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COMISSÃO JULGADORA
Introdução 000
Capítulo 1
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA ESQUERDA BRASILEIRA
EM UMA SOCIEDADE EM FORMAÇÃO
000
1.1 – A formação de uma nova conjuntura social brasileira
Capítulo 2
A HISTÓRIA DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES — A FUNDAÇÃO (1979-1983) 000
2.1. O valor da democracia e o Socialismo Democrático 000
2.2. As eleições de 1982 000
2.3. Crise de identidade – a “articulação dos 113” 000
Capítulo 3
A HISTÓRIA DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES — O “ACÚMULO DE FORÇAS”
(1984-1989) 000
3.1. As principais lutas do PT 000
3.2. Os avanços na concepção do Socialismo Democrático 000
Plano de Ação Política e Organizativa do Partido dos Trabalhadores
para o período de 86/87/88 000
o
Resoluções Políticas do 5 . Encontro Nacional do Partido dos
Trabalhadores 000
o
Resoluções Políticas do 6 . Encontro Nacional do Partido dos
Trabalhadores 000
Capítulo 4
A HISTÓRIA DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES — A BATALHA (1990-1994)
000
4.1. Um olhar sobre os ombros: avanços da estratégia 000
o
Resoluções Políticas do 7 . Encontro Nacional do Partido dos
Trabalhadores 000
A Reforma Urbana e os posicionamentos acerca das
administrações petistas 000
BIBLIOGRAFIA 000
INTRODUÇÃO
1
Um dado importante é que essas considerações feitas para a Revolução Russa, respeitando é
claro as respectivas peculiaridades históricas, podem ser atribuídas à Revolução Chinesa e
também à Revolução Cubana.
2
Neste dois segmentos da sociedade um dado é importante, pois parte do contingente de
operários das cidades voltavam para os campos em épocas de colheita, e também grande parte do
efetivo do Exército era formada também pelos camponeses. Conferir : CARR, E. H. A Revolução
Bolchevique. Porto: Afrontamento. 1979. Vol. 2. p. 23 a 27.
denominação viesse acompanhada de divisão de terras. As condições
sociais e econômicas para a Revolução Russa estavam postas.
Como dissemos, na Rússia, além de uma “situação revolucionária”
existia uma “força revolucionária”. No entanto, tal força não possuía uma
organização endógena que emanasse dela própria, o que talvez explique a
rápida incorporação dos “sovietes” à estrutura do Partido. Daí a importância
de Lênin e do Partido Bolchevique — e do que se constituiria na concepção
de “vanguarda do proletariado”. Essa combinação de “situação
revolucionária” e “força revolucionária” não foi encontrada em nenhum outro
lugar além dos contextos históricos da Rússia de 1917, da China e de Cuba
em meados do século XX.
Em sociedades que experimentavam um maior desenvolvimento
capitalista, a concepção teórica de levar tais sociedades a uma revolução de
caráter socialista encontrou maiores obstáculos. Isto porque, em muitos
casos, existia um Estado que desde os fracassos das experiências liberais
passou a intervir mais profundamente na economia e, ideologicamente, na
sociedade. Outro motivo era a deficiência dos partidos revolucionários em
conceber um modelo eficaz para o desfecho da Revolução nessas
sociedades. A dificuldade desses partidos se deu principalmente pelo fato
das novas condições em que o partido teve que atuar, ou seja, da dificuldade
para o surgimento de condições para um “processo revolucionário” — devido
em muitos casos aos sucessos das intervenções dos Estados tidos como
“burgueses” — e da dificuldade para a formação de uma “força
revolucionária” formada por um público coeso de trabalhadores. Grande
parte desses partidos revolucionários, após a Revolução Russa, atuaram em
sociedades em processo de industrialização, que passaram por um aumento
construtivo e produtivo da economia capitalista. Assim, esses partidos se
depararam com um público de trabalhadores mais amplo e complexo do que
o encontrado por Lênin na Rússia de 1917.
Esse é o exemplo do PCB3, um Partido que pregava a revolução
social da ordem capitalista, diretamente ligado à matriz socialista da
Revolução Russa4, mas que, entretanto, se vinculava a uma sociedade
diferente da Rússia de 1917. O PCB deveria atuar em uma sociedade com
características que tornavam-se cada vez mais urbanas e industriais.
Uma característica da história do PCB foi que em nenhum momento
esse Partido chegou a ameaçar a ordem social mantida pelo Estado. Em
contrapartida, o PCB foi o partido ou instituição que, à frente do movimento
operário, mais perto chegou de uma ameaça à ordem social capitalista.
Nesse aspecto o PCB é inovador, entretanto, em vários momentos da
atuação do Partido, sua ação esteve condicionada às determinações do
movimento socialista internacional, materializado num primeiro momento nas
resoluções das Internacionais Comunistas e, num segundo momento, no
reflexo da política comunista internacional adotada pelo Partido Comunista
Soviético (PCUS).
3
Anterior ao surgimento do PCB o Brasil teve outras formas de atuação e concepções estratégicas
contra a ordem social existente no Brasil. Entretanto foi com PCB que a esquerda brasileira
começa a escrever sua páginas mais importantes da história. O início da atuação de organizações
de esquerda no Brasil remontam desde o final do século passado e início do Século XX, mas, as
principais experiência se deram em meio um Brasil moldados aos valores de uma sociedade em
processo de modernização e industrialização. As cidades com um maior desenvolvimento urbano e
com uma maior diversidade industrial no início do século, tais como o Rio de Janeiro e São Paulo,
já experimentavam reflexos de uma economia industrial, tais como as greves. Entorno desta forma
de ação, consagrada mundialmente pelo movimento operário, que se deu a principal forma de
contestação da classe operária à sua situação dentro da sociedade, e foi em relação aos sucessos
e fracassos destas que se orientaram as primeiras atuações da esquerda no Brasil, identificada
num primeiro momento (1900 até a fundação do Partido Comunista em 1922) pelo movimento
anarquista. Os anarquistas semelhante a matriz européia de pensamento não acreditava na
importância da luta política da classe trabalhadora, circunscrevendo a luta localizadas e a
influência do sindicato na condução das transformações da sociedade. Os socialistas durante este
período, semelhante a matriz européia, se destacam na atuação política em meio as classes
operárias, defendendo a importância da luta política na promoção de reformas capazes de
transformar paulatinamente o capitalismo promovendo o socialismo.
4
O PCB desde março de 1922 adotou todas as condições estabelecidas para a filiação à
Internacional Comunista. Dentre as 21 condições para filiação à Internacional, uma diz respeito à
ruptura com qualquer postura ou militante social-democrata e a adaptação do espírito da
Internacional Comunista às próprias realidades dos países a serem filiados: condição 15 – “Os
partidos que conservam até hoje os velhos programas sociais-democratas, devem revê-los sem
demora, e elaborar um novo programa comunista, adaptado às condições específicas dos seus
países, mas concebido dentro do espírito da Internacional Comunista. Os programas dos partidos
filiados na Internacional Comunista devem obrigatoriamente ser confirmados pelo Congresso
Internacional ou pelo Comitê Executivo. No caso de este último não dar o seu acordo ao programa
de um partido, este terá o direito de apelar para o Congresso da Internacional Comunista.”
Condições de Admissão dos Partidos na Internacional Comunista. In: Documentos: Os Quatro
Primeiros Congressos da Internacional Comunista. Edições Maria da Fonte, s/d. vol. 2.
Desde a sua fundação, em 1922, o PCB sofreu várias transformações
em seus quadros e em sua concepção de interação com a sociedade
brasileira para a promoção da revolução socialista. O PCB, na maior parte de
sua história, atuou na clandestinidade, sendo poucos os períodos em que
pôde apresentar-se publicamente. Um desses períodos, compreendido entre
1944 e 1946, pode ser considerado um divisor de águas na história do
Partido.
De 1922 à 1944, os comunistas do PCB encontraram em outras siglas
a possibilidade de atuação política contra a ordem social capitalista
encontrada no Brasil, sendo que isso ocorreu primeiramente com a criação
do BOC — Bloco Operário Camponês — em 1927. Esse refletia a concepção
de Frente Ampla, sendo os comunistas hegemônicos na luta do proletariado
contra a ordem social capitalista, usando a legalidade eleitoral como forma
de atuação política 5. A alternativa do BOC foi abandonada pela direção do
PCB em 1930, sendo esta forma de ação considerada “direitista” pelo
Secretariado Latino-Americano do Kormintern (Internacional Comunista).
Após alguns refluxos da luta operária, em decorrência da Revolução
de 1930, o PCB sofreu algumas transformações em sua composição interna,
5
Antes de se transformar em Bloco Operário e Camponês, a Carta Aberta lançada pelo PCB , fazia
alusão somente a um Bloco Operário, o Camponês foi incorporado posteriormente, mas o sentido
de uma frente eleitoral ampla já é demonstrado desde o início: “(...) o Partido Comunista do Brasil,
constituído pela vanguarda consciente do proletariado deste país, não podia deixar de participar
nas próximas eleições de fevereiro. Os interesses e as aspirações do Partido Comunista não são
diversos dos interesses e das aspirações do proletariado em geral. Pelo contrário, o Partido
Comunista é o único partido operário que verdadeiramente representa os reais interesses e as
aspirações totais da classe operária. É, pois, em nome da massa proletária, que o PCB se dirige,
nesta Carta aberta, às pessoas, aos partidos e aos centros acima mencionados, os quais, de uma
forma ou de outra, apresentam-se aos sufrágios operários como candidatos das classes laboriosas
e espezinhadas, cujos interesses dizem representar [...] É coisa muito fácil de compreender que a
participação no pleito eleitoral de todos esses candidatos e partidos, concorrendo uns contra os
outros, dispersivamente, só pode dar como resultado o enfraquecimento das forças operárias, que
todos eles pretendem representar. Enfraquecimento e dispersão não somente no terreno
estritamente eleitoral, aritmético, do pleito, mas sobretudo enfraquecimento e dispersão no terreno
político [...] É isto precisamente que nós vimos propor. O Partido Comunista, cônscio de que os
interesses supremos do proletariado devem ser postos acima das tendências desta ou daquela
facção política, propõe a formação de uma frente única, de um bloco operário de todos os
candidatos, partidos e grupos que vão disputar as próximas eleições alegando ou pleiteando
representação das classes laboriosas. O Partido Comunista não pretende concorrer com
candidatos próprios e de tal sorte dividir as forças operárias. O Partido comunista, que pleiteia a
vitória da política proletária independente, propõe, portanto, a concentração de todas as forças
operárias. O Partido Comunista está disposto a apoiar a campanha eleitoral dos candidatos e
demais grupos e partidos que aceitem travar a batalha em comum, na base de uma plataforma
comum, segundo um plano comum” Citado por: SEGATTO, José Antonio. Breve História do PCB.
2a. Edição. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989. p. 31 e 32.
principalmente em seus quadros dirigentes6, assumindo em 1935 outra
roupagem e apresentação, materializadas na ANL — Aliança Nacional
Libertadora — e na promoção de Luís Carlos Prestes como a principal
liderança desse Partido e de todo o movimento operário. A ANL foi um
reflexo das Resoluções do VII Congresso da Internacional Comunista, que
via na política de “Frente Popular” a principal forma de luta contra os avanços
do fascismo na Europa. No Brasil, a ANL ganhou proporções de grande
movimento de massas, o que provocou conclusões apressadas dos
comunistas 7 e serviu de subterfúgio para o Golpe de Estado de Getúlio
Vargas em 1937. O desfecho da ANL se deu na ilegalidade, quando do
sufocamento das insurreições em alguns quartéis militares, sendo que,
depois disso, o que se viu foi a construção de uma máquina política
estruturada que neutralizou o PCB e a esquerda durante a existência do
Estado Novo.
O período de 1944 a 1946 é especial na história do PCB, pois, ao
contrário de momentos anteriores em que o Partido obteve legalidade — pois
atuou boa parte do tempo de sua existência encoberto por nomenclaturas de
alianças — nesses curtos dois anos o PCB pôde se expressar para a
sociedade como ele realmente era, defender seus valores, propagar as suas
idéias. E, na verdade, foi exatamente isso que aconteceu. A imprensa do
Partido por todo o país ganhou um novo ímpeto, sendo que o processo de
6
Dentre estas transformações existiu a fase obrerista do partido em que se promoveu a maior
participação de operários entre seus quadros dirigentes e a adoção de certos símbolos
“romantizados” à condição de carência material pela qual atravessava a classe operária. Outra
transformação nos quadros do PCB foi a ingressão nos quadros dirigentes dos antigos “tenentes”,
que produziram uma mudança orgânica na composição dirigente do partido, sendo a principal
figura desta fase, e uma das mais importantes para a história do partido, o antigo líder da Coluna
Prestes, Luís Carlos Prestes.
7
Uma prova disto é o discurso um de Luís Carlos Prestes: “(...) O governo popular vai abrir para a
juventude brasileira as perspectivas de uma nova vida garantindo-lhe trabalho, saúde e instrução.
A força das massas, em que se apoiará tal governo, será a melhor garantia para a defesa do país
contra o imperialismo e a contra-revolução (...) Mas o poder só chegará às mãos do povo através
dos mais duros combates. O principal adversário da Aliança não é somente o governo pobre de
Vargas, são, fundamentalmente, os imperialistas aos quais ele serve e que tratarão de impedir, por
todos os meios, a implantação de um governo popular revolucionário no Brasil. Os mais evidentes
sinais da resistência que se prepara no campo da reação já nos são dados pelos latidos da
imprensa venal vendida ao imperialismo. A situação é de guerra e cada um precisa ocupar o seu
posto. Cabe à iniciativa das próprias massas organizar a defes a de suas reuniões, garantir a vida
de seus chefes e preparar-se, ativamente, para o assalto (...)” In: CARONE, Edgar. A Segunda
República. São Paulo: Editora Difel, 1973 p. 435 e 439. Apud. SEGATTO, José Antonio. Op. Cit. p.
47.
redemocratização prometido por Getúlio Vargas o impulsionava. Mas,
quando foi conquistada a oportunidade do Partido propagar seus valores,
esse caminhou no sentido de apoio e promoção do capitalismo no Brasil
como a melhor maneira de proporcionar melhores condições de vida à classe
operária e preparar as condições estruturais para o desfecho da Revolução.
Um exemplo desse posicionamento pode ser constatado em um
discurso do maior líder comunista brasileiro, Luís Carlos Prestes:
8
In: PRESTES, Luís Carlos . Os Problemas Atuais da Democracia. Rio de Janeiro: Editora Vitória,
1947. p. 83-86. Apud. SEGATTO, José Antonio., Op. Cit. p. 62 e 63.
9
Neste particular ou para essa ambigüidade do PCB conferir: PANDOLFI, Dulce. Camaradas e
companheiros: memórias e história do PCB. Rio de Janeiro: Relume-Dumará , 1995.
base será constituída pela força indestrutível da aliança operário-camponesa e
que virão juntar-se os intelectuais, cientistas, escritores, artistas, técnicos,
professores, pessoas de todas as profissões liberais; juntar-se-ão os
empregados do comércio, dos escritórios e dos bancos, os funcionários
públicos, as pessoas que trabalham por conta própria, os sacerdotes ligado ao
povo, bem como os soldados, marinheiros, cabos, sargentos e oficiais das
forças armadas. E ainda os artesãos, os pequenos e médios industriais e
comerciantes, bem como parte dos grandes industriais e comerciantes, que
também sentem a concorrência dos imperialistas norte-americanos e sofrem os
efeitos da política econômica e financeira do governo de latifundiário e grandes
capitalistas. Todos os que desejam uma pátria livre e poderosa, sejam quais
forem suas crenças religiosas, suas filiações partidárias, suas tendências
filosóficas, poderão igualmente ser ganhos para o lado da classe operária, para
10
as fileiras da frente democrática de libertação nacional.”
10
PRESTES, Luís Carlos. “Informe de Balanço do Comitê do PCB ao IV Congresso do PCB”.
o
Problemas, Rio de Janeiro, n . 64, dez/1954 a fev/1955. p. 67. Apud. SEGATTO, José Antonio.
Op. Cit. p. 83.
11
Na Declaração Política do PCB em março de 1958 a democratização da sociedade era colocada
nos seguintes pontos: “(...) Mas o processo de democratização é uma tendência permanente. Por
isto, pode superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente para adiante. Vem-se firmando,
assim, em nosso país, a legalidade democrática, que é defendida por amplas e poderosas forças
sociais [...] É na luta contra o imperialismo norte-americano e os seus agentes internos que as
forças progressistas da sociedade brasileira podem acelerar o desenvolvimento econômico
independente e o processo de democratização da vida política do país. Para atingir este objetivo,
as forças progressistas têm interesse em defender, estender e consolidar o regime de legalidade
constitucional e democrático.” Citado por: SEGATTO, José Antonio. Op. Cit. p. 91.
12
Levando em consideração a teoria das etapas do modo de produção, não bastava tomar o
poder, eles tinham que se dar conta de certas exigências que a sociedade possuía em relação à
economia e também ao consumo. Não bastava socializar a economia em uma sociedade atrasada
economicamente e socializar migalhas, mas criar condições de progresso para a existência do
proletariado, representando com isso, na maioria dos casos, o avanço do capitalismo, para
posterior socialização em níveis econômicos mais adiantados.
“(...) Os comunistas de modo algum condicionam a sua participação na
frente única a uma prévia direção do movimento. Tendo por objetivo a ampliação
e a coesão da frente única, os comunistas trabalham para que as forças
antiimperialistas e democráticas, principalmente as grandes massas da cidade e
do campo, aceitem a direção do proletariado, uma vez que esta direção é, do
ponto de vista histórico, a única capaz de dar à frente única firmeza e
conseqüência política. A conquista da hegemonia do proletariado é, porém, um
processo de luta árduo e paulatino, que avançará à medida em que a classe
operária forjar a sua unidade, estabelecer laços de aliança com os camponeses
e defender de modo acertado os interesses comuns de todas as forças que
13
participam da frente única.”
13
Citado em: SEGATTO, José Antonio. Op. Cit. p. 94.
14
Ibidem. p. 100.
Ao longo da primeira metade da década de 60, mudanças de cunho
político anunciavam que algumas das reivindicações do PCB começavam a
ganhar respaldo da política do governo, como, por exemplo a reforma
agrária15. O Estado manifestava sinais de abertura, inclusive com a
aproximação do governo brasileiro com governos socialistas. Entretanto, isso
não foi suficiente para o PCB desfechar a revolução da Frente Única
Democrática, pois, o Partido não soube tirar proveito desse grande momento
e não colocou em prática sua política revolucionária16, tornando-se incapaz
de despertar a resistência ao golpe militar de 1964.
A ditadura militar cuidou de anular o projeto político do PCB e passou
a constituir-se, para o Partido, em mais um inimigo a ser vencido, além do
imperialismo e do resquício feudal, pelo princípio da união democrática 17.
15
Outro análise acerca das ambigüidades do PCB, ou seja, a opção de participar dos meios
institucionais burgueses é feita por Segatto, que analisou da seguinte forma tal dilema após o
apoio do partido às reformas anunciadas pelo Governo Goulart: “As ‘reformas de base’, por sua
vez, seriam elemento fundamental de acumulação de forças para o desencadeamento da
revolução. Ou seja, ‘a luta pelas reformas de base constitui um meio para acelerar a acumulação
de forças e aproximar a realização dos objetivos revolucionários’. Reforma e revolução estariam
assim, indissoluvelmente ligadas, uma provocaria – e isso era inevitável – a outra. ‘Contrapor as
reformas à revolução – quer para considerá-las um fim em si, como fazem os reformistas, quer
para negar-lhes qualquer papel no processo revolucionário, como fazem os freseólogos ultra-
esquerdistas – é não perceber a correlação que existe entre elas, é não ter uma exata
compreensão das características da época histórica em que vivemos. Em nosso caso, a luta pelas
reformas de estrutura é, hoje, o principal meio de fazer avançar o processo revolucionário. A
conquista dessas reformas, independentemente dos fins que persigam os diferentes grupos
sociais, volta-se contra a espoliação imperialista e o atraso semifeudal. Entretanto, os efeitos que
dela resultam, naturalmente na medida em que a luta seja dirigida pelas forças de vanguarda,
atingem cada vez mais o capitalismo como sistema de exploração do homem pelo homem.’ (...)”
In: SEGATTO, José Antonio. Reforma e Revolução: as vicissitudes políticas do PCB (1954-1964).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 112 e 113.
16
Isso não quer dizer que a possibilidade de um golpe de força tenha sido descartada pelo PCB,
mesmo que esse golpe vinculasse a continuação de João Goulart na presidência da República,
pois a possibilidade de participação em uma frente ampla, lançada por Goulart, era acolhida com
simpatia pelo partido: “As relações do PCB com Jango torna-se tão estreitas, de um momento para
o outro, que Prestes, em janeiro de 1964, declara, em entrevista na televisão, as intenções
continuístas do presidente da República, para um segundo mandado, e uma possível reforma
constitucional. Na mesma entrevista, o Secretário-Geral do PCB admite que tanto Brizola como
Jango poderiam vir a desempenhar o papel que Fidel Castro desempenhou em Cuba.” Ibidem. p.
164.
17
“Na situação atual, nossa principal tarefa tática consiste em mobilizar, unir e organizar a classe
operária e demais forças patrióticas e democráticas para a luta contra o regime ditatorial, pela sua
derrota e a conquista das liberdades democráticas. A realização dessa tarefa está estreitamente
ligada aos objetivos revolucionários em sua etapa atual e ao desenvolvimento da luta de classe
operária pelo socialismo [...] O caráter prioritário da defesa das liberdades democráticas decorre da
necessidade de que as amplas massas intervenham na vida política e no processo revolucionário.
A luta pelas liberdades, desde os direitos de reunião, associação e manifestação, até a liberdade
de imprensa e de organização dos partidos políticos liga-se à luta de massas em todos os seus
níveis, das reivindicações mais elementares às batalhas decisivas pelo poder. Cada vitória,
pequena ou grande, ou mesmo derrota na luta pelas liberdades, incorpora-se à experiência de luta
que levará as massas a avançar em seus objetivos, formar e prestigiar suas organizações e seus
Mas, a intensificação da repressão após o AI-5, levou o PCB a lutas
fragmentadas e ao desma ntelamento de seus órgãos de direção e
militância18. Muitos militantes do Partido se transformaram, posteriormente,
em líderes de organizações guerrilheiras, levando essa forma de ação como
a mais nova via de luta pelo socialismo por uma parte da esquerda. Essa
resistência guerrilheira foi a forma de ação de alguns grupos de esquerda
para tentar vencer a ditadura num campo comum às duas forças: as armas.
A forma de ação através da guerrilha foi impulsionada na América,
principalmente, pelo exemplo da Revolução Cubana, sendo que Cuba
representou um centro de treinamento para tal atividade política. O PCB
manteve-se reticente em relação à luta armada19, o que foi motivo para
alguns de seus militantes o abandonarem, ou para que o Partido cuidasse de
suas expulsõ es.
Todos os grupos guerrilheiros e seus principais líderes foram
completamente liquidados. Muitos foram mortos, exilados ou desapareceram.
Isso fez da luta armada uma pequena página, um curto período da história da
esquerda no Brasil.
líderes, intervir decisivamente nas ações políticas que conduzirão à derrota do regime ditatorial.” –
Resolução Política do VI Congresso do PCB (1967); citado por: SEGATTO, José Antonio. Breve
a.
História do PCB. 2 Edição. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989. p. 117 e 118.
18
Segatto definiu a derrota do PCB para a ditadura militar da seguinte forma: “O Revés do PCB
em abril de 1964 não foi episódico, como também não foi, simplesmente, mais uma batalha
perdida ao longo de sua extensa trajetória de lutas. Significou, isto sim, a derrota definitiva de seu
projeto nacional-democrátrico ou de revolução democrático-burguesa, que acompanhava e
perseguia desde seu nascimento. A ditadura militar, ao completar e realizar de forma plena e
radical o processo (autoritário e excludente) da revolução burguesa no Brasil, matou o projeto
pecebista – e este deixou de ter sentido de ser e existir.” In: SEGATTO, José Antonio. Reforma e
Revolução: as vicissitudes políticas do PCB (1954-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1995. p. 248.
19
A resistência armada foi vista com negatividade por parte do PCB, um exemplo disto é o
posicionamento de Luís Carlos Prestes frente a esta opção: “Não será somente com atos de
repercussão, sem a participação das massas, que se vencerá a ditadura. Não é fazendo barulho
apenas que conseguiremos derrotá-la. Para tanto não bastam nem o dinheiro dos bancos, nem as
armas arrancadas dos quartéis ou tomadas aos soldados e policiais, nem a libertação de presos e
condenados políticos [...] Ações desse tipo, tornam inútil a organização dos trabalhadores, tiram
aos operários a vontade de unir-se, de agir de maneira autônoma, desde que dispõem de heróis
a
que podem agir por eles.” In: SEGATTO, José Antonio. Breve História do PCB. 2 . Edição. Belo
Horizonte: Oficina de Livros, 1989. p. 121.
Como analisamos anteriormente, o PCB surgiu numa sociedade em
processo de desenvolvimento urbano, sendo esse semelhante ao de outras
grandes metrópoles européias. Foi, principalmente, essa característica da
sociedade brasileira que gerou grandes percalços na aplicação de ações de
cunho revolucionário por parte do PCB.
O partido revolucionário foi o elemento central de toda a concepção
de revolução comunista, pois, era ele que conduziria as transformações da
sociedade — "a vanguarda do proletariado".
A principal forma de controle dos ideais comunistas nas sociedades
capitalistas — ou em processo de desenvolvimento — foi a perseguição ao
principal “meio” de condução ao socialismo, ou mais propriamente, ao partido
revolucionário, materializado, em muitos casos, no Partido Comunista.
Em diferentes países, o Partido Comunista representou um perigo
iminente pelo fato de pregar uma revolução via tomada do Estado e por estar
vinculado ao Partido Comunista Soviético. Os PCs latino-americanos tiveram
resultados inexpressíveis em suas ações de cunho revolucionário devido a
fatores como a forte repressão do Estado e a falta de uma concepção teórica
melhor elaborada para a condução da Revolução no Terceiro Mundo.
No Brasil, um dos grandes referenciais da esquerda durante o século
XX foi o desenvolvimento econômico do país e o processo de urbanização da
sociedade com todos os valores adotados nesse desenvolvimento. A
formação de uma consciência de classe, procurada no proletariado brasileiro,
dependeu estreitamente dos rumos tomados por esse desenvolvimento e dos
valores adotados pelo Estado no processo de modernização da sociedade.
Além disso, o proletariado brasileiro nunca conheceu uma configuração
social, política e econômica em que se pudesse enxergar uma “situação
revolucionária”, uma convulsão social como a encontrada por Lênin na
Rússia de 1917 e que pudesse caracterizar o movimento revolucionário.
A periodização precisa da industrialização brasileira constitui-se em
tema de debate entre os historiadores. Porém, um fato que se sobressai é o
direcionamento e o maior investimento, por parte do Estado, na
modernização das atividades industriais depois da década de 30. Com o
declínio da economia cafeeira e a existência prévia de toda uma infra-
estrutura urbana — na qual funcionavam algumas atividades industriais —
tornou-se viável tanto para o capital nacional, quanto para o internacional, o
investimento em um mercado industrial em expansão.
Em um período de meio século, o Brasil sofreu um “boom” industrial,
as indústrias de bens de consumo e, posteriormente, de bens de produção
se disseminaram. As cidades cresceram vertiginosamente, populações de
áreas atrasadas economicamente foram atraídas para os grandes centros
urbanos, seduzidas pelas oportunidades de emprego nas indústrias ou no
setor de serviços, que acompanhava o crescimento industrial. As atividades
se diversificaram: produção e comércio de peças automobilísticas,
construção de hidrelétricas, limpeza de ruas, carregamento de cargas,
ensino, eletrificação de cidades, construção de estradas e prédios, entre
tantas outras. As oportunidades de trabalho passaram a ser inúmeras, muito
diferente do que foi o número restrito de ocupações proporcionado pela
economia cafeeira do início do século.
Essas transformações contribuíram para a formação de um público
urbano cada vez mais complexo. E, com esse público, a ditadura militar
posterior a 1964 criou as condições para a formação de símbolos e valores
que tornaram possíveis, a partir da segunda metade da década de 1970, a
existência dos movimentos sociais contra a própria ordem social mantida
pelos militares.
O recrudescimento do autoritarismo a partir do golpe militar de 1964
pode ser relacionado a uma marcante atuação do Estado brasileiro, que
desde a década de 30 determinou um sentido para o desenvolvimento da
sociedade e a construção de um cabedal de valores para esse
desenvolvimento. Isso influiu diretamente na constituição de uma “esfera
pública” para o conjunto dos grupos sociais que se desenvolveu durante o
processo de industrialização da sociedade brasileira.
Essa esfera pública ganhou características peculiares sob o regime
militar pela condução autoritária das relações sociais pela via dos Atos
Institucionais, os quais intensificaram a repressão, e pelas medidas
econômicas adotadas que, progressivamente, influenciaram diretamente a
vida de grande parte da população, contribuindo sobremaneira para a
formação de uma resistência ao regime e aos valores adotados pelos
militares.
O surgimento dos movimentos sociais no final da década de 1970,
reivindicando direitos sociais, coadunaram-se com a dificuldade de
manutenção da política adotada pelos militares devido aos insucessos das
políticas econômicas que atingiram diretamente grande parte da população
brasileira. A partir disso, podemos caracterizar o segundo momento do
processo de modernização da sociedade em que tornou-se relevante o papel
da abertura da esfera política para a participação das massas.
Aqui encaixa-se uma constatação que Jürgen Habermas fez para a
Sociedade Européia:
20
HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma
categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 152 e 153.
podemos descartar a importância e a influência de um 1848 na França, do
modelo de socialismo do século XX e dos movimentos de contestação de
1968 para a história do movimento operário e dos movimentos de resistência
no Brasil.
A partir do final da década de 70, na esfera pública — que começou a
ser erigida desde a década de 30 através da intervenção do Estado nas
relações sociais — iniciou-se um progressivo processo de fragmentação. Nas
ruas, nas manifestações contrárias ao governo militar, iniciou-se o principal
embate aos valores defendidos e impostos pelos militares.
Um fato histórico era incontestável: a sociedade brasileira sofrera
transformações nunca dantes verificadas. As transformações sociais
colocavam em cheque a legitimidade da esfera política, a repressão violenta
acirrava os ânimos de uma massa de trabalhadores descontentes com a
situação em que viviam, o que podia comprometer a manutenção da ordem.
As massas vieram a público para contestar os valores impostos pelos
militares e, de certa forma, conquistaram um espaço na esfera pública da
sociedade, contribuindo para que a mesma se transformasse para atendê-
las.
Dessa forma, torna-se digna de nota a constatação de Eder Sader:
21
SADER, Eder. Quando os Novos Personagens Entraram em Cena: experiência, falas e lutas dos
trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p.311 e 314.
nesse período que se deu um outro fenômeno impossível de se conceber em
outro momento da história brasileira: a formação de um partido dos
trabalhadores. Esse foi concebido a partir da realidade dos trabalhadores,
imanado de suas necessidades e lutas, um partido “dos” trabalhadores e não
“para” trabalhadores.
Entretanto, essas proposições — como a criação de um partido dos
trabalhadores — obedeceram a combinação de alguma s condições como a
concessão dos militares com o processo de democratização da sociedade e
a pressão popular, baseada em necessidades materiais, para reforma da
sociedade.
O surgimento do Partido dos Trabalhadores estabeleceu uma nova
forma de ação por parte da esquerda, passando a encontrar nos movimentos
sociais vinculados aos trabalhadores a principal fonte de sustentação do
Partido:
22
Documento “Sobre o Partido dos Trabalhadores” (Documento Oficial do Partido – 1979)
Foi nas estruturas desses movimentos sociais, em São Paulo e no Rio
de Janeiro, que o Partido encontrou, num primeiro momento, seus pilares de
sustentação: o sindicato e a Igreja Católica.
As greves de 1979 tiveram grande importância no cenário social do
país, pois, fizeram com que novamente uma instituição, o sindicato, voltasse
a exercer suas atividades combativas, uma vez que, anteriormente, por estar
atrelado ao Estado, assumira um papel passivo com relação à situação dos
trabalhadores.
O papel dos sindicatos aos poucos se transformou, passando a atuar
mais de perto nas manifestações e insatisfações dos trabalhadores,
invertendo a antiga relação dos sindicatos com o Estado remanescente do
Governo de Getúlio Vargas. Os sindicatos passaram a ter atribuições que
não exerciam antes e o movimento operário dava sinais de mobilização.
Sinais de descontentamento dos trabalhadores com o regime social se
irradiavam por toda a sociedade. O sindicato foi a instituição, por estar de
certa forma estruturada e próxima aos trabalhadores, que primeiramente se
destacou como representante de seus interesses.
A Igreja Católica rompeu com a resistência aos assuntos políticos,
assumindo um discurso a favor dos pobres, oprimidos e marginalizados da
sociedade. Era a “Teologia da Libertação” e sua luta contra as injustiças
sociais. As CEBs — Comunidades Eclesiais de Base — tiveram importante
atuação frente às comunidades carentes na luta por melhores condições de
vida23, fornecendo posteriormente a estrutura para os Núcleos de Base do
PT, que seriam a grande peculiaridade em relação aos outros partidos.
Grande parte do restante da esquerda24 — PCB, PC do B, MR8 —
encontrou no (P)MDB o abrigo legal para sua atuação política e manteve sua
posição em relação à inversão da ordem social capitalista.
23
As Comunidades Ecles iais de Base foram responsáveis pela organização de outros movimentos
como os movimentos de bairros, movimentos por saúde pública, movimentos de mães, etc. Para
esses movimentos conferir: SADER, Eder. Op. Cit.
24
Parte desta esquerda, dissidentes do PCB, PC do B, antigos integrantes de grupos de
resistência armada, membros sem agremiação política; também ingressaram no PT, formando
juntamente com os sindicalistas, e os militantes católicos a principal base de estruturação do
partido.
Com o PT, essa relação entre partido e massas se inverte, pois, como
veremos no próximo capítulo, esse Partido rompe com o discurso
vanguardista, propondo a democracia partidária e o compromisso com os
interesses dos trabalhadores.
Questionamo -nos, então, a respeito de quais seriam esses interesses.
Desde Lenin, na concepção da esquerda revolucionária, o principal interesse
dos trabalhadores — ou aquele que não poderia ser esquecido por vitórias
circunstanciais — era atingir o reino da felicidade humana na sociedade
comunista. Mas, esse interesse era determinado alheiamente à vontade do
trabalhador, partindo-se do pressuposto de que esse trabalhador concordava
com a existência desse interesse e de que a razão de sua vida era satisfazer
esse interesse.
Com o surgimento do PT, “teoricamente” inverteu-se essa relação: os
interesses do Partido teriam passado a ser os interesses dos trabalhadores,
não fórmulas prontas e acabadas, ou teleologias para a ação do Partido,
mas, poderiam existir se assim os trabalhadores desejassem:
“... Eu acho que o que vai selecionar ainda mais as pessoas é o próprio
programa. E o programa do PT não tem rótulo nenhum. Eu acredito que é um
desejo da grande maioria dos trabalhadores, que ele não venha com rótulos de
PS, de PC, ou de coisa parecida. Mas que venha com propostas socializantes
eu acho fundamental. Agora, o programa final só existirá a partir do momento
que os trabalhadores o fizerem ... As propostas dele [PT] são anti-capitalistas. É
um partido democrático. Ele só tem razão de ser se tiver no seu bojo a
permissão para a discussão, para que as pessoas militantes do partido dêem a
sua opinião. Eu acho que é um partido que propõe uma forma socializante das
coisas. Mas quem vai decidir a forma de socialização é a classe trabalhadora.
Não sou eu.”25
25 o
Entrevista de Luís nácio
I da Silva (Lula) em julho de 1979. In: Jornal O Companheiro. Ano 1, n .
07, de 4 à 15 de julho de 1979. p. 05.
em todos os níveis. Portanto, a democracia que os trabalhadores propõem tem
valor permanente, é aquela que não admite a exploração econômica e a
marginalização política dos muitos milhões de brasileiros que constróem a
riqueza do país com o seu trabalho. A luta do PT contra o regime opressivo deve
construir uma alternativa de poder econômico e político, desmantelando a
máquina repressiva e garantindo as mais amplas liberdades para os
trabalhadores e o povo. Uma alternativa de poder para os trabalhadores e
oprimidos que se apoie na mobilização e organização do movimento popular e
que seja a expressão de seu direito e vontade de decidir os destinos do país.
Um poder que avance nos rumos de uma sociedade sem exploradores e
explorados. Na construção dessa sociedade, os trabalhadores brasileiros têm
claro que essa luta se dá contra os interesses do grande capital nacional e
26
internacional.”
26
Programa do Partido dos Trabalhadores.
27 o
Entrevista de Luís Inácio da Silva em agosto de 1979. In: Jornal O Companheiro. Ano 1, n. 11,
de 29/08 à 11/09 de 1979. p. 07.
2. A HISTÓRIA DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES — A FUNDAÇÃO (1979–1983)
28
“Mudou muito o cenário político do nosso povo nos últimos anos. Outrora se acreditava que só
os partidos e os grupos políticos eram capazes de centralizar a organização do movimento
popular. Hoje, porém, reconhecemos que os melhores frutos são aqueles que , como o nosso
partido, têm suas raízes firmadas nas múltiplas formas de organização existentes no campo, nos
bairros, nas periferias, nos centros de trabalho e de estudos, nos setores que têm interesses
específicos a defender, como as mulheres e os negros. Graças ao movimento popular, o
movimento sindical teve maior expressão nos últimos anos. Enganam-se os que pensam que só
nas fábricas se apoia o sindicalismo brasileiro. No bairro da cidade ou no local de moradia da roça,
os trabalhadores têm mais liberdade para se encontrar, para se reunir, para se organizar e levar
adiante suas lutas sindicais, com a participação de suas esposa, de seus filhos e de seus
vizinhos. Graças a essa extensa rede de movimentos populares é que o PT se afirma como
expressão política que nasce de baixo para cima.” In: Discurso (de Luís Inácio da Silva) na
Primeira Convenção Nacional do PT (1981).
29
O sucesso destas manifestações pode ser aferido através da popularidade de muitos lideres de
bairros , como e exemplo de Irma Passoni, que se elegeu deputada estadual no período destas
manifestações. Conferir: SADER, Eder. Op. Cit.
instituições políticas controladas pelos militares. A ditadura militar
representava um centro de referência comum e a maneira de interagir com
ela necessariamente passava pelo campo da política. As mais variadas
reivindicações de cunho material acabavam tendo um caráter político, um
endereçamento estabelecido 30.
Um dado marcante que perpassa a maioria dos documentos da
fundação do PT é a referência ao inimigo objetivo representado pela ditadura
militar, que sempre se prefigura como representante dos interesses do
capital contra os interesses dos trabalhadores:
30
“Foi com o desenvolvimento dessas lutas que surgiu a proposta do PT, pois tendo de enfrentar o
peso brutal da concentração de poder do Estado, que se voltou abertamente contra os seus mais
legítimos interesses, tornou-se claro para os trabalhadores que só a sua luta econômica, ainda que
muito importante, é insuficiente para garantir as aspirações de melhoria de vida para a maioria do
povo brasileiro (...) Provocando uma série de confrontos com os legítimos instrumentos de luta dos
trabalhadores, como no caso das intervenções sindicais, a ação repressiva do Estado provocou o
impasse e levou a que grandes massas de trabalhadores percebessem a necessidade de intervir
organizadamente na sociedade, em condições próprias e com um projeto político próprio.” In:
Documento “Sobre o Partido dos Trabalhadores”.
31
Carta de Princípios do Partido dos Trabalhadores (1979).
O poder instituído representou um “inimigo objetivo” e, a partir daí,
teceu-se as estratégias políticas do Partido. Ou seja, se o Estado não
fornecesse as condições básicas para os filhos dos trabalhadores estudarem,
o Partido lutaria pela educação da classe trabalhadora; se o Estado
promovesse uma política econômica contrária aos interesses dos
trabalhadores, o Partido lutaria contra essa política econômica; se o Estado
reprimisse as greves dos trabalhadores, o Partido criticaria a polícia do
governo.
E, assim, foi-se estruturando o discurso do Partido:
Isso não poderia ser diferente, pois, um partido que no final da década
de 70 se posicionasse como representante dos interesses dos trabalhadores
teria necessariamente que estar comprometido com a democracia, devido às
próprias experiências dos movimentos populares e ao processo contrário que
existia no poder, em que as decisões eram tomadas por uma minoria militar
em detrimento da grande maioria da população.
No entanto, a democracia defendida pelo Partido, ao mesmo tempo
em que se tornou a principal “arma” contra a ditadura militar, transformou-se
em uma de suas principais peculiaridades, pelo fato de condicionar o
socialismo — defendido desde os primeiros documentos de fundação — à
democracia34. Isto porque todas as experiências que se constituíram em uma
32
Manifesto do Partido dos Trabalhadores (1980).
33
Carta de Princípios do Partido dos Trabalhadores.
34
“O PT entende também que, se o regime autoritário for substituído por uma democracia formal e
parlamentar, fruto de um acordo entre elites dominantes que exclua a participação organizada do
povo (como se deu entre 1945 e 1964), tal regime nascerá débil e descomprometido com a
resolução dos problemas que afligem o nosso povo, e pronto será derrubado e substituído por
novas formas autoritárias de dominação – tão comuns na história brasileira. Por isso, o PT
proclama que a única força capaz de ser fiadora de uma democracia efetivamente estável são as
massas exploradas do campo e das cidades.
O PT entende, por outro lado, que sua existência responde à necessidade que os trabalhadores
sentem de um partido que se construa intimamente ligado com o processo de organização popular,
nos locais de trabalho e de moradia. Nesse sentido, o PT proclama que sua participação em
ordem social planificada e socialista experimentaram formas de governo
autoritário. Mesmo tendo a democracia como principal bandeira do período
revolucionário, essa foi abolida após a Revolução e, na maioria das vezes,
em nome da própria Revolução.
Até certo ponto, a proposta de um socialismo amparado pela
democracia não representava uma concepção inédita de via ao socialismo.
Isto porque a via social democrata representava um caminho ao socialismo
que tinha na democracia emanada das instituições representativas
democráticas da sociedade capitalista um caminho legal para a instituição
das transformações socialistas35. Uma experiência histórica — das poucas
que aconteceram — que tentou colocar em prática essas concepções
socialistas ocorreu no Chile na década de 70, quando a implantação de um
regime socialista foi tentada pela via das instituições políticas capitalistas. No
entanto, tal experiência foi sufocada por um golpe militar.
O PT nasceu de oposição, contrário à ordem estabelecida. Assim,
temos um raciocínio lógico: quando se é contrario a alguma coisa
pressupõe-se a existência de um contraponto. Ou seja, um partido que se diz
representante dos interesses dos trabalhadores necessariamente será um
partido contra os interesses capitalistas36. Mas, para ser contra um “inimigo”,
pelos trabalhadores. Única maneira de por fim à exploração e à opressão.” In: Documento sobre o
Partido dos Trabalhadores.
37
Discurso na Primeira Convenção do Partido dos Trabalhadores.
38
Ibidem.
O socialismo defendido pelo Partido tinha um caráter inédito, pois, não
se respaldava em qualquer concepção que não tivesse a própria democracia
emanada dos trabalhadores como sustentação, mantendo uma
independência de outros partidos e de outras concepções socialistas:
“Mas o problema não é apenas este. Não basta a alguém dizer que quer
o socialismo. A grande pergunta é: qual socialismo? Estamos por ocaso
obrigados a rezar pela cartilha do primeiro teórico socialista que nos bate à
porta? Estamos por acaso obrigados a seguir este ou aquele modelo, adotado
neste ou naquele país? Nós do Partido dos Trabalhadores, queremos manter as
melhores relações de amizade com todos os partidos que, no mundo, lutam pela
democracia e pelo socialismo. Este tem sido o critério de independência política,
plenamente compreendido em todos os países por onde andamos, o que
devemos aqui declarar em respeito à verdade e como homenagem a todos os
partidos amigos. Vamos continuar, com inteira independência, resolvendo os
39
nossos problemas à nossa maneira.”
39
Ibidem.
interesses dessas tendências se sobreponham , dentro do PT, aos interesses do
partido. Denunciaremos, quantas vezes for preciso (...) o politicismo que de cima
para baixo quer impor seu dialeto ideológico aos nosso militantes, como se
discurso revolucionário fosse sinônimo de prática revolucionária; o colonialismo
daqueles que se autodenominam vanguarda do proletariado sem que os
trabalhadores se quer os conheçam; o esquerdismo, que exige do partido
declaração e posições que não se coadunam a seu caráter legal e a sua
natureza popular (...) o oportunismo dos que só põem um pé dentro do PT e
mantêm o outro pronto a correr quando sentem que suas intenções não são
40
aceitas pelos trabalhadores.”
40
Ibidem.
41
“O MDB, pela sua origem, pela sua ineficácia histórica, pelo caráter de sua direção, por seu
programa pró-capitalista, mas sobretudo pela sua composição social essencialmente contraditória,
onde se congregam industriais e operários, fazendeiros e peões, comerciantes e comerciários,
enfim, classes sociais cujos interesses são incompatíveis, e onde logicamente prevalecem em toda
a linha os interesses dos patrões, jamais poderá ser reformado. A proposta que levantam algumas
lideranças populares de ‘tomar de assalto’ o MDB é muito mais que insensata; é fruto de uma
velha e trágica ilusão quanto ao caráter democrático de setores de nossas classes dominantes.” In:
Carta de Princípios do Partido dos Trabalhadores.
‘burocracia dirigente’ do partido, que não estariam dispostas a permitir o domínio
42
de postos chaves por elementos radicais.”
42
Arquivo do DEOPS: Pasta: 50-z-9 / Documento: 44475 à 44460. Título: Ação conjunta OSI
(Organização Socialista Internacionalista) CS (Movimento de Convergência Socialista).
43
Num primeiro momento (1979-1980), tal proposição foi amparada nas lutas dos operários do
ABC paulista.
— comparando-se às outras experiências socialistas — os trabalhadores
urbanos, com valores difusos, poderiam fornecer a coesão suficiente para o
PT desfechar um processo de “ruptura democrática” com a ordem social
capitalista44. E também questionar se este processo de ruptura poderia
encontrar na democracia — que teoricamente ressaltaria as singularidades
dos trabalhadores e seus vários movimentos sociais — a principal “arma
revolucionária” contra a ordem social capitalista45.
A principal questão a ser colocada quando se propõe um socialismo
democrático nestes moldes do PT seria se o conjunto da classe trabalhadora
— partindo-se do pressuposto de que fosse possível formar esse conjunto —
numa sociedade industrializada e de ma ssas teriam — ou têm — condições
de decidirem qual a sociedade que eles desejam.
Certamente seria uma “sociedade melhor” do que a vida sob as
condições sociais e econômicas do final da década de 70 e anos 80. Mas
podemos questionar se essa “sociedade melhor” seria socialista, se os
trabalhadores teriam condições de visualizar — em meio à sua pluralidade —
a sociedade socialista46 e se qualquer sociedade que fosse “justa” seria
socialista.
44
Por mais que as greves de 78 e 79 tenham se alastrado pelos Estados brasileiros – O estopim
destas greves foi a decisão dos operários da Scania, de parar suas atividades, no dia 12 de maio
de 1978 –, elas iniciaram-se em um setor chave da classe operária, ou seja, os metalúrgicos do
ABC paulista. Por mais generalidades que a categoria de “trabalhadores” – que consta nos
documentos do PT – possa englobar, a oposição ao regime militar feita por “trabalhadores”, não
representou a “totalidade” dos trabalhadores. Para as greves do ABC, conferir: SADER, Emir. Op.
Cit.
45
O próprio conceito de socialismo democrático é contraditório, pois, a concepção de democracia,
estabelece como unânime a vontade da maioria, necessariamente em detrimento a uma minoria
que teve seus interesses derrotados. Ao vislumbre do Partido dos Trabalhadores de “uma
sociedade sem explorados e exploradores”, subtende uma sociedade sem margens à oposição,
uma sociedade de consenso. Portanto contrário ao ideal democrático, ou seja, da existência de
partes vencidas. Mais complicado ainda é atingir esse “consenso orgânico” respeitando valores
distintos numa sociedade plural.
46
Queremos acrescentar um dado complementar, que consiste na composição da Comissão
Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores (Extraída da Primeira Convenção Nacional do
PT em 27/09/1981) que contou com setores singulares da classe trabalhadora: Presidente: Luís
Inácio da Silva (líder sindical); 1o. Vice-presidente: Olívio de Oliveira Dutra (líder sindical); 2o. Vice-
o
presidente: Manoel da Conceição (líder camponês); 3 . Vice-presidente: Apolônio de Carvalho
o
(líder comunista, ex -PCBR); Secretario-geral: Jacó Bittar (líder sindical); 1 . Secretario: Antônio
o
Carlos de Oliveira (deputado); 2 . Secretario: Francisco Corrêa Weffort (economista e jornalista);
o o
1 . Tesoureiro: Domingos de Freitas Diniz (deputado); 2 . Tesoureiro: Clóvis I. da Silva (Presidente
do Sindicato dos Arquitetos do RGS); Vogais: Hélio Marcos Prates Doyle (Presidente do Sindicato
dos Jornalistas do DF); Luís Soares Dulce (Presidente da União dos Trabalhadores no Ensino –
MG); José Ibrahin (líder sindical); Wagner Alves Benevides (sindicalista). Suplentes: Helena Grego
Empiricamente é uma questão complicada para se resolver, é difícil se
dar conta de toda uma gama de valores difusos e plurais. O Partido
alimentou essa esperança, pois, a opressão exercida pela ditadura militar,
fornecia, num primeiro momento, o elo de ligação entre os movimentos
sociais. Assim, por mais numerosos que fossem os indivíduos que
compunham essa massa — e por mais díspares que fossem os seus valores
— grande parte deles eram atingidos de alguma forma por reflexos negativos
provocados pelo regime militar.
Para usarmos somente um exemplo clássico na história do
socialismo, a classe trabalhadora na Rússia da Revolução de Outubro
encontrou nos sovietes uma instituição em que foi possível identificar um
conjunto para si, englobando camponeses, trabalhadores urbanos e o
Exército. Mesmo que, posteriormente, os sovietes fossem paulatinamente
incorporados na estrutura do Partido, num primeiro momento eles foram
imprescindíveis para o processo revolucionário.
No Brasil — no final da década de 70 e nos anos 80 — não existia
algo que se parecesse com tal estrutura e que pudesse identificar e compilar
a classe trabalhadora para si. O fato de não existir no Brasil nenhuma
estrutura que pudesse englobar a classe trabalhadora — com um grau de
importância semelhante aos sovietes — talvez se explique pela atuação do
Estado na história brasileira, sempre tutelando as ações dessa classe.
Mesmo assim, o PT procurou identificar o que mais se assemelhava a uma
organicidade para a classe trabalhadora nos movimentos sociais. Mas, neste
caso, havia a questão de como interagir no movimento social para fazer
desse o agente do socialismo democrático. Destaca-se, nesse sentido, uma
proposta do Partido, na qual vislumbrou-se promover a ligação e a atuação
orgânica do Partido nos movimentos sociais, estabelecendo uma “via de mão
dupla” para essa atuação — via legal, através das instituições políticas da
sociedade e atuação direta através de participação nas lutas dos movimentos
sociais.
(advogada); Joaquim Arnaldo de Albuquerque (líder metalúrgico); Hélio Bicudo (advogado); Luís
Eduardo Greenhalg (advogado); e Rubens Otoni Gomide.
A forma encontrada pelo Partido para atuar nos movimentos sociais
foi através dos Núcleos do Partido dos Trabalhadores, em que a militância
participaria dos mais variados movimentos sociais47. Os Núcleos são os
únicos “instrumentos” encontrados nos documentos do PT de 1979 a 1982
que poderiam ser utilizados para a instituição democrática da sociedade
socialista, pois, com o seu posicionamento estratégico, garantiriam a
48
democracia dos trabalhadores .
Uma das primeiras referências aos Núcleos de Base foi feita quando o
Partido ainda era um movimento49 — Movimento Pró -PT. Esses Núcleos
serviram como forma de organizar o Partido:
47
“O PT declara-se comprometido e empenhado com a tarefa de colocar os interesses populares
na cena política, de superar a atomização e dispersão das correntes classistas e dos movimentos
sociais. Para esse fim, o Partido dos Trabalhadores pretende implentar seus núcleos de militantes
em todos os locais de trabalho, em sindicatos, bairros, municípios e regiões.” In: Carta de
Princípios do Partido dos Trabalhadores.
48
“Os Núcleos são a garantia de que o partido seja construído democraticamente de baixo para
cima, ligando os trabalhadores aos movimentos de massa. São eles que identificam e diferenciam,
na prática o PT dos outros partidos, porque eles são o local de discussão dos problemas dos
trabalhadores nos bairros, nas fábricas, nas fazendas, nas escolas, nas ruas, como caminho para
derrotar a ditadura e construir uma nova sociedade, sem exploradores e explorados.” In: Circular
o
n . 02/82 (1982).
49
“(A) No presente estágio organizativo, o movimento pelo PT se estruturará sob forma de
núcleos básicos que serão reconhecidos como tais para efeito de representabilidade proporcional
quando contarem o número mínimo de 21 membros e forem formados a partir dos locais de
trabalho, locais de moradia e das categorias de trabalhadores. Que se criem Coordenações de
Nucleação a nível Municipal e Regional e uma Direção Provisória Nacional. Será reconhecido o
direito de expressão aos núcleos em formação; (B) Ainda transitoriamente, cada núcleo deverá
eleger um secretario e um suplente de secretario, cuja função será a de estabelecer os contatos
com os organismos superiores do movimento; (C) É recomendável que cada núcleo fixe o
endereço para correspondência e na medida do possível, até mesmo adquira uma caixa postal;”
In: Documento “Sobre o Partido dos Trabalhadores”.
50
Ibidem.
Esses Núcleos de Base do PT eram herança da estrutura construída
pela Igreja Católica na década de 70 para atuar nos movimentos de bairro,
as CEBs. No caso das comunidades eclesiais, os grupos de indivíduos
gravitavam em torno de uma comunidade religiosa; no PT, procurava-se
estruturar da mesma forma os grupos, com algumas modificações, e não
somente com moradores de um bairro, mas tentando englobar vários
movimentos sociais.
A atuação do Partido nos movimentos sociais por meio dos Núcleos
de Base se daria por intermédio dos militantes neles agrupados, sendo que a
função dos Núcleos era, ao mesmo tempo, formar militantes — pois o Partido
estava na fase inicial de formação — e atuar nos movimentos sociais.
51
Ibidem.
feministas, os núcleos artísticos e demais formas de o nosso povo se organizar
na base, sejam manipulados como currais eleitorais ou tratados à base do
clientelismo político. Reconhecemos a autonomia do movimento popular frente
ao Estado e aos partidos políticos. É fundamental para a libertação deste país
que os moradores de um bairro ou os posseiros de uma região — independente
de suas preferências partidárias — possam se encontrar na base em torno de
suas lutas específicas. Se temos como militantes políticos um papel junto aos
movimentos populares é o de ajudá-los em sua educação política, sem porém
induzi-los à nossa opção partidária” 52
Mas deveria haver uma forma de atuar nos movimentos sociais, via
Núcleos do Partido, sem que isso representasse a indução dos participantes
desses movimentos aos ideais do Partido. Era preciso revelar nos
movimentos sociais contestadores da ordem social vigente o ideal do
socialismo como um valor universal e descobrir como construir uma nova
forma de democracia para alcançar esse socialismo.
Os Núcleos de Base do PT nunca foram independentes da estrutura
deliberativa do Partido. Um exemplo disso se encontra no Estatuto do Partido
dos Trabalhadores, no Capítulo dedicado aos Núcleos:
“CAPÍTULO VI
Dos Núcleos de Base
Art. 35 — Os filiados de um mesmo domicílio eleitoral, organizar-se-ão
em Núcleos de Base, por local de moradia, por categoria profissional, por local
de trabalho ou movimentos sociais.
Art. 36 — Os Núcleos de Base serão constituídos com um número
mínimo de filiados uniforme em todo o território nacional conforme Regimento
Interno.
Art. 37 — As funções dos Núcleos de Base são as seguintes:
I — organizar a ação política dos filiados, segundo a orientação dos
órgãos de deliberação e direção partidária, estreitando a ligação do Partido com
os movimentos sociais;
II — emitir opinião sobre questões municipais, regionais e nacionais que
sejam submetidas a seu exame pelos respectivos órgãos de direção partidária;
III — aprofundar e garantir a democracia interna do Partido dos
Trabalhadores;
IV — promover a educação política dos militantes e filiados;
V — sugerir aos órgãos de direção partidária consulta aos demais
Núcleos de Base sobre questões locais, regionais de interesse do partido; e
VI — convocar o Diretório Municipal, nos termos do art. 22 deste
53
Estatuto.”
52
Discurso na Primeira Convenção do Partido dos Trabalhadores.
53
Estatuto do Partido dos Trabalhadores (1980).
Mesmo o PT possuindo uma estrutura um tanto quanto diferenciada
em relação aos outros partidos, com a existência de Núcleos de Base e de
um discurso socialista de contestação à ordem social mantida pelos militares,
o Partido paulatinamente dedicou maior ênfase na forma de ação política
aberta pela ditadura militar, através da Legislação Eleitoral. A legalização do
Partido estava condicionada ao cumprimento de certas exigências em âmbito
nacional. Uma das exigências para que o Partido conseguisse seu registro
definitivo era possuir um quadro de filiados 54. O meio encontrado pelo Partido
para intensificar o processo de filiação foi através da atuação dos Núcleos de
Base. Isto fez com que um instrumento do Partido concebido para atuar no
movimento social — e secundariamente arregimentar filiados e militantes —
se revertesse quase exclusivamente para fins de legalização do Partido.
A subordinação dos núcleos à estrutura deliberativa do Partido, outras
contradições dentro da sua estrutura e o caminho eleitoral parlamentar
escolhido, relegando as lutas sociais a um segundo plano, geraram o que
podemos qualificar de uma crise de identidade e uma revisão da estratégia
de atuação do Partido por volta de 1982.
Um fato seria de grande importância para o PT, representando a
primeira grande apreciação pública do Partido pelos seus representados: as
eleições de 1982.
54
A Lei estabelecia a seguinte tabela: A – 2% dos eleitores deverão ser filiados nos municípios até
1.000 eleitores; B – Os 20 filiados do item A mais 5 filiados para cada 1.000 eleitores nos
municípios de até 50.000 eleitores; C – Os 270 filiados dos itens A e B mais 2 filiados para cada
1.000 eleitores nos municípios de até 250.000 eleitores; D – Os 670 filiados dos itens A, B e C
mais 1 filiado para cada 1.000 eleitores nos municípios de até 500.000 eleitores; E – Os 1.170
filiados dos itens A, B, C e D mais 1 filiado para cada 2.000 eleitores nos municípios maiores que
500.000 eleitores .
55
Além da composição mínima do quadro de filiados a Legislação Eleitoral determinava que: A)
Realizar Convenções Municipais em no mínimo 1/5 dos municípios de pelo menos 9 Estados para
elegerem seus Diretórios Municipais e delegados às Convenções Regionais; B) Realizar
Convenções Regionais em pelo menos 9 Estados para escolha dos Diretórios Regionais e
de partido político. Além disso, era a primeira vez que o Partido sairia do
plano das reivindicações localizadas, vinculadas aos movimentos sociais,
para se apresentar como partido para a sociedade e ser votado como tal.
Tornava-se imperioso que apresentasse suas propostas para a sociedade.
Para o PT, as eleições vinham num momento importante em que os
trabalhadores haviam acumulado experiências importantes de luta56 e
poderiam usar as eleições como mais um canal de reivindicação para suas
insatisfações no partido 57 que, “naturalmente”, os representava:
59
Ibidem.
Lutamos para que os trabalhadores derrubem a ditadura militar e
coloquem por terra não só suas leis e sua falsa justiça, mas também a base
econômica que a sustenta. Não haverá mudanças decisivas para o povo
brasileiro enquanto os monopólios financeiros (que, em plena crise, apresentam
lucros de 700% ao ano!) continuarem mandando na economia do País, os
monopólios comerciais controlarem a circulação de mercadorias e os
monopólios industriais a produção nacional. Reafirmamos nosso compromisso
com a construção de um novo poder, baseado na classe operária e na
mobilização de todos os que vivem de seu próprio trabalho, para construirmos
uma sociedade sem explorados e sem exploradores. Essa é a sociedade que os
60
trabalhadores sonham e que, desde hoje, nossa luta prepara.”
60
Plataforma Eleitoral do Partido dos Trabalhadores (1982).
61
“A tática eleitoral do partido tem como eixo básico a questão de abrir aos trabalhadores, nesse
pleito, a possibilidade de correr em raia própria, assegurando sua independência através de
recursos próprios, candidatos próprios e plataformas próprias. É uma particularização da tática
geral do partido e deve, por isso, estar inteiramente em correspondência com os rumos gerais da
tática de acumulação de forças através do fortalecimento das lutas sociais. As eleições
representam portanto, apenas um episódio, um momento definido de nossa atividade política
permanente, em busca do objetivo final que é construir uma sociedade socialista, sem explorados
e exploradores. Nossa participação no processo eleitoral não pode servir, portanto, para desviar o
partido de seus objetivos programáticos.” In: Carta Eleitoral do Partido dos Trabalhadores.
62
Circular n o. 16/82.
Os resultados das eleições de 1982 foi condizente com o estágio de
formação do Partido. A citação acima faz parte de um documento no qual se
analisou a atuação do PT durante as eleições, sendo, em certos aspectos,
extremamente crítico com o próprio Partido. Muitos dos candidatos a cargos
eletivos pelo PT não tinham nenhuma experiência eleitoral anterior, alguns
haviam disputados apenas eleições sindicais, de comunidades de bairro,
etc., revelando-se despreparados. A campanha de muitos candidatos se
pautava na pregação de palavras em abstrato em favor do socialismo, sem
se demonstrar ao certo em que consistia esse socialismo apregoado 63.
Como podemos verificar na citação abaixo, os trabalhadores, além de
não votarem no Partido 64, não interagiram na campanha, representando um
“receptáculo” passivo das propostas dos candidatos, muitas delas
doutrinárias, com mensagens prontas, sem algo de concreto para a classe
trabalhadora:
63
Contudo, essa pregação de um socialismo não era inteiramente sem nexo, pois a maior parte
dos pontos da Plataforma Eleitoral do partido, não possuíam uma clareza quanto no que consistia
o socialismo do partido. Os 12 pontos, da Plataforma Eleitoral do Partido dos Trabalhadores – que
trás como lema: Trabalho, Terra e Liberdade –, trás em cada ponto uma palavra de ordem: 1. Sem
liberdade a vida não vai mudar, pelo fim da ditadura militar; 2. Num País tão rico é possível acabar
com a fome; 3. Trabalhadores do campo: terra e melhores salários; 4. Não é por falta de tijolo que
o trabalhador não tem onde morar; 5. Neste País há pouca saúde e muito lucro com a doença; 6. A
educação e a cultura são direito e não um privilégio de classe; 7. Somos todos iguais: chega de
discriminação; 8. No dinheiro do povo ninguém pode meter a mão; 9. Com os contratos de risco os
tubarões pouco arriscam e muito petiscam; 10. O poder para os trabalhadores e o povo; 11. A luta
dos trabalhadores é a mesma em todo o mundo; 12. Só o socialismo resolverá de vez o nosso
problema.
64
“Por que não conseguimos o que queríamos? Algumas explicações já foram apresentadas.
Tivemos, contra nós, os casuísmos do governo e o poder econômico, tanto do PDS quanto do
PMDB, bem como os setores da grande imprensa ligados aos partidos dos grupos dominantes.
Sem esquecer, evidentemente, setores da própria esquerda que se uniram a parcelas da
burguesia liberal, usando também o descrédito da nossa proposta de organização dos
trabalhadores. Além disso, é inegável que as eleições transcorram, na maioria dos Estados, como
eleições preblicitárias, ao estilo do que já ocorreu em 1974 e em 1978. Significa dizer que o PMDB
conseguiu, na maioria dos Estados, apresentar-se como a única alternativa real de oposição,
estreitando assim o campo para o surgimento de qualquer proposta nova. Na verdade, as únicas
exceções a esta regra geral são os Estados de São Paulo – onde o PT e o PTB conseguiram furar
o bloqueio plebiscitário –, o Rio de Janeiro – onde o PMDB já era governo, possibilitando assim o
crescimento de PDT – e o Rio Grande do Sul – onde o PDT mantém uma importante reserva da
tradição trabalhista. Todos estes fatos são conhecidos e devem merecer reflexão de todos nós
(...)” In: Circular 16/82.
governo nem propostas concretas para resolver os problemas daí que muitos de
nós preferíssemos partir para posições doutrinárias de pregação em abstrato em
favor do socialismo. Muitos outros transformaram as eleições em um momento
de mera agitação de slogans, contra os patrões, contra a ditadura, etc., sem
nenhuma preocupação real com as questões concretas do dia-a-dia dos
trabalhadores e do povo.” 65
65
Ibidem.
66
Ibidem.
67
“(...) Não há como deixar de reconhecer que em muitas partes, a luta eleitoral foi, como tal,
subestimada. Muitos não compreenderam que, embora sendo um aspecto secundário da luta
popular, a campanha eleitoral deveria ter-se tornado para todos um instrumento de ligação do
partido com as massas. Na incompreensão disso, esta a raiz de muitos erros, como um
doutrinarismo que não tem nada a ver com a consciência real das massas, um eleitoralismo que se
revelou frustrante para a maioria dos que o praticaram, um aparelhismo que não leva a lugar
nenhum, etc. etc.” Ibidem.
é desde o início, o caminho do PT. Este é também, hoje mais do que nunca, o
68
caminho que seguiremos daqui para diante.”
68
Ibidem.
69
“O PT veio para mudar o Brasil. Começamos já. Onde o PT ganhar prefeituras ou governos
estaduais, esses postos serão colocados a serviço da mobilização e organização das classes
trabalhadoras. A frente dos cargos executivos, o PT buscará, desde já, criar condições para a
participação popular organizada e autônoma, com poder de decisão na sua atuação política e
administrativa. Para isso recorrerá a plebiscitos, assembléias populares, conselhos de moradores
e trabalhadores e outras formas que o movimento encontrar.” In: Plataforma Eleitoral Nacional do
Partido dos Trabalhadores.
70
“Em maio de 1980 o PT contava com 28.000 filiados e 628 Núcleos de Base, um ano depois em
junho de 1981 o número de filiados já alcançava 250.000 (+86%), mas o número de núcleos não
chegava a 1.200. Hoje o PT tem 450.000 filiados dos quais só 20.000 (5%) estão estruturados em
Núcleos de Base. Temos somente 876 Diretórios e 322 Comissões Provisórias e Plano Nacional,
o
num total de 4.005 municípios no conjunto do país.” Circular n . 02/82.
71
Ibidem.
Após as eleições, os Núcleos de Base do Partido passaram a ser os
elementos principais em torno dos quais se discutia e avaliava a evolução do
Partido desde a sua fundação:
72 o
Circular n . 01/83 (1983).
73
“É generalizada a insatisfação no partido com a incapacidade que temos tido de fazer da nossa
presença nos movimentos populares um poderoso fator que contribua para o seu
desenvolvimento. É generalizada também a avaliação da enorme potencialidade dos movimentos
populares em nosso estado e da capacidade que tem nosso partido de crescer junto com eles,
enriquecendo-se com suas experiências e ajudando decisivamente na sua unificação e politização”
In: Circular no. 58/83 (1983).
diante, a atuação do Partido, com a concepção de “acúmulo de forças” na
luta pela conquista da “hegemonia” na sociedade capitalista.
Em toda a massa documental analisada não encontramos nenhum
documento que fizesse menção à matriz teórica que norteou essa concepção
estratégica do PT. Entretanto, podemos dar uma interpretação a essa
concepção à luz do conceito de “hegemonia” — ou contra hegemonia —
desenvolvido por Antonio Gramsci, por meio do qual busca-se construir a
autonomia dos segmentos sociais que não possuem a hegemonia da
sociedade através de um processo gradual de lutas localizadas, em que cada
vitória é um acúmulo de forças para a vitória completa e posterior hegemonia
da sociedade 74.
Esquematicamente, o movimento social representava o ator da
antítese do processo de “modernização conservadora”, ou fruto das políticas
implementadas pelo Estado. Como resultado deste processo, ele
representava, ao mesmo tempo, a sua negação e o agente de uma possível
contra hegemonia. Daí, a importância de se ocupar as “casamatas” da
sociedade, abalando a hegemonia existente, em que cada vitória localizada
representava um avanço da contra hegemonia. Neste particular, como
veremos adiante, a vitória mais importante, perseguida pelo PT, era a
conquista do Poder Executivo, a principal “casamata” para a conquista de
uma nova hegemonia.
74
Não existe uma obra de Antonio Gramsci que traga sinteticamente todos os conceitos acerca da
teoria gramsciana, entretanto, para a influencia dos conceitos de Gramsci para o Brasil conferir:
COUTINHO, Carlos Nelson. As Categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. In: PRESENÇA,
o
n . 8, set/1986. São Paulo: Editora Caete. pg. 141 à 162. E também: VIANA, Luiz Werneck. O Ator
bases para as disputas das eleições, colocando num segundo plano a luta
dos movimentos sociais.
Essa mudança de estratégia — dar primazia às lutas eleitorais —
gerou respostas imediatas de setores dentro do Partido que não
75
concordavam com os rumos tomados . Nesse contexto, a atuação de um
grupo de partidários se fez notar, o qual ficou conhecido pelo número de
seus componentes: a “Articulação dos 113”76.
No dia 02 de junho de 1983, esse grupo lançou um documento
intitulado “Companheiros do PT”77. Esse documento era composto por
propostas que buscavam recuperar o poder dos movimentos sociais,
ressaltando-se a importância da democracia na estrutura do PT, além de
propor um debate democrático acerca dos rumos do Partido:
“(...) não temos propostas para todos os problemas do PT. Nem temos a
receita infalível para superar a crise econômica do país, para vencer a ditadura e
para chegar ao poder (...) O que pretendemos, ao detonar um amplo processo
de debate democrático — que subsidiaremos com alguns documentos de
produção coletiva a serem amplamente distribuídos — é contribuir para que os
próprios militantes, filiados e simpatizantes do PT possam elaborar
coletivamente diretrizes claras, capazes não apenas de orientar a nossa prática
e os Fatos: a Revolução Passiva e o americanismo em Gramsci. In: DADOS. Rio de Janeiro, Vol.
o
38, n . 2, 1995, pg. 181 a 235.
75
“O PT nasceu em meio a uma das maiores mobilizações operárias e populares da história
nacional, num ciclo de lutas grevistas sem precedentes contra patrões e o governo (...) Para isso,
dizia-se, o partido privilegiaria não a esfera de ação parlamentar e a forma de organização
ditada pela lei (embora as encarasse como importantes, imprescindíveis mesmo para seu projeto
de partido de massas). Mas centraria sua ação nas lutas e mobilizações de massas, e sua
organização na base duma estrutura profundamente democrática de núcleo voltada para a ação
no interior dos movimentos sociais. Enfim, buscava-se um partido para a direção política da luta de
classe que se acirrava no país, voltado para a organização e mobilização das massas contra a
ditadura militar e os patrões (...) No entanto estas necessidades e idéias não se consolidaram ao
longo dos anos seguintes em políticas e práticas do partido. As tarefas de legalização e,
posteriormente, as eleições de 82 deixaram de ser apenas metas imprescindíveis para
praticamente afirmarem-se como objetivos exclusivos. O partido não foi capaz de combiná-las
devidamente com as lutas e mobilizações de massas noutros terrenos de ação.” In: Informativo: PT
83 (1983).
76
Pelo espaço e tempo limitado de um Mestrado, não nos cabe aqui fazer um história das
tendências internas do PT, apenas apontaremos a importância que teve a tendência interna
“Articulação” para certas mudanças de rumo na estratégia petista. Para o estudo das tendências
no PT conferir: AZEVEDO, Clovis Bueno., – A Estrela Partida ao meio: ambigüidades do
pensamento petista. São Paulo: Editora Entrelinhas, 1995.
77
“Estamos convencidos que o PT vive, hoje, um momento muito difícil, mas não aquela crise que
os seus inimigos apregoam. Diante disso, resolvemos nos articular para uma intervenção coletiva
na vida do nosso partido. Estamos, nesse momento, diante da importante tarefa da renovação das
direções partidárias (...) Reconhecemos as dificuldades que vivemos, de correntes (1) desacertos
das nossas direções na aplicação da linha de construção partidária; e (2) da ofensiva externa,
daqueles que são contra, e interna daqueles que não acreditam que os trabalhadores são capazes
de se organizarem como força política autônoma em nosso país.” In: Companheiros do PT (1983).
cotidiana e a da Direção renovada, mas sobretudo, de auxiliarem o avanço e a
78
unificação política dos movimentos dos trabalhadores.”
78
Ibidem.
79
Críticas como a do Informativo: PT 83: “(...) Consideramos que a direção estadual do partido
deveria, a partir das eleições de 82, ter deflagrado um debate interno amplo e democrático, no qual
o conjunto do partido pudesse discutir e encontrar soluções para os problemas que enfrentamos.
Deveria, antes de mais nada, cuidar dos interesses do partido como um todo (...) ao fazer crítica
aos ‘comandos paralelos’, a Articulação dos 113 incorre numa incoerência profunda: cria uma
articulação particularista, em torno a pessoas selecionadas, cria o maior ‘comando paralelo’ dentro
do partido. Fica claro que a demarcação dentro do partido tem que ser política e não grupista. Do
contrário o sectarismo campeará e o partido perderá.” In: Informativo: PT – 83.
80
11 Teses sobre Autonomia (1982).
Essas críticas hoje, depois da queda do “socialismo real”, não nos
causa grandes surpresas, porém, na época de seu lançamento, em 1982,
gerou certo desconforto em alguns partidários que viam no exemplo do
“socialismo real” uma arma contra o capitalismo. O documento equiparava a
ordem social socialista da União Soviética à dominação burguesa
capitalista81, não se restringindo a críticas aos pontos empíricos do
socialismo, mas também questionando o modelo teórico constituído a partir
dos clássicos:
81
“A pretensão de proteger-se das ‘infiltrações da ideologia dominante’ através de uma estrutura
que separe radicalmente os militantes profissionais dos movimentos sociais, concebe o processo
revolucionário como uma ação dirigida por uma vanguarda política auto-proclamada termina
sempre por reproduzir mecanismos de dominação ideológicas. E por produzir militantes incapazes
de recriar a política, submissos ante as diretrizes ‘de cima’, elitistas diante das massas. Se
reproduz assim aspectos da própria ideologia burguesa.” Ibidem.
82
Ibidem.
tanto pela sua via como pela constituição de uma ordem social socialista
baseada na democracia?
Por volta de 1982, o socialismo do PT ainda era algo que estava se
constituindo, não apresentando grandes progressos teóricos. A fórmula era
entregar o aparelho de Estado à classe trabalhadora para que
democraticamente esta pudesse gerir, como maioria na sociedade, o futuro
dessa sociedade, sendo este futuro identificado com uma ordem social
socialista. As eleições vinham no sentido de contribuir — pelo fato da classe
trabalhadora na ditadura militar se encontrar deveras tutelada e afastada da
esfera política — para o processo de politização necessário para a conquista
do que poderia vir a ser a hegemonia da classe trabalhadora 83.
A alternativa pela via legal eleitoral, por um lado, e a atuação no
movimento social, por outro, continuavam a ser as duas variantes que o
Partido deveria combinar. E essa combinação marcou os novos pontos de
ação estratégica do Partido a partir da publicação das “11 Teses sobre
Autonomia” e a hegemonia interna da "Articulação", pois ao criticar o que
havia sido feito, necessariamente, obrigavam-se a apresentar propostas
alternativas. O grande ponto de referência era a particularidade do Partido
em ter duas frentes de ataque contra a ordem social capitalista.
No que se referia às propostas para a ação dos trabalhadores na
sociedade capitalista brasileira, o documento apontava o conceito de
“Autonomia do Operariado”:
84
11 Teses sobre Autonomia.
85
Ibidem.
86
Ibidem.
propostas de luta por autonomia, defendida pelo documento “11 Teses Sobre
Autonomia”, principalmente em relação ao que era denominado “brandura”.
87
Informativo: PT – 83.
autores traçam a genealogia do PT sustentada em três pilares mestres: os
Sindicalistas — com toda a estrutura do sindicalismo combativo —, a Igreja
Católica — com suas CEBs —, e os Militantes Esquerdistas ligados aos
movimentos sociais88.
Entretanto, a existência desses pilares mestres é relativa, pois, nada
impedia que um militante de esquerda fosse um sindicalista e vice-versa, ou
mesmo que um participante de uma CEB fosse um militante de esquerda ou
um sindicalista, ou as demais combinações entre as três categorias89.
Um dado importante que não podemos desprezar foi a importância do
movimento sindical para a formação do PT. Entretanto, o que podemos
verificar foi que paulatinamente os documentos do Partido tenderam a
amenizar qualquer preponderância de segmentos particularizados internos
ao Partido. Na maioria dos documentos analisados do período de 1979 a
1983 — com a exceção das “11 Teses sobre Autonomia” e “Companheiros
do PT” — pudemos perceber que procurou-se atenuar a preponderância de
qualquer segmento, criando uma homogeneidade de elementos e valores
que encontraram na combinação de conceitos como socialismo e democracia
os elos comuns a uni-los. O surgimento de um segmento interno ao Partido,
a “Articulação”, representou um momento de instabilidade interna pelo fato
de fugir ao caráter plural, com o destaque de um segmento em particular.
Entretanto, com a posterior hegemonia da “Articulação” o discurso do Partido
continuou a ser homogêneo e democrático, buscando englobar todas as
correntes internas.
A partir da segunda metade da década de 80, a concepção
estratégica de “acúmulo de forças” para a conquista da hegemonia dos
trabalhadores se fortalecerá dentro do Partido, sendo que nesta se
combinavam e se harmonizavam a ação política institucional do Partido com
sua participação nas lutas dos movimentos sociais.
88
Para o estudo dos segmentos que formaram o PT, conferir: AZEVEDO, Clovis Bueno. A Estrela
Partida ao meio: ambigüidades do pensamento petista. São Paulo: Entrelinhas, 1995. E também:
KECK, Margaret E. A Lógica da Diferença: o Partido dos Trabalhadores na construção da
democracia brasileira. São Paulo: Ática, 1991.
89
Conferir: AZEVEDO, Clovis Bueno. Op. Cit.
3. A HISTÓRIA DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES — O “ACÚMULO DE FORÇAS”
(1984-1989)
90
“Não estamos na luta por eleições diretas para a Presidência da República por razões
meramente táticas. Queremos eleições livres e diretas em todos os níveis por entendermos que só
ao povo cabe escolher aqueles que devem governá-lo. Não cremos que eleições livres e diretas
sejam atributos exclusivos do regime liberal burguês. A luta por eleições livres e diretas significa,
para nós, apenas o começo do futuro democrático e socialista que desejamos para o Brasil.
Nessas condições, a reivindicação de eleições diretas para a Presidência da República não é
bandeira exclusiva do PT. As eleições diretas também não têm, por si só, o condão de resolver
todos os problemas que afetam os trabalhadores e o País. Mas a conquista das eleições diretas
para a Presidência constitui passo importante na derrubada do Regime Militar. É por isso que
exigimos eleições livres e diretas, isto é, sem casuísmos, sem proibição de coligações, sem leis de
inelegibilidades, com ampla liberdade de organização e propaganda, direito de voto extensivo a
analfabetos e soldados, liberdade de organização partidária para todas as tendências políticas e
ideológicas.
Isso também significa que, para nós, a luta por eleições livres e diretas não tem prazo para acabar,
como ocorre com outros partidos de oposição. Significa também que essa campanha traz em seu
bojo a luta contra a política salarial, contra o desemprego, contra a estrutura sindical atrelada ao
Estado, contra o acordo com o FMI. Para nós, a luta por eleições diretas é uma luta pelo direito de
o
o povo exercer o controle do Governo.” In: Circular n . 06/84 (1984).
91
“Para nós, portanto, o grande desafio é romper os limites que parte das oposições tenta impor à
campanha. Daí que a luta por diretas, para transpor as bandeiras do campo puramente
institucional, deve combinar-se e desdobrar-se num plano que preveja grandes jornadas de lutas
de massas contra o Regime, tais como a proposta apresentada pela CUT, para discussão nos
Comitês Pró-Diretas, de uma greve geral. Nessas jornadas, tem importância fundamental o
movimento popular e sindical, suas reivindicações e suas formas de luta, como passeatas,
boicotes, ocupações e, sobretudo, as greves. Nesse plano, a CUT e sua proposta de greve geral
podem ter papel decisivo, desde que saibamos avaliar os acertos e erros das lutas de 21 de julho e
25 de outubro de 83. Neste momento, levar os trabalhadores à greve geral significa prepará-la de
forma sistemática, política e organizativamente, o que exige, além de iniciativa da CUT, o
aprofundamento do trabalho de base, a busca de apoios e alianças na área sindical e articulações
1 — Revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN) e demais leis
repressivas, bem como dos dispositivos constitucionais sobre medidas de
emergência e estado de emergência, e desmantelamento do aparelho
repressivo.
2 — Rompimento imediato com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
imediata suspensão do pagamento da dívida externa, com a subsequente
investigação de caso a caso.
(...)
5 — Reforma Agrária sob direção e controle dos trabalhadores que
garanta terra para quem nela trabalha.
6 — Liberdade e autonomia sindicais, com reconhecimento efetivo do
direito de greve e desatrelamento da estrutura sindical em relação ao Estado.
7 — Reformulação com efetiva participação dos trabalhadores — das
leis sobre trabalho, salários, previdência social e aposentadoria.
92
(...)
pretensão de testá-las agora – para a atuação mais eficaz a médio prazo.” In: Circular no. 30/84
(1984).
95
Encontro Nacional Extraordinário (1985).
96
“É preciso, portanto, inverter o discurso do PT e modificar a sua ênfase: é por razões políticas, e
não moralistas , que combatemos o Colégio e a polarização, expressão da transição burguesa. É
preciso combater o inimigo principal – a ditadura e seu candidato oficial Maluf – mas também é
preciso combater a aliança PMDB-PDS pelo que ela representa, politicamente, de continuidade da
dominação burguesa. A negativa do voto à candidatura tancredista não decorre do fato de que ela
é indireta, mas do que ela politicamente e dos acordos que ela implica. Embora reconhecendo
eventuais diferenças entre Tancredo e Maluf, as semelhanças entre as duas candidaturas indica
que ambas devem ser combatidas. O PMDB e sua aliança com setores do PDS são responsáveis
pela legitimação do candidato Maluf e do malufismo. O combate a ambas as candidaturas deve
incidir sobre itens fundamentais da nossa plataforma de dez pontos que são indispensáveis para
atender as mínimas reivindicações das classes trabalhadoras e que nenhuma das duas
candidaturas está disposta a assumir, com o rompimento com o FMI, a revogação da Lei de
Segurança Nacional (LSN) e a Reforma Agrária.” In: Circular no. 30/84.
97
“[...] os petistas [...]devem ter consciência de que terão de lutar, sempre e simultaneamente,
contra duas frentes: de um lado, o projeto de continuidade rígida do regime, representado pelo
núcleo militar mais à direita e por ‘candidatos’ do tipo de Maluf, Andreazza, ou outro qualquer; e,
de outro lado, pela continuidade amenizada mas real do regime, representada pelo conchavo de
setores conservadores e reacionários do PMDB com setores oportunistas e igualmente
conservador e reacionário do PDS, e que se expressa na candidatura Tancredo/Sarney. É preciso
levar em conta, ainda, que, provavelmente, a totalidade da imprensa burguesa e dos órgãos de
“A Aliança Democrática reunificou, num único bloco, latifundiários,
banqueiros, industriais, grupos estrangeiros e setores militares. E, na tentativa
de ocultar este caráter de classe, seus objetivos continuístas e sua legitimidade,
a Aliança Democrática explorou o sentimento popular de repúdio a Maluf,
apoiou-se na palavra de ordem de mudanças. Daí entender porque a população,
desejando as eleições diretas, mas não vendo como conquistá-las de imediato,
tenha sido envolvida pelo falso dilema Tancredo ou Maluf. E, posta diante dele,
foi levada a manifestar a preferência pelo menor, como manda a velha tradição
do País. Ao mesmo tempo, a participação do PMDB na campanha transferiu
para os comícios o peso de sua influência sobre amplos setores populares, que
ainda tem dele a imagem do partido de oposição ao Regime de 64.
Vitoriosa graças ao grande bloco de forças que aglutinou, a Aliança
Democrática buscou arrastar para o Colégio Eleitoral o único partido que se
mantém independente: o PT. Não se tratou, para ela, de precisar dos votos do
PT, dada a sua evidente maioria entre os delegados, mas de conquistar nosso
apoio político, social e ideológico para o projeto de transição das classes
dominantes e para o pacto social que pretende legitimá-lo e consolidá-lo.
Embora a diversidade de setores que compõem a Aliança Democrática não
tenha permitido, até agora, a apresenta ção de um projeto político e econômico
mais acabado, os hegemônicos da Aliança já têm definidos alguns
compromissos e objetivos fundamentais. São eles: a eleição de um Congresso
de centro-direita em 1986, a quem se entregaria a reforma da Constituição; a
aceitação da tutela militar; o compromisso de honrar todos os acordos com o
FMI e com o capital financeiro do País e do exterior; garantia de intocabilidade
da propriedade fundiária, mantendo como padrão de política agrária a mera
aplicação do Estatuto da Terra; em resumo, um conjunto de linhas que
representam a disposição, já manifestada pelo próprio candidato a presidente,
98
de manter-se fiel aos ideais de 64.”
comunicação de massa, segmentos das classes médias altas, políticos profissionais e carreiristas,
e toda uma gama de oportunidades, estarão optando ou pelo projeto Maluf/Andreazza ou pelo
projeto Tancredo/Sarney, ambos tendo em comum a característica principal de manter a classe
o
trabalhadora fora do cenário de decisões políticas, econômicas e sociais.” In: Circular n . 20/84.
98
Encontro Nacional Extraordinário.
99
“Num momento em que a Aliança Democrática tenta consolidar sua hegemonia de classes
através da adesão dos trabalhadores a um pacto social e através da participação do PT na
transição conservadora, é fundamental que o Partido preserve sua independência política.
Primeiro, porque o PT nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados
de servir de massa de manobra para os políticos e partidos comprometidos com a atual ordem
econômica, social e política. Segundo, porque a recusa à dominação burguesa se expressa
também pela organização dos movimentos sociais e suas lutas e por sua autonomia em relação ao
Estado. Depois, porque nossa atuação no Parlamento e nas instituições tem como objetivo utilizar
essas tribunas e espaços a serviço da luta pela ampliação da margem de liberdade política e a
conquista de reivindicações econômico-sociais, sempre postas em função do acúmulo de forças
dos trabalhadores, tendo em vista conquistar o poder e o socialismo.” Ibidem.
desobedeceram as deliberações e votaram no que representava a oposição,
ou seja, em Tancredo Neves 100. Isto para o Partido representou um momento
de instabilidade, tanto internamente quanto para a opinião pública, e a forma
de contorná-lo e dar uma resposta aos críticos foi a punição aos deputados:
100
“No Encontro Nacional do PT, realizado em Diadema, nos dias 12 e 13 de janeiro deste ano
[1985], foi legitimamente tomada a decisão de que: se algum deputado federal eleito pelo PT
participasse do Colégio Eleitoral, a Comissão Executiva Nacional deveria pedir que ele se auto-
desligasse do partido; e, em caso de recusa, numa segunda fase, a Comissão Executiva Nacional
e o Diretório Nacional tomariam as providências de desligá-lo;” In: Proposta de Resolução da
Comissão Executiva Nacional ao Diretório Nacional.
101
Ibidem.
102
“O Partido dos Trabalhadores, irmanado com os demais brasileiros, vem acompanhando com
tristeza os sofrimentos do Presidente Tancredo Neves, e junta sua voz à de todos quantos
desejam o mais pronto e completo restabelecimento de sua saúde.
Com o mesmo senso de responsabilidade e de respeito. Neste momento de angustia com a saúde
do Presidente e de aflição com a situação do Brasil – o PT julga de seu dever vir a público para
apresentar as posições e as propostas que se seguem (...)” In: Nota à Imprensa.
Democrática104 e, principalmente, para a defesa de uma Assembléia Nacional
Constituinte que respeitasse os interesses dos trabalhadores 105.
Os principais pontos defendidos pelo Partido acerca da Assembléia
Constituinte foram os seguintes:
103
Ibidem.
104
“Contra a política econômica da Aliança Democrática, que não pretende romper os
compromissos do Regime Militar com o FMI; contra o pacto social que prevê congelamento de
preços e de salários apenas para manter o arrocho salarial, o PT propõe aumentos reais de
salários; reajustes trimestrais e escala móvel de salários corrigida pelo INPC do mês; salário-
desemprego; jornada semanal de 40 horas, sem redução de salário; estabilidade no emprego e
políticas imediatas de geração de empregos, de alimentação, de saneamento, de moradias
populares, de melhorias dos transportes, de saúde – um programa de emergência voltado para a
população carente. Para combater a recessão, a inflação, o desemprego, a concentração de
renda, e para retomar o crescimento econômico sobre novas bases, o PT propõe o rompimento
dos acordos com o FMI, a suspensão do pagamento da dívida externa e uma reforma agrária sob
controle dos trabalhadores. É preciso que o PT elabore, a partir do Projeto de Programa
Econômico, propostas de políticas alternativas no plano econômico, com base nos interesses e
reivindicações dos trabalhadores, tendo sempre claro que não haverá mudanças institucionais
democráticas no País sem a luta social e a pressão das massas, dado o caráter reacionário e
conciliador do atual Congresso Nacional, dominado pela Frente Liberal e a ala conservadora do
PMDB.” In: Encontro Nacional Extraordinário.
105
“Por isso, devemos dar prioridade à organização e unificação das lutas dos movimentos, para,
sem pacto nem trégua, termos uma Constituinte com a mais ampla liberdade, representatividade e
democracia – requisitos que serão mais ou menos amplos dependendo da maior ou menor
participação dos trabalhadores, de forma direta, na elaboração das leis. Ainda que assegurados
estes requisitos e diante da atual correlação de forças, devemos deixar claro que o PT continuará
lutando para transformar a ordem social, econômica e política vigente, já que nosso objetivo é a
construção do socialismo.” Ibidem.
As lutas contra o governo da Aliança Democrática ficava no plano da
denúncia, assim como acontecera na luta contra os militares, pois o ataque
ou mesmo a defesa da destituição de tal governo poderia fornecer os
subterfúgios para a volta dos militares à esfera política. Na defesa da
Assembléia Constituinte o Partido pecou por suas próprias deficiências,
como vemos na citação abaixo:
106 o
Circular n . 07/85.
107
Uma Contribuição para o Debate.
108
Convém ressaltar que foram coletados para a consulta alguns dados referentes a encontros de
núcleos de categorias, entretanto, estes não representam a principal referência para a consulta
aos filiados.
uma maior abrangência à consulta109, mas, por encontros do Partido, sendo
que os consultados circunscreveram-se aos filiados.
Mesmo sendo uma consulta restrita aos filiados do Partido, a
participação destes foi insignificante, pois a média de participação à consulta
não ultrapassou, em nível nacional, a 7% do número de filiados 110.
QUADRO 1*
ESTADO FILIADOS TOTAL PORCENTAGEM
Acre 1.293 99 7.6
Bahia 11.932 463 3.9
Ceará 8.806 611 6.9
Goiás 8.959 965 10.8
Goiânia - - -
Maranhão 6.778 179 2.6
Mato Grosso 1.623 123 7.6
Minas Gerais 33.275 2.613 8.1
Paraíba 5.775 218 3.8
Paraná 13.392 504 3.8
Pernambuco 9.479 53 5.6
109
Como analisamos anteriormente, aquilo que já vinha se delineando até as eleições de 1982, se
acentuou no decorrer da década de 80, ou seja, a progressiva desestruturação dos Núcleos de
Base. Neste período analisado foram produzidos pelo partido documentos críticos acerca da
existência dos Núcleos de Base, de um destes foi extraída a seguinte citação que constatava a
inexistência de dados sobre os Núcleos: “A partir de janeiro de 83 entramos num processo de
recomposição dos organismos intermediários a até hoje o partido não respondeu satisfatoriamente
à organização dos núcleos. Pelo nosso levantamento atual (...) que é otimista, porque inclui
núcleos parados e inclui os núcleos rurais que se confundem com as delegacias sindicais e as
CEBs, temos 668 núcleos. Em janeiro de 81 a Secretaria de Organização de São Paulo informava
que dos 72 mil filiados, 6 mil e quinhentos estavam organizados em núcleos, o que representava
menos de 10% do partido. Hoje, eles nem sabem se a porcentagem persiste, aumentou ou
diminuiu. Entre as causas apontadas para a diminuição dos núcleos se encontra a ausência de
uma clara sistematização das experiências já acumuladas de nucleação.” In: Plano Nacional de
Organização
110
“O Partido dos Trabalhadores tem 290.000 filiados, em 24 Estados, dos quais 281.432 nos 19
Estados em que, pelas informações disponíveis até o momento, realizou-se a consulta. Dispõem-
se de dados razoavelmente completos para 15 Estados, com 251.120 filiados. Nestes Estados,
pelo menos 18.749 filiados compareceram aos encontros e votaram, o que dá uma média de 7.5%.
Para São Paulo, dispõem-se de dados completos e essa porcentagem é de 9.8%. Dada a
subestimação dos dados disponíveis para alguns Estados, como Rio Grande do Sul e Bahia,
incluídos nos 15, deve-se admitir que o comparecimento real deve ter sido mais próximo da média
de São Paulo (9.8%). Houve comparecimento ainda maior no Piauí (16.5%), Brasília (12.3%) e
Goiás (10.8%). Em suma, a provável é que entre 25 a 30 mil filiados devem ter participado na
consulta do Partido dos Trabalhadores.” In: Fundação Wilson Pinheiro – Consulta às Bases do PT.
*
FONTE: Fundação Wilson Pinheiro – Consulta às Bases.
ESTADO FILIADOS TOTAL PORCENTAGEM
Piauí 3.811 627 16.5
Rio de Janeiro 31.443 2.200 7.0
Rio Grande do Norte 2.561 76 3.0
Rio Grande o Sul 20.710 347 1.7
Santa Catarina 8.420 492 5.8
São Paulo 95.907 9.445 9.8
Sergipe 1.495 143 8.9
Distrito Federal 2.000 245 12.3
Espírito Santo 4.880 398 8.2
Total 281.432 19.792 7.0
“Esta porcentagem pode parecer baixa, mas não é, pois o ‘filiado’ é todo
eleitor que em determinado momento dá apoio formal à agremiação política. Ele
não pode ser confundido com o participante ativo, que contribui para os cofres
partidários e comparece regularmente a reunião de diretórios ou núcleos. No PT
cerca de 20% dos filiados são participantes ativos, o que certamente constitui
111
uma porcentagem elevada entre os partidos brasileiros.”
111
Ibidem.
112
Semelhante ao Estatuto do PT, o Regimento Interno mantêm atrelado os Núcleos de Base à
estrutura deliberativa do partido: “(A) Organizar a ação política dos filiados, segundo a orientação
dos órgãos de deliberação e direção partidária, estreitando a ligação do partido com os
movimentos sociais;(B) Aprender e assimilar, transmitindo ao partido e ao conjunto da sociedade,
a realidade existente, as condições de vida, de trabalho e de estudo, bem como os problemas e
aspirações dos trabalhadores em suas áreas de atividade; (C) Participar, no âmbito do Programa e
das Resoluções das Convenções e demais órgãos de direç ão de nível superior, da elaboração da
orientação e das políticas setoriais do partido, buscando caminhos para transmiti-las aos
trabalhadores e respeitando as condições concretas e específicas de sua área de atividade; (...)”
In: Regimento Interno do Partido dos Trabalhadores.
113
“Art. 11 – Os núcleos, de qualquer tipo, têm igualmente os seguintes direitos:
a) iniciar ações articuladas de núcleos vizinhos ou afins, dentro de uma mesma área municipal,
para desenvolver campanhas de interesse comum, dando conhecimento destas aos diretórios
correspondentes;
b) encaminhar propostas, ações de recurso, consultas ou críticas aos órgãos de nível superior,
inclusive à Convenção Nacional;
c) propor aos órgãos superiores a realização de instâncias consultivas, como encontros,
seminários, etc., para debate e aprofundamento de problemas de interesse político ou social.”
Ibidem.
“Art. 3 o. — As funções dos núcleos de base são as seguintes:
a) organizar a ação política dos filiados, segundo a orientação dos
órgãos de deliberação e direção partidária, estreitando a ligação do Partido com
os movimentos sociais;
b) aprender e assimilar, transmitindo ao Partido e ao conjunto da
sociedade, a realidade existente, as condições de vida, de trabalho e de estudo,
bem como os problemas e aspirações dos trabalhadores em suas áreas de
atividade;
c) participar, no âmbito do programa e das resoluções das convenções e
demais órgãos de direção de nível superior, da elaboração da orientação e das
políticas setoriais do Partido, buscando caminhos próprios para transmiti -las aos
trabalhadores e respeitando as condições concretas e específicas de sua área
de atividade;
d) estimular e fortalecer as entidades representativas dos trabalhadores
e dos movimentos populares, participando regularmente de suas reuniões e
campanhas reivindicatórias, em todos os níveis;
e) participar dos movimentos sociais e orientar e encaminhar a ação
política dos militantes de núcleo nesses movimentos, respeitando sempre suas
decisões:
1- emitir opinião sobre as questões municipais, regionais e nacionais
que sejam submetidas a seu exame pelos respectivos órgãos de direção
partidária;
2- aprofundar e garantir a democracia interna do Partido dos
Trabalhadores;
3- promover a educação política dos militantes e filiados;
4- sugerir aos órgãos de direção partidária consulta aos demais núcleos
de base sobre questões locais, regionais ou nacionais de interesse do Partido;
5- convocar o Diretório Municipal, nos termos do art. 16 do estatuto; e
114
f) fazer filiações.”
o
“Em 1 . de maio de 1980, por ocasião do Primeiro Encontro do PT,
tínhamos 28 mil filiados e 623 Núcleos de Base. Um ano e meio depois, em
setembro de 1981, após um processo de filiação intenso visando a legalização
do partido, acreditávamos ter numa previsão otimista, 300 mil filiados e mil
núcleos. A campanha eleitoral de 82, além de diluir os organismos dirigentes do
partido, diluiu também os Núcleos de Base.
A partir de janeiro de 83 entramos num processo de recomposição dos
organismos intermediários a até hoje o partido não respondeu satisfatoriamente
à organização dos núcleos. Pelo nosso levantamento atual (...) que é otimista,
porque inclui núcleos parados e inclui os núcleos rurais que se confundem com
as delegacias sindicais e as CEBs, temos 668 núcleos. Em janeiro de 81 a
Secretaria de Organização de São Paulo informava que dos 72 mil filiados, 6 mil
114
Ibidem.
e quinhentos estavam organizados em núcleos, o que representava menos de
10% do partido. Hoje, eles nem sabem se a porcentagem persiste, aumentou ou
diminuiu. Entre as causas apontadas para a diminuição dos núcleos se encontra
a ausência de uma clara sistematização das experiências já acumuladas de
nucleação.
Observamos que os núcleos se mantém onde estão ligados aos
movimentos sociais e onde os filiados se motivam a participar da vida do partido.
Há PT fraco em lugares onde o movimento social é forte, mas não há PT
forte onde os movimentos sociais são fracos. Isso no mínimo significa que o PT
continua a receber do movimento social sua força mas não tem provocado sua
115
existência onde eles não existem.”
115
Plano Nacional de Organização – Projeto a ser submetido ao Diretório Nacional.
116
“De um lado, enfrentamos dificuldades para nos ligar estreitamente ao movimento popular. É
ponto de honra do PT afirmar que não há organização partidária sem trabalho de base, mas muitos
petistas têm, em sua prática, vícios que condenamos em outros partidos: querer resolver tudo por
cima, buscar, sem representatividade real, posições no Partido, fazer discussões intermináveis e
fechadas, etc. Referimo-nos, também, aos que usam o PT como espaço político para passar suas
próprias posições sem se submeterem às instâncias partidárias, considerando o PT uma frente
o
política.” In: Circular n . 06/84
117
“Mas isso não basta. Temos de criar núcleos que se liguem às lutas do bairro, do local de
trabalho, da categoria profissional. É nas ligações com as lutas concretas que estão as
motivações, o dinamismo, a própria razão de ser dos núcleos de base do PT. O que dá vitalidade
aos núcleos de base de Diretórios é a sua capacidade de mobilizar os trabalhadores nas
reivindicações locais, por creche, saneamento, escola, transporte, saúde, bem como nas demais
campanhas – sejam eleitorais ou de solidariedade aos movimentos grevistas – que contribuem
para a preparação das lutas gerais indicadas em plataformas nacionais. O que sustenta o núcleo
por local de trabalho e o núcleo por categoria profissional é a sua capacidade de mobilizar os
militantes na organização dos trabalhadores em seu local de trabalho, no apoio às lutas sindicais,
na discussão da política salarial, na criação de novas lideranças. Os núcleos de base do PT só
serão organismos vivos, enfim, se, além de se ocuparem do debate dos documentos políticos e da
construção partidária, forem capazes de aprender, elaborar e aplicar linhas políticas realistas e
adequadas para os movimentos sociais. É a realidade cotidiana do trabalhador que deve servir de
matéria-prima para as reuniões dos núcleos. O filiado, como qualquer pessoa, não se sente à
vontade num núcleo onde se quer ‘fazer a sua cabeça’ a qualquer custo, em claro desrespeito às
suas dificuldades, conflitos e aspirações.” Ibidem.
representante dos interesses dos trabalhadores: transformar, por completo, a
sociedade brasileira.
Entretanto, os movimentos popular e sindical não podem, jamais, estar
subordinados ao Partido. O PT deve lutar para assegurar a autonomia e
independência desses movimentos diante do Estado, dos demais partidos e do
próprio PT. Isso, no entanto, não significa que renunciemos ao nosso direito e ao
nosso dever de, como Partido, formular propostas para os movimentos sociais.
Assim, é da maior importância que o PT oriente seus militantes para
definirem suas propostas de atuação nesses movimentos, mas também é
importante saber que, ao apresentarem suas propostas, já o fazem na qualidade
de membros dos movimentos de que participam. É justo que os petistas
busquem a unidade de ação como militantes do Partido, mas mantendo sempre
o respeito à autonomia dos movimentos e às suas próprias instâncias
118
deliberativas.”
118
Ibidem.
119
“Até o momento, não temos uma política nacional de crescimento e construção partidária que
vá além das tarefas de legalização, por mais indispensáveis que estas sejam. Pela quase completa
falta de recursos materiais, e pelas dificuldades de mobilização de recursos humanos, não temos
estabelecido prioridades nacionais que permitam pôr em prática a regionalização do Partido. Não
podemos ter a crença ingênua de que é possível falar uma mesma e só linguagem em São Paulo,
ABC e no norte do País. Muito embora nossos objetivos sejam nacionais, não podemos querer que
se tornem homogêneas e inteiramente iguais experiências dos trabalhadores que são diferentes
nos quatro cantos do País. A realidade não é homogênea e igual, e temos de aprender a vê-la e a
entendê-la;
Na maioria dos estados, é débil a nossa presença organizada nos movimentos sociais. Em
algumas regiões, quer pelas características de seu desenvolvimento econômico e social, quer pelo
peso conservador da sociedade, praticamente não existe movimento sindical ou qualquer outro
movimento popular. No entanto, a miséria e o sofrimento são enormes, como o atesta, muitas
vezes, a vida de nossos próprios militantes. Daí que, em algumas regiões ou cidades, a presença
do PT seja apenas mera referência nominal. Em outros casos, onde o movimento popular e
sindical é dinâmico e o PT tem base social, mas não tem políticas claras, ou tem uma prática
equivocada ou não adaptada à realidade, o PT adquire uma imagem que afugenta potenciais
filiados e até mesmo faz perder militantes ativos, dificultando o crescimento partidário.” Ibidem.
para dinamizar sua estruturação e, de certa forma, atenuar esses obstáculos
foi levantar bandeiras de lutas políticas dos trabalhadores contra a situação
econômica em que se encontrava a sociedade brasileira, semelhante às lutas
pelas eleições diretas, contra o Colégio Eleitoral e pela Constituinte “livre”,
entre outras.
120
Ibidem.
sociedade, ao contrário dos anos anteriores, em que o Partido colocou para
os trabalhadores um socialismo indefinido.
121
“O capitalismo encontra-se num alto nível de desenvolvimento no Brasil, neste final do século
XX. Todavia, o capitalismo expandiu-se aqui de forma regionalmente muito desigual. No centro-sul
e no sul do País há um capitalismo relativamente concentrado, que, principalmente em São Paulo,
alcançou um razoável grau de centralização. Mas no resto do Brasil o capitalismo está disperso
por pequenas empresas, com algumas poucas exceções, e aproveita-se, em medida considerável,
de formas atrasadas de produção. Em muitas regiões chega a predominar a economia mercantil
simples e não a economia mercantil capitalista. Mesmo nas áreas desenvolvidas é bastante
disseminada a existência de cerca de 2,5 milhões de pequenas empresas familiares, industriais e
comerciais, além de uma agricultura de pequenos produtores, que contrasta com as agropecuárias
capitalistas e os latifúndios.” In: Plano de Ação Política e Organizativa do Partido dos
Trabalhadores para o período 86/87/88.
122
“Esse tipo de desenvolvimento capitalista no Brasil expandiu, do ponto de vista social, uma
diversificada camada de assalariados urbanos e rurais na indústria, no comércio, nos serviços em
geral e na agricultura, incluindo aí uma pequena burguesia de extensão razoável. Além disso,
apesar do processo de expropriação a que foram e continuam sendo submetidos os camponeses e
os pequenos e médios proprietários urbanos, essas camadas cresceram em termos absolutos,
acompanhando o aumento da população. A pequena burguesia proprietária, incluindo donos de
pequenas empresas industriais, comerciais e de serviços (familiares e com alguns assalariados),
autônomos e camponeses, abrange uma considerável massa da população brasileira.” Ibidem.
123
“Assim, é possível perceber hoje, na sociedade brasileira, a existência de uma poderosa classe
burguesa, originária dos antigos senhores de terra da época imperial e que foi, gradativamente,
incorporando e integrando setores mercantis e comerciais, o setor industrial (1930), o setor
O Partido dividiu as classes trabalhadoras do Brasil em três grandes
setores. O primeiro setor comportava uma particularidade, pois, compreendia
a classe média, com as mais variadas atividades que na concepção do
Partido estavam a meio caminho entre a burguesia e os trabalhadores:
125
Ibidem.
126
Ibidem.
127
“A classe média brasileira, em grande parte por causa de suas características híbridas, tem
graus variados de consciência e organização. Nos centros urbanos, a classe média, por si ou, às
vezes, em conjunto com forças das Igrejas e dos partidos políticos, tem conseguido organizar-se
através de movimentos de idéias e da criação de entidades associativas. Tais movimentos e
entidades revelam sua fragilidade, contudo, nos períodos conjunturais de caráter autoritário
(Estado Novo, 1937/1945; Ditadura militar, 1964/84), em que praticamente desaparecem, para
tentar reaparecer nos períodos de normalidade. Nos últimos anos, tem crescido a organização da
classe média através de entidades associativas e representativas, movimentos de reivindicação ou
resistência, participação na vida político-partidária e acesso ao Poder Legislativo.” Ibidem.
128
“(...) A partir de 1974, crises internas no bloco dominante, o esgotamento do modelo
econômico, a insatisfação crescente da população, foram criando condições para o surgimento de
reivindicações, movimentos e entidades em setores da classe média e dos trabalhadores urbanos
(artistas, intelectuais, estudantes, jornalistas, professores), bem como nos bairros das favelas e da
periferias, com o amparo de setores da Igreja Católica. Em 1978 irrompe a combatividade de
setores de ponta da classe operária, principalmente no ABC e, a partir daí, foram se multiplicando
Diante das características das classes sociais encontradas na
sociedade brasileira, o PT chegou à seguinte conclusão referente ao estágio
da luta de classe nessa sociedade:
131
“E, embora ainda não esteja colocada para o conjunto da classe trabalhadora a consciência
dessa necessidade, é possível afirmar que o estágio do desenvolvimento do capitalismo, da
formação das classes e do grau de luta entre as classes, no Brasil, já apresentam as condições
necessárias para as lutas que permitam um acúmulo de forças, ampliem o espaço democrático,
assegurem e intensifiquem os avanços e as conquistas populares e, ainda mais, criem as brechas,
os caminhos e as pontes capazes de conduzir às transformações indispensáveis na direção da
construção de uma sociedade socialista.” Ibidem.
132
Ibidem.
constituem componentes indispensáveis, hoje, à constituição de uma visão de
mundo e de uma prática política efetivamente libertária. O socialismo se tornará
um propósito muito mais poderoso e influente se for mais do que uma
democracia política e econômica, e se passar a ser compreendido como um
novo modo de vida, baseado numa visão de mundo profundamente crítica e
humanista, qualitativamente superior a tudo que o capitalismo pode oferecer.
Algo que possa responder a toda uma série de necessidades sentidas, em graus
variados, por todos. Isso pressupõe a difusão de uma perspectiva realmente
emancipadora, reforçando a credibilidade das massas trabalhadoras no ideal
133
libertário socialista.”
133
Ibidem.
134
“Estas considerações permitem, desde já, também, delimitar as linhas gerais e o caráter das
alianças que serão necessárias e possíveis no processo de transformações no rumo do
socialismo. Alianças e acordos serão necessários, e indispensáveis, entre o conjunto heterogêneo
de forças políticas e sociais que atuam no interior das classes trabalhadoras, e que, cada uma a
seu modo, representam com maior ou menor grau de legitimidade interesses e valores setoriais e
conjunturais dos diversos componentes da classe. Por outro lado, é impossível supor alianças
estratégicas com a burguesia e com as forças políticas que sustentam a dominação e a hegemonia
da classe burguesa e a perpetuação do sistema capitalista. Certamente, em determinadas
conjunturas, pode-se tornar imprescindível fazer acordos restritos e limitados em torno de pontos
definidos, concretos e objetivos, com forças que não lutam pelo socialismo, mas é necessário
abandonar de vez a ilusão de que seja possível manter uma tática antagônica à estratégia, ou de
que, com palavras e discursos hábeis, seja viável enganar momentaneamente as forças sociais e
políticas contrárias ao socialismo. As experiências históricas do Brasil e de outros países mostram
que são os pretensos enganadores que sempre acabam logrados, e que as alianças da classe
trabalhadora com a burguesia só favorecem os interesses desta, e atrasam ou impedem o avanço
da organização daquela, bem como o caminho para o socialismo.” Ibidem.
burguesia se, juntamente com os trabalhadores expropriados e a classe
média, fossem somados os pequenos proprietários. E a segunda, com
relação a se pensar em como seria o modo de produção da sociedade
socialista vislumbrada pelo Partido se esse passou a defender interesses de
pequenos proprietários privados.
O Partido se preocupou com essas questões e tentou solucioná-las,
por um lado relativizando sua vitória socialista:
135
Ibidem.
136
Ibidem.
de socialismo 137 , pois, tinha por princípio básico o preponderante e paulatino
controle dos meios de produção pelo Estado, com formas de propriedade
que não a privada.
137
Este trecho que se segue demostra a preocupação do partido com os perigos de uma
estatização completa, de uma só vez da economia, o que também torna relativa a sua defesa do
pequeno produtor ou empresário, ambos paulatinamente seriam assimilados por formas
alternativas de propriedade que não a privada: “A estatização e a coletivização administrativa da
pequena produção e da propriedade dos meios de produção, tanto urbana quanto rural, podem ser
prejudiciais, tanto do ponto de vista econômico quanto político. Economicamente porque exigem,
para seu controle, a formação de uma pesada máquina burocrática, cuja eficiência é muito
discutível, entorpecendo a iniciativa dos pequenos produtores estatizados ou coletivizados e
impedindo o aproveitamento de todas as potencialidades para desenvolver mais rapidamente as
forças produtivas materiais. A médio prazo, levam a economia à estagnação, criando desequilíbrio
entre a produção e o consumo e entre os diversos ramos produtivos.” Ibidem.
138
Ibidem.
139
“A projeção dos delineamentos gerais de uma futura sociedade socialista no Brasil, tanto
quanto do processo de transformações para se chegar a ela, exige o concurso de três vertentes de
conhecimentos, que precisam ser adequadamente combinadas e articuladas: o estudo sistemático,
objetivo e aprofundado da realidade concreta do Brasil, nas suas dimensões histórica, social,
econômica, cultural, política e institucional; a teorização da prática social dos movimentos sociais
brasileiros, notadamente o popular, o sindical e o político-partidário, fonte indispensável para a
apreensão concreta do que e do como fazer histórico cotidiano nas condições brasileiras; e a
avaliação crítica das contribuições teóricas dos que pens aram a construção do socialismo, pelo
seu cotejamento com as experiências concretas já tentadas em vários países de todo o mundo
nestes últimos cem anos. O resultado desse esforço há de ser a imagem de um socialismo não
‘livresco’, nem de ‘gabinete’, nem de ‘cúpula’, nem ‘importado’, nem ‘retórico’, nem ‘imposto’, etc.,
mas sim de um socialismo nascido da realidade brasileira, pensado e construído a partir da
vontade e das ações das classes trabalhadoras, nas condições de necessidade e de possibilidade
que essas mesmas classes irão modificando com sua ação concreta.” Ibidem.
de uma análise crítica da situação política em que se encontrava a sociedade
brasileira naquele momento 140. Como em situações anteriores, o “inimigo
objetivo” do Partido era identificado nos detentores do poder de Estado, os
representantes da Aliança Democrática , responsáveis pela manobra para
conquistar o apoio popular para a causa da burguesia, ou seja, pela
mobilização popular em torno dos pacotes econômicos — Planos Cruzados
— do governo na defesa do congelamento de preços.
140
“A Aliança Democrática assumiu essa tarefa de tirar a burguesia da crise conjuntural em que
estava mergulhada e, ao mesmo tempo, realizar as manobras e as concessões indispensáveis
para manter as massas sob sua hegemonia e evitar aguçamento perigoso das contradições
sociais. Aproveitando-se das esperanças que procurou inocular nas massas, com a vitória de
Tancredo no Colégio Eleitoral e da comoção que sua morte causou, o Governo Sarney avançou,
primeiramente, na realização de reformas políticas parciais, com o claro intuito de cercear a
participação popular no Parlamento, na Constituinte e no controle democrático do poder, e adiar ao
máximo as mudanças que se faziam necessárias na economia. Mesmo a reforma agrária, cuja
necessidade (embora com objetivos diferentes) só não é reconhecida por setores reacionários do
latifúndio, não tem passado da promessa formal de realizá-la e de medidas paliativas nas áreas de
maior tensão, onde continuam a atuar as milícias dos latifúndios e onde o assassinato de
trabalhadores rurais permanece impune.
As eleições de 1985 mostraram um profundo descontentamento popular com os rumos do
Governo e sua inoperância e imobilismo no atendimento da maior parte das reivindicações
econômicas, sociais e políticas. E deflagraram uma crise relativamente séria na AD, cada vez mais
sob a hegemonia dos conservadores. Com o perigo da perda de suas bases populares e de
sustentação, os setores liberais do PMDB passaram à disputa aberta da direção do Partido e da
AD, a pretexto de que o Governo não estaria cumprindo o programa de mudanças acertado com
Tancredo. O episódio da renovação do Ministério, na qual ganhou predomínio o PFL e no qual
pontificam figuras do antigo Regime, foi o ponto de virada da posição da chamada ala progressista
do PMDB.” Ibidem.
e lucro, que é a base fundamental do processo de exploração da sociedade
141
capitalista.”
141
Ibidem.
142
“Na luta contra a carestia, que voltou a ganhar uma ênfase considerável, será preciso levar em
conta a atual mobilização das massas pelo controle do congelamento, adotando, ao mesmo
tempo, uma postura mais crítica e ofensiva para fazer avançar o movimento de massas. Do ponto
de vista crítico, será necessário realizar um paciente trabalho de esclarecimento, mostrando as
limitações das medidas de congelamento e os resultados que tais limitações poderão trazer sobre
a inflação real e sobre os salários. Ao mesmo tempo, é preciso indicar as medidas que deveriam
ser adotadas para tornar efetivo o congelamento, medidas que incluem o monopólio sobre o
comércio atacadista, a compra obrigatória, pelo Estado, dos gêneros e produtos essenciais, com a
manutenção de estoques reguladores; o controle direto das unidades produtivas, para evitar que
os preços de produção pressionem os preços de venda; o controle dos juros, para permitir o
rebaixamento dos custos de produção.
Para fazer frente a esse novo estágio da luta contra a carestia, torna-se necessário, ao PT,
participar da mobilização das massas, com propostas claras de oposição global ao pacote
econômico, apontando para políticas efetivas de participação na luta pelo congelamento, com
eixos centrais em defesa do congelamento, com eixos centrais e prioritários:
a) participar dos movimentos que já existiam em defesa do congelamento dos preços de gêneros
essenciais de consumo popular, serviços e tarifas de serviços públicos (luz, água, transporte);
b) participar dos comitês de congelamento, movimentos de massa e associações que lutem pelo
congelamento, sempre na perspectiva de defesa dos interesses populares.” Ibidem.
143
“Os militantes do PT devem levar as propostas socialistas para os trabalhadores, devem fazer
propaganda do socialismo e discutir com os trabalhadores a necessidade de um novo poder e de
uma nova sociedade. Nesse tipo de atividade, eles procuram elevar a consciência, a mobilização e
a organização da massa dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, incorporar ao PT aqueles que
mais se destacam no processo de luta e aqueles que despertaram para a política. Nessa atividade,
os militantes petistas, empenhados na luta pelo socialismo, procuram imprimir na prática e na ação
do sindicalismo a busca desse objetivo do Partido, sem, contudo, pretender impor-lhes um
programa alternativo de poder, socialista. O movimento sindical não deve ficar restrito às bandeiras
econômicas. Ao lutar para que a CUT e os sindicatos assumam bandeiras políticas, os petistas
devem ter o cuidado de que essas bandeiras expressem as aspirações, reivindicações e
necessidades das grandes massas e não só de uma parcela dos trabalhadores. Nesse sentido, a
luta contra a dívida externa, pela ampla participação popular na Constituinte, pela incorporação
dos direitos adquiridos dos trabalhadores na nova Constituição, pela liberdade e autonomia
sindical e outras bandeiras podem mobilizar os trabalhadores em geral.” Ibidem.
1º- Combinar a campanha da Constituinte com o processo das lutas
operárias (Campanha Nacional de Lutas, greves, mobilizações, etc.), assumindo
as principais bandeiras do movimento (reforma agrária, 40 horas, não
pagamento da dívida externa, Convenção 87 da Organização Internacional do
Trabalho — OIT, etc.);
2º- Orientar todas as suas candidaturas (tanto majoritárias quanto
proporcionais) no sentido de que elas estejam a serviço das lutas que virão,
devendo, portanto, aparecer identificadas com as propostas dos trabalhadores
nos processos de mobilização (greves, etc.);
3º- Realizar grandes campanhas políticas nacionais em torno de
bandeiras populares, sobre a dívida externa, liberdade de organização dos
trabalhadores, contra as demissões, etc.;
4º- Articular sua militância sindical e popular no sentido de unificar as
lutas, visando concentrá-las no segundo semestre de 86, no período anterior às
eleições (15 de novembro). Nesse processo, o Partido tem que se preocupar em
144
dar uma perspectiva política maior e mais global para as diversas lutas.”
144
Ibidem.
– Resoluções Políticas do 5 o. Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores
145
Ibidem.
146
“O desenvolvimento desigual e desequilibrado do capitalismo no Brasil coloca diante dos
trabalhadores uma série de questões relacionadas com a construção socialista após a conquista
do poder. Questões que aparecem, desde já, em função das propostas programáticas do PT e das
alianças estratégicas que devem ser realizadas para obter a hegemonia contra a burguesia.
Evidentemente, o desenvolvimento intenso do capitalismo nos últimos 30 anos colocou bases
firmes para o estabelecimento de um sólido setor socialista na economia. Nas grandes
cooperativas agro-industriais capitalistas, grandes empresas comerciais e de serviços e bancos, a
socialização com a apropriação privada dos resultados da produção permite sua transformação
imediata em emp resas socialistas, estatais ou coletivas.
Por outro lado, subsiste no Brasil um vasto setor que, embora seja em ampla medida subordinado
ao grande capital, procura desenvolver-se com absorção de mão-de-obra e com atendimento a
uma série enorme de bens de serviços considerados secundários e de baixa rentabilidade.
Constituído por milhões de pequenas empresas, pequenos negócios, serviços e autônomos,
desempenha um papel econômico de grande importância no atual sistema capitalista brasileiro, o
que obriga a um processo permanente de destruição e recriação desse setor – papel que deve
continuar desempenhando mesmo depois de iniciarmos a construção socialista no Brasil. Desse
modo, um dos aspectos -chave do processo de construção socialista, mesmo tendo como a parte
essencial da economia o seu setor socialista, estatal ou coletivo, consiste em conhecer a
capacidade do Estado em atender às reais necessidades sociais e adaptar uma política econômica
que complemente, de forma integral, aquela capacidade para isso. O único caminho, até hoje,
consiste em permitir que a pequena economia mercantil ainda se desenvolva em uma certa escala,
e que seu próprio desenvolvimento natural e contraditório conduza à concentração e centralização
econômica e sua transformação socialista por meios administrativos.” In: Resoluções Políticas do
5o. Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores.
Essa aliança é, pois, uma questão estratégica, referente tanto à destruição do
capitalismo quanto à construção do socialismo.
Evidentemente, essa é uma contradição própria do desenvolvimento das
classes no Brasil, do mesmo modo que é impossível, dadas as atuais condições,
que o socialismo possa extinguir todas as classes de imediato. O processo de
construção socialista para alcançar a almejada sociedade igualitária, sem
classes, sem opressão e dominação, vai enfrentar, durante certo tempo, a
exigência de diferentes desigualdades, como herança do capitalismo. E vai
obrigar a agir, não no sentido de extinguir administrativamente as
desigualdades, mas de evitar que elas se polarizem e se tornem antagônicas em
relação ao socialismo. Tais contradições no terreno econômico e social da
construção socialista geram diferentes contradições no terreno da política. Isso
147
nos remete, basicamente, para a relação do socialismo com a democracia.”
147
Ibidem.
148
“Parece claro que uma saída para a crise econômica, identificada com os interesses da grande
burguesia monopolista, continuará encontrando resistências em nível social e político, da parte da
classe trabalhadora e dos setores médios (micro, pequenos e médios empresários, produtores
rurais e urbanos), aflorando contradições entre estas classes e setores contra a grande burguesia.
Inegavelmente – embora ainda não haja uma política detalhada do PT a esse respeito – tem
crescido a influência do Partido junto aos setores médios, mais, talvez, pelo profundo insucesso do
Governo e menos por nossa ação direta. É preciso, então, definida uma correta política de
alianças, atrair esses setores, numa tática centrada na mobilização popular, para engrossar a luta
dos trabalhadores contra a transição conservadora e pela instalação de um governo democrático e
popular.” Ibidem.
particularidades e a encampação de suas lutas formou o discurso do Partido
desde a sua fundação.
Desta forma, verificamos nos documentos do Partido ser difícil
conceber qualquer futura sociedade socialista que não incorporasse as mais
variadas bandeiras de luta. Partindo desde pressuposto, a existência de
democracia seria necessariamente uma regra na futura sociedade socialista
e os caminhos que levariam à ruptura com a sociedade capitalista
necessariamente passariam pelo crivo da democracia.
No entanto, a nova democracia defendida pelo Partido, a democracia
dos trabalhadores, poderia surgir da luta deles próprios contra a dominação
capitalista, criando os embriões da futura sociedade.
149
Ibidem.
150
Ibidem.
A luta pela conquista da hegemonia dos trabalhadores, mais do que
nunca, passaria pelas vitórias localizadas, o que fez com que o Partido
pudesse combinar “reformas” com “revolução”:
151
Ibidem.
sempre, um componente de denúncia e crítica anticapitalista na atividade de
152
massa do PT.”
152
Ibidem.
153
“O movimento popular é uma das frentes da luta de classes. Sua composição social é
heterogênea, seus objetivos imediatos bastante diversificados, mas é evidente que nos
movimentos populares de maior peso predominam os trabalhadores assalariados e autônomos de
baixa renda, em conflito contra o Estado, que representa a classe dominante, ou contra setores
capitalistas, como os grandes proprietários de terra urbana, os empresários da saúde, educação,
transporte.
É um movimento de grande potencial na luta pelo socialismo, pois há nele, já formulados e em
processo de massificação, objetivos e propostas que, se em tese são possíveis dentro do
capitalismo, a atual sociedade capitalista não parece capaz ou disposta a ceder. Destacam-se,
nesse sentido, entre suas bandeiras: a estatização dos serviços de transporte público, saúde e
educação; a participação popular nas decisões e na gestão dos órgãos do Estado e das empresas
públicas; o fim da grande propriedade territorial urbana. Além disso, há bandeiras que só o avanço
dentro do socialismo permitirá ver vitoriosas. Caso da preservação do meio ambiente, o fim da
discriminação racial e da discriminação da mulher e o respeito aos direitos humanos.
O desenvolvimento da luta popular tem grande importância no processo de formação de
consciência das classes trabalhadoras. Ajuda a desmistificar a idéia do Estado acima das classes
e estimula a idéia de um governo controlado pelos trabalhadores, na medida em que, nos choques
e na luta, revela o atual Estado voltado para ampliar o predomínio político das classes
proprietárias.” In: Ibidem.
O PT tem um papel decisivo para que, em seu conjunto, a política de
unificação avance. É preciso mobilizar a militância petista, para que, na direção
e na massa das entidades autônomas do movimento em que militam, cresça a
compreensão da necessidade de um passo adiante e decisivo na força e na
154
independência política do movimento popular do País.” .
154
Ibidem.
155
“Já há, na elaboração teórica do PT, o princípio da autonomia dos movimentos populares em
relação ao Partido. Devido aos diferentes graus de consciência da população, os partidos têm uma
amplitude menor do que os movimentos, que são mais amplos e suprapartidários. Todavia, não se
deve confundir essa independência dos movimentos com a ausência de disputa pela linha
dirigente, a ser adotada em suas instâncias próprias de deliberação. Por isso, os militantes do PT
devem – ao mesmo tempo que defendem a democracia interna dos movimentos – lutar pela vitória
das propostas do Partido.” Ibidem.
156
“Outra idéia profundamente equivocada que costuma aparecer em nossos debates é a que
opõe partido de quadros a partido de massas. Para essa confusão contribui, também, a cultura
tradicional da esquerda, que em geral teve uma visão estreita da idéia leninista de partido de
vanguarda.
Se exagerarmos a dicotomia, temos de um lado um partido de quadros pequeno, estreito, sectário,
formado de militantes, baluartes que tudo decidem e dirigem, e de outro um partido de massas
frouxo, inorgânico, sem cotizações regulares, cada um fazendo o que bem entende e chamando
filiados para fazer número em convenções, como qualquer partido burguês.
Se queremos um partido capaz de dirigir a luta pelo socialismo, não precisamos nem de uma
coisa, nem de outra. Precisamos de um partido organizado e militante, o que implica a
necessidade de quadros organizadores. Um partido que seja de massas porque organizará
milhares, centenas de milhares ou até milhões de trabalhadores ativos nos movimentos sociais, e
porque será uma referência para os trabalhadores e a maioria do povo.
Nossa concepção, portanto, é a de construir o PT como um partido de classe dos trabalhadores,
democrático, de massas e socialista, que tenha militância organizada e seja capaz de dirigir a luta
social (...)”Ibidem.
Esta concepção é incorreta e confusa. Na verdade, se lutamos por um
partido capaz de ser um instrumento real de luta pelo socialismo, esse partido
tem de ser capaz de dirigir essa luta, de apontar seus rumos. Terá de se tornar o
dirigente político dos trabalhadores. Para nós, trata -se de, respeitando a
democracia dos movimentos, suas instâncias e características, disputar sua
direção com propostas previamente debatidas nas instâncias do PT, articulando
nossa atuação de luta sindical e popular com a construção partidária e nossa
estratégia de luta pelo poder.
Fora disso, cairemos no espontaneísmo, nas lutas setoriais dispersas,
de um lado, e no ativismo parlamentar, do outro. Corremos o risco de assistir a
explosões sociais desorganizadas, com dificuldades de serem canalizadas para
157
a transformação social revolucionária.”
157
Ibidem.
158
“Contudo, rodeados pela política burguesa, pela legislação partidária e eleitoral e por nossas
próprias condições (nível de luta e consciência do movimento sindical e popular, dos dirigentes e
lideranças; escassos recursos materiais; diferentes visões sobre o Partido, construção e a luta
política do País), cometemos muitos erros e não fomos capazes de dar a devida atenção às
tarefas que a construção do PT exige.
Hoje, estão evidentes as limitações de nossa organização, de nossas instâncias e quadros
dirigentes. A cada dia que passa, aumentam as tarefas e cresce nossa base social, mas a nossa
estrutura não corresponde às necessidades da luta política.
Por vezes, caímos no espontaneísmo e subestimamos a formação política e a teoria. No anseio de
criar um partido aberto, democrático e de massas, deixamos num segundo plano a organização de
suas instâncias.
A estrutura organizativa do PT, em comparação com os partidos tradicionais da política brasileira,
apresenta-se muito mais dinâmica e democrática, sem dúvida alguma. Os mecanismos de
participação abertos ao conjunto dos filiados (Encontros Nacional, Regionais, Municipais e
Distritais; núcleos, plenárias, seminários, etc.) permitem um partido muito mais afeito às
discussões de base do que os partidos tradicionais.
No entanto, a atual estrutura do PT ainda representa uma organização fundamentalmente
internista. As lideranças petistas dos movimentos sociais organizam-se no interior dos próprios
movimentos de que participam, mas têm pouca ou nenhuma participação orgânica no interior do
PT. É verdade que isso se dá, bastante, pelo fato desses militantes ficarem presos, a maior parte
do tempo, na dinâmica dos próprios movimentos, mas essa não é a única explicação. A outra
razão é que a atual estrutura do PT não é ágil para discutir a política que esses mesmos militantes
devem levar para a sua atuação dentro dos movimentos sociais de que participam. E confundimos,
muitas vezes, autonomia e independência dos movimentos sociais com ausência de propostas
políticas e direção.
Dessa forma, apesar da enorme influência do PT nos movimentos sociais – popular, sindical,
camponês, de mulheres e estudantil – milhares de militantes ainda permanecem alheios às suas
instâncias organizativas. Com isso, privam-se da discussão e da vida partidária, e obstaculizam a
sua evolução para uma militância política conseqüente e uma consciência política socialista.”
Ibidem.
socialismo democrático que não tinha o caminho eleitoral como principal
meio de ação. No entanto, os Núcleos de Base foram paulatinamente
absorvidos pela estrutura do Partido:
159
Ibidem.
foram apontadas as principais ações a serem implementadas em relação aos
Núcleos 160 nesta nova etapa de formação do Partido:
“Os núcleos por local de moradia devem ter como objetivo a hegemonia
política e ideológica na sua área de atuação, desenvolvendo as seguintes
tarefas:
a) cadastrar os militantes e filiados por categorias profissionais, orientar
politicamente e organizar seus companheiros nos locais de trabalho, visando
ganhar para o campo da CUT o seu sindicato, se este ainda não for nosso;
b) mapear os movimentos sociais existentes em sua área, definir, com
base nas orientações gerais do Partido, políticas específicas para cada um
desses movimentos. Levantar as demandas sociais existentes que não tenham
movimento tratando delas, fazer a crítica política a respeito , organizar debates e
palestras com vistas a despertar interesse nos moradores para então organizar
as lutas visando a solução dessas demandas;
c) tratar da formação política dos militantes, filiados e simpatizantes;
d) promover e divulgar a cultura popular, através da exibição de filmes,
slides, festas, shows e eventos esportivos, etc.;
e) cotizar os militantes e filiados, promover eventos para levantar
recursos para o Partido, tendo em vista que a sustentação financeira do Partido
é tarefa de todos os petistas;
f) tratar, de modo especial, os problemas da juventude, fazendo a
ligação desses com a questão cultural, estudantil, familiar, de lazer, etc.;
g) cuidar dos filiados novos, destacando no núcleo um ou mais
militantes responsáveis pela formação política do conjunto do núcleo, para tratar
de modo especial do engajamento dos novos filiados, transmitindo a estes as
políticas gerais do Partido, os conceitos básicos dessas políticas, a estrutura
orgânica, suas relações internas e com os movimentos sociais ou com a
sociedade em geral — evitando, assim, a fuga dos novos filiados pelo desnível
com os militantes mais antigos;
h) organizar mutirões de visita aos moradores de sua área, levando a
estes a mensagem do PT e chamando-os para as atividades gerais do Partido e
160
“a) Em primeiro lugar, de formação política, de transmissão da experiência militante. Ligada a
isso, uma campanha de esclarecimento sobre o caráter do Partido, sobre as necessidades de
funcionamento de um partido que se propõe, como o PT, a lutar pelo socialismo (o que inclui a
discussão sobre a necessidade de um partido dirigente), sobre o fato de que o partido de massas
deve ser também de militância e de quadros, sobre a relação entre partido e movimentos sociais. É
preciso que façamos uma verdadeira campanha no sentido de ganhar os petistas para a idéia da
importância de organizar os núcleos.
b) Uma política de nucleação deve ser acompanhada de uma política de finanças que lhe
possibilite ter sua própria infra-estrutura. O êxito da nucleação exigirá uma mudança de conjunto
no funcionamento do Partido, uma direção capaz de dirigir politicamente e de assistir as bases, de
alimentar a militância com uma imprensa ágil e diversificada. Há necessidade de mudanças no
Regimento Interno, que valorizem os núcleos, dando a eles maior poder na estrutura do Partido.
Duas medidas são positivas: formar conselhos de núcleos, junto aos Diretórios Municipais e Zonais
e dar aos núcleos uma representação direta nos Diretórios (formando Diretórios Ampliados, que
incluiriam um certo número de representantes eleitos diretamente pelos núcleos; 1/3 do número de
membros efetivos e suplentes eleitos nos Encontros dos Diretórios).
O núcleo deve ter características de massa e de vanguarda. É fundamental essa convivência
dentro dos núcleos. Há momentos em que os núcleos atraem o maior número possível de
simpatizantes e filiados para suas decisões e atividades de massa. Essas reuniões só serão
possíveis e só terão conseqüência se estiverem vinculadas a outras reuniões, voltadas ao
aprofundamento político e de como os militantes devem intervir no ambiente em que o núcleo está
inserido.” Ibidem.
para o núcleo; planejar panfletagens e vendas da imprensa partidária em feiras,
fábricas e unidades de serviço público.
Os núcleos por categorias, por extrapolarem, em geral, as esferas
municipais e zonais, devem ser implementados pelos Diretórios Regionais.
Esses núcleos e os por local de trabalho e por movimentos sociais devem tratar,
além de suas especificidades, das questões descritas acima, naquilo que
couber.” 161
161
Ibidem.
162
Ibidem.
O que pudemos perceber foi que o PT — durante este recorte
histórico, de 1983 a 1987 — sofreu um avanço na definição do que consistia
o seu socialismo num plano teórico. Paulatinamente, tornou-se hegemônica
no Partido a concepção de “acúmulo de forças”, com a luta por espaços
estratégicos para os trabalhadores contra a sociedade capitalista. Com essa
estratégia, o Partido empreendeu suas principais lutas neste período, ou
seja, foi com o sentido de acumular forças que entrou na luta pelas eleições
diretas, contra o Colégio Eleitoral, pela Constituinte “livre”, entre outras. E foi
norteado por essa mesma estratégia que o PT empreendeu aquela que seria
a sua principal luta política no final da década de 80 e que mais marcaria a
história do Partido: a disputa pela presidência da República em 1989.
Para analisarmos o papel da disputa das eleições para presidente da
República na história do socialismo democrático do PT, dois documentos são
essenciais: as Resoluções Políticas do 6o. Encontro Nacional e as Bases do
PAG — Plano Alternativo de Governo. Ambos os documentos estão
estreitamente relacionados um ao outro, trazendo avanços no que concerne
a proposta socialista do PT.
Desde o início da campanha, o Partido ressaltou o caráter socialista
da mesma 163, sendo que a conquista do Poder Executivo representava um
importante passo nesta luta 164. Como observamos na citação abaixo,
163
“Os trabalhadores e demais setores desfavorecidos da sociedade, da cidade e do campo,
devem, saber que serão os setores privilegiados durante o governo Lula. Os pequenos
empresários e demais setores médios, em particular os pequenos produtores rurais, devem
entender que serão beneficiados, enquanto a burguesia terá que curvar-se à evidência de que o
PT não concorda em retomar o crescimento econômico às custas dos trabalhadores e do
abandono da luta pelas transformações socialistas.
Ao mesmo tempo que ancora num PAG de mudanças, mesmo nos limites do capitalismo, a
candidatura Lula reafirma seu perfil socialista, seu caráter moderno, crítico, de uma nova classe
trabalhadora carregada de esperanças nas transformações socialistas.
O PT deve enfrentar o debate em torno do socialismo de forma ofensiva, evitando fugir da questão.
O Partido visa construir o socialismo, mas o caminho dessa construção passa pela luta de
consolidação da democracia, de realizações de reformas que acumulem forças no rumo do
socialismo e de combate permanente ao capitalismo. Em outras palavras, nosso PAG não contém
qualquer medida de reforço do capitalismo ou que seja incompatível com o socialismo, enquanto
busca afirmar e ampliar os caminhos democráticos, através da luta social, como questão essencial
para o socialismo.” In: Campanha Presidencial do PT – Lula Presidente.
164
“Mesmo tendo consciência de que governo e poder não se confundem e que, por isso, a vitória
de Lula não pode ser vista como conquista plena do próprio poder político, o PT compreende,
também, que, no Brasil, o Executivo Federal concentra tantos recursos e tanta força institucional
que o seu controle permite desencadear mudanças de uma envergadura capaz de alterar todo o
quadro conjuntural, iniciando um processo que garanta a realização de nosso Programa
Democrático-Popular, em direção às transformações socialistas.
extraída das Resoluções Políticas do 6o. Encontro Nacional do PT, o governo
petista enfrentaria grandes obstáculos para efetivar suas propostas
socialistas. No documento, apontou-se a mobilização popular como a força
que sustentaria e legitimaria o futuro governo do Partido.
Evitando formular, agora, respostas que só poderão nascer do contexto concreto que se abrirá
com o novo governo, precisamos ter, pelo menos, clareza quanto às principais dificuldades a
serem enfrentadas, assim como das principais potencialidades de mudança que podem ser
o
garantidas com Lula na Presidência da República.” In: Resoluções do 6 . Encontro Nacional do
Partido dos Trabalhadores.
165
Ibidem.
166
“Um governo do PT e da Frente Brasil Popular deverá realizar as tarefas democráticas e
populares no País, de conteúdo antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista. A efetivação de
medidas deste gênero, mesmo que de cunho não explicitamente socialista, choca-se diretamente
com a estrutura do capitalismo aqui existente e somente poderão ser adotadas por um governo de
forças sociais e políticas em choque com a ordem burguesa, um governo hegemonizado pelos
trabalhadores.
O PT não acredita na possibilidade de uma etapa de Capitalismo Popular no País. Ao contrário,
por meio de um processo simultâneo de acúmulo de forças, enfrentamentos e conquistas dos
trabalhadores criaremos as condições para dar início às transformações socialistas no Brasil.
Por estas condições, o governo democrático e popular e o início de transição ao socialismo são
elos do mesmo processo. A passagem de um ao outro, no entanto, não é automática e nem
resultado da ‘retirada de cena’ das minorias privilegiadas que, com base na força e negação da
democracia, subjugaram historicamente os trabalhadores e o povo deste país. A implementação
da globalidade de um Programa Democrático-Popular só pode ocorrer com a revolução socialista.
Do nosso ponto de vista, nossa intenção, nossa vontade política, nossos propósitos programáticos
vão no sentido de conquistar o poder através da vontade, da mobilização e da luta da maioria, e
não da tomada de poder por meio de um golpe de mão, de um putsch da vanguarda. Queremos o
poder e a construção do socialismo através da vitória sobre a burguesia e seus aparelhos
ideológicos de dominação. Com este objetivo estamos preparando o Partido, estamos construindo
possível mobilização social, além da aliança com os setores médios da
sociedade. No entanto, o PT não avançou no que poderia se vislumbrar de
uma futura sociedade socialista, que se construiria num progressivo processo
que teria como principal norte a hegemonia dos trabalhadores, sendo que o
Partido apontaria somente as principais medidas a serem implementadas no
processo.
uma hegemonia política, social e ideológica, estamos acumulando forças para respaldar nosso
projeto.
O PT não acredita num partido socialista sem trabalhadores. Nem acha possível construir o
socialismo sem a ação decisiva dos trabalhadores no próprio processo dessa construção. A
experiência histórica nos legou a convicção de que o socialismo ou é obra dos trabalhadores ou
jamais será socialismo. Por isso, estamos dispostos a disputar em todos os campos da hegemonia
na sociedade e chegar ao socialismo pela ação e pela vontade das maiorias. Pelo desejo do povo
e dos trabalhadores.” Ibidem.
167
Ibidem.
168
“O Estado, controlado pelos trabalhadores, deve planejar e orientar a vida econômica. Para sair
da atual crise, o governo democrático-popular tem que desprivatizar, fazer exatamente o contrário
do que os setores de direita estão propondo: enquanto eles falam de privatizar empresas estatais
(para poderem lucrar e comprar a preço de banana empresas rentáveis que foram montadas com
o dinheiro do povo, nosso governo vai fazer coisa bem diferente: VAMOS É DES -PRIVATIZAR O
ESTADO. O que significa isso: hoje o Estado, o governo e todo seu aparelho só servem de apoio
ao grande capital e às grandes empresas: financiamentos a juros subsidiados, isenções de
impostos, concessões de direitos, terras, além de toda corrupção em cada obra contratada e na
passaria a ter uma substancial importância para se implementar as
transformações socialistas. Desta forma, a ocupação do Estado seria o
trampolim para as principais reformas do governo petista. E dentre os pontos
polêmicos dessas reformas se encontravam lutas antigas do PT, como o não
pagamento da dívida externa, um posicionamento antigo dentro do discurso
petista desde os primeiros documentos do Partido; um programa de reforma
agrária169; o controle dos meios de comunicação de massa170; o controle das
Forças Armadas.
171
Ibidem.
O Partido partiu de uma análise fundada principalmente nos bons
resultados eleitorais de 1988 172, que o colocava como o principal partido de
oposição capaz de representar uma possível polarização entre esquerda e
direita naquelas próximas eleições para presidente173.
Nas Resoluções Políticas do 6o. Encontro Nacional, o Partido analisou
a conjuntura social, política e econômica daquele final da década de 80,
mostrando o Brasil como um país mergulhado numa crise de amplitudes
mundiais174, devido às fraquezas do governo em resolver os problemas
econômicos em que estava mergulhado o regime.
A possível vitória eleitoral do PT para a presidência da República
poderia ser a cartada decisiva contra a situação instalada na sociedade
172
“A correlação de forças criada a partir dos resultados eleitorais de 15 de novembro de 1988, em
que o PT aparece como o principal partido de oposição no Brasil, deve-se à nossa capacidade de
captar a insatisfação popular e dirigi-la para um programa de transformações econômicas, sociais
e políticas.
O combate ao Governo Sarney e à Nova República, a campanha eleitoral municipal – quando
fizemos os temas nacionais predominarem sobre os locais, o caráter plebiscitário que imprimimos
à disputa em sua fase final, carrearam votos para o Partido e nos asseguraram vitórias e
resultados importantes.
Isto foi possível devido às resoluções do V Encontro, cuja política de alianças, definições
estratégicas, opção pelo socialismo e tática eleitoral armaram o PT para as vitórias de 15 de
novembro.” Ibidem.
173
“As forças acumuladas pelo PT e pelo povo nessas eleições criam a possibilidade de que
ocorra, pela primeira vez na história do Brasil, uma polarização entre esquerda e direita. O povo
brasileiro se encontra diante de uma oportunidade histórica: a de liqüidar com pelo menos um
quarto de século de tutela militar, a serviço do capital internacional, dos latifundiários e do grande
capital em geral. O fim do desastroso e ilegítimo Governo Sarney o mais cedo possível, com a
eleição de um candidato à Presidência da República com profunda inserção no movimento
operário, popular e democrático, encerrará a farsa da transição conservadora.” Ibidem.
174
“Em primeiro lugar, é uma crise global, isto é, combina o início de uma crise de regime com um
impasse no padrão de acumulação capitalista. Essa dinâmica gera, por sua vez, uma crise de
valores das classes dominantes, que é um componente importante do desenvolvimento de uma
crise de hegemonia política.
Em segundo lugar, é uma crise estrutural. Ela não é motivada por razões momentâneas ou
conjunturais, mas por uma acumulação de processos econômicos e políticos, que vêm se
desenvolvendo há longos anos. A evidência de que há um impasse no padrão de acumulação
capitalista no Brasil está expressa na queda brutal de crescimento da economia brasileira na
década de 80. A incapacidade das classes dominantes de estabilizarem um regime político
perpassa os anos da crise da Ditadura Militar e toda a experiência da Nova República.
Em terceiro lugar, ela exige, para ser superada, um forte e generalizado deslocamento da
correlação de forças em favor da burguesia ou do proletariado. O grau de organização sindical dos
trabalhadores já é suficiente para barrar iniciativas burguesas decisivas, como o pacto social. O
grau de organização política dos trabalhadores é bastante para começar uma disputa pela
hegemonia política, mas ainda não temos condições de impor a nossa saída para a crise, e
podemos não vir a tê-la por todo o período. Isso aprofunda o quadro de instabilidade.
Enfim, a crise tem uma dimensão internacional clara, relacionada com as dificuldades da economia
capitalista mundial a partir dos anos 70. Ela golpeia o conjunto das economias latino-americanas e
cria um quadro de instabilidade política na maioria dos países do continente, aprofundada pelo
avanço da revolução na América Central. Esta dimensão internacional está no centro da crise que
brasileira. O Partido via, junto com a crise do regime, uma fragmentação da
classe dominante produzida pela dificuldade de se solucionar a situação
econômica. Esta fragmentação seria responsável por produzir centros que,
mesmo não fazendo parte de um bloco estruturado, detinha partes
importantes do poder na sociedade, como as Instituições Militares e os meios
de comunicação de massa175.
Concernente a esta leitura da sociedade — crise capitalista global,
crise do regime de “transição conservadora” e fragmentação do “bloco de
poder” das classes dominantes — o Partido via na formação de uma Frente
Democrático-Popular a grande arma contra a configuração social.
vive nosso país: é inegável a centralidade do problema da dívida externa, que se relaciona com o
caráter dependente do capitalismo brasileiro, apesar de seus enormes avanços técnicos.” Ibidem.
175
“Na falta deste bloco, aumenta o grau de autonomia das forças sociais que detêm o controle
direto sobre os centros decisivos do poder de Estado em relação a sua base social de classe e ao
campo da classe dominante como um todo. É assim que, por exemplo, os militares atuam como
força social na conjuntura, o mesmo ocorrendo com os dirigentes dos grandes complexos de
comunicação de massa, com um grau de independência em relação às diversas frações
burguesas jamais verificado em sociedades capitalistas que tenham atingido níveis de
desenvolvimento das forças produtivas comparáveis aos da sociedade brasileira.
De sorte que não há como encaminhar a questão estratégica no Brasil, isto é, não há como
articular tática com estratégia numa perspectiva revolucionária, sem enfrentar estas duas
questões: a questão das Forças Armadas e a questão dos meios de comunicação de massa (o
que implica, evidentemente, mexer no arcabouço jurídico-político do Regime, alterando, inclusive,
a atual Constituição).” Ibidem.
dominação imperialista sobre o País, abrindo caminho para a resolução, pelos
176
trabalhadores, da crise que atravessa a Nação.”
176
Ibidem.
177
“São alvos principais da tática dos trabalhadores, na conjuntura, o Governo Sarney e sua
política econômica, os monopólios, a subordinação ao capital internacional, ao FMI e à dívida
externa e ao latifúndio. Considerando, porém, o novo período da luta de classes que se abre com o
possível desenvolvimento da crise de regime, outros alvos, como a tutela militar, o controle dos
grandes meios de comunicação de massa, a burocracia estatal e o arcabouço jurídico-político
autoritário e conservador, adquirirão principalidade. O eixo central da tática, neste momento, é a
campanha presidencial de 89, com a candidatura Lula. Constituem, entretanto, eixos
complementares imprescindíveis da tática, o incremento dos movimentos reivindicatórios dos
trabalhadores (contestando, na prática, as recentes e ilegítimas restrições legais autoritárias), a
manutenção da recusa a qualquer tipo de pacto com o campo dominante e a construção de
embriões de novos organismos de controle e de poder popular. A realização dessas tarefas, na
conjuntura, pressupõe, por um lado, o fortalecimento do PT, do seu papel dirigente, da sua
democracia interna e da intervenção partidária unitária nas frentes de luta e, por outro lado, o
sucesso das administrações municipais sob direção petista e sua constituição como ponto de
apoio para a luta política geral.
O PT e a Frente Brasil Popular são os principais instrumentos de desenvolvimento do eixo tático
central dos trabalhadores na conjuntura. O Programa de Governo Democrático-Popular e o próprio
Governo Democrático-Popular, que constituem instrumentos capazes de viabilizar a alternativa dos
trabalhadores à crise política atual, na ordem do governo, podem, entretanto, vir a abrir condições
para a disputa de uma alternativa de poder.
A disputa presidencial está no centro da disputa política, o que torna a campanha presidencial do
PT, com Lula à frente, o eixo principal em torno do qual se desenvolverão as atividades do partido.
É na campanha presidencial, articulada às propostas do Programa de Ação de Governo (PAG), às
mobilizações populares pelas questões econômicas, sociais e políticas e ao desempenho das
prefeituras governadas pelo PT, que devemos concentrar nossos esforços principais para
acumular forças e enfrentar alternativas que a conjuntura ponha diante de nós.” Ibidem.
O que orientou a campanha eleitoral do Partido foi seu PAG — Plano
Alternativo de Governo 178. Além do apelo à conscientização dos
trabalhadores, que poderia ser aferido pelo número de votos, a outra
iniciativa do Partido na direção da mobilização dos trabalhadores se deu
quanto à defesa das greves:
178
Os 14 Pontos do PAG foram : I – Democratização do Estado e da Sociedade; II – O Novo
Modelo de Desenvolvimento Econômico; III – O Programa Agrário; IV – Mulheres; V – Negros; VI –
Política de Transportes; VII – Saúde: Direito de Todos; Dever do Estado; VIII – Política de
Educação; IX – Salvar a Amazônia, Defender a Vida; X – A Política Energética; XI – Por uma
Política Externa Soberana; XII – Reforma Urbana e Política Habitacional; XIII – Defesa das
Conquistas dos Trabalhadores; XIV – Ecologia e Meio-Ambiente.
179
Resoluções Políticas do 6 o. Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores.
estratégia que o PT se lançou nas grandes lutas e disputas eleitorais do
período. Com relação ao socialismo democrático, a concepção do mesmo
caminhou em seu sentido teórico, sendo apontadas algumas estruturas da
futura sociedade socialista. Principalmente, as referentes à economia, com a
importância do Estado na vida da sociedade e com a ênfase, novamente, no
caráter democrático da sociedade que se construiria.
No tocante ao processo de ruptura, o PT via na vitória para
presidência da República um importante golpe na luta contra a sociedade
capitalista e apostava todas as suas cartas na mobilização dos trabalhadores
para que tal processo se desse. Inclusive, era na mobilização dos
trabalhadores que se depositava a grande resistência contra qualquer golpe
contra a legalidade 180 de uma possível vitória do Partido 181, que representaria
um grande salto na luta pela conquista da hegemonia na sociedade.
Entretanto, o Partido não conseguiu formar o que poderia ser
considerada uma “força revolucionária” respaldada pelo movimento popular
na disputa das eleições para presidente da República. Esta “força
revolucionária” poderia ser aferida pelo número de votos que o Partido
conseguisse, para poder colocar em ação o processo de ruptura com a
sociedade capitalista.
180
Uma preocupação do partido, e talvez uma indagação comum, era se o partido ganhasse as
eleições para presidente da República, não se instauraria um processo de distúrbios, a legalidade
do pleito, ou um golpe de estado contra a posse do governo petista, pelos perigos que este
governo representava à classe dos proprietários dos meios de produção? A posição tomada pelo
partido foi esta: “Sabemos que o programa democrático popular choca com interesses que tudo
farão para inviabilizar nosso governo, ou mesmo para desmoralizar o PT e as forças democráticas
e populares durante o mandato do Lula. A resposta às tentativas de desestabilizar nosso e de
romper as regras do jogo, recurso que setores das classes dominantes historicamente têm
utilizado, só pode ser a mais ampla mobilização popular e a luta social. O PT acredita que a
capacidade de luta e mobilização dos trabalhadores é o principal instrumento para o avanço
político e programático de um governo popular.” In: Diretrizes para a Elaboração do Programa de
Governo.
181
“Todas estas possibilidades refor çam a necessidade de inserir a candidatura do PT em um
amplo movimento de massas, no qual os trabalhadores tenham capacidade de articular um vasto
movimento democrático e transformador da sociedade, captando e traduzindo em alternativas
concretas e palpáveis para as maiorias todos os anseios de mudança que se manifestam
crescentemente nestes dez últimos anos no Brasil. O binômio mudanças econômico-sociais
radicais e democracia é a chave para constituir um bloco majoritário capaz de levar Lula à
Presidência e de dar sustentação ao governo do PT, sobretudo nos primeiros meses, quando a
o
burguesia tentará, por todos os meios, inviabilizá-lo.” In: Resoluções do 6 . Encontro Nacional do
Partido dos Trabalhadores.
Como o Partido corretamente analisou, no Brasil não existia uma
"situação revolucioná ria182" e para que a mesma pudesse existir seria
necessário que se constituísse uma "força revolucionária" dos trabalhadores
para que se conquistasse, paulatina e democraticamente, espaços na
sociedade, para a construção da hegemonia dos trabalhadores e a
constituição da sociedade socialista.
O PT perdeu as eleições para presidente da República em 1989 e,
com ela, a oportunidade de colocar em prática a sua concepção teórica de
um socialismo democrático. Ou, ainda, a chance de obter o respaldo de que
necessitaria de uma possível “força revolucionária” para colocar em
andamento o processo de ruptura com a sociedade capitalista.
182
“Embora não exista uma crise do tipo revolucionário, nem mesmo uma situação revolucionária,
podemos e devemos conquistar o Executivo, a Presidência da República, inaugurando um novo
período no qual, com a posse do Governo – portanto, de parte importante do poder do Estado – a
disputa pela hegemonia se dará em outro patamar. Estará colocado para o PT e para as forças
democráticas e populares a possibilidade de iniciar um acelerado e radical processo de reformas
econômicas, de lutas políticas e sociais. Tudo isso criará condições para a conquista da
hegemonia política e de transformações socialistas.
Para isso, faz -se necessário dar resposta a inúmeros problemas que a nova conjuntura nos
apresenta. Em primeiro lugar, não basta concorrer às eleições com uma plataforma de lutas
econômicas e políticas dos trabalhadores e dos setores médios da sociedade. Nem, tampouco, é
possível propor um programa socialista, inexeqüível e que nos isolaria. Trata-se, então, de
apresentar um Programa de Ação de Governo que expresse as principais reivindicações dos
trabalhadores, as reformas econômicas e sociais para retirar o País da crise e combiná-lo com a
luta política e ideológica, com a disputa pela hegemonia na sociedade. Estimulando o crescimento
e fortalecimento dos movimentos sociais, promovendo a auto-organização dos trabalhadores,
abrindo canais para a participação popular, criando instrumentos de poder local, fazendo surgir um
real movimento socialista, estaremos não só viabilizando um governo democrático-popular, mas
estaremos forjando as condições políticas e sociais para transformações socialistas no País.”
Ibidem.
4. A HISTÓRIA DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES — A BATALHA (1990 -1994)
183
“Pode parecer estranho, mas acho que essa quantidade de eleições prejudica a organização do
partido, não ajuda. O partido deve crescer eleitoralmente, e não crescer na sua organização
interna. Na sua estrutura interna, pode até decrescer. Me preocupa, porque eu acho que
precisamos ter um tempo para reorganizar o partido, ou seja, para voltar a fortalecer os Núcleos de
Base, nossa participação nas fábricas, fazer um processo de filiação muito grande, para que a
gente possa trazer para o PT outros quadros.” Entrevista de Lula – In: Boletim Nacional
o
(fevereiro/90 n . 48 p. 3 e 4).
184
“A maioria dos núcleos deixou de existir e, quando existem, se restringem a exercer
precariamente apenas alguns dos aspectos de base de democracia interna. O mais das vezes, têm
ação apenas episódica, às vésperas dos encontros e convenções, transformando-se em comitês
eleitorais de apoio a candidatos proporcionais, ou se engalfinhando em intermináveis disputas
necessidade, que perdura desde a fundação, de uma maior relação do
Partido com a sociedade via Núcleos 185, além da delegação de maior poder
aos mesmos.
internistas por postos de direção e pelo chamado poder partidário. Raríssimos são os núcleos que
funcionam como expressão, representação e direção da sociedade fora do partido. Com os
diretórios dá-se praticamente o mesmo (...) É preciso, portanto, repensar a natureza e a forma de
funcionamento dos Núcleos de Base, de maneira que efetivamente venham a exercer o importante
papel que devem ter na construção do PT. Nesse sentido, resgatamos aqui o essencial das
o
preocupações já expressas nas Resoluções do 5 . Encontro Nacional. Mas, ao mesmo tempo,
devemos pensar, com ousadia e criatividade, em novas formas de organização de base no Partido
bem como novos canais para atuação no movimento social concreto, a fim de enfrentar também os
novos desafios que se colocam para o PT neste momento em que nos dispomos a lutar por
o
hegemonia no rumo da construção do socialismo.” In: Resoluções Políticas do 7 . Encontro
Nacional do Partido dos Trabalhadores.
185
“Para realizar a contento seu relacionamento com a sociedade, o PT precisará, cada vez mai s,
agilizar seus núcleos e Diretórios, tanto como instâncias de democracia interna, quanto de janelas
abertas para a sociedade. Este papel está sendo exercido de forma precária e insatisfatória, tanto
pelos núcleos de base quanto pelos Diretórios.” Ibidem.
186
Ibidem.
emanados das instâncias de direção. Pelas entrevistas, declarações,
informações e frases dos dirigentes, líderes e parlamentares petistas. Por artigos
em jornais e revistas, escritos por petistas conhecidos. Pelas campanhas
políticas específicas e pelas campanhas eleitorais. Pelos programas de rádio e
televisão nos horários concedidos pela Justiça Eleitoral. Por jornais, revistas,
boletins, panfletos, cartazes, vídeos, bottons, faixas e outras formas de
divulgação. Pelo Governo Paralelo. Pela ação concreta de ativistas do
movimento popular e sindical, que se identificam ou são identificados como
petistas, nas greves e outras manifestações. Por debates, palestras, seminários
de que participam petistas, representando ou não oficialmente o Partido. Pela
presença do PT em acontecimentos internacionais e pela cobertura da imprensa
à s idéias e às atividades do PT. Pelas discussões no Parlamento e pelos
ataques políticos, eleitorais ou não, dos adversários do PT. Pela coincidência de
idéias, posturas e ações de entidades da sociedade civil com as posições do
187
Partido.”
187
Ibidem.
188
Ibidem.
Dentre esses atores sociais, um representava grande problema para o
Partido: o contingente despolitizado da população representado pela maioria
da sociedade.
“Fica cada vez mais evidente que, para reforçar sua ação na sociedade,
o PT precisa também superar suas lacunas na construção de uma eficiente rede
de comunicações externa. O grande poder que os meios modernos de
comunicação de massa exercem na difusão das idéias, valores, propostas e
políticas de classes dominantes precisa ser enfrentado pelo PT de modo eficaz,
mesmo levando em conta a enorme disparidade de recursos. Nenhuma força
189
Ibidem.
política pode dispensar a propaganda e a agitação de suas teses e propostas no
embate ideológico e político.
Para que isso aconteça, em sua comunicação externa o PT precisa
trabalhar com várias linguagens, traduzindo teses e propostas ao entendimento
tanto dos setores mais intelectualizados, quanto das camadas sem instrução e
despolitização, utilizando os diferentes meios de comunicação de forma criativa.
Em certa medida, embora em escala reduzida, os petistas demonstraram
originalidade na criação de programas de TV e rádio, em particular durante as
campanhas eleitorais. Também é da tradição petista uma vasta produção de
boletins, jornais tablóides e impressos em geral. Entretanto, é evidente que
ainda não existe uma política mais consistente de comunicação externa que
combine televisão, rádio, impressos e meios cênicos de comunicação numa
escala que atinja grandes massas.
A edição de um jornal para a sociedade, o melhor aproveitamento da
televisão e do rádio e a utilização do teatro e mesmo do cinema são desafios
que devem ser vencidos com decisão para ampliar consideravelmente o
relacionamento do PT com a sociedade, permitindo-lhe disputar efetivamente a
190
hegemonia ideológica e política.”
190
Ibidem.
compreender a importância e o papel que podem jogar na busca de uma
hegemonia petista na sociedade. É necessário que o PT use diversas formas de
intercomunicação com essas diferentes bases, não apenas para fazer chegar a
elas suas palavras de ordem, mas principalmente para ouvir suas vontades,
seus anseios e temores. É preciso traçar políticas específicas para cada uma
dessas bases, além de querer conquistar o resto da sociedade.” 191
191
Ibidem.
192
Ibidem.
– Resoluções Políticas do 7o. Encontro Nacional do Partido dos
Trabalhadores.
193
“Mas qual socialismo? Qual sociedade, qual Estado lutamos com tamanho empenho para
construir? Como deverá ser organizada a sua estrutura produtiva e com quais instituições políticas
contará? Como serão conjurados, no plano da política prática, os fantasmas ardilosos do
autoritarismo? Inútil sublimar a magnitude da tarefa histórica que é responder teórica e
praticamente a tais indagações. Tarefa que não depende somente do PT e deve engajar todas as
energias libertárias disponíveis em nossa sociedade, assim como valer-se de esforços análogos
realizados em outros quadrantes.” Ibidem.
194
“Para algumas destas perguntas podemos avançar respostas que decorrem da nossa
experiência ativa e reflex iva. Brotam, por negação dialética, das formas de dominação que
combatemos ou resultam de convicções estratégicas que adquirimos em nossa trajetória de lutas.
o
O 5 . Encontro Nacional já apontou o caminho: para extinguir o capitalismo e iniciar a construção
da sociedade socialista, será necessária uma mudança política radical; os trabalhadores precisam
transformar-se em classe hegemônica na sociedade civil e no poder de Estado. Outros aspectos
do nosso projeto socialista são desafios em aberto, para os quais seria presunçoso e equivocado
supor que podemos dar respostas imediatas. Sua superação demandará provavelmente
insuspeitada fantasia política e criatividade prática, legitimadas não apenas pelas nossas opções
ideológicas mas pela aspiração concreta das massas oprimidas de uma existência digna.” Ibidem.
195
“O PT não concebe o socialismo como um futuro inevitável a ser produzido necessariamente
pela leis econômicas do capitalismo. Para nós o socialismo é um projeto humano cuja realização é
impensável sem a luta consciente dos explorados e oprimidos. Um projeto que, por essa razão, só
será de fato emancipador na medida em que o concebemos como tal: ou seja, como necessidade
e ideal das massas oprimidas, capaz de desenvolver uma consciência e um movimento
efetivamente libertário. Daí porque recuperar a dimensão ética da política é condição essencial
para o restabelecimento da unidade entre socialismo e humanismo.” Ibidem.
individual. Assegurando a igualdade fundamental entre os cidadãos, não será
menos ciosa do direito a diferença, seja esta política, cultural, comportamental
etc. Lutará pela liberação das mulheres, contra o racismo e toda as formas de
opressão, favorecendo uma democracia integradora e universalista. O
pluralismo e a auto-organização, mais que permitidos, deverão ser incentivados
em todos os níveis da vida social, como antídoto à burocratização do poder, das
inteligências e das vontades. Afirmando a identidade e a independência
nacionais, recusará qualquer pretensão imperial, contribuindo para instaurar
relações cooperativas entre todos os povos do mundo. Assim como hoje
defendemos Cuba, Granada e tantos outros países da agressão imperialista
norte-americana, a nova sociedade apoiará ativamente a autodeterminação dos
povos, valorizando a ação internacionalista no combate a todas as formas de
exploração e opressão. O internacionalismo democrático e socialista será sua
196
inspiração permanente.”
196
Ibidem.
Crescemos denunciando a transição conservadora e construindo as bases da
soberania popular. Em 10 anos de existência, o PT sempre esteve na vanguarda
das lutas pela democratização da sociedade brasileira. Contra a censura, pelo
direito de greve, pela liberdade de opinião e manifestação, pela anistia, pelo
pluripartidarismo, pela Constituinte autônoma, pelas eleições livres e diretas.
Tornamo-nos um grande partido de massas denunciando a expropriação dos
direitos de cidadania pelo poder de Estado, o atrelamento dos sindicatos ao
aparato estatal, o imposto sindical. Diversos companheiros deram a sua vida na
luta dos trabalhadores pela democracia. Santo Dias, Wilson Pinheiro, Margarida
Alves. Pe. Josimo, Chico Mendes e tantos outros. Na raiz de nosso projeto
partidário está justamente a ambição de fazer do Brasil uma democracia digna
desse nome. Porque a democracia tem para o PT um valor estratégico. Para nós
ela é a um só tempo meio e fim, instrumento de transformação e meta a ser
alcançada. Aprendemos na própria carne que a burguesia não tem verdadeiro
compromisso histórico com a democracia. A relação das elites dominantes com
a democracia é puramente tática, elas se socorrem da via democrática quando
pragmaticamente lhes convém. Na verdade, a democracia interessa sobretudo
aos trabalhadores e às massas populares. Ela é imprescindível, hoje, para
aprofundar suas conquistas materiais e políticas. Será fundamental para a
superação da sociedade injusta e opressiva em que vivemos. Assim como será
decisiva no futuro a instituição de uma democracia qualitativamente superior,
para assegurar que as maiorias sociais de fato governem a sociedade socialista
197
pela qual lutamos.”
Ou a política:
199
Ibidem.
200
Ibidem.
credibilidade do sistema financeiro, impôs, especialmente aos trabalhadores e
pequenos produtores, perdas salariais e de renda, além de imobilizar novamente
o Governo, já que inviabilizou sua política fiscal e monetária. A tendência
recessiva manifesta -se pela queda do nível de emprego, diminuição do consumo
e arrocho salarial, criando um círculo vicioso que, somado ao seqüestro da
liqüidez, desorganizou e paralisou parte do sistema produtivo. Com isso, os
agentes econômicos não investem, dada a incerteza do quadro econômico, o
que, somado aos cortes dos investimentos públicos e aos problemas no setor
exportador, forma o quadro recessivo.
A gravidade política e social da situação, confirmada pela ausência de
uma política de salvaguarda do emprego e de salários da classe trabalhadora, é
acentuada pela proposta da livre negociação, que o Governo quer impor num
quadro recessivo. O risco de hiperinflação é real, o sistema financeiro não
funciona como rede de contenção e, por isso, não consegue evitar a fuga de
liqüidez, que a economia retomou para o dólar, o ouro e a especulação
201
imobiliária.”
201
Ibidem.
202
“O confronto com o Governo vai ocorrer em vários níveis e momentos:
a) disputa no plano institucional, no Congresso Nacional e nas eleições de 1990;
b) disputa na sociedade, contrapondo à CUT e aos movimentos organizados o sindicalismo de
resultados e os descamisados;
c) disputa nos me ios de comunicação e na mobilização social, procurando impedir nosso acesso à
informação e a retomada da luta social e econômica organizada;
d) disputa de alternativas políticas e ideológicas em torno dos objetivos do Governo Collor e da
questão da ideologia neoliberal, contra o socialismo e a esquerda.” Ibidem.
203
“Frente a esse quadro, vai se criando no País uma nova situação política. Diferentes setores da
sociedade foram se conscientizando da natureza do Plano Collor, dos seus efeitos antipopulares e
de seus objetivos a longo prazo, contrários aos interesses do povo e do Brasil. As medidas ilegais,
o autoritarismo e a vergonhosa propaganda que acompanharam o Plano Collor produziram, em
setores democráticos da sociedade, articulações dirigidas pela Comissão de Justiça e Paz,
incluindo OAB, ABI, setores das Igrejas, movimento sindical, entidades de profissionais e técnicos,
pequenas e microempresas. No campo popular e sindical, as manifestações promovidas pelo
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no ABC, pelos bancários em São Paulo, o
Congresso do Movimento Sem-Terra em Brasília e a ocupação de centros de trabalho,
particularmente a da Companhia Siderúrgica Nacional, foram um exemplo do caminho a seguir
para enfrentar o Plano Collor. De maneira geral, as mobilizações populares e as greves estão
sendo retomadas, como ocorre com os judiciários de São Paulo, os motoristas e ferroviários de
várias capitais, portuários, canavieiros de São Paulo, professores da rede pública do Rio Grande
do Sul, do Paraná, de Minas Gerais e de Santa Catarina.” Ibidem.
“De outro lado, é preciso, nos movimentos organizados, divulgar o
caráter do Plano Collor e os objetivos do ajuste econômico, denunciando a
privatização das estatais, via pagamento da dívida externa e a abertura, ao
capital estrangeiro, do mercado nacional, desnacionalizando o que resta de
médias empresas nacionais. Devemos mostrar que os grandes favorecidos pelo
Plano Collor serão os monopólios e cartéis presentes no País, e que se
reproduzirá o perverso modelo excludente, concentrador e dependente do
milagre econômico dos governos militares.
No caso de uma profunda recessão, o movimento sindical e popular
deve apoiar-se numa política de alianças com as classes médias e o pequeno
empresariado, diretamente atingidos pelo desemprego e pelo confisco. É preciso
combinar a política de defesa do funcionalismo público — ameaçado pela
política autoritária que pretende transformá-lo no bode expiatório do déficit
público e da ineficiência do Estado cartorialista, clientelista e corrupto criado
pelas classes dominantes brasileiras — com uma proposta de reforma
administrativa e patrimonial do Estado. O PT não pode ficar na defensiva nem
aceitar a chantagem do Governo, que, a pretexto de racionalizar o Estado, quer
vender o patrimônio público, quer calar e perseguir o funcionalismo público,
desmantelando suas organizações sindicais e liqüidando seus direitos
204
sociais.”
204
Ibidem.
205
“Dois fatores têm contribuído sobremaneira para este salto de qualidade:
A) As experiências de participação popular nas Constituintes Federais, Estaduais, Municipais (Leis
Orgânicas), na elaboração dos Planos Diretores e de outras leis, bem como nos diversos canais
institucionais abertos nas administrações e mandatos parlamentares (populares ou não) – apesar
do risco de institucionalização e absorção – têm estimulado a superação da fragmentação, do
isolamento, do corporativismo e do estágio meramente reivindicativo das lutas populares.
Apesar de não alcançada conforme os anseios populares, a participação popular nas Constituintes
obrigou os movimentos a reunirem e sistematizarem suas experiências e conhecimentos
acumulados, nos diversos campos da luta direta e traduzi- los em Emendas Populares. Em torno
das Emendas pela Reforma Urbana (a Emenda para a Constituinte Federal teve 165 mil
concepção de reforma agrária, concebesse o que seria uma “reforma
urbana” 206. Na concepção do PT, a sociedade brasileira, em um período curto
de tempo, havia se tornado urbana207 e o seu crescimento representou a
expansão da expropriação dos trabalhadores fora do ambiente de trabalho,
ou seja, aquilo que o PT chamou de apropriação privada da cidade.
208
Ibidem.
209
“Superando as reivindicações imediatas de obtenção e atendimento de bens ou serviços
específicos, a bandeira da Reforma Urbana tem como eixos:
A) A definição clara da função da sociedade e da propriedade, em detrimento do poder absoluto da
propriedade;
B) A gestão democrática da cidade.
A implementação desses princípios da Reforma Urbana exige que:
• A construção e a manutenção do es paço e equipamentos públicos sejam definidos como
responsabilidade coletiva;
• O investimento público seja propriedade coletiva, não podendo ser apropriado privadamente
através da valorização imobiliária;
• Os centros de poder e normatização sejam descentralizados propiciando maior autonomia e
controles locais.” Ibidem.
210
Ibidem.
A busca da construção dessa nova cultura passou a ser o ponto
norteador, no discurso, das prefeituras administradas pelo PT. Entretanto,
como veremos adiante, o Partido enfrentou sérios obstáculos para
implementar essa nova cultura ou, como foi denominado, esse “modo petista
de governar”.
O Partido salientou as principais dificuldades encontradas nas
administrações petistas, como, por exemplo, a inexistência de um projeto
elaborado com a estratégia socialista do Partido aliada com as práticas das
administrações 211 e, principalmente, o não avanço da proposta do Partido
acerca dos Conselhos Populares.
211
“A inexistência deste projeto nos impôs uma prática eleitoral que criou expectativa, do partido e
da sociedade, sobre uma ação com resultados imediatos em nossas prefeituras. Não corresponde
nem poderíamos corresponder a esta expectativa. Nos primeiros momentos, logo após as
eleições, compreendemos que o programa do partido não pode se confundir com o programa de
governo. Hoje, fica mais claro que construímos uma ação institucional sem um projeto de
construção de novas condições de governabilidade que orientasse e integrasse nossa prática.
(...)
Os primeiros semestres das prefeituras petistas foram marcados por este quadro em que as
necessidades de reorganização de uma máquina viciada se chocava com nossa inexperiência
administrativa. Um caminho administrativo de arrumar a casa acabou por predominar inicialmente,
reduzindo o papel político central que as prefeituras poderiam ter tido na campanha presidencial de
1989.” In: O Modo Petista de Governar – Secretaria Nacional de Assuntos Institucionais.
212
Ibidem.
Uma das principais dificuldades constatadas pelo Partido quanto às
administrações foi a não participação engajada da população213. Desta
forma, como dissemos acima, para impulsionar esse “modo petista de
governar” seria necessário que houvessem reflexos na sociedade. Daí a
necessidade da formação de uma nova cultura214, em que a política fosse
repensada:
213
“Somente a vontade política dos governantes, isoladamente, é insuficiente para romper com os
processos de elaboração e execução de políticas que só beneficiam a minoria. Essa lógica estatal
se sustenta na burocracia, na tecnocracia e numa postura absolutamente antiparticipativa.
Somente o combate a esses mecanismos elitistas de decisão é que pode reverter, de conjunto, a
situação. Governar, hoje, significa, entre outras coisas, selecionar áreas de prioridade e
demandas. O salto de qualidade de nossos governos será dado quando houver ampliação das
mobilizações populares em luta por seus interesses. Aqui, o papel do Partido é insubstituível, e
nesse terreno reside a nossa maior fraqueza: ao não termos sido capazes, governos e Partido, de
comprometer o conjunto das massas populares com a gestão democrática da coisa pública.” In:
o
Resoluções Políticas do 7 . Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores.
214
“A implantação de tais propostas exige pensar o projeto alternativo em algumas linhas de ação
que construam uma nova cultura municipal:
• recuperar a história (tradição local), resgatando os conflitos e opondo-se à história oficial que
confunde a identidade municipal com a vida do cacique político local;
• captar os fatos decisivos na construção de uma identidade local, de modo a resgatá-los no
sentido da produção de um imaginário que realce os valores dos direitos e da cidadania. São
histórias de lutas, como a dos trabalhadores da Siderurgia de Volta Redonda ou dos metalúrgicos
de Ipatinga ou, ainda, no caso do Porto de Santos, que permitem reconstruir a nova imagem
política do município;
• reelaborar a tradição local, sobretudo abrindo espaços para interpretações alternativas às
produzidas pelas elites. A maneira de interpretar o passado, a partir da visão da transformação do
presente, condiciona as representações e o papel político do município. Os municípios decadentes
dos ciclos do café e do açúcar são sempre identificados pela história dos ‘Barões’ e pouco se fala
dos negros ou da violência cultural sobre os migrantes;
• incorporar um projeto de desenvolvimento econômico local, refletindo a agindo sobre as
vocações impostas aos municípios;
produzir uma nova identidade municipal como síntese de um processo de reconstrução da
história, da potencialização de suas vocações naturais, da incorporação da população na
construção de uma nova cultura democrática, pluralista e baseada no reconhecimento dos direitos
do cidadão.” In: O Modo Petista de Governar – Secretaria Nacional de Assuntos Institucionais.
cria condições para concretizar essa visão de co-gestão ao transferir para a
comunidade uma parcela de seu poder político; assume seu papel de governar,
combinando-o com a democracia participativa.
O problema de participação popular nas prefeituras é de mudança da
qualidade da participação; é passar a participar como sujeito coletivo de uma
alternativa popular para toda a sociedade. Cabe ao movimento popular se
constituir nesse sujeito.
A institucionalização da participação significa mudanças político-
culturais que envolvem a própria prática do movimento popular. Por outro lado,
as inclinações autoritárias na cultura brasileira remetem, entre outros fatores, à
subordinação da sociedade ao Estado. A democratização do Estado e da
sociedade exige a inversão desta relação, colocando a relação das prefeituras
com a comunidade sobre o prisma do respeito dos direitos e da participação
215
popular.”
215
Ibidem.
216
Ibidem.
217
“É forçoso constatar que não cumprimos um roteiro semelhante ao acima esboçado. Tratamos,
na maioria dos casos, de uma resposta contábil à crise estrutural da relação Estado-economia.
Adotamos, muitas vezes, o que se batizou de administrativismo. Estamos tímidos diante dos
confrontos e muitas vezes conciliamos. Tentamos governar para toda a população e perdemos de
vista nossa base social e política. Não podemos perder a visão da centralidade do Estado na
nossa formação social, as funções históricas que por isso ele cumpre, de que modo as cumpre.
Um exemplo da nossa afirmação pode ser encontrado nesta citação
acerca das Resoluções Políticas do 7o. Encontro Nacional:
219
“O Partido dos Trabalhadores propõe-se a compartilhar com os trabalhadores e com o conjunto
das forças democráticas e socialistas a atualização do seu projeto histórico, fruto de 11 anos de
luta pela democracia e pela igualdade social. Desde já, consideramos como nossos interlocutores
naturais – sejam indivíduos, grupos sociais, instituições religiosas, organizações civis ou político-
partidárias – todos aqueles que almejam o fim da miséria e a eliminação das brutais injustiças
presentes na vida brasileira.
Este é um momento privilegiado para que, diante da grave crise que o País atravessa, o PT
formule e apresente à soc iedade brasileira alternativas à política do Governo Federal e aponte, em
conjunto com as demais forças democráticas e socialistas, um novo rumo, um projeto para
reconstruir o Brasil.” Resoluções Políticas do 1o. Congresso do Partido dos Trabalhadores.
efetivo dentro do partido. É preciso criar mecanismos que garantam ao núcleo
funções deliberativas.
No PT tem que poder existir tudo quanto é forma de organização. O que
nós precisamos é abrir a perspectiva das pessoas se organizarem em núcleos e
isso não ocorre de forma expontânea. Cabe ao partido e às suas direções o
trabalho de semear, incentivar e alimentar os núcleos.
O núcleo não pode ser aquele espaço chato de reunião, onde meia
dúzia aparecem para ficar disputando o poder dentro do partido. O núcleo tem
que promover atividades culturais, filmes, teatro, cursos e iniciativas de
formação política que possam motivar as pessoas. E, ao lado disso, discutir os
220
encaminhamentos do partido levando as deliberações para a sociedade.”
220 o
Manifesto aos Petistas. In: Resenha ao 1 . Congresso.
221
Com a mesma veemência foi feita a crítica a outra via histórica ao socialismo, ou seja, a social
democracia, que na visão do partido abandonou seu ideal socialista e compactuou com os valores
da sociedade capitalista: “Semelhante convicção anticapitalista, fruto da amarga experiência social
massas trabalhadoras daquelas sociedades. O “socialismo real” foi criticado
nos documentos petistas por sua falta de liberdade e democracia,
caracterizando-se como um regime tão opressivo como seu congênere
capitalista, que teria abandonado a própria condição de pluralidade dos seres
humanos em prol de uma uniformização forçada da sociedade. E foi
saudando a democracia, que não existiu no “socialismo real”222, conquistada
pelos povos do leste europeu, que o Partido apontou as principais falhas do
mesmo, e viu na democracia o grande valor de um futuro socialismo223.
brasileira, nos fez também críticos das propostas social-democratas. As correntes social-
democratas não apresentam, hoje, nenhuma perspectiva real de superação histórica do
capitalismo. Elas já acreditaram, equivocadamente, que a partir dos governos e instituições do
Estado, sobretudo o Parlamento, sem a mobilização das massas pela base, seria possível chegar
ao socialismo. Confiavam na neutralidade da máquina do Estado e na compatibilidade da
eficiência capitalista com uma transição tranqüila para outra lógica econômica e social. Com o
tempo, deixaram de acreditar, inclusive, na possibilidade de uma transição parlamentar ao
socialismo e abandonaram não a via parlamentar mas o próprio socialismo. O diálogo crítico com
tais correntes de massa é, com certeza, útil à luta dos trabalhadores em escala mundial. Todavia o
seu projeto ideológico não corresponde à convicção anticapitalista nem aos objetivos
emancipatórios do PT.” In: Resoluções Políticas do 7 o. Encontro do Partido dos Trabalhadores.
222
“O PT apoia a luta dos trabalhadores e dos povos pela sua libertação, assumindo a defesa dos
autênticos processos revolucionários, mas o faz com total independência política, exercendo
plenamente o seu direito de crítica. Foi assim que, desde a sua fundação, o PT identificou na
maioria das experiências do chamado ‘socialismo real’ uma teoria e uma prática incompatíveis com
o nosso projeto de socialismo. A sua profunda carência de democracia, tanto política quanto
econômica e social; o monopólio do poder por um único partido, mesmo onde formalmente vigora
o pluralismo partidário; a simbiose Partido/Estado; o domínio da burocracia de base e de
autênticas instituições representativas; a repressão aberta ou velada ao pluralismo ideológico e
cultural; a gestão da vida produtiva através de um planejamento verticalista, autoritário e ineficiente
– tudo isso nega a essência mesma do socialismo petista.” In: Ibidem.
223
“Os movimentos que conduz iram às reformas no Leste Europeu voltaram-se justamente contra
o totalitarismo e a estagnação econômica, visando institucionalizar regimes democráticos e
subverter a gestão burocrática e ultra-centralizada da economia. O desfecho desse processo está
em aberto e será a própria disputa política e social a definir os seus contornos. Mas o PT está
convencido de que as mudanças ocorridas e ainda em curso nos países do chamado ‘socialismo
real’ têm um sentido histórico positivo, ainda que o processo esteja sendo hegemonizado por
correntes reacionárias favoráveis à regressão capitalista. Tais movimentos devem ser valorizados
não porque representem em si um projeto renovador de socialismo, mas porque rompem com a
paralisia política, recolocam em cena aberta os diversos agentes políticos e sociais, impulsionaram
conquistas democráticas e, em perspectiva, podem abrir novas possibilidades para o socialismo. A
energia política liberada por tamanha mobilização social não será facilmente domesticada pelo
receituário do FMI ou pelos paraísos abstratos da propaganda capitalista.” Ibidem.
Torna-se importante neste ponto analisarmos as teses apresentadas
o
ao 1 . Congresso sob os seguintes aspectos: a concepção de socialismo e o
caminho para esse socialismo, com a discussão acerca da peculiaridade do
socialismo do Partido, sem que essa seja a sua posição final, cristalizada nas
Resoluções Políticas do Congresso.
Nas treze teses apresentadas no Congresso, não foi feita menção
mais aprofundada ao papel das n
i stâncias de base do Partido na construção
do socialismo petista, tendo aparecido na parte dedicada, em cada tese, para
a discussão acerca da construção partidária e da democracia interna do
Partido.
A grande diferença aludida nas teses para o socialismo petista em
relação às outras concepções socialistas era que o mesmo seria orientado
pela democracia vinculada às grandes massas exploradas da sociedade. E a
forma de alcançar este socialismo encontrava uma variação, em cada tese,
que dependia do grau, que podemos chamar de “radicalidade” para as
rupturas a serem interpostas na sociedade.
As propostas de ruptura com a ordem social capitalista passavam,
como dissemos, por graus de radicalidade e violência, o que demonstrava o
caráter plural diversas vezes demonstrado pelo próprio Partido. Algumas
propostas de caminho para o socialismo ganhavam contornos nitidamente
marxistas-leninistas como a encontrada, por exemplo, na Tese 02 que
colocava a ruptura com a ordem capitalista como uma guerra em que o outro
lado, o perdedor ou a burguesia, não concederia a vitória facilmente:
224
Tese 02 – Teses Sobre o Socialismo, a Revolução Brasileira e o Partido dos Trabalhadores. In:
o
Jornal do Congresso n . 05 – setembro de 1991.
225 o
Tese 4 – Pela Independência de Classe e pelo Socialismo. In: Jornal do Congresso n . 05.
226
Tese 9 – Um Rumo Revolucionário para o PT. In: Jornal do Congresso no. 05.
realizadas. O caráter revolucionário desta ruptura é colocado pela própria classe
dominante que sempre deixou claro não aceitar a vontade de uma maioria que
deseje uma profunda e radical transformação da sociedade e o fim de seus
privilégios de classe. Esta tem sido sua história: golpes, repressão e desrespeito
sistemático à legalidade, quando esta atrapalha seus interesses de classe ou
mesmo mesquinhos interesses imediatistas e grupistas.
O PT é radicalmente democrático. Defende o direito do povo à
autodefesa e à sublevação contra sistemas injustos e tirânicos. Considera que a
luta pela democracia possui uma dimensão estratégica. Mas não acreditamos na
sinceridade do discurso democrático universal da burguesia e lutamos para que
227
os trabalhadores não se iludam com isto.”
227 o
Tese 10 – Por um PT Socialista e Revolucionário. In: Jornal do Congresso n . 05.
228
Tese 11 – Por um Brasil Democrático e Popular. In: Jornal do Congresso n o. 05.
trabalhadores e seus aliados usarão o poder de Estado para socializar a
produção e impedir, por meio de uma nova ordem legal, as tentativas de se
restaurar o capitalismo. A ditadura do proletariado garante a democracia no
socialismo: o poder dos trabalhadores sobre todos os aspectos da sociedade,
desde a gestão de uma indústria ou de uma pequena comunidade, até a
elaboração de políticas para o Estado.”229
229
Tese 12 – O Papel do PT Frente à Crise do Capitalismo e sua Estratégia rumo ao Socialismo.
In: Jornal do Congresso.
230
As teses não citadas guardam pouca diferenças em relações as concepções das teses citadas
no texto.
231
Tese 1 – “Agora PT: ação Política Econômica rumo a Sociedade Socialista”. In: Jornal do
o
Congresso n . 05.
232
“O PT se coloca o esforços de repensar o papel dos movimentos sociais e de sua relação com
o Estado e com as demais instituições da própria sociedade civil. Por conta, em grande medida, da
multiplicação desses movimentos nos últimos quinze anos é que hoje podemos registrar algumas
conquistas democráticas e um certo desenvolvimento da cidadania na sociedade brasileira. Está
aí, nos movimentos, um ponto de partida decisivo para a criação de uma nova institucionalidade,
capaz de abarcar o conjunto da sociedade, a ser desenvolvida paralelamente à velha
institucionalidade excludente e autoritária. O PT não encara com possível – nem desejável – a
edificação de uma sociedade socialista sem a constituição de uma democracia social a qual, por
sua vez, jamais se concretizará sem a existência de instituições sociais democráticas e de novos
sujeitos, plurais, democráticos e capazes de transformar velhas instituições e construir novas de
um ponto de vista anti-autoritário.” In: Tese 8 – Um “Projeto para o Brasil” – Jornal do Congresso
no. 05.
“Coerente com esta visão humanista, democrática e plural, o socialismo
que o PT assume diverge da concepção que identifica socialismo com
igualitarismo coletivista. Não há lugar para a democracia onde não se reconhece
o
a diversidade. A resolução do 7. Encontro é inequívoca quando diz: ‘A nova
sociedade que lutamos para construir, assegurando a igualdade fundamental
entre os cidadãos, não será menos ciosa do direito à diferença, seja esta
política, cultural, comportamental, etc.’ É pela adesão ao direito à diferença
como um valor que, entre outras expressões da pluralidade, se pode assumir
com radicalidade a libertação da mulher, a liberdade religiosa, a superação do
racismo, o fim da opressão e dos preconceitos contra os homossexuais, a livre
manifestação das singularidades individuais, a concebê-los como conquistas
essenciais à fundação da nova sociedade, na qual se torne real uma convivência
humanizante entre os indivíduos.
O PT rechaça a noção segundo o qual o pluralismo não passa de uma
circunstância que se tolera, até o dia em que, suprimidas as classes sociais,
supostamente, se estabeleçam as bases da homogeneidade de pensamento. O
PT entende que a diversidade de desejos e de idéias é inerente à condição
humana, razão pela qual a pretensão de suprimi-la não passa de um projeto de
violentação da humanidade. Lutamos por uma sociedade efetivamente plural,
mais um motivo para sermos anticapitalistas, pois, o capitalismo, ao oprimir e
alienar os indivíduos, só admite de fato uma pluralidade restringida pela
desigualdade de condições e oportunidades de condições e oportunidades. Mas
motivo também para rechaçarmos a chamada ‘pluralidade’ para os partidos
operários — ou, seja, para quem pensa como nós — que, historicamente, só
pode se concretizar como expressão transitória da chamada ditadura do
proletariado, isto é, domínio da burocracia e, de fato, ditadura do partido
233
único.”
233
Ibidem.
política agrícola que apoie o pequeno produtor; a democratização dos meios de
234
comunicação e nas Forças Armadas.”
234 o
Tese 10 – Por um PT Socialista e Revolucionário. In: Jornal do Congresso n . 05.
235 o
Tese 11 – Por um Brasil Democrático e Popular. In: Jornal do Congresso n . 05.
236
Tese 13 – Revolucionar é Preciso. In: Jornal do Congresso no. 05.
concepção marxista-leninista de ruptura violenta com a ordem social
capitalista persistiu, como vimos num número considerável de Teses.
Entretanto, como podemos notar a seguir, as Resoluções do Partido
caminharam no sentido de corroborar posicionamentos anteriores, que
alijavam a alternativa de uma ruptura violenta com a ordem social capitalista
em prol da luta pela conquista de hegemonia na sociedade.
237
“Se os ideais que moveram os movimentos sociais revolucionários ao longo deste século
persistem como fonte de inspiração para o nosso Partido, temos que reconhecer que estamos
assistindo ao esgotamento do ciclo de revoluções socialistas iniciado a partir da Revolução Russa
de 1917 e do modelo de sociedade por elas gerado. Se aquelas revoluções – bem como as
mobilizações anticapitalistas e de libertação nacional que nelas se referenciaram – tiveram
sucesso em expropriar o capital em vários países do globo, proporcionando, direta ou
indiretamente, avanços políticos e sociais, por outro lado não conseguiram dar respostas a
questões como a liberdade individual, a democratização nas relações Estado-Indivíduo,
desenvolvimento com preservação da natureza, hoje não se constituindo mais em ponto de partida
ou caminho para o desenvolvimento do socialismo.” In: Resoluções Políticas do 1o. Congresso do
Partido dos Trabalhadores.
238
“Mesmo com o progresso material da sociedade – e, na maioria destes países, esse progresso
ocorreu relativamente a sua história – a resolução burocrática e administrativa da organização da
produção, da circulação de bens e da vida social acabou por pressupor uma nova forma de gerir
instituições que pouco se diferenciavam das velhas instituições capitalistas. A nova ordem, a
cidadania plena, a liberdade não só não chegaram a essas sociedades, nem penetraram em suas
instituições, como foram negadas em nome da ‘defesa das conquistas sociais ameaçadas
constantemente pelo inimigo externo’.
O isolamento internacional; a estatização generalizada da economia, que tampouco foi seguida por
sua efetiva socialização; o planejamento burocrático altamente centralizado, que se fechou à
participação real dos trabalhadores; a hipertrofia da indústria pesada e militar às expensas do
consumo de massa; o bloqueio à livre manifestação das preferências de consumo, a castração da
liberdade cultural e intelectual, a falta de democracia política e as dificuldades econômicas de toda
ordem, inclusive aquelas patrocinadas pela ação imperialista, provocaram o esgotamento do
impulso libertário das revoluções socialistas.” Ibidem.
“Um dos dogmas que desabou no Leste Europeu foi a verdadeira ficção
histórica de que seria possível a um bloco de países construir uma sociedade
socialista, isolando-se, para isto, do mercado mundial. A expropriação da
burguesia e do grande capital internacional abriu uma fissura no mercado
mundial. A URSS e os países do Leste Europeu tenderam a ser excluídos da
divisão internacional do trabalho que prevaleceu no sistema capitalista
internacional. Essa situação só pode ser suportável durante um certo período.
Mas o seu desenvolvimento acabou exigindo e pressionando a favor da
reintegração desses países no mercado mundial, sem o que essas economias
socializadas não conseguiriam — como acabaram não conseguindo — superar
as contradições entre o livre desenvolvimento da produção, a necessidade de
intercâmbio tecnológico, científico e as bases atrasadas desses países.
A produtividade do trabalho impõe, para seu crescimento, um
permanente progresso tecnológico, que os países ricos só podem financiar
graças ao domínio econômico que exercem sobre a maioria dos países do
mundo. A busca de resolução desses problemas com recursos exclusivos de um
só pais, ou mesmo de um bloco de países até então atrasados, só pode gerar
impasse. Ou, como acontece efetivamente, por pragmatismo, a uma relação
hipócrita de coexistência com o grande capital, em prol do qual muitas vez es se
239
chegou a sacrificar a solidariedade internacional a processos revolucionários.”
239
Ibidem.
240
Ibidem.
O principal aspecto positivo encontrado pelo PT na queda do
“socialismo real" foi a resistência das classes trabalhadores dos países do
Leste Europeu, que insurgiram contra seus governos, pois, faltou no
“socialismo real”, a democracia241.
241
Semelhante ao “socialismo real” o partido manteve sua postura em relação a via da Social
Democracia ao socialismo: “A proposta social-democrática obteve relativo sucesso nas décadas
que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, quando a burguesia européia – acossada
internamente pelos movimentos operários e preocupada com a expansão do bloco socialista – foi
obrigada a aceitar importantes reivindicações políticas e sociais. À medida, contudo, que se
consolidava o ‘Estado de bem-estar social’, a social democracia ampliava seus compromissos com
a ordem internacional patrocinada pelos Estado Unidos – a exemplo do que ocorreu na recente
guerra do Golfo. Finalmente sucumbiu à ofensiva neoliberal, suprimindo – na França e na Espanha
– conquistas históricas das classes trabalhadoras. Hoje podemos dizer que a social-democracia
não apenas perdeu a referência socialista como também se mostra incapaz de sustentar sua
proposta de Estado de bem-estar social, imerso na crise fiscal e na regressão política. Cabe
ressaltar, também, a apatia e a omissão da social-democracia com o crescente movimento racista
em toda a Europa.” Ibidem.
242
Ibidem.
Democracia” 243. E foi, de certa forma, referenciado por essa crítica, que o
Partido defendeu o futuro socialismo estruturado nas pluralidades dos seres
humanos244 , que o “socialismo real” não respeitou.
E, como vimos, não poderia existir nada mais articulado com esse
discurso de respeito à condição plural dos seres humanos do que a defesa
243
“Na construção dessa alternativa, – cujos marcos são os últimos Encontros Nacionais,
especialmente o 7o. Encontro, que delineou os contornos do ‘socialismo petista’ – nosso partido
vem reafirmando sua concepção de que o socialismo não nascerá de um decreto, nem do PT nem
de ninguém. Como afirmou Lula, em 1981, ‘o socialismo que nós queremos se definirá por todo o
povo, como exigência concreta das lutas populares’. Para o PT, socialismo é sinônimo de
radicalização da democracia. Isso quer dizer que a concepção de socialismo do PT é
substancialmente distinta de tudo que, enquanto concepção, vimos concretizado em todos os
países do chamado socialismo real. Mais do que mera afirmação retórica de uma idéia, esse
compromisso democrático pretende concretizar-se em todas as dimensões do Partido: no seu
modo de ser e de organizar-se, nos valores que assumem perante a sociedade, no seu
relacionamento com os movimentos sociais e com a sociedade civil, nas propostas
consubstanciadas em seu programa político, na sua atuação parlamentar em cargos executivos,
enfim, em toda ação cotidiana de cada petista. Afinal, ‘democracia para nós é, simultaneamente,
meio e fim’. Dizer isso implica em recusar todo e qualquer tipo de ditadura, inclusive a ditadura do
proletariado, que não pode ser outra coisa senão ditadura do partido único sobre a sociedade,
inclusive sobre os próprios trabalhadores.” Ibidem.
244
“O PT entende que a diversidade de desejos e idéias é inerente à condição humana, razão pela
qual a pretensão de suprimi-la não passa de um projeto de violentação da humanidade. Lutamos
por uma sociedade efetivamente plural, mais um motivo para sermos anticapitalistas, pois o
capitalismo, ao oprimir e alienar os indivíduos, só admite, de fato, uma pluralidade restringida pela
desigualdade de condições e oportunidades. Mas motivo também para rechaçarmos a chamada
‘pluralidade para os partidos operários’, ou seja, ‘para quem pensa como nós’, que, historicamente,
só pode levar a formas de ditadura.” Ibidem.
245
Ibidem.
árdua da democracia246, mas, não uma democracia baseada somente nas
instituições democráticas da sociedade capitalista — ou democracia
burguesa — e, sim, a extensão de formas socialistas de democracia.
246
“É por isso que encaramos a democracia política, econômica e social como base constitutiva da
nova sociedade. O socialismo pelo qual o PT luta prevê, portanto, a existência de um Estado de
direito no qual prevaleçam as mais amplas liberdades civis e políticas (de opinião, de
manifestação, de imprensa, partidária, sindical, etc.); onde os mecanismos de democracia
representativa, libertos da coação do capital, devem ser conjugados com formas de participação
direta do cidadão nas decisões econômicas, políticas e sociais. A democracia socialista que
ambicionamos construir estabelece a legitimação majoritária do poder político o respeito às
minorias e, a possibilidade de alternância no poder.” Ibidem.
247
Ibidem.
248
“O PT sabe, também, que esta tarefa não é unicamente nossa e se declara disposto a somar-se
com todos os movimentos políticos que, no Brasil e no mundo, estejam empenhados em superar
os impasses do socialismo. Ao fazê-lo, apresenta dois pressupostos para que o debate seja, a um
só tempo, amplamente democrático e orientado pelo que ocorre no mundo real. O primeiro, ao
nível do método, é que não se pode violentar as características de um partido democrático e de
massas como o PT. Isso significa que o debate, longe de ficar restrito a um pequeno círculo de
intelectuais e dirigentes, deve envolver o conjunto dos filiados e simpatizantes e, a partir destes, se
estender a toda a sociedade. Do mesmo modo, o debate deve contemplar a pluralidade de um
partido laico, sem doutrina oficial.” Ibidem.
Partido apontou na sociedade os principais agentes a conduzirem as
transformações no caminho do socialismo, os movimentos sociais.
249
Ibidem.
250
“O PT, compreendendo esta realidade nacional, defende, assim, a construção de novos
espaços e canais diferenciados de exercício da democracia, de modo que esta seja a mais ampla
possível, garanta os interesses em jogo entre as camadas populares e crie condições para a
eliminação da dominação política da burguesia monopolista e a construção do socialismo.” Ibidem.
podemos vislumbrar as formas mais gerais. Até porque os contornos precisos de
uma sociedade socialista não podem ser definidos hoje (a não ser como projetos
de laboratório, desprovidos de vida), exatamente porque eles serão produtos da
251
própria luta social, política, econômica e cultural (...)”
251
Ibidem.
252
Ibidem.
“No âmbito da CUT, o primeiro problema é a dificuldade dos
trabalhadores de redefinir uma orientação que permita dar uma resposta à altura
das agressões que sofrem com a política neoliberal. As dificuldades tendem a
aumentar, assim como a necessidade de respostas mais incisivas. O segundo
problema diz respeito ao enfrentamento com o ‘sindicalismo de negócios’, que
tem colocado seu apoio à aplicação do projeto neoliberal do Governo Collor de
Melo. Em terceiro lugar, um preocupante processo de luta vem se
desenvolvendo na CUT e nos sindicatos, tendo, em geral, como foco o controle
de aparelhos, sem que regras democráticas de convivência sejam estabelecidas
e respeitadas. Chega-se ao cúmulo de divisões de cutistas em diferentes chapas
em eleições sindicais propiciarem a vitória de correntes de direita, ou de
congressos da CUT não discutirem política e se dedicarem apenas à eleição da
direção.
Os problemas de orientação política, as dificuldades de superação da
estrutura burocratizadora estabelecida (e a não superação contamina a própria
CUT) e as dificuldades de convivência democrática entre as correntes petistas
exigem uma intervenção ativa do PT, como o partido da esquerda brasileira de
253
maior influência no movimento sindical.”
253
Ibidem.
254
“A necessidade de integrarmos o movimento sindical em nossa estratégia democrática e
popular coloca ao PT o enorme desafio de atualizar e desenvolver a linha sindical do Partido,
aprovada em 1986, e de priorizar o acompanhamento do que se passa no cenário sindical,
ajudando o movimento a superar seus impasses atuais. Essa tarefa, que deve ser objeto dos
processos de encontros do próximo ano, deve encontrar, desde já, orientações que permitam
iniciarmos a discussão.” Ibidem.
(B) Mulheres.
Nos documentos do PT de anos anteriores, várias lutas de setores
particulares da sociedade foram incorporadas ao que podemos denominar de
“bandeiras de luta” do Partido. Mas, foram as Resoluções Políticas do 1o.
Congresso do PT que representaram o momento em que o Partido
apresentou políticas mais elaboradas para certos setores da sociedade 256.
A incorporação da defesa dos direitos das mulheres foi um exemplo
disto que acabamos de dizer, sendo que o Partido apontou os seguintes
caminhos:
255
Ibidem.
256
“O Partido precisa repensar sua atuação na sociedade, entendendo as diferentes formas de
opressão nela existentes, que não se resumem à contradição capital-trabalho, mas se estendem a
processos discriminatórios e de exclusão econômica, social, cultural e política, que expressam a
natureza de classe, de raça e de gênero, característicos do processo de dominação instituídos nos
poderes e na sociedade e responsável pela transformação de maiorias sociais em minorias
políticas.” Ibidem.
257
Ibidem.
Semelhante à bandeira de luta em defesa dos direitos das mulheres, o
PT defendeu também uma política anti-racista258 e apontou a direção a ser
seguida neste sentido:
(D) Índios.
Assumiu a mesma ênfase na defesas dos povos indígenas:
258
“Propomos um ponto de reversão nesse sentido. Toda nossa estratégia deve passar a
construir-se também a partir da perspectiva racial. Quando discutimos a disputa pela hegemonia,
temos que saber que não a alcançaremos se não soubermos disputar com uma linguagem
também negra. Quando discutimos as mobilizações sindicais, não estaremos despertando seu
potencial revolucionário se a discriminação não for combatida com a mesma radicalidade que a
exploração. Quando lutamos para desencadear greves políticas de massas, nossos símbolos,
nossas bandeiras e métodos precisam confrontar, simultaneamente, o capital e a cultura
hipocritamente ‘universal’, que serve de biombo para esconder o preconceito. Quando disputamos
ou até vencemos eleições, nossos programas não deitarão raízes verdadeiras caso não
expressem, também, a canção secularmente contida (mas também sempre cantada) da resistência
negra. O socialismo só será realidade no Brasil quando fizer saltar pelos ares o apartheid, quase
sempre subliminar e tantas vezes sangrento, da opressão racial.” Ibidem.
259
Ibidem.
• propõe-se posicionar-se nos conflitos envolvendo comunidades
indígenas e camponeses, indígenas e garimpeiros, e outros, bem como
comunidades indígenas e o Estado;
• posiciona-se contra a implantação de grandes projetos econômicos e
desenvolvimentistas, governamentais ou privados, em terras indígenas e
260
defende projetos étnicos que garantam a sobrevivência destes povos.”
(F) Juventude.
Para terminar, o PT estabeleceu uma relação e um valor para a
juventude brasileira:
260
Ibidem.
261
Ibidem.
A juventude não se limita simplesmente pela faixa etária, mas
principalmente como momento de reflexão, de opção, de escolha de um projeto
de vida e por seu potencial de combatividade e disposição de luta. Mas, na atual
situação, premida por uma superexploração no trabalho, discriminação e
obrigações impostas pelas elites, vê seus ideais de liberdade contrariados. Hoje,
a sociedade brasileira marginaliza o jovem política, econômica e socialmente.
Nesse sentido, temos que afirmar uma moderna condição juvenil que rejeite o
estigma e o preconceito ao jovem como incapaz, inconseqüente ou,
simplesmente, ‘o futuro do País’. A juventude é o presente. E o grande desafio
do PT é ousar na luta pela conquista e o exercício pleno da cidadania.
O Partido dos Trabalhadores realizará uma ampla campanha de resgate
da cidadania infanto-juvenil, no sentido de esclarecimento sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente, bem como para fiscalizar o seu cumprimento,
implantar lutas para a concretização dos Conselhos de Defesa da Criança e do
Adolescente, desenvolver campanhas contra a discriminação e extermínio de
crianças e adolescentes, que significa, principalmente, o extermínio de crianças
262
negras.”
262
Ibidem.
continha em si uma complexidade tal, que um dos grandes objetivos do
Partido era tentar fazer nascer dele uma força capaz de transformar a
relação de poder na sociedade capitalista. Daí, a importância que o PT
sempre deu para a unificação das lutas263, para a qual sempre encontrou
obstáculos, tendo sido este objetivo perseguido desde a sua origem como
partido. Alguns destes obstáculos foram internos, de cunho organizativo264, e
as principais ações de cunho prático para atingi-lo aconteceram por meio do
caminho aberto para todos os partidos, as eleições. Um exemplo disto, foi
toda a expectativa criada em torno das eleições de 1989, nas quais tal
unificação das lutas poderia ser auferida pelo número de votos no Partido.
Sobre o movimento social, em si, foi constatada a necessidade de se
“aprimorar” a ação do Partido e a sua atuação junto aos mais variados
movimentos e segmentos da sociedade. A única decisão de cunho prático
apresentada pelo PT foi a luta pela vitória do Partido nas eleições para
presidência da República em 1994.
Com relação a essas eleições, o Partido apresentou um avanço no
que diz respeito à sua estratégia, pois, a conquista do Executivo seria um
trampolim para colocar em ação um “golpe de força” contra a sociedade
capitalista. Tinha-se, também, pela primeira vez nos documentos do Partido,
uma valorização maior da importância do caráter das reformas para
dinamizar o processo de construção do socialismo.
263
“É esta nova compreensão das tarefas de disputa de hegemonia no Brasil que o PT precisa
assumir e assimilar, sob pena de ficar prisioneiro, ou de políticas equivocadas, que privilegiam
apenas a luta econômica e a pressão popular; ou que privilegiam somente a atuação no campo
institucional, sem articular as lutas reivindicatórias e setoriais com a luta por reformas políticas e
econômicas, mantendo, assim, a luta institucional prisioneira do caráter antidemocrático e elitista
das instituições, e dispersando as lutas sociais nas reivindicações específicas e no
corporativismo.” Ibidem.
264
“Nossa estrutura orgânica não apresenta mais correspondência com a nossa força real e
representatividade social. Embora nosso partido continue sendo, entre os partidos brasileiros,
aquele que possui a maior militância, a vida interna mais efetiva e a maior dose de democracia
interna, a verdade é que é preciso superar a nossa atual política de organização. A atual forma de
organização do Partido está inadequada e até mesmo caduca. Temos uma estrutura verticalizada,
que engloba as instâncias atuais (DN, DR, DM, Núcleos e Zonais), mas que não dá conta de um
partido como o nosso. Possuímos, de fato, uma estrutura de elite, que não oferece canais de
participação para uma cama da mais ampla de petistas, quanto mais para uma participação
maciça. Esta situação se agrava quando as instâncias se esvaziam, seja pelo cansaço, seja
porque são viciadas, tendo se tornado palco de discussões inúteis.” Ibidem.
“Para o PT, a conquista do poder político não começa nem termina e tão
pouco se reduz, simplesmente, à clássica representação simbólica da ‘ocupação
do palácio governamental’. Se não visualizamos a conquista do poder como um
‘assalto ao Estado’, tampouco acreditamos que o socialismo virá através de um
ininterrupto e linear crescimento das forças e da hegemonia socialistas dentro da
sociedade, sem que ocorram choques e confrontos intensos. Reafirmamos,
portanto, que as transformações políticas, econômicas e culturais que o Brasil
necessita supõem uma revolução social, como a experiência histórica
comprovou, inclusive recentemente, até no Leste Europeu.
Só um poderoso movimento por reformas políticas e sociais, baseadas
num programa democrático e popular centrado no combate ao latifúndio, ao
monopólio e ao imperialismo, pode levar a cabo a profunda revolução que este
país necessita, se quiser superar o modelo excludente que o caracteriza desde a
origem. Na visão do PT, a revolução social necessária para superar o
capitalismo tem que ser obra de milhões e milhões de brasileiros, que, na luta
por reformas profundas e estruturais em nossa sociedade, enfrentam-se com o
status quo vigente, acumulando forças para as necessárias transformações
265
revolucionárias, radicalmente democráticas e socialistas.”
265
Ibidem.
266
Ibidem.
Nesta altura do texto, acreditamos ser conveniente analisarmos que
tipo de alusão foi feita aos Núcleos de Base nas Resoluções Políticas do 1o.
Congresso do PT. Afinal, esta instância do Partido em contato com os
movimentos sociais foi o que o distinguiu desde o seu surgimento, tendo sido
destacada no Manifesto de convocação aos petistas para o 1o. Congresso.
A única referência aos Núcleos e às outras instâncias de base do
Partido dizia respeito à importância deles como espaços que os petistas
“deveriam organizar” para intervirem na sociedade.
267
Ibidem.
políticas no processo de luta. Compreendemos que este processo implica um
método de construção partidária que seja capaz de transformar cada ação
política num momento pedagógico, politizador, estabelecendo a ligação entre as
diversas atividades e o projeto estratégico do Partido.
As chamadas atividades formativas devem ser encaradas, dentro desta
lógica, como momentos de estímulo e reforço à implementação deste método de
construção partidária. Coerente com o projeto petista, nossa formação política
deve ser exercício da pluralidade e criadora de novas alternativas. A formação
política deve contemplar as dimensões globais da vida, incorporando as
questões relativas à opressão de raça e gênero, buscando a construção de
sujeitos autônomos, éticos, solidários, sensíveis aos valores mais nobres do ser
humano. Deve, ainda, contemplar as especificidades culturais, regionais e
268
históricas, trabalhando um processo unitário dentro da diversidade.”
268
Ibidem.
responsável por efeitos drásticos para a grande maioria da população
pobre 269. O Brasil passava por um novo reordenamento do poder, em que a
burguesia se reestruturava depois do impeachment de Fernando Collor de
Mello270, e o Governo Itamar Franco era visto com severas reservas.
269
“Cem milhões de brasileiros vivem na pobreza: 60 milhões em condições de miséria e nada
menos do que 32 milhões em total indigência. De cada mil brasileiros que nascem, 90 morrem
antes dos cinco anos; dos 9l0 sobreviventes, apenas 90 chegam a completar o segundo grau. O
drama do País deriva das políticas implementadas por uma elite indiferente à miséria e à fome das
maiorias nacionais. Presentemente, essas políticas materializam-se no atual modelo econômico,
que, além de estar esgotado, é concentrador de renda. Após uma década de instabilidade,
decorrente do agravamento dessa crise, o fracasso do projeto neoliberal deixou, mais uma vez,
evidente a incapacidade das elites de gerarem um modelo alternativo. Nesse mesmo período, os
setores populares ampliaram sua força política e eleitoral, disputando a hegemonia com as classes
dominantes em condições até então inéditas na história do Brasil: na fundação do PT, na criação
da CUT, na campanha das Diretas, nas eleições de 1989, no impeachment de Collor. Trata-se,
agora, na disputa eleitoral, de impor uma derrota às elites, abrindo para o País uma alternativa de
o
governo democrática e popular.” Resoluções do 8 . Encontro Nacional do Partido dos
Trabalhadores.
270
“Na esteira do fracasso de Collor, a burguesia tenta manter seu programa modernizante. O
empresariado, em particular o dos oligopólios, continua recusando-se a reduzir seus lucros. Suas
concessões estão sempre respaldadas por trocas vantajosas nos tributos ou em outros itens de
suas relações com o Estado e/ou a sociedade. A presente disposição do empresariado para o
diálogo amadurecido, não passa, portanto, de uma parada momentânea na tendência de
aguçamento das polarizações: ou a burguesia sofre uma derrota e se submete a um programa de
redistribuição de renda, ampliação do mercado interno e de eliminação da miséria, ou impõe uma
derrota aos setores populares e realiza seu programa de apartheid social. Por isso, não há espaço
real para uma terceira via; ou trilhamos o caminho das mudanças, ou será a continuidade da
miséria, da fome e da marginalização.” Ibidem.
uma taxa de juros que inviabiliza o investimento produtivo e que corrói as
271
finanças públicas.”
271
Ibidem.
272
“O Estado será, além disso, instrumento para a realização de uma profunda e indispensável
redistribuição de renda, que não poderá ser feita unicamente através do crescimento, mas exigirá
uma política de elevação dos salários, de combate ao desemprego, inclusive através da redução
da jornada de trabalho, o fim da ciranda financeira e dos lucros obtidos com a formação de capitais
fictícios, e de medidas tributárias fortemente progressivas. Essas funções do Estado – entre as
quais se inclui a planificação e a capacidade de proteger os interesses nacionais estratégicos –
não foram, nem serão, supridas pelo capital privado, particularmente nas condições atuais de
aguda concorrência internacional. É nos marcos de uma ação estatal comprometida com as
reformas, com a defesa dos interesses nacionais e o combate à monopolização, que a contribuição
de milhões de pequenos produtores, comerciantes e prestadores de serviços poderá encontrar
ambiente para prosperar. ” Ibidem.
273
Um dos poucos pontos que desde a fundação do PT ganha destaque e que se encontra
desenvolvido neste documento é o que diz respeito à reforma agrária: “Neste sentido, a política
agrária do PT objetiva romper o domínio do latifúndio no campo brasileiro, combinando a ação
governamental com a mobilização das forças populares, para transformar as relações de produção
na área rural e integrar econômica, social e politicamente os milhões de marginalizados por uma
estrutura agrária arcaica e elitista. A nossa proposta de reforma agrária articula o apoio à luta dos
camponeses pela terra, através das ocupações, com a ação do nosso governo para viabilizar os
assentamentos e possibilitar a formação de novas empresas rurais, geridas pelos próprios
trabalhadores. Portanto, ela libera forças produtivas, estimula o desenvolvimento econômico do
País e avança a relação de forças na luta pelo socialismo.” Ibidem.
universalização do ensino básico, inclusive aos que a ele não tiveram acesso em
idade própria, são essenciais para promover a cidadania dos excluídos.
Especial atenção deve ser dada a uma reforma tributária, de caráter
progressivo, que penalize os que concentram renda e riqueza, impeça a
sonegação e a impunidade e recomponha as finanças públicas, para impulsionar
os investimentos produtivos e as políticas sociais.
Paralelamente, a especulação financeira terá que ser enfrentada com o
alongamento do perfil da dívida interna e profundas reformas do sistema
financeiro, que orientem os recursos para o sistema produtivo e eliminem o
caráter parasitário para o mercado de capitais no País. Um novo padrão de
financiamento, que fortaleça a capacidade de o Estado estimular os
investimentos dos pequenos produtores industriais e rurais, é uma condição
fundamental para o desenvolvimento com distribuição de renda, riqueza e poder.
O modelo proposto engloba a utilização simultânea de mecanismos de
mercado e a intervenção do Estado, para impedir que os monopólios e
oligopólios sigam exercendo sua completa supremacia na vida econômica do
País, desfigurando todas as fantasias dos liberais. Especial atenção deverá ser
dada ao sistema financeiro e sua lógica atual de acúmulo, que esteriliza o
dinamismo produtivo do País.
Haverá necessidade de compatibilizar, num mesmo movimento, o
atendimento ao mercado interno, expandido, com a inserção competitiva do
Brasil na economia mundial. Trata-se de alimentar, vestir e calçar, garantir
moradia, saneamento e transporte para dezenas de milhões de brasileiros, que
se encontram, hoje, à margem do consumo, da produção e, por conseqüência,
da própria cidadania.
Os imperativos dessa nova concepção de desenvolvimento obrigarão a
articular uma pluralidade de formas de propriedade: privada, estatal, mista,
cooperativa e outras.
O projeto alternativo exige um desenvolvimento ecologicamente
harmônico, rompendo com as concepções produtivistas, que marcaram tanto o
capitalismo quanto o socialismo estatista.”274
275
Ibidem.
276
Ibidem.
277
“Caberá ao governo democrático e popular tomar medidas que viabilizem a retomada do
crescimento com distribuição de renda, a construção do mercado interno de massas, a
radicalização da democracia, a recuperação da capacidade de investimento do Estado, o incentivo
à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, a reforma urbana, a reforma agrária, a reforma
tributária que grave os ricos, elimine os impostos indiretos e institua repartição de competências
tributárias compatíveis com as reformas democráticas e populares, o combate à sonegação,
permitindo assim o ataque frontal aos problemas da fome, do desemprego, das condições de
saúde, educação, especulação imobiliária, habitação e transporte da maioria da população.
Medidas que supõem uma política externa soberana, o rompimento dos privilégios dos oligopólios,
dos latifúndios e dos conglomerados financeiros.” Ibidem.
caracterizar uma ação prática mais delineada, todavia, necessitando também
de “aprimoramentos”:
278
Ibidem.
279
Ibidem.
“(...) Mas depende, sobretudo, de estarmos vinculados à reanimação
dos movimentos sociais, especialmente o movimento sindical, expressando no
plano político os interesses desses movimentos. Se é verdade que a situação de
crise desestimula a mobilização, também faz falta uma orientação política mais
clara sobre como atuar na conjuntura e sobre a vinculação dos movimentos
sociais com a luta pelas reformas estruturais. Só haverá retomada da
mobilização quando o movimento sindical refizer os vínculos da luta específica
com as propostas nacionais. É nesse sentido que o PT deve orientar sua
atuação nos movimentos populares, sindical, estudantil, de mulheres, negros,
sua relação com as entidades da sociedade civil, com as Igrejas, com os
partidos aliados e com os marginalizados. Trata-se de interessar milhões de
trabalhadores e trabalhadoras para uma luta por mudanças, para a defesa de
metas nacionais — como o combate à fome, a reforma agrária, a extensão da
saúde e da educação a todos os brasileiros — que sinalizem o Brasil que
280
queremos.”
280
Ibidem.
281
A referência a “Conselhos de Base” nos documentos do PT não foi constante, não se delimitou
claramente o que seria um “Conselho de Base”, entretanto, o que podemos constatar, mesmo que
os documentos pesquisados não os mencione, que as experiências em certas administrações com
o “Orçamento Participativo” foi o que mais se aproximou da idealização de um “Conselho de Base”.
282
Resoluções Políticas do 8 o. Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores.
Juntamente com a importância da unificação das lutas, a necessidade
das reformas era colocada pelo Partido como tão importante que seria
necessário “ganhar o imaginário” das massas.
285
Ibidem.
286 o
“O 9 . Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores discutiu e aprovou o Programa de
Governo. A partir de agora, todas as energias de nosso partido, de cada um dos militantes, filiados
e simpatizantes devem concentrar-se na eleição de Lula Presidente, de nossos candidatos ao
Governo e ao Senado, à Câmara e às Assembléias Legislativas. Não se trata de mais uma disputa
eleitoral. Trata-se de uma batalha onde estão em jogo, simultaneamente, as chances de uma vida
digna para a maioria do povo brasileiro e a possibilidade de colocar num novo patamar a luta pelo
o
socialismo.” In: Resoluções Políticas do 9 . Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores.
287
“Desabituadas com a disputa demo crática, incapazes de reformar um sistema que lhes permite
ganhos fabulosos, as elites tentam, de todo modo, impedir a vitória eleitoral da esquerda. Esse foi
o sentido da traição ao movimento pelas Diretas e da ida ao Colégio Eleitoral, do estelionato
eleitoral do PIano Cruzado, da extensão do mandato de José Sarney, do apoio ao aventureiro
Collor de Mello.
(...)
Diante da previsível derrota nas urnas de 1994, as elites apelaram para o Congresso surgido das
urnas de 1990: façam a revisão, antes que o povo faça as reformas. O PT resistiu a mais esse
golpe contra a democracia e contra um futuro governo popular. A despeito das dificuldades e das
incompreensões, na sociedade e no próprio Partido, soubemos resistir porque nunca
consideramos a revisão um fato consumado, uma derrota inevitável à qual devíamos nos curvar.”
Ibidem.
288
“Por isso, a polarização tende a ser uma das marcas principais da disputa. Adversários
poderosos lançarão mão de todos os recursos ao seu alcance – legais e ilegais, verdadeiros e
alcançar uma coesão do movimento social motivada pelos efeitos negativos
do Plano de governo.
falsos, éticos e imorais – para tentar impedir nossa vitória. E como tais forças controlam
instrumentos importantes, como os meios de comunicação, o sistema financeiro, todos os
ministérios, o Congresso Nacional e até o Judiciário, todo o favoritismo de Lula não chega a ser
suficiente para autorizar qualquer otimismo irresponsável e desmobilizador.
Devemos estar preparados para um verdadeiro clima de guerra. E não se vence uma guerra sem
contar com uma estratégia claramente definida, unificando todas as iniciativas e mobilizações que
nossa militância, candidatos, partidos coligados, organizações populares, entidades civis e
movimentos sociais lançarão em cada canto do Brasil, para garantir a concretização desse sonho
perfeitamente realizável.” Ibidem.
289
Ibidem.
oposição à conciliação; a coerência combatendo o oportunismo de alianças
eleitoreiras.
Claro está que assumir a polarização não pode significar, em hipótese
alguma, cair na armadilha de quem propõe temas ideológicos, abstratos e
distantes, no lugar de questões concretas, como o desemprego brasileiro. Nem,
muito menos, opor campanha ideológica e campanha programática.
A luta será ideológica, sim, porque aos adversários restam poucas
armas além do recurso a velhas manipulações ideológicas. Será ideológica
também no sentido de que apontaremos claramente quem ganha e quem perde
com as políticas do governo Lula. Mas será, sob retudo, programática porque,
ocupando a dianteira e sendo prováveis vencedores, temos todo o interesse em
priorizar o debate em torno de medidas concretas, capazes de materializar
290
nossas idéias.”
290
Ibidem.
291
Um exemplo desta não delimitação dos atores que formam o movimento social é dado pelo
conceito de “forças democráticas e populares”, que foi empregado nas eleições presidenciais de
o
1989. Conferir a citação n . 176.
4.5. As Bases do Programa de Governo
292
Isso não significa que o PT abandonou o bandeiras de lutas de segmentos particulares da
sociedade, como veremos na análise do próximo documento.
293
Semelhante a uma análise anterior em que o partido apontava a necessidade de construção de
uma nova cultura, para que os trabalhadores possam conquistar a hegemonia ideológica na
sociedade, neste particular podemos perceber, novamente, toda a concepção do partido acerca da
legitimação procurada nos movimentos sociais. Um exemplo disto é o valor, mais do que nunca
imprescindível, da mobilização popular para legitimar o governo democrático e popular.
294
“A participação popular é um princípio que perpassa nossa concepção de organização da
sociedade e do Estado. Para o processo de radicalização da democracia, a participação popular é
tão importante quanto os mecanismos da democracia representativa. Com essa participação,
queremos propiciar o surgimento de novas formas de exercício da política que permitam a
expressão dos interesses daqueles setores da sociedade historicamente alijados do poder político
pelas elites.
A participação popular será instrumento privilegiado pelo Governo Democrático e Popular para
socializar o poder e a política, pois uma nova sociedade só poderá ser construída se a política for
assumida como preocupação por dezenas de milhões de brasileiros e se o poder não ficar
confinado nas estruturas burocráticas de uma Estado tradicionalmente organizado para garantir a
dominação de uma minoria.
A participação popular será o resultado da auto-organização da sociedade. Tem, portanto, amarca
da autonomia. Radicalizar a democracia significa reduzir a separação entre governantes e
governados. Os cidadãos devem participar de todos os mecanismos ou instituições que afetam
sua vida.” In: Bases do Programa de Governo – Lula Presidente.
O programa de governo da candidatura Lula pode ser considerado,
juntamente com as Resoluções Políticas do 1o. Congresso do PT, um dos
mais importantes documentos da década de 90, pois, trouxe certos aspectos
novos no que dizia respeito às ações do Partido, apontando os principais
caminhos a serem seguidos.
Seguem abaixo as principais medidas e ações a serem implantadas
pelo governo do PT, todas se coadunando com a estratégia socialista do
Partido e com a criação de uma nova cultura para o país.
295
Ibidem.
296
“O combate à corrupção e à privatização do Estado é o solo comum para essa concatenação
de perspectivas, pois além de contar com evidente apoio popular, essa luta já criou dinâmica
inclusive, iniciativas para mudar o sistema de representação297 — o Partido
apontou os principais pontos de uma ampla “reforma administrativa”:
próprias no âmbito dos três poderes. Nesses termos, os possíveis bloqueios à implementação das
propostas da administração democrática e popular podem ser vencidos com:
• o fortalecimento e a radicalização da democracia, com a extensão da cidadania e maior controle
do Estado pela sociedade;
• a criação de condições político-institucionais para que o governo consolide o apoio da sociedade
a seu programa e construa uma ampla coalizão de forças sociais e políticas que lhe permita
governar e avançar em direção de objetivos mais amplos;
• o combate à corrupção e à privatização do Estado pelos interesses das elites ou de grupos
corporativos, conflitantes com o interesse nacional;
• pela adesão ativa dos servidores federais às reformas estruturais, em especial do Estado e da
Administração Pública com os quais o Governo Democrático e Popular está comprometido, o que
vai requerer intensa interlocução entre governo e entidades do funcionalismo, tanto para a efetiva
implementação do programa, quanto para superar eventuais obstáculos colocados por nosso
adversários.” Ibidem.
297
“Compreende as seguintes iniciativas:
• a Câmara Federal, sendo a instituição que representa a Nação, deve ser escolhida segundo o
princípio ‘cada cidadão um voto’, o que significa compatibilizar a representação proporcional dos
estados com sua população, resguardando um piso de representação aos estados menores para
evitar a ausência de representação ou sub-representação;
• a manutenção do Senado, como instituição que representa a federação, e por isso tem o mesmo
número de representantes por estado, passa pela revogação de sua função de câmara revisora.
Ele deve ocupar-se de temas relacionados com a federação ou daqueles para os quais recebe
delegação específica, como podem ser as questões de segurança ou de política externa;
• serão definidos mecanismos de revogação de mandatos parlamentares adaptados ao sistema de
representação —voto proporcional, distrital ou distrital misto;
• revisão do fundo estatal de financiamento dos partidos de modo que assegure condições de
equilíbrio entre as distintas organizações e atenue o peso do poder econômico;
• fidelidade partidária com perda de mandato do eleito que trocar de agremiação;
• a imunidade parlamentar restringe-se aos delitos de opinião e a renúncia ao mandato, em meio à
investigação de delitos cometidos, não tira do Legislativo a possibilidade de cassar o mandato,
impedindo que o parlamentar se representasse como candidato em pleito seguido;
• propor a eliminação das carteiras de aposentadoria de parlamentares e de outros privilégios
como empréstimos a juros subsidiados, antecipação de vencimento etc. O sigilo bancário dos
parlamentares e de todos os eleitos será suspenso sempre que comissões de investigação
competentes assim o desejem.” Ibidem.
órgãos federais são estanques, o que dificulta ações horizontais cada vez mais
necessárias;
• base jurídica esclerosada: que limita a agilidade das decisões
governamentais, do que são exemplos a legislação sobre licitações, a
burocratização dos organismos de controle, dispositivos escassos,
298
demasiadamente genéricos e niveladores de isonomia ou carreira.”
298
Ibidem.
299
“(...) O Estado é fraco por sua ineficiência, por sua ausência na prestação de serviços públicos
ou por sua privatização pelo poder do grande capital. Necessita-se de um Estado forte, capaz de
assumir seu papel em um projeto nacional de desenvolvimento e, por esta razão, de um Estado
que seja democrático e socialmente controlado.
Isto articula com:
• resgate da capacidade de governo, especialmente da Presidência;
• modelo de gestão democrática, retomando o caráter republicano do Estado (fim do caráter
privado e patrimonial), redefinindo as relações entre público e privado com destaque para a
abertura de espaços de controle da sociedade civil;
• recuperação da capacidade gerencial do Estado, dotando-o de capacidade para prestar serviços
públicos com qualidade e sem desperdício. Para isso é necessário sua profissionalização a partir
do resgate da dignidade dos servidores públicos. O Estado deve e pode fazer mais com os
recursos de que dispõe;
• descentralização, tanto no que se refere à relação entre os três níveis da federação (União,
estados e municípios) quanto no que diz respeito à forma de gestão do setor público internamente
a cada nível, de modo que a tomada de decisões seja descentralizada.” Ibidem.
300
Ibidem.
De nada adiantaria um programa de reformas sem que se tivesse
poder para implementá-las. Daí a importância do poder do presidente da
República:
301
Ibidem.
302
“Com o Governo Democrático e Popular as maiorias nacionais serão chamadas a um
engajamento ativo na definição das questões econômicas. Assumindo a direção da Nação,
promoverão um processo de democratização da vida econômica, e procurarão reorientar a
economia, buscando um novo ciclo de desenvolvimento, baseado na constituição de um mercado
interno de massas, isto é, na criação de um círculo virtuoso de crescimento entre salários,
produtividade, consumo e investimentos. Haverá um processo de distribuição de riqueza, da renda
e do poder, condição do novo processo de desenvolvimento.” Ibidem.
303
“A economia capitalista é governada por métodos autoritários sob um verniz de liberdade.
No mercado, há liberdade de iniciativa, ou seja, todos têm liberdade de produzir e vender, mas
dentro das empresas impera a vontade apenas de quem detém a sua propriedade ou a representa.
Pior, o monopólio do poder de decisão dos proprietários é exercido com o objetivo de maximizar o
lucro, sem necessidade de considerar os interesses dos consumidores dos produtos nem dos
trabalhadores que os produzem. As intenções de quem dirige as empresas são mantidas em
segredo dos que executam o trabalho e dos que lhe vendem matérias-primas, energia e serviços,
impedindo por definição qualquer coordenação dos planos das empresas.
(...)
apontou as seguintes medidas para implementar a democratização da
economia:
305
Ibidem.
306
“Como vimos, o ataque à pobreza terá que ser feito em várias frentes, sendo uma delas a
distribuição de propriedade propriamente dita, especialmente no caso da terra. Outra é uma
política de rendas. Ela deverá ser gradual (para permitir a melhor articulação possível com as
outras políticas econômicas e com a esfera jurídico-institucional), ofensiva (para que os
trabalhadores e os até hoje excluídos tenham suas condições de vida efetivamente melhoradas) e
transparente (para que possam ocorrer alterações democraticamente definidas e todos os agentes
econômicos possam se preparar para seus efeitos). Entre seus mecanismos, encontra-se em
primeiro lugar a elevação gradual e permanente do salário mínimo real, tendo como meta dobrar
seu valor atual no menor prazo possível e, no período subseqüente, atingir o nível apontado pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Deve-se atentar
que a concretização desta política de aumento do poder aquisitivo do salário mínimo, exige a
implementação de um conjunto coordenado de medidas de política industrial, agrícola e de
desenvolvimento da infra-estrutura de serviços, de modo que a economia possa responder a esta
pretendida e desejada elevação do nível da demanda efetiva interna.” Ibidem.
307
“Para o financiamento destes programas, além da destinação de uma parcela de recursos
orçamentários, será constituído um Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), cuja principal fonte de
recursos seria formada por tributação especifica sobre grandes fortunas, a ser regulamentada pelo
Congresso Nacional, ou de tributação emergencial sobre o patrimônio das grandes empresas e
das pessoas físicas de elevado nível de riqueza, tal como foi feito na maioria dos países da Europa
no segundo após -guerra. Neste caso, ressalte-se que o patrimônio é, entre nós, ainda mais
concentrado que a renda, estando 53% da riqueza do Brasil (terras, imóveis rurais e urbanos,
ativos financeiros) em mãos de apenas 1% de sua população. O conjunto potencial de
contribuintes para esse fundo seria relativamente pequeno, não atingindo 150 mil famílias, ou
menos de 1% da PEA, detentores de patrimônio superior a US$ 1 milhão.” Ibidem.
“No âmbito do ‘ajuste’ neoliberal, o Programa Nacional de
Desestatização (PND) ocupa uma posição central, implicando a desorganização
das empresas estatais e a liquidação de patrimônio público a preço vil e em
condições suspeitas, com o favorecimento dos grandes grupos privados e de
forma dissociada de uma estratégia de política industrial.
(...)
O PND será interrompido e revisto. O governo promoverá uma ampla
avaliação das privatizações já realizadas, procurando: identificar irregularidades,
favorecimentos e dilapidação de recursos públicos; avaliar seus efeitos
econômicos e sociais, em especial a monopolização privada de setores
fundamentais da economia brasileira, suas conseqüências sobre o investimento,
308
o emprego, as relações entre trabalhadores e empresas e o nível tecnológico.”
308
Ibidem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
63. PT – 83 (1983)
RESUMO