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O texto da reforma do atual Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Licenciatura em Teatro da UFT foi concluído em
abril de 2018 e já foi aprovado nas instâncias competentes da UFT e do Ministéiro da Educação, e passará a vigorar a
partir de 2020. O texto altera o atual currículo, ampliando as cargas de práticas cênicas para 780 horas e as práticas
pedagógicas para 400 horas. Ressalte-se que, no novo currículo, a matéria de Direção passa a ser nomeada por
Encenação.
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A matéria Montagem Teatral, por sua vez, no currículo vigente até 2018, não
existia formalmente.Tratava-se de um arranjo feito pela junção de quatro matérias10 que
constavam no currículo vigente, e que, por meio de um acordo feito pelo conjunto de docentes
do Colegiado de Teatro, essas passaram a ser ofertadas conjuntamente por um único docente,
com o intuito de conferir oportunidade, na diplomação discente, de participação e vivência de
pelo menos um processo de encenação teatral coletiva.
Nesse contexto específico de prática docente, passei a questionar se de fato as
experiências dos conteúdos curriculares das matérias de Direção e Montagem Teatral,
realizadas no Curso, possibilitavam à estudantada a compreensão quanto à encenação em suas
diferentes possibilidades e modus operandi. Isso porque percebo durante as matérias, tanto em
Montagem Teatral, na qual minha função corresponde à de professora-encenadora, como em
Direção Teatral, na qual a estudantada se coloca na função encenadores(as), o desejo de se
apropriarem de uma espécie de método que possa funcionar quase como uma “receita”, que
garanta resultado cênico poético e produtivo em quaisquer práticas de encenação.
Percebo também que uma parte significativa desses estudantes demonstra, durante
as aulas teóricas, dificuldade em compreender o teatro como um campo de estudo e criação
que pode ser amplo, que, em maior ou menor grau, pode integrar outras linguagens afins,
produzindo teatralidades situadas em territórios híbridos/miscigenados. Da mesma forma,
percebo que esses estudantes manifestam, durante o processo de criação cênica, uma
dificuldade em compreender que a encenação, na contemporaneidade, vem cada vez mais
requerendo dos diferentes criadores, maior maleabilidade e permeabilidade para lidar com
percursos diversificados e procedimentos criativos, sobretudo no que diz respeito aos
processos de horizontalidade e de “negociação” na criação. Penso que isso deva ocorrer,
principalmente, em função do tempo reduzido das duas matérias mencionadas.
Soma-se a isso o fato de a cidade de Palmas ser jovem e ainda não ter tradição de
teatro local consolidada que possa contribuir de forma mais efetiva, tanto por meio da
recepção de espetáculos como por meio de projetos teatrais educativos, com a formação
cênica dos estudantes da Educação Básica, e até mesmo do público de forma ampla 11.
No que concerne aos estudantes indígenas, que são uma presença recorrente na
UFT, há ainda outra questão. Tais estudantes têm seus próprios modus operandi em relação à
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Título das matérias conforme consta no PPC-UFT, em vigor de 2009 a 2018: Seminário Interdisciplinar VI, Teatro de
Rua e Carnavalização, Poéticas Teatrais, Identidade e Narrativa Oral.
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Ressalta-se que a cidade de Palmas conta com duas sedes do Serviço Social do Comércio (SESC) que recebem
anualmente diversas atividades artísticas e educativas teatrais, advindas dos projetos Palco Giratório e Amazônia das
Artes. Contudo, essas ofertas ainda não atingiram o quantitativo de estudantes da Educação Básica, nem o grande público
da cidade, que ainda é mais adepto das mídias televisiva e/ou do cinema comercial.
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arte e de manifestar suas culturas. Então, para além das práticas cênicas do teatro ocidental
oferecidas no curso, penso que nós professores(as) de teatro podemos considerar e agregar ao
processo de criação cênico-coletivo, talvez de uma forma mais significativa, traços das
matrizes culturais de cada grupo étnico ao qual pertence o estudante. Assim como, podemos
considerar o tempo de diálogo e de tradução12 bilaterial de conceitos teatrais e de formas de se
fazer arte, mais especificamente, o teatro.
Tais percepções trouxeram à tona algumas questões como: encenação, de fato, se
ensina? E os métodos de que dispomos e utilizamos para ensinar encenação, será que não têm
sido generalistas demais? Será que os métodos de que dispomos não estão funcionando mais
como “grifes” de determinados encenadores(as), por meio da criação da aura de suas obras, e
que acabam por encastelar a estudantada em determinados métodos, em vez de criar
oportunidades para uma real autonomia no fazer da encenação? Como lidar de uma forma
mais produtiva, na prática e no ensino da encenação, com os ditos métodos que são mais
reconhecidos e consagrados, tendo em vista que os contextos de criação educativos em grupo
são demasiadamente singulares? Por fim, questiono se devemos chamar os procedimentos e
expedientes de criação cênica que são usuais na formação em teatro de métodos de
encenação?
Tais perguntas constantemente ricocheteiam em mim, em razão de estar
permanentemente a repensar minha trajetória de dezesseis anos como professora encenadora.
Assim, sem considerar apenas minha experiência pessoal, não consigo e muito provavelmente
não queira perceber/trabalhar com “um” método/modelo específico de encenação. Ao
contrário, o que vivo/experiencio em minha prática docente são multiplicidades de
apontamentos, procedimentos e caminhos para criações coletivas, muito mais do que
propriamente um método específico de encenação.
Contudo, mesmo problematizando a noção de método, eu continuava percebendo
que a estudantada espera obter de nós docentes de teatro uma espécie de compêndio de
técnicas de encenação. Então, após algum tempo maturando tais questões, levantei duas
hipóteses de pesquisa que mantêm relações entre si, que talvez possam contribuir com a área
da docência da encenação na educação superior de Teatro.
A primeira hipótese é a de que a produção ou mesmo o fenômeno teatral, em suas
articulações e complexidades estéticas, históricas e políticas, talvez seja compreendido em
maior profundidade quando se exercita a prática da encenação colocando-se na função do
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Trata-se da comunicação entre línguas e culturas de matrizes distintas e, como consequência desse fato, tem-se tanto por
parte de estudantes quanto de docentes entendimentos diferentes sobre uma mesma matéria teatral.
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encenador(a). Isso porque, apesar de tal função já ter sofrido, ao longo da história do teatro,
uma série de mudanças, pode-se afirmar que o encenador(a) configura-se como um(a)
profissional que, em tese, dispõe de uma visão integradora do fenômeno teatral. Muito
embora, no campo do ensino da encenação, o papel do professor(a) encenador(a) apresente,
na prática, peculiaridades que o difere do trabalho com atores e atrizes profissionais; para um
entendimento do que se propõe discutir, tive de debruçar-me sobre o conceito de encenação e
sobre o papel histórico do sujeito encenador(a).
Patrice Pavis observa que o encenador, de acordo com a concepção hegemônica, é
chamado na Inglaterra de director, na França, metteur en scène, na Alemanha, Ressisseur e,
na Espanha, director de escenaele. O autor afirma que essa figura é “[...] a pessoa encarregada
de montar uma peça, assumindo a responsabilidade estética e organizacional do espetáculo,
escolhendo os atores, interpretando o texto, utilizando os recursos cênicos à sua disposição”
(1999, p. 128). Contudo, com as novas teatralidades e dos modus operandi de produção do
teatro contemporâneo, o papel e/ou a função da encenação vem sofrendo modificações em
relação à definição mais em voga e afeita à concepção hegemônica. É preciso destacar que há
processos de encenação que abdicam da presença do(a) encenador(a) para sua efetiva
conclusão; nesses casos, o resultado da obra cênica é fruto da criação coletiva, realizada de
forma pontual por atores e atrizes. Considerando as diversas posições, será feita ao longo do
texto a atualização do conceito de encenação. Sendo assim, recorri a tal definição porque ela
reguarda o sentido organizacional da criação, produção e apresentação do evento cênico, que
de um certo modo, permeia a prática da encenação e o ofício daqueles(as) que se colocam na
função de enceador(a).
Nesse sentido, percebeo que a prática da encenação possibilita àqueles(as) que a
exercem o entendimento mais amplo do teatro, pois requer desse(a) profissional um projeto de
trabalho e um ponto de vista estético, ético, político muito preciso, e, sobretudo também,
maleável, durante o processo de condução de uma obra de arte coletiva. Além de requerer
também outras habilidades de liderança, organização, diálogo e articulação de grupo, o que,
por sua vez, possibilita o desenvolvimento e a aquisição de “competências” relacionadas à
capacidade de mediar conflitos e processos de criação, e de ter um olhar mais amplo e
integrador sobre as individualidades, sobre o fenômeno teatral e sobre a encenação como um
todo.
A segunda hipótese é a de que não existe um método específico para encenar e,
consequentemente, para ensinar encenação, pois isso se caracteriza em uma prática que se
efetiva e que se concretiza pela troca de experiências em contextos muito específicos de
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criação e trabalho coletivo. Portanto, em tese, os métodos de encenação (de cada processo
cênico, incluindo aí os processos formativos) são fenômenos estéticos singulares, por isso,
não podem ser absolutamente reproduzidos e recolocados em contextos distintos, na base de
paradigma a ser copiado. Caso isso ocorra, e já se sabe, pode-se resvalar e consagrar
comportamentos próximos às paródias de encenações já existentes, bastante contrários a
processos de criação autônomos e singulares.
Por outro lado, e conforme afirmado, na encenação, como em outros campos de
conhecimentos e de saberes humanos, criamos e desenvolvemos o que quer que seja por meio
de arcabouços técnicos significativos. Antônio da Cunha afirma que o conceito de
técno/técnica/tecnologia mantém estreita relação com a noção de habilidade, ofício e
profissão:
encenação como o processo precípuo da criação cênica de ensino do teatro. Por isso, além de
apontar expedientes, procedimentos, percursos e estilos de encenação, interessa-me
compreender essa relação de mediação e de “poder” que se instala nos processos de criação
cênico coletivos (em nível de formação teatral superior) em que há uma coordenação entre os
papéis de professora e de encenadora. Creio que tal proposição dialoga com os apontamentos
apresentados por Ingrid Koudela e José Simões Júnior, na obra Léxico de pedagogia do
Teatro, quando os autores defendem que: