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TÍTULO: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE ONOMATOPEIAS PRESENTES EM

MANUSCRITOS ESCOLARES DE ALUNOS DE 2º ANO DO ENSINO


FUNDAMENTAL 1

Janayna Paula L. S. Santos


PPGE/CEDU/UFAL
janayna_lsantos@hotmail.com
Eduardo Calil
PPGLL/PPGE/CEDU/UFAL
eduardocalil@hotmail.com

RESUMO: Este trabalho pretende discutir a presença de onomatopeias em histórias em


quadrinhos (doravante, HQ) inventadas por alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental,
visando tanto a descrição desses recursos linguísticos presentes nos manuscritos escolares,
quantos as possíveis relações com sua referência visual. Para isso, utilizamos as atividades do
projeto didático “Gibi na sala”, desenvolvido para essa pesquisa, a partir de 12 propostas de
produção de texto. O conjunto dessas 12 propostas totaliza 144 manuscritos em que aparecem
onomatopéia, interjeição e metáfora visual. Dessa forma, manteremos diálogo com estudiosos
da semiótica (SANTAELLA & NÖTH, 1999) e da aquisição da linguagem escrita (CALIL,
2008). Dentre as formas destacadas, priorizaremos o modo como os alunos criam os sons que
representam as imagens como, “UAN” (personagem chorando), “PUFE” (personagem
levando uma pancada) e “ÍS” (personagem comendo).
Palavras-chave: Histórias em quadrinhos, onomatopéia, imagem, manuscritos escolares.

ABSTRACT: This paper will discuss the presence of onomatopoeia in comics (hereafter, HQ)
invented by students from the initial series of elementary school, both to the description of
language resources in manuscripts school, how many possible relations with its visual
reference. For this purpose, the teaching activities of the project "comic book in the room,"
developed for this research from 12 proposals for production of text. The set of 12 proposals

1
Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que está
vinculado ao grupo de pesquisa Ensino, Texto & Criação (ET&C), coordenado pelo Prof. Dr. Eduardo Calil.
através do projeto de pesquisa registrado sob o nº 302130/2008-0.
totaling 144 manuscripts that appear in onomatopoeia, interjection and visual metaphor. Thus,
maintain dialogue with scholars of semiotics (SANTAELLA & NOTH, 1999) and the
acquisition of written language (CALIL, 2008). Among the forms out, prioritizing how the
students create the sounds that represent the images as "UAN" (character crying), "PUFE" (a
hit leading character) and "IS" (character eating).
Keywords: comics, onomatopoeia, images, manuscripts school.
1. Introdução

As histórias em quadrinhos (doravante, HQ) através da interação entre dois sistemas


semióticos distintos – verbal e o não-verbal, constituem um gênero com características
bastante específicas. Nele, a particularidade dessa interação promove uma necessária
articulação entre inúmeros aspectos: cores predominantes, formas dos traçados, composições
gráfico-visuais, tamanhos e tipos de letras, tipos de personagens, presença ou não de
enunciados escritos, usos do discurso reportado, seqüenciamento narrativo e relação entre
imagens e cenas, formas e representações de onomatopéias, etc. São, precisamente, esses
últimos aspectos que tomaremos como objeto de estudo em nossa investigação, pois nas HQ
as onomatopéias aparecem como um dos mais importantes e intensos desses recursos. Elas
são usadas não somente para indicar sons ou ruídos de objetos e vozes, mas também para
produzir efeitos visuais através de um conjunto de formas gráficas e cores que cumprem uma
função bastante particular, tanto em relação ao estilo da HQ, quanto no que se refere ao
impacto que pode produzir na ilustração de uma determinada cena (CARVALHO, 2006, p.
44).

É justamente sobre esse recurso que pretendemos descrever as formas que se apresentam em
manuscritos de alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, quando inventam o texto para uma
seqüência de imagens de uma HQ da Turma da Mônica2 .

2. A onomatopeia entre a Linguística e a Semiótica: a abordagem nas HQ da Turma da


Mônica

O que acontece nas HQ quando se fala em onomatopeias 3 ? Há uma relação conjugal entre o
visual e o sonoro, ou melhor, entre a linguagem verbal e a não-verbal? Essas questões

2
Criada por Maurício de Sousa, a Turma da Mônica, é direcionada para o público infanto-juvenil com uma
linguagem direta e criatividade intensa na representação de onomatopeias, em especial. Trazem vários
personagens como a Mônica, o Cebolinha, o Cascão, a Magali, o Chico Bento e outros.
primeiras nos levaram a pensar como esse recurso linguístico é representado nas HQ. Para
isso, utilizamos os estudos distendidos por duas ciências da linguagem: a ciência da
linguagem verbal, a Linguística, e a ciência da linguagem não-verbal, a Semiótica 4 .

Certamente, as HQ, estão carregadas desse recurso, pois eles cumprem o papel de uma
espécie de “trilha sonora” (AIZEN, 1970, p. 289): representações linguísticas de sons e ruídos
que, associadas ao sistema semiótico não-verbal, constitui, hoje, uma forte característica de
muitas HQ. É o elemento que favorece a construção de uma movimentação, expressividade e
sonoridade das imagens e que nem sempre se encaixavam dentro dos diálogos: o bater da
porta, o tiro da arma de fogo, o soco do personagem, etc. De acordo com Cunha (2000, p.
561), onom (a) é o elemento composto do grego ónoma-tos que significa “nome”, do baixo
latim onomatopoeia, derivado do grego onomatopoiía, sendo a ação de imitar uma palavra por
imitação do som ou simplesmente, criação de palavras. A palavra é assim formada, buááá
(para representar o choro), spak spak spak (para representar o barulho de balas atingindo
alguma coisa), cuco! cuco! (para representar o ruído do relógio).

2.1. A onomatopeia e a Linguística

No que tange a linguagem verbal, a onomatopeia definida na Linguística, é concebida por


diferentes linguistas e, consequentemente, diferentes abordagens. Mas é nos estudos de
Saussure, que se configura a sua gênese. De acordo com os preceitos saussurianos, o signo
linguístico não estabelece relação entre uma coisa e uma palavra, mas entre um conceito
(significado) e uma imagem acústica (significante), como explica o autor:

O laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que


entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um
significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é arbitrário.
Assim, a idéia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à seqüência de
sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem
por outra seqüência, não importa qual (...) (COURS, 2006, p. 81-82).

3
Verificamos, no entanto, que há poucos estudos que se preocupam com a questão das onomatopeias nas HQ.
Dentre eles, apontamos para o trabalho de Aizen (1970), Cirne (1977), Bibe-Luyten (1985), Ramos (2009) e
Calil (2008). Este último, além de abordar a onomatopeia nas HQ da Turma da Mônica, faz um estudo
sistemático das onomatopeias utilizadas por duas crianças quando escrevem uma história inventada.
4
No entanto, não trataremos nesse trabalho, das oposições que certamente perpassam essas duas teorias.
Focalizaremos nosso olhar nas relações de semelhança entre as duas no âmbito da representação da onomatopeia
nas HQ da Turma da Mônica.
O princípio fundamental da arbitrariedade do signo domina toda a linguística da língua; suas
consequências são inúmeras. De acordo com Saussure, “arbitrário” quer dizer que o
significante não possui nenhum vínculo natural com a realidade. Podemos dizer, então, que o
significante é “imotivado” em relação ao significado. É nesse sentido que se discute a questão
das onomatopeias e das exclamações, pois, pode-se dizer que as onomatopeias são motivadas,
o que Saussure contesta, distinguindo alguns pontos:

1) as onomatopeias, como uma “imitação aproximativa” de ruídos, são criados a partir de sons
vocais padronizados na língua, portanto, são convencionais (por exemplo, o francês ouaoua e
o alemão wauwau) 5 ;

2) as onomatopeias tendem a adquirir características dos demais signos à medida que se


integram ao léxico da língua, sofrendo, por exemplo, alterações fonéticas, morfológicas:
“prova evidente de que perderam algo de seu caráter primeiro para adquirir o do signo
linguístico em geral, que é imotivado”;

3) as onomatopeias tornam-se de importância secundária, já que se apresentam um número


bem reduzido na língua.

Essas conclusões do mestre genebrino acerca da natureza das onomatopeias não enfraquecem
o seu caráter convencional, mas diz respeito ao enlace entre som-sentido dependente de
fatores nitidamente culturais e não universais. Consideramos que a motivação existe, mas não
é tão universal para destituir o arbitrário do signo, ainda que, no seio de uma cultura, a
motivação onomatopaica, em sua criação, seja maior para signos como mesa e cadeira. Na
língua inglesa, por exemplo, inúmeros verbos que se aproximam do ruído representado sendo
utilizados amplamente nas HQ, como nos verbos, “to knock” “to click” que dá origem às
onomatopeias “KNOKK!” e “CLIC”.

A onomatopeia, segundo Ullman (1964), pode ser usada tanto como “artifício estilístico”
quanto semântico. No recurso estilístico, o seu efeito baseia-se não tanto nas palavras
individuais como numa judiciosa combinação e modulação de valores sonoros que podem ser
reforçados por fatores como a aliteração, o ritmo, a assonância e a rima. Já o semântico
baseia-se na qualidade onomatopaica das palavras. Nesse campo, o autor faz uma distinção
entre a onomatopeia primária e a onomatopeia secundária. A onomatopeia primária é a
imitação do som pelo som, é o verdadeiro “eco do sentido” 6 , em que o próprio referente é

5
Elas variam de país a país, na medida em que diferentes culturas representam os sons de acordo com o idioma
utilizado para sua comunicação (VERGUEIRO, 2007, p. 62).
6
Pope se refere no seu Essay on Criticism.
uma experiência acústica, mais ou menos rigorosamente imitada pela estrutura fonética da
palavra. As palavras buzz (zumbir), crack (rachar), growl (rosnar), hum (murmurar),
pertencem a essa categoria. Algumas dessas palavras deram origem, nas HQ, às
onomatopeias: ZZZZ, GRR!! e HUM!.

Na onomatopeia secundária, o som evoca um movimento e não uma experiência acústica, tais
como dither (hesitar), quiver (tremer), ou qualquer qualidade física ou moral, geralmente
desfavorável, gloom (melancolia), grumpy (irritado).
Além da distinção entre a onomatopeia primária e secundária, Ullman, comenta o processo de
formação da onomatopeia mediante a alternância vocálica e a reduplicação. Na instância da
alternância vocálica, ao substituir uma vogal por outra, podem exprimir-se ruídos diferentes:
snip – snap (rasgar – estalar), sniff – snuff (sorver – fungar), flip – flap – flop (bater de um
lado para outro). Isto pode acontecer também na onomatopeia secundária, como no binário
gleam – gloom (cintilação – trevas). Analogamente a esta tendência, segundo o autor, está a
reduplicação das palavras e frases, como em riff – raff (gentalha), tit for tat (olho por olho), o
francês cahincaha (assim-assim), et patati et patata (e assim por diante). A alternância
vocálica desempenha um papel importante nas formas puramente imitativas e interjecionais
que estão nos confins da linguagem organizada: tick – tock (tic-tac), click – clack (clic-clac),
pit-a-pat (tic-tic), ding-dong; em francês pif – paf (zás-trás). E, acrescenta ainda, que também
há as alternâncias de consoantes iniciais, como em helter – skelter (precipitadamente), roly –
poly (rechonchudo).

Na definição desses dois expoentes linguistas, verificamos que apesar de Saussure conceber
um aspecto fundante da língua, a saber, a arbitrariedade do signo e o aspecto motivacional das
palavras, o mestre genebrino deixa um vácuo no aspecto formador da palavra. Já Ullman, a
partir da reflexão de Saussure, avança e contempla tanto a definição – incorporando conceitos
da fonética, da morfologia e da semântica –, como o processo formador da palavra, sustentado
na propriedade reduplicativa da onomatopeia. Veremos, a partir de agora, como a linguagem
não-verbal se relaciona com a onomatopeia.

2.2. A onomatopeia e a Semiótica

Certamente, a definição da onomatopeia não está na Semiótica, mas a sua representação no


gênero específico das HQ requer um enfoque mais abrangente. Segundo Santaella,
O nosso estar-no-mundo, como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma
rede intricada e plural de linguagem, isto é, que nos comunicamos também através
da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças,
movimentos, que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de
linhas, traços, cores... Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através de
imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons musicais,
gestos, expressões, cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do apalpar. Somos uma
espécie animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos
constituem com seres simbólicos, isto é, seres de linguagem. (SANTAELLA,
2004, p. 10)

É a leitura das formas, dos movimentos, do olhar, dos sinais, dos sons, dos gestos, das
expressões, das linhas, dos traços e cores apontados por Santaella que nas HQ a leitura das
imagens garante os sentidos do texto verbal. Cabe destacar, dessa forma, que nas HQ existe
uma articulação intrínseca entre o texto verbal e o não-verbal. Nesse sentido, as onomatopeias
surgem transitando entre o linguístico e o semiótico.
Podemos até ser ousados e dizer que a onomatopeia rompe as fronteiras entre o que é
linguístico e o que é imagético. Mas, indagamos: como esse fenômeno pode oscilar entre uma
teoria e outra? Veremos, na figura abaixo, como geralmente esse recurso é utilizado nas HQ
da Turma da Mônica.

Figura 1: “POF” 7

Na representação de “POF”, verificamos traços que contornam a onomatopeia e fumacinhas


ao seu redor. Esses elementos visuais são conhecidos como metáfora visual e indica
intensidade das ações dos personagens, nesse caso, o efeito de sentido recai sobre o ruído de
uma pancada. Segundo Vergueiro (2007, p. 54), a metáfora visual possibilita um rápido
entendimento da idéia que se quer transmitir.

É comum surgir uma lâmpada acesa dentro de um balão-pensamento localizado acima da


cabeça do personagem, representando uma ideia recém-pensada; bombas, pregos, caveiras,
línguas de fogo, ilustrados no lugar de insultos e estrelas, redemoinhos, passarinhos quando
algum personagem leva uma pancada na cabeça. Além dessa representação, amplamente

7
Quadrinho retirado da revista Turma da Mônica em Lostinho – Perdidinhos nos Quadrinhos. São Paulo: Panini
Comics, 2007, p.21.
utilizada nas HQ, as metáforas visuais também são integradas as onomatopeias, pois é comum
encontrá-las escritas com letras grandes e preenchidas com cores intensas, ou letras pequenas
e incorporadas ao texto do balão, ou ainda, em negrito, tremidas ou rajadas.

A representação das onomatopéias pode estar dentro ou fora dos balões. Nas duas situações, o
aspecto visual da letra utilizada pode indicar expressividades diferentes. Sua cor, tamanho,
formato e até prolongamento adquirem valores expressivos distintos dentro do contexto em
que é produzida (RAMOS, 2009, p. 81) e, acrescenta o autor, podem ocorrer casos em que a
onomatopeia tenha dupla função: representa o som ao mesmo tempo em que sugere
movimento, atuando como linha cinética. Segundo Calil (2008), trata-se de uma combinação
necessária neste tipo de gênero literário em que o diálogo entre personagens é central na
construção do texto associado à imagem e a voz de um narrador é rara.

Acreditamos que o que se tem nas HQ, na verdade, é “uma dissolução de fronteiras entre
visualidade e sonoridade, dissolução que se exacerba a um ponto tal que, no universo digital
do som e da imagem, não há mais diferenças em seus modos de formar, mas só nos seus
modos de aparição, isto é, na maneira como se apresentam para os sentidos” (SANTAELLA
& NÖTH, 1999, p. 91).

3. Metodologia

Trabalhamos com a hipótese de que a intensa presença da onomatopéia em HQ da Turma da


Mônica poderia interferir no processo de escritura de alunos das séries iniciais. Para
observamos se esse recurso estaria presente em manuscritos escolares, oferecemos aos alunos
do 2º ano de uma escola municipal de Maceió, 12 propostas de produção de HQ da Turma da
Mônica, na qual retiramos todas as marcas linguísticas, pedindo para que eles escrevessem
tudo o que achavam que estava faltando e que pudesse deixar a história mais “engraçada”.
Essas propostas fazem parte do projeto didático 8 “Gibi na Sala” desenvolvido para apoiar
didaticamente a execução dessa pesquisa.

8
A metodologia de coleta de dados segue o que propõe Calil (2008b) ao vincular as práticas de textualização e
os processos de escritura em ato a um projeto didático que tem como ponto de partida a imersão dos alunos no
gênero discursivo eleito e a interferência nas práticas didáticas desenvolvidas pela escola.
A aplicação foi dividida em três momentos simultâneos, a saber, a leitura dos gibis
pertencentes à gibiteca 9 , que disponibilizamos para uso diário na sala de aula à medida que os
alunos manifestassem interesse pela leitura e recebessem estímulos da professora para leitura
coletiva; a efetivação das propostas de atividades de leitura e interpretação, conduzidas pela
professora e a efetivação das propostas de criação. As atividades de leitura e a gestão da
gibiteca ficaram sob a responsabilidade da professora, não sendo possível precisar como foi
realizada cada atividade. No entanto, acompanhamos a efetivação de todas as propostas de
criação textual, que totalizam 144 manuscritos em que aparecem onomatopeia, interjeição e
metáfora visual.

Para analisar as onomatopeias e sua possível relação com as metáforas visuais presentes nos
manuscritos escolares, contabilizamos e tabelamos as incidências.

4. As onomatopeias e as metáforas visuais nos manuscritos escolares

As HQ são criadas na relação entre dois sistemas semióticos distintos – verbal e o não-verbal,
e dentre os vários recursos linguísticos que a constitui, traz dois elementos importantes que
nos ajudam a interpretar as ações dos personagens, a saber, a onomatopeia e a metáfora
visual. É comum a onomatopeia se constituir entrelaçada com a metáfora visual, em que uma
intensifica o efeito da outra. Ambas estão inerentes à ação, apresentando forte relação entre
texto e imagem.

Nos manuscritos escolares, as onomatopeias e as metáforas visuais são conjugadas em três


momentos distintos: a) quando a própria HQ traz metáfora visual e os alunos criam
onomatopéias para representá-la; b) quando os alunos criam metáforas visuais, e c) quando os
alunos criam onomatopeias e metáforas visuais simultaneamente. Comecemos a análise, com
objetivo de verificar essas matizes.

No primeiro momento, as doze HQ da Turma da Mônica, selecionadas e editadas para


constituírem nosso projeto didático, apresentam inúmeras metáforas visuais. Dentre elas,
estão as estrelinhas e poeiras que representam pancadas; as estrelinhas, redemoinhos e poeiras
representando dor e raiva; poeiras atrás dos personagens representando movimento; lágrimas
e notas musicais, representando respectivamente, choro e sons musicais, enfim, são utilizados

9
A gibiteca continha 40 gibis da Turma da Mônica. No total, durante a efetivação do projeto, disponibilizamos 2
gibitecas.
inúmeros signos icônicos para representar sentimento e movimento dos personagens. Adiante,
apontaremos algumas atividades em que a incidência da onomatopeia, criada pelos alunos,
está atrelada à metáfora visual.

O enlace entre esses dois recursos linguísticos estão presentes em todas as atividades, mas são
enfatizados nas HQ 003, 005, 006 e 007. Focalizamos nossa análise nessas quatro narrativas.

A terceira atividade foi realizada individualmente e conta com 18 manuscritos escolares. A


HQ utilizada para essa criação textual é formada por seis quadrinhos. Nos dois últimos há
duas metáforas visuais que representam pancadas e dor, constituídas por fumacinhas e
estrelinhas, respectivamente. No 5º Q 10 , a onomatopeia foi representada em dez dos
manuscritos. Nela, verificamos onze onomatopeias, como demonstra a tabela abaixo:

Tabela 1: Presença da onomatopeia no 5º Q e sua representação

Onomatopeia Representação

“POFi” Com letras em bastão e cursiva, dentro da metáfora visual

“Bum” Com letras cursivas, dentro da metáfora visual

“PuP” Com letras em bastão e cursiva, acima da metáfora visual

“POF”/”BUM” Com letras em bastão, dentro da metáfora visual

“Baqui Baqui” Com letras em bastão e cursiva, dentro da metáfora visual

“Púfu Pufé” Com letras cursivas, acima da metáfora visual

“Bum” Com letras cursivas, dentro da metáfora visual

Com letras em bastão, ao lado da metáfora visual, dentro de uma espécie de balão
“PH”
onomatopaico

“POF” Com letras grandes em bastão, dentro da metáfora visual

“POFo” Com letras em bastão e cursiva, dentro da metáfora visual

As onomatopeias “POF” e “BUM”, comumente encontradas nas HQ da Turma da Mônica,


são as que mais se repetem, totalizando quatro e três incidências, respectivamente,
diferenciando-se apenas na ortografia. Dentre essas onomatopeias, apontamos para a criação
da forma “Baqui Baqui” que, além de fazer referência com a imagem, aponta para o processo

10
Utilizaremos, a partir desse momento, a letra “Q” para representar a palavra “quadrinho”.
de formação das onomatopeias pautada na reduplicação11 . Essa reduplicação provoca a
sensação de intensidade e continuidade do ruído. Nessas representações, três incidências
conduzem, no mínimo, para uma curiosidade: são escritas acima da metáfora visual e ao lado
dela. A que se deve a essa incidência? Supomos que os alunos acreditem que a onomatopeia e
a metáfora visual sejam dois recursos linguísticos distintos e que um não faz referência ao
outro, ou seja, são dois recursos que representam sentidos diferentes e não podem ser
concebidos conjuntamente.

No 6º Q, surge o segundo momento, em que os alunos criam as metáforas visuais.


Verificamos que duas alunas escrevem, acima da cabeça do Cebolinha, estrelinhas,
intensificando, talvez, a dor do personagem representada pela própria HQ.

Analisaremos, a partir de agora, a atividade 005, realizada em díade e que resultou em onze
manuscritos escolares. A história é constituída por nove quadrinhos e gira em torno do
brinquedo inusitado que o Cebolinha presenteia a Mônica, a saber, um bumerangue. Nela,
foram produzidas 30 onomatopeias. Desse total verificamos que as maiores incidências estão
nos quadrinhos que apresentam as metáforas visuais de pancadas e dor, a saber, nos 8º e 9º Q.
No 8º Q, primeiramente, a onomatopeia foi representada em todos os manuscritos. Nela,
verificamos onze onomatopeias, como demonstra a tabela abaixo:

Tabela 2: Presença da onomatopeia no 8º Q e sua representação

Onomatopeia Representação
“POFE” Com letras garrafais e dentro da metáfora visual

“Pof” Com letras cursivas e pequenas, localizada acima da metáfora visual

“PF” Com letras em bastão e grande localizada dentro da metáfora visual

“Fut” Com letras cursivas e grandes, localizada dentro da metáfora visual

Com letras em bastão e grande localizada dentro da metáfora visual. Dentro de um


“TA TA”
balão-fala

“PUF” Com letras garrafais e dentro da metáfora visual

“Bum” Com letras cursivas e pequenas, localizada dentro da metáfora visual

“Pur Fir” Com letras cursivas e pequenas, localizada dentro da metáfora visual

“POF” Com letras garrafais e dentro da metáfora visual

11
Segundo Bechara (2005, p. 370), reduplicação consiste na repetição de vogal ou consoante, acompanhada
quase sempre de alternância vocálica, para formar uma palavra imitativa.
Com letras em bastão e pequena localizada dentro da metáfora visual, dentro de um
“BOF”
coração

“POFI” Com letras garrafais e dentro da metáfora visual

Dessas representações, apenas a onomatopeia “Pof” está localizada acima da metáfora visual.
As demais estão localizadas no interior da metáfora. Apesar das diferentes representações, o
valor semântico da pancada é estabelecido em todas as ocorrências.

Nesses manuscritos, a onomatopeia foi encontrada nos três momentos descritos


anteriormente: a) na criação da onomatopeia dentro da metáfora visual da própria HQ; b) na
criação de metáforas visuais e, c) na criação de onomatopeias e metáforas visuais
concomitantemente. Encontramos em apenas um manuscrito essas três representações.

No 9º Q, a cena evidencia as expressões faciais dos personagens Mônica e Cebolinha,


representando, respectivamente, dor e satisfação, intensificada pelas metáforas visuais
localizadas acima da cabeça da Mônica e pelas linhas cinéticas 12 localizadas ao redor do
Cebolinha. Nesse quadrinho, encontramos nove onomatopéias. Observe a tabela abaixo.

Tabela 3: Presença da onomatopeia no 9º Q e sua representação

Onomatopeia Representação

“arrarara” Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala localizado distante do


personagem
Com letras cursivas e grandes, dentro de uma espécie de balão-fala, sem apêndice,
“Pufi”
localizado acima da cabeça da Mônica
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“RARARA”
para Cebolinha

“ririr” Com letras cursivas e pequenas, localizada acima da cabeça do Cebolinha

“riri” Com letras cursivas e pequenas, localizada acima da cabeça do Cebolinha

Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-pensamento localizado acima da


“traque”
cabeça da Mônica. Há, também, uma estrelinha acima do balão

“RA RA RA” Com letras em bastão e pequena, localizada na linha do requadro

Com letras em bastão e pequena, dentro do balão-fala com o apêndice apontado


“HA, HA, HA”
para o Cebolinha

12
Esse contorno que ajuda a compor a metáfora visual é conhecido como linha cinética, que “são aqueles
famosos risquinhos que indicam movimento. São eles que representam a trajetória de um objeto ou do próprio
personagem” (CARVALHO, 2006, p. 45).
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala com o apêndice apontado para
“riri”
Mônica

Das nove representações, as risadas surgem com maior frequência e apenas duas “Pufi” e
“traque”, são diferentes no campo semântico. Ambas indicam pancadas e estão inscritas
acima da Mônica. A maior parte das letras (67%) são cursivas e pequenas, diferenciando-se
da representação nas HQ da Turma da Mônica.

A sexta atividade foi realizada em díade e resultou em onze manuscritos escolares. A história
é constituída por oito quadrinhos e as cenas mostram Cebolinha com sua irmã Mariazinha.
Nela, foram produzidas 42 onomatopeias em todos os manuscritos.

Os quadrinhos em que os personagens, Mariazinha e Cebolinha (2º, 3º, 4º e 8º Q), estão


chorando são os que mais emergem onomatopéias. Ao todo, são trinta onomatopeias criadas
para representar o choro. Dessas, dezoito são diferentes. No 4º Q, além de ser representada as
lágrimas da Mariazinha, constam notas musicais acima da cabeça do Cebolinha, indicando
que, possivelmente, está cantando.

Dos três momentos que estamos priorizando nessa análise, apenas o primeiro se inscreve
nessa HQ, no qual os alunos representam onomatopeias de acordo com a metáfora visual já
oferecida pela própria HQ. Nesse caso, são as lágrimas dos personagens e sua expressão que
podem motivar a representação das onomatopeias de choro. Observe a tabela abaixo com as
incidências encontradas.

Tabela 5: Presença da onomatopeia de choro na HQ 006

Onomatopeia Representação

“UAAA AAA AAA” Com letras em bastão e pequena, dentro do balão-onomatopaico, localizado
acima da cabeça da Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-onomatopaico, localizado ao
“in in”
lado da Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-onomatopaico, localizado
“oR oR oR oR”
acima da cabeça da Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-onomatopaico, localizada
“Rni Rni”
acima da cabeça do Cebolinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-onomatopaico, localizada
“eR eR eR eR”
acima da cabeça do Cebolinha

Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado


“uenuen”
para Mariazinha

Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado


“anranan”
para Cebolinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“He”
para Mariazinha
Com letras em bastão e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice
“AAAAAAAAAAAA!!”
apontado para Cebolinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“oem oem oem”
para Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“um um um”
para Cebolinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“uhem uhem”
para Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“uem uem”
para Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“am”
para Cebolinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“uan”
para Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“en en en en”
para Cebolinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“ééé ééé”
para Mariazinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, localizado acima da
“u”
cabeça da Mariazinha

Verificamos que a maior parte das onomatopeias criadas são formadas por uma das
propriedades constitutivas da onomatopeia, a saber, a reduplicação, em que são consideradas a
repetição tanto de consoantes ou vogais como de sílabas. Como já apontadas por Ullman
(1964).

Por fim, analisaremos a sétima atividade, que resultou em doze manuscritos escolares. A
história é constituída por quatro quadrinhos e giram entorno dos personagens Louco e
Cebolinha. Nele, foram produzidas 17 onomatopeias em nove manuscritos.

As maiores incidências encontram-se nos 2º e 4º Q, em que surge a metáfora visual da


máquina tirando foto (uma nuvem acima da máquina), no 2º Q, e o redemoinho acima da
cabeça do Cebolinha, indicando que o personagem está furioso, no 4º Q.

Nesses manuscritos, a onomatopeia foi encontrada em dois dos momentos descritos


anteriormente: a) na criação da onomatopeia dentro da metáfora visual da própria HQ,
sobretudo no 2º Q; e, b) na criação de metáforas visuais, no 4º Q. Observe a tabela abaixo
com as incidências encontradas.
Tabela 6: Presença da onomatopeia no 2º Q da atividade 007

Onomatopeia Representação

“toQui” Com letras cursivas e pequenas, dentro da metáfora visual

Com letras em bastão e pequena, dentro do balão-onomatopaico, localizado


“POF”
acima da cabeça do Cebolinha

“ti Put” Com letras cursivas e pequenas, dentro da metáfora visual

Com letras em bastão e pequena, dentro do balão-fala, com o apêndice


“HA”
apontado para o Louco
Com letras em bastão e pequena, dentro do balão-fala, com o apêndice
“HI”
apontado para o Cebolinha

Com letras cursivas e pequenas, dentro da metáfora visual, com o apêndice


“traqui”
saindo da metáfora visual

“pu Traq” Com letras cursivas e pequenas, dentro da metáfora visual

“TAK” Com letras em bastão e pequena, dentro da metáfora visual

“sti” Com letras cursivas e pequenas, dentro da metáfora visual

Com letras em bastão e pequena, dentro do balão-fala, com o apêndice


“PUF”
apontado para a máquina

Verificamos que são escritas dez onomatopeias diferentes, seis dela estão localizadas dentro
da metáfora visual e, as demais, estão no balão-fala apontados para a máquina. Apontamos
que, apenas três dessas incidências foram escritas com letras em bastão, como são utilizadas
nas HQ. Já no 4º Q, surgem onomatopeias e, com intensidade, a criação de metáfora visual
para representar o personagem furioso. Observe a tabela abaixo.

Tabela 7: Presença da onomatopeia no 4º Q da atividade 007

Onomatopeia Representação

“Ru Ru Ru” Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-onomatopaico, localizado


acima da cabeça do Cebolinha
Com letras em bastão e pequena, dentro do balão-pensamento, localizado acima
“HAR”
da cabeça do Cebolinha
Com letras cursivas e pequenas, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“um um”
para o Cebolinha
Com letras em bastão e grande, dentro do balão-fala, com o apêndice apontado
“HA, HA, HA, HA”
para o Cebolinha
No 4º Q, a cena mostra Cebolinha furioso segurando a foto de uma cebola, nele, há duas
ocorrências diferentes: a primeira se refere aos ruídos que representam raiva como em “Ru Ru
Ru”, “HAR”, “um um” e “HA, HA, HA, HA”, e a segunda se refere a uma intensa presença
de metáforas visuais de xingamento escritas pelos alunos que são encontrados em três
manuscritos.

5. Considerações Finais

Nesse trabalho, discutimos a querela da onomatopeia em quatro ambientes distintos: na


linguística, na semiótica, nas HQ da Turma da Mônica e nas produções escritas dos alunos.
Vimos que a união entre as duas ciências da linguagem é efetivada pela onomatopeia
conjugada com as metáforas visuais e que os efeitos de sentido desses dois recursos
linguísticos são assegurados pelo encadeamento das imagens incluindo, as expressões e os
aspectos gráfico-visuais de cada ação representada. Apontamos, também, que a onomatopeia
se constitui através de duas características gerais, tanto nas HQ da Turma da Mônica quanto
nas produções criadas pelos alunos: pelo processo de reduplicação e alternância vocálica e
consonântica, e pela sua forma de representação, sustentada na composição (tipo de letra,
traço cheio, letras grandes e localização).

6. Referências Bibliográficas

AIZEN, Naumin. Onomatopéias nas histórias em quadrinhos. In: MOYA, Álvaro de.
Shazam! São Paulo: Perspectiva, 1970.

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna,


2005.

BIBE-LUYTEN, Sônia M. O que é histórias em quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, 1985.

CALIL, Eduardo. Cadernos de histórias: o que se repete em manuscritos de uma criança de 6


anos? In: A. C. Gomez (dir.) y V. S. Blas (ed.). Mis primeros pasos. Alfabetización, escuela
y usos cotidianos de la escritura (siglos XIX y XX), Gijón: TREA, 2008.

CARVALHO, DJota. A educação está no gibi. Campinas, São Paulo: Papirus, 2006.

CIRNE, Moacy. Bum! A explosão criativa dos quadrinhos. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1977.
CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000

RAMOS, Paulo. A linguagem dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2004.

SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 2 ed. São
Paulo: Iluminuras, 1999.

SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, ([1916] 2006).

ULLMAN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. 2 ed. Lisboa:


Fundação Calouste Gulbenkian, 1964.

VERGUEIRO, W. Uso das HQs no ensino. In: BARBOSA, Alexandre. Como usar as
Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula. Alexandre Barbosa, et al. São Paulo: Contexto,
2007.

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