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Discente: Lauro José Cardoso

Instituição: UFRB - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia


Componente: Arte Rupestre
Docente: Carlos Costa e Henry Luydy

Resumo do texto "A Arte Rupestre Brasileira"


de André Prous

O texto fala sobre a arte rupestre como um dos temas mais populares entre os
leigos interessados pela Arqueologia, tanto pelo fato de que a civilização moderna
ocidental desenvolveu nossa sensibilidade para as formas ‘exóticas’ de gosto estético,
quanto pelo impacto que nossa sensibilidade sofre, por receber pelas figuras desenhadas
nos paredões uma mensagem direta de seus primitivos autores; com efeito, são os
únicos vestígios deixados de forma consciente e voluntariamente pelos homens pré-
históricos, como salientava Annette Laming-Emperaire.
Nesse caso, as figurações rupestres são mencionadas desde o século XVI: o
governador da Paraíba, Feliciano de Carvalho, encontrou em 1598 no rio Araçaí
gravuras rupestres cuja localização exata foi verificada recentemente por R.T. de
Almeida. Mas é a partir de 1973 com os sucessos nesta área das Missões Franco-
Brasileiras em Lagoa Santa e no Piauí que podemos notar um grande impulso para as
pesquisas sistemáticas, com experiências metodológicas para prover este campo de
instrumentos objetivos de estudo.
Lembrando que, a palavra rupestre, com efeito, vem do latim rupes-is (rochedo);
trata-se, portanto, de obras imobiliares, no sentido de que não podem ser transportadas
(à diferença das obras mobiliares, como estatuetas, ornamentação de instrumentos,
pinturas sobre peles, etc). Outro ponto que merece ser esclarecido: o significado da
palavra ‘arte’ neste contexto.
Na verdade, quanto ao conceito de arte, no mundo moderno capitalista, é muito
específico; a ‘obra de arte’ é considerada, desde Kant, uma ‘finalidade sem fim’, ou
seja, sua própria finalidade, objeto de contemplação estética quase que mística; sem que
as outras culturas deixem de possuir um sentido estético, raramente suas obras que têm
valor artístico não possuem um valor utilitário. Por não o conhecer, é que consideramos
uma escultura de sambaqui, de catedral gótica ou da Nigéria apenas como ‘obra de arte’,
e não como instrumento de culto, ou meio de propagação de uma ideologia. Logo,
devemos considerar a palavra ‘arte’ neste contexto como uma simples aproximação,
lembrando aliás que ‘arte’ e ‘artista’ têm a mesma raiz latina que ‘artesão’; a arte é o
savoir faire, o conhecimento das regras que permitem realizar um a obra perfeitamente
adequada a sua finalidade. Esquecer este ponto levaria a não entender os grafismos
indígenas quando não são bonitos, julgando-os ‘ primitivos’ em termos de beleza,
quando seus autores, em muitos casos, não procuravam de modo algum provocar um
sentimento estético, da mesma maneira que os tipógrafos não pensam, através do
alfabeto, realizar obras de arte.
A abordagem da ‘arte rupestre’ não pode privilegiar a análise estética. Talvez
teria sido até melhor renunciar à palavra ‘arte’, para falar tão-somente de ‘grafismos’
rupestres; porém a primeira expressão é por demais consagrada pelo uso para ser
abandonada. Pelo menos, usemo-la conscientes de sua ambiguidade.
Tem-se a tradição Meridional, conhecida particularmente pelos trabalhos de P. A
Mentz Ribeiro, que é caracterizada por gravuras geométricas lineares não-figurativas,
incluindo um tema (o ‘tridáctilo’) típico dos estilos pampeanos da Argentina. Parece,
portanto, uma manifestação mais setentrional de um conjunto representado sobretudo
fora do Brasil, e os sítios gaúchos são encontrados alinhados na escarpa do planalto,
logo ao norte do vale Jacuí. Até 1978, os sítios conhecidos encontravam-se nesta faixa
de 350 quilômetros de comprimento no sentido leste-oeste, e 45 quilômetros de largura,
no sentido norte-sul, havendo uma única exceção, bem mais meridional.
Nesse momento, é possível falar sobre as mais diversas tradições no Brasil: a
tradição litorânea catarinense, divulgada por Rohr, esta tradição foi superficialmente
analisada por Prous (1977). Seus sítios rupestres são os únicos até agora conhecidos no
litoral brasileiro. Os painéis, todos gravados e de acesso difícil, por vezes perigoso,
estão localizados exclusivamente em ilhas, até quinze quilômetros distantes do
continente, e se orientam para o alto-mar. Nem todas as ilhas do litoral centro-
catarinense foram decoradas, mas somente algumas, regularmente separadas por
distâncias de 20- 25 km, como se cada um a delas correspondesse aoponto ‘ritual’
marítimo de uma etnia continental.
Em seguida vem a tradição geométrica, apesar de mencionados por numerosos
autores e de existirem algumas monografias descritivas de sítios (Rohr, Piazza, Aytai,
Caldarelli, Collet, Pereira Jr., Schmitz, Souza e Parnes, etc.), os sítios que agrupamos
provisoriamente formam um conjunto heterogêneo, cuja extensão vai desde o planalto
catarinense no Sul até o Nordeste, descrevendo um arco de círculo para oeste,
atravessando os estados do Paraná, São Paulo (onde há poucos sítios conhecidos), de
Goiás e Mato Grosso (muito mais ricos). Caracteriza-se mais uma vez por gravuras
geométricas inexistindo quase completamente representações figurativas.
Provavelmente será preciso reconhecer pelo menos duas subdivisões: uma meridional e
central (Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso) e outra, setentrional, que N.
Guidon já chamou ‘tradição Itacoatiara’ (Ceará, Paraíba, talvez Goiás).
A tradição planalto, que é definida a partir de mais de uma centena de sítios
espalhados no planalto central brasileiro desde sua fronteira, entre Paraná e São Paulo
(rios Iapó e Tibagi) até o estado da Bahia, sendo que seu foco principal parece estar no
centro de Minas Gerais. A quase totalidade dos sítios só apresenta grafismos pintados,
geralmente em vermelho (mais raramente em preto ou amarelo, por vezes, em branco).
Também tem a tradição nordeste, que foi definida por N. Guidon a partir de
sítios do Piauí, mas sabe-se, por levantamentos antigos e trabalhos de G. Martin, que se
estende nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, parte da Bahia e do Ceará
(Aracati); encontramos indícios de sua influência até o extremo norte de Minas Gerais.
A tradição agreste, descrita por A. Aguiar nos estados do Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco e Piauí. Seria caracterizada por figuras grandes,
geométricas ou biomorfos. As cenas são muito raras, com apenas um ou dois
personagens (homem caçando ou pescando). Existem vários tipos de sinais,
acompanhados por zoomorfos ou antropomorfos. Estes últimos costumam ser de
tamanho grande e “de desenho propositadamente grotesco, lembrando um espantalho”.
Os animais, como emas e quelónios, são muito estáticos havendo também “pássaros de
asas abertas e longas pernas, alguns com tendência ao antropomorfismo”.
A tradição São Francisco, que é representada no vale do são Francisco em Minas
Gerais, Bahia e Sergipe, bem como nos estados de Goiás e Mato Grosso. Poderia se
estender até o vale do Moski, na Bolívia, segundo levantamentos realizados por R.
Querejazu. Denominada como uma tradição onde os grafismos abstratos (geométricos)
sobrepujam amplamente em quantidade os zoomorfos e antropomorfos, perfazendo
entre 80 e 100% das sinalações. Na quase totalidade dos casos (excluindo-se o 1 estilo
mais antigo), a utilização de bicromia é intensa nas figuras pintadas. Os raros zoomorfos
são quase que exclusivamente peixes, pássaros, cobras, sáurios e talvez tartarugas.
Notável é a ausência dos cervídeos; não existe nenhum a cena, mesmo de tipo
‘implícito’, mas existem por vezes ‘trocadilhos’ entre biomorfos e sinais (na região de
Montalvânia).
Tem-se a região amazônica, marcada pela existência de sítios rupestres são
conhecidos exclusivamente por publicações antigas de viajantes do século XIX (Koch-
Grünberg, por exemplo) ou de um ‘aficionado’ (Artur da Silva Ramos), cujas
informações são dificilmente aproveitáveis. Tentamos completar a nossa documentação
com fotografias e informações de parentes e amigos, mas não se pode pretender chegar
a um a ideia, mesmo aproximativa, do que existe na imensidade amazônica. No máximo
podemos verificar a existência de várias tradições: um a delas, no estado de Roraima,
parece caracterizada pela quase exclusividade de retas pintadas paralelas ou formando
retângulos preenchidos com traços também retos (fotografias de G. Love e C. Mills).
Uma vez identificadas as tradições dentro de cada região, o passo seguinte será
correlacioná-las com as culturas arqueológicas encontradas nas escavações. Se houver a
possibilidade de um a mistura de vários estilos ou tradições entre as figuras de um
mesmo painel, será indispensável procurar-se descobrir a ordem sucessória entre os
grafismos. Datação, associação e esquemas de sucessão das obras são, na atualidade,
alguns dos maiores desafios para o arqueólogo.
Encontramos no Brasil as mesmas tendências interpretativas que se sucederam
no resto do mundo, particularmente na Europa. Poucas pessoas recusaram às obras
rupestres brasileiras um sentido, descritivo ou simbólico. Considerá-las simples
manifestações ‘artísticas’ é difícil, mesmo porque muitas pinturas foram realizadas em
lugares de dificílimo acesso. Muitos autores antigos pensaram que se tratava de
descrições de caçadas ou batalhas (desde Debret), ou de ‘genealogias’, onde as figuras
teriam um valor quase que ideográfico (T. Sampaio). De maneira geral, é comum
atribuir-se um valor religioso ou mágico (culto estelar,- magia simpática da caça, etc.).
Portanto, a arqueóloga Emperaire costumava dizer que a arte rupestre parecia o
campo mais fácil de ser estudado na arqueologia: o ‘aficionado’ não tem dificuldade em
discursar sobre vestígios, tão visíveis sem precisar de escavação, e tão mudos que
aceitam qualquer interpretação; mas acrescentava que, na realidade, trata-se do capítulo
mais complexo, e no qual se cometem os maiores erros.

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