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MUSEU NACIONAL
MARCIO GOLDMAN
DA PESSOA NO CANDOMBLÉ
RIO DE JANEIRO
1984
MARCIO GOLDMAN
DA PESSOA NO CANDOMBLÉ
Programa de Pós-Graduação em
Janeiro.
RIO DE JANEIRO
1984
RESUMO
teórica com que foram propostas me faz lamentar que este trabalho
não faça, nem de perto, justiça ao que ele me ensinou.
Finalmente, há alguém que, ao lado das instituições citadas,
também contribuiu materialmente para este trabalho; que, junto às
pessoas mencionadas, me ajudou a entender a Antropologia e o
próprio pensamento teórico; que, melhor do que eu, captou junto
aos informantes o sentido do Candomblé. Por tudo isso, eu deveria
também agradecer a ela. Mas porque ela me ofereceu muito mais do
que isso, este trabalho é a ela dedicado.
Para Tânia, portanto.
APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO
Kuba ki kutexi ê,
Kuenda ki kujimbirilê1
está apenas esboçada, mas creio que esta dissertação só pode ser
compreendida se este pressuposto for levado em consideração. Caso
contrário, correrá o risco de ser julgada não pelo que pretende
ser, mas pelo que “deveria” ter feito, o que não seria muito justo
ou proveitoso.
Sendo assim, e embora a influência da obra de Lévi-Strauss
seja aqui evidente, seria errôneo, e mesmo, até certo ponto,
ridículo, rotular como “estruturalista” este trabalho. Ele se
situa muitíssimo aquém de uma tal ambição e visa simplesmente
esclarecer, do ponto de vista da Antropologia, a questão do êxtase
religioso, e, ao mesmo tempo, utilizar as manifestações concretas
do transe para repensar algumas questões chaves da Antropologia.
Eis tudo.
Estas colocações explicam, creio, o plano concreto desta
dissertação que procura seguir o mais próximo possível a ordem de
constituição de minhas hipóteses acerca do fenômeno investigado. O
primeiro capítulo é uma resenha, bastante abrangente, das
diferentes teorias antropológicas a respeito da possessão. O
recorte foi conscientemente efetuado em termos de “escolas” do
pensamento antropológico, colocadas segundo uma ordenação
histórica simples. Esta perspectiva, ainda que tenha alguns
inconvenientes, serviu para isolar os temas básicos que têm, de
Tylor a Luc de Heusch, direcionado os estudos antropológicos sobre
o êxtase religioso em suas diferentes formas de manifestação.
A partir da caracterização de duas vertentes básicas de
explicação — uma “medicalizante” e outra “sociologizante” — o
segundo capítulo procura investigar se e como estes dois modelos
se manifestam no caso das análises acerca do transe nos chamados
cultos afro-brasileiros. Constatando que estas análises
correspondem exatamente às teorias mais gerais sobre o fenômeno,
uma tentativa de crítica é elaborada, crítica que leva a precisar
o tipo de abordagem que se pretende adotar bem como o alvo visado.
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Isto significa que estes dois primeiros capítulos não são nem uma
análise de “campo intelectual”, nem uma simples “história das
idéias”, nem mesmo uma “arqueologia” desta área do saber. Trata-se
apenas de, através de uma leitura crítica de autores clássicos
(que me parece imprescindível numa dissertação de Mestrado),
determinar o objeto teórico a ser investigado e o tipo de análise
a ser utilizado em tal investigação2.
Mas para que a análise teórica, esboçada no Capítulo IV,
ficasse clara e pudesse ser compreendida, o terceiro capítulo teve
de ser elaborado para fornecer os dados essenciais a partir dos
quais foram formuladas as hipóteses do capítulo seguinte. Não se
trata portanto — e este ponto é importante — de uma etnografia,
mas do que se poderia chamar um “esquema etnográfico” visando
ilustrar uma análise teórica. Os dados aí utilizados foram
coletados basicamente no Ilê de Obaluaiê porque, como já foi dito,
o material doutrinário daí proveniente é mais abundante e rico em
detalhes. Acredito, apesar disto, que as conclusões teóricas
CAPÍTULO I
A POSSESSÃO NA ANTROPOLOGIA
1. Introdução
um. O que fazer então desta “unidade do eu”, tão cara ao Ocidente
e que tem na Grécia, sem dúvida, um de seus focos de origem? Como
aceitar que o “sujeito” possa se colocar fora do domínio de sua
consciência, sem enxergar aí uma manifestação de um estado
“selvagem”, de uma natureza maligna, ou mesmo a irrupção de um
processo patológico? O “energoumenos” grego, o “mente captus”
latino são decididamente colocados do lado da anormalidade, pois
constituem o signo visível de uma impossível, ou inaceitável,
transformação do homem em “outro” (cf. Foucault, 1979: 88).
As formas de êxtase reconhecidas como mais ou menos
legítimas no Ocidente, longe de questionarem essas constatações,
podem, ao contrário, reforçá-las. Pois, de um lado, o possesso
demoníaco está obviamente “fora de si”, “inconsciente”, as faltas
por ele cometidas neste estado não sendo consideradas pecados, e
sendo preciso “salvar sua alma”, ou seja, restituir a unidade
perdida de seu eu. Por outro lado, o místico cristão cuja alma
busca ascender até Deus encara sua trajetória ao mesmo tempo como
ascese e como “mergulho no interior de si”, já que é apenas aí —
São João da Cruz é claro sobre este ponto — que a verdadeira
unidade (com Deus) pode ser encontrada (cf. Saint-Joseph, 1948:
86-87).
A tradição cristã reunirá então as lições provenientes dos
dois universos paralelos, o judaico e o greco-latino. A vidência,
o desdobramento do eu, a possessão, serão codificados sob o signo
do demoníaco e constituirão, ao mesmo tempo, um desafio e um
instrumento para os poderes da Igreja. Desafio porque é imperativo
dar combate, sem tréguas, às manifestações do demônio no mundo;
instrumento porque através deste combate a vontade de Deus é
reafirmada perante os homens:
2. O Evolucionismo e a Possessão
4. Cultura e Possessão
ADORCISMO EXORCISMO
Xamanismo A Xamanismo B
(retorno da alma) (extração de uma presença estranha a si
mesmo)
Possessão A Possessão B
(injeção de uma nova (extração de uma alma estranha a si mesmo)
alma)
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CAPÍTULO II
A POSSESSÃO NO BRASIL
1. Introdução
2. As Explicações Médico-Psiquiátricas
Ou melhor ainda:
3. Os Modelos Sócio-Culturais
“Nossa interpretação da
plausibilidade da Umbanda, portanto, é que
ela expressa e ritualiza a ‘outra face’ do
capitalismo industrial no Brasil (...). A
Umbanda é plausível na medida em que as
relações particularistas que se estabelecem
com os espíritos na esperança de se obter
favores são homólogas às relações reais
estabelecidas para o benefício de pessoas
no sistema social vigente. Questiono, por
exemplo, se há uma grande diferença entre o
eleitor suplicante que promete seu voto em
troca de uma casa do BNH e um cliente da
Umbanda que faz um acordo com o espírito de
Exu para ganhar um emprego” (Fry, 1978:
45).
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