Você está na página 1de 5

CONSIDERAÇÔES INICIAIS

Pode-se dizer que o século XX é o século da grande virada epistemológica,


apresentando como fulcro a mudança de paradigmas advinda pela filosofia da
linguagem, oferecendo como principal responsável o filósofo Wittgenstein (1889-1951)1,
que por sua vez se espraia deixando marcas indeléveis nas chamadas ciências humanas.
Por conseguinte, a História será abalada em relação ao modo como os historiadores a
veem, ocasionando, desta maneira, uma transformação tanto conceitual como
metodológica. Destacamos a História Cultural como um ramo que se desmembra dos
moldes calcificados de se relacionar com os problemas que tal área do saber suscita.
Temos desse modo, um movimento que se contrapõe a esterilidade e aposta na criação
de novos vetores interpretativos usando a própria linguagem como ferramenta
transformacional.

Enquanto o século precedente configura-se como sendo um momento em que a


ideia de fixidez se fez presente encarnada no positivismo comtiano por acreditar que:
“[...] é no estado positivo que o espírito humano reconhece a impossibilidade de obter
noções absolutas. Assim, renuncia a indagar a origem e o destino do universo e a
conhecer as causas íntimas dos fenômenos (RIBEIRO, 2006, p.18)”, há, portanto, o
desvencilhamento de uma verdade absoluta, a de que a ciência deveria deixar de lado
tais princípios primeiros e se faz presente a crença nos dogmas propostos pela razão
instrumental incutida pelo positivismo.

Deste modo notamos que à aposta na cientificidade, movimento que se inicia


ainda no século XVII com o cartesianismo, passando pelo Iluminismo e pelo
Romantismo, é a matriz epistêmica do século XIX, século do chamado “fato científico”
onde as denominadas disciplinas seguiam na esteira da canaleta oferecida pelo espírito
científico. Novos paradigmas só são novos quando se contrapõe a pretéritos, e no caso
da insurreição proposta pela História Cultural temos o antagonismo como condição de
tal ruptura.

1
Quanto à quebra de paradigmas ocorridas na historiografia do século XX Peter Burke em sua obra O
que é a História Cultural no fornece a presente reflexão “Se houve um momento em que era possível, e
até mesmo normal, que os historiadores ignorassem Nietzsche ou Wittgenstein, ficou cada vez mais
difícil fugir às discussões sobre a relação problemática entre a linguagem e o mundo externo que ela antes
supostamente ‘refletia’. O espelho foi quebrado (BURKE, 2005, p.100)”.
A História cultural tem como principais antípodas o marxismo, com seu
materialismo histórico dialético firmado na ideia de luta de classes como força motriz e
mote de análise; do historicismo, bem como do já citado positivismo. Temos, portanto,
nesse período, “a efetivação da sociedade burguesa e a implantação do capitalismo
industrial (BORGES, 1993, p.35). Isto é posto com o intuito de nos fazer compreender
quais são os modelos de representação que a História Cultural, surgida no ocaso do
século XX, contrapõe. Outro movimento de ruptura de fundamental importância foi A
Escola do Annales.

Quanto a esta, A escola dos Annalles, BARROS afirma que:

Para se firmar como corrente historiográfica dominante na França, [...] os


fundadores e consolidadores do Annales precisaram estabelecer uma argunta
e impiedosa crítica da historiografia de seu tempo-particularmente daquela
historiografia que epitetaram de História Historizante ou de História
Eventual-buscando combater mais especialmente a da Escola Metódica
Francesa e certos setores mais conservadores do Historicismo. Os Annales
em busca de sua conquista territorial da História, precisavam ententar as
tendências historiográfica em tão dominantes[...] (BARROS, 2010 p.05).

É embrenhando nessa vereda, de se compreender como a virada histórica se


processa e quais seus fundamentos, que nos deparamos como o texto História &
História cultural da historiadora Sandra Pesavento. Pontuando que a História Cultural
tem seu ponto forte na década de 1990 do século XX e que tem raízes fincadas nos
movimentos culturais situados na década de 1960 e 1970 do mesmo século, como por
exemplo, o Maio de 1968 ocorrido na França e a Virada Linguística que mudaram, cada
uma a seu modo, o entendimento sobre o que seria a História. Como sabemos,
culturalmente a década de 1960 se apresenta como um momento ímpar quanto à
construção de identidades. Poderíamos apontar quanto a isto inúmeros exemplos, tais
como a ida do homem ao espaço, a guerra fria, o movimento hippie, bem como os
movimentos sociais que se contrapunham às guerras daquela década, com destaque à
Guerra do Vietnã.

DESENVOLVIMENTO

A História Cultural, portanto trata de distintos temas e variados objetos (talvez


por isso, sendo alvo de inúmeras críticas), e entre estes, as questões relativas às questões
identitárias e o elo entre identidade/território/memória. Ao tentar entender a tessitura
dos conceitos acima apontados e seu diálogo com a história cultural observamos que tal
entrelaçamento se faz presente, posto que a identidade só se efetua no âmbito de um
determinado território, seja ele simbólico ou imagético, que por sua vez configuram o
espaço vivencial produzido pelos agentes históricos.

É em uma conceitologia amparada num aporte que leve em consideração as


mudanças paradigmáticas quanto à ideia de identidade em um prisma que nos revela a
identidade como sendo uma construção humana que nosso discurso se dirigirá, nesse
momento a comtemplar a ideia de identidade atrelada ao território, e sua relação com a
memória, seja ela coletiva ou individual.

Claro que esse é um dado que beira a obviedade, mas nem sempre foi dessa
maneira, antes havia, assim como quanto a outros conceitos, ideias cristalizadas quando
nos propúnhamos a entendê-los. Dito de outro modo, a identidade é uma criação que
passa por um determinado crivo, tendo a interpretação como ponto crítico quanto a
construção de uma ideia.

Por conseguinte, a identidade pode ser estabelecida através da evocação de um


passado em comum, compartilhado por todos, em períodos históricos próprios. Desta
forma, a História pode então ser utilizada para a que determinadas identidades possam
ser legitimadas. Como principais exemplos de como a identidade pode ser partilhada,
temos os símbolos como bandeiras, hinos, mitos e heróis, que fundamentam tal
construção.

Assim, fazendo uma análise da realidade local, à luz da História Cultural, talvez
a ideia de identidade piauiense, respeite um determinado mote epistemológico que tenha
como fulcro a ideia de identidade como diferença e negação (sou piauiense, pois logo
não sou cearence ou maranhense), como uma territorialização, uma dada circunscrição
idearia que prime por uma perspectiva de caráter dual e por vezes reativa.

Ao sacudir as evidencias notamos que existe um espelhamento na visão de


Haesbaert (1999: 179), quando este demostra sua ideia de território e de sua relação
como a ideia de identidade, demostrando a ligação intrínseca quanto a estas. O fio que
estamos tencionando nesse ponto diz respeito não às ideias propostas pelo autor,
partindo de um espírito analítico partimos das partes do discurso do autor para tentar
transmutar nosso olhar quanto a ideia de construção de uma identidade. É tendo em
vista tal quebra de paradigma que a História Cultural se coloca, principalmente no que
diz respeito à noção de cultura expressa pelos pensadores que se debruçam sobre esta
corrente, posto que o conceito cultura se transmuta radicalmente, oferecendo novos
significados e novos vetores interpretativos, visto que se tudo que modifica com a
História Cultural não poderia ser diferente.

É na esteira de tais rupturas que Pesavento pontua que:

[...] pode-se dizer que a proposta da História Cultural seria, pois, decifrar a
realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar
àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram
a si próprios e o mundo. Torna-se claro que este é um processo complexo,
pois o historiador vai tentar a leitura dos códigos de um outro tempo, que
podem se mostrar, por vezes, incompreensíveis para ele, dados os filtros que
o passado interpõe.
Em Identidade e Diferença: Uma Introdução Teórica e Conceitual, Kathryn
Woodward nos apresenta uma discussão acerca de conceitos envolvendo questões
relacionadas à identidade e à diferença.....a identidade também está ligada a ideia de
diferença e negação. Logo, temos as relações identitárias entre os indivíduos como
problema disparador.
Destarte, símbolos podem estabelecer relações de diferença e identidade, tal
como no exemplo de um cigarro, que embora sirva para a mesma função (fumar), é
considerado diferente nas duas regiões em guerra (Sérvia e Croácia), exatamente por
carregar consigo características de uma dada identidade que se efetivam a partir da
representação deste objeto.
A partir do que a autora denomina de essencialismo, esta identidade pode ser
considerada fixa, isto é cristalizada, por padrões que não se alteram com o passar do
tempo, mantendo deste modo um núcleo perene no âmago de sua representação, ao
oposto do não essencialismo, que acredita na contingência desta.
Ao longo do texto notamos que autora aponta para o fato da identidade se
constituir a partir da diferença

Você também pode gostar