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Rede Urbana na Amazônia dos Grandes Rios:

Uma Tipologia para as cidades na calha do rio Solimões -


Amazonas -AM
Tatiana Schor
Professora Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Federal do
Amazonas, pesquisadora do NEPECAB

Danielle Pereira da Costa


Mestre em Geografia pela UNESP, pesquisadora do NEPECAB.

Forma de apresentação: Apresentação Oral

Sessão Temática: ST3 – Redes de Cidades e Dinâmica Territorial

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Rede Urbana na Amazônia dos Grandes Rios:
Uma Tipologia para as cidades na calha do rio Solimões -
Amazonas -AMi

Resumo:

Este projeto teve como objetivo construir uma metodologia de análise urbana para a
Amazônia e elaborar uma tipologia urbana que permita compreender a dinâmica da
rede urbana no estado do Amazonas. Para tanto, a partir de dados secundários e
visitas de campo foi construída uma tipificação que considerou variáveis definidas de
acordo com um conjunto de arranjos institucionais que diagnosticam o perfil, a
hierarquia e a tipificação da rede urbana das cidades localizadas ao longo da calha
do Rio Solimões-Amazonas. Como resultado as cidades foram classificadas em dois
conjuntos: médias (de economia externa e de responsabilidade territorial) e
pequenas (de economia externa, de responsabilidade territorial e dependente). A
tipologia possibilitou entender as cidades por um outro prisma, visando relacionar o
perfil urbano e a construção e implementação de políticas públicas voltadas
especificamente para o fortalecimento do urbano e das cidades na região.

Forma de apresentação: ORAL


Sessão Temática: ST3 – Redes de Cidades e Dinâmica Territorial

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A Adequação da Noção de Rede para o Estudo de Rede Urbana

Manoel Castells lança ao final dos anos 90 “A era da informação”, sendo o


primeiro volume intitulado “A sociedade em rede”. Este livro sintetiza uma das
principais temáticas para as ciências sociais na última década do século XX:
compreender e analisar a sociedade em rede.
A idéia da sociedade organizada em rede é fruto de uma representação visual
que, por ser simples e concreta, funciona como metáfora para a representação do
espaço. Esta forma de representação sugere um espaço euclideano unidimensional
formado por pontos e linhas. A simplicidade da imagem faz com que seja análoga,
a o m e n o s aparentemente, a grande parte dos processos sócio-espaciais da
contemporaneidade e a muitas análises das relações sócio-espaciais do passado. A
simplicidade da analogia transformada em metáfora da representação espacial
configura-se no modelo analítico de um número considerável de estudos em
sociologia, economia, geografia e demais ciências sociais. Porém, essa forma de
representar o espaço dá conta de analisar as inter-relações lugar-mundo e
conseqüentemente homem-meio, sociedade-natureza, temas caros à Ciência
Geográfica?
Percebe-se que já na nascente geografia alemã o lugar, como escala e
categoria de análise, conforma-se como conceito-chave para a ciência geográfica.
Mas é na França que a importância do lugar aparece de forma determinante e
condiciona uma longa tradição na geografia do século XX. Vidal de la Blache é sem
dúvida o marco desta discussão, pois cunha no livro “Princípios de Geografia
Humana” a definição de geografia como a “ciência dos lugares”. O lugar, para este
autor, é a escala adequada para se observar, descrever e analisar as diferentes
possibilidades de ação humana no seu meio. É lá que se pode observar a liberdade
de escolha (limitada pela técnica) de ação do homem sobre o meio. Estas diferentes
possibilidades de escolha de ação conformam sociedades espacialmente
específicas. Para analisá-las, La Blache constrói o conceito de “gênero de vida”, que
descreve o resultado no tempo das escolhas espaciais que conformam um grupo
social específico. O lugar na obra vidaliana é a escala e categoria analítica
primordial.

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No pós-primeira guerra mundial a forma de fazer geografia estabelecida por
La Blache encontra fortes críticos não só com relação ao método (observação e
descrição), mas também à escala proposta pela Geografia Quantitativa; em 1939
Richard Hartshorne publica o livro “A natureza da geografia” no qual considera que o
objetivo do estudo geográfico é analisar as inter-relações entre as áreas. Para este
autor a delimitação da área fica a critério do pesquisador, devendo-se considerá-la
como uma categoria analítica, e não necessariamente empírica.
Este livro de Hartshorne volta a suscitar, principalmente na Geografia
Regional, o debate acerca da escala específica que singulariza os estudos
geográficos. Qual a escala específica que conforma a geografia como ciência
autônoma distinguindo-a das demais ciências sociais? Esta questão gera ao longo
do século XX um dos debates mais frutíferos e interessantes das ciências sociais e a
conclusão dada pelos geógrafos – depende do objeto de análise – permite uma
maleabilidade analítica que torna a geografia única, sendo a sua especificidade
como ciência social a primazia do objeto sobre o método.
Sandra Lencioni, no livro “Região e Geografia”, de 1999, retorna a este
debate de maneira muito interessante, apontando que a geografia regional é a
análise da relação do todo com as partes. Desta interpretação da construção da
geografia pode-se dizer que a geografia é uma ciência de síntese das inter-relações
da parte em si e dela com o todo. Sendo que o todo, tal como nos ensina Milton
Santos, não é a somatória das partes nem o mundo a soma dos lugares. A
concretude das partes materializa-se nos lugares, que comportam em si elementos
de sua especificidade (delimitando-o s c o m o partes) e elementos do todo
(expressando na parte formas e conteúdos do todo). Esta análise de Milton Santos o
leva a configurar as categorias de fixos e fluxos que descrevem as relações das
partes no todo, ou dos lugares no mundo.
Estas categorias inserem Santos no debate de sua época: o da representação
espacial em rede, porém com uma especificidade que permite uma leitura geográfica
deste modelo. Tal especificidade é oriunda da influência de Henri Lefebvre na
construção do pensamento de Milton Santos, principalmente na configuração da
categoria de cotidiano.
Henri Lefebvre elabora, principalmente nas obras “Espaço e Política”; “Crítica
da Vida Cotidiana: Fundamentos de uma sociologia do cotidiano” volume II e “A
produção do espaço”, a categoria de cotidiano como central para a análise da
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sociedade moderna que ele denomina de Sociedade Burocrática de Consumo
Dirigido. Para Lefebvre é no cotidiano realizado no lugar que se pode observar as
racionalidades e irracionalidades da sociedade moderna. O lugar comporta essas
racionalidades e irracionalidades, pois elas ficam marcadas no espaço tanto pela
ausência quanto pela presença de seus termos racionais e irracionais. Para Lefebvre
o modo de produção capitalista sai do local de trabalho e invade todos os âmbitos da
sociedade, e o cotidiano mais banal (aparentemente) retrata e é configurado pela
modernidade: por isso o lugar, palco do cotidiano, é lócus privilegiado para análise.
Para poder entender melhor a afirmação destes autores é necessário
aprofundar a análise do século XX e entender os conceitos de globalização e
mundialização. Os dois principais autores nesta discussão oferecem visões
diferentes, mas não contraditórias. No livro “O longo século XX”, tomando como
ponto de partida o conceito de longue durée de Fernand Braudel, Giovanni Arrighi
analisa os ciclos de acumulação financeira como determinantes na construção da
modernidade no século XX. Para este autor, o processo de modernização pode ser
analisado como uma dinâmica de ascenção-estabilização-declínio de acumulação
financeira. O século XX tem início com o final do ciclo de acumulação inglesa (do
final do século XIX à Primeira Guerra Mundial) e inclui mais dois ciclos de
acumulação financeira: dos anos 1950/60 e 1990. Arrighi considera que os ciclos
ficam, tendencialmente, mais curtos em termos de duração e mais agudos em
termos de rapidez e quantidade de recursos financeiros adquiridos. Esta rapidez e
profundidade do ciclo fizeram com que a mundialização financeira ocorrida no final
dos anos 80 e na década de 90 parecesse como algo único na história que ganhou o
nome de globalização. Nesta mesma perspectiva, em “La mondialisation du Capital”
Chesnais discute a mundialização dos mercados, principalmente dos financeiros,
como determinante da sociedade contemporânea.
Já Eric Hobsbawn - no livro “A era dos extremos: o breve século XX” - discute
menos a esfera econômica da mundialização e parte para a análise da rapidez com
que os lugares foram interconectados e acoplados à modernidade capitalista. Esta
rapidez extrapolou os mercados e empresas e tomou conta do cotidiano e cultura
das sociedades diferentes.
Longa, tal como sugere Arrighi, ou breve, tal como descreve Hobsbawn, a
mundialização tornou-se tema central na produção acadêmica em ciências sociais
na década de 90. E parte integrante desta discussão é a temática da relação que os
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lugares mantém com o mundo. Por um lado, muitos autores neste período
postulavam o fim da importância dos lugares, pois a nova era da informação digital e
o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação e transporte a negariam.
Por outro lado, as relações sociais necessitam materializar-se, e em algum local tal
materialização ocorre, configurando lugares específicos.
Diversos estudos empíricos mostram essa contradição. Um trabalho
importante de uma não-geografa para o campo da geografia, especificamente para a
Geografia Urbana, é o de Saskia Sassen. Sassen cunha o conceito de “global cities”
para analisar a realidade de algumas cidades do mundo. Estas cidades, dentre as
quais Nova Iorque, Tokyo, Londres, São Paulo, se inserem na economia global
estando interconectadas por cabos de fibra ótica e satélites. A autora mostra como
áreas dessas cidades, principalmente os centros financeiros guardam m a i s
proximidade entre si que com as áreas fisicamente próximas na própria cidade. A
metáfora da rede cabe perfeitamente para a sua descrição das cidades globais. A
análise de Sassen permite também perceber os limites deste modelo, afinal os
lugares não conectados aparecem como vazios, como fora do mundo.
De fato, a análise econômica trata os lugares não conectados mundialmente
como vazios. Não só grandes centros urbanos, mas também o campo. É sintomático
que Celso Furtado, no clássico “Formação Econômica do Brasil”, analise no capítulo
15 a regressão econômica das áreas decadentes dos ciclos econômicos (a
regressão à subsistência) como irrelevante para a análise da formação econômica
do Brasil. Ou o lugar está conectado com a economia mundial (a cana e o café no
caso de Furtado e os mercados financeiros no caso de Sassen) e por isso funciona
como um “nó” na rede, ou está nos vazios, ausente, como diria Lefebvre.
Esta análise sugere que a representação do espaço em rede é insuficiente
para compreender e analisar as relações dos lugares com o mundo e a
conseqüentemente as relações homem-meio, sociedade-natureza. Quando porém a
representação espacial em rede é pensada na perspectiva geográfica a questão da
delimitação do objeto de estudo e da escala adequada para a análise permite que a
idéia de organização sócio-espacial em rede ganhe contornos específicos. A
determinação do objeto de estudo e a conseqüente delimitação da área (uma
geografia a la Hartshorne) permite que o uso da metáfora da rede seja frutífero para
se compreender as inter-relações lugar-mundo e participar desta forma no debate
contemporâneo nas ciências sociais: afinal, a sociedade é organizada em rede?
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O estudo da rede urbana no Amazonas, em especial na calha do rio
Solimões-Amazonas devido as suas peculiaridades físicas, principalmente o regime
hidrológico e dos meios de transporte (fluvial), possibilita uma base empírica
interessante para dar substância à análise da categoria rede. A partir da análise de
determinados arranjos institucionais percebe-se que a rede urbana deve ser sempre
conjugada no plural, como redes, pois as diversas relações materializadas nos
diferentes fluxos de informação, de mercadoria, de instituições, de pessoas criam um
conjunto de redes que sobrepostas formam o que costumamos chamar de rede
urbana. A maneira e a intensidade pela qual as cidades participam deste processo
as colocam em posições hierárquicas diferenciadas, porém importantes para a
constituição do todo. A tipologia e conseqüente desenho de rede proposto por esse
estudo possibilita uma análise, baseada no materialismo histórico-geográfico
(Harvey, D. 2004), das relações socioespaciais constituídas neste território, o que
por sua vez permite uma compreensão da adequação, ou não, de determinadas
políticas públicas (urbanas) na região. Neste sentido, a descrição e análise da rede
urbana permite uma melhor compreensão das possibilidades existentes de alteração
da realidade urbana e subsidiam territorialmente a adequação de políticas urbanas
voltadas para a construção da cidadania. Assim, a idéia de sociedade em rede
obtém conteúdo emancipatório.

A Rede Urbana: Definição de Cidades Médias e Limites para a Análise da


Região Norte

Os estudos e discussões sobre cidades médias não são recentes no Brasil,


remontam a década de 1970, quando ocorreram as primeiras tentativas de
abordagem do tema, tendo quando o principal elemento para a determinação do
porte de uma cidade era apenas o critério demográfico. Segundo Sposito (2001),
nesse período eram consideradas cidades médias aquelas com população urbana
entre 50.000 e 250.000 habitantes. Mais recentemente, esse número foi elevado
para cidades com população entre 100.000 e 500.000 habitantes. No entanto,
estudos mais atuais propõem novos conteúdos teóricos-conceituais buscando
identificar o papel funcional dessas cidades na rede urbana. Distanciamento de
áreas metropolitanas, situação geográfica favorável, capacidade de retenção da

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população migrante e estrutura para ofertar bens e serviços são características que
figuram, segundo Pereira (2004), entre os atributos para uma nova definição do que
seja uma cidade média.
Pontes (2001), por sua vez, propõe um conjunto de procedimentos para
investigação das cidades médias, sendo os mesmos dimensionados em dois eixos
estruturadores - critérios espaciais que relacionam a cidade com a região e critérios
intra-urbanos que permite definir o perfil urbano. Já Amorim Filho (2002) procura
sugerir uma conceituação baseada na presença de atributos temporais, hieraquicos
e de escala.
Entretanto, ainda segundo as postulações de Pereira (op. cit.), do ponto de
vista regional esse debate guarda especificidades que precisam ser entendidas e
explicadas, a partir de questões como: qual o papel que cumprem as cidades médias
no desenvolvimento sócio-espacial urbano da Amazônia? Quais fatores foram
definidores para que se constituíssem como cidades m é d i a s? Quais as
características intra-urbanas relacionadas a essa condição? Estas são as questões
orientadoras para o estudo aqui proposto.
Nessa ampla seara, este autor aponta ainda duas questões que merecem ser
observadas: a primeira, referente ao fato de que na Amazônia as cidades médias
constituem-se em novos vetores de crescimento econômico e demográfico sem, no
entanto, afetar a primazia da metrópole; a segunda, diz respeito ao fato de que
diferentemente das cidades do Centro-Sul do País, o dinamismo econômico e à
estruturação intra-urbana das cidades na região Norte não estão relacionados ao
patamar demográfico alcançado por essas cidades nas últimas décadas, mas
principalmente à capacidade que possuem de responder às demandas regionais,
seja do ponto de vista do capital, seja do ponto de vista da força de trabalho,
tornando-se importantes nós de articulação de redes técnicas e de fluxos, tanto no
contexto municipal quanto no contexto da mesorregião da qual fazem parte.
Estudos recentes, como de Ribeiro (2001), indicam uma caracterização dos
núcleos urbanos na Amazônia que busca identificar o papel que cada um deles
cumpre na rede urbana regional. Segundo sua proposta, esses núcleos apresentam
características funcionais complexas, ou seja, desempenham múltiplos papéis,
relacionados a três tipos de interações espaciais geradoras de rede – a de
produção, a de distribuição (difusão) e a de gestão (decisão).

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Este conjunto de discussões e estudos geram um amplo leque de
possibilidades de arranjos de variáveis que podem compor uma metodologia para o
estudo do urbano na Amazônia.

Tipologias de Cidades Médias no Amazonas

Aprofundando a escala de análise para o estado do Amazonas e tendo por


base os totais populacionais registrados pelo Censo Demográfico de 2000 (IBGE)
por municípios, a partir de parâmetros demográficos para classificação das cidades
em pequenas, médias e grandes, percebe-se que, considerando os critérios que
perduraram até o ano 2000, havia 5 (cinco) cidades médias no estado – Parintins,
Autazes, Manacapuru, Coari, Tefé – todas localizadas na calha dos rios Solimões e
Amazonas. Já ponderando os valores pela categorização adotada após 2000,
existiriam no estado somente cidades de pequeno porte, à exceção de Manaus, que
seria enquadrada como cidade de grande porte.
A apreciação desde quadro por si só reafirma a necessidade de associar o
critério demográfico de definição das cidades a outros, de ordem histórica,
econômica, social e de funcionalidade, na perspectiva de mitigar a realização de
análises errôneas e/ou equivocadas sobre o papel real que algumas cidades do
Amazonas exercem, especialmente aquelas localizadas na calha dos rios Solimões
e Amazonas. Deste modo, como assinala Amorim Filho (1976) ao analisar cidades
médias, mesmo que o primeiro critério seja ainda o demográfico, este é apenas
capaz de identificar o grupo ou a faixa aos quais a cidade pertence. Analisar o dado
demográfico de maneira abstrata pouco informa sobre o papel desempenhado na
hierarquia da rede urbana do estado do Amazonas, principalmente quando se
considera a brutal diferença entre os dados de Manaus, com uma estimativa de 01
milhão e 700mil habitantes em 2005, e os da segunda maior cidade do estado,
Parintins, com menos de 100mil. Ao abstrair Manaus da comparação percebe-se ao
longo da calha dos rios Solimões e Amazonas dois grupos distintos de cidades: o
das que estão com população acima dos 50mil e o das que estão abaixo deste
número. Mesmo considerando esta diferenciação seria demasiado simplista
classificar as cidades com mais de 50 mil habitantes como cidades médias e as
demais como cidades de pequeno porte, pois percebe-se em uma análise mais

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detalhada do perfil urbano de cada cidade e de sua inserção na rede urbana que a
tipologia e a classificação em média ou pequena não é quantitativa em termos
demográficos, mas sim relacional em termos de atuação na estruturação da rede
urbana da região.
O presente texto visa propor uma tipificação que incorpore estes parâmetros
relacionais, pois considera que é necessário compreender o papel de cada cidade
na estruturação da rede urbana para se elaborar políticas públicas urbanas
específicas para a região, sem as quais a possibilidade de desenvolvimento, aqui
entendido de acordo com Sen (2000) como liberdade das pessoas que habitam
estas localidades e sustentabilidade da vida nelas, fica reduzida a padrões
homogêneos que não modificam as estruturas sociais.
Na tentativa de construir uma tipologia da rede urbana para o estado do
Amazonas, delimitou-se um conjunto de arranjos institucionais que poderiam, se
analisados conjuntamente, estabelecer uma hierarquia urbana que fosse para além
das definições usualmente utilizadas para definir a tipologia urbana. Os arranjos
institucionais e os dados analisados são os seguintes:

Quadro 1: Arranjos Institucionais


Arranjos Institucionais Dados Coletados
Dinâmica populacional Dados populacionais, pirâmide etária e estimativas populacionais
coletados em fontes secundárias, principalmente IBGE.
Variáveis históricas Origem da cidade; mapas históricos; cronologia; descrição da estrutura
de poder; iconografia comparativa (fotos atuais com imagens do passado)
Relações intra e Fluxos de comércio e de transporte.
interurbana
Serviços e comércio Telefonia (fixa, celular, telefones públicos); rádio (AM, FM, livres); antenas
de telecomunicações; pr o v e d o r e s d e internet. C omercialização de
alimentos (supermercados, mercadinhos, feiras, mercados municipais,
feiras do produtor). Comercialização de insumos para a construção civil
(casas comerciais, regatões, flutuantes).
Tendências Fabricas e indústrias locais; sistemas agropecuários; extração mineral.
locacionais das
atividades produtivas
Arrecadação de Cesta de impostos municipais arrecadados (IPTU, ICMS); repasses
impostos recebidos (estadual e federal); royalties.
Insumos para a Cesta F o i r e -estruturada a cesta básica de alimentação organizada pelo
Básica Regionalizada CODEAMA e coletado o preço dos produtos ao longo da calha, visando
elaborar um indicador de preço da cesta básica ao consumidor final.
Índice da construção Elaborou-se uma cesta de insumos para a construção civil (madeira,
civil areia, seixo, telha, tijolos) com coleta de preços nas cidades ao longo da
calha.
Produtos extrativistas Forma de organização (associação/sindicato); produção; comercialização
e preço de produtos extrativistas não madeireiros.
Movimentos sociais, Sindicatos; associações; ONGs; instituições religiosas.
ONGs e práticas
religiosas

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Infra-estrutura urbana Dados de saúde (leitos, tipos de hospitais, postos de saúde, centros de
diagnose de malária, médicos e odontólogos, destino dos resíduos de
serviços de saúde); educação (escolas de ensino fundamental, médio e
superior; professores, bibliotecas escolares); segurança pública (número
e t i p o de delegacias, fóruns, cartórios, assistência jurídica, varas,
ocorrências mais freqüentes); hotelaria, funerárias, dados relativos à
presença das forças armadas; sistema financeiro (agências bancárias,
lotéricas, banco postal, banco popular, financeiras, seguradoras); sistema
de fornecimento de água e energia; saneamento básico.
Fluxo de transporte Transporte interurbano (carga e passageiros, rotas, freqüências, preço) e
transporte intra-urbano (tipos, quantidade e forma de organização)

Percebe-se que os arranjos institucionais e a análise dos dados coletados


permitem compreender o perfil urbano de cada uma das cidades, e assim entender a
sua interação na rede urbana que se estabelece ao longo da calha do rio Solimões-
Amazonas, o que por sua vez permite propor uma tipologia para as cidades lá
localizadas.
Os dados aqui relacionados são objeto da pesquisa “As cidades e os rios:
tipificação da rede urbana na calha dos rios Solimões-Amazonas” e estão e m
processo de coleta e sistematização em um banco de dados georeferenciado que
permitirá uma análise espaço-temporal da rede urbana nesta localização.

Aspectos Metodológicos do Estudo da Rede Urbana no Amazonas

A linguagem da globalização nega qualquer forma de autonomia para o


desenvolvimento urbano, subestima a capacidade individual de cada cidade de
definir novas possibilidades de viver no urbano e torna impossível vislumbrar saídas
alternativas para a trajetória capitalista da globalização/urbanização. Neste sentido,
a base teórica encontra-se na teoria do materialismo histórico-geográfico (Harvey,
2004), cujo enfoque reside no entendimento da produção do espaço urbano,
articulando-o às relações sociais de produção que, por meio do conhecimento
acumulado sobre o espaço vivido, criam por sua vez as possibilidades de
permanência e de ruptura. Trata-se de um terreno no qual o espaço-tempo, lugar e o
ambiente não podem ser separados um do outro nem tratados como mera
abstrações fora das condições concretas da história e geografia. Aqui, neste ponto
de intersecção, a teoria do materialismo histórico-geográfico está pronta para ser
aplicada, o que significa uma mudança do discurso da globalização ou da
comunidade para a linguagem do “desenvolvimento espaço-temporal desigual” ou
simplesmente “desenvolvimento geográfico desigual”.

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Harvey (1996) focaliza a idéia de desenvolvimento geográfico desigual nas
condições concretas histórico-geograficas nas quais a ação sócio-ecológica é
possível e na maneira como a ação humana pode transformar as condições sócio-
ecológicas. O conceito de desenvolvimento geográfico desigual captura: o
palimpesto das relações sócio-ecológicas historicamente sedimentadas no lugar; o
mosaico multicamadas e hierarquicamente ordenado das configurações sócio-
ecológicas (e desejos) que ordenam aquele espaço; o movimento muitas vezes
caótico dos fluxos sócio-ecológicos (particularmente sob condições do capital e da
migração) que produzem, sustentam e dissolvem as diferenças geográficas com o
passar do tempo.
A urbanização é uma manifestação do desenvolvimento geográfico desigual
em uma certa escala (HARVEY, D. 1996:429). Na Amazônia esta escala inter-
relaciona, por meio de redes de comunicação e comércio, a macro e a micro escala,
o lugar e o mundo, e é permeada por um discurso e prática sócio-ecológicos
determinantes. O espaço na Amazônia, em especial o espaço urbano, configura
novas perspectiva s d e análise e prática fundamentada nas relações sócio-
ecológicas historicamente sedimentadas e em contínua mutação devido à expansão
das diversas redes interconectadas.
Assim, o espaço é compreendido não só como local onde ocorrem as ações,
mas como o local geográfico da ação (LEVEBVRE, 1986). Nesta visão existe a
possibilidade de compreender os vários produtores do espaço urbano (CORRÊA,
2002) e o modo como ocorre a produção, a circulação e o consumo de bens e
serviços e a partir desta compreensão definir a tipologia das cidades que compõem
a rede urbana sócio-ecológica. Portanto, a rede urbana será aqui considerada como
o conjunto de centros urbanos funcionalmente articulados entre si, algo socialmente
produzido, historicamente contextualizado, cujo papel principal é articular a
sociedade numa dada porção do território. As cidades não se constituem numa rede
funcional em si, mas para si. Quem se estabelece em rede é a sociedade, que tem a
cidade como base desse processo, sendo essa a escala da analise.

RESULTADOS: Uma Tipologia de Rede Urbana para o Amazonas

A análise integrada dos arranjos institucionais pesquisados para as cidades


localizadas a longo da calha do rio Solimões-Amazonas permiti identificar d ois

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grupos distintos de cidades, com diferenciações internas (quadro 2), no que se
refere a construção de uma tipologia e hierarquização urbana.

Quadro 2: Tipologia proposta


TIPOLOGIA
CARACTERÍSTICAS CIDADE
CIDADES MÉDIAS
Exerce uma função na rede que vai além das suas
CIDADES MÉDIAS DE características em si, pois detém uma responsabilidade
RESPONSABILIDADE territorial que a torna um nódulo importante internamente Tabatinga
ii
TERRITORIAL na rede. Exerce diversas funções urbanas e contém Tefé
arranjos institucionais que são importantes não só para o Manacapuru
município, mas para as cidades e municípios ao seu Parintins
redor. A importância territorial da cidade tem origem no Itacoatiara
desenvolvimento histórico-geográfico que constituiu a
rede urbana nesta região. O desenvolvimento econômico
desta cidade tende a agregar valor na região.Ainda nesta
tipologia deve-se incluir a variável “de fronteira” pois a
dinâmica das cidades localizadas na fronteira as difere
das demais tanto em termos de perfil urbano
principalmente devido ao papel exercido pelas forças
armadas quanto com relação as redes que se
estabelecem.
Tem importância na rede por sua inserção em uma
CIDADE MÉDIA COM dinâmica econômica externa, os vínculos com as demais
DINÂMICA cidades na rede não são necessariamente fortes, nem o
ECONÔMICA seu desenvolvimento econômico implicará em um Coari
EXTERNA desenvolvimento regional significativo, pois a atividade
econômica responsável pelo seu desenvolvimento não
agrega valor nem no local nem regionalmente.
CIDADES PEQUENAS CARACTERÍSTICAS CIDADES
CIDADES PEQUENAS Exerce uma função intermediária, entre os fluxos de
DE transporte e comercialização, entre as cidades médias e Benjamin
RESPONSABILIDADE as demais cidades pequenas e aglomeradas Constant;
TERRITORIAL humanos.As cidades de fronteira também devem ser Fonte Boa;
consideradas nesta tipologia de forma diferenciada pois Santo Antônio
exerce um papel específico e constitui redes de relações do Içá
próprias.
CIDADES PEQUENAS Tem sua economia voltada para a exportação de algum
COM DINÂMICA produto (mineral, agropecuário, extrativista, ou de Iranduba
ECONÔMICA pequena indústria) para a cidade de porte grande, neste Codajás
EXTERNA caso Manaus. É pouco relevante na manutenção da rede
urbana da calha.
Pela ausência de infra-estrutura que possibilite Amaturá;
CIDADES PEQUENAS exercerem plenamente as funções urbanas e por sua Alvaraes;
DEPENDENTES localização geográfica que torna mais complicada a Santo Antônio
relação delas com a calha central do rio, tornam-se do Içá;
dependentes das cidades médias e pequenas de Uarini; Anori;
responsabilidade territorial. Tonantins;
Silves;
Urucurituba;
Anamã; Jutaí;
Careiro da
Várzea;
São Paulo de
Olivença;
Urucará

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Associado aos critérios demográficos tradicionais, a distribuição espacial de
variáveis como infra-estrutura de serviços (por exemplo: transporte – figuras 1 e 2 e
comunicação – figura 3); e, disponibilidade de equipamentos de saúde (figura 4),
segurança e do setor financeiro (figuras 5 a 8) tornou evidente as diferenças entre o
alto (rio Solimões) e baixo (rio Amazonas) curso da calha, sendo as cidades situadas
na calha do Amazonas e aquelas do Solimões próximas a Manaus (Iranduba e
Manacapuru) as que apresentaram maior quantidade e diversidade de serviços.

Figuras 1 e 2

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Devido às características do estado do Amazonas com relação à infra-
estrutura de transporte, fortemente dependente do transporte hidroviário, as figuras
acima, em especial a de numero 1, refletem bem a idéia de cidade média de
responsabilidade territorial tal como é o caso de Tefé e Tabatinga.
Figura 3
Cidades da Calha Solimões-Amazonas – Total de empresas de telefonia móvel celular por municípios - 2007

A disponibilidade de serviços de comunicação segue o padrão apresentado


pela distribuição geográfica das empresas de telefonia móvel.
Figura 4

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No caso das cidades Pólos em Serviços de Saúde percebe-se que a rede
urbana se estende para além dos rios determinados.
Figuras 5,6,7 e 8
Cidades da Calha Solimões-Amazonas – Total de população e de agências por município - 2007

Cidades da Calha Solimões-Amazonas – Total de agências por banco - 2007

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Cidades da Calha Solimões-Amazonas – Total de Caixa Aqui - 2007

Cidades da Calha Solimões-Amazonas – Total de Loterias - 2007

As figuras acima apresentadas reiteram a tipologia proposta e apontam para


uma diferenciação de rede urbana entre o rio Solimões e Amazonas. Esta
diferenciação p o d e , neste primeiro momento, ser justificada pelo processo de
desenvolvimento histórico-geográfico e pelo posicionamento das cidades localizadas
ao longo do rio Amazonas entre as duas metrópoles regionais do norte do país –
Manaus e Belém.
A analise do conjunto dos arranjos institucionais que permitiu definir a
tipologia de cidades de responsabilidade territorial é interessante, pois possibilita
compreender as articulações específicas entre estas e as demais cidades da calha
(Figura 9). Esta tipologia é importante no estudo das cidades no Amazonas, e
conseqüentemente na Amazônia, pois permite resgatar a importância do urbano em
cidades que se julgadas pelos critérios correntes não se perceberia sua importância
e desapareceriam do mapa.

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Figura 9

Manaus

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Referências Bibliográficas

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SEPLAN, 1976.
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i
Este artigo é resultado parcial das seguintes pesquisas “As cidades e os rios: tipificação da rede
urbana na calha do rio Solimões-Amazonas” financiado pela FAPEAM pelo PGCT/06; “Acesso à
informação e a sustentabilidade urbana na Amazônia: um sistema de informação para as cidades
localizadas na calha dos rios Solimões e Amazonas” financiado pela FAPEAM pelo Programa de
infra-estrutura para Jovens Pesquisadores - Primeiros Projetos -2007 e “Tipificação da rede urbana
na Amazônia: um estudo para as cidades localizadas na calha do rio Solimões-Amazonas” financiado
pelo CNPq Edital MCT/CNPq50/2006. Todos coordenados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas das
Cidades da Amazônia Brasileira – NEPECAB, vinculado ao Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Amazonas.
ii
O termo responsabilidade territorial utilizado neste sentido é oriundo da palestra do geógrafo Jan
Bitoun “Observar em redes: implicações políticas, geopolíticas e técnico-científicas” realizada no
Seminário Internacional Cidades na Floresta, em 01 de dezembro de 2006, Belém.

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