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on ia MARIA FALLANDO AO CORACAO DAS DONZELLAS MEDITAGUES PARA TODOS OS DIAS DO MEZ Sradusidas du italia Abbade A. BAYLE Brofeeor se Bloguancia Sagradaina Pacvidate de Theotogie de Ais st Cr so ifstg Por guunorne o inditigene i Gomes de sie eeommontisdas pateo Sit by do Ports co PORTO © Senhora minha! 6 minha Mae! Tél Iirara ciawch piiwene brae-vos que sou vossa: guardae:n Aig 08 vos gute a 006 ah hookone eons mk moet nha fendei-me, como coi Pror ALOYSIO GOMES DA SILYA, editor Joanie ae 48%, Rua do’ Almada, 438 4917 Propriedade registada Gomposiyao,e ImprossAo —lmpronse Givilizaydo—Porto, MARIA Fallando a0 Coragao das Donzellas Meditagées para todos os dias PRIMEIRO DIA Convite para meditar as verdades eternas IL. A ignorancia, mioha fila, é 2 prin= cipal origem dos erros que commettem as jovens christas. Nao meditam sufficiente- mente nas coi de Deus e da sua salva- co, ¢ d’ahi provém que, enganadas pelas illusdes do mundo, vivem a elle téo presas como se para-elle © nao para o.céo fossem creadas, Nao se apercebem do principio onde as conduz a corrupcio do seculo; correm loucamente para elle seduzidas por um sonho vo de felicidade, Ah! minha querida filha, tado se perde por cansa da leviandade! Para te eximires a tal des- graca, escuta a minha voz; quero gniate te ¢ instruirte. Nao recuses ouvir uma Me que te ama com todas as véras do 6 MARIA FALLANDO coracao, e que anceia yér-te feliz. Convi- do-te a reconcentrar-te todos os dias no silencio da santa solidao, Ahi, repousards Sobre meu seio maternal: dit-te-hei pala- vras salutares, A meditagao das verdades eternas que te hei de propér, inflammard em tua alma as castas chammas do divino amor e ensinar-te-ha a procurar em Deus, @ ndo nas mentiras do mundo, a tua ver- dadeira felicidade, Ah! menos seria o nu- mero dos christios que se perdem desgra. gadamente, se elles amassem mais o reco- Thimento © a meditacto. Coragem, pois, 6 minha filha; afastando-te todos os dias durante alguns momentos do bulicio do seculo, acompanha-me na solidao da tua camara pata meditares nas verdades eter- nas, —unicas que podem tornar-te pru- dente, Se porventura estas ainda alistada sob a bandeira das virgens puras e inno- centes, a meditagao ahi se conservard; se és fraca na virtude, dar-te-ha forcas; se esmoreces ¢ és tibia para o setvigo divino, abrazar-te-ha n’um santo fervor, esclare. cer-te-ha nas fraquezas e temores, defen- der-te-ha nos perigos ¢ alcangard de Deus perdao e misericordia para as culpas pas- salas. Dedica-te pois a contemplar na me- AO CORACAO DAS DONZELLAS 7 ditagao as bellezas da virtude, a gozar as doguras da graca, a fazer constituir a tua felicidade das palavras suaves do teu Deus. IL, Acautela-te, minha filha, dos pen- samentos enganadores que o inimigo das almas faz brotar no coragao de muitas donzellas christés da tua idade para as impedir de se entregarem a Deus, fazen- dolhes vér que a applicagao 4 oracao & ao recolhimento tornam a vida triste & aborrecida, que é ao presente o tempo de gozar, que se péde esperar para tratar da alma o momento em que 0 rosto esteja enrugado, em que 0 vigo e os attractivos da mocidade estejam extinctos, ¢ em que © mundo nao lhes dé mais attengtio. Nao te deixes persuadir por taes suggestoes gue tendem a fazer-te dar ao mundo os mais bellos dias da tua vida, para nao reservares a Deus e 4 virtude mais que o tefugo do mundo, 6 minha querida filha! Acautela-te d'esse lago funesto que tem feito eahir no inferno milhSes de almas. A javentude 6 a mais bella idade para aprender a conhecer e a servir Deus, Ea idade em que melhor se péde fazer um rico thesouro de merecimentos e adquirir ara sempre bons costumes, applicando-se a seguir o caminho da virtude. As maxi- mas © as praticas santas que aprenderas e com as quaes te familiarisiras na juven- tude, servir-te-igo como de fieis compa- nheitos até tevs dias provectos e deci ao da tua eternidade, Mas se para te en- tregares a Deus esperas uma idade avan- sada, a tua offerenda serd muito tardia aconselhada mais pelo receio que pelo amor, Demais, tens a certeza de chegar a essa idade avancada? Chegando a ella, tens a certeza que Deus te fard a graca de mudar as tuas inclinagtes viciosas e os costumes inveterados? Desprezada pélo mundo e querendo entio entregar-te a Deus, acceitard elle semelhante dadiva? Consagra-lhe agora 0 coragao e sem de- mora, Nio 0 deixeis empedernir 4 voz de Dous que te chama, Elle é cioso de pri- micias e concede a abundancia das suas gragas a todos aquelles que se The dedi- cam desde os primeiros annos; tens bellos exemplos em Santa Catharina de Senna, Santa Catharina de Bolonha, Santa Rosa de lima, Santa Rosa Viterbo e outras muitas, queridas minhas, I, Vem, pois, 6 minha querida filha, vem todos os dias aprender aos pés do | AO CORAGAO DAS DONZELLAS = 9) feu Deus, na meditagio, os deveres de christ2. Elie te communicard todas as luzes € gracas de que careceres. Apren- deras/a conhece-lo, a bem apreciar a tea alma, 0 céo e a eternidade, ¢ a desprezar © mundo e suas sedactoras vaidades. Des cobrirés as mas inclinacdes da tua alma © os tes deieitos; receberas a graca de corrigir esses defeitos e forca para com: bater essas inclinacdes. Conhecerés. os lagos que o demonio te arma e o meio de os evitar. N'uma palavra,—na medi« tagiio aprenderas tndo quanto uma virgem christa que se applica a agradar em tudo a Deus, deve saber para bem viver, Nao. te falta 0 tempo, Tem-I’ para as loucuras, aS conversagdes, modas e vaidades, Nio é verdade ser para a alma e para Deus gue ndo sabes acha lo? Anima-te, minha filha, foge Avindolencia e A dissipacao e tel-o-has. Péde ser, dirds tu, que tn ndo saibas meditar; prometti instruir-te ¢ fal- o-hei, Basta amar a Deus de todo 0 cora- Gao, Esse amor é que te ensina a meditar Santamente, Tens um exemplo na minha devote serva Maria d’Oignie, uma simples camponeza. Oh! como 0 amor de Deus que The abrazava o coragao lhe tornow 10 MARIA FALLAI 0 facil e natural a meditacio! Quando ar- rancava as hervas no campo, pensava nos judeus que ‘arrancaram os cabellos ao meu divino Filho durante a paixao. Quando 0 peso dos feixes de lenha que conduzia a opprimia, pensava no peso mais oppres- sivo da cruz que Jesus supportdra por amor d’ella. Quando se sentia picada pelas silvas, recordava logo os espinhos que Tompetam a cabeca do seu amado Salva- dor. Era assim que tudo se Ihe tornava em objecto. de santa meditac%o, com grande proveito da sua alma, Affectos. Reconheco, 6 minha Mae San: tissima, que tenho grande necessidade de reconcentrar-me na meditapao para refor- mar a minha vida, descobrir os lagos que © inimigo me arma a cada passo e evitar e fugir do precipicio para que corria cega- mente. Ah! sim, os dias que tenho pas- sado no esquecimento de Deus, t¢m sido os mais tristes da minha vida. Que viria a ser de mim, desgragada, se para o futuro me no dedicasse 4 oracto? Deus promet- teu suas gracas, mas unicamente aquelles que th'as pedissem, porque disse — pedi ¢ ser-vos-ha dado. — Recusa-as, pois, justa- mente, a quem Ih'as no pede. Quanto vos AO CORACAO DAS DONZELLAS 11 Soli reconhecida, } minha terna Mae, por quererdes descer a0 ponto de me instruir! Vossa bondade nao péde ser maior para commigo, indigna serva vossa. Fallae-me pois; quero aproveitar-me do vosso en- sino: serei docil 4s vossas palavras, por- que s&0 as da vida eterna. Nao mais me Geixarei seduzir pelo prestigio do inimi- 80, nem pelas illusGes do mundo, Para nao differir por mais tempo de offere- cer-me a Deus, desde ja Ihe consagro o coragdo @ me entrego toda a elle. Que jémais passe um s6 dia da minha vida sem recorter ao throno das gracas divi- nas, sem apresentar aos pés de Jesus as minhas humildes homenagens, sem Ihe expér as minhas precisdes com os votos mais ardentes do meu coracdo, Tal 6 a minha firme resolucao. Recorro a vés, Mae misericordiosissima, pata que a tor: neis efficaz com a graca do vosso divine Filho, SEGUNDO DIA O destino da humanidade Tu sabes, minha filha, para que fim te creou Deus? E se o sabes, como tens 12 MARIA FALLANDO podido desviar te delle tio estranhamen- te? Certamente te nio foi dado esse corpo com sua sensibilidade, seus dons de graga e de belleza, para fazeres d’eile um instru- mente de escandalo e de peccado. Da mesma sorte te ndo foi dada essa alma, com suas nobres faculdades, intelligencia, memoria e vontade para estudar as vaida- es do seculo para conceberes imagens impudicas ou frivolas, pata procurares 0 teu bem nas createras em logar de o pro- eurares no Creador. Ah! gue culpavel abuso tens ivito até xo presente dos bene- ficios do céo! Tu bem sabes, minha gue» rida filha, para que fim Deus te creou. 1” pata o coplieceres, amares e servires n’esta Vida, © por esse meio adquirires a gloria eterna que te preparou na eternidade, Poderias acaso desejar fim mais nobre e sublime? Poderia elle, nado obstante a sta omnipotencia, dar-t'o melhor? Nao o t6m os principes mais graduados e glorio- sos da cdrte celeste; ndo o tenho eu mes- ma, Mas de que mado tens tu correspon- dido 4 bondade de Deus? Ab! se queres que eu seje para ti uma verdadeira Mae, mostra-te para mim uma verdadeira filha: nao degeneres dos meus exemplos: Desde AD-CORAGAO DAS DONZELLAS 18 © primeiro instante que a minha intelli- gencia se abriu 4 razdo, dediquei-me logo a Deus com a vehemencia d'um coracdo ardente, e a chamma feliz, que reste momento m’o abraza, nao mais se extin- guiu. Desde entao, 0 men pensamento foi tazer a vontade a Deus e tornar-me cada vez mais digna d’elle, Mas tu que tens feito? Ah! o teu prinieiro desejo foi agra- dar ao mundo, a tua applicactio foi se- guir-Ihe as maximas e costumes, Nao tens conhecido Deus sento para o offender, Gastastes a infancia, que ¢ a mais bella idade, —a idade da innocencia, — em pue- rilidades, em preoccupagtes que fazem cérar, em desobediencias a teus superiores, em desprezo por teus inferiores e eguaes, Tens-te deleitado desde ent&o com as modas’e vaidades, Tens-I’as seguido sem comprehender bem o mal que te acarre- tam. Fizeste d'ellas um idolo para conse- guires seres tu propria um idolo dos ou- tros ‘corages, Nao setites confusxo alguma 4 vista d'uma vida tao indigna d'uma virgem chtista? N&o te afflige teres-te desviado tao tristemente do fim para que foste creada? Il, Que engano é 0 teu,"6 querida fi 14 MARIA FALLANDO tha, se crés achar no mundo a felicidade que sonbas, mesmo quando tudo corresse conforme os teus desejos, as riquezas ¢ gtandezas do mundo nao podem fazer-te feliz. O teu coracdo, apto a gozar um bem immutavel e infinito, coracao creado pata um egual bem, nunca podera estar satis- feito gozando apenas felicidades limitadas € passageiras, ‘Deixa-te convencer pelo exemplo de tantas pessoas que no mundo vivem no meio de delicias e riquezas. Julga-las feli- zZes, mas se podesses penetrat com a vista em seus coracdes ¢ vér a tempestade ter- ivel de afflicdes, de temores e remorsos que incessantemente Thes agita e tortura a consciencia, em vez de thes invejares a sorte terias piedade da sua desgraca. Quan- tas tém achado a ruina no meio do mes- mo que devia ser-Thes gloria! Nao, minha filha, 0 impio nao pode ter paz verda- deira, nem sincero contentamento. $6 uma alma recta e inuocente goza na paz do coragio as delicias antecipadas do Pa- raizo. Nenhama catastrophe as perturba. Os peccadores, ao contrario, contorto al- gui podem tirar das consolagdes terres~ tres, Nao te assuste portanto a peniten AO CORAGAO DAS DONZELLAS 15 6 minha querida filha, porque sé de ter- rivel tem o nome, Acredita-me: as lagri- mas d’aquelle que na amargura do seu coragao chora as proprias culpas, sio mais suaves que a alegtia daquelle que se ine- bria com os prazeres da vida, Creada por Deus e para Deus, s6 n’elle achards a pa Desgragada da alma que ousa crér que se pode achar coisa alguma melhor que Deus. Cessa pois de armar a vaidade ea mentira e volta-te para aquelle que é 0 unico que pode dar-te a paz e fazer a tua verdadeira felicidade. Ill. Demais, 6 minha querida, 0 tempo nada é comparado com a eternidade. Tens de viver eternamente n’uma alegria sobe- Tana, ou na mais terrivel dér, Deves ha- bitar para sempre 'o Paraizo ou o Inferno, Qual serd a tua eternidade? Interroga a consciencia e¢ ella te respondera, Crés que @ molleza em que vives, a dissipacdo, 0 alan pelas festas e divertimentos, o dese- jo de te mostrares, de amar e ser amada, © habito de rir e acompanhar livremente com pessoas das quaes até devias evitar © encontro com cuidado, sio 0 caminho que conduz ao céo? Ab! minha filha, eu Propria me impuz o dever de proteger a 16 MARIA FALLANDO minha innocencia por meio do retiro, da modestia e d’uma orago continua, pela pratica de todas as virtudes que devem servir de norma 4 vida d’'uma verdadeira serva do Senhor, e tu crér-te-ias segura vivendo no meio de tantos perigos, com to pouca vigilancia ¢ tamanho horror ao sofftimento? Meu proprio divino Litho subiu ao céo pelo caminho da cruz, e tu querias persuadir-te que s6 péde alli che» gar pelo caminho dos prazeres?! De que fe servird ter gozado todas as delicias do mundo se te perdes e precipitas n’um fim de dér eterna para que no foste creada? De que te servird teres nascido no seio da Egreja, teres sido remida pelo sangue precioso de meu Filho, alimentada por sa- cramentos divinos, inscripta no livro do filho de Deus, pertenceres a uma nacio christa, 2 um povo de cleigaio, se acabas por te condemnar como aquelles que nun- ca conheceram nem Deus, nem o seu Christo? Affectos. Como vossas palavras fortifi- cam meu coracao e me esclarecem o es- pirito, 6 Maria, minha Mae amabilissima! Ah! agora contigo quanto tenho andado mal até ao presente e o dever que me ci ee ee AO CORAGKO DAS DONZELLAS 17 obriga a dar-the um prompto remedio se nao quizer perder o fim pata que fui creada, Oh! como as minhas passadas lou- curas me confundem! Quanto eta inson- sata em renunciar a Deus e a sua gloria por um bem passageiro e uma va jelici= dade! Que desgragada eu era! Nao tinha Deus em conta alguma; sb seguia as mi- nhas vontades desregradas e os absurdos caprichos do mundo, Que devo eu esperar sendo que Deus me nao avalie em nada e me confunde com os seus inimigos? ‘Mas é tempo ainda; vou pois apressar-me, sem perder um momento, a emendar 0 meu erro, Detesto e aborrego todos os Prazeres, encantos, festas ¢ vaidades que tém sido ou serao para mim uma occa- sido de offender 0 meu Deus, Renuncio de novo a elles, como ja tinha renunciado ho meu baptismo; em logar de os procn- rar, pisa-los-hei aos pés sem medo e va- lorosamente. Chorarei incessantemente o meu erro. Nao pensarei sendo em agradar @ Deus sem me importar com o que dira © mundo, servi-lo-hei ¢ amarei de todo 0 coracdo para conseguir “o men fim, Va- lei-me, 6 Mie amabilissima. Sob a vossa Poderosissima protecg’io, estou certa de 2 18 MARIA FALLANDO obter o perdao que imploro e de praticar tudo o que tenho resolvido. TERCEIRO DIA 0 vator da alma 1. Que é pois, 6 minha filha, esse corpo que tanto amas ¢ do qual acaricias os ins- tinctos desregrados a ponto de o expéres com evidencia ao perigo de.o condemnar as penas cternas? Examina-o na cova e reconheceras que é terra e po. O que é ‘em seguida, a alma que the dé a vida ea fétma? E’ um espirito raciocinador, seme- Ihante por si mesma aos anjos, formada pelo sopro de Deus, e como sahida da sua bocca, felta 4 sua imagem e semelhanga, objecto querido das suas mais ternas com- placencias, amado e respeitado pelos anjos e pelos santos, venerado por todas as creaturas visiveis, de que 6a rainha, ¢ odiada pelos demonios, invejosos da sua sorte. E tu, respeitas t20 pouco essa alma, que acontece muitas vezes submettel-a a todos os caprichos desregrados do corpo. Bila 6 Senhora e Rainha, tu fal-a serva fe eserava, O que por sia natureza ¢ se- ‘AO CORAGAO DAS DONZELLAS 19 melhante aos anjos, sujeita-lo dquillo que por natureza é semelhante aos brutos. Preferes ao que ¢ immortal o que ndo passa de terra e ps. Ha cegueira peor? pode commetter-se uma monstruosidade maior? As almas mais perfeitas, as almas santas, velam sobre o seu corpo e marty~ risam-n'o como um escravo rebelde a quem é preciso reprimir. E tu, tu no meio dos ardores da concupiscencia, no meio de tantas paixtes que te perturbam, fazes-lhe a vontade e nutre-lo com a mais extrema delicadeza. E’ possivel que, tratado por esse modo, se nilo revolte contra a alma e nao tente seduzi-la e submette-la a seus maus desejos? Acautela'te, minha querida filha, de cahires no abysmo para onde te arrasta, Mantem-o no seu dever € nado te- mas magoa-lo, Quem é t&o louco que ¢s- me mais o barro que © ouro, a areia que as pedras preciosas? Qual seria o rei que offendesse a rainha e Ihe désse a morte para satisfazer 0 desejo do mais vil éscravo? Commetterias um erro muito mais funesto se para n&o affligires 0 corpo arriscasses a salvagdo eterna da tua alma. TI, Considera melhor, 6 minha filha, o valor da tua alma e vé tudo quanto Deus 20 MARIA FALLANDO creou para ella, Se o sol resplandece no céo, as nuvens estio carregadas de agua, 0s mares povoados de peixes, e a terra coberta de searas e fructos, 6 por causa ella, Tudo aquillo que existe no univer- 80 foi feito para o sou servico, Nao creias que as magnificencias do mundo fossem creadas para o corpo. Poderia elle gozar ella sem alma! Sem ella que veriam os olhos, que ouviriam os ouvidos, que go- zaria o teu paladar, que fariam as tuas tmaos? Comtudo todas as bellezas da na- tureza nada sio comparadas ao que foi feito para a alma na ordem de graca. Deus nao cessa um instante de conservar, ditigir, illuminar ¢ attrahir com tanta sua- vidade, que a leva insensivelmente para 0 fim bemaventurado que lhe destina em toda a eternidade. Dé-lhe luzes continuas para que possa descobrir as ciladas do demonio e evita-las. Quando esté em es- tado de peccado, excita-lhe remorsos na consciencia para a arrancar ao mal e de- cidir a fazer penitencia, Ora a exhorta com dogura, ora lhe dirige censuras sev: Tas, a assusta com ameagas, ou castiga para a corrigir, e nunca a perde de vista para a impedir que se desencaminhe ¢ AO CORACAO DAS DONZELLAS 21 céia no inferno, Deu-lhe preceitos, conse« Ihos; regras de vida, Anjos que a guar- dem, santos de quem pide implorar a intercessio. Para melhor te convenceres volve os olhos para a cruz do meu divino E 10, vé que afilicgdes, que angustias e res soffreu por tna alma e quanto sane gue verteu para tua salvagao. E para pro var ainda muito mais a ternura do seu not, entrega-se 4 tua alma em alimento Jurante a vida, em viatico no momento da morte, Com taes signaes, 6 minha filha, re- nhece a nobreza eo valor da tua alma © rende-Ihe a homenagem que merece, II. De que modo tens estimado.a alma: até hoje? Ah! que tua extranha cegueira ie confunda! estimavas mais as gracas do teu corpo e os adornos que a alma, pro- tegia-los contra o pé e a lama, consagras vas-Ihe todos os teus cuidados, nao pen- Savas em velar sobre ella com egual cuis dado para a. ndo mergulhares, nao direi no pd das culpas veniaes, mas no lodo ignobil do peccado mortal. Ai! quantas ¥ezes a tens manchado com accoes detes+ faveis! Quantas a tens entregado nas mos do demonio! Se ao, menos tivesse feito alguma diligencia para reparar uma 22 MARIA FALLANDO tio grande desgraga, approximando-te do tribunal da penitencia! Mas nao o tens feito, Estimavas tudo mais que a alma, qudo, mesmo as coisas mais vis. — «Da: me as almas e que tudo o mais seja para tix —disse um dia a Abrahio o rei de Sodéma, Oh! se o demonio pudesse fazer um pacto comtigo, dir-te-la—Da-me a tua alma e gue todo o universo te perten- ya— 3 mas ai! nao pode fazer esse pacto fanesto © nao receiastes entregar-Jh’a por nada, Um capricho, um pouco de dinheiro, alguns adornos, 0 desejo de agradar a tima creatura viciosa, eis quanto bastou para Ih’a entregares. ‘Tenho visto tudo, fminha filha, e qual nao tem sido a minha afiliego © dér! Deus o demonio querem a0 mesmo tempo a tua alma, Deus quere-a para a tua eterna felicidade, o demonio para B tua eterna desgraca. A escolha esta nas tuas mos; decide. Depende de ti seres, eternamente desgragada ou venturosa. ‘Affectos. Horrorisada ¢ confundida 4 vista do abysmo para que corria louca- mente, é antes com. suspiros que com palavras que eu vos respondo, 6 minha | Mae amabilissimal Sim, era cega, insen= sata; estimava mais a terra que 0 céo, a ‘AO CORAGAO DAS DONZELLAS 23 materia que o espirito, a graga das rea: tras que a do meu Creador. O' miset cordioso Salvador! que excessivas affron- tas tens recebido de mim, miscravel crea- tural Agora, com as mais fervorosas sup- plicas imploro a vossa bondade, Longe de inim as coisas mundanas que até ao pre gente tém captivade o meu coragiio, ja que n&o 708s amalas sem vos offender @ sactificar a minha alma. Fui creada por vos e pata vos; quero ser vossa custe 0 que custar. Que 0 demonio se descandeie, gue ponha em pratica todas as seducgdes € enganos para me submetter ao sex j¥go, que as paixdes se sublevem, que o mundo Se espante, que.o respeito humano recla~ me, que a zombatia me persiga, resistirei valorosamente. E para estar segura da mi nha resistencia,colloco-mesobrea vossa pro~ tecgtio, que me fara sahir victoriosa de todos os combates e alcangar o venturoso fim para que fui creada,—a salvagao eterna. QUARTO DIA © peccado mortal 1. Tu, minha filha, commettes o peceado € nto sentos delle horror algum.-- Vie 24 MARIA FALUANDO ves tranquilla; parece regosijares-te da tna malicia, porque n&o comprehendes talvez o mal qne fazes e o estado misera- vel em que se acha a tua alma depois do peccado. Queres tu conhecé-lo? Consi- dera a terra em que vives e o grande nu- mero de creaturas que a habitam. Levanta os olhos para 0 céo, contempla o sol que © illumina, a lua ¢ as estrellas que bri- Iham no silencio da noite, Se pudesses conhecer a sua grandeza desmedida, fica- rias tomada de espanto e assombro, sol § milhoes de vezes maior que a terra © mnitas estrellas o excedem em grandeza, Houve tempo em que nenhum d'esses as- tros existiam. Quem os creou? Deus. Bas- tou-lhe um momento e uma palavra, — Faga:se, disse elle, ¢ tado se fez, — Esses grandes corpos celestes e a propria terra que te suporta, quem os tem suspensos no ar e Ihes dd esses movimentos regula- res gue distinguem o dia da noite, mar- cam as estagdes e fecundam a natureza? Tudo foi regulado pela omnipotencia de Deus. Ah! minha filha, ta temerias offen- der um rei da terra com receio de um castigo que te faria vergonha, e nao te- mes offender Deus, em comparagio de- AO CORAGKO DAS DONZELLAS 26, quem todos os reis nao siio mais do que uma sombra, um pouco de p. Podem os reis extrakir do nada um sé. grao de’ arcia, ter suspensas no ar sem apoio uma leve pluma e torna-las docil ao seu man- du? Nunca o poder&o, De que maneira pois, 6 minha filha, tu que nao ousarias oifender os reis, que nao sio mais do que homens, ousas offender esse rei omnipo- tente a quem os anjos e santos adoram e deante de quem tremem as potencias ce- estes? Um 6 de seus olhares irritados faria estremecer a terra, e as mais altas montanhas, fulminada por sua cdlera, re- duzir-se-iam a cinza o'um momento. Ah! que te succederia, imprudente, se conti- huasses a ultraja-lo? Il. Considera agora até que excessos de audacia tens chegado commettendo o Peccado, Julgavas tu, talvez, que ninguem Observava as tuas accdes criminosas, nem Suvia os indignos colloquios por meio dos Quaes tens tantas vezes offendido o teu Deus? Tu és christa, e a f¢ que professas te ensina que a seus clhos nada pode ficar Seculto, Nem as paredes nem as trevas 0 impedem de vér; elle penetra até nos imos mais- reconditos do coragio humano, . | 26 MARIA FALLANDO AO CORAGAO DAS DONZELLAS 27 distingue os seus pensamentos cam todos os detalhes, complacencias e desejos, Deus vé puis tudo aquillo que fazes no segredo da tua camara, na sombra da noite, s6 ou coi as tuas companhe'ras, em publico ou em particular, Deus ouvia-te quando ex- citada pela cdlera rompias em imprecacoes @ davas a teus paes insolentes respostas, quando tinhas com as tuas companheiras conversas tio contrarias 4 modestia d’uma, menina christa, Quantas vezes eu mesma teuho visto e ouvido de ti coisas indeco- rosas! terla devido gritar com sentimentos —Filha ingrata, eis-ahi como honras @ teu Dous ea tua Mae — Muitas vezes, meninas christ’s muito culpadas, e que nao tém de christs mais que o nome, se. animam a corresponder aos desejos da- guelles que tentam arrebatar-lhes com @ graca de Deus o mais bello thesouro que podem possuir n’este mundo, Dizem elle para comsigo: O insensatas!"6 desgracadas | Po- dei ellas accrescentar que Deus 0 nao saberé! A este pensamento, que & sufli- ciente para converter uma Thais e fazer dessa mulher escandalosa um prodigio de penitencia, quantas ha que ficam insensi veis até nao corar de offender Deus, endo que elle as observa e as vél? Tu cedes-te na presenoa de Deus no que so ousarias fazer 4 vista das tuas pro- prias companheiras. Deus nao pode al- cangar de ti o respeito que tens pelos homens, Onde esti por conseguinte a tua fe? é assim que temes Deus, que desejas a salvagdo? i Tl, Mas ha algama coisa peor, minha filha, sim alguma coisa peor. Observa em sous dons a beneficencia de teu Deus, € dize-me depois se ha alguma em ti que 0 seja dadiva delle. Quando commettes © peccado, nao sémente desprezas Deus calcando aos pés a sua santissima lei, ndo somente praticas o mal a sua vista, mas além d'isso serveste d'esses dons para lhe declarar guerra. Se elle te no tivesse creado, nfo 0 terias nunca offendido. Se & primeira falta que commettestes te tir vesse tirado a vida, nZo terias renovado a8 tuas injurias, Nunca terias preferido imprecacSes, murmurado queixumes, dito Palavras indecorosas, se te tivesse feito Hascer muda. Nunca terias procurado com alinco a vaidade, os adornos, as festas € 28 MARTA FALLANDO. os divertimentos, com tanta incoavenien-! cia e escandalo para o proximo, se te ndo i ido dom algum de graga ef . Pela razao de que Deus se mostrou para comtigo prodigo dos seus dons, na tua extrema ingratidao, tenste servido d'eiles para o ultrajar, Nio mere- cla mil supplicios, nfo seria indigno de viver 0 pobre que, depois de receber a. esmola do seu bemfeitor se servisso d’ella pata comprar um puhal Ih’o enterrasse no seio? Ah! filha ingrata, tens tu pro- cedido de outro modo para com Deus até hoje? Os bens da natureza e da graca que possues, siio todos dons da sua bon~ dade. Em logar de Ih’os agradeceres ¢ de: © glorificares, serviste-te d'elles para of cffender e desprezar, Ah! pensa, minha’ filha, pensa no teu excesso de ingratidao e vo se te ¢ possivel deixar de dar alguns” suspiros de ddr, de derramar algumas! Tagrimas de arrependimento, por condu-_ cta tao indigna para com Dens. Affectos, O' Mae Santissima nao sei 9 que deva confundir-me mais, se a incrivel paciencia do meu Deus em me soffrer, se: a minha incrivel audacia em o offenders Que terror, se emquanto. commettia 0, AO CORACAO DAS DONZELLAS 29 peceado Dens se mé apresentasse com sua magestade, ou se vos tivesse visto irritada contra mim, censurando a minha audacia, Mas quanto fui culpada! porque eu nao via Deus, nao me via elle? néo me estava presente? Como n’esse momento estavas velada a meus olhos 6 fé santa! Nao te tinha perdido; mas ai! a minha maldade cbscurecia-me a razdo. All! as vossas pa- lavras tém-me insttuido, eu o reconhego, 6 querida Mae. Sim, tenho-me servido dos dong de Deus contra elle proprio, Horri- vel ingratidao de que me tornei mil ve- zes culpada, ©" pacientissimo Salvador como tendes vés supportads n’um ser tio vil como eu, tao temerdria audacia? In- secto desprezivel, tenho ousadlo nao vos Tespsitac nem temer; como nao tendes esmagado a cabeca que coatra vés se sublevava? ©’ bondade s5 propria de Deus e de quem as misericordias sao in- nitas! Maria, augasta Mie, owvi os Theus protestos e servi-me de testemunha Aeante da magestade divina. Quero que @stes membros que tém sido instramento de peceado, sejam para.o futuro instrumen- tos de penitencia, a fim de reparar tanto Quanto possivel as minhas culpas passadas, 80 MARIA FALLANDO Rogae a Deus que, ajuntando novas misex ricordias is que me tem concedido, mude © meu coracao, fazendo-Ihe amoldar a inflexivel doreza eo torne de hoje em deante tao docil, as suas vontades, quanto tem sido rebelde e obstinado até ao pres sente, 4 QUINTO DIA 0 peccado mortal (Conchisae) I. Tu tens meditado, minha filha, a respeito do horrivel ultrage que o peccado mortal faz a Deus, mas n&o sondastes ainda toda a sua maldade. — Para fazeres delle uma ideia exscta, considera a quem tens comparado Deus, Todo aquelle que pecca mortalmente, desvia-se delle para nao 'vér sendo a creatura que o seduz € que estima mais que o mesmo Deus, Pore tanto, todas as vezes que tens offendido: Deus peccando, tem:l'o comparado ine Gignamente, que digo eu? — tens-lhe prew feride as mais vis creaturas, tens feito d'essas creaturas idolos de abominagac que collocaste no logar delle, e a quem AO CORAGAO DAS DONZELLAS 31 amas e estimas mais, Eis-ahi, minha que- rida filha, a affronta de que Deus se queixa por meio do propheta Isaias, di- zendo:—A quem me tens tu asseme- lhado?—e por meio de Ezequiel: —Tens- me expulsado bem longe do teu corpo, ista é, tens tido por teu corpo mais amor e estima do que por mim. E isto que elle diz do corpo, deve-se entender a respeito de tudo aquillo que toca ao peccado, Quantas vezes tens feito a Deus este lerrivel ultrage, por vaidade, por um en- feite, por uma festa, por uma amiga, por uma creatura a quem quizeste conten- tar! Lendo na paixéo do mea divino Filho qne os judeus the preteriram Barra bas, mais d'ama vez, talyez, tenhas sido atacada d'uma santa célera contra elles. —Crueis, dirds tu, preferis ao Filho de Deus um infame assassino! — Ah! minha querida filha, Barrab’s era um homem, comtudo, que 4 forga de penitencia podia converter-se e chegar a ser um santo; mas quantas vezes, por uma injuria maior, tens preferido a Deus um capricho, um accesso de paixdo brutal! Que cegueiral que crueldade! I. Uma ontra verdade ainda, é que 32 MARIA FALLANDO peceando mortalmente, niio sd se prefere a Dous um objecto vil, mas preferes se-lhe 0 demonio. Coisa hortivel de pensar, mas que nao é sendo, ai! oma grande verdade, Tu bem sabes, minha filha, que © teu coracio foi feito para ser o templo vivo do Espirito Santo, cujas mais queti das delicias sio habita-lo para o consere var puro, Mas que fazes quando commet: tes 0 peccado? 0” insulto horrivel! ex= pulsas Deus do coragao para n'elle aco- Theres o demonio: chamas o espirito infer- nal e dizes-Ihe por vontade propria: — S@ meu amor, minhas delicias, meu tudo. —) Pata te convenceres que tal tem sido @ tua maldade, recorda:te do terror que ti veste tendo de commeiter a iniquidad Olhavas attentamente de todos os lados: temondo ser vista, cobria-se-te o rosto d rubor; 0 medo e os remorsos agitavamt te a constiencia e ouvias no-coragao um vor que te dizia:—Que fazes ta, mini filha? queres perder-te por semelhant violagdes da Iei de Deus! Quem fa nascer em ti ess® terror e esses remot 0s? quem te fallava aoheoragio? EB Dens que queria desviar-te do mal, gi te excitava a’ vencer yalorosamente AO CORACAO DAS DONZELLAS 33° ntagao, Mas tu escutavas ontras vozes que te excitavam, ao ecntrario, a pecear —Quem temes tu, diziam ellas? porque é esse medo? és tua unica a fier essas accdes? Tu te confessaras. Deus é bom € perdoar-te-ha, — Quem -proferia essas pa- layras funestas? O demonio, que se es- forgave por fazer-te cohir para te sub- metter ao sen jugo. Era o momento de decidires se queria pertencer a Deus ou demonio, Dize-me. quem triumphou? para qual te voltaste? Para Deus? Nao; sesar da tua vergovha e temor, fazendo @ consciencia, fechando os ouvides as palavras celestes, expulsaste Deus do tea coragao fizeste uma escolha infame inclinaste-te para o demomo, preferiste-lo a Deus dando-lhe entrada na alma, Nao & isto verdade? Ah! desgracada, tendo Deus por inimigo, tendo o demonio, inferno na alma, podes viver um sO iris. t te alegre ei tranquilla? HL Tinhas alguns motives, 6 misha fi- Mha, para tratares assim o teu Deus? 0? Srewtura ingrata, nfo elle para ti um @Nle benefico, um pae cheio de amor? 5 se elle & teu senhor, onde esté o res- | Pelto que:The tributas? Se é teu pae, on- 84 MARIA FATLANDO de esti o amor que Jhe testemunhas? A vida que te anima, a sande de que gozas, 08 bens de fortuna os sentimentos do tea eoragic, nao passam de dotes da sua ondade. Tu mostras-te conhecida para com todos aguelles que te fazem bem; niio é pois, serio para Deus, mioha filha, que és ingrata | Se no queres deixar de 0 offender, cessa a0 meuos de por n’elle a | tua confianea, de Ihe dares o nome de pae, de me chamares tua mae, porque ns née podemos vér em ti sendo um monstro desnaturado, ‘Teu pae serd aquel- Je a quem contentas,— sera o demonio; mas despragada de ti tendo-o por pae, porque © ter4s para a morte e para a eternidade. Ah! minha querida filha, se estas reflexdes te n&o gelam de terror, nao me resta sendo chorar sobre a tua incomprehensivel cegneira, Fez-te Deus algum mal para merece que.o trates com tanta indignidade? Fez-te algum mal atu- Fandorte uao obstante as tuas desordens? arrancando:te tao repetidas vezes ao espi- rito infernal que te arrastava paca o abys- mo, suspendendo a espada vingadora da,_ sia divina justica, que tantas vezes te dew via fulminar como uma planta nociva que AO CORACAO DAS DONZELLAS 85 convinha langar ao fogo eterno? Com~ templa-o agonisante sobre a cruz, ens utentado.e todo coberto de chagas por ti > essa uma das suas injusticas? 6 porque em amado tanto a tua alma que tu jul- as no dircito de o desprezar e offender | \b! ge taes eXcesses fossem commet- dos ‘por aquelles que nunca, o conhe- coram, talyez os soffresse pacificamente; mas da tua parte, mina filha, da tua par- ... Considera que a paciencia fatigada treca em furor, e que o amor demas Gamente desprezado se muda em odio im- weavel; qual 8 entho a sorte que te esperar Affoctos. 0’ Mie Santissima, sinto-me disfallecer ao duvir to justas sensuras, e 1 eoragdo est opprimidy. Oh! se ess $s consuras me fizessem morrer de pezar @ vista das minhas culpss, seria feliz. A Micha negra ingratidao para com Deus € Para comvosco, Mae queridissima, teria ei/im um termo. Haveria no mundo um Monstro de menos, 0 meus pérfidos olhos five tantas vezes tendes arrebatado a Deus ® ioivha alma para a entregar como um Eriquedo aos demonios! O" minha lingua Maisita, que tantas vezes tens vomitado Aeiinte de Deus a pecouha que te alimen- : 86 MARIA ¥ TLANDO fava, ensopada no fel de impuras delicias ou enyenenada pela célera eo desespero. O° mios criminosas que tantas vezes tem en- terrado uma langa aguda no lado sagrado do meu Salvador, ou no coracao de Maria, minha terna Mae, O' meus calpados ouvi- dos, tantas vezes iechados com uma tei- mosia obstinada ds palavras amorosas de meu Deus, tattas vezes attentos aos silyos infernaes do inimigo que os encan- tava com os yergonhosos engodos do pra- zer. O'' meu sdrdido coragao, que de tem- plo vivo do Altissimo te transformaste em Jodagal onde se ttm agglomerado as v Boras do inferno! O' minha vontade ins josta e rebelde, que tantas vezes tens r pellido Deus para te prenderes ao demo~ nico! Oh! quem me sustentar’, quem me guiard? Mae amabilissima, 4 vista. das culpas sem numero que a minha conscie encia me censvra, nao posso mais que desfazer-me em lagrimas, opprimida dum amargo arrependimento, Ab! possam ao menos essas lagrimas lavar as nodoas da minha pobre alma. Nao, minha querida Mae, nao quero mais ser ingrata paral com Deus e para comvosco, Primeiro a4 morte que uma igual ceguoira. AO CORAGAO DAS DONZELLAS 37 SEXTO DIA A’cerca da morte I, Agora, minha filha, medita nos tris- tes «fieitos do peceado. Um dos mais ter- rivejs, e que a humanidade esta vendo de continuo, 6 a morte. Cerlamente a morte & para tia verdade mais evidente, mas pOTmunia loucura incomprehensivel vives em completo esquecimento d’ella, Se vesses a certeza de viver durante seculos inteites, a tua conducta seria menos in- sensata, mas todos os dias vés pessoas de todas as idades ¢ condigdes que baixam ao sepulchrd ¢ que, chegando. la, repetem: —Hoje eu, dmanka ta.— Quantas. vezes entras nas egrejas e cemiterios onde jar zem muitos cadaveres. Caleas aos pés as suas’ sepulturas. Nao ouves suhir dellas uma voz que te grita:— Hoje caminhas so- bre as minhas cinzas, amanba talvez, cami- phem sobre as tuas,- Tu vés que de to- dos aquelles que tem nascido desde 0 co- aiego do mundo, nenhum até hoje tem sido isento da morte. Ouves padres que no cessam de te repetir que has de mor- Ter, mas dir-seia que essas palavras te 88 MARIA FALLANDO nao dizem respeito, porque continuas a’ viver perdida no meio dos prazeres © di- vertimentos, como se elles nunca tivessem de acabar. Diis:te obstinadamente 4 terra sem nunca lancares um golpe de vista aftento e penetrante como se para ella e HAD para_o céo fosses creada, como se devesses ficar n’ella eternamente. Osten- tas orgulhosamente. a tua, belleza como um pavio; niio te applicas sendio a mas: trar-te, a obter estima e crear amizades, O? desgracada! nao vés a morte que le vanta ja a fouce inexoravel para te cor- tara vida, que te aponta o tumulo ¢ que te diz? — Alli irto acabar a tua vaidade, esplendor, modas, amores ¢ excdssos, Ah! | ella viré, minha filha, esta jA proximo o dia em que te obrigara a abandonar tudo © baixar 4 cova onde 0 corpo.que idoli« presa de podridao e dos vermes, Oh! pensa bem niella uma vez, se nao queres morrer para sempre. I. Nas sh mosterdés um dia, 6 minha filha, mas j’ estis morrendo, Trazes em fi um germen de morte, que se desen= volve cada dia, O: tempo passa, vOaj @ um verme roedor devora incessantemente @ tua vida como uma planta debil, Cada AO. CORAGAO DAS DONZELLAS BO. mez que acaba, cada dia que decorre, cada. hora que passa, abrevia outro tanto o curso da vida, E’ um passo de mais pata o sepulchzo, Uma geragio passa, eutra jhe succede, e assim todos, uns apds ou- tros, vao perderse na eternidade como aguas dos rics se perdem no oceano, E tu, que estas tao perto da morte, tn, a quem domina ja 0 seu imperio, 6 minha fillia, ta a quem esse algoz inexoravel segue pouco 2 pouco att ao momento em jue deverd exccutar-se sobre ti a sentenga proferida no céo: Fai decretado que todas as ereaturas morram uma ves; vives som pensar nella, como se fosses a unica pre~ servada. Ab! este pensamento entristece- te, porque perturba as tuas paixdes, faz-te estremecer, derramando a amargura.sobre cada um dos teus prazeres; buscas afastar de ti tado aquillo que te recorda a morte, Mas poderds assim impedir que ella che gue ¢ se avisinhe de ti? Pensa n'ella, pelo contrario, sériamente, 6 minha filha, se queres ser verdadeiramente prudente, pore que este pensamento é am daquelles que podem por um freio as peixdes rebeldes ¢ arte da terra uma ideia justa. Se tivesses a certeza que o mundo acabava em cin ¢ 40 MARIA FALLANDO. coenta annos, nao. poderias mais olha-lo Seno com compaixAo, nao poderias mais darte a elle. Mas julgas seres immortal ? Primeiro que cincoenta annos sejam de- corridos, nao estards morta e 0 mundo nao.terd acabado para ti?! Al! solla desde ja 0 coracao corajosamente de tantos | objectos que o levam ao mal, que o per- turbam, que sao para a consciencia oc- casidic de pungentes remorsos, Ul. Nao ha momento fixo para a morte. Hilla nao considera nein a idade, nem 4 saude, nem a forca, Se descarrega a sua fouce sobre os velhos para os fal- minar de perto, reteza o arco para 08 no- vos a fim de os fulminar de longe, As 4 mortes imprevistas, tao frequentes agora, dao-te vma prova evidente, Tantas don= szellas de tua idade que viviam ha um anno ov dois, e hoje nada s’o, nao. te ensinam que te pode acontecer o mesmo gue Ihe aconteceu a ellas? Nao te julgues mais privilegiada; nfio tens mi vida, do que ellas, Quem te protege cons) tra a colera do céo, os venenos, as armas! dium inimigo, os incendios, os tremores, de terra, as epidemias, as quedus ¢ todos: os outros males que sao o apanagio do. AO CORACAO DAS DONZELLAS 41 homem?. Nao vés por quantos camiohos abertos a morte pode chegar a ti quando Wella menos penses te dar a morte? Um soffrimento, um gol de ar violento, maito humido, rauito frio ou muito quente, um ‘insecto, lim movimento do sangue ou dos humores, Juantas vezes os alimentos, as bebidas, os proprios remedios se transformam em nenos mortaes, e o tumulo se abre antes do tempo. Quantos tém passado dé pente dos festins, theatros, prazeres @ divertimentos 4 morte ¢ 4 eternidade! Nao ide acontecer-te outro tanto? Abre por ui momento os sepulchros onde estio eoterrades eses desgragados. Examina! Kssas faces rosadas que excitavam tantos aifectos criminosos, esses labios purpuri nos, esses olhos vivos que langavam tan- © tos olhares impudicos, essas cabegas ou- tr'ora to altivas, onde turbilharam tantes Pensamentos de grandeza humana, capri- thos, desejos de se mostrar, que tanto se @pplicavam a enfeitar-se com fitas, trangas, Curo e diamantes, esses pés que caminha- Yam com elegancia ¢ dos quaes 0s passos €ram cadenciados; tudo esta sendo um horrivel mixto de vermes e podridio, Que & preciso para coy MARIA FALLANDO. Eis-ahi, mioha filha, em que estado a morte pord um dia o ten corpo, ¢ mais) cedo talvez que pensas. E a tua alma, que-vird a ser Wella se a nao cuidas, s te ‘nao inguietas? O' grande pensamentol, Affectos. Oh! quanto nao tenho sido imprevicente ¢ louca até ao presente, 6) Maria, minha Mae amabilissima, tendo-me: affeigoado tao fortemente a um mund que foge deante de mim; correndo apés) uima sombra va, uma ventura que sé] dissipa n’um instante, tendo tanta estima ‘por aquillo que & mortal e tio poucol pelo que é eterno! Ai! a niorte cereas me por toda a parte, nao posso dar um: passo sem que veja exemplos da min fragilidade, e comtado tenho vivido base tantes annos esquecendo-a, afastando mim o pensamento da morte, para a ser perturbada nas minhas mundanas criminosas occupagdes. Reconheco agora © meu erro, 6 querida Mae, e passo set) demora a reparalo, De hoje em deant considerar-me-hei como exilada sobre terr estranha; calcarei aos pés valorosamen as vaidades ¢ as pompas do mundo; ai me dignarei conceder-ihes um olhar, € irigir-me-hei incessantemente para a AO CORACAO DAS DONZELLAS 43 tosa patria a que aspiro, Para abi chegar, necessaria @ cnstosa passagem da morte, jue ella venha em bom momento; en- jachei com animo e mesmo deseja-la- ici, Que & elia? Uma lei dada para os fi- Ihos ‘de Adao. E’ bem jasto que, estando lo peccado. presos com excesso 4 terra, Sao ponto de esquecer Deus, a morte force a dei Adoro as justissimas sposigdes da justiga divina, @ espero o juomento com resignagao, Que esse mo- mento seja feliz para mim; que eu saia du menu exilio para entrar na posse da patria celeste, Espero alcangar essa ven- tura, 6 Mae muito amada, com 0 sovorro Ga vossa poderosissima protece%o, SE IMO DLA A morte do justo ¢ a morte do peccador I. Ta. tens de morrer nm dia, minha filha, e do momento da morte depende a Ventura on a infelicidade da tua eterni- fade. A tua morte sera preciosa perante De ot 0 a dos peccadores? Interroga & tua’ consciencia, ella te responderd. A Morte, 6 minha querida filha, ¢ um ecco 44 MARIA PALLANDO da vida. EY pois em vio que se imagina bem morrer, quando se leva uma vidal md. Uma morte santa ¢ uma greca de tal modo precicsa, que est acima do me recimento de toda a creatura. Pensa por tanto que genero de morte fulminaral aquelle que, durante a sva vida, nuncal fez outra coisa sentio cilender ¢ ultrajar a Deus. Qual nao é a loveura daquelle quel se €Xtita a engolfar-se nos seus vici com a esperanga de que Deus ter delle merecem os peccadores essa grac ultrajando Deus por continues delictos® Figura se a esses desgracades que, pelo abuso actual des gracas que Deus the concede, merecem a maior de todas, uma morte santa. O” presumpedo culpa: bilissima que tem povoado o inferno dé almas regeneradas pelo baptismo! Esp ravam todos esses infelizes que, & he da morte, Deus os traria com misericor dia; mas indignado emfim pelos excesst dos seus vicios, tem consentido justamenté que a sua culpavel esperanca seja I mudada em desespero, ov que, perdend a vida subitamente, sejam de repente pre cipitados no inferno, Acautela-te bet ‘AO CORACKO DAS DONZELLAS 45 mnigha filba, de cahir n'esse Tago insidioso jue o demonio te arma para te perder ¢ jiava bem esta verdade no coractio: — Spode obter a morte dos justos, que vretigga deante do Senhor, quem passa a Vida em obras virtuosas ¢ santas, on na venitencia das culpas passadas. PML Para te provar esta verdade d’uma muaneira sensivel, vem, 6 minha fila, vem junto do leito d’um dos escothidos do Se- thor, e observa como elle morre, B’ ver- dade que se 0 olhares sémente: com os sihos do corpo, vé-lo estendido sobre um sito de dares, e parece+te que a sua norte n&o differe absolutamente nada da Ges peccadores, Nao te assustes, porque as déres eos desfallecimentos anteriores: 4 morte sao communs a todos — tanto aos: peceadores como aos justos. Cessa po por um momento, de o olhares com 08 dios da carne; penetra com os olltos da fé n'esse cotagio e n’essa alma sem demora quanto differem 0 justo que morre na graga de Deus, ¢ 0 impio que morre abandonado por elle. O Espirito Santo diz do. primeiro que o seu Socorro © fortifica por ineffaveis consdlagdes, en- tretanto que soffre exteriormente na carne. ‘AO CORAGAO DAS DONZELLAS 47 46 MARIA FALLANDO. ty. ©? morte ditosa que se fiz lembrar, nio com lagrimas, mas com alegria e prazer ! "TIL Vemos ao contrario a morte do peceador, Nada o consola, tudo o assusta, tudo 0 tortura; 0 mal que soffre,o mundo que o abandona, a eternidade que se Elle n&o se afllige em pensar que tem de abandonar os parentes @ os amigos, porque sabe que os ndo deixa para sem- pte; nutre no coragdo a esperanca de 06 tornar a vér no céu; sabe que os deixa nas maos de Dens que cnidara nrelles, A propria morte nao o amedronta : encara-a a} animoso e diz como Job: — Tenko a cer apresenta sob tm terrivel aspecto. O pen- teea de vér 0 men Deus com estes oblior, samento de que deve comparecer deants deo amar com este corarao ¢ de 0. serairmmms (esse Deus a quem tem sempre despr com estas mas; 9 mew corpo ser-meha zado, fa-lo estremecer. Ai! esses desgra- restituido cheio de gloria no dia de Resure gatos, emquanto gozam sande, véem a reigito. — Estes pensamentos fortificam & vida como n’uma longa perspectiva que Animz-sé.a soffrer tado ¢om resignagao e leva muito longe os seus olhares € as Suas esperangas, Mas 0 véo das illusdes valor para se assemelhor a seu Salvador a : ee crucificado, que tanto scffreu por elle, A geheljng: leite: dal worl. 2 te teconese F eniio os seus direitos ¢ illumina com cusa as suas culpas ao ministro do Senhore i : com arrependimento. Recebe em viatico 04 eee lee ae eee eg seu Redemptor no sacramento eucharistico, a Se ae e.com que affectos de amor! Ouve a ordems pEGA as suas verdal a i Seung de sshir deste logat de exilio, ¢ com que Se ee ee Ee oe, oriea on paz, com que tranquillidade! Exhala final-¥ ae lo & ala tar tnedh.e Ganrey mente a alma, o resto serene unido a seu, Emonics, Z ia A consciencia, que esta extincta desde Deus, que possue nas maos em crucifix a aco : © NO coracin em sacramento, Esté mortol Hongo tempo, suffocada pelas paixdes, des- Péria-se subitamente. Vé o Deus das vin- aos olbos do mundo, mas, aos olhos de 4 Hitigas. prestes a cortar 0 fio dos seus Deus, vive, E' exbalando o ultimo suspica : s que comeca a sua vida gloriosa ¢ immor- BS oa notificalo como um mau’ servi- 48 LLANDO. dor peranté o seu tribunal, Os crimes sem numero que tem commettido durante a vida chegam-the todos juntamente a memoria, semelhantes a torrentes impe- tuosas, para o submergir n’um abysm de angustias. O demonio, insultando-o! por seus males, executa tudo quanto podi para o langar no desespero, Nesta extre~ midade, os soceorros da Egreja chegam ser inuteis para este infeliz, O sacramento da communhas, unico que pode reabrir= ke o caminho da salvagao, recusa-o o antes como sempre tem feito, recebex sacrilegamente. © viatico da vida. etern; nao The serve seniio para firmar a sti eterna condemnacao. N'este momento tel rivel, 6 minha filha, desgracade d'aquella que durante a vida nao temia Deus. A ordem dada em nome de Deus pelo pa dre, aquella alma desventurada de sabi do corpo que ella tem idolatrado, & espada cruel que a separa do mundo pari a mergulhar no oceano d'uma eternida sem fim. Estorcendo-se, lamentando-s Jangando olhares de despero, 0 peccadot exhala 0 ultimo suspiro ¢ morre, O' m triste, 6 morte dolorosa, 6 morte terri do peccador! Qual sera a tua, 6 mink AO CORACAO DAS DONZELLAS 49 filha? A do justo ou ado peccador? Mes dita, consulta a tua consciencia e ella tla ira. Affectes, Estoa opprimida de susto, 6 ninha Mae Santissima, com 0 pensamento da morte e do estado a que o meu corpo ser reduzido no tumulo pelos vermes e podridao. E’ verdade. que, pensando que a minha alma, separada pela morte d'este corpa. corruptivel, ir unirse no céo a meu Deus e a vis, n'uma vida incorru- piivel e immortal, sinto diminuir o terror gue naturalmente me inspira o falleci- mento, Considerando a morte dos justos, inlammo-me de-amor e exclamo invitas vezes: Oh! pudesse eu ter a morte dos Satos! que a minha agonia seja seme lhante & d’elles! Mas pensando na morte triste e affrontosa dos peccadores, refle~ Ctindo que tenho merecido cem vezes Rima morte egual pela vida culpada que tenho levado meu Deus! de que pavor te sinto atacada ! O' querida Mae, soccor- Tei-me, rogae por mim a fim de que nfo ‘uma desgraga tho medonha. Para sa graca, tomo a resolucao, daa vossos pés, de viver para o Futuro come wma donzella verdadeira- 4 50 MARIA FALLANDO mente christa. Reconhego que por mit propria nada posso nem mcrego; mas vi 6 Mae muito amavel, interessae-vos uma desgragada que deposita em ¥% toda a sua confianga, Alcangae-me divina clemencia o ‘perdao das mink culpas passadas; consolidae-me para futuro no bem, Que eu mereca a moi dos justos e possa, 4 minha ultima hor cheia de confianga, exhalar a alma vossas maos, OITAVO DIA © juigamento particular LA morte affcontosa do. peccador, minha filha, horrorisa todas as almas q tém £8, temor de Deus e desejo da st eterna salvagio; mas o julgamento qi segue immediatamente 4 morte, nao menos temivel nem medonho, Meditar pois © aprenderis o que deves temer, nao és fiel 4s obrigagdes contrahidas ct teu Deus. Que horrivel surpreza uma alma culpada, vér-se transportat nium momento: ao meio do immem oceano da cternidade, pobre, nia, al donada de tudo, ex AO CORAQKO DAS DONZELLAS 51 cepto dos seus pec cados; forgada a apresentar-se perante © tribunal de Deu: intrigas, as meat a Pp o1 © * I G 3 Par ecc 8 Todo-Poderoso, onde as as, 0 emibuste ¢ a feat ada podem, d’onde sito. excluidas as recedes e@ as consideragdes humanas, je tudo & punido ou_ recompensado forme os rigores da justiga, onde ¢ go prestar conta mesinio de uma pa- ra jnutil, onde nada pode escapar 20 e ponetrante de Deus! De que terror | sera atacada vendo-se de repente: pe- te um Deus irritado por tantas Culpes, stes a pfonunciar a sentenga que vae da sua sorte durante toda a dura dos seculos eteruos! Todos os seus nes, todos 08 seus erros, se Ihe apte- srlo’ no pensamento e nao Ihe per io detender-se, desculpar-se ou es+ Presentemente a mocidade des- ja vive loucamente, ri-so de Deus, tome as suas ameacas, vAo So assusta Scus castigos, yaa se espanta dos julgamentos; mas v'essa terrivel formagio de scena, a illusto desap- |e nao Ihes resta mais qne o terror jesespero. A alma entao amaldicéa -edulidades, a liberti- ee 52 MARIA FALLANDO! nagem, os prazeres, Oh! como ella quere- ria voltar 4 terra para reparar o mal feito! Mas todo o desejo de impio expiras ria n'esso momento, E? tempo ainda, tis nha filha, prepara-te de modo a n&o tex res de cirar n'esse dia de pavor por tua eterna. e irreparavel condemnagas. U, Para angmentar o terror da alm peceadora, 6 minha filha, 4 vista do divin juiz, unir-se-ha a dos monstros horriveig que rodearaio aquella alma, Os demonios alegtar-se hao de a vér entre as suas maos, escarnecé-la-hio e triuzhphando d seus males Ihe mostrario © inferno die zendo-lhe: Desceras 14 baixo para’ seres victima eterna do nosso furor, — Qu viria a ser de ti, 6 minha filha, se cahiss n'uma egual desgraca? Como estreme rias dé horror vendo debaixo de ti o i ferno dilatar os seus abysmos pata absorver, © as suas chammas implacavel atromessarem-se: para ti como impacient de te devorar; avistando welle tantas 0 tras almes j4 precipitadas, arder e des perarse n’esses fogos eternus; ouvin urros, gritos, fréinitos, blasphemias e: crandas! E se por entre essas almas ho yesse uma que tivesses escandalisado ‘AO CORAGAO DAS DONZELLAS 58 rante a vida © para a qual os teus maus uxemplos tivessem sido como uma pedra de tropego? Oh! como elia clamaria vin- anga contra ti, amaldigoando-te e sobre- carregando-te com imprecagdes. Que vir sto seria a teus olhos, 6 minha filha, a esenca do divino jniz, ponde em eviden cia a rectid&o da sta justiga e a euormi dade das culpas commettidas contra elle! Com a indignagio nos labios ¢ com uma voz mais terrivel que o trovio chamar- teia a prestar contas da tua vida ¢ gelar- te-ia de terror. O demonio, levantando-se orgulhoso, recordat-te-ia os crimes que tivessem manchado a tua vida e, pedin- Go-te ao divino juiz como uma victima que Ihe é devida, accumular-te ia de affron- tas, de raiva.e de desespero, 0’ situagao fusesta que venhuma desgrega sobre a terra pode egualar! Que dizes tu a isso, minha filha, cem annos da mais rigida penitencia nfo seriam bem empregados, shmente para evitar de comparecer n’um julgamento tao terrivel e affiictivo? UI, D&me conta, serva iofiel e cul: pads, dird o divino juiz, dé-me conta de tantas gragas que tens desprezado; di-me Conta da saude, des sentimentos, dos bens ba MARIA FKALLANDO ponzettas 55 ‘Ag CORAGKO DAS que te tinha dado; dé-me conta da belleza, da graga, esses dotes physicos de qu tens abusido para o escandalo; di conta do tempo que te tenho concedide para a tua santificagao e que tens despers Gigado cultivando ‘n'elle a vaidade, entrotenimentes © os divertimentes crime nosos; dé-me conta de todo o bem qu tens deixado perder, de tudo quanto tant cet respondido, Entdio, ai! niio haveria vais descalpas, mais rodeios, mais pre= textos que possam deter a sentenca srivel. © diving juiz, indignado, dit- Na ae, maldita wae para o ‘Wifer~ nro, tee nao me periences mats, jd gue es “neste durante a vida uma oulra digit Vode, Suurda d minha 062, tem escutade os Temonios ; que asonte d'elles sejea tia feito: perder acs outros; di-me conta dal fu, nio mais poderias esperar 0 soccotro. Baie: © mel Gus, tens. somata a do’ anjo da guatda, que desviaria de t edo ; aquelle de que tens dado aos outro occasiao; dame conta... O' minha fith que susto, que horror! Ab! sim, as cham mas do inferno parecem mais suportaay veis que taes accusagdes. Mas dize mi ke por tna desgraga fosses encontrada ou pada n'esie tribunal que responderias t para te descuipares? Allegarias talvez falta de luzes, Mas tu onves prédicas, ing trucgdes, avisos de quem te dirige, e@ com desprezo, nem 0 meu, porque céraria e cobriria 0 rosto para te nao vér, No teu farioso desprezc, bradarias és montanhas que se desmoronassem sobre ti; invocarias 2 morte, rogando-lhe que te arrancasse & vida ainda mais uma vez; abandonarte-ias ao poder dos demonios, arremessar-te-ias ao ‘inferno, buscarias n’elle os abysmos mais profundos para ahi te oconltares, Se fosse possivel, 4 vista do teu juiz irritado, gamas vezes mesmo meditas as verdad Eis-ahi, 6 minha filha se te expdes 2 Ser eternas. Tulvez falta de gracas? Mas'S tondemnada, 0 julgamento que te espera. Deus te ndo pede nada senio que abrd Se nao tremes meditando n'esta verdade, ie alma para ta encher da abundanél tens perdido ou 0 coragdo ou a fe. @ellas? Allegards tu, talvez, que fos Affectos. ©’ minha Mae Santissima, €s- seduzida por mis companhias e fals tremego de horror, vés 0 vedes. Um ge- amigas. Mas porque as escutaste? lado susto percorre-me todos os ‘membros L AO CORACAG DAS DONZELLAS © 67 clamo: —Senhor! pelas entranhas da vossa ericordia, ‘nao me condemneis n'esse dia tertivel: E v6s, 6 querida Mae, tor- é-me propicio © vosso divine Filho; elle escute 0 grito do meu arrepen- dimento, para gue no seja obrigado, quando fr meu juiz, a ficar eternamente surdo aos gritos do meu desespero, 'O DIA Dens. Quando peaso nos meus numerosog peceados, afigura-se-me a cada instant que a maldigio divina vae cahir sobre minka eabeca, Mae querida! desesperari da minha salvagdo se ntio soubesse que estou sempre coberta com 0 manto dal vossa poderosissima proteccao. Como euty estou louca de ter faltado tantas vezes ine fielmente a meu Deus, por molleza on ress peito humano! Para nJo cérar aos olhag) do mundo corrupto cumprindo os meng. deveres, nao tenho tido horror em exe por-me ao perigo de soffrer uma eterna, vergonha aos olhos de Deus ¢ aos vossos Desgragada de mim se ao tempo dos meus desvarios Deus me tivesse [eit comiparecer no seu tribunal! Felizmente. que vejo sempre no meu Jesus erucificad um Pae de misericordia, que, com os brat Gos abertos, me chama junto do seu cor: $40, Ab! eu quero sem demora correspon= Ger 4 vossa bondade, por meio da pen tencia, Ergo os olhos humidos de lagri mas para o meu bem supremo, e levando! welles e nas expressdes que sahem di meus Jabics os sentimentes d'um corag} mergulhado na mais acerba dor, e: NOM 0 juigamento universal © mundo, 6 minha filha, envelhece assim como tu, ainda que mais lenta- mente, As iniuidades que n’elle se com- Treitem em t20 grande numero, deverdo Ser expiadas como no tempo de Noé. Se entio um diluyio universal lavow tantas impurezas, no dia do Senhor vird um di- luvio de fogo que consumira este mundo abominavel. Se depois da morte, Deus Tavifesta a cada um a sua justiga pu- Rindo os seus crimes, n'esse ultimo dia Convencerd o mundo de perfidia, justifi- Sari a sua providencia em, presenca de “fcdos os homens, e mostrara a justiga do "Sci proceder, As guerras encarnigadas, as 4 58 MARIA FALLANDO ezertas 89 ‘Ao CORAGAO DAS DOD revoltas dos povos, a santa religiao des ptezada, 0 santuario onde Deus resid profanado por abominaveis idélos, as bl: phemias e os sacrilegios dos impios, sera © principio das dares, O sol eclipsar-se bi a lua escurecera, as columnas do firmi mento cambaleario, os astros do céo tremecerao, e o horrivel ronco do ma fard estremecer de espanto todas as nas goes, A célera de Deus, provocada po tantos excessos, daré o signal do ulti castigo. O fogo, seu ficl ministro, arr messando-se dos vuledes subterraneo: consumira 0 mundo, Sem fagida possi os homens, as mulheres, relugiados caveroas profundas, serio cercados fogo © queimados, Casas de campo, ji dins, palacios, habitagdes reaes, cidadé campos, provincias, tudo, tudo sera ret 1e idolatres, vé por causa de que te rdes; um mundo que acaba, © para 0 Qual ta nao. foste festa; por um mundo que te nao pode dar mais que uma passa- reira e apparente felicidade, que te cone Gozird. em seguida a uma verdadeira e cterna condemnac&o. H, Oclang6r da angelica trombeta rom- perd esse silencio, fazende n’elle resoar fF pentinamente este mando aos quatro ven~ tos do céo: — Mortos, levantae-vos e vinde ao julgamento. —Entao, 6 minha filha, que movimentos agitario tantos milhdes de cadaveres reduzidos a cinza? O po con- solidar-se-ha em ossadas que se juntarao umias ds outras, se cobritao de velas, ar terias @ nervos, e so revestirio de carne, © spitito do Seuhor soprari sobre esses cadaveres, todos se levantardo, e cada um tecebera a sua alma e sera vivificado. To- dos os resuscitados deverdio dirigit-se para pouea de cinza, signal de anniquilagao, desolamento, Um silencio lugubre cobrite © yrande valle que sera n’esse dia_o es a face da terra, onde nado mais se fed Plendico theatro da justiga divina. Os an- ouvir nem o assobio do ar, nem o jos desverao para sepatar os bons dos geio das aves, nem © som dos instrum Maus, © trigo escolhido do joto, para de- tos, Nao mais espectaculos, dangas ¢ fs tins; por toda a parte a morte, a ruin horror. Vé, & minha filha, vo aqu POr aguelle nos deliciosos celleiros do céo © lancar este nas chammas eternas. E to fanbem resuscitards n'esse dia, mas qual

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