Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar uma vertente dos estudos de Antropologia urbana: a
antropologia do consumo. Trata-se de uma área bastante recente e ainda pouco conhecida no
Brasil. Herdeira da tradição antropológica por estar diretamente ligada à noção de cultura e à
prática da etnografia como método fundamental da disciplina. Ao mesmo tempo, esta vertente
procura dialogar com outros ramos do conhecimento como a Economia, a Comunicação, a
Administração e o Marketing. O texto expõe um rápido panorama dos principais trabalhos de e
sobre antropologia do consumo no Brasil e no exterior, mostrando suas particularidades
metodológicas e conceituais.
Introdução
O consumo hoje é tema recorrente nos meios de comunicação de massa, nos lares, nas
empresas, no dia a dia dos grandes centros urbanos. Há inúmeros caminhos para abordá-lo.
Dentro da lógica econômica, financeira ou do marketing. O que busco aqui é apresentar um
outro olhar sobre este tema e uma possível contribuição para o seu entendimento. A
antropologia é uma ciência que estuda o homem dentro de uma perspectiva interpretativa. Ou
seja, ela está preocupada com o significado simbólico dos objetos, gestos, rituais,
comportamentos, da vida em geral.
Entretanto, nem sempre foi assim. A antropologia "nasce" como fruto do encontro de
sociedades distintas, do choque cultural vivido pelas sociedades européias no século XVI ao
tomar contato com "outras" sociedades bastante diferentes, chamadas muitas vezes de
"primitivas" ou "selvagens". A percepção da diferença - noção fundamental para a Antropologia
- provocou um mal estar e uma necessidade de compreensão. Em um primeiro momento,
surge o questionamento a respeito da humanidade daqueles grupos sociais. Qual a atitude dos
"descobridores" diante dos indígenas do "Novo Mundo" ? Seriam eles humanos,
perguntavam-se. Após a percepção de que eram humanos mas diferentes, era necessário
classificá-los. Por que aprendemos com E. Durkheim e M. Mauss(1981:403) que o objetivo de
classificar é compreender e também reorganizar. E para os dois pensadores essa é uma
necessidade básica do homem. É a forma de transformar o real em dimensões inteligíveis.
"Classificar não é apenas constituir grupos: é dispor estes grupos segundo relações muito
especiais. Nós os representamos como coordenados ou subordinados uns aos outros,
dizemos que estes (as espécies) estão incluídas naqueles (os gêneros), que os segundos
agrupam os primeiros.(...) Toda classificação implica uma ordem hierárquica da qual nem o
mundo sensível nem nossa consciência nos ofereceu um modelo. "
Nesse sentido a noção de evolução surge como um marco fundamental para o pensamento
antropológico entender aquelas culturas "estranhas". A estranheza e a perplexidade presente
nos séculos XV e XVI, transforma-se nos séculos XVIII e XIX em uma justificativa. Aqueles
grupos "primitivos" são ordenados em estágios diferentes de evolução. Trata-se da vertente
evolucionista que irá pensar as sociedades a partir de três grandes estágios: selvageria,
barbárie e civilização. Vertente que entende essas etapas como um processo no qual, ao longo
do tempo, as sociedades iriam progredindo até chegar ao final à civilização. É importante
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lembrar que a noção de evolução que as situa no tempo e no espaço é oriunda do conceito
biológico de evolução como processo de transformação dos organismos.
Nesse contexto de contato entre culturas distintas, a idéia de viagem será muito importante.
Ela propiciará para os primeiros pesquisadores vivenciar um deslocamento geográfico e
mesmo psicológico de sua própria sociedade. Basta lembrar de Bronislaw Malinowski,
considerado o "pai da antropologia", polonês que se naturalizou inglês, que cruzou oceanos
para chegar até a Polinésia e estudar o Kula e seu significado para os nativos daquela região.
Ou mais recentemente o antropólogo Claude Lévi-Strauss que veio para o Brasil na segunda
metade do século XX para estudar os índios. Ele também realiza essa viagem, esse
deslocamento da sua sociedade para a sociedade do outro. Agora não mais para estudá-las
em uma perspectiva evolucionista e de progresso, mas para entendê-las a partir da sua cultura
particular, do ponto de vista dos seus nativos. E esse mesmo antropólogo é convidado para
apresentar uma conferência na UNESCO na década de 50, na qual faz um belo elogio à
diversidade(Lévi-Strauss:1980: 97).
"A necessidade de preservar a diversidade das culturas num mundo ameaçado pela monotonia
e pela uniformidade não escapou certamente às instituições internacionais. Elas compreendem
também que não será suficiente, para atingir esse fim, animar as tradições locais e conceder
uma trégua aos tempos passados. É a diversidade que deve ser salva, não o conteúdo
histórico que cada época lhe deu e que nenhuma poderia perpetuar para além de si mesma."
Aquelas sociedades européias se consideravam civilizadas e lançavam um olhar de
"compreensão" para os outros grupos sociais que estariam "atrasados" em relação à elas. Há
uma visão etnocêntrica. Etnocentrismo aqui entendido como o correspondente social de
egocentrismo. É tomar o seu grupo, a sua sociedade como modelo e parâmetro. O diferente é
visto como inferior. Ocorre um esvaziamento dos valores e da importância destes grupos e de
suas características. Estes não teriam "cultura". Evolucionistas como E. Tylor em 1871(Velho:
1980:13) a definem da seguinte maneira: "Cultura, ou civilização... é este todo complexo que
inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes e quaisquer capacidade e hábitos
adquiridos pelo homem, enquanto membro da sociedade". Percebe-se uma definição bastante
ampla porque abarca uma série de itens, como uma listagem de elementos. E não se pode
deixar de notar como cultura aparece também como sinônimo de civilização. Ou seja, povos
civilizados possuem cultura. Mas do século XIX para cá muita coisa mudou em relação a este
conceito tão fundamental para a antropologia.
O antropólogo norte-americano Clifford Geertz(1978:15) afirma: "o conceito de cultura que eu
defendo(...) é essencialmente semiótico. Acreditando como Max Weber, que o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo
essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,
mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado". Esta perspectiva interpretativa
que define cultura e a própria antropologia é fundamental para compreensão das sociedades
modernas e complexas.
Não à toa, afirma-se que cultura em termos antropológicos pode ser entendida como um
código. A idéia de código aponta para muitos aspectos. Um deles é o fato de que o que há de
universal na cultura é sua particularidade. Há uma unidade biológica comum a todos os grupos
sociais, mas os usos e interpretações são dados e criados por cada cultura em particular. O
nascimento e a morte são realidades inexoráveis dos homens. As maneiras de lidar e vivenciar
o nascimento e a morte são inúmeras e variam de grupo para grupo. Isso acontece porque a
cultura surge como esse código que é transmitido aos seus membros ao longo do tempo de
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diversas formas. Ele funciona como um mapa que nos situa no mundo e orienta nossa ação em
sociedade. Ele nos informa os significados construídos pelo grupo ao qual pertencemos: se
devemos comer com as mãos ou com talheres, quais os alimentos proibidos, qual a língua a
ser aprendida, qual o comportamento adequado para um determinado ritual. Não por acaso
nos sentimos estrangeiros ao chegarmos em uma outra cultura, em um outro país em que não
dominamos o código. Não sabemos os significados atribuídos aos objetos, comportamentos e
pessoas, por exemplo. Isso fica mais evidente ainda quando não dominamos a língua de uma
sociedade e tudo fica incompreensível e sem sentido. Mas como já dizia Lévi-Strauss "tudo
oferece sentido, se não nada tem sentido". E o papel do antropólogo é exatamente buscar esse
sentido, esse significado e para isso ele precisa "mergulhar" na sociedade do outro, para
dominar seus códigos, entender suas interpretações e poder captar, como afirmou
Geertz(1997:85-107), "o ponto de vista dos nativos".
Durante muito tempo a antropologia esteve associada ao estudo de povos exóticos,
longínquos, estranhos. O antropólogo era aquele viajante, herdeiro da tradição de Malinowski
que ia realizar o seu trabalho de campo, fazer a sua etnografia na sociedade do "outro", não na
sua própria sociedade. Mas a partir de meados do século XX isso começa a mudar. As ciências
sociais em geral, e a antropologia em particular, começam a se aproximar e a se interessar
pela sua própria sociedade. É nesse contexto que surge o que se poderia chamar de
antropologia urbana, descendente dos estudos da Escola de Chicago. A cidade passa a ser o
foco da atenção e surgem diversas pesquisas na cidade e sobre a cidade. Não era mais
preciso cruzar oceanos para encontrar os nativos. Eles estavam tão perto e eram muitas vezes
desconhecidos. Aparecem então nos Estados Unidos os primeiros estudos sobre bairros
negros, sobre música, sobre profissões. São os estudos de grupos urbanos de sociedade
complexas. É o antropólogo pesquisando a sua própria sociedade e fazendo um outro tipo de
deslocamento. Não mais um deslocamento geográfico, exterior, mas realizando um movimento
interno de estranheza, de tentativa de tornar aos seus olhos a sua sociedade exótica, estranha,
distante. É o movimento inverso dos pesquisadores que partem para estudar grupos distantes.
Um olhar para o consumo
E é dentro desta perspectiva de estudos urbanos que podemos nos aproximar da questão do
consumo. Ele ainda vem sendo pouco estudado pela antropologia, mas já há alguns trabalhos
significativos. Um dos aspectos importantes para pensar o consumo sob uma ótica
antropológica leva em conta que, sem o consumo, um objeto não se completa como produto. O
consumo deve ser entendido como uma linguagem dentro de uma perspectiva simbólica.
Retoma-se a idéia de que a antropologia está preocupada com o significado e que esse
significado é construído pelos grupos sociais. Portanto, os significados não "nascem" com os
produtos, colado neles. Eles são dados, estabelecidos pela cultura. Por isso a antropologia se
afasta da perspectiva exclusivamente financeira ou utilitária dos objetos. Como se fosse
possível apreendê-los em sua totalidade apenas levando em conta o objetivo para o qual foram
feitos ou seu custo e preço. O consumo pede uma reflexão mais sistemática que possibilite
desvendar os seus significados culturais. Afinal, é inegável que ele se tornou um fenômeno
cultural em nossas sociedades contemporâneas.
Um dos primeiros trabalhos a analisar mais detidamente a questão do consumo é "O mundo
dos bens - para um antropologia do consumo" da antropóloga Mary Douglas e do economista
Baron Isherwood, publicado nos Estados Unidos em 1979 e só editado no Brasil em 2004.
Douglas e Isherwood procuram analisar os postulados da economia neoclássica, centrados no
utilitarismo, na racionalidade e na maximização de ganhos. Embora o trabalho de Thorstein
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Miller percebe que o ato de comprar é uma expressão de amor, como fortalecimento de laços
de parentesco. E comprar tornou-se um rito devocional. Ao falar de amor, o antropólogo não
está se referindo ao sentido romântico do amor, mas entende-o como uma ideologia normativa
que se expressa na prática em relacionamentos a longo prazo. Uma ideologia que funciona
como uma norma em relacionamentos familiares, por exemplo, como maridos e mulheres
casados há bastante tempo, pais e filhos, etc.
Ao investigar compras de rotina em supermercados, desprovidas de glamour e de reflexão,
porque feitas "automaticamente", Miller percebeu que as donas de casa entrevistadas se
sentiam moralmente superiores porque forneciam mercadorias edificantes para as suas
famílias. Elas adquiriam produtos, principalmente no caso da alimentação, que fariam do outro
uma pessoa melhor. Evitavam comprar balas ou hamburgueres para as crianças, embora estas
gostassem, porque precisava "cuidar" delas.
Outro aspecto interessante explorado pelo pesquisador são os "presentinhos" que compravam,
muitas vezes associados ao ato hedonista. Um agrado para o marido, como uma cerveja ou
um chocolate para a filha. Estes bens eram importantes na construção do significado das
compras, porque o que estava por trás de todas as escolhas era uma economia de dinheiro.
Não a idéia de poupança, mas uma atitude do ato de comprar marcado pela restrição, pela
modéstia e pelo comedimento. Era esse papel que dava a elas muita importância e fazia com
que se sentissem superiores. O papel de escolher e selecionar o que o outro precisa, ao
mesmo tempo administrando-o dentro de uma lógica econômica. Uma economia, não em
termos de orçamento, mas como preocupação central da experiência de comprar.
As "nativas" de Miller sempre vinculam comprar e gastar desmedidamente, ainda que
colocando-os em dois pólos muito distantes. E a função das donas de casa é equacionar tudo
isso. Para o antropólogo, essas mulheres são agentes da concepção do consumo como rito
devocional.
Outro ponto levantado pelo autor é a relação entre compras e sacrifício. A seu ver, os dois são
práticas cujo sentido principal é a "criação de um sujeito que deseja". Ao fazer uma revisão dos
estudos sobre o ritual do sacrifício em diversas sociedades, o antropólogo propõe uma teoria
das compras como sacrifício. Se em sociedades arcaicas os deuses querem o sacrifício, o
consumidor ao comprar quer influenciar os outros para que se beneficiem do que for
consumido e desejem o produto ofertado. Há lógicas culturais por trás das compras porque os
objetos de consumo ganham significado de acordo com a sua capacidade de objetificar valores
pessoais e sociais. Miller(2002:162) conclui afirmando: "O propósito do comprar não é tanto
comprar as coisas que as pessoas querem, mas lutar para continuar se relacionando com os
sujeitos que querem essas coisas.".
"Consumidores e cidadãos" é o título da obra do pesquisador argentino Néstor Garcia Canclini
que aborda a questão do consumo dentro de uma perspectiva antropológica e sociológica no
âmbito da América Latina. Canclini(1999:77) parafraseando Lévi-Strauss afirma que "o
consumo serve para pensar". A seu ver, ele se expande e se renova continuamente e sobre ele
ainda não foi elaborada uma teoria sociocultural que abarque a sua complexidade.
Para o pesquisador, o consumo pode ser definido como "conjunto de processos socioculturais
em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos". O que significa que ao
consumirmos não estamos apenas exercitando caprichos, gostos ou tomando atitudes
completamente individuais. Porque o consumo na sua ótica é um espaço de interação e como
tal não é privado, passivo ou atomizado. Ao contrário, ele é social, correlativo e ativo.
Canclini destaca também a idéia de distinção em relação aos bens de consumo. A lógica que
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domina a apropriação de produtos de distinção - seja uma Ferrari, uma mala Louis Vuitton ou
um Rolex -, não é a satisfação de necessidades, uma vez que estas se concretizariam com a
posse de um Fusca, uma mala ou um relógio qualquer. Mas isso se dá porque os objetos têm
significados simbólicos que a racionalidade econômica não alcança. O que está em jogo
nesses casos é a escassez desses bens e a impossibilidade de que outros os possuam.
Mas o consumo não serve apenas para dividir. Ao contrário, ele atua como elemento de
interação e para Canclini o consumo não é o lugar do suntuoso e do supérfluo, uma vez que os
bens que consumimos, que valorizamos, agem em dois sentidos e refletem o modo como nos
integramos e nos distingüimos na sociedade. Nesse sentido ser cidadão, em sociedades
latino-americanas em especial, significa estabelecer relação com práticas sociais e culturais
que dão sentido ao pertencimento. A noção de cidadania para o autor está vinculada a este
conceito que se constrói com base nos aspectos simbólicos e culturais de um determinado
grupo social. Assim o consumo servirá também para ordenar politicamente a sociedade. Mas
para isso são necessários vários pré requisitos que incluem, segundo Canclini, desde uma
oferta vasta e diversificada de bens e mensagens até a distribuição de informação
multidirecional e confiável, passando pela democratização dos principais setores da sociedade
civil nas decisões que digam respeito ao consumo. Com estas ações políticas os consumidores
poderão alçar a condição de cidadãos e o mercado não será entendido apenas como um lugar
de troca de mercadorias mas de interações socioculturais.
Até aqui tenho abordado a questão do consumo dentro do âmbito internacional e creio que
valeria a pena destacar o trabalho de alguns antropólogos brasileiros que vêm pesquisando
consumo como Everardo Rocha(1985 e 1995). Ele tem trabalhado na interseção de três áreas:
antropologia, comunicação e consumo. Sua dissertação de mestrado "Magia e
capitalismo"(1985) e sua tese de doutorado "A sociedade do sonho"(1995) analisam a
sociedade de consumo na perspectiva dos meios de comunicação de massa.
Seu primeiro trabalho apresenta uma interpretação da publicidade a partir da análise dos
anúncios e do discurso dos publicitários e dos consumidores, levando em conta que o mundo
da publicidade é um mundo onde os produtos são sentimentos. Ele não é nem enganoso nem
verdadeiro: é um mundo mágico. Esse mundo funciona como um "mapa" classificador que
torna os produtos humanos e coloca-os em uma rede de relações sociais. Ao estudar os
publicitários, Rocha percebeu também, entre outros aspectos, o quanto o grupo cria uma
distinção entre a sua profissão e a de vendedor. Eles estabelecem uma hierarquia, e mesmo
que não consigam se desvincular completamente da idéia de venda, buscam sempre associar
o seu trabalho aos mitos construídos de sofisticação e riqueza como frutos do exercício
profissional.
Já em "A sociedade do sonho" o antropólogo parte do princípio de que a indústria cultural é um
traço marcante das sociedades modernas e do mundo capitalista e se constitui como um
espaço de produções simbólicas, sendo difícil pensar um indivíduo que não seja em alguma
instância atingido por ela. Sua pesquisa mostra como a sociedade da indústria cultural é uma
sociedade de "abundância" e dentro dela nada falta. No mundo dos anúncios temos uma
cultura bem sucedida economicamente e o espectador precisa acreditar nessa gratuidade e
abundância do consumo. Ao mesmo tempo Rocha salienta que este "mundo" é um falso
modelo repetidor, pois trata-se de uma representação de uma outra estrutura social.
Esses são dois exemplos de etnografias que analisam a indústria cultural e o consumo na
perspectiva da antropologia. Há vários outros trabalhos realizados no âmbito acadêmico que
problematizam o consumo na atualidade como os de Lívia Barbosa(2002), Carla Barros(2001,
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2003), Débora Leitão(2003), além dos que vêm sendo produzidos no Mestrado em
Administração da Coppead(UFRJ)(Cadernos).
Eu também realizei recentemente uma pesquisa sobre Juventude e Televisão(2004) que
embora não tivesse como foco central a questão do consumo, também o abordava. Meu
estudo tinha o objetivo de investigar a recepção do Jornal Nacional por jovens universitários
cariocas e para isso realizei uma etnografia na qual fui na casa destes jovens assistir ao
telejornal com eles. Percebi que todos os elementos que compõem a recepção eram
importantes desde saber se viam sozinhos, no quarto ou na sala, se deitados ou sentados, se
falando no telefone ou inteiramente concentrados na tela, entre outras coisas. Recolhi muitos
dados interessantes, como o fato de que muitos "ouvem" a televisão e só vão vê-la se há
alguma notícia que lhes interessa; que pouquíssimos assistem "exclusivamente" a TV; além de
perceber como dialogam com o conteúdo do programa a partir de sua visão de mundo, de sua
bagagem cultural e, principalmente, de seu pertencimento à universidade. Por outros
caminhos, esse trabalho tornou-se também uma pesquisa sobre o consumo de televisão entre
jovens no Rio de Janeiro. Da mesma forma com minha investigação anterior sobre
suplementos literários no Brasil e na França(2001), pude discutir o significado do livro e do
jornal a partir do consumo de ambos.
Por outro lado, sabemos que a etnografia também vem sendo utilizada no universo do
mercado. Como ela pode se incorporada e utilizada em um outro contexto, uma vez que exige
um mergulho no "campo" demandando um tempo amplo e com objetivos outros que não os
comerciais? Acredito que, mesmo sofrendo algumas adaptações, ela pode contribuir para
pesquisas de mercado por ser um tipo de investigação que se baseia na escuta do outro. Não
é à toa que falamos em entrevistas abertas e em profundidade e em observação participante. É
preciso escutar o outro, buscar a sua interpretação.
Um exemplo desse tipo de análise foi feita pela antropóloga Lívia Barbosa( Exame:2001) para
uma empresa de sorvete na qual avaliou seu consumo no Brasil e concluiu que é muito menor
do que na Finlândia, embora o Brasil seja um país quente e tropical. Isso porque há um valor
cultural agregado ao sorvete que ficou evidente através da pesquisa. O sorvete não é um
produto que as donas de casa pesquisadas consideram "adequado" para oferecer como
sobremesa para suas visitas por ser industrializado e não ser feito por elas. Portanto, nesse
contexto um pudim ou uma torta feita em casa têm um outro valor. Um valor cultural.
Outro estudo(Exame:2001) que procurou saber o que os consumidores pensam de seus
produtos, seus rótulos e embalagens levou pesquisadores às casas de vários consumidores.
Percebeu-se, por exemplo que o xampu com tampa não funciona. Várias pessoas afirmaram
que no banho não tinham como segurar o frasco, abrir a tampa e colocar o xampu nos cabelos.
É um exemplo pequeno mas que mostra a possibilidade de contribuição de um tipo de
pesquisa que se aproxima do outro para ouvi-lo e saber como consome os produtos. Há outros
exemplos de empresas que procuram ouvir clientes em potencial, aprofundando seu
conhecimento sobre eles, suas necessidades e estilos de vida para melhor atendê-los.
Considerações finais
O objetivo do artigo foi apresentar um pequeno panorama da antropologia do consumo através
de alguns trabalhos internacionais e nacionais relevantes na área desde seu surgimento,
apontando as particularidades do olhar antropológico com o intuito de dar uma contribuição
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Referências Bibliográficas
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VEBLEN, T. A teoria da classe ociosa. São Paulo: Pioneira, 1965.
VELHO, G. & VIVEIROS DE CASTRO, E. "O conceito de cultura e o estudo de sociedades
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