionalidade que a afirmasse como política pública e

direito social. (FREITAS, 2007)

O Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar é extinto em

dezembro de 2003, substituído pelo Ministério de Desenvolvimento Social e

Combate à Fome (MDS). Foi criada a Secretaria Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional, que incorporou o Programa Fome Zero24, instituindo-se,

em outubro de 2003, através da Medida Provisória n˚ 132, o Programa Bolsa

Família (PBF).

O PBF é o carro-chefe dos chamados “programas de transferência de

renda”, destinados às famílias em situação de pobreza e extrema miséria. Este

programa reúne ações por meio do Cadastro Único do Governo Federal (CAD

ÚNICO), e tem sido executado sob o olhar atento dos organismos multilaterais –

seus principais financiadores. O PBF marca um novo modelo de clientelismo

político, que perpetua a dependência dos beneficiados, desenvolvendo estratégias

fragmentadoras da pobreza, colocando-se em movimento contrário à

universalização dos direitos sociais. (COGGIOLA, 2004).

O PBF, ainda nas palavras de Coggiola (2004), alimenta a funcionalização da

miséria por ser um programa de caráter extremamente focalizado em uma


parcela da população, que constituiria em uma espécie de ajuda humanitária para

24
www.fomezero.gov.br
70

garantir a sobrevivência aos mais pobres sem alterar a condição social destes.

Vale destacar que também foi aprovado, durante o governo de Lula da Silva, o

Programa de Parcerias Público-Privado 25 (PPP), segundo o qual uma de suas

funções é organizar as despesas estatais em conformidade com as necessidades

do capital.

Em 2004, Lula da Silva aprova a Política Nacional de Assistência Social

(PNAS) e em 2005 foi publicada o Sistema Único de Assistência Social (SUAS),

estabelecendo um conjunto de regras que disciplinam e operacionalizam a

Assistência Social. O SUAS integra uma política pactuada nacionalmente, que

prevê uma organização participativa e descentralizada da Assistência Social, com

ações voltadas para o fortalecimento da família. (FREITAS, 2007).

Os princípios do SUAS e da PNAS encontram-se em vigor e devem regular,

em todo território nacional, a hierarquia, os vínculos e as responsabilidades do

sistema de serviços, benefícios e programas da Assistência Social, notadamente

aquelas cujas ações são voltadas para o fortalecimento da família. Nas próximas

páginas veremos como são organizados os serviços socioassistenciais, e neles o

Sistema de Proteção Social Básica e o Sistema de Proteção Social Especial,

previstos na PNAS.

25
Foge ao escopo desta dissertação detalhar o programa de Parcerias Público-Privado (PPP) e a atuação das
ONG. Entretanto, é importante destacar que o volume de dinheiro público repassado a estas entidades é
considerável. Coggiola (2004) analisou o Portal Transparência Brasil do governo federal que apontou dados
relevantes: cerca de 113 fundações brasileiras foram beneficiadas com recursos federais, com objetivos
bastantes diversificados - vão desde bolsas de pesquisa até a promoção de eventos.
71

2.2 - A lógica da PNAS e do SUAS

Atualmente, a ampliação e reorganização da Política de Assistência Social

estão expostas na Política Nacional de Assistência Social26 (PNAS), através da

Resolução n˚ 145, de 15 de outubro de 2004 do Conselho Nacional de Assistência

Social – CNAS, publicado no Diário Oficial da União de 28 de outubro de 2004,

cujas diretrizes foram expressas na IV Conferencia Nacional de Assistência

Social 27 realizada em Brasília, em dezembro de 2003. A PNAS constituiu o

resultado do amplo e intenso debate em torno da Assistência Social em nível

nacional que se coloca, mesmo que timidamente, na perspectiva das diretrizes da

LOAS e dos princípios constitucionais. (COUTO et al., 2010).

A partir da PNAS se constituiu a normatização nacional do Sistema Único

de Assistência Social (SUAS) através da Norma Operacional Básica (NOB) n˚

130, de 15 de julho de 2005, que objetiva articular, em todo território nacional,

as responsabilidades, os vínculos e a hierarquia do sistema de serviços,

benefícios e ações da assistência social. Acrescenta-se a Resolução n˚ 109,

aprovada em 11 de novembro de 2009, que aprova a Tipificação dos Serviços

Socioassistenciais 28 , delimitando aquilo que é responsabilidade pública, as

condições de trabalho dos profissionais e a organização dos serviços na

assistência social.

A PNAS-2004 vai determinar as diretrizes para efetivação da Assistência

Social, apoiada no modelo de gestão compartilhada pautada no pacto federativo,

26
Conforme Couto et al. (2010), a primeira Política Nacional de Assistência Social foi aprovada somente em
1998, cinco anos após a regulamentação da LOAS e mesmo assim foi confrontada com as determinações do
Programa Comunidade Solidária.
27
Vale destacar que, de acordo com Raichelis (2008), a I Conferência Nacional de Assistência Social foi
realizada em 1995 durante o governo de FHC, a II Conferência foi realizada em 1997, e a III Conferência
Nacional de Assistência Social foi realizada em 2001, segundo a qual o governo de FHC boicotou os
princípios e diretrizes da LOAS com a criação do Programa Comunidade Solidaria desviando recursos do
Fundo Nacional de Assistência Social para este Programa.
28
Discutiremos sobre a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais no próximo capítulo com foco no
Programa Família Acolhedora.
72

no qual são detalhadas as atribuições e competências dos três níveis de governo

na provisão dos direitos socioassistenciais.

O SUAS está voltado para articulação da rede de serviços

socioassistenciais em todo território nacional, as responsabilidades, os vínculos, a

hierarquia, do sistema de serviços, benefícios e ações da assistência social de

caráter permanente ou eventual.

A PNAS apresenta os seguintes objetivos (PNAS, 2004, p.27):

- Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e

especial para famílias, indivíduos e grupos que dela necessitem;

- Contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos específicos,

ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em

áreas urbana e rural; e

- Assegurar que as ações no âmbito da Assistência Social tenham centralidade na

família, e que garantam a convivência familiar e comunitária.

A estrutura da Proteção Social na PNAS/SUAS apresenta dois níveis de

atenção: Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial (alta e média

complexidade).

A Proteção Social Básica é executada nos Centros de Referência em

Assistência Social (CRAS), responsáveis por gerenciar os programas de

transferência de renda. Tem por objetivo fortalecer os vínculos familiares e

comunitários e destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade

decorrente da pobreza.

A Proteção Social Básica tem por referência o acompanhamento de grupos

territoriais de até 5.000 famílias sob situação de vulnerabilidade. Em núcleos

com até 20.000 habitantes deverá ser instalado um CRAS. De acordo com a
73

Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009) os Serviços de

Proteção Básica devem dispor de:

a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF);

b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; e

c) Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com

deficiência e idosas.

O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) consiste

no trabalho social com famílias, de caráter continuado, com a finalidade de

fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir a ruptura de seus vínculos e

contribuir na melhoria da qualidade de vida da população.

O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos deve ser

organizado em grupos, de acordo com a idade: até 6 anos; 6 a 15 anos; 15 a 17

anos; e específico para idosos. Estimula e orienta os usuários na construção e

reorganização de suas histórias e vivências individuais e coletivas, na família e no

território. Organiza-se de modo a ampliar trocas culturais e de vivências,

desenvolver o sentimento de pertença e de identidade, fortalecer os vínculos

familiares e incentivar a socialização e a convivência comunitária.

O Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com

deficiência e idosas tem por finalidade a prevenção de agravos que possam


provocar o rompimento de vínculos familiares e sociais dos usuários. Visa a

garantia de direitos, o desenvolvimento de mecanismos para a inclusão social, a

equiparação de oportunidades e a participação e o desenvolvimento da autonomia

das pessoas com deficiência e pessoas idosas, a partir de suas necessidades e

potencialidades individuais e sociais, prevenindo situações de risco, a exclusão e

o isolamento.
74

O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e o Serviço de

Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas, devem
manter articulação com o PAIF, pois é a partir do trabalho com famílias

desenvolvido no PAIF que se organizam os serviços ofertados nos CRAS.

Já o Sistema de Proteção Especial é direcionado a indivíduos e grupos em

situações de alto risco social e pessoal decorrentes do abandono, privação, perda

de vínculos, exploração, violência, entre outros. Destina-se ao enfrentamento de

situações de risco em famílias e indivíduos cujos direitos tenha sido violados

e/ou em situações nas quais já tenham ocorrido o rompimento dos laços

familiares e comunitários.

Os serviços de proteção social especial podem ser:

- de média complexidade: famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas

cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos.

- de alta complexidade: são aqueles que “garantem proteção integral – moradia,

alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos com

seus direitos violados, que se encontram sem referência, e/ou, em situação de

ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e/ou, comunitário.

(PNAS, 2004, p. 32)

Os serviços ofertados pela Proteção Social de Média Complexidade,

conforme a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (2009) são:

a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e

Indivíduos (PAEFI);

b) Serviço Especializado em Abordagem Social;


75

c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida

Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de Prestação de Serviços à

Comunidade (PSC);

d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência,

Idosas e suas Famílias; e

e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.

O Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e

Indivíduos (PAEFI), oferece apoio, orientação e acompanhamento a famílias com


um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos.

Compreende atenções e orientações direcionadas para a promoção de direitos, a

preservação e o fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais e

para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante do conjunto de

condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e

social.

O atendimento do PAEFI fundamenta-se no respeito à heterogeneidade,

potencialidades, valores, crenças e identidades das famílias. O serviço articula-

se com as atividades e atenção prestadas às famílias nos demais serviços

socioassistenciais, nas diversas políticas públicas e com os demais órgãos do

Sistema de Garantia de Direitos. Deve garantir atendimento imediato e

providências necessárias para a inclusão da família e seus membros em serviços

socioassistenciais e/ou em programas de transferência de renda, de forma a

qualificar a intervenção e restaurar o direito.

A população usuária do serviço do PAEFI é constituída por famílias e

indivíduos que vivenciam violações de direitos como ocorrência de:

- Violência física, psicológica e negligência;


76

- Violência sexual: abuso e/ou exploração sexual;

- Afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida socioeducativa

ou medida de proteção;

- Tráfico de pessoas;

- Situação de rua e mendicância;

- Abandono;

- Vivência de trabalho infantil;

- Discriminação em decorrência da orientação sexual e/ou raça/etnia;

- Outras formas de violação de direitos decorrentes de

discriminações/submissões a situações que provocam danos e agravos a sua

condição de vida e os impedem de usufruir autonomia e bem estar; e

- Descumprimento de condicionalidades do PBF e do PETI em decorrência de

violação de direitos.

Os objetivos do PAEFI são: contribuir para o fortalecimento da família no

desempenho de sua função protetiva; processar a inclusão das famílias no

sistema de proteção social e nos serviços públicos, conforme necessidades;

contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia

dos usuários; contribuir para romper com padrões violadores de direitos no

interior da família; contribuir para a reparação de danos e da incidência de

violação de direitos; prevenir a reincidência de violações de direitos.

O Serviço Especializado em Abordagem Social é ofertado de forma

continuada e programada, com a finalidade de assegurar trabalho social de

abordagem e busca ativa que identifique, nos territórios, a incidência de trabalho


77

infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, situação de rua, dentre

outras. Deverão ser consideradas praças, entroncamento de estradas,

fronteiras, espaços públicos onde se realizam atividades laborais, locais de

intensa circulação de pessoas e existência de comércio, terminais de ônibus,

trens, metrô e outros.

O Serviço Especializado em Abordagem Social deve buscar a resolução de

necessidades imediatas e promover a inserção na rede de serviços

socioassistenciais e das demais políticas públicas na perspectiva da garantia dos

direitos. O perfil da população usuária é composto por crianças, adolescentes,

jovens, adultos, idosos e famílias que utilizam espaços públicos como forma de

moradia e/ou sobrevivência.

Tem por objetivo construir o processo de saída das ruas e possibilitar

condições de acesso à rede de serviços e a benefícios assistenciais; identificar

famílias e indivíduos com direitos violados, a natureza das violações, as condições

em que vivem, estratégias de sobrevivência, procedências, aspirações, desejos e

relações estabelecidas com as instituições; promover ações de sensibilização

para divulgação do trabalho realizado, direitos e necessidades de inclusão social

e estabelecimento de parcerias; promover ações para a reinserção familiar e

comunitária.

O Serviço de Proteção Social a Adolescentes em cumprimento de medida


Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à
Comunidade (PSC) tem por finalidade prover atenção socioassistencial e
acompanhamento a adolescentes e jovens em cumprimento de medidas

socioeducativas em meio aberto, determinadas judicialmente. Deve contribuir

para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores na vida pessoal e

social dos adolescentes e jovens. Para a oferta do serviço faz-se necessário a

observância da responsabilização face ao ato infracional praticado, cujos direitos


78

e obrigações devem ser assegurados de acordo com as legislações e normativas

específicas para o cumprimento da medida.

Na sua operacionalização, é necessário a elaboração do Plano Individual de

Atendimento (PlA) com a participação do adolescente e da família, devendo

conter os objetivos e metas a serem alcançados durante o cumprimento da

medida, perspectivas de vida futura, dentre outros aspectos a serem acrescidos,

de acordo com as necessidades e interesses do adolescente. O acompanhamento

social ao adolescente deve ser realizado de forma sistemática, com frequência

mínima semanal que garanta o acompanhamento contínuo e possibilite o

desenvolvimento do PIA.

A população usuária deste serviço compreende adolescentes de 12 a 18

anos incompletos, ou jovens de 18 a 21 anos, em cumprimento de medida

socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade,

aplicada pela Justiça da Infância e da Juventude ou, na ausência desta, pela Vara

Civil correspondente e suas famílias.

Os objetivos do serviço são realizar acompanhamento social a

adolescentes durante o cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade

Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade e sua inserção em outros

serviços e programas socioassistenciais e de políticas públicas setoriais; criar

condições para a construção/reconstrução de projetos de vida que visem à

ruptura com a prática de ato infracional; estabelecer contratos com o

adolescente a partir das possibilidades e limites do trabalho a ser desenvolvido e

normas que regulem o período de cumprimento da medida socioeducativa;

contribuir para o estabelecimento da autoconfiança e a capacidade de reflexão

sobre as possibilidades de construção de autonomias; possibilitar acessos e

oportunidades para a ampliação do universo informacional e cultural e o


79

desenvolvimento de habilidades e competências; fortalecer a convivência familiar

e comunitária.

O Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência,

Idosas e suas Famílias oferta atendimento especializado a famílias com pessoas


com deficiência e idosos com algum grau de dependência, que tiveram suas

limitações agravadas por violações de direitos, tais como: exploração da imagem,

isolamento, confinamento, atitudes discriminatórias e preconceituosas no seio da

família, falta de cuidados adequados por parte do cuidador, alto grau de estresse

do cuidador, desvalorização da potencialidade/capacidade da pessoa, dentre

outras que agravam a dependência e comprometem o desenvolvimento da

autonomia.

O serviço tem a finalidade de promover a autonomia e a melhoria da

qualidade de vida de pessoas com deficiência e idosas com dependência, seus

cuidadores e suas famílias; desenvolver ações especializadas para a superação

das situações violadoras de direitos que contribuem para a intensificação da

dependência; prevenir o abrigamento e a segregação dos usuários do serviço,

assegurando o direito à convivência familiar e comunitária; promover acessos a

benefícios, programas de transferência de renda e outros serviços

socioassistenciais, das demais políticas públicas setoriais e do Sistema de

Garantia de Direitos; promover apoio às famílias na tarefa de cuidar, diminuindo

a sua sobrecarga de trabalho e utilizando meios de comunicar e cuidar que visem

à autonomia dos envolvidos e não somente cuidados de manutenção; acompanhar o

deslocamento, viabilizar o desenvolvimento do usuário e o acesso a serviços

básicos, tais como: bancos, mercados, farmácias etc., conforme necessidades;

prevenir situações de sobrecarga e desgaste de vínculos provenientes da relação

de prestação/demanda de cuidados permanentes/prolongados.


80

O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, serviço

ofertado para pessoas que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou

sobrevivência tem a finalidade de assegurar atendimento e atividades

direcionadas para o desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de

fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares que oportunizem a

construção de novos projetos de vida. Oferece trabalho técnico para a análise

das demandas dos usuários, orientação individual e grupal e encaminhamentos a

outros serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas que possam

contribuir na construção da autonomia, da inserção social e da proteção às

situações de violência.

O serviço deve promover o acesso a espaços de guarda de pertences, de

higiene pessoal, de alimentação e provisão de documentação civil. Proporciona

endereço institucional para utilização, como referência, do usuário. Nesse

serviço deve-se realizar a alimentação de sistema de registro dos dados de

pessoas em situação de rua, permitindo a localização da/pela família, parentes e

pessoas de referência, assim como um melhor acompanhamento do trabalho

social.

O serviço deve ter como objetivos: possibilitar condições de acolhida na

rede socioassistencial; contribuir para a construção de novos projetos de vida,

respeitando as escolhas dos usuários e as especificidades do atendimento;

contribuir para restaurar e preservar a integridade e a autonomia da população

em situação de rua; promover ações para a reinserção familiar e/ou comunitária.

Os Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade conforme a

Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009) são:

a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades:

- Abrigo institucional
81

- Casa-Lar;

- Casa de Passagem; e

- Residência Inclusiva.

b) Serviço de Acolhimento em República

c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora

d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.

O Serviço de Acolhimento Institucional é destinado a famílias e/ou

indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir

proteção integral. A organização do serviço deverá garantir privacidade, o

respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de ciclos de vida, arranjos

familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual.

O atendimento prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos e

favorecer o convívio familiar e comunitário, bem como a utilização dos

equipamentos e serviços disponíveis na comunidade local. As regras de gestão e

de convivência deverão ser construídas de forma participativa e coletiva, a fim

de assegurar a autonomia dos usuários, conforme perfis.

Deve funcionar em unidade inserida na comunidade com características

residenciais, ambiente acolhedor e estrutura física adequada, visando o

desenvolvimento de relações mais próximas do ambiente familiar. As edificações

devem ser organizadas de forma a atender aos requisitos previstos nos

regulamentos existentes e às necessidades dos usuários, oferecendo condições

de habitabilidade, higiene, salubridade, segurança, acessibilidade e privacidade.

O público-alvo para crianças e adolescentes:


82

- Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes de ambos os

sexos, inclusive crianças e adolescentes com deficiência, sob medida de proteção

(Art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e em situação de risco pessoal

e social, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente

impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção.

As unidades não se devem distanciar excessivamente, do ponto de vista

geográfico e socioeconômico, da comunidade de origem das crianças e

adolescentes atendidos. Grupos de crianças e adolescentes com vínculos de

parentesco – irmãos, primos etc., devem ser atendidos na mesma unidade. O

acolhimento será feito até que seja possível o retorno à família de origem

(nuclear ou extensa) ou colocação em família substituta.

O serviço deverá ser organizado em consonância com os princípios, as

diretrizes e as orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e das

“Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e

Adolescentes”29.

O serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes pode

ser desenvolvido nas seguintes modalidades:

1. Atendimento em unidade residencial onde uma pessoa ou casal trabalha como

educador/cuidador residente, prestando cuidados a um grupo de até 10 crianças

e/ou adolescentes;

2. Atendimento em unidade institucional semelhante a uma residência, destinada

ao atendimento de grupos de até 20 crianças e/ou adolescentes. Nessa unidade é

indicado que os educadores/cuidadores trabalhem em turnos fixos diários, a fim

Explicaremos as diretrizes da norma de “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e


29

Adolescentes” no próximo capítulo, ao tratar sobre as especificidades do acolhimento familiar.


83

de garantir estabilidade das tarefas de rotina diárias, referência e

previsibilidade no contato com as crianças e adolescentes.

Para adultos e famílias:

- Acolhimento provisório com estrutura para acolher com privacidade pessoas do

mesmo sexo ou grupo familiar. É previsto para pessoas em situação de rua e

desabrigo por abandono, migração e ausência de residência ou pessoas em

trânsito e sem condições de sustento.

Deve estar distribuído no espaço urbano de forma democrática,

respeitando o direito de permanência e usufruto da cidade com segurança,

igualdade de condições e acesso aos serviços públicos. O atendimento a

indivíduos refugiados ou em situação de tráfico de pessoas (sem ameaça de

morte) poderá ser desenvolvido em local específico, a depender da incidência da

demanda.

Para mulheres em situação de violência:

- Acolhimento provisório para mulheres, acompanhadas ou não de seus filhos, em

situação de risco de morte ou ameaças em razão da violência doméstica e

familiar, causadora de lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano moral.

Deve ser desenvolvido em local sigiloso, com funcionamento em regime de

co-gestão, que assegure a obrigatoriedade de manter o sigilo quanto à identidade

das usuárias. Em articulação com rede de serviços socioassistenciais, das demais

políticas públicas e do Sistema de Justiça, deve ser ofertado atendimento

jurídico e psicológico para as usuárias e seus filhos e/ou dependentes quando

estiverem sob sua responsabilidade.

Para jovens e adultos com deficiência:


84

- Acolhimento destinado a jovens e adultos com deficiência, cujos vínculos

familiares estejam rompidos ou fragilizados. É previsto para jovens e adultos

com deficiência que não dispõem de condições de manterem sua subsistência, de

retaguarda familiar temporária ou permanente ou que estejam em processo de

desligamento de instituições de longa permanência.

Deve ser desenvolvido em Residências Inclusivas inseridas na comunidade,

funcionar em locais com estrutura física adequada e ter a finalidade de

favorecer a construção progressiva da autonomia, da inclusão social e

comunitária e do desenvolvimento de capacidades adaptativas para a vida diária

Para idosos:

- Acolhimento para idosos com 60 anos ou mais, de ambos os sexos,

independentes e/ou com diversos graus de dependência. A natureza do

acolhimento deverá ser provisória e, excepcionalmente, de longa permanência,

quando esgotadas todas as possibilidades de sustento e convívio com os

familiares.

É previsto para idosos que não dispõem de condições para permanecer com

a família, com vivência de situações de violência e negligência, em situação de rua

e de abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos.

Idosos com vínculo de parentesco ou afinidade – casais, irmãos, amigos

etc., devem ser atendidos na mesma unidade. Preferencialmente, deve ser

ofertado aos casais de idosos o compartilhamento do mesmo quarto. Idosos com

deficiência devem ser incluídos nesse serviço, de modo a prevenir práticas

segregacionistas e o isolamento desse segmento.

O Serviço de Acolhimento em Repúblicas oferece proteção, apoio e

moradia subsidiada a grupos de pessoas maiores de 18 anos em estado de

abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos


85

familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia e

sustento. O atendimento deve apoiar a construção e o fortalecimento de vínculos

comunitários, a integração e participação social e o desenvolvimento da autonomia

das pessoas atendidas.

O serviço deve ser desenvolvido em sistema de autogestão ou cogestão,

possibilitando gradual autonomia e independência de seus moradores. Deve

contar com equipe técnica de referência para contribuir com a gestão coletiva da

moradia (administração financeira e funcionamento) e para acompanhamento

psicossocial dos usuários e encaminhamento para outros serviços, programas e

benefícios da rede socioassistencial e das demais políticas públicas.

O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora organiza o acolhimento

de crianças e adolescentes afastados da família por medida de proteção, em

residência de famílias acolhedoras cadastradas. É previsto até que seja possível

o retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para

adoção.

O Serviço é o responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e

acompanhar as famílias acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento da

criança e/ou adolescente acolhido e sua família de origem.

O Serviço deverá ser organizado segundo os princípios, diretrizes e

orientações do ECA e do documento “Orientações Técnicas: Serviços de

Acolhimento para Crianças e Adolescentes”, sobretudo no que se refere à

preservação e à reconstrução do vínculo com a família de origem, assim como à

manutenção de crianças e adolescentes com vínculos de parentesco (irmãos,

primos etc.) numa mesma família.

O atendimento também deve envolver o acompanhamento às famílias de

origem, com vistas à reintegração familiar. O serviço é particularmente adequado


86

ao atendimento de crianças e adolescentes cuja avaliação da equipe técnica

indique possibilidade de retorno à família de origem, nuclear ou extensa.

O público-alvo são crianças e adolescentes, inclusive aqueles com

deficiência, aos quais foi aplicada medida de proteção, por motivo de abandono ou

violação de direitos, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se

temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção.

O Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de

Emergências promove apoio e proteção à população atingida por situações de


emergência e calamidade pública, com a oferta de alojamentos provisórios,

atenções e provisões materiais, conforme as necessidades detectadas.

O serviço assegura a realização de articulações e a participação em ações

conjuntas de caráter intersetorial para a minimização dos danos ocasionados e o

provimento das necessidades verificadas.

A população usuária é composta de famílias e indivíduos atingidos por

situações de emergência e calamidade pública (incêndios, desabamentos,

deslizamentos, alagamentos, dentre outras) que tiveram perdas parciais ou totais

de moradia, objetos ou utensílios pessoais, e se encontram temporária ou

definitivamente desabrigados; removidos de áreas consideradas de risco, por

prevenção ou determinação do Poder Judiciário.

O Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas tem como

pressuposto assegurar acolhimento imediato em condições dignas e de segurança;

manter alojamentos provisórios, quando necessário; identificar perdas e danos

ocorridos e cadastrar a população atingida; articular a rede de políticas públicas

e redes sociais de apoio para prover as necessidades detectadas; promover a

inserção na rede socioassistencial e o acesso a benefícios eventuais.


87

A Proteção Social conforme a PNAS, deve garantir as seguintes

seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e autonomia); segurança

de acolhida; e, de convívio ou vivência familiar. Estas devem reduzir, prevenir

riscos e vulnerabilidades sociais.

A segurança de rendimentos diz respeito às políticas compensatórias que

garantem mínimos sociais através do investimento financeiro às famílias devido

às limitações para o trabalho ou desemprego.

A segurança de acolhida é primordial para a PNAS, são as instituições de

acolhimento, de indivíduos e famílias sob curta, média ou longa duração;

viabilizam alimentação, vestuário, recursos materiais.

A segurança de vivência familiar ou segurança de convívio configura-se a

direção da PNAS, uma vez que a família consegue garantir entre si seus mínimos

sociais, deixa de fazer uso dos serviços da assistência social. Assim, uma das

diretrizes da PNAS é a Centralidade da família para a concepção e

implementação dos serviços, programas e projetos.

Nas palavras de Couto et al. (2010), que é possível afirmar que a

regulamentação da PNAS e do SUAS possuem relevância histórica no âmbito da

Assistência Social enquanto política pública, cuja gênese foi estruturada na

matriz filantrópica e caritativa. A perspectiva da atual política de Assistência

Social deve atravessar enormes desafios, principalmente no que se refere a

desigualdade e exclusão social. Discutir a Assistência Social como política

pública, direito de cidadania e garantidora de acessos repercute na qualidade da

vida da população a quem se destina.

Diante deste panorama que estrutura e regulamenta a Política de

Assistência Social na atualidade, a operacionalização da PNAS destaca alguns

eixos, de acordo com Couto et al. (2010).


88

- Ampliação dos usuários da assistência social. Diante do quadro grave de

desemprego e da retração do acesso aos direitos sociais, a tendência é a

ampliação das demandas e a procura por serviços e benefícios da assistência

social, principalmente os programas de transferência de renda como o Programa

Bolsa Família desenvolvidos nos CRAS.

- Abordagem Territorial. A PNAS propõe que as ações da assistência

social sejam planejadas dentro dos territórios, tendo em vista a vigilância social

da exclusão, no sentido de acompanhar os territórios de maior incidência de

vulnerabilidades e riscos sociais. No entanto, é preciso destacar que as ações que

indicam os “territórios de pobreza” 30 podem fomentar estigmas por parte da

própria população em relação aos chamados “territórios vulneráveis”. Outro fator

a ser destacado é a participação popular, que pode assumir um caráter restrito e

pontual à proximidade territorial dos serviços socioassistenciais, levando à

despolitização e isolamento da população, esquecendo que o processo de

vulnerabilidade social está relacionado a estrutura da política econômica e a

desvinculação com a política social, reforçando a responsabilização individual,

fortalecendo a proteção social focalizada nos mais pobres. Por último, a situação

de risco e vulnerabilidade social é determinada por processos de produção e

reprodução social, sendo, portanto, uma condição social coletiva vivenciada por

um amplo conjunto de trabalhadores.

- A Matricialidade Sociofamiliar. Na PNAS, a matricialidade familiar

significa que o foco da proteção social está na família. O debate sobre a família,

principalmente sobre a família pobre, vem adquirindo centralidade no contexto

das políticas sociais. Isto porque a temática da família vem sendo o foco de

intervenção sob a ótica da garantia de direitos. Assim, cresce a quantidade de

30
Territórios de pobreza, conforme Couto et al. (2010), indica que as ações propostas pela PNAS são
planejadas territorialmente. Isto que dizer que as redes de serviços devem estar presentes em territórios
com a maior incidência de vulnerabilidade e riscos sociais a segmentos sociais e famílias.
89

programas e serviços destinados ao atendimento de famílias. Neste sentido, a

família tem sido base fundamental para as ações da assistência social, ancorada

nos pressupostos que a família tem o dever moral de proteger, prevenir,

promover e incluir seus membros, devendo buscar condições para garantir seu

sustento. A direção da política de assistência é restabelecer os vínculos

familiares para evitar situações de risco social. Esta forma de concepção da

família, no entanto, pode reforçar a culpabilização das famílias e a

despolitização, quando se reproduz o discurso das “famílias desestruturadas,

incapazes de aproveitar as oportunidades que lhes foram oferecidas, tanto pela


sociedade quando pelo Estado, para resolverem seus problemas com seus
próprios recursos”. (COUTO et al., 2010, p. 55-56).

Neste sentido, a direção da política de assistência social, além de destacar

os programas de transferência de renda diante do agravamento da pobreza,

visando assumir como único mecanismo de enfrentamento da “questão social”,

também segue em direção ao restabelecimento dos vínculos familiares, evitando

situações de risco social. Assim, a Política Nacional de Assistência Social e a

Tipificação dos Serviços Socioassistenciais preveem como uma das formas de

intervenção no âmbito da família, o Serviço de Acolhimento Familiar, exaltando a

função protetiva da família, principalmente no que tange a infância e juventude.


90

CAPÍTULO III

ANÁLISE DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA

ACOLHEDORA PREVISTO NA POLÍTICA NACIONAL DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

A
prática de acolhimento familiar é bastante antiga. Acolher

informalmente filhos de outras pessoas parece ter sido prática


popular de cuidados em situações específicas. (RIZZINI, 2006, p.39). As antigas
Rodas dos Expostos já acolhiam crianças abandonadas. No entanto, nossa

discussão é o acolhimento familiar formal, ou seja, a modalidade de atendimento

integrante das políticas públicas, típicas da sociedade capitalistas a partir do

século XX.

Atualmente a centralidade da família adquire relevância no processo de

gestão e execução das políticas de Assistência Social. Neste sentido, temos o

Serviço de Acolhimento Familiar inscrito na PNAS/SUAS e recentemente

previsto na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais.

O Serviço de Acolhimento Familiar é um Serviço do Sistema de Proteção

Social de Alta Complexidade, que organiza formalmente o acolhimento na

residência de famílias, de crianças e adolescentes afastados da família de origem

mediante medida protetiva31.

31
As medidas protetivas são aplicadas pelo Conselho Tutelar conforme previsto no ECA nos art.
98 a 101. O ECA inclui sete tipos de medidas de proteção – I – encaminhamento aos pais ou
responsáveis mediante termo de responsabilidade, II – orientação, apoio e acompanhamento
temporários, III – matricula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino, IV –
inclusão em programa de auxílio a família, a criança e ao adolescente, V – requisição de
tratamento medico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, VI –
inclusão em programa de auxílio e orientação para o tratamento de alcoolismo e toxicômanos. VII
– encaminhamento em instituições de acolhimento.
91

3.1 – A centralidade da família

Definir um conceito para família não é uma das tarefas mais fáceis. A

família tem importância e significado social diferentes, dependendo dos povos e

dos parâmetros sociais, que variam de acordo com a condição histórica,

econômica, política e social da época e de cada formação societária.

A temática da família está em constante discussão como processo de

construção e mudanças, com destaque para as novas configurações e arranjos que

as famílias vem assumindo no bojo da conjuntura socioeconômica capitalista

contemporânea.

A legislação brasileira, a partir da Constituição Federal de 1988, define,

no seu Artigo 226, ente familiar como comunidade formada por qualquer um dos

pais e seus descendentes. O ECA, no seu Artigo 25, acompanha esta linha de
definição: família natural é “a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e

seus descendentes”. Esta definição considera os vínculos de filiação legal, ou


seja, de origem natural e adotiva.

No aspecto jurídico, ocorrem mudanças na esfera legal da família,

resultado dos movimentos sociais que foram fundamentais para as

transformações familiares, como por exemplo, o movimento feminista e as lutas

pelos direitos de crianças e adolescentes.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 institui duas profundas


alterações no que se refere à família: 1. a queda da chefia conjugal
masculina, tornando a sociedade conjugal compartilhada em direitos e
deveres pelo homem e pela mulher; 2. o fim da diferenciação entre filhos
legítimos e ilegítimos, reiterada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), promulgado em 1990, que os define como “sujeitos
de direitos”. Com o exame de DNA, que comprova a paternidade, qualquer
criança nascida de uniões consensuais ou de casamentos legais pode ter
garantidos seus direitos de filiação, por parte do pai e da mãe. (SARTI,
2005, p.24)
92

O ECA tem seu foco de atenção nos direitos da criança, inclusive frente

aos seus próprios familiares. Integrante do Sistema de Garantia de Direitos32,

coloca o direito à convivência familiar e comunitária como fundamental à criança.

Mas, para além da definição de família no marco legal, é importante

considerar a complexidade e riqueza dos vínculos familiares e comunitários, ou

seja, é necessário ampliar o universo que delimita o conceito de família. Isto quer

dizer que a família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas

por laços de consanguinidade (tios, tias, primos etc.), de aliança (vínculos

construídos a partir de contratos, como a união conjugal) e de afinidade (vínculos

que foram “adquiridos” com os parentes do cônjuge, fruto das relações de

aliança). Assim, do ponto de vista simbólico e relacional, muitas pessoas podem

ser consideradas como “pessoas da família”.

Família extensa pode ser compreendida como uma família que se estende a

unidade de pais/filhos, que podem residir juntos ou não. São eles irmãos, meio-

irmãos, avós, tios e primos de diversos graus33.

Para Sarti (2005, 2007), pensar a família brasileira no século XXI sugere

referenciar as mudanças e os diferentes padrões de relacionamentos,

principalmente porque cada vez mais é difícil definir os padrões que delimitam o

que vem a ser família.

32
Conforme o documento “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” de
2009 o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) é o Conjunto de órgãos, entidades, autoridades, programas e
serviços de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma
articulada e integrada, na busca de sua proteção integral, nos moldes do previsto pelo ECA e pela
Constituição Federal. A Constituição Federal e o ECA ao enumerar direitos, estabelecer princípios e
diretrizes da política de atendimento, definir competências e atribuições instalaram um sistema de
“proteção geral de direitos” de crianças e adolescentes cujo intuito é a efetiva implementação da Doutrina
da Proteção Integral. Esse sistema convencionou-se chamar de Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Nele
incluem-se princípios e normas que regem a política de atenção a crianças e adolescentes cujas ações são
promovidas pelo Poder Público (em suas esferas – União, estados, Distrito Federal e municípios – e Poderes –
Executivo, Legislativo e Judiciário) e pela sociedade civil.
33
Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (2006).
93

Vivemos em uma época como nenhuma outra, em que a mais naturalizada


de todas as esferas sociais, a família, além de sofrer importantes abalos
internos tem sido alvo de marcantes interferências externas. Estas
dificultam sustentar a ideologia que associa a família à ideia de natureza,
ao evidenciarem que os acontecimentos a ela ligados vão além de
repostas biológicas universais às necessidades humanas, mas configuram
diferentes repostas sociais e culturais, disponíveis a homens e mulheres
em contextos históricos específicos. (SARTI, 2005, p.21).

Mioto (1997) faz a discussão sobre o conceito de “família”, a qual deve ser

entendida como um fato cultural, e não estritamente como um “lugar de

felicidade”. A autora levanta duas premissas: a primeira é a ideia de que a família

é um fato cultural historicamente construído; a segunda é a ideia de que a família

é um fato social historicamente condicionado. Ou seja, a primeira ideia permite

contrapor a afirmação de que família é um grupo natural, fundado na essência

biológica do homem, na consanguinidade e na filiação. Explica que a família surgiu

na fusão entre a natureza e a cultura, transversalizada pelo tabu do incesto,

vinculado às origens das regras do casamento visando garantir a vitalidade dos

grupos humanos. Assim,

O modelo de família que ainda vigora (monogâmica e patrilinear) calcada


no princípio natural da filiação e no fato cultural da transmissão
hereditária de bens a filhos certos e legítimos foi uma descoberta muito
posterior. Ele só apareceu quando se descobriu a relação entre ato
sexual e filiação. Esta descoberta significou uma virada histórica na
humanidade, pois se pôde firmar a relação família e propriedade com a
possibilidade da transmissão de bens a filhos certos e legítimos. Nesse
momento fundou-se a família monogâmica patrilinear, presente até
nossos dias. (MIOTO, 1997, p.116)

A autora complementa que foi na Modernidade que se estabeleceram os

limites entre o familiar e o social, donde se desenvolveu a ideia de privacidade, o

“sentimento de casa”, o sentimento familiar fundamentado na moral burguesa.

A segunda ideia indica que a família é um fato social historicamente

condicionado, aponta que a família não é, a priori, um lugar de felicidade, pois


94

esta ideia está vinculada ao ocultamento do seu caráter histórico. Este

ocultamento permitiu entender a família como um grupo natural e, a reboque,

significa a naturalização de suas relações e a exaltação de sentimentos

familiares, a exemplo do amor materno, amor paterno, amor filial.

Com o olhar no contexto brasileiro, a configuração das famílias a partir

dos anos últimos vinte anos apresentou mudanças em todos os segmentos da

população, resultado do processo de modernização da sociedade após a segunda

metade do século XX.

Mioto (1997) exemplifica alguns elementos destas mudanças que

provocaram novas configurações familiares. 1) número reduzido de filhos; 2)

concentração da vida reprodutiva em mulheres mais jovens com até 30 anos.

Indica redução da vida em função da reprodução e mais tempo para dedicação ao

trabalho e a relação conjugal; 3) aumento da gravidez na adolescência; 4)

crescimento da coabitação e união consensual juntamente com o aumento da

união civil e redução da união religiosa; 5) predomínio de famílias nucleares (pai,

mãe e filhos), apesar da queda deste tipo de organização familiar; 6) crescimento

de famílias monoparentais e mulheres chefes de família; 7) aumento de famílias

recompostas fruto de separações e divórcios; 8) crescimento da população idosa

– aumento da expectativa de vida média da população; e 9) aumento das pessoas

que vivem só. Ou seja, famílias menores estão mais suscetíveis a crises como

morte, desemprego e doenças.

Estas mudanças podem ser compreendidas de acordo com uma variedade

de aspectos. O primeiro deles é a liberalização de hábitos e costumes no tocante

à sexualidade e a nova posição da mulher na sociedade. O segundo elemento é o

desenvolvimento técnico-científico que produziu dos anticoncepcionais aos meios

de comunicação em massa.
95

Outro elemento fundamental está relacionado ao modelo econômico do

Estado brasileiro, que gerou consequências como o empobrecimento das famílias,

a migração do campo para a cidade, o ingresso de mulheres e crianças no mercado

de trabalho, a perda da eficiência do setor público na prestação de serviços, o

que contribui para a deterioração das condições de vida da população.

Para Alencar (1993), o receituário neoliberal provoca consequências para a

organização do sistema familiar. Surgem novos problemas econômicos e sociais

como o desemprego estrutural e a desregulamentação dos direitos sociais. A

intervenção neoliberal suscita o acirramento do clientelismo, do paternalismo e

do caráter seletivo das políticas sociais, na contramão da universalização dos

direitos, seguindo em direção ao avanço das políticas assistenciais não-

contributivas.

Tais medidas penalizam camadas de trabalhadores e suas famílias, que

sofrem com o sucateamento das políticas sociais públicas. Assim, a família vem

sendo “reconvocada” como importante agente privado de proteção social, isto é, a

família é redescoberta como componente central substitutivo da ação do Estado

na provisão de bens e serviços (PEREIRA, 2010).

Diante destas considerações, Mioto (1997) destaca três aspectos: o

primeiro deles é que não é possível pensar em “família”, mas sim em “famílias”, ou

seja, o plural conduz no sentido de englobar a concepção família à diversidade de

arranjos familiares compostos na sociedade brasileira. “Dessa forma, família

pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em determinado


lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidos (ou
não) por laços consanguíneos” (MIOTO, 1997, p.120). Este núcleo de pessoas, que
tem a função de garantir o cuidado e a proteção de seus membros está

articulado a estrutura social.


96

Este entendimento sobre família significa pensá-la como o lugar

privilegiado de preservação da vida, pois é somente no seio da família que se

constrói a ideia de cuidado de uma geração a outra. É no interior das relações

familiares movidas pelos afetos como o amor, ódio, inveja e gratidão, que a

criança aprende a criar sua identidade e ter a noção de pertencimento a um

grupo, elementos fundamentais para inserção do indivíduo no mundo.

O segundo aspecto, ainda nas palavras da autora está relacionado à

inserção das famílias na estrutura social. Ou seja, a vivência familiar possui

especificidades históricas e culturais, condicionadas pelas diferenças sociais. A

família se constrói de formas diferentes nas diversas classes sociais. O cuidado

e a proteção dos grupos familiares dependem da qualidade de vida que eles tem

no contexto social de que fazem parte. As famílias das camadas populares são

severamente pressionadas pela política econômica do governo, que ao invés de

garantir condições mínimas de sustentação como renda, emprego, serviços

públicos de qualidade, provoca situações de desemprego e ausência de serviços

públicos, gerando estresse na estrutura familiar.

O terceiro e último aspecto citado pela autora refere-se aos membros da

família como sujeitos individuais. O aumento da autonomia dos membros da

família ilustra que os projetos de vida individuais podem não ser compatíveis com

os projetos familiares. O exemplo citado é o número de mães que abrem mão da

guarda dos seus filhos para terceiros para que possam iniciar nova união.

Estes elementos podem ilustrar que o ambiente familiar é o reflexo dos

problemas de ordem ética, econômica, política e social, e que representa uma

arena de conflitos ao enfrentar no cotidiano. Situações contraditórias como a

obrigatoriedade em manter o cumprimento de tarefas básicas de proteção e

cuidado de seus membros sem que tenha condições para tanto; ou o embate entre

projeto pessoal dos pais e o projeto familiar de cuidado do outro.


97

Kaloustian (2010) entende que, atualmente, a temática sobre a família

brasileira se refere a seu enfraquecimento, novas configurações e novos

formatos. No entanto, a família ainda é compreendida como lugar de

sociabilização, busca coletiva de estratégias de sobrevivência e ponto de partida

para a cidadania e para os direitos humanos.

Independentemente dos arranjos familiares, é no âmbito da família que se

inicia a proteção dos filhos e outros membros familiares; onde se garante o

suporte afetivo e material, onde se exerce a educação formal e informal dos

filhos, onde são expostos os valores éticos e se constroem laços de

solidariedade.

A família é percebida não como o simples somatório de comportamentos,


anseios e demandas individuais, mas sim como um processo integrante da
vida e das trajetórias individuais de cada um de seus integrantes. À
família, novos membros se agregam; da família, saem alguns para
construírem outras famílias e enfrentar o mercado de trabalho. Nas
famílias mais pobres, estas trajetórias e movimentos ocorrem, muitas
vezes, de forma traumática, ditados pelas condições econômicas e a luta
pela sobrevivência individual e familiar. (KALOUSTIAN, 2010, p. 13).

A dinâmica das famílias tem estrutura própria, sofre diretamente

influência do modelo econômico e da intervenção do Estado no que tange às suas

políticas econômicas e sociais. Justamente por este motivo a família demanda a

implementação de políticas e programas que atendam as suas especificidades.

Vicente apud Kaloustian (2010) exemplifica a importância do vínculo

familiar como condição humana essencial no desenvolvimento da criança: o âmbito

familiar é um espaço privilegiado de convivência, o que não o exime da existência

de conflitos. Estes conflitos podem acontecer durante todo o ciclo familiar, mas

as mediações destes conflitos variam entre modelos autoritários e intolerantes –

sistema adultocêntrico - opressão e silêncio dos mais fracos (no caso, as

crianças) e modelo democrático – de respeito pelas diferenças, baseado no

entendimento, no diálogo.
98

Becker apud Kaloustian (2010) discute a ruptura de vínculos, apresenta a

importância da família para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Trabalha com a legislação vigente e com os tratados internacionais que legislam

sobre a família, como por exemplo, a Convenção das Nações Unidas 34 que trata

sobre os Direitos da Criança, a Constituição Federal Brasileira e o ECA.

Destaca o novo Código Civil Brasileiro, que substituiu o termo “pátrio-

poder” pelo de “poder familiar”. Neste caso, a perda do poder familiar deve ser

executada somente quando os pais, de forma injustificada, deixam de cumprir

seus deveres, e a criança é exposta a situações de abandono, maus-tratos e

violência. Esgotadas todas as possibilidades de permanência com a família de

origem, a criança é encaminhada à Família Substituta35.

Como já aludido, a prática de acolhimento familiar, de colocação em família

substituta, é bastante antiga e desenvolvida por diferentes sociedades com suas

características particulares. Neste sentido, nas próximas paginas refletiremos

sobre a organização do acolhimento familiar formalizado na política Nacional de

Assistência Social e na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais

desenvolvido pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

34
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 20/11/89 declara: ‘convencidos de que a
família, como elemento básico da sociedade e meio natural para o crescimento e o bem-estar de todos os
seus membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias para poder
assumir plenamente suas responsabilidades na comunidade’. (BECKER, apud KALOUSTIAN, 2010, p. 60-61).
35
Família Substituta pode ser traduzida na forma de Guarda, Tutela, Adoção ou Família Acolhedora. Esta
última, discutiremos posteriormente. A modalidade de família substituta através da Guarda de acordo com o
ECA, é concedida quando os requerentes aguardam a decisão judicial para a concessão da Tutela o da
Adoção. A Tutela é a medida aplicada aqueles que sucedem aos pais, que exercem o poder familiar nos casos
de orfandade. São os avós, tios, requer a administração dos bens da criança e o dever da guarda pode ser
entregue a estranhos quando não há membros da família. A Adoção é a forma definitiva e radical de
colocação em família substituta. A partir da adoção se forma nova família, a criança ganha todas as
garantias jurídicas como filho legítimo.
99

3.2 – Breve resgate da história do Acolhimento Familiar

No Brasil, a prática formal de acolhimento familiar surgiu em 1990, a

partir da aprovação do ECA e da Convenção dos Direitos da Criança e do

Adolescente, diante da necessidade de evitar a institucionalização de crianças e

adolescentes. A ação estatal deve priorizar o convívio familiar e o abrigamento

deve ser uma medida excepcional e provisória.

Voltaremos um pouco no tempo para contextualizar o início do acolhimento

familiar principalmente com o foco no município do Rio de Janeiro.

Nosso referencial teórico para o resgate histórico do acolhimento familiar

será baseado fundamentalmente na leitura de Batista (2006), segundo a qual as

primeiras experiências de acolhimento familiar surgiram nos Estados Unidos

(1910), Inglaterra e França (1940). O acolhimento familiar ou (foster care)

surgiu inicialmente nestes países como uma alternativa à institucionalização,

como uma prática que propõe novos convívios entre crianças, adolescentes e

famílias.

Como não havia leis ou resoluções específicas delimitando as diretrizes

para o acolhimento familiar, tanto o poder público (principalmente através das

prefeituras) quanto algumas organizações da sociedade civil iniciaram este

processo, que levou a uma diversificação de experiências.

Em São Paulo, por exemplo, foi criado o Serviço Alternativo de Proteção

especial à criança e ao Adolescente (SAPECA) em 1997, vinculado à Secretaria

Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Campinas, voltado para o

atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica em

regime de colocação familiar.


100

Ainda em São Paulo, foi criado, em 1998 o Programa Família de Apoio,

desenvolvido no município de Franca, em parceria com o Poder Judiciário e com o

Executivo municipal.

O Rio de Janeiro implementou a modalidade de acolhimento familiar

intitulado de “Projeto Família Acolhedora”36 em 1997, a partir das deliberações

da 2ª Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada

em 1996.

O município do Rio de Janeiro orientou suas ações nas experiências

desenvolvidas em São José dos Campos – SP (Família Hospedeira), e no Município

de Cabo Frio – RJ (Família Substituta). Conforme a deliberação do CMDCA/RJ, o

objetivo principal do Projeto Família Acolhedora era prestar acolhimento a

crianças e adolescentes em situação de abandono e risco social, proporcionando

convivência familiar através de colocação em Família Acolhedora. (BATISTA,

2006)

Inicialmente, o financiamento do Projeto se deu através do Fundo da

Infância e Adolescência (FIA), e de Organizações Não Governamentais (ONG)

que remuneravam os profissionais e os acolhedores, bem como prestava o

atendimento e capacitava as famílias acolhedoras. A Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social (SMDS) - atualmente Secretaria Municipal de

Assistência Social (SMAS) - fornecia infraestrutura, espaço físico e transporte

para visitas domiciliares e atendimento social.

36
Inicialmente o acolhimento familiar foi implementado como Projeto Família Acolhedora, a partir de 2006
com a provação do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, o acolhimento ganhou status de
Programa Família Acolhedora e, atualmente, com a Tipificação dos Serviços Socioassistencias, denomina-se
Serviço de Acolhimento Familiar.
101

A coordenação do Projeto era composta por um Grupo Gestor 37 , um

representante do CMDCA e um técnico do Projeto. O Grupo Gestor também

contou com a participação do Instituto de Estudos Especiais da PUC/SP para

capacitar a equipe técnica para iniciar o Projeto. Na época contava com 10

assistentes sociais e 10 psicólogos.

Outro passo neste processo foram as discussões junto ao Juizado da

Infância e Juventude, Ministério Público e Conselhos Tutelares para a concessão

do termo de guarda provisória aos acolhedores, uma vez que esta prática era algo

novo no Judiciário.

Em geral, os encaminhamentos para a inclusão de crianças no Projeto eram

feitos pelos Conselhos Tutelares. Atualmente, com a nova lei da adoção, este

procedimento se faz exclusivamente via Juizado da Infância e da Juventude38.

Inicialmente, a faixa etária para inserção no Projeto era crianças de 0 a 12

anos, vítimas de violência doméstica, organizados na época nas Coordenadorias

Regionais (CR), hoje Coordenadorias de Assistência Social39 (CAS).

Os acolhedores eram cadastrados e habilitados, e aguardavam contato da

equipe técnica para receber uma criança ou grupo de irmãos. O prazo estipulado

para o acolhimento era seis meses podendo ser prorrogado para nove meses de

acordo com determinação judicial. No início era fornecida aos acolhedores uma

espécie de ajuda em alimentos; posteriormente (em 2006) acolhedores recebiam

37
O grupo gestor era constituído pela Associação Brasileira Terra dos Homens (ABTH), Federação das
Mulheres do Rio de Janeiro (FAMURJ), Lar Fabiano de Cristo, Instituto Sócio-Educacional Pró-Cidadania
(ISEC), Pastoral do Menor da Igreja Católica do Rio de Janeiro e a SMDS.
38
Cabe destacar, que na época o município do Rio de Janeiro contava apenas com um Juizado da Infância, da
Juventude e do Idoso, hoje as ações do Juizado foram descentralizadas contando atualmente com três: 1ª
Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, localizada no Centro da cidade; 2ª Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso, localizada em Santa Cruz; e a Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de
Madureira.
39
Esta nomenclatura mudou a partir de 2006 pela gestão do Secretario Municipal de Assistência Social,
Marcelo Garcia. As CAS organizam os serviços socioassistenciais de uma determinada região do município do
Rio de Janeiro, localizadas: 1ª CAS – Centro; 2ª CAS Vila Isabel/Zona Sul; 3ª CAS Engenho Novo; 4ª CAS
Bonsucesso; 5ª CAS Madureira; 6ª CAS Deodoro; 7ª CAS Jacarepaguá; 8ª CAS Bangu; 9ª CAS Campo
Grande; 10ª CAS Santa Cruz.
102

(e ainda recebem) um subsídio financeiro 40 para os eventuais gastos com as

crianças e adolescentes que são acolhidos.

O subsídio financeiro direcionado às famílias que acolhem é fundamental,


já que no Brasil, o acolhimento familiar não é considerado uma profissão e
as famílias acolhedoras atuam de forma voluntária. Este recurso é
destinado às despesas previstas no cuidado com a criança, tais como
alimentação, vestuário, remédios, material escolar etc., levando-se em
conta que as famílias acolhedoras vêm de contexto semelhante ao da
família de origem. Seu valor varia de acordo com as possibilidades
financeiras do projeto, a necessidade das famílias e a modalidade de
intervenção junto à família de origem. (RIZZINI, 2006. p.71).

O atendimento feito às crianças, família de origem e família acolhedora

pela equipe técnica, baseava-se em encontros semanais, vistas domiciliares,

entrevistas, capacitações, na perspectiva da metodologia sistêmica.

As famílias de origem são as famílias das crianças e adolescentes que

tiveram a suspensão do poder familiar ou a destituição do poder familiar. Ou

seja, estas famílias apresentaram dificuldade em cumprir seus deveres parentais

por razões de natureza econômica, social ou psicológica. O que no chama atenção

no acolhimento familiar, é o fato de não haver subsídio para a família de origem

no processo de reinserção familiar.

Em 1999 a SMDS lançou o Projeto de Reinserção Familiar – Violência

Doméstica, voltado ao atendimento a crianças e adolescentes de 0 a 14 anos que

ainda não foram afastados de sua família de origem, o projeto atuava na

prevenção da violência e no acompanhamento destas famílias. Manteve-se vigente

até 2005. (BATISTA, 2006)

O financiamento do projeto a partir do ano 2000 passou a ser fornecido

pelo Tesouro Municipal. O Grupo Gestor responsável pelo acompanhamento do

Projeto permanece o mesmo.

40
Atualmente as famílias acolhedoras recebem uma “bolsa-auxílio” que varia de acordo com a idade: R$
350,00 para crianças e 0 a 6 anos; R$ 450,00 para a idade entre 6 e 12 anos e R$ 600,00 para adolescentes
12 a 18 anos incompletos.
103

A partir de 2006 a execução do Programa é retirada da gestão das ONG.

Atualmente o Programa Família Acolhedora no Município do Rio de Janeiro é

desenvolvido nos Centro de Referência Especializado em Assistência Social

(CREAS).

Como já referido, o Programa Família Acolhedora insere-se neste

panorama como um serviço do Sistema de Proteção Social de Alta Complexidade.

Os objetivos são praticamente os mesmos do início, isto é, organiza o

acolhimento na residência de famílias, de crianças e adolescentes afastados da

família de origem mediante medida protetiva. O atendimento visa fornecer

proteção integral às crianças e adolescentes até que seja possível a reintegração

familiar.

A família, portanto, tem sido alvo de discussões dos mais diversos campos

do conhecimento e vem trazendo a importância de seu papel no âmbito da

proteção social. Mas na verdade, de qual entendimento de família estamos

partindo? De que família ou famílias estamos falando?

3.3 – O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora conforme a PNAS e

o SUAS

A PNAS-2004, SUAS-2005 e a Tipificação Nacional dos Serviços

Socioassistenciais em 2009 preveem, na modalidade de Proteção Social Especial,

o atendimento às famílias em diferentes situações socioeconômicas que

conduzem a violação de direitos de seus membros, em especial crianças,

adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência. Como já exposto, coloca

no campo da assistência o “tratamento” para os fenômenos que se agravam nas

parcelas da população com maiores índices de desemprego e pobreza: moradores

de rua, migrantes e idosos abandonados.


104

A Proteção Social Especial volta-se ao atendimento a essas famílias e

indivíduos em situação de risco pessoal e social em decorrência de abandono,

maus-tratos físicos ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,

cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua e trabalho infantil,

entre outras.

Para Rizzini (2006), os fatores que acarretam o afastamento da família

são denominados violações de direitos da criança, conforme descritos no ECA.

São considerados os casos de violência intra-familiar, como por exemplo, o abuso

físico, negligência, abuso sexual, exploração do trabalho infantil. Entretanto,

mesmo superados estas questões, a situação de pobreza se faz presente,

obstaculizando a permanência da criança junto a sua família. Somado à

formatação das políticas sociais públicas já descritas, conduzindo à ausência de

suporte às famílias no cuidado junto aos filhos devido ao desemprego, a

precariedade das políticas de saúde, educação, habitação, comprometendo

efetivamente a garantia de direitos dos cidadãos como um todo.

De acordo com Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito

de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), a

metodologia do Programa Família Acolhedora contempla: mobilização,

cadastramento, seleção capacitação, acompanhamento e supervisão das famílias

acolhedoras por uma equipe multiprofissional; acompanhamento psicossocial das

famílias de origem, com vista à reintegração familiar; articulação com a rede de

serviços, com a Justiça da Infância e da Juventude, e com os demais atores do

Sistema de Garantia de Direitos.

O Serviço deverá ser organizado segundo os princípios, diretrizes e

orientações do ECA e do documento “Orientações Técnicas: Serviços de


105

Acolhimento para Crianças e Adolescentes” 41 , sobretudo no que se refere à

preservação e à reconstrução do vínculo com a família de origem, assim como à

manutenção de crianças e adolescentes com vínculos de parentesco (irmãos,

primos etc.) numa mesma família. O atendimento também deve envolver o

acompanhamento às famílias de origem, com vistas à reintegração familiar. O

serviço é adequado ao atendimento de crianças e adolescentes cuja avaliação da

equipe técnica indique possibilidade de retorno à família de origem, nuclear ou

extensa.

A inserção da criança e/ou do adolescente no Serviço de Acolhimento

Familiar deve ser feita mediante discussão de caso, especialmente com o

requerente do Serviço (Vara da Infância e da Juventude, como também os

conselhos tutelares). Objetiva-se com isso traçar o trabalho em rede e de

continuidade ao atendimento à criança e sua família.

A equipe técnica do Serviço de Acolhimento Familiar (assistente social e

psicólogo) tem a função de:

- selecionar, cadastrar e acompanhar as famílias acolhedoras; prestar orientação

e encaminhamento para a rede de serviços;

- construir plano individual e familiar de intervenção; prestar orientação

sociofamiliar;

- apoiar a família na sua função protetiva; providenciar documentação pessoal da

criança/adolescente;

- articular a rede se serviços socioassistenciais; mobilizar e identificar a família

extensa;

41
O documento “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” tem como
finalidade regulamentar, no território nacional, a organização e oferta de Serviços de Acolhimento
institucional e familiar para Crianças e Adolescentes, no âmbito da política de Assistência Social. A
aprovação do documento ocorreu em Assembléia conjunta do CNAS e CONANDA, realizada em 18 de junho
de 2009.
106

- construir, com a participação da família de origem e serviços da rede de

proteção, um plano de acompanhamento da família de origem - nuclear ou extensa

- que objetive a superação dos motivos que levaram à necessidade do

afastamento da criança/adolescente e consequente reintegração familiar;

- providenciar encaminhamentos jurídico-administrativos e junto à rede de

educação e saúde, dentre outros que se fizerem necessários;

- possibilitar situações de escuta individual ao longo de todo o tempo de

acolhimento, de qualquer dos envolvidos (família de origem, família acolhedora e

acolhido);

- estabelecer contato com a família de origem (salvo em situações de restrição

judicial) para esclarecimento do que é o acolhimento familiar, seus termos e

regras, assim como para convidá-la a participar do processo de adaptação da

criança/adolescente na família acolhedora, fornecendo informações sobre seus

hábitos e costumes. Se possível, possibilitar o encontro da família de origem com

seu filho(a);

- realizar acompanhamento da família de origem, com entrevistas e visitas

domiciliares periódicas, articuladas com o planejamento realizado para superação

das vulnerabilidades da família;

- construir um espaço para troca de experiências entre famílias de origem (Ex.:

grupos de apoio, de escuta mútua). (BRASIL, 2009)

No aspecto jurídico-administrativo, o acolhimento é feito por meio do

Termo de Guarda Provisória, solicitado pelo Serviço de Acolhimento e emitido

pela autoridade judiciária para a família acolhedora cadastrada. A guarda deverá

ser emitida para a família acolhedora cadastrada e habilitada indicada pela

equipe técnica. Seu caráter é provisório, e sua manutenção está vinculada à

permanência do acolhedor no Serviço de Acolhimento.


107

As famílias que forem consideradas aptas a serem acolhedoras terão sua

inscrição formalizada no Serviço com todos os documentos necessários,

informações sobre a sua família e indicação do perfil da criança/adolescente que

julga capaz de acolher. A documentação é encaminhada pela Coordenação do

Serviço à Vara da Infância e da Juventude, a fim de que seja emitido o Termo de

Guarda. A partir daí, a responsabilidade do acolhimento passa a ser da família

cadastrada.

O processo de acolhimento familiar, de acordo com o documento

“Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”,

(2009), envolve:

▪ Seleção , Divulgação e Cadastro de acolhedores

A seleção deve ser feita através de um processo, essencial para a

obtenção de famílias acolhedoras com o perfil adequado que possibilite a

viabilidade dos objetivos do Serviço, garantindo, desta forma, o acolhimento:

- de forma singularizada;

- reparação de vivências de separação, rupturas e violação de direitos;

- preservação da identidade, integridade e histórias de vida;

- acesso a ambiente acolhedor e saudável;

- acesso adequado a higiene, habitabilidade, segurança e conforto para cuidados

pessoais, repouso e alimentação; e

- acesso a ambiente e condições favoráveis ao processo de desenvolvimento da

criança/adolescente.

A divulgação do Serviço de Acolhimento deve ser ampla, com informações

precisas sobre os objetivos do Serviço, perfil dos usuários, quais são os critérios

mínimos para ser acolhedor. No município do Rio de Janeiro, alguns critérios são:
108

- ter idade entre 24 a 65 anos;

- não ser beneficiário do Programa Bolsa Família;

- não residir em comunidade;

- possuir renda familiar preferencialmente acima de três salários mínimos;

- ter disponibilidade de tempo para os cuidados exigidos no acolhimento; e

- concordância de todos os membros do núcleo familiar.

A divulgação deve ser permanente, principalmente pelo Governo Municipal,

em conjunto com o Sistema de Garantia de Direitos. A equipe técnica deve

prestar as informações necessárias às famílias interessadas. Esta interlocução

possibilita a identificação das motivações que levam aquelas famílias a se

candidatarem e possíveis motivações equivocadas (a exemplo do interesse na

adoção, como se o acolhimento familiar fosse o caminho mais rápido para adotar).

As famílias cadastradas passam por um estudo psicossocial, com o objetivo

de identificar os aspectos que as qualificam ou não para a sua participação no

Serviço. Esta etapa envolve entrevista, visita domiciliar e participação do grupo

familiar. Algumas características são observadas:

- disponibilidade afetiva e emocional;

- relações familiares e comunitárias;

- rotina familiar;

- não envolvimento com dependência química;

- espaço físico e condições de habitabilidade;

- motivação para a função;

- aptidão para o cuidado com crianças e adolescentes;

- capacidade em lidar com separação;


109

- estabilidade emocional;

- capacidade de escuta; e

- capacidade de pedir ajuda e colaborar com a equipe técnica.

▪ Capacitação para os acolhedores

Após o processo de seleção e habilitação, os acolhedores participam de

uma capacitação que envolve oficinas e seminários produzidos pela equipe técnica

e especialistas na área da infância e juventude. A capacitação também conta com

a participação de famílias acolhedoras, que relatem suas experiências de

acolhimento vividas. Alguns temas deverão ser trabalhados junto aos acolhedores

durante a capacitação:

- do que se trata o Serviço de Acolhimento;

- direitos da criança e do adolescente;

- novas configurações familiares, realidade das famílias em situação de

vulnerabilidade;

- etapas do desenvolvimento da criança e do adolescente (características,

desafios, comportamentos típicos, fortalecimento da autonomia, desenvolvimento

da sexualidade), formas de lidar com os conflitos, colocação de limites;

- comportamentos frequentemente observados entre as crianças/adolescentes

separados da família de origem que sofrem abandono, violência;

- práticas educativas de como ajudar a criança/adolescente a conhecer e a lidar

com sentimentos; fortalecer a autoestima e contribuir para a construção da

identidade;

- políticas públicas, direitos humanos e cidadania; e

- o papel da família acolhedora, da equipe técnica e da família de origem.


110

▪ Preparação e adaptação para o acolhimento

A partir do momento em que a criança é encaminhada para o Serviço, a

equipe técnica inicia a preparação e o acompanhamento psicossocial da

criança/adolescente, da família acolhedora e da família de origem. O

acompanhamento é realizado através dos atendimentos nos CREAS com

periodicidade semanal ou por vezes quinzenal. O acompanhamento também se faz

através de visitas domiciliares pela equipe técnica à família acolhedora e à

família de origem. É realizado atendimento psicossocial à criança/adolescente, ao

acolhedor e à família de origem.

Isso poderá ocorrer por meio de ações especificas, tais como:

Para a criança/adolescente:

- aproximação supervisionada entre a criança/adolescente e a família acolhedora;

- escuta individual da criança/adolescente, com foco na adaptação à família

acolhedora;

- acompanhamento do desempenho escolar da criança/adolescente e sua situação

de saúde;

- viabilização de encontro semanal com a família de origem e a criança;

Para a família acolhedora:

- preparação da família acolhedora para a recepção da criança/adolescente,

inclusive informando a situação sócio-jurídica do caso e, quando possível, previsão

inicial do acolhimento;

- aproximação supervisionada entre a criança/adolescente e a família acolhedora;

- construção de um plano de acompanhamento da família acolhedora, em

conformidade com as necessidades do acolhimento de cada criança/adolescente,

respeitando-se as características das famílias e do acolhido.


111

- acompanhamento da família acolhedora, com entrevistas e visitas domiciliares

com foco na adaptação e desenvolvimento do acolhimento, com frequência mínima

quinzenal ou de acordo com a avaliação do caso.

- construção de espaço para troca de experiências entre famílias acolhedoras

(Ex.: grupos de apoio, de escuta mútua).

▪ Atribuições das Famílias Acolhedoras:

As famílias acolhedoras tem como atribuições preservar o vínculo e

convivência entre irmãos e parentes (primos, sobrinhos) quando o acolhimento

for realizado por famílias diferentes; responsabilizar-se pelas atividades

cotidianas e rotineiras dos acolhidos (levar à escola, atendimentos de saúde etc),

cabendo à equipe técnica auxiliar as famílias acolhedoras na obtenção destes

atendimentos, preferencialmente na rede pública; comunicação à equipe do

serviço de todas as situações de enfrentamento de dificuldades que observem

durante o acolhimento, seja sobre a criança, seja sobre a própria família

acolhedora e a família de origem.

▪ O processo de desligamento e reinserção familiar da criança/adolescente

O desligamento do programa ocorrerá quando for avaliado pela equipe de

profissionais do serviço, em diálogo com a Justiça da Infância e Juventude, com

o Ministério Público, Conselho Tutelar e rede envolvida - a possibilidade de

retorno familiar (à família de origem, nuclear ou extensa); a necessidade de

acolhimento em outro espaço de proteção, ou o encaminhamento para adoção.

A avaliação deve suceder a preparação e o apoio específico por parte da

equipe técnica, com ações que envolvem vários atores: crianças/adolescentes

acolhidos; família de origem, família acolhedora, cujo desafio é fortalecer os

vínculos familiares, viabilizando o retorno da criança à família de origem.


112

A reintegração familiar ocorre mediante autorização judicial, após

audiência na Vara da Infância, Juventude e do Idoso da família de origem, na

qual o processo de suspensão familiar é arquivado e a família de origem receberá

o termo de guarda provisória com validade de 180 dias, até que seja feita nova

avaliação pela equipe técnica.

A preparação para o desligamento com a criança/adolescente é feita por

meio de atendimento individual e apoio emocional, com foco no retorno à família

de origem e separação da família acolhedora.

A equipe técnica deve intensificar e ampliar de forma progressiva, os

encontros entre a criança/adolescente e sua família de origem, através de

reuniões com a permanência do acolhido junto a sua família nos finais de semana

e por fim, o retorno definitivo.

A continuidade do acompanhamento à família de origem após a

reintegração da criança/adolescente ocorre por um período mínimo de seis

meses, de forma a lhe dar suporte para o cumprimento de suas funções de

cuidado e proteção, buscando sua autonomia e visando evitar a reincidência da

necessidade de acolhimento. Conforme a estrutura local, tal acompanhamento

poderá ser feito pela equipe técnica do serviço de famílias acolhedoras que

acompanhou o acolhimento ou por outro serviço socioassistencial (CRAS, CREAS)

em articulação com a rede local. No município do Rio de Janeiro, o

acompanhamento pós-reintegração é feito pela equipe técnica do Serviço de

Acolhimento Familiar e, em alguns casos, por determinação judicial, o

acompanhamento também se faz pelo Juizado da Infância, Juventude e do Idoso.

A equipe técnica realiza encontros com a família acolhedora, com foco na

saída da criança/adolescente e na experiência de separação, oferecendo apoio


113

psicossocial após a saída do(a) acolhido(a) manutenção das atividades em grupo

com outras famílias acolhedoras e do contato regular com a equipe técnica.

Por fim, o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora orienta a família

acolhedora com relação à manutenção de vínculos com a criança/adolescente e

sua família após a reintegração familiar, o que também amplia a proteção da

criança/adolescente acolhido. Entretanto, deve ser respeitado o desejo de todos

os envolvidos, além de serem consideradas as características de cada caso,

avaliando-se a pertinência ou não da manutenção desde contato.

Face ao exposto, não existe Serviço de Acolhimento em Família

Acolhedora sem a figura do acolhedor e sua família. Portanto, é o universo do

acolhedor que abarca o próximo capítulo, tentamos retratar a percepção que

este possui deste Serviço.


114

CAPÍTULO IV

O “OLHAR DO ACOLHEDOR”: AS ENTREVISTAS COM OS

ACOLHEDORES DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA

ACOLHEDORA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

C
omo aludido anteriormente, o Acolhimento Familiar, a partir de

2006, passa a ser implementado pelo município do Rio de Janeiro,

em conformidade com as diretrizes da PNAS. O Serviço atualmente

é desenvolvido em 13 Centros de Referência Especializados em Assistência Social

(CREAS), espalhados pelo município do Rio de Janeiro.

Nosso caminho metodológico para a análise do Serviço de Acolhimento

Familiar se constituiu por meio de entrevistas com 10 acolhedores dos CREAS

Aldaíza Sposati, CREAS Padre Guilherme Decaminada e CREAS Arlindo

Rodrigues. O objetivo destas entrevistas foi analisar, a partir das falas, a

percepção que o acolhedor tem deste Serviço.

Traçamos o perfil do acolhedor cadastrado e habilitado cuja análise do

Serviço de Acolhimento Familiar foi organizada basicamente em 5 tópicos que

mais chamaram atenção baseado no relato dos acolhedores durante as

entrevistas. São eles: A motivação para ser acolhedor; A forte presença da

religião; Principais dificuldades apresentadas pelos Acolhedores; Pontos positivos

e negativos na visão dos acolhedores.


115

4.1 – Análise das entrevistas com as famílias acolhedoras

Destacamos primeiramente que o processo de pesquisa iniciou

tardiamente, tendo em vista o atraso para a retirada do Termo de Autorização42

para as entrevistas, expedido pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Este

atraso ocorreu porque a Prefeitura estabeleceu uma série de condições para

autorizar a pesquisa: não deveria haver vinculação, no projeto apresentado, das

políticas sociais públicas ao neoliberalismo; não deveria haver qualquer tipo de

crítica ao governo, em especial a prefeitura do Rio de Janeiro (fui inclusive

“lembrada” de que sou servidora do município). O projeto de pesquisa retornou

três vezes para reavaliação, sempre com a recomendação de “açucará-lo”.

Outro entrave com o qual nos deparamos durante a pesquisa foi o fato de

que, em determinados CREAS, as equipes técnicas dificultaram ao máximo o

agendamento das entrevistas. Por este motivo, fomos obrigadas a reduzir

substantivamente o número de CREAS inicialmente previsto. Entretanto, nos

CREAS supracitados, a compreensão das equipes técnicas sobre a relevância do

tema viabilizou o nosso acesso aos acolhedores.

No que diz respeito ao perfil, estes acolhedores, em sua grande maioria,

são mulheres (90% dos entrevistados) totalizando 9 mulheres, e apenas 10% o

quantitativo de acolhedor do sexo masculino, ou seja, somente 1 homem, como

pode ser visualizado no Gráfico 1, abaixo:

42
Disponibilizado no anexo da Dissertação.
116

MASCULINO FEMININO

0%
10%

90%

GRÁFICO 1. SEXO DOS ACOLHEDORES


Fonte: A Centralidade da Política de Assistência Social e o Serviço de Acolhimento em Família
Acolhedora, 2011

No tocante ao estado civil dos acolhedores, 62% são casados; 13% mantém

união estável; 12% são solteiros; 13% são separados. Durante as entrevistas foi

identificada uma diversidade no que concerne a composição familiar destes

acolhedores: a permanência de famílias monoparentais, a presença de famílias

recompostas, famílias homoafetivas, e também a presença de pessoas que moram

sozinhas.

Esta situação corrobora o que já explicitamos anteriormente no Capítulo 3

a respeito das novas configurações assumidas pelas famílias hodiernamente. Se

cruzarmos os dados aqui elencados com a idade destes acolhedores (Cf. infra),

percebe-se claramente que os casais mais velhos são os que buscam acolher

crianças/adolescentes.

Destarte, se tomarmos o percentual de acolhedores solteiros e aqueles

separados (isto é, que vivem sozinhos), pode-se inferir que o acolhimento a

crianças/adolescentes é uma forma de (re)constituir uma família, o que poderá

dar um novo sentido a suas vidas. Adiante, quando examinarmos os motivos que
117

levam as pessoas a se oferecerem como acolhedores, este fato fica

absolutamente cristalino.

CASADO SOLTEIRO UNIAO ESTAVEL SEPARADO

13%

13%

12% 62%

GRÁFICO 2. ESTADO CIVIL DOS ACOLHEDORES


Fonte: A Centralidade da Política de Assistência Social e o Serviço de Acolhimento em Família
Acolhedora, 2011

A idade dos acolhedores é muito variável, como pode ser observado no

Gráfico 3 (Infra). Todavia, há uma concentração na faixa etária que vai de 46 a

50 anos. Apesar do corte de idade indicado para cadastro e habilitação de

acolhedores ficar entre 24 a 65 anos, a menor faixa etária (cerca de apenas 10%

dos acolhedores) tem idade entre 30 e 35 anos. Podemos identificar com estes

dados que grande parte dos acolhedores são mais velhos. Durante as entrevistas

a maioria destes relatou ter filhos já na fase adulta, inclusive alguns já são avós.

Este tipo de comportamento não é exatamente uma “novidade” para nós.

Não é raro que casais que já criaram seus filhos adotem crianças pequenas ou até

mesmo animais, a fim de evitar a chamada “síndrome do ninho vazio”. Trata-se de

uma maneira de ressignificar a existência do casal, principalmente quando este

possui uma condição financeira razoável.


118

Vejamos o gráfico 3, abaixo:

30 a 35 anos 36 a 40 anos 41 a 45 anos 46 a 50 anos 51 a 55 anos

0%
10%
30% 10%

50%

GRÁFICO 3. FAIXA ETÁRIA DOS ACOLHEDORES


Fonte: A Centralidade da Política de Assistência Social e o Serviço de Acolhimento em Família
Acolhedora, 2011

O perfil a escolaridade revela nível um elevado de instrução dos

acolhedores. Cerca de 60% possuem o ensino médio, 10% o ensino médio

incompleto, 10% ensino superior incompleto e 10% ensino superior completo,

totalizando 90% dos acolhedores com mais de 10 anos de participação da vida

escolar.

A escolaridade demonstra, também, que o nível socioeconômico destes

acolhedores não é baixo, pois vivemos em um país em que, em geral, a situação

econômica da população se encontra muito atrelada ao lugar que as mesmas

ocupam na estratificação social.

O ato de acolher uma criança/adolescente requer, mais que a simples boa

vontade, uma compreensão do que esta atitude significa, além de poder arcar
119

com mais gastos que aqueles “financiados” pela bolsa que recebem do governo em

troca do acolhimento.

ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO ENSINO MEDIO INCOMPLETO


ENSINO MEDIO COMPLETO

10% 10%
10% 10%

60%

GRÁFICO 4. ESCOLARIDADE DOS ACOLHEDORES


Fonte: A Centralidade da Política de Assistência Social e o Serviço de Acolhimento em Família
Acolhedora, 2011

No tocante à religião, mais da metade dos acolhedores são evangélicos e o

restante se equilibra entre católicos e espíritas kardecistas. Todos os

acolhedores entendem que o Serviço de Acolhimento consiste em ajudar o

próximo, em uma dádiva divina.


120

CATÓLICO EVANGÉLICO ESPIRITA-KARDECISTA

0% 0%

20% 20%

60%

GRÁFICO 5. RELIGIÃO DOS ACOLHEDORES


Fonte: A Centralidade da Política de Assistência Social e o Serviço de Acolhimento em Família
Acolhedora, 2011

Ressalta-se na conformação do perfil, os bairros dos acolhedores, pois

estes, em sua maioria, residem na Zona Norte do Rio de Janeiro (Andaraí,

Bonsucesso) e na Zona Oeste (Bangu, Santa Cruz, Acari, Paciência, Realengo).

Este dado corrobora aquele já elencado supra a respeito da escolaridade e do

nível socioeconômico dos acolhedores: trata-se de indivíduos com uma situação

estável, apesar de modesta.

É importante sinalizar que através de contato com a equipe do CREAS

Maria Lina (localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro), além da incompatibilidade

dos horários para as entrevistas, fomos informados que o local não possui

acolhedores residentes na Zona Sul; são todos “emprestados”, principalmente da

região do Centro e da Zona Norte.

Obtivemos também, através da coordenação do Serviço de Acolhimento em

Família Acolhedora desenvolvido na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro os

dados atuais do acolhimento.


121

A tabela abaixo apresenta o quantitativo de crianças/adolescentes

acolhidos no mês de julho de 2011, totalizando um universo de 233

crianças/adolescentes. Observa-se também o número de acolhedores

cadastrados e habilitados no Serviço. Em 2009, de acordo com os dados do

Módulo Criança Adolescente 43 , o quantitativo de crianças/adolescentes em

acolhimento familiar somava 183; em 2010 este número subiu para 229, e os

dados deste ano mostram o crescimento progressivo deste Serviço, com um total

de 223 crianças/adolescentes inseridos neste Serviço até julho de 2011.

TABELA 1. DADOS DO ACOLHIMENTO FAMILIAR NO RIO DE JANEIRO


– JULHO/2011

DADOS DO ACOLHIMENTO – JULHO 2011


Número de atendimentos 867
Número de crianças acolhidas 127
Número de adolescentes acolhidos 96
Família de Origem 136
Família Acolhedora 115
Reinserção familiar 19
Maioridade 02
Inclusão no Serviço de Acolhimento 15
Evasão 04
Audiências 18
Visitas domiciliares 97
Visitas Institucionais 49
Fonte: A Centralidade da Política de Assistência Social e o Serviço de Acolhimento em Família
Acolhedora, 2011

As entrevistas com estes acolhedores foram muito ricas. Todas estão

gravadas (com a anuência dos entrevistados, que também assinaram o Termo de

Consentimento – Anexo) e depois foram transcritas.

43
O Modulo Criança Adolescente (MCA) é um banco de informações organizado pelo Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro no qual constam cadastradas todas as crianças e adolescentes que passaram ou
ainda permanecem em acolhimento, seja ele institucional ou familiar, no estado do Rio de Janeiro.
Semestralmente o MCA disponibiliza para acesso público o censo com a estatística atualizada dos
acolhimentos realizados.
122

Durante o processo de transcrição, observamos que algumas falas se

repetiam, convergindo para um outro tipo de “perfil” destes sujeitos.

Desta forma, para analisar o Serviço de Acolhimento em Família

Acolhedora sob a ótica dos acolhedores, optamos por categorizar estas falas

reiteradas e apreciá-las criticamente.

A motivação para ser acolhedor

Este foi um dos primeiros pontos a serem investigados durante a

entrevista com os acolhedores. A motivação para ser acolhedor passa pelo

processo de divulgação, seleção, preparação e acompanhamento das famílias

acolhedoras, pois a prática do acolhimento familiar requer uma ação voluntária do

acolhedor, que se dispõe em assumir a responsabilidade legal de guarda de uma

criança/adolescente.

As motivações explicitadas foram: a vontade de ajudar ao próximo;

experiências anteriores com acolhimento informal; o acolhimento como forma de

preencher a solidão; e a indicação de amigos, profissionais da área e meios

televisivos.

(...) Foi uma amiga minha que me informou sobre o programa no


dia ia ter uma palestra na cidade no CIAD e a partir da palestra
me inscrevi no programa. (...) Minha amiga foi até foi comigo
Também até acolheu uma, mas não gostou e hoje não acolhe
ninguém. (...) Comecei por curiosidade. Assim, na época, no começo
quando eu fui, também fui visando assim, uma ajuda financeira né?
(...) Porque quem falar que a bolsa fica toda para a criança está
mentindo. Assim no inicio foi com este propósito e depois me
acostumei mesmo. Acabou que eu gostei mesmo de ser acolhedora.
(ENTREVITA, 1)

(...) foi que uma colega que já era acolhedora que falou: “poxa,
você tá tão deprimida, você gosta tanto de criança, você vai ficar
doente, você não pode parar, então por que você não se inscreve no
projeto do família acolhedora?” (...) Ai eu fui me inscrever porque
123

eu quero ter uma criança na minha casa. Porque eu me sentia muito


só. (ENTREVISTA, 2)

(...) Ai o família acolhedora é uma forma... como eu posso dizer?


Pra ter uma experiência de ser mãe, de cuidar de alguém. (...) E eu
tenho tempo, tenho casa, tenho espaço, tenho necessidade de
cuidar de alguém. (ENTREVISTA, 8)

Foi percebido na fala da acolhedora que inicialmente o desejo em acolher

foi motivado pelo subsídio financeiro, fator que posteriormente tornou-se

secundário.

Um ponto de destaque no processo de seleção de acolhedores diz respeito

a um certo “convencimento” que muitos destes tiveram pelos profissionais para

aceitarem fazer parte do Serviço de Acolhimento Familiar.

Na verdade, o que me motivou foi esta conversa com a assistente


social. (...) Eu pedi informações para saber como se fazia para
adotar uma criança. (...) Ai a assistente social perguntou por que
eu queria adotar. Ai eu disse que todos da minha família
gostavam de criança. Ai ela falou: “poxa, você não quer ser
família acolhedora?” Ai ela explicou que na minha casa não
faltaria crianças, que a ideia não era adotar, mas ficar por um
tempo com as crianças. Mas ai eu falei: “puxa, eu vou ter que
devolver? Quer dizer eu vou amar e depois vou ter que devolver?
Ah, mas eu não quero não”. Mas ai ela falou: “olha, você vai ter
tantas criança pra você ajudar que vai ser mais gratificante em
parte. Não estou desfazendo da adoção, mas que você vai ficar
mais gratificada”. (Entrevista 6)

Há outra entrevista na qual a conduta do profissional é citada. Apesar de o

interesse inicial deste casal não ser pelo acolhimento familiar, o que chamou

atenção foi a fragilidade da conduta ética do profissional (que se poderia

classificar como preconceito sem muita margem de erro), uma vez que este casal

mantém união homoafetiva há mais de 20 anos e inicialmente o seu desejo era

pela adoção.

Tudo começou quando nós fomos na Vara da Infância do Centro.


Ai a assistente social colocou um bocado de empecilho pra gente
e tenho certeza que foi por preconceito. Ela disse que era muito
difícil pra gente adotar, que não era impossível, mas era difícil.
Ai a gente reuniu forças pra provar para as pessoas que a gente
124

podia adotar. Mas na época a gente nem deu entrada com os


papeis pra adotar porque a assistente social ficou falando um
monte de coisa e botou varias barreiras. Isso ainda quando a
Vara da gente ainda era na Praça Onze. Ai a assistente social
falou uma coisa positiva e cem coisas negativas que eu não quero
nem falar, porque isso ainda me deixa aborrecido. Aquilo foi
puro preconceito, porque eu não sou nenhum bicho, não sou
animal, eu tenho direito de ter um filho (...). Depois a gente viu
na televisão falando do família acolhedora, eu pensei que já que
a gente não pode adotar, vamos acolher? Quem sabe depois que a
gente acolher, a gente consegue provar que nós podemos ser pai e
mãe. Quem sabe a gente provando que somos bons acolhedores
podemos ser bons pais? (...) E ainda tem a bolsa que ajuda e isso é
muito bom. (...) Depois que a gente virou acolhedor, nós
conseguimos mostrar que somos bons pais e hoje adotamos 3
crianças. (Entrevista 10)

Neste caso, a questão da união homoafetiva inicialmente havia criado

certas barreiras para a adoção. O acolhimento familiar tornou-se um mecanismo

de afirmação, para provar a sociedade que um casal homossexual pode manter os

cuidados com uma criança. No processo de capacitação e habilitação para o

acolhimento familiar, é importante discutir e refletir sobre a diversidade sexual

e o direito a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes.

A forte presença da religião

É interessante destacar que quase todos os acolhedores entendem o

acolhimento familiar como uma dádiva divina. A questão religiosa é muito forte.

Note-se que todos os acolhedores tem religião, e a grande maioria é composta

por evangélicos (Cf. supra).

(...) já é um dom que eu quero passar para eles. (...) digo para os
meus acolhidos que hoje sou eu, amanha podem ser eles os
acolhedores, para eles continuarem ajudando porque o mundo
precisa de ajuda. As crianças podem precisar, então eu procuro
passar tanto para meus filhos quanto para os acolhidos a
importância em continuar com este trabalho. (Entrevista 7)

(...) Olha, se você quer entrar no acolhimento, a primeira coisa


que você tem que ter é amor. Porque se você não tiver amor não
adianta, tem que ter amor, tem que ter dedicação. Se você achar
que vai entrar por verba, dinheiro, desiste. Essas crianças vêm
125

sem nenhum alicerce e você tem que mostrar o alicerce, os


limites, os valores, tudo a gente tem que mostrar pra eles. E
fazer com que eles se sintam parte de nossa família. (...)
(Entrevista 5)

Esta é a dádiva que Deus me deu e eu vou ter esta dádiva de


cuidar de crianças pelo resto da minha vida. (...) Eu acho que o
Projeto Família Acolhedora é muito importante na vida da
criança, porque a criança passa a conhecer o que é uma família,
porque tem criança que não sabe o que é isso. O acolhimento
deve passar para a criança atos positivos, como educação e
religião. (Entrevista 2)

Só que eu no início tinha entendido que era assim: você ia num


determinado local, cuidava desta criança duas, três vezes na
semana. Enfim, fazia um serviço voluntário e esta criança
ficaria lá. Ai depois, na segunda entrevista, aí pensei: “ué, esta
criança fica com a gente?” Ai o psicólogo falou que fica sim, por
um determinado tempo (...). Ai eu aceitei (...). Hoje eu sei que é
uma dádiva de Deus (...). Eu peço sempre a Deus para ele
harmonizar o ambiente da minha casa para que o R. possa viver
bem. Ser acolhedora pra mim veio na hora certa, me sinto
completa. (Entrevista 3)

Percebe-se o peso da religião para a opção em ser acolhedor aliado

intervenção dos profissionais da assistência ou da justiça que acabam por

“convencer” aqueles candidatos, a princípio interessados na adoção, a se

tornarem acolhedores. A questão religiosa influencia diretamente a lógica de

adaptação da criança/adolescente, uma vez que os acolhedores procuram impingir

seus preceitos religiosos à criança.

Principais dificuldades apresentadas pelos acolhedores

O que mais nos chamou atenção nas entrevistas com os acolhedores foi o

desconhecimento do acolhedor sobre o ECA, a PNAS, e se este já participou de

conselhos de direitos e/ou associação de bairro. A relevância das perguntas

decorre do fato de que estes acolhedores são integrantes da política pública de

assistência social e o acolhimento requer conhecimento do que vem a ser os

direitos da criança e do adolescente, a importância da participação de órgãos que

lutem pela garantia de direitos. Vejamos algumas respostas:


126

Bom, o ECA é uma lei que fala do direito da criança é isso não
sei dizer isso a fundo. (Entrevista 1)

(...) fala dos direitos da criança e do adolescente do direito de


brincar, de estudar, de se alimentar de vestir a criança de ter
carinho. (Entrevista 2)

Eu tenho que ler, é uma vergonha uma professora não saber o


que é o ECA. (Entrevista 3)

Já ouvi falar sim. Serve para que as leis sejam cumpridas. É uma
cobrança que o governo faz na família. (Entrevista 4)

(...) o Estatuto fala dos direitos da criança e do adolescente. Fala


das nossas funções de pais e fala violência do abuso sexual.
(Entrevista 5)

Conheço e tenho ele em casa. (Entrevista 10)

Nota-se certa dificuldade para os acolhedores dizerem se conhece o não o

ECA. A maioria que disse que conhecia o Estatuto, não conseguia explicitar

minimamente alguns de seus princípios e diretrizes. Outros se restringiram a

dizer que o ECA é uma lei que fala do direito da criança e do adolescente.

Destaca-se a reposta de um entrevistado, que identifica o Estatuto como um

mecanismo de cobrança e punição do governo.

Todos os acolhedores expressaram a dificuldade em conseguir ter acesso

a rede de serviços sociais, principalmente no que se refere aos serviços de

saúde.

(...) ele tá precisando de uma fonoaudióloga. Ai ela me deu o


encaminhamento. Ai eu falei com a assistente social daqui se
você me der também um encaminhamento será que é mais fácil
consegui fono pra ele? Ela disse que não. O mesmo papel que eu
tenho, vale pro papel dela também. Eu é que vou ter que correr
atrás. (Entrevista 9)

Nós achamos que deveria ser dada uma maior atenção para os
atendimentos de saúde, de médico, de psicólogo. (...) Eu acho que
quem é do programa deveria ter mais facilidade, até porque a
gente trabalha junto com o governo, sei lá. Nós pegamos
crianças com doenças graves, tivemos maior demora pra
conseguir, ai ela passa por tudo aquilo que uma criança que tem
pai, tem mãe, tem carinho, passa, nem prioridade pra ser
atendido tem. Ai aquela criança que foi jogada no lago, nós é que
temos que correr, buscar hospital pra ela. Então nós achamos
que quem é do Programa Família Acolhedora deveria ter um
127

papel, uma ordem de uma juíza pra facilitar o atendimento,


conseguir internação da criança acolhida. (...) (Entrevista 10).

(...) daria um plano de saúde para cada acolhido acho que esta
seria a primeira coisa. A criança já saia com cartãozinho do
plano na mão. Porque a criança chega as vezes cheia de doença,
desnutrido, e você fica com medo até daquela criança morrer no
seu braço de tanta doença como quase aconteceu comigo e você
como é os hospitais ai não tem médico e você não pode levar
para o particular porque depois vem os remédios. (Entrevista 7)

A articulação intersetorial com outras políticas é uma das atribuições do

Serviço de Acolhimento Familiar, incluindo a integração com a política de saúde.

No entanto, o Serviço esbarra no movimento de contrarreformas do Estado, pelo

qual se restringe o atendimento principalmente aos serviços de saúde, com o

imperativo de se recorrer ao setor privado para o acesso à saúde. O relato dos

acolhedores deixa claro estes entraves, e o que nos chama atenção são as

sugestões que os acolhedores dão, que vão desde a prioridade no atendimento de

saúde ainda no setor público (uma vez que a criança é diferente por ser acolhida

e está sob a responsabilidade do Estado), até a naturalização de que o serviço de

saúde pública é insuficiente, e por isso o Estado deve fornecer planos de saúde

privados às crianças acolhidas.

(...) Mas vai procurar no posto de saúde pra ver se você


consegue? Na verdade pra tudo é uma dificuldade no posto, você
fica na fila um tempão. Podia separar alguns números para
quem é acolhido, assim iria facilitar o acesso. (...) Porque quando
a criança chega você tem que se virar, ai eu peço vizinhos, meus
irmãos, o pessoal da igreja, pra emprestar roupa. Você tem que
pegar dinheiro emprestado, quem tem cartão, faz divida do
cartão, porque você não pode deixar a criança desampara
porque o programa vai te exigir que cuide bem da criança (...) se
eu fosse do governo daria para as crianças acolhidas um plano
de saúde, eu vou fazer um plano pra cada criança só estou
esperando chegar a próxima criança, deve chegar esta semana
mais um acolhido ai eu fecho o pacote do plano de saúde.
(Entrevista 6)

(...) Nós é que somos do acolhimento quando a gente precisa de ir


para um posto de saúde, conseguir de imediato quando precisar
de um pediatra, e não ficar aguardando fila para dentista (...)se
a gente tivesse sei lá um cartão que mostrasse que a criança está
num acolhimento ai ela tem prioridade de atendimento médico,
psicólogo, entende? Que facilite o acesso (...). (ENTREVISTA, 2)
128

As entrevistas denotam também que nem sempre durante o acolhimento é

preservada a unidade entre irmãos. Pelo contrário: às vezes uma criança é

reinserida na família e o seu outro irmão recebe a indicação para adoção.

A experiência que eu tenho diferente é com estas agora porque


eu tenho uma com 8 anos que vai para adoção, tem a de 14 anos
que tem verdadeira adoração pela mãe, a mãe dela é o espelho
dela, ai eu falo pra mais velha, que ela tem que estudar, fazer
estágio, abrir uma poupança para você ajudar a mãe. A mais
velha é o tipo de adolescente que quer a mãe de qualquer forma.
Agora, esta mãe esta sendo trabalhada? Foi feito alguma coisa
para ela voltar para esta mãe? Porque nós estamos fazendo um
trabalho há um ano, daqui a pouco ela completa 18 anos vai
para a mãe. Ai fica a pergunta será que este nosso trabalho teve
resultado, ela volta para mãe, será que esta mãe tem estrutura,
alguém ajudou esta mãe? Os processos na justiça são muito lentos
e as crianças ficam no acolhimento pensando que vão voltar,
mas não voltam. Se a mais nova vai para a adoção, por que não
faz isso logo, porque senão o tempo passa logo, e ela fica com a
visão igual a da mais velha, querendo fugir. Além do mais, as
pessoas querem adotar ainda de pouca idade. Eu até falei que eu
adotaria, mas a mãe já sabe onde eu moro e pode bater na
minha porta. (Entrevista 05)

Neste caso, a acolhedora aceitou duas irmãs, de 8 e 14 anos, e manteve

a unidade de irmãos. No entanto, a primeira criança já tem indicação para adoção

e a mais velha será reinserida na família. Se a perspectiva não é a separação de

irmãos e a manutenção dos vínculos familiares, nem sempre este procedimento é

realizado conforme a determinação legal.

(...) no caso, eu estou com três famílias.

(...) dois irmãos D. e G. - 12 e 13 anos estão comigo tem um ano e


dois meses.

(...) outros dois irmãos V. e I. - 15 e 14 anos estão comigo há dois


meses

T.16 anos. (T. ficou dos 10 aos 13 anos comigo. Ai ela foi
reintegrada a tia, mas ai não deu certo. Meses depois ela voltou
pra minha casa). (Entrevista 06)

Este é outro exemplo. A acolhedora mantém em sua residência cinco

adolescentes de uma só vez, alguns sem perspectiva de reintegração familiar, já


129

com indicação para adoção, mas esta, pela idade, parece ser pouco provável. O

quantitativo de adolescentes na casa é grande, o que pode interferir

principalmente no que se refere à garantia de um espaço residencial com

condições razoáveis. Alguns destes fatores podem se perder quando se tem um

quantitativo excessivo de crianças e adolescentes em acolhimento. Esta

“superlotação” de adolescentes na residência do acolhedor assemelha-se à lógica

das instituições de abrigamento.

Elencamos outros dois casos que tratam do processo de adaptação dos

acolhidos. O primeiro aborda uma experiência exitosa de adaptação durante o

acolhimento. Percebemos, na fala da acolhedora entrevistada, o esforço em

impor limites na criação da criança, conjugando com o afeto e carinho. Destaca-

se novamente a presença forte da religião como mecanismo norteador dos

princípios éticos e morais ensinados aos acolhidos. A participação da equipe

técnica também é um fator preponderante que orienta o processo de adaptação

do acolhimento.

A adaptação tem sido tranquila, apesar de algumas questões,


mas as meninas (assistente social e psicóloga) nos orientam
bastante neste sentido. Qualquer coisa eu falo e eu sou de
conversar muito com as garotas que estão comigo. Tento
esclarecer as coisas para elas... A mais velha, por exemplo,
chegou aqui construindo um mundo de fantasia. Graças Deus a
doutrina espírita mudou o olhar dela. Porque se você deixar a
criança ficar o dia todo no computador, o dia todo soltando pipa,
assim, é muito fácil ser acolhedor. O acolhimento é uma coisa
muito séria. E você tem que ter amor tem que ter carinho com
aquela criança porque se não ela não se adapta e o quadro dela
só tende a piorar. (Entrevista 5)

Tive um acolhimento de 4 irmãos. Pra mim, foi o mais difícil. Me


marcou muito, me entristeceu por não alcançar o meu objetivo,
mas eles eram bem difíceis, já tinham vindo de abrigo, já tinham
ido para um acolhimento não deu certo e depois eles vieram pra
minha casa não acreditando, não confiando, porque na cabeça
deles é o seguinte se a outra não deu certo porque esta daria
certo? Era um menino de 4 anos, outro de 6 a menina de 8 anos e
o de 12 anos. Então eles tinham muitos costumes, aquela coisa de
vou permanecer do jeito que eu sou, ninguém vai me mudar. Eu
respeitava o espaço deles só que por fim ficou aquela dificuldade.
(...) Ai eu vim aqui pedir socorro, me orienta porque tô com
130

dificuldade. Ai foi quando eles começaram a separar os irmãos e


é uma dor que dá na gente, porque poderia estar todo mundo
juntinho, mas não. Mas mesmo separados tivemos dificuldades.
Então assim, no fundo no fundo a culpa não é da nossa família,
realmente eles tinham uma dificuldade de adaptação com outras
famílias também. (Entrevista 6)

A segunda entrevista apresenta um exemplo pelo qual a acolhedora

atravessou certa dificuldade de adaptação ao acolhimento. O problema é que a

penalização recai sobre os acolhidos, que além de estarem afastados da sua

família de origem, sofrem com a transitoriedade de acolhedores, isto é, as

crianças e adolescentes são transferidas constantemente de acolhedores. Outro

fator observado, que também atinge as crianças e adolescentes acolhidas, trata-

se do afastamento do grupo de irmãos, no relato feito pela acolhedora acima,

todos os irmãos acolhidos foram separados contrariando os princípios legais que

versa pela manutenção do grupo familiar.

Foi perguntado aos entrevistados como era o relacionamento com a família

de origem durante o processo de acolhimento familiar. Eis algumas repostas para

nossa avaliação.

(...) eu apenas me apresentei e disse que ela não ficasse


preocupada que ele tava num acolhimento bom... ela perguntou
para o Y. Assim: você tem vontade de voltar? E ele balançou a
cabeça que sim, e é isso a família de origem é a família de
origem. É preciso integrar mais a família de origem, ter mais
visitas, porque marca com a família e ela não vem ora diz que
vem e não vem (...) (Entrevista 2)

Eu conheci a mãe dele logo depois que ele veio pra mim, mas
depois nunca mais ela voltou e depois ela apareceu morta.
Quarta feira ele faz aniversário, ai perguntei pra equipe,
alguém apareceu da família? Não ninguém procurou. Eu
cheguei ate a conhecer uma tia dele, chegou a vir aqui umas
duas vezes, mas ela também tem uma criança especial em casa.
Estas vezes que eu a vi, ela disse: eu tenho tanto a te agradecer
por ele estar vivo. Eu digo que ela tem que agradecer a Deus. Já
chegaram a ficar dois anos sem procurar ele. (Entrevista 3)

Os relatos dos acolhedores evidenciam o esforço que se tem feito para

viabilizar a (re)construção dos vínculos familiares com as crianças afastadas de


131

sua família de origem. Apresentam também a própria dificuldade das famílias

hoje, marcadas pela violência e falta de suporte do Estado.

Bom eu tenho contato com duas famílias. Falo com a mãe do I. e


V. eles já estão em fase de reintegração, a mãe deles não muito
de conversar, mas eu falo pra caramba. Eu abraço beijo ela
pergunto como eles passaram o final de semana. Quando eu
entrego eles para passar o final de semana sempre falo como eles
se comportaram. E eu falo que eu não quero ficar com os filhos,
deixo bem claro que eu só quero ajudar e eu ajudo por amor. Eu
só acho que falta mais carinho e mais atenção às mães de
origem, precisa trabalhar as mães de origem. Eu não sou
psicóloga, mas como mãe que sou eu acho muitas daquelas mães
de origem tiveram um passado igual ao passado dos filhos. Se
você nunca teve uma família que te deu atenção carinho, como é
que você vai dar isso pra teus filhos? (Entrevista 6)

Tive três contatos com a família de origem. Dois aqui mesmo e o


outro quando R. foi passar o final de semana com a mãe. A
gente chegou a conversar um pouco, a mãe dele disse que tem
muito medo de perder ele. Ai eu falei pra ela ficar
despreocupada porque eu não vou pegar o filho dele, eu apenas
estou cuidando dele neste momento. (Entrevista 8)

Alguns acolhedores relataram a dificuldade em administrar o

desligamento, seja pelos vínculos estabelecidos com a criança, seja pela forma

repentina que foi este processo. Os acolhedores reconhecem o esforço que

buscam fazer juntamente com a equipe técnica para tornar o desligamento

gradativo, sem ruptura dos vínculos com a criança.

Pontos positivos e negativos na visão dos acolhedores

O acolhedor é fundamental no processo de acolhimento familiar, pois é ele

quem se disponibiliza juntamente com sua família para manter os cuidados com

uma criança/adolescente. É aquele sujeito que, voluntariamente, se dispõe a

acolher, a cuidar, a receber em sua residência uma criança/adolescente e assumir

a responsabilidade legal para isso. Os relatos apresentados pelos acolhedores

entrevistados demonstram que a vivência de família influenciou positivamente

tanto as crianças quanto as próprias famílias de origem. No entanto, os relatos


132

indicaram também algumas lacunas, que vão desde a retração da configuração das

políticas públicas até a alguns procedimentos internos como, por exemplo, o

desligamento, separação de irmãos e a própria compreensão do acolhedor do que

vem a ser a legislação responsável pelos diretos das crianças e adolescentes.

Selecionamos alguns pontos que se destacaram em praticamente todas as

respostas dos acolhedores. Solicitamos que os acolhedores entrevistados

fizessem uma análise dos pontos positivos e negativos do acolhimento familiar.

Pontos Positivos

A percepção dos acolhedores no que se refere aos pontos positivos do

acolhimento familiar significa aquilo que os acolhedores sentem de bom em

cuidar, em acolher crianças/adolescentes. Basicamente todos os acolhedores

falam sobre o acolhimento como possibilidade de dar amor, carinho, em ajudar na

superação da violência e que esta prática traz uma “paz espiritual” a todos da

família. Vejamos:

- O acolhimento torna-se uma forma de praticar o amor ao próximo e exercitar o

bem comum;

- Oportunidade em oferecer um lar para crianças/adolescentes abandonados.

- O exercício dos preceitos religiosos ao acolher crianças/adolescentes;

- Frente ao adoecimento crescente da população, o acolhimento familiar surge

como uma alternativa para superação do quadro de saúde e de depressão;

- Devido ao aumento das pessoas que se sentem solitárias, o acolhimento é uma

forma de ocupação do tempo e ajudar ao próximo;

(...) você vai levantar seu astral e você vai querer viver
novamente, ai eu fiquei toda contente, ai eu fui me inscrever
133

porque eu quero ter uma criança na minha casa. Porque eu me


sentia muito só, meu marido e meu filho saiam pra trabalhar e
eu ficava em casa sem fazer nada, se eu ficar em casa vou ficar
doente (...) (Entrevista 2)

Eu sai da depressão, na época eu fiquei três meses urinando na


cama devido a saída do emprego. Hoje eu estou bem de saúde
graças a Deus né? Tudo devido a este acolhimento, que veio
justamente na época em que eu mais precisava na minha vida.
Esta é a dádiva que Deus me deu e eu vou ter esta dádiva de
cuidar de crianças pelo resto da minha vida. (Entrevista 2)

(...) Sem amor não dá para fazer parte deste trabalho não. (...) Eu
gosto de criança e adolescente. Eu vejo as pessoas jogarem fora
as crianças e isso dói, vejo as pessoas nas drogas nas ruas... então
eu vi numa reportagem uma criança que mãe tinha deixado e
isso não é bom. Elas precisam de família. Eu já adotei dois meus
mais velhos já casados são adotados. Eu já tenho este dom de
querer cuidar (...) (Entrevista 4)

(...) Pra mim em especial ser acolhedora é uma saúde pra mim.
Eu vivia enferma, vivia resfriada. Ai eu falei: “peraí, eu tô
pensando muito em mim”. Quando eu comecei a ver os problemas
das crianças, eu passei a ter saúde para ter força e cuidar delas.
(...) A parte positiva é tirar as crianças do risco, do período
difícil da infância. Porque tem criança que não sabe o que é
infância. (Entrevista 6)

A criança sai de uma situação complicada na casa dela, ela


passa a ter um ponto de vista diferente, passam a conhecer
pessoas que estão dispostas a oferecer o melhor pra elas.
(Entrevista 8)

(...) É a oportunidade que um lar de família pode dar a uma


criança que está num abrigo. Eu lembro o dia em estava vendo
televisão e uma repórter perguntou para uma criança de um
abrigo o que ela pedia a papai do céu quando ela ia dormir? Ai a
criança dizia que pedia a papai do céu um pai e uma mãe para
dar carinho. E este trabalho é isso. (...) Ela não fica no abrigo,
mas num ambiente familiar. Por isso eu pretendo acolher vários
e vários. (Entrevista 9)

Nas falas acima podemos observar que os “pontos positivos” destacados

pelos acolhedores estão na ação do próprio acolhedor. Nenhuma referência é

feita à intervenção desenvolvida pelo Serviço de Acolhimento de uma maneira

geral.

Pontos negativos
134

Os pontos negativos revelam a crítica que os acolhedores entrevistados

fazem do Serviço de Acolhimento propriamente dito; expõem elementos

importantes para serem refletidos.

- Os atrasos prolongados para o pagamento referente à bolsa-auxílio.

- Os diversos entraves para conseguir ter acesso principalmente aos serviços

públicos de saúde;

- Retração da intervenção estatal através de políticas públicas junto às famílias

de origem, tendo em vista que maior parte das famílias de origem é pobre, e um

dos questionamentos dos acolhedores é por que não se investe o valor da bolsa-

auxílio para estas famílias. É latente a fragilidade da ação estatal no que tange a

integralidade com outras políticas públicas: saúde, educação, habitação, trabalho

e renda.

(...) Pois é tem uma coisa na bolsa que eu também não entendo, se
eu pegar um nenenzinho recém-nascido, eu ganho 350, a pessoa
pega o neném nu e cru, o que é que a pessoa faz com este valor
para gastar com a criança? (...) tem os gastos com fralda, com
roupa, eu acho isso injusto sabia? (...) O preço do bebê e do
adolescente eu acho que tinha que ser do mesmo valor. Eu
conheço uma acolhedora que um dia levou dois bebês ela levou
dois meses para receber, porque no começo era assim, com dois
nenéns pra dar leite para dar tudo (...). (Entrevista 1)

(...) Porque a gente recebe um ajuda, para alimentação, vesti e


criança, mas não quer dizer que é uma bolsa que dá para fazer
muitas coisas. (...) E eu já tive uma criança que a bolsa não
pagava nem a metade do leite da criança (...) (Entrevista 2)

(...) O valor da bolsa é muito pouco (...). O salário mínimo teve


aumento e esta bolsa não aumenta, não teve reajuste (...). Você
fica quatro, cinco meses sem pagamento (...). (Entrevista 5)

(...) a ajuda de custo que eles dão que eu acho que é muito pouco
para o que eles querem cobrar. (...) O pessoal da prefeitura,
governo, poderiam ajudar mais aos acolhedores. E também eles
colocam que tem tempo para ficar no abrigo e tempo para ficar
acolhimento. Isso não é bom, a gente lida com vidas e às vezes as
coisas não são tão rápidas assim... é muito cruel tirar da sua
casa porque o tempo acabou e mudar de acolhedor. (...)
(Entrevista 7)
135

(...) eu acho que o governo não sabe fazer conta, gente! O que
você faz com 350 reais com um bebê? Tem pediatra, tem
remédio, tem soro, é dor de barriga, é leite especial... (...)
(Entrevista 7)

(...) pela complicação que ele tem, uma criança totalmente


especial, eu não posso ficar mofando na fila de posto de saúde
esperando atendimento médico. (...) Estas crianças deveriam ter
ajuda do governo. Eles já não fazem parte do programa? Então
eles já deveriam vir com pediatra indicado. Teve um dia que eu
fui num postinho ai um medico disse pra mim: mãe, você é mãe
dele? Ai eu disse que era mãe acolhedora, ai eu contei toda a
história do que é mãe acolhedora. O médico disse assim: “a
senhora é maluca, é doida, querer criança especial depois de ter
filho grande pra senhora ter que ficar cuidando, levando pra lá
e pra cá no médico”. Mas na hora eu disse: “mas meu senhor, se
eu não fizer, quem vai fazer?” Ai o médico disse: “o governo,
minha senhora. Ele é quem tinha que fazer isso! O governo tem
dinheiro, ele é que tem que fazer isso e a senhora tem que cuidar
dos seus filhos” (...). (Entrevista 3)

(...) Eu acho que quem é do programa deveria ter mais


facilidade, até porque a gente trabalha junto com o governo sei
lá. (...) a partir do momento que você tem uma criança acolhida,
você deveria ter um cartão do banco com um dinheiro para
ajudar nas despesas. Porque você só recebe depois de mais de 45
dias. Nem todo mundo tem uma condição financeira que dá
para cobrir estas coisas antes da bolsa chegar. (...) Com certeza
não é o suficiente, o valor das bolsas não foram atualizados, não
foram reajustados, todo ano atrasa muito, atrasos de meses.
Principalmente no final do ano pro inicio do ano. (Entrevista 10)

(...) eu acho que tinha que trabalhar mais a família de origem.


(...) porque que esta bolsa que o programa fornece ao acolhedor
não é repassada a mãe de origem? Por exemplo: eu fiquei com
uma vez com uma criança que tinha cinco irmãos espalhados
que estavam em família acolhedora também. Porque aconteceu
isso? Porque a mãe saia pra trabalhar e a menina de oito anos
que ficava tomando conta dos irmãos menores sozinha e a mãe
precisava trabalhar. E o que aconteceu eu fiquei com ela este
tempo todo e mãe continua precisando trabalhar. Eles voltaram
pra casa e a situação é a mesma. Então porque não faz ao
contrario, esta bolsa da pra mãe ou ele arrumam um colégio
interno para as crianças com um horário bom, que as crianças
fiquem o dia inteiro e a mãe pegue a noite. Tem ajudar a mãe de
origem porque às vezes ela não tem um suporte para cuidar da
criança. (...) A volta pra casa sem ajuda da prefeitura é o ponto
negativo. Não que ele não tenha que voltar pra casa dele, ele
tem que voltar, mas ele tem que voltar com uma estrutura pra
continuar com um ritmo que ele já vinha no acolhimento (...).
(Entrevista 1)

(...) A família de origem que tem dificuldades de alimentação eu


acho que deveria ter uma bolsa para ela também, uma ajuda,
um suporte sei lá... Tem muita família que realmente precisa sim
de uma ajuda (...) (Entrevista 2)
136

(...) será que este nosso trabalho teve resultado, ela volta para
mãe, será que esta mãe tem estrutura, alguém ajudou esta mãe?
Os processos na justiça são muito lentos e as crianças ficam no
acolhimento pensando que vão voltar, mas não voltam. (...)
(Entrevista 5)

Uma questão que um acolhedor levantou como ponto negativo e que, no

nosso entender, configura-se de extrema relevância, foi o desligamento dos

jovens que completaram a maioridade. Qual a orientação do poder público nestes

casos?

Eu queria saber o que acontece com crianças que fazem 17 anos?


Eu digo crianças porque são crianças ainda pra mim. Depois que
elas fazem 18 é cortada a bolsa do programa, e então, qual é o
destino que ela tem? Eu já ouvi falar que eles seguem pra vida
normal, vão trabalhar. Mas onde tem tanto emprego assim pra
esses jovens? Qual é o final desta história? A prostituição destas
jovens? Este é o trabalho? O mundo das drogas? Você bota eles na
casa da pessoa e quando faz 18 anos, acabou... Devolve pro
mundo... Por exemplo, nós adotamos o S., que veio como
acolhimento, mas nós adotamos. Hoje ele tem 11 anos. Se ele
ficasse com a gente até os 18 anos e depois o que aconteceria com
ele? Até porque ninguém quis adotar ele, porque ele já é quase
um adolescente, é negro, e aí como ficaria a vida dele? E se ele
virasse um garoto de programa como é que eu ficaria como
pessoa que acolhi durante tanto tempo ele? O que acontece com
eles? Voltam pro abrigo. Abrigo não depósito de gente.
(Entrevista 10)

A princípio, a ideia do acolhimento familiar para os jovens é

instrumentalizá-los para seguir a vida independente, principalmente nos casos em

que há destituição do poder familiar e a questão da idade impossibilita a

indicação para a adoção. Neste sentido, não se tem porta de saída para o

acolhimento e se não há qualquer chance de reinserção familiar, estes jovens são

encaminhados para acolhimento institucional, agora na modalidade de adultos.

Ou seja, todo o discurso em defesa dos direitos das crianças e

adolescentes desaparece. A linha da garantia de direitos é muito tênue: até aos

17 anos e 11 meses o adolescente está “protegido” e a legislação garante o acesso

ao sistema de garantia de direitos. Ao completar 18 anos, as políticas públicas se


137

restringem em garantir o retorno às unidades de abrigamento. Sendo assim,

como construir autonomia para estes jovens com o Estado cada vez mais

reduzido, sem políticas de habitação, emprego, educação, trabalho e renda, numa

perspectiva ampla, com livre acesso para todos?

Diante do exposto, é inegável que o acolhimento familiar torna-se

importante para corroborar a desinstitucionalização do sistema de abrigamento

de crianças e adolescentes, tendo em vista que o prolongamento da permanência

em instituições de abrigo reduz as possibilidades de retorno à família de origem

ou encaminhamento para adoção, em virtude do enfraquecimento dos vínculos com

a família de origem e da dificuldade de se realizar adoções de crianças maiores e

de adolescentes.

No entanto, destaca-se também ser menos custoso para o Estado manter

uma criança em acolhimento familiar do que no acolhimento institucional, posto

que, no acolhimento familiar, o Estado não tem gastos com o espaço físico para a

permanência da criança/adolescente, com equipe de profissionais de limpeza,

cozinha, educador social, transporte etc.


138

CONSIDERAÇOES FINAIS

L
onge de apontar conclusões, podemos sinalizar algumas questões que

foram refletidas no decorrer desta Dissertação. As transformações

societárias impostas desde o final dos anos 70, vinculadas ao contexto de crise

vivido principalmente nos EUA, provocaram mudanças no sistema de proteção

social nos países periféricos, em especial no Brasil.

O nosso país vivenciou o avanço da reestruturação capitalista e do

neoliberalismo como alternativa à crise do capital. Sendo assim, malgrado as

conquistas sociais obtidas na Constituição Federal de 1988, o avanço do ajuste

fiscal imposto pelas políticas neoliberais, conduziu efetivamente ao retrocesso

dos direitos sociais, ferindo de morte o recém-estruturado Sistema de Proteção

Social brasileiro previsto na Carta Constitucional.

O pontapé inicial para a reformatação do Estado brasileiro, seguindo as

diretrizes neoliberais foi (e é) dado pelos organismos multilaterais (BIRD, FMI e

BM), segundo os quais é necessário limitar a intervenção do Estado,

principalmente no que tange as políticas sociais. Sendo assim, as políticas sociais

públicas perdem o seu caráter universalista, assumindo, por um lado, a forma

cada vez mais seletiva e focalizada para os casos mais imediatos e urgentes; e

por outro lado, as políticas sociais públicas assumem a lógica da privatização, ou

seja, o mercado passa a disponibilizar os bens e serviços sociais.

Neste cenário, de acordo com Mota (2005), a forma de reorganizar as

políticas sociais públicas segue no sentido da polarização: privatização

(previdência social e saúde) e assistencialização das políticas sociais, reforçando

a fragmentação de grupos e indivíduos com necessidades específicas, ou seja,

observa-se uma parcela da população que pode ter acesso aos bens e serviços
139

pela via do mercado e assim, satisfazer suas necessidades. Estes são os

cidadãos-consumidores. A outra parcela da população são os trabalhadores ainda

inseridos no mercado de trabalho e, mesmo de que forma precária, estão

protegidos pelo regime de previdência, com auxílios e benefícios baixos, onde o

capital estimula os trabalhadores a acessarem o seguro complementar. Portanto,

estes conformam a categoria dos cidadãos-trabalhadores. O último é o usuário

da Política de Assistência Social, ou seja, são as camadas pauperizadas da

sociedade que utilizam os programas assistenciais, clientelistas, voluntários e de

alívio à pobreza, classificados como cidadãos-pobres. A fragmentação social

despolitiza o debate das políticas sociais, encontrando eco no discurso

apassivador e anestesiante de manutenção da ordem social e fortalecimento da

lógica mercantil.

A lógica das políticas de Assistência Social é criar novas formas para a

garantia e manutenção da acumulação capitalista:

- O Estado neoliberal implementa políticas de assistência social voltados

aos neofamélicos e depauperados, garantindo a contenção/silenciamento das

massas;

- Os direitos sociais passam a ser reduzidos e restritos e as políticas de

assistência social são ampliadas e travestidas em programas assistenciais, com

ações pontuais e compensatórias, assegurando o acesso focalizado a parcela da

população comprovada e extremamente pobre;

- A família e a sociedade civil assumem a responsabilidade, compartilhada

com o Estado, de suprir as necessidades sociais da população;

As políticas sociais são postas em xeque, assim como o papel do Estado

que, frente ao social, minimiza-se. Sendo assim, a intervenção na “questão social”

atravessa as políticas compensatórias, passando a adquirir traços de

reponsabilização/culpabilização individual e de psicologização. Por outro lado, a


140

“questão social” é reatualizada como caso de polícia, trazendo o fenômeno da

criminalização da pobreza.

O cariz neoliberal provocou mudanças na participação da família no sistema

de proteção social, isto é, a família tem sido redescoberta como alternativa do

Estado na manutenção dos bens e serviços básicos. Assim, a família começa a ser

vista como importante agente privado da proteção social.

Seguindo a lógica do ajuste estrutural do Estado, Pereira (2010) destaca

que este passa a estimular medidas de apoio familiar, principalmente no que

tange à infância e à juventude, através dos programas de aconselhamento e

auxílios (recursos financeiros aos pais), visitas domiciliares, políticas para

redução da pobreza infantil, valorização da vida doméstica e exaltação do

cuidado materno. Sendo assim, o movimento autônomo e voluntarista da família

para manter seu bem-estar, segue em direção à chamada “autoproteção”. A

direção das políticas sociais de cunho neoliberal é conduzir a família e a

sociedade para o compartilhamento das responsabilidades antes restritas ao

poder público. Neste formato, cada fonte tem sua parcela de contribuição: o

Estado, com o recurso do poder que só ele possui; o mercado, com o capital; e a

sociedade, da qual a família faz parte, com a solidariedade.

Nesta lógica, ainda nas palavras autora citada, há o esvaziamento da

política social como um direito, uma vez que os limites da esfera pública e privada

são ocultados, ampliando a privatização do setor público e restringindo a garantia

de direitos. O Estado não mais se mantém no posto de principal condutor da

política social; pelo contrário, se distancia dele. O mercado não possui “vocação”

para o social. Logo, é aberta uma lacuna para a sociedade; esta sim, de acordo

com os ideólogos neoliberais, com vocação para o solidarismo.


141

Desta forma, a família ganha relevância como sistema de proteção social,

justamente pelo seu caráter informal, livre de constrangimentos burocráticos e

de controles externos.

Portanto, o Estado e a família desempenham papéis semelhantes:

regularizam, normatizam, impõem direitos de propriedade e deveres de proteção

e assistência. O Estado compartilha com a sociedade as responsabilidades com a

proteção social, entrega à solidariedade familiar e às organizações sem fins

lucrativos o dever em criar estratégias para compor com as famílias projetos que

atendam os serviços sociais necessários à população. (Ibidem).

As políticas públicas descartaram alternativas institucionalizadoras, tais


como orfanatos, internatos, manicômios, asilos, na oferta de proteção
social necessária a doentes crônicos, idosos, jovens e adultos
dependentes, ou a crianças e adolescentes ‘abandonados’. Essa alteração
tão radical só foi possível retomando a família e a comunidade como
lugares e sujeitos imprescindíveis de proteção social (...). (CARVALHO
apud KALOUSTIAN, 2010, p. 101)

Assim, a solidariedade familiar ganha fôlego, principalmente nas políticas

de assistência social, implementando serviços voltados à família e a comunidade.

Vejamos como exemplo os serviços de internação familiar, médico de família,

cuidador domiciliar, centros de acolhimento, reabilitação, convivência familiar e

comunitária.

Neste sentido, o Serviço de Acolhimento Familiar atualmente organizado

na PNAS/SUAS, centraliza suas ações voltadas às famílias e crianças e

adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social. As causas para o

afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias de origem são

provocadas pelas diversas formas de violências vivenciadas no âmbito familiar,

acentuadas pela pauperização, desemprego, pelo acirramento das refrações da

“questão social”, e os mecanismos utilizados pelo o Estado junto a esta população,


142

cujos vínculos familiares foram rompidos, são cada vez mais pulverizados e

focalizados.

Não nos iludimos sobre a importância da convivência família e comunitária

para o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente. No entanto, é

preciso descortinar alguns interesses que são escamoteados sob o argumento do

acolhimento familiar.

As entrevistas com os acolhedores do Serviço de Acolhimento Familiar

implementado pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro suscitaram alguns

pontos relevantes que tergiversam a lógica neoliberal do Estado na intervenção

das políticas sociais;

- O argumento da vivência em família. Um dos objetivos do acolhimento

familiar é oferecer à criança/adolescente uma alternativa a institucionalização

do sistema de abrigo, tendo em vista que o prolongamento nestas instituições

reduz as possibilidades de retorno à família de origem ou ao possível

encaminhamento para a adoção, em virtude do enfraquecimento dos vínculos com

a família de origem e da dificuldade de se realizar adoções de crianças maiores e

adolescentes. Entretanto, o Estado utiliza este argumento para reduzir os

investimentos em abrigos, pois é menos custoso manter o acolhimento familiar.

- Fragilidade nos investimentos com o acolhimento familiar. Percebe-se o

peso para o acolhedor, em arcar com todas as despesas que exige a manutenção e

os cuidados com as crianças, haja vista que o subsídio financeiro fornecido pelo

Estado, além de ser insuficiente, sofre constantes atrasos. Esta questão foi um

ponto de destaque unânime dentre os acolhedores. No relato dos acolhedores

destaca-se também a dificuldade no acesso às políticas intersetoriais,

principalmente no que tange a saúde, dificuldade que se estende para toda

população.
143

- O processo de reinserção familiar. A maioria das famílias de origem é

pobre, e os motivos que conduzem a suspensão ou a destituição do poder familiar

ocorrem pelo fato de que, para trabalhar, em geral a mãe deixa os filhos em casa

sozinhos, o que acarreta no acolhimento familiar. É exigido dos pais que dêem

conta em manter os cuidados dos filhos, que garantam o direito das crianças e

adolescentes, mas o Estado deixa de fornecer políticas públicas que assegurem

condições mínimas de uma vida digna para estas famílias, com políticas de

trabalho e renda, habitação, saúde, educação, cultura. Neste sentido, o desafio é

trabalhar a reinserção familiar, visto que a violação de direitos não acontece

apenas para o campo da infância e juventude, mas para a esfera familiar como um

todo.

- O Serviço de Acolhimento Familiar como alternativa para o “tratamento”

de crianças e adolescentes dependentes de crack e outras drogas. A grande


discussão que atualmente está em voga é a determinação do município do Rio de

Janeiro sobre a internação compulsória de crianças e adolescentes usuários de

crack e outras substâncias psicoativas. Esta determinação impõe que crianças e


adolescentes sejam obrigados a passar por um processo de internação para

desintoxicação durantes 3 meses. A ação da Prefeitura acontece através do

Serviço de Abordagem de Rua, em parceria com a Secretaria Municipal de

Ordem Pública, por meio da abordagem de crianças e adolescentes em situação

de rua através do uso da força física, num completo desrespeito com os

preceitos constitucionais e com o sistema de garantia de direitos. Após a

internação, caso exista a suspensão ou destituição do poder familiar, a indicação

inclusive do sistema judiciário, é a inclusão da criança/adolescente no

acolhimento familiar, porque no abrigo corre-se o risco de retornar a situação de

riso social. Em um ambiente familiar, a criança poderá superar a dependência

química. Novamente a esfera familiar é apresentada como importante agente

privado da proteção social.


144

Face ao exposto, a forma que é conduzida o acolhimento familiar, tende a

transforma-lo num sistema pesado com uma grande rotatividade de crianças

acolhidas, vitimizando-as ainda mais. Identificamos durante as entrevistas que

quase todos os acolhedores já desistiram de acolher alguma criança ou

adolescente, rompendo muitas vezes repentinamente com o acolhimento familiar.

As crianças e adolescentes são as que mais sofrem, a garantia da convivência

familiar e comunitária acaba sendo substituída pela insegurança sobre a sua

permanência no acolhimento, ficando atrelada ao seu tipo de comportamento na

residência do acolhedor.
145

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150

LISTA DE ANEXOS

ANEXO I. Roteiro das entrevistas com os acolhedores

ANEXO II. Carta de apresentação da proposta de pesquisa

ANEXO II. Termo de consentimento de pesquisa

GRÁFICO IV. Solicitação para autorização da pesquisa


151

FORMULÁRIO DE ENTREVISTA COM ACOLHEDOR

Entrevista número _____ Família Acolhedora/CREAS _____________________________

I.Perfil sócio-econômico do acolhedor:

1.1 – a) idade _____ b) sexo _____ c) est.civil ________ d) religião _______________


1.2 – grau de instrução ____________________ profissão______________________
1.3 – se for casado(a), profissão do(a) esposo(a) _______________________________
1.4 – já foi beneficiária do programa bolsa família? ( )sim ( ) não ___________________
1.5 – composição familiar
1.6 – renda familiar ( ) 0 a 1 sm ( ) 1 a 3 sm ( ) 3 a 6 sm ( ) 6 ou mais sm

II. Quanto política de assistência social:

2.1 – conhece o estatuto da criança e do adolescente?

2.2 – você com conhece a política nacional de assistência social (PNAS) e/ou sistema único de assistência social
(SUAS)?

2.3 – você participa ou já participou do conselho municipal de assistência social?

2.4 – você participa ou já participou da associação dos moradores do seu bairro?

III. quanto ao acolhimento familiar

3.1 – como soube do programa família acolhedora?

3.2 – o que motivou para se candidatar a acolhedor?

3.3 – há quanto tempo é acolhedor?

3.4 – quais são as suas expectativas com relação ao programa família acolhedora?

3.5 – quais são os pontos positivos e negativos do programa família acolhedora?

3.6 – já pensou em desistir do acolhimento? porquê?

3.7 – com relação a bolsa-auxílio, acha que o valor é suficiente? porquê?

3.8 – como é o seu relacionamento com a família de origem da criança/adolescente?


152

CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA

Eu, CRISTIANE LESSA DOS SANTOS, mestranda do Curso de Pós-graduação


de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresento minha
proposta de estudo para a elaboração do Trabalho de Conclusão de Dissertação, sob a
orientação da Profª. Drª Janete Luzia Leite.
Esta pesquisa tem como objetivo analisar o Serviço de Acolhimento Familiar
desenvolvido na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e previsto na Política de
Assistência Social brasileira.

Comprometo-me, assim, a seguir a orientação dos preceitos éticos que dizem


respeito à pesquisa envolvendo seres humanos. Todos os nomes serão mantidos em sigilo
e os dados serão divulgados apenas com seu consentimento; respeitando a liberdade de
escolha em participar da pesquisa, dando-lhe o direito de desistir a qualquer momento;
utilizando o conteúdo das informações de maneira sigilosa; e garantindo que os dados
serão usados somente para este estudo.
Diante disso, solicito sua preciosa participação nesse estudo.
Atenciosamente,
Cristiane Lessa dos Santos

Rio de Janeiro, ______de________________de 2011.

__________________________________________________

Participante da Pesquisa
153

TERMO DE CONSENTIMENTO DE PESQUISA

Eu, ______________________________________, aceito participar da pesquisa da


Mestranda Cristiane Lessa dos Santos, de forma livre e espontânea, observados o
conteúdo informado e o compromisso firmado pela pesquisadora na carta de
apresentação da pesquisa.

Rio de Janeiro, ______de________________de 2011.

__________________________________________________

Participante da Pesquisa

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