ICEx-Departamento de Matemática
A seguir aparece uma explicação sobre o contexto histórico onde surgiram os os números
de Catalan e um roteiro para chegar na fórmula explı́cita desses números.
Cada dupla deve fazer os exercı́cios e entender como chegar na fórmula explı́cita.
Durante a apresentação espera-se que os alunos expliquem o procedimento para chegar
na fórmula explı́cita. Podem usar slides ou qualquer outro material auxiliar.
1 História
Numa carta de 1751 a Christian Goldbach (1690–1764), Leonhard Euler (1707–1783) discute
o problema da contagem do número de triangulações de um polı́gono convexo. Euler, um dos
matemáticos mais prolı́ficos de todos os tempos e Goldbach, que era professor de matemática e
historiador em São Petersburgo e trabalhou depois como tutor para o Tzar Pedro II, trocaram
uma extensa correspondência, sobretudo sobre questões de matemática. Nesta carta, Euler
fornece um método para calcular o número de triangulações de um polı́gono que tem n lados
mas não fornece uma demonstração de seu método.
Este método, se correto, forneceria uma “fórmula”para calcular diretamente o número
de triangulações de um polı́gono de n lados [3, p. 339–350] [4]. Depois, Euler comunicou
este problema ao matemático húngaro Jan Andrej Segner (1704– 1777). Segner, que passou
a maior parte de sua carreira profissional na Alemanha (usando o nome alemão de Johann
Andreas von Segner), foi o primeiro professor de matemática na Universidade de Göttingen,
virando o chefe da seção em 1735. Segner “resolveu”o problema fornecendo um método
correto de calcular o número de triangulações de um polı́gono convexo de n lados, usando o
número de triangulações de polı́gonos com menos de n lados [8].
No entanto, este método não estabelecia se a fórmula de Euler era correta ou não. Segner
comunicou seu resultado a Euler em 1756 e na sua comunicação ele também calculou o
número de triangulações de polı́gonos de n lados para n = 1, 2, 3, . . . , 20 [8]. Curiosamente,
ele tinha feito erros aritméticos muito simples nos casos n = 15 e n = 20. Euler corrigiu esses
erros e verificou usando o método de Segner que sua fórmula fornecia o número correto de
triangulações até n = 25.
O método de Euler estava correto? Aparentemente sim, mas não temos prova disso.
O problema foi colocado como um desafio aberto aos matemáticos por Joseph Liouville
(1809–1882) no final da década de 1830. Ele recebeu soluções e supostas soluções deste
problema. Uma delas era do matemático belga Eugène Catalan (1814–1894) e estava correta,
mas não era tão elegante. Todas as soluções foram publicadas na revista de Liouville, uma
das mais importantes revistas de matemática naquele tempo e por várias décadas.
A solução mais elegante foi enviada por Gabriel Lamé (1795–1870) em 1838. O ma-
temático, engenheiro e fı́sico francês Gabriel Lamé foi educado na prestigiada École Polytéchnique
e depois na École des Mines [5, p. 601–602]. De 1832 a 1844 ele foi o director da seção de
fı́sica na École Polytéchnique e em 1843 entrou na Academia de Ciências de Paris na seção
de geometria. Ele teve contribuições nas áreas de geometria diferencial, teoria dos números,
termodinâmica e matemática aplicada. Entre suas publicações encontram-se livros texto de
fı́sica e artigos sobre transferência de calor, onde ele introduziu a técnica das coordenadas
curvilı́neas. Em 1851 ele foi nomeado professor de Fı́sica Matemática e Probabilidade na Uni-
versidade de Paris e renunciou onze anos depois, após ter ficado surdo. Gauss considerava
Lamé o principal matemático francês de seu tempo [5, p. 601–602].
A equação de Lamé (3), na parte II da seção 3, provavelmente seja a fórmula deduzida
por Euler, enquanto a equação de Lamé (1), na parte I da mesma seção, fornece uma relação
de recorrência para esses valores, que é bastante difı́cil de se resolver. A seguir, apreciaremos
a ingeniosa dedução da equação (3) a partir de (1) feita por Lamé.
2 Introdução
O problema da triangulação pode ser formulado como segue.
Dado um polı́gono convexo de n lados, dividir ele em triângulos usando diagonais que não
se interceptem.
Euler calculou o número Pn de triangulações distintas de um n-ágono convexo para al-
guns valores de n e conjecturou uma fórmula para Pn baseada numa análise empı́rica das
Pn+1
razões [3, p. 339-350] [4]. Lamé foi um dos primeiros a fornecer uma demonstração
Pn
combinatória da conjectura de Euler. Estudaremos essa demonstração neste projeto.
Para este projeto, usaremos polı́gonos convexos, ou seja, polı́gonos P com a propriedade
que se A e B são pontos em P , então o segmento de reta conectando A e B também está
contido em P . Suporemos também, para simplificar que P é um polı́gono regular, ou seja,
que todos seus lados e ângulos interiores são congruentes.
Exercı́cio 1.
Desenhe um polı́gono que seja convexo e um outro que não o seja.
Exercı́cio 2.
Explique por que P3 = 1.
Exercı́cio 3.
Para determinar P4 , considere as triangulações seguintes do quadrado A1 A2 A3 A4 .
Exercı́cio 5.
Seja A1 A2 A3 A4 A5 A6 um hexágono regular. Desenhe uma estratégia para calcular P6 usando
os resultados que obtivemos para o pentágono, o quadrado e o triângulo. Explique sua
abordagem. Qual é o valor de P6 ?
3.1 Parte I
Seja ABCDEF . . . um polı́gono convexo de n + 1 lados. Denotemos por Pk o número
total de decomposições de um polı́gono de k lados em triângulos. Um lado arbitrário AB
de ABCDEF . . . serve como base de um triângulo, em cada uma das Pn+1 decomposições
do polı́gono, e o triângulo terá seu vértice em C, ou D, ou F , .... Ao triângulo ABC
corresponderão Pn decomposições, a DBA, outro grupo de decomposições, representadas
pelo produto P3 Pn−1 ; a EBA o grupo P4 Pn−2 ; a F BA, P5 Pn−3 ; e assim sucesivamente, até o
triângulo ZAB, que vai pertencem ao grupo final Pn . Como todos esses grupos são distintos,
sua soma vai dar Pn+1 . Obtemos então
Pn+1 = Pn + P3 Pn−1 + P4 Pn−2 + P5 Pn−3 + · · · + Pn−3 P5 + P4 Pn−2 + Pn−1 P3 + Pn (1)
1
Veja Memoir of Segner (Novi Commentarii Acad. Petrop., vol. VII, p. 203). O autor achou a equação
(1) de M. Lamé; mas a dedução da fórmula (3) é muito mais simples. A fórmula (3) sem dúvida foi a
obtida por Euler. Ela é apresentada sem demonstração na página 14 do volume citado acima. A equivalência
das equações (1) e (3) não é simples de estabelecer. M. Terquem me propôs esse problema, chegando à
sua solução usando algumas propriedades dos fatoriais. Então divulguei o problema entre vários geómetras:
nenhum deles o resolveu; M. Lamé teve muito sucesso: não conheço outra solução tão elegante. J. Liouville
(Esta nota apareceu de fato no artigo.)
Exercı́cio 6.
Para n = 4, interprete a equação (1) acima para refazer o cálculo de P5 feito no exercı́cio 3.
Note que o termo P3 P3 aparece apenas uma vez em P5 .
Exercı́cio 7.
Para n = 5, interprete a equação (1) acima para refazer o cálculo de P6 feito no exercı́cio 4.
Exercı́cio 8.
Reescreva a equação (1) usando a notação de somatório. Você vai precisar usar a convenção
P2 = 1.
Exercı́cio 9.
Explique por que as triangulações nos grupos Pn , P3 Pn−1 , P4 Pn−2 , . . . , Pn−1 P3 , Pn são diferen-
tes.
Exercı́cio 10.
Cada triangulação de um polı́gono convexo de n + 1 lados aparece num dos grupos represen-
tados por Pn , P3 Pn−1 , P4 Pn−2 , . . . , Pn−1 P3 , Pn ? Por quê?
Exercı́cio 11.
Use (1) para calcular P10 . Que dificuldades você encontrou nesse cálculo?
Na primeira parte de sua carta, Lamé usa o triângulo A1 A2 Ak para dividir o polı́gono
A1 A2 A3 . . . An+1 em sub-polı́gonos. As triangulações dos sub-polı́gonos aparecem na relação
de recorrência para Pn+1 . Na parte 2, Lamé muda seu ponto de vista e usa a diagonal A1 Ak
para dividir o n-ágono A1 A2 A3 . . . An em sub-polı́gonos. Vamos analisar as consequências de
usar a diagonal no lugar do triângulo para dividir o polı́gono
Exercı́cio 12.
a) Considere o pentágono regular A1 A2 A3 A4 A5 . Usando a diagonal A1 A3 para dividir
o pentágono em duas partes, quantas triangulações do pentágono original podem ser
formadas? Chame de T1 o conjunto destas triangulações.
Exercı́cio 13.
Considere um hexágono regular A1 A2 A3 A4 A5 A6 . Sejam
b) Compare S6 e P6 .
Exercı́cio 14.
Considere agora o n-ágono regular A1 A2 A3 . . . An−1 An . Seja Ti o conjunto de todas as trian-
gulações do n-ágono que são formadas usando a diagonal A1 Ai+2 para i = 1, 2, 3, . . . , n − 3.
b) Compare Sn e Pn .
c) T1 e T2 são disjuntos?
3.2 Parte II
Continuemos a leitura da carta do Lamé.
Seja abcd . . . um polı́gono de n lados. A cada uma das n − 3 diagonais, que saem do
vértice a, corresponde um grupo de decomposições, para as quais esta diagonal serve como
o lado de dois triângulos adjacentes: à primeira diagonal ac corresponde o grupo P3 Pn−1 ; à
segunda ad corresponde P4 Pn−2 ; à terceira ae corresponde P5 Pn−3 e assim sucessivamente
até ax, que ocorrerá no grupo P3 Pn−1 .
Estes grupos não são totalmente diferentes, porque é fácil ver que algumas das decom-
posições parciais, pertencendo a um dos grupos, pertencerá também aos que o precedem.
Além disto, elas não incluem as decomposições parciais nas que o ponto a não é o extremo
de nenhuma diagonal.
Exercı́cio 15.
Na afirmação acima, a quais grupos se refere Lamé quando diz: ”Estes grupos não são
totalmente diferentes”? Qual notação temos usado para designar ”as diagonais saindo de
a”?
O procedimento de contagem de Lamé usando as diagonais conduziu a uma enumeração
de triangulações que não é injetora e que também não inclui todas as triangulações. Sua
genialidade foi alterar levemente sua estratégia para primeiro incluir todas as triangulações e
depois contar quantas vezes uma triangulação genérica ocorre. Combinado com o resultado
em (1), isto nos dará uma fórmula para Pn .
Exercı́cio 16.
Voltando ao pentágono A1 A2 A3 A4 A5 , lembremos que S5 conta, com certas repetições o
número de triangulações contendo as diagonais A1 A3 e A1 A4 .
Exercı́cio 17.
Seja T uma triangulação arbitrária do pentágono.
Justifique.
Exercı́cio 18.
(1) (2) (3) (4) (5) (6)
Para o hexágono, considere números S6 , S6 , S6 , S6 , S6 e S6 definidos de forma similar.
(1) (2)
Usando o número de vezes que uma triangulação genérica é contada na soma S6 + S6 +
(3) (4) (5) (6)
S6 + S6 + S6 + S6 , determine inteiros K e L tais que K · S5 = L · P5 . Justifique.
Exercı́cio 19.
Para um n-ágono regular, determine inteiros K e L tais que K · Sn = L · Pn , onde L indica
(1) (2) (n)
o número de vezes que uma triangulação fixada ocorre na contagem Sn + Sn + · · · + Sn .
Justifique.
Lamé continua.
Mas se fazemos o mesmo para todos os outros vértices do polı́gono e combinamos todas
as somas dos grupos desses vértices com sua soma total n(P3 Pn−1 + P4 Pn−2 + · · · + Pn−2 P4 +
Pn−1 P3 ), teremos certamente incluı́do todas as decomposições parciais de Pn ; cada uma delas
repetidas um certo número de vezes.
De fato, se imaginarmos uma decomposição arbitrária, ela conterá n − 2 triângulos, tendo
em total 3n − 6 lados. Se tirarmos deste valor os n lados do polı́gono, e pegamos a metade do
que sobrar, que é n − 3, teremos o número de diagonais que aparece na decomposição dada.
Agora, está claro que esta decomposição parcial está repetida, na soma total acima, tantas
vezes quantos extremos tenham estas diagonais, ou seja, 2n − 6 vezes, pois cada extremo é
um vértice do polı́gono a avaliando os grupos desses vértices, a diagonal fornece um grupo
incluindo a decomposição parcial particular que estamos considerando.
Portanto, como cada decomposição partial do grupo total Pn está repetida 2n − 6 vezes
em n(P3 Pn−1 +P4 Pn−2 +· · ·+Pn−2 P4 +Pn−1 P3 ), obteremos Pn dividindo esta soma por 2n−6
e vale
Referências
[1] Barnett J., Bezhanishvili G., Leung H., Lodder J., Pengelley D., Ranjan D., Tea-
ching Discrete Mathematics via Primary Historical Sources, http://www.math.nmsu.
edu/histprojects/.
[2] Barnett, J., Bezhanishvili, G., Leung, H., Lodder, J., Pengelley, D., Ranjan, D., His-
torical Projects in Discrete Mathematics and Computer Science in Resources for Tea-
ching Discrete Mathematics, Hopkins, B. (editor), Mathematical Association of America,
Washington, D.C., 2009.
[3] Euler, L., Leonhard Euler e Christian Goldbach, Briefwechsel 1729–1764, Juskevic, A.
P., Winter, E. (eds.), Akademie Verlag, Berlin, 1965.
[5] Gillispie, C. C., Holmes, F. L. (eds.) Dictionary of Scientific Biography, Vol. VII, Scribner,
New York, 1970.
[6] Koshy, T. Catalan Numbers with Applications Oxford University Press, New York, 2009.
[7] Lamé, G., Un polygone convexe étant donné, de combien de manières peut-on le partager
en triangles au moyen de diagonales?, Journal de Mathématiques Pures et Appliquées, 3
(1838), p. 505–507.
[8] Segner, A. Enumeratio Modorum Quibus Figurae Planae Rectilinae per Diagonales
Dividun- tur in Triangula, Novi Commentarii Academiae Scientarium Imperialis Petro-
politanque 7 (1758-59), p. 203–209.