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Ricardo Alexandre Paiva e Beatriz Helena Nogueira Diógenes | Vida e morte do Hotel Esplanada, de Paulo Casé, em Fortaleza

Vida e morte do Hotel Esplanada, de Paulo


Casé, em Fortaleza.
Life and death of Hotel Esplanada, by Paulo Casé,
in Fortaleza (Ceará-Brazil)
Ricardo Alexandre Paiva* e Beatriz Helena Nogueira Diógenes**
Resumo Abstract
Em fins de 2014 estava anunciado o fim do Hotel At the end of 2014 it was announced the end of
Esplanada em Fortaleza em consequência da aqui- the “Hotel Esplanada” in Fortaleza (Ceará-Brazil)
sição do edifício pelo empresário Ivens Dias Branco as a result of the acquisition of the building by Iv-
para construção, em seu lugar, de um empreendi- ens Dias Branco businessman to build, in its place,
mento imobiliário ímpar na Av. Beira Mar. Sua demo- a unique real estate development in Beira Mar Av-
lição se deu por fases, representando uma “morte” enue. The demolition occurred in stages, repre-
lenta, que foi pouco a pouco apagando os vestígios senting a slow “death”, which was gradually fading
de um ícone da arquitetura hoteleira moderna em away an icon of modern architecture hotel in For-
Fortaleza. O Hotel Esplanada, de 1978 – projeto do taleza. “Hotel Esplanada”, 1978 - design by archi-
arquiteto Paulo Casé - nasceu na orla de Fortaleza tect Paul Casé from Rio - was born in Fortaleza’s
como o edifício mais alto da Av. Beira-Mar e o pri- seafront as the tallest building of Beira-Mar and
meiro hotel cinco estrelas da cidade. As característi- the first luxury hotel in town. In this context, this
*Possui graduação em Ar- **Possui graduação em Cur- cas modernas do edifício expressavam a sua impor- paper aims to investigate the role of “Hotel Es-
quitetura e Urbanismo pela so de Arquitetura e Urbanis- tância como signo da modernização, anunciando planada” in the face of socio-spatial dynamics re-
UFC (1997), mestrado (2005) mo pela UFC (1978), Mes-
o processo de verticalização da orla e o início do lated to tourism and real estate in Fortaleza, from
desenvolvimento da atividade turística e hoteleira. its construction to its demolition, emphasizing its
e doutorado (2011) em Ar- trado em Engenharia Civil
Neste contexto, o artigo tem como objetivo investi- architectural values and exposing the vulnerability
quitetura e Urbanismo pela pela UFC (2001), Mestrado gar o “lugar” do Hotel Esplanada face às dinâmicas of the modern built heritage in relation to contem-
FAUUSP. É Professor Adjun- (2005) e Doutorado (2012) socioespaciais relacionadas à atividade turística e porary urban dynamics. The relevance of the work
to do Curso de Arquitetura e em Arquitetura e Urbanismo imobiliária em Fortaleza, enfatizando seus valores ar- is justified by the need to discuss the relationship
Urbanismo da UFC e Coor- na FAUUSP. É Professora quitetônicos e denunciando a vulnerabilidade do pa- between tourism and modern architecture, rescu-
denador do Programa de Pós Adjunta do Departamento trimônio moderno. A relevância do trabalho se justifi- ing the role and legacy of important examples of
Graduação em Arquitetura e de Arquitetura e Urbanismo ca pela necessidade de se discutir a relação entre o hotel typology in modernity and raising questions
Urbanismo e Design da UFC da Universidade Federal do turismo e a arquitetura moderna, resgatando o papel about aspects of conservation, permanence and
- PPGAU+D-UFC. Coordena Ceará e do Programa de e o legado de importantes hotéis na modernidade, preservation nowadays.
o LoCAU (Laboratório de Crí- Pós-Graduação em Arquite-
questionando aspectos ligados à sua conservação e Keywords: Modern architecture. Modern herit-
preservação na contemporaneidade. age. Tourism. “Hotel Esplanada” (Fortaleza-Brazil)
tica em Arquitetura, Urbanis- tura, Urbanismo e Design da
Palavras-chave: Arquitetura Moderna. Patrimô-
mo e Urbanização). UFC (PPGAU+D - UFC). nio Moderno. Turismo. Hotel Esplanada.

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A gestação do Hotel Esplanada:


agentes e processos

O Hotel Esplanada, inaugurado em 1978, foi, sagem da orla uma nova configuração. Até 1979,
juntamente com o Hotel Beira Mar1 e o Othon ano da lei 5.122-A, que instituiu, entre outras dire-
Palace Hotel2, um dos três principais hotéis trizes, a verticalização em várias áreas da cidade;
construídos na Beira Mar de Fortaleza na dé- os edifícios altos localizados naquela via só po-
cada de 1970, confirmando a descentralização diam ter até oito pavimentos. Com a lei, o gabarito
das funções urbanas na cidade, concomitante estabelecido de 72,00m ampliou o índice de apro-
ao processo de especialização do Centro, com veitamento, favorecendo a atuação dos empreen-
desdobramentos na sua centralidade econômi- dedores imobiliários e a construção de hotéis de
ca, política e simbólica (PAIVA, 2005). Os hotéis maior porte. Desde então, esse processo se inten-
também acompanharam este deslocamento face sificou, não somente na orla, mas em toda a zona
à intensa expansão urbana da capital cearense à leste da cidade, mudando de forma significativa a
época, que coincide com o início da metropoli- dinâmica e a paisagem urbana de Fortaleza.
zação, acompanhada pela consolidação da orla
1 Projeto do engenheiro administração e o arquiteto
como espaço de lazer, pela valorização imobi- Entretanto, ao longo da década de 1970, verifi-
Cláudio Ary, de 1972. Acácio Gil Borsoi foi convi-
2 Na época, denominava- dado para elaborar o projeto liária e pela origem das atividades turísticas na cam-se algumas exceções na construção de edi-
-se Imperial Palace Hotel, de reestruturação, de modo cidade, constituindo sinais da “maritimidade mo- fícios altos na orla, quando podiam ser aprovados
projeto dos arquitetos José a viabilizar a abertura do Ho-
derna” (DANTAS, 2009). como projetos especiais junto aos órgãos com-
Neudson Braga (1935) e tel, que logo em seguida foi
José Armando Farias (1928- adquirido pelo grupo Othon, petentes da Prefeitura, sendo o Hotel Esplanada
1976), elaborado no início da passando a denominar-se A verticalização da Praia do Meireles, devido à o pioneiro, com o projeto legal datado de 1971.
década de 1970. “No final Imperial Othon Palace” (PAI-
construção dos primeiros hotéis e dos edifícios Esta excepcionalidade abriu precedente para que
da década de 1970 as obras VA & DIÓGENES, 2014, p. 9)
foram retomadas sob nova multifamiliares na década de 1970, conferiu à pai- outros edifícios com altura acima da prevista na

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legislação fossem construídos, quando surgiram Sendo assim, foi concebido, no período, o Hotel Es-
alguns prédios verticais modernos, na sua maio- planada, de propriedade dos grupos Otoch e Jereis-
ria residenciais, como o Edifício Granville (1973), sati, que empreenderam a construção do primeiro
projeto de Acácio Gil Borsói, o Edifício D. Pedro I hotel de caráter mais sofisticado de Fortaleza.
(1975) de Reginaldo Rangel e Nearco Araújo e o
Edifício Solar da Praia (1976), de Delberg Ponce O Hotel Esplanada já foi a principal referência
de Leon e Fausto Nilo. hoteleira de Fortaleza e, durante muito tempo,
um dos hotéis mais luxuosos e bem frequen-
Neste contexto, o Hotel Esplanada (com 21 an- tados da cidade (único hotel cinco estrelas da
dares) cumpriu um papel importante, tanto no época) (SOUZA, 2015, p. 62).
processo de verticalização da Beira-Mar, como
na gênese do desenvolvimento da atividade tu- Os mencionados grupos pertencem a dois im-
rística e hoteleira na capital cearense, firmando- portantes empresários cearenses, que atuaram
-se como signo da modernização. também no setor imobiliário da Capital. Inde-
pendentes, uniram-se à época para construir o
A aprovação da construção do Hotel Esplana- hotel. A iniciativa partiu de Nelson Otoch, exe-
da, no início da década de 1970, pode ser con- cutivo do grupo que, diante do cenário desfa-
siderada o principal marco de verticalização da vorável dos negócios imobiliários no final da
orla. (...) Esta aprovação ocorreu [...] em regime década de 1960, enxergou a possibilidade de
especial e atestava a demanda pela verticaliza- incrementar as suas atividades empresariais no
ção. (CAVALCANTE, 2015, p. 301). setor hoteleiro, se valendo dos incentivos fis-
cais e financeiros concedidos pela recém-criada
Embora a atividade turística neste período te- EMBRATUR (Empresa Brasileira de Turismo), em
nha um papel secundário nas políticas públicas 1966. Para levar a cabo a empreitada, o empre-
de desenvolvimento econômico sob a égide da sário adquiriu um terreno à beira mar, onde se
3 Ver PAIVA, Ricardo Alexan- SUDENE, que priorizava a atividade industrial, localizavam quatro residências e contratou os
dre; DIÓGENES, B. H. “Cami- é possível admitir sua inserção nos planos de irmãos José (1944) e Francisco (1949) Nasser
nhos da Arquitetura Moderna desenvolvimento nacional (EMBRATUR), regio- Hissa, arquitetos titulares do recém-fundado
em Fortaleza: a contribuição
dos arquitetos José e Fran- nal (SUDENE/BNB) e estadual (planos governa- escritório Nasser Hissa Arquitetos Associados3
cisco Nasser Hissa”. In: 4° mentais), onde se verifica não somente a atu- para projetar um hotel com 120 unidades.
Seminário Iberoamericano ação do Estado por meio de incentivos fiscais
Arquitetura e Documentação,
2015, Belo Horizonte. UFMG- e financeiros, mas também a participação do Com o ingresso de Carlos Jereissati na parceria,
-MACPS-IEDS, 2015. v. 1. mercado imobiliário. pioneiro no ramo de shoppings centers no Brasil,

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como o Iguatemi São Paulo, as possibilidades de Construtora Sisal, como os famosos edifícios “Es-
financiamento privado se ampliaram e o conceito trela” (Estrela de Ouro, Estrela Brilhante, Estrela da
do Esplanada tornou-se ainda mais ambicioso. Lagoa) no Rio de Janeiro5 e posteriormente ficou à
frente dos setor de arquitetura da Construtora.
Para tanto, o primeiro estudo foi preterido e os pro-
prietários encomendaram o projeto ao arquiteto O arquiteto nasceu no Rio de janeiro em 1931 e
carioca Paulo Casé, que detinha uma vasta expe- formou-se em 1956 na Faculdade Nacional de Ar-
riência no ramo da arquitetura hoteleira, tendo pro- quitetura da Universidade do Brasil (atual UFRJ)
jetado importantes hotéis em todo o Brasil, como o na então capital federal. De formação modernista,
Othon Bahia (1975) e o Meridien (1975), em Salva- experimentou o apogeu da arquitetura moderna
dor-Bahia; e o também Meridien (1973), em Copa- brasileira, tendo sido influenciado efetivamente
cabana, no Rio de Janeiro, entre tantos outros. O pelo racionalismo (“a minha matriz era Frank Lloyd
fato de recorrerem ao arquiteto de renome nacional Wright, e meus gurus eram Oscar Niemeyer e
revela as intenções modernizantes dos clientes. Sérgio Bernardes”)6, muito embora seja possível
perceber em toda a sua trajetória uma inquietu-
O processo de construção do hotel se formalizou de crítica em relação ao modernismo7, sobretudo
4 Na ocasião, estavam ainda
em 09 de dezembro de 1972 e ficou sob a res- com a penetração das tendências pós-modernas
presentes Nei Pereira Tinoco ponsabilidade da Construtora Sisal, com matriz na década de 1980, visíveis nas suas obras mais
e Fábio Stanling de Carva- no Rio de Janeiro, conforme consta na Cronolo- recentes, conforme assevera o próprio arquiteto:
lho, diretores da Embratur.
http://portal.ceara.pro.br/
gia Ilustrada de Fortaleza:
index.php?searchword=lui Descobri que fui pós-moderno desde 1964,
s&searchphrase=all&option 1972 - dezembro - 09 - Diretores da Sisal - Imo- mas no sentido correto do termo, como movi-
=com_pesquisa&view=pes
quisa&Itemid=133&limitsta biliária Santo Afonso S.A. e do Grupo Esplana- mento crítico do moderno. Essa questão come-
rt=1220 da Hotel S.A., assinam contrato, na Empresa çou a ser discutida uma geração antes da mi-
5 http://www.iab.org.br/arti-
Brasileira de Turismo - Embratur, para cons- nha, mas eu achava tão certo que a arquitetura
gos/homenagem-paulo-case
6 https://arcoweb.com.br/ trução, em Fortaleza, do Esplanada Hotel, que de Niemeyer era paradigma que não levava em
projetodesign/entrevista/ terá 238 apartamentos e todas as instalações conta outra interpretação.8
paulo-case-01-08-2003
equivalentes aos padrões internacionais. Pela
7 Em várias entrevistas, o
arquiteto declarou que so- Sisal assinam Luís de Castro Dodsworth Mar- Casé pode ser considerado, depois dos primeiros
freu forte influência de Frank tins, Renato Bastos, Visco Vic Hockensmith.4 grandes mestres cariocas, um dos arquitetos mais
Loyd Wright.
importantes da sua geração, juntamente com Edi-
8 https://arcoweb.com.br/
projetodesign/entrevista/ Paulo Casé iniciou suas atividades na profissão de- son Musa (1934) e Luiz Paulo Conde (1934-2015),
paulo-case-01-08-2003 senvolvendo inúmeros projetos residenciais para a do qual foi colega, como professor, no Curso de

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Arquitetura e Urbanismo da UFRJ desde1964, divulgar temas sobre a arquitetura e a cidade para
tendo influenciado arquitetos do Brasil inteiro for- o grande público (BARBOSA, 2012). Suas reflexões
mados no Rio de Janeiro, inclusive os irmãos Nas- teóricas estão presentes também nos livros “A ci-
ser Hissa, cearenses graduados na UFRJ. dade desvendada: reflexões e polêmicas sobre o
espaço urbano, seus mistérios e fascínios” e “Fave-
A influência que Paulo Casé exerceu não se res- la: arenas do Rio”, onde discute questões urbanas
tringe à sua condição de professor. Os diversos relevantes com foco na realidade carioca9. Assim, o
hotéis projetados em várias cidades do Brasil, pensamento de Casé é marcado por um posiciona-
como Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, além dos mento crítico constante, que o qualifica como um
projetos realizados no Rio de Janeiro contribuíram arquiteto em permanente diálogo com a realidade e
para estabelecer trocas com os arquitetos locais, as transformações do tempo, justificando a hetero-
que absorveram suas idéias e procedimentos pro- geneidade do conjunto da sua obra.
jetuais. Muitos dos edifícios hoteleiros concebidos
por ele tiveram grande visibilidade em publicações A personalidade arquitetônica de Paulo Casé com-
e revistas especializadas e permitiram, além da di- parece no projeto do Hotel Esplanada, marcada
vulgação da sua singular postura arquitetônica, por um evidente filiação ao princípios modernista
o desenvolvimento de soluções inovadoras para saliados ao contextualismo de sua inserção urba-
a tipologia hoteleira, tanto no campo funcional, na e ambiental, tornando o edifício uma referência
como em relação à linguagem e expressão formal. da arquitetura hoteleira em Fortaleza e no Brasil.

Com base na análise dos hotéis projetados por Em síntese, a gestação do Hotel Esplanada teve
Casé, é possível inferir sobre a sua preocupa- a atuação de diversos agentes locais e nacio-
ção com o lugar, com o contexto urbano e com nais, públicos e privados, que viabilizaram o nas-
as condicionantes naturais, revelando que o ar- cimento de um importante ícone da arquitetura
quiteto antecipou princípios da arquitetura con- moderna em Fortaleza.
temporânea no que concerne à relação entre a
9 Recentemente foi lançada arquitetura e a cidade. A Vida do Hotel Esplanada: nasce um ícone
uma publicação em homena- moderno em Fortaleza
gem ao arquiteto, que resga-
ta sua trajetória profissional
Embora não faça parte do escopo deste artigo dis-
e intelectual. O livro “Paulo correr sobre a longa e variada trajetória profissional A expansão da rede hoteleira no Brasil, desde o
Casé. 80 anos: vida, obra, de Paulo Casé, é importante destacar sua atuação início da década de 1970, na era do “milagre eco-
pensamento” de 2011 conta
com textos de Roberto Segre, no campo da escrita. O arquiteto foi colunista e arti- nômico”, se deve à inclusão, embora discreta, do
Regina Zappa e Alfredo Britto. culista do Jornal do Brasil, veículo que utilizou para turismo como atividade econômica; à melhoria da

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rede rodoviária e aeroviária do país; à expansão te contexto e de acordo com os parâmetros do


das práticas de lazer; ao aumento dos fluxos de modernismo arquitetônico brasileiro. São vários
negócios e trocas comerciais e de serviços, geran- os fatores que atestam a centelha moderna no
do demanda por meios de hospedagem; à cons- edifício, conforme será analisado na sequência.
tituição da hotelaria como produto imobiliário; e
aos incentivos fiscais e financeiros, isoladamente Contextualização e Implantação
ou agrupados, contribuindo para a construção de
hotéis (PAIVA, DE PAULA, MACIEL, 2016). Desde meados do século XX, os clubes sociais
impulsionaram sobremaneira a apropriação das
Neste período, o setor hoteleiro no Brasil apresen- zonas de praia de Fortaleza e contribuíram para
tou sinais de grande vitalidade, com a consolida- a valorização da sua “waterfront”. A consolidação
ção de redes hoteleiras nacionais, como a Tropical da Praia do Meireles como localização privilegiada
de Hotéis e a Othon, além da penetração de em- da classe dominante local teve seu marco defini-
presas internacionais, como o grupo Sheraton e tivo com a construção da Avenida Beira Mar em
Hilton Internacional Corporation (ARAÚJO, 2016). 1963, conforme as diretrizes do Plano Diretor de
Somem-se a isto iniciativas de empresários locais, Fortaleza (1962), elaborado por Hélio Modesto.
como foi o caso verificado no Hotel Esplanada.
Nessa altura do processo de urbanização da
A implementação destes hotéis modernos no Bra- cidade, a Praia do Meireles constituía não so-
sil, com exemplares representativos anteriores à mente um território de residências de veraneio,
inauguração de Brasília, se multiplicaram também concentração de atividades de lazer privado dos
no Nordeste depois da construção da capital fede- clubes e das práticas de recreação junto ao mar,
ral e contribuíram para a disseminação e consolida- mas uma área que se valorizava gradativamente
ção dos valores modernistas nas grandes cidades. como local privilegiado da habitação da elite em
Verifica-se também a participação de arquitetos função da expansão da tessitura urbana em dire-
modernos procedentes, sobretudo, do sudeste, o ção ao mar, provenientes do prolongamento da
que favoreceu a introdução dos princípios moder- malha urbana procedentes da Praia de Iracema
nistas nesses lugares e sua adaptação aos contex- e da Aldeota (PAIVA, 2011, p. 219).
tos locais, colaborando para a modernização das
cidades e criando as bases para o início do desen- Outro fator preponderante para compreensão da
10 Ver Cadernos Brasileiros volvimento da atividade turística no Nordeste.
de Arquitetura – Panorama
contextualização urbana do Esplanada se refere ao
da Arquitetura Cearense projeto de urbanização da Beira Mar10 em 1979, que
(1982) Vol1, p. 87. O Hotel Esplanada foi concebido dentro des- foi gradualmente ratificando a importância do lugar

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como espaço de lazer e turismo, criando condições urbanos e que os acessos fossem mais francos.
favoráveis para a valorização imobiliária (edifícios O acesso principal era feito pela Av. Barão de
multifamiliares) e terciária (hotéis, bares, restauran- Studart e o de serviços pela Av. Raimundo Girão
tes, quiosques, feira de artesanato), transformando e, junto à Av. Beira Mar, a entrada para o coffee
a Beira-Mar em uma espécie de praça linear, sta- shop e para os banhistas, fazendo a ligação entre
tus que conserva até a atualidade. Essa condição o mar e a piscina (Figura 02).
impactou paulatinamente os fluxos turísticos, pois
a própria imagem urbana e turística veiculada de O tratamento paisagístico nos espaços exter-
Fortaleza em cartões postais se modificou. Se ou- nos era observado nas jardineiras, tetos-jardins
trora, a Praça do Ferreira, no Centro, era a imagem- e árvores plantadas no passeio da Av. Beira Mar,
-símbolo da Cidade, o skyline da Av. Beira Mar com possibilitando, juntamente com os acessos, a
a presença do Hotel Esplanada adquiriu, a partir de criação de áreas de transição e uma integração
Figura 01 – Vista aérea Hotel Esplanada. Fonte: SOUZA, 2015. então, a condição de ícone de Fortaleza. bastante interessante entre o espaço público e o
privado (Figura 03).
Situado numa esquina privilegiada, na confluên-
cia de quatro avenidas (Beira-Mar, Barão de Stu- Figura 03 – Foto áreas não edificadas. Fonte: Diógenes, Car-
taxo, Montenegro, 1983.
dart, Raimundo Girão e Monsenhor Tabosa), o
edifício gozava de vistas privilegiadas, ao mesmo Espaço Arquitetônico e Interações Funcionais
tempo possuía grande visibilidade, face ao bai-
xo gabarito do entorno, com exceção do Edifício O programa de necessidades do hotel se distribuía
Pedro I, situado no lado oeste (Figura 01). em 21 pavimentos, dos quais, 3 (térreo, mezanino e
primeiro pavimento), que compõem o embasamen-
Adequado aos princípios modernistas, o corpo to, são destinados a usos sociais, de lazer11, além
do edifício estava implantado no centro do lote, de todas as atividades de serviço e administração.
o que lhe conferia um destaque marcante em re-
lação às vias. Por outro lado, o arquiteto projetou Estes setores (social, lazer e serviço) são articu-
Figura 02 – Foto da fachada norte Hotel Esplanada. Fonte: os usos sociais e de serviços localizados na base lados por circulações horizontais e verticais, com
Diógenes, Cartaxo, Montenegro, 1983.
do hotel, ocupando grande parte do pavimento fluxos bem definidos, expressando a maturidade
térreo, praticamente sem recuos, transgredindo o do arquiteto em lidar com programas complexos.
11A área social e de lazer rio, bar e espaço de estar/
inclui: recepção e estar, área descanso, hidromassagem, receituário moderno, do bloco solto no lote. No setor social, os ambientes de estar, junto à re-
para coquetel, salão para salão de beleza, ampla sala cepção, se sucedem numa sequência de planos,
convenções e banquetes, de conferência, sala de reu-
Este recurso permitiu que o edifício se contex- com pés direitos duplos e triplos que se articulam
boate, sauna seca e a vapor, niões, coffee shop e piscina.
sala de massagem, vestiá- tualizasse mais adequadamente com os fluxos por meio de escadas que funcionam como elemen-

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tos de composição do espaço. As áreas de estar sobremaneira as áreas avarandadas, que foram in-
e lazer traduziam o luxo e sofisticação do hotel, corporadas aos edifícios verticais. A transição da
pelos materiais de acabamento utilizados (granito, base do edifício para o corpo se dava por meio de
madeira, vidro e o concreto), além do mobiliário e uma forma trapezoidal, criando uma variação no
objetos de decoração, elementos que compunham tamanho das varandas nos três primeiros pavimen-
o projeto de arquitetura de interiores, de autoria da tos de hospedagem. O coroamento, projetado em
arquiteta pernambucana Janete Costa. balanço em relação ao alinhamento do corpo do
hotel, abrigava as suítes mais sofisticadas.
Figura 04 – Planta 2º Pavimento. Fonte: Souza, 2015.
A ambientação das áreas sociais contava com ob-
jetos do artesanato cearense, o que impunha um A circulação vertical (elevadores sociais e de ser-
destaque especial às peças e um contraste con- viço e escada), associada às áreas de serviço e
veniente com a arquitetura do edifício, além de um apoio nos pavimentos gerava um volume des-
painel artístico do artista plástico cearense Sér- tacado que se projetava na fachada posterior,
vulo Esmeraldo. Essa prática era comum no tra- conferindo certo dinamismo em relação à super-
balho da arquiteta, conhecida por ter sempre in- fície maior, coberta por cobogós. As circulações
Figura 05 – Planta Pavimento Tipo. Fonte: Souza, 2015. centivado e divulgado a arte popular brasileira, na horizontais do pavimento tipo eram abertas para
sua busca de expressar as identidades culturais jardineiras e/ou possuíam a iluminação filtrada
locais, através da arquitetura, da arte e do design. pelos cobogós supracitados, como se fossem
terraços (Figura 07).
Todas as atividades de serviço se concentravam
na parte posterior do edifício, junto à fachada vol-
tada para a Av. Raimundo Girão, distribuindo-se
em três níveis. Percebe-se a herança moderna
na estruturação das plantas (Figura 04, 05 e 06),
Figura 06 – Planta 19º Pavimento. Fonte: Souza, 2015.
marcada pela diferenciação dos ambientes servi-
Figura 07 – Foto Circulação Apartamentos. Fonte: Diógenes,
dos e “de servir”, aspecto adotado também nos
Cartaxo, Montenegro, 1983.
pavimentos-tipo, dedicados à hospedagem.
Linguagem Arquitetônica e Aspectos Formais
As 230 UHs se distribuíam em 18 pavimentos, com
todos os apartamentos dotados de varandas de O hotel se impunha na paisagem, por suas di-
frente para o mar. Esta solução se mostrava diferen- mensões, imponência e tratamento plástico das
te daquela adotada no Meridien do Rio, mas bem fachadas, constituindo um marco visual em toda
adequada à cultura arquitetônica local, que valoriza a área da orla. Em sua configuração geral, o edi-

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fício era composto de quatro partes: uma base, Na norte, predominavam as linhas, superfícies e
marcada pela horizontalidade, um elemento de vazios, formados, sobretudo, pela repetição dos
transição de forma trapezoidal, um “corpo” cúbi- apartamentos, compondo uma malha marcada pe-
co com predomínio da altura sobre a largura e um los guarda-corpos de alumínio e vidro. Na fachada
coroamento, disposto em balanço sobre o corpo posterior - sul, prevaleciam os cheios e os volumes
principal (Figura 08). formando ângulos, criando ritmos distintos pela ir-
regularidade de sua configuração (Figura 09).
Com relação aos materiais utilizados, prevalecia o con-
creto aparente, empregado estruturalmente e também A fachada leste – assim como a oeste – realça
como elemento de vedação e composição plástica, visualmente as distintas partes do edifício, onde
como era comum na linguagem moderna da arquitetu- se observam claramente o volume horizontal, a
ra. É importante salientar que o emprego do concreto transição, o corpo e o coroamento.
Figura 08 – Fotos Externa Hotel Esplanada. Fonte: Diógenes, aparente não significa um alinhamento à escola paulis-
Cartaxo, Montenegro, 1983.
ta brutalista, mas a persistência de uma coerência e ra-
cionalidade construtiva, em que elementos estruturais
e vedação são independentes, até porque as demais
características do edifício passam ao largo das carac-
terísticas específicas do brutalismo paulista.

A marcação do concreto e dos planos de veda-


ção em alvenarias revestidas de pastilha bran-
ca repercute diretamente no tratamento das
fachadas. Outros elementos importantes de
vedação são as esquadrias de alumínio e vidro
e os cobogós, estes últimos cumprindo um pa-
pel destacado na composição das elevações,
sobretudo nos grandes panos da fachada sul
junto às circulações dos apartamentos, confor-
me já foi mencionado.

O conjunto destes materiais impunha unidade for-


mal ao edifício, apesar da evidente distinção en- Figura 09 – Foto fachada sul Hotel Esplanada. Fonte: Dióge-
nes, Cartaxo, Montenegro, 1983.
tre as fachadas norte (voltada para o mar) e sul.

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Aspectos Estruturais, Construtivos e Ambientais a duas unidades de apartamentos, obedecendo


a aspectos específicos da tipologia, visíveis tam-
A concepção estrutural do edifício foi proposta bém na associação de banheiros, unidos dois a
pelo arquiteto, Paulo Casé, mas o projeto foi ela- dois para facilitar as instalações. De modo geral,
borado pela firma Tecnoconsult, do Rio de Janeiro. a forma arquitetônica e a intenção plástica re-
A Construtora SISAL, também do Rio de Janeiro, sultam e expressam na sua totalidade aspectos
ficou responsável pela execução da obra, tendo inerentes à solução espacial, funcional, estrutural
efetuado a compatibilização dos projetos – arqui- e construtiva, de acordo com os princípios pre-
tetônico, estrutural e de instalações – e toda a es- conizados pela arquitetura moderna.
trutura do edifício, das fundações à caixa d’água.
Com a finalização da estrutura, a obra foi paralisa- Várias soluções adotadas no edifício estavam
da e retomada meses depois, já sob a responsa- adaptadas às especificidades locais (clima, ven-
bilidade de uma construtora local, de propriedade tilação e insolação), como podem ser percebidas
de Nelson Otoch e Frederico Moreira. nas varandas e nos mecanismos de proteção so-
lar, como cobogós, balanços, projeções, marqui-
Na estrutura, executada toda com concreto pro- ses e jardins. Além de tecnologias passivas para a
duzido no local, como era comum à época, foram manutenção do conforto ambiental, o arquiteto se
utilizados 6.500 m³ de concreto e 250 toneladas valeu de tecnologias ativas, como o ar condicio-
de aço. Como inovação, apenas a presença de nado, inclusive, por ser uma condição para clas-
uma grua Tecnotra, equipamento até então pou- sificar o Esplanada na categoria de hotel de luxo.
co visto nas construções locais, e que havia sido
utilizada apenas no estádio Castelão, inaugurado A morte do Hotel Esplanada: novas dinâmicas
pouco antes, na Cidade. imobiliárias

Visto que grande parte da estrutura seria aparen- Em 2004, os proprietários do hotel Esplanada
te, sua execução foi realizada com todo rigor e decidiram vendê-lo e o imóvel foi adquirido pelo
esmero. Toda a alvenaria – também convencional grupo português Dorisol Hotels, que iniciou um
- e as instalações só foram executadas quando a processo de retrofit para transformá-lo em Dori-
estrutura estava completamente pronta. sol Grand Hotel de Fortaleza, inclusive com obras
iniciadas, e com previsões de inauguração a prin-
A regularidade da estrutura demonstra a racio- cípio em 2005. Entretanto, essa inauguração foi
nalidade com que o arquiteto projetou o edifício, adiada por várias vezes até 2008, em função de
posto que ela é presidida pela modulação relativa dificuldades em honrar o financiamento de R$ 30

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milhões celebrado com o Banco do Nordeste do mônios edificados, inclusive modernos, vulneráveis
Brasil (BNB), do total de R$ 52 milhões previstos às vicissitudes do tempo por incontáveis razões e
para efetuar a sua modernização. A dívida cres- por diversos agentes nos predatórios processos
ceu, o empréstimo não foi honrado e o BNB hipo- urbanos contemporâneos, conforme assinala Lara:
tecou o empreendimento.
E são tantas as mortes, morridas e matadas.

O edifício ficou abandonado por uma década, até Temos a morte prematura que espalha esque-

que foi adquirido pelo Grupo M. Dias Branco, que letos estruturais nunca dantes ocupados pelas

decidiu demoli-lo, para construir em seu lugar um nossas cidades. A morte de nascença em que

edifício de apartamentos. o processo de arruinamento é por algum mo-


tivo acelerado e o objeto arquitetônico deixa
A forma como o Hotel iria ser demolido (implo- de existir pouco tempo depois de habitado. A
são ou demolição por procedimento mecânico) triste morte por vaidade, tão contemporânea do
ocupou bastante espaço na mídia local (impres- silicone e do botox, em que o uso indiscrimi-
sa e televisiva) sem, no entanto, incorporar a dis- nado de intervenções superficiais ou nem tanto
cussão acerca do seu valor patrimonial, histórico acaba por assassinar a essência espacial da
e cultural. A “morte” era um fato consumado, o edificação que morre pensando estar se tor-
edifício estava condenado, o seu destino estava nando mais bela. A morte por parasitas, esta
traçado. O que estava em pauta era apenas a tão comum que quase passa desapercebida,
maneira como se daria o “óbito”. tantas são os acréscimos exógenos e endóge-
nos de que nos fala Amorim. As cruéis mortes
Óbito arquitetônico pode ser entendido como por abandono, em que a obsolescência não
desaparecimento do corpo edilício em sua to- programada de edifícios como salas de cinema
talidade ou em suas partes. Quando pleno, dele se desmontam a olhos vistos antes de serem
nada resta; não sobrevive, além dos registros e parcialmente revividos na forma de templos ou
memória, nada que matéria e espaço moldado até estacionamentos. E, por fim, a morte anun-
expressaram, abrigaram ou possibilitaram. Obra ciada, resultado da obsolescência programada
desaparecida é metralha. Essa é a morte defi- da dinâmica imobiliária que vive de decretar va-
nitiva de um ente arquitetônico(...).(AMORIM, lores artificialmente inchados ou maldosamente
2007, p. 16-19). esvaziados e, em ambas as modalidades, reti-
rar dali o que existe de vida arquitetônica a ser
12 http://www.vitruvius.com.
br/revistas/read/resenha- A metáfora da morte é apropriada para se compre- substituído num ciclo sem fim e não menos per-
sonline/06.071/3098 ender as ameaças contra a conservação dos patri- verso que a própria morte.12

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O Hotel Esplanada foi vítima não somente da es- Somente no final de 2017 devem começar as
candalosa valorização imobiliária dos terrenos obras do condomínio a ser erguido no lugar do
localizados nas orlas turísticas, mas também da antigo Hotel Esplanada, na Beira Mar. Quando
prevalência do poder do capital e do valor de tro- pronto, 40 andares, do total, 31 com aparta-
ca em relação ao valor de uso, da primazia dos mentos. Será quase todo ocupado pela famí-
interesses privados em detrimento de valores lia Dias Branco, que decidiu morar no mesmo
culturais, dos suportes da memória coletiva e das prédio. (...) O projeto é de Carlos Ott, arquiteto
preexistências urbanas. uruguaio e radicado no Canadá. No portifólio, a
13 “A Outorga Onerosa da -leis-que-regulamentam-o- Opera da Bastilha (1989), em Paris; o National
Alteração de Uso atende -plano-diretor-de-fortaleza Não é exagero reagir a este processo de forma con- Bank de Dubai (1977); além de edifícios comer-
aos projetos urbanísticos e 14 “Estão sendo considera-
tundente e indignada, uma vez que foi aprovado no ciais em São Paulo.15
imobiliários especiais que das como objeto da Outorga
necessitem de flexibilização Onerosa os seguintes parâ- Conselho Permanente do Plano Diretor de Forta-
das normas de uso do solo metros: 1- Índice de Aprovei- leza o recurso de outorga onerosa13 relacionada à Para além dos aspectos arquitetônicos, o estado
ou dos indicadores urba- tamento (IA), que excede em
construção da nova edificação. Será erguido um de exceção que envolve a construção deste novo
nos. Eles serão possíveis a 3,00 o admitido pelo PDP;
partir da nova lei, que é um 2- Gabarito (H), cujo máxi- edifício no local, em regime de exceção, com ga- empreendimento confirma um processo de inter-
instrumento da política ur- mo previsto é de 72,00m e barito de 126,74m e índice de aproveitamento de venção da Prefeitura de forma seletiva, por meio
bana previsto no artigo 222 o proposto no projeto é de
6,0 (seis)14, algo completamente inédito na cidade! da legislação, com rebatimentos significativos na
do Plano Diretor, mediante 126,74m, ou seja, excede
o pagamento de uma con- em 54,74m; 3- Os recuos, paisagem e nos processos de fragmentação e
trapartida ao município. Os que deveriam corresponder Esta excepcionalidade remonta à construção do segregação urbana.
recursos auferidos com esta a 14% da altura da edifica-
hotel, quando foi aprovado como projeto espe-
flexibilização podem ser apli- ção, ou seja, 17,74m, porém,
cados nas seguintes finalida- foram calculados através da cial. Entretanto, os desdobramentos da recente A “ressurreição” do Hotel Esplanada: à guisa
des: regularização fundiária; média ponderada (torre) em decisão relativa ao terreno do Esplanada abrem de conclusão.
execução de programas e 15,49m ao norte, 15,00m ao
precedentes para um aumento excessivo da pro-
projetos habitacionais de in- sul e 15,14m à oeste; 4- Os
teresse social; constituição recuos praticados no pavi- dutividade dos terrenos, ameaçando outras edifi- A demolição do Hotel Esplanada representa um
de reserva fundiária; ordena- mento térreo (pilotis) e nos cações de valor patrimonial, face ao caráter pre- exemplo do descaso em relação à conservação e
mento e direcionamento da pavimentos de garagem e la-
datório do mercado imobiliário e ao esgotamento preservação do patrimônio moderno, revelando o
expansão urbana; implanta- zer também serão objeto de
ção de equipamentos urba- outorga, de acordo com os de lotes disponíveis nas áreas mais valorizadas protagonismo dos agentes imobiliários privados,
nos e comunitários; criação desenhos apresentados no da cidade, como a orla, inaugurando um novo ci- chancelados pelo Estado, na produção dos es-
de espaços públicos de lazer item 2.3.3.”(Parecer emitido
clo de “reconstrução” e revelando uma moderni- paços da cidade.
e áreas verdes; proteção de pela Prefeitura Municipal de
áreas de interesse histórico, Fortaleza). zação que se estabelece deixando no seu rastro
paisagístico ou cultural” In: 15LEAL, Jocélio. Beira Mar a destruição do passado. Ao que tudo indica, o Passado o luto, o que resta é honrar a memó-
http://www.fortaleza.ce.gov. – Naquele Terreno (Coluna
novo edifício anuncia o nascimento de um ícone ria do Hotel Esplanada por meio do registro e
br/noticias/seuma/prefeito- Vertical). O Povo, Fortaleza,
-roberto-claudio-sanciona- p. 15, 02 out. 2016. da arquitetura contemporânea em Fortaleza: documentação dos vestígios materiais de sua

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existência. Para tanto, o edifício vem sendo ob- teto Paulo Casé. Entrevista, São Paulo, ano 13, n.
jeto de estudo em pesquisas realizadas acerca 049.02, Vitruvius, jan. 2012 <http://www.vitruvius.
da arquitetura moderna em Fortaleza e no Nor- com.br/revistas/read/entrevista/13.049/4185>.
deste (figura 10).
CAVALCANTE, Márcia Gadelha. Os edifícios de
A produção da documentação digital deste apartamentos em Fortaleza (1935-1986): dos
acervo constitui importante contribuição para a conceitos universais aos exemplos singulares. Tese
historiografia da arquitetura regional e nacional, (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Universi-
sendo um instrumento de preservação da me- dade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.
mória deste patrimônio arquitetônico que, em-
Figura 10 – Modelagem digital Hotel Esplanada. Fonte: Lo- bora pertença a um passado recente, apresenta DANTAS, Eustógio W. C. Maritimidade nos Tró-
CAU – Produção Bolsista Ilana Holanda. muitos exemplares já demolidos ou em estágio picos: por uma geografia do litoral. 1. ed. Forta-
avançado de degradação. A (re)construção vir- leza: EDUFC, 2009.
tual da arquitetura moderna em Fortaleza, atra-
vés da modelagem digital dos edifícios emble- DIÓGENES, Beatriz; CARTAXO, Joaquim; MON-
máticos se apresenta como uma possibilidade TENEGRO, Aída. Elementos de Análise Arquite-
de “prolongar” a sua existência, seja pelo resga- tônica: o Hotel Esplanada em Fortaleza. Curso
te da memória dos edifícios demolidos, através de Especialização em Arquitetura e Urbanismo,
de uma espécie de “ressuscitação”, seja pela Fortaleza, 1983. (mimeo).
valorização do acervo remanescente.
LARA, Fernando Luiz. Ars longa, vitabrevis? Re-
Referências senhas Online, São Paulo, ano 06, n. 071.03, Vi-
truvius, nov. 2007 <http://www.vitruvius.com.br/
AMORIM, Luiz Manuel do Eirado. Obituário ar- revistas/read/resenhasonline/06.071/3098>.
quitetônico. Pernambuco modernista. Recife:
Editora UFPE, 2007. LEAL, Jocélio. Beira Mar – Naquele Terreno (Colu-
na Vertical). O Povo, Fortaleza, p. 15, 02 out. 2016.
ARAUJO, C.P.. Arquitetura hoteleira: meio, fim ou
imagem? In: VARGAS, Heliana C.; PAIVA , Ricar- PAIVA, Ricardo Alexandre. Entre o Mar e o Ser-
do A. (Org.). Turismo, arquitetura e cidade. 1ed. tão: Paisagem e memória no Centro de Forta-
Barueri: Manole, 2016, v. , p. 389-420. leza. 2005. Dissertação (Mestrado em Paisagem e
Ambiente). - Faculdade de Arquitetura e Urbanis-
BARBOSA, Antônio Agenor. Entrevista com o arqui- mo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

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PAIVA, Ricardo Alexandre. A metrópole híbrida: PAIVA, Ricardo Alexandre; PAULA, P. V.; MACIEL,
o papel do turismo no processo de urbani- V. O Turismo e o Hotel Moderno no Nordeste. In:
zação da região metropolitana de Fortaleza. V CINCCI: Colóquio Internacional sobre Comér-
2011. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano cio e Cidade: uma relação de origem. São Paulo:
e Regional) - Faculdade de Arquitetura e Urbanis- FAUUSP, 2016.
mo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
SOUZA, Marilena Carvalho. Os hotéis e a cida-
PAIVA, Ricardo A.; DIÓGENES, Beatriz H. Caminhos de: o caso de Fortaleza. Dissertação. (Mestra-
da arquitetura moderna em Fortaleza: a contribui- do em Arquitetura e Urbanismo). Universidade
ção do arquiteto José Armando Farias. In: Anais do Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.
V DOCOMOMO NO-NE; Fortaleza, 2014.

PAIVA, Ricardo A.; DIOGENES, Beatriz H. Ca-


minhos da Arquitetura Moderna em Fortaleza:
a contribuição dos arquitetos José e Francisco
Nasser Hissa. In: 4° Seminário Iberoamericano
Arquitetura e Documentação. Belo Horizonte:
UFMG-MACPS-IEDS, 2015. v. 1.

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