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Com o que, de fato,

a terapia
comportamental
trabalha?
Um depoimento pessoal de um
terapeuta comportamental.

Harald W. Lettner, Ph.D.**

A
t e r a p i a comportamental O 1° passo, então, na T.C. é de se ta específica a ser emitida. A resposta
(T.C.) tem como objetivo alcançar um entendimento (o que é o R sempre consiste de três níveis dife-
bem claramente definido o contrário de uma posição mecanicis- rentes: C = o nível cognitivo que
de resolver (ou pelo menos ta), através de uma análise funcional compreende todos os eventos mentais
tentar resolver) qualquer problemáti- dos fatores: como, por exemplo, pensamentos,
ca psicológica que um indivíduo pos- idéias, impulsos, desejos, etc.; A= o
sa estar experimentando e de(re)insti- nível das respostas do sistema nervo-
tuir um funcionamento psicologica- so autônomo como, por exemplo, ta-
mente adequado e, portanto, satisfa- quicardia, tensão muscular, tremor,
tório para este indivíduo. Como vere- sudorese, etc; e M = o nível das res-
mos mais adiante, isso NÃO significa postas motoras, tudo que a pessoa
um tratamento "sintomatológico" ou Aqui, S significa estímulo, o que é realmente faz.E, finalmente, cons = as
"mecanicista" — uma vez que esta qualquer evento ou acontecimento conseqüências de determinada reação
abordagem é baseada no modelo só¬ externo ou interno capaz de desenca- (C,A e M) que podem ser externas
cio-psicológico que elimina o concei- dear determinada resposta (R). Rara- e/ou internas como, por exemplo, alí-
to de "doença subjacente" e, portan- mente esta ligação (S-R) é direta — na vio, crítica ou aprovação por outros,
to, também de sintomas, através dos realidade isto só acontece nos refle- culpa, etc.
quais esta doença se manifestaria— xos. O resto do comportamento tem Nesta análise funcional o tera-
mas SIM um tratamento das queixas um fator intermediário O peuta se comporta como um detetive
apresentadas além dos macanismos organismo; aqui entram fatores como formulando hipóteses a respeito da
psicológicos funcionalmente envolvi- predisposição neuro-fisiológicas (por problemática, submetendo-as a verifi-
dos no desenvolvimento e na manu- exemplo, hiper-reatividade do siste- cações, inicialmente através da lógica
tenção desta problemática. Isto, ob- ma nervoso, etc), predisposições pes- de entrevista, com o objetivo de gra-
viamente, necessita de um entendi- soais (por exemplo, neuroticismo, in- dualmente aumentar a confiabilidade
mento geral e específico do cliente em troversão— extroversão, etc.), expe- de suas suposições a respeito do fun-
termos de seu funcionamento atual riências passadas, educação, moral, cionamento do cliente (ao contrário
(principalmente os fatores de manu- religião, e t c , que funcionam como do psicólogo tradicional que tira as
tenção da problemática) e da história um "filtro" influenciando a percep- suas conclusões de entrevistas e testes
de vida que resultou no quadro atual. ção do estímulo e a seleção da respos¬ questionáveis sem expor essas suposi-
ções à qualquer verificação). Em ou-
* * Professor da Pós-Graduação em Psico-
logia Clínica da PUC/RJ e Diretor do Instituto * Este artigo é um resumo de uma palestra tras palavras, trata-se de uma tentati-
de Psicoterapia Comportamental — Clínica apresentada no Congresso da SBPC, em São va de aplicar o modelo experimental
Médica e Psicológica Ltda. Paulo, em julho de 1988. ao processo de obtenção de entendi¬
mento da problemática do cliente necessárias para resolver o problema. 6) modelação-imitação: aprendi-
com a finalidade de fornecer: 1) in- Este "programa" terapêutico é indivi- zagem vicária aonde o terapeuta(e/ou
sight para o cliente (que não é sufi- dualmente desenvolvido "sob medi- seus ajudantes) funciona como mode-
ciente para resolver os problemas da" para cada indivíduo e sua proble- lo de forma apropriada para cada
mas, sim, motiva-o para se desempe- mática (o que é o contrário de uma indivíduo.
nhar no tratamento em si) e 2) conhe- postura mecanicista). Dependendo 7) fatores ambientais no nível de
cimento dos fatores envolvidos prin- dos fatores do desenvolvimento e da S e/ou cons.: por exemplo, situação
cipalmente na manutenção da proble- manutenção identificados na avalia- familiar, trabalho, atitude ou atuação
mática, para servir como base para o ção, junto com os seus mecanismos de erradas de pessoas próximas.
planejamento da intervenção terapêu- interligação funcional, o terapeuta 8) registros: durante a avaliação e
tica, que é, portanto, desenvolvida in- comportamental pode atuar numa sé- a terapia são mantidos registros
dividualmente "à medida" para cada rie de áreas (através de uma metodo- quantitativos e qualitativos para ob-
cliente e sua problemática. Esta ava- logia vasta e a cada ano maior), das ter novas informações, verificar as su-
liação (que demora normalmente em quais apresentarei as mais importan- posições do terapeuta e para contro-
torno de quatro consultas) tem, en- tes. A seqüência da apresentação é lar eficácia da intervenção
tão, como objetivo desenvolver muito mais de ordem didática do que Durante esse processo terapêuti-
uma formulação dbs problemas, ou terapêutica e segue o esquema da aná- co, o cliente aprende gradualmente a
seja: a) uma definição operacional da lise funcional apresentada: dominar e modificar o seu funciona-
problemática, b) identificação objeti- mento, se tornando cada vez mais
va dos fatores do desenvolvimento e Áreas de atuação independente do terapeuta e das suas
principalmente da manutenção da orientações. Com esta forma de atua-
problemática, c) indicações terapêuti- 1) O: predisposições neurofisio¬ ção, alcançam as porcentagens de su-
cas diretas e d) o seu prognóstico. lógicas (por exemplo, hipótese de La¬ cesso terapêutico mais altas (em torno
O terapeuta, nesse contato inicial der e Wing), neuroticismo, introver- de 85 — 9 5 % ) , em relativamente
com o cliente, já tenta desenvolver um são — extroversão, efeitos do passa- pouco tempo (entre poucas semanas e
relacionamento com ele, mas o rela- do (não o passado em si), da educa- mais ou menos um ano e meio), sem
cionamento terapêutico em si, como ção e de experiências anteriores, re- "substituição de sintomas" e com
2° passo, (no sentido de ser uma inte- gras e crenças errôneas moralistas e uma duração dos efeitos terapêuticos
ração entre duas pessoas mais favorá- religiosas, etc. a longo prazo(já existem trabalhos de
vel à produção dos objetivos terapêu- 2) ligações S-R: condicionamen- acompanhamento durante quase 20
ticos) se desenvolve baseado na for- to clássico, discriminação, abstração, anos).
mulação que indica diretamente o ti- generalização, etc. Afinal, trata-se de uma aborda-
po de interação mais apropriada. Em- •3) R: gem terapêutica mundialmente reco-
bora a T.C. sempre exija verificação a) C-respostas cognitivas: pensa- nhecida como uma das mais impor-
empírica ou experimental (que quase mentos, idéias, impulsos, desejos, etc. tantes na psicologia atual, que mere-
não existe nesta área), a maioria dos b) A-respostas autonômicas: ta- ce, aqui no Brasil, sem dúvida pelo
terapeutas comportamentais usa pro- quicardia, palpitações, produção de menos melhor ensino de seus princí¬
cedimentos de desenvolvimento de re- suco gástrico, alterações de pressão pos e métodos, com o objetivo de
lacionamentos interpessoais (sejam sangüínea, tremor, sudorese, tensão eliminar esses preconceitos que exis-
eles Rogerianos ou de qualquer outro muscular, etc. tem por causa de tanta falta de conhe-
tipo). Estamos atualmente, na c) C+A: as respostas cognitivas e cimentos corretos a seu respeito.
PUC/RJ, executando a primeira ten- autonômicas juntas compreendem as
tativa de operacionalização dos fato- emoções, sentimentos e afetos.
res favoráveis a um relacionamento d) M-respostas motoras: os com- BIBLIOGRAFIA
terapêutico e sua verificação, com o portamentos específicos que o indiví-
objetivo de criar uma base mais obje- duo emite.
tiva para esta área. Os primeiros re- 4) ligações R-cons.: contingên- LETTNER H. Avaliação, Formulação e
sultados estão sendo publicados na cias de reforço e punição, extinção, Planejamento Comportamental, Estudo
revista "Estudos em Psicologia", da ganho secundário, eficácia relativa do de um Caso. Jornal Brasileiro de Psiquia-
PUCCAMP. Basicamente o terapeuta comportamento na sua atuação sobre tria, 32(1), 1983.
LETTNER H. — O modelo experimental
desenvolve um relacionamento único o ambiente, valor relativo do reforço na avaliação clínica. Jornal Brasileiro de
com cada cliente; formas padroniza- e do reforçador, etc. Psiquiatria 34 (1), 1985.
das de interação, como por exemplo, 5) resistências: nem todas as difi- LETTNER H. e RANGE B. - Manual de
ser empático e caloroso com cada in- culdades no processo terapêutico de- Psicoterapia Comportamental. São Paulo,
Manole, 1988.
divíduo, significam ignorar diferenças vem ser atribuídas a uma resistência LETTNER H. O relacionamento terapêu-
individuais, certamente inapropriado do cliente, muito pelo contrário, na tico em terapia comportamental — uma
e podem, sob certas condições, até realidade a maior parte tem que ser tentativa de operacionalização. Estudos
prejudicar o cliente. atribuída a erros no entendimento (e em Psicologia, Campinas: PUCCAMP.
(no prelo)
Somente depois de ter desenvol- portanto no tratamento) do terapeu- RIMM D.C. e MASTERS J.C. - Terapia
dido a formulação (como definida ta. Ainda assim podem ocorrer resis- Comportamental. São Paulo, Manole,
acima) da problemática, o terapeuta tências verdeiras que são analisadas e 1983.
parte, como 3° passo, para o planeja- trabalhadas dentro dos princípios dos
mento das intervenções terapêuticas ganhos secundários.

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