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O Śiva liṅgaṃ

O hino Liṅgāṣṭakam
O liṅgaṃ no Śiva Purāṇa

Tradução

Roberto de A. Martins

VERSÃO INTEGRAL

Serra da Mantiqueira, MG
www.shri-yoga-devi.org
info.shriyogadevi@gmail.com
Shri Yoga Devi

Autor: Roberto de A. Martins


Diagramação e trabalho editorial: Flávia Bianchini
Capa: Flávia Bianchini

Serra da Mantiqueira, MG
www.shri-yoga-devi.org
info.shriyogadevi@gmail.com

Direitos autorais: © 2019 Roberto de Andrade Martins. Todos os


direitos reservados e protegidos. Conforme a Lei 9.610/98, é proibida
a reprodução total e parcial do conteúdo deste trabalho e sua difusão,
sob qualquer forma ou meio, sem a autorização prévia e expressa do
autor (artigo 29).
Sumário

APRESENTAÇÃO............................................................................... 1
O que é o Śiva liṅgaṃ? ......................................................................... 2
Liṅgaṃ Pūja - rituais para o Liṅgaṃ .................................................. 14
Meditação utilizando o Śivaliṅga ....................................................... 20
O Hino Liṅgāṣṭakam........................................................................... 23
As oito estrofes do Liṅgaṃ................................................................. 23
O liṅgaṃ no Śiva Purāṇa ................................................................... 28
APRESENTAÇÃO............................................................................. 29
Śiva Purāṇa I (Vidyeśvara Saṁhitā) .................................................. 30
Adhyāya 5 ........................................................................................... 30
Adhyāya 6 ........................................................................................... 34
Adhyāya 7 ........................................................................................... 37
Adhyāya 8 ........................................................................................... 44
Adhyāya 9 ........................................................................................... 48
Adhyāya 10 ......................................................................................... 54
APRESENTAÇÃO
Roberto de A. Martins

O liṅgaṃ de Śiva (Śiva liṅgaṃ) é um símbolo muito


importante na espiritualidade indiana.
A palavra "liṅga", que vem do radical sânscrito lag,
significa uma marca, um signo, uma indicação, um emblema,
um sinal. Na interpretação espiritual indiana, o liṅgaṃ (ou
liṅga) é uma representação simbólica do Absoluto (Brahman).
As várias divindades indianas (devas) possuem representações
antropomórficas sob a forma de pinturas e esculturas. Brahman,
no entanto, não se assemelha a uma pessoa, não tem corpo, não
tem aparência física. Não existem estátuas ou pinturas de
Brahman. Mas ele pode ser representado por esse sinal especial.

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O que é o Śiva liṅgaṃ?

Se você fizer algumas buscas simples na Internet com a


palavra "liṅgaṃ", poderá ficar com a impressão de que essa
palavra significa simplesmente "pênis" e que toda as práticas
associadas ao liṅgaṃ têm alguma conotação sexual. Isso não é
verdade, na tradição indiana. É verdade que, em certos
contextos, a palavra sânscrita "liṅgaṃ" pode indicar o órgão
sexual masculino; mas tem outros significados muito mais
profundos, na religião e na filosofia indiana.

Em sânscrito, há muitas palavras que representam o pênis.


A mais comum delas é "śiśna" e não "liṅgaṃ". Alguns dos
nomes do pênis em sânscrito são analógicos - por exemplo,
"daṇḍa", que significa bastão, pode também indicar o pênis.
Outros nomes são simbólicos: "kāmāyudha" significa a flecha
do desejo (ou de Kāma). Outros têm um significado mais direto.
Por exemplo: "narāṅga" significa literalmente "membro do

2
homem" e "śiśna" significa "perfurador". A palavra liṅgaṃ
também pode representar o órgão sexual masculino.
Os objetos ou esculturas que representam o Śivaliṅga
reforçam a idéia de um significado sexual. Essas esculturas
possuem duas partes principais: um cilindro vertical, que é
o liṅgaṃ propriamente dito, e uma parte horizontal chamada
"yoni" onde o liṅgaṃ está fixado. "Yoni" significa o órgão
reprodutor feminino, útero, vulva, vagina; de um modo mais
abstrato, pode também significar fonte, origem, receptáculo,
morada.

Assim, a conexão entre um liṅgaṃ e um yoni tem uma


conotação sexual direta e o liṅgaṃ parece ser, simplesmente, um
símbolo fálico. Por isso, muitas pessoas interpretam
o Śivaliṅga como um símbolo do poder fecundador ou gerador
das forças da natureza, como a união do princípio reprodutor
feminino com o masculino ou, de forma mais simbólica, como a
união entre a divindade masculina, representada por Śiva, com a

3
divindade feminina, representada pela Śakti ("a poderosa") ou
Pārvatī.

4
Pode-se ficar com a impressão de que os indianos só
pensam em sexo, e que todos os homens, mulheres e crianças
que cultuam diariamente o Śivaliṅga devem ter como objetivo o
aumento da sua energia sexual e do prazer proporcionado pelo
sexo. No ocidente, infelizmente, muitas ideias indianas
(incluindo esta) foram distorcidas, e doutrinas de grande
5
profundidade espiritual foram transformadas em desculpas para
uma liberdade sexual ilimitada, pelo simples prazer. A tradição
indiana não nega a importância do prazer (em particular, do
prazer sexual) como um importante objetivo humano; mas existe
uma diferença entre a busca do prazer e a busca pela
transcendência espiritual, que é o objetivo mais elevado,
segundo a tradição da Índia.
Vejamos, então, outros aspectos do Śivaliṅga -
especialmente seus aspectos místicos, filosóficos e espirituais.
A palavra "liṅga", que vem do radical sânscrito lag,
significa uma marca, sinal, indicação, signo, emblema,
característica, identificação. Em certos contextos, liṅga significa
uma prova ou evidência (um sinal da verdade, ou um indício de
um crime). Por exemplo, em frases como "existe fogo, porque
há fumaça", a fumaça é o liṅga. Na medicina indiana, pode
significar um sintoma (um sinal da doença).

Se esse é o significado original da palavra, por que motivo


"liṅga" passou a ter o significado de pênis? Simplesmente
porque o pênis é o sinal que identifica os homens, assim como a
fumaça identifica a presença do fogo.

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O significado mais geral e abstrato da palavra liṅga é o
seu principal significado. Por exemplo, no Vedānta, há um
termo técnico, liṅgaśarīra, cuja tradução literal é "corpo (śarīra)
característico (liṅga)". É a parte do ser humano que transmigra
de uma vida para a outra, e que transporta as características
pessoais daquela pessoa (incluindo o seu karma). Qualquer ser
humano tem um liṅgaśarīra (não apenas os homens). Se a
palavra liṅga se referisse apenas ao órgão sexual masculino, as
mulheres não poderiam ter um liṅgaśarīra.

A origem e o significado do Śivaliṅga (o liṅgaṃ de Śiva)


são apresentados de modo muito claro em uma importante
7
escritura indiana, o Śiva Purāṇa. Sob o ponto de vista
mitológico, o Śivaliṅga é uma manifestação da divindade Śiva,
que surge para interromper uma disputa entre Brahmā e Viṣṇu.
Esses dois devas estavam brigando porque cada um deles se
considerava mais importante do que o outro. Śiva então se
manifestou no meio da batalha entre eles, sob a forma de uma
coluna ou pilar de fogo.

Brahmā e Viṣṇu interrompem sua luta, espantados por


aquela manifestação divina poderosa, que não conseguem
compreender. Brahmā adquire a forma de seu veículo (um cisne)
e voa para o alto, tentando encontrar a ponta daquela coluna de
fogo; e Viṣṇu adquire a forma de uma de suas manifestações,
um javali, e mergulha dentro da Terra para tentar encontrar a

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extremidade inferior do pilar divino. Nenhum deles consegue
chegar até a base ou o pico dessa coluna de fogo - uma
indicação simbólica de que aquela manifestação era muito
superior ao poder e ao alcance dos dois devas. Então, Śiva
surgiu em sua manifestação comum, de dentro da coluna de
fogo, explicando para Brahmā e Viṣṇu que era ele próprio o
Senhor supremo (Īśa, ou Īśvara).

Depois de dar várias explicações, o próprio Śiva produz


o Śivaliṅga, como uma miniatura da coluna de fogo: “Ó filhos,
esta coluna sem raiz nem topo será a partir daqui diminuída em
tamanho, para o benefício da visão e do culto no mundo.” (Śiva
Purāṇa I.9.19).

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Śiva, no Śiva Purāṇa, é considerado não apenas como
uma das várias divindades hindus (devas), mas também como o
Absoluto ou Brahman, por isso ele declara para Brahmā e
Viṣṇu:
“Eu tenho duas formas: a manifesta e a não-manifesta.
Ninguém mais tem essas duas formas. Portanto, todos os demais
não são Īśvara. Caros filhos, primeiramente sob a forma da
coluna de fogo e depois nesta forma incorporada, eu expus a
vocês minha natureza de Brahman sem forma, e soberania
[īśatva] corpórea. Essas duas estão presentes apenas em mim e
não em qualquer outro. Portanto ninguém mais, nem vocês,
pode alegar soberania.” (Śiva Purāṇa I.9.30-32)

Assim, quando Śiva é representado de forma corpórea


(com cabeça, mãos, pés) ele representa um dos devas - uma das
muitas manifestações divindas existentes no universo. Mesmo
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sendo considerado (no Śiva Purāṇa) como a principal
divindade, que é soberana (Īśvara), essa não é a representação
do Ser Supremo (Brahman). Esse Ser Supremo não pode ser
representado por imagens corpóreas (com cabeça, mãos, pés),
sendo representada pelo liṅgaṃ.
“Para esclarecer minha natureza de soberano [īśatva], que
não era conhecida, eu me manifestei imediatamente na forma
incorporada de Īśa. A natureza de soberania [īśatva] em mim
deve ser conhecida como a forma incorporada, e esta coluna
simbólica é indicativa de minha natureza de Brahman. Como ela
tem todas as características do meu liṅgaṃ, ele será o meu
símbolo. Ó filhos, vocês o cultuarão todos os dias.” (Śiva
Purāṇa I.9.40-42)

O liṅgaṃ é uma representação material da coluna de fogo


manifestada por Śiva e, por ter esse aspecto ígneo, ele é
constantemente banhado em água e outros líquidos.
Portanto, na interpretação espiritual indiana, o Liṅgaṃ
(ou liṅga) é uma representação simbólica do Absoluto
(Brahman). As várias divindades indianas (Devas) possuem

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representações antropomórficas sob a forma de pinturas e
esculturas. Brahman, no entanto, não se assemelha a uma
pessoa, não tem corpo, não tem aparência física. Não existem
estátuas ou pinturas de Brahman. Mas ele pode ser representado
por esse símbolo ou sinal especial.

A coluna central do Śivaliṅga tem uma parte que fica


visível, fora do Yoni, e tem outras duas partes que ficam
invisíveis. A parte externa representa Śiva, as outras duas partes
representam Brahmā e Viṣṇu. O conjunto dessas três partes
representa aquele Absoluto (Brahman) do qual Śiva, Brahmā e
Viṣṇu são apenas três manifestações.
Para cada deva, existem muitos mantras diferentes. Um
dos principais mantras de Śiva é o mantra de cinco sílabas
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"namaḥ Śivaya", que é cantado precedido pelo OM. Esse mantra
pode ser recitado diante de uma estátua representando a forma
corpórea de Śiva (com cabeça, braços, pés). Existe apenas um
mantra para Brahman, que é o próprio OM. Este é o mantra
adequado para o Śivaliṅga.

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Liṅgaṃ Pūja - rituais para o Liṅgaṃ
Nos templos, nas ruas e nas residências da Índia é comum que
as pessoas façam rituais (Pūja) associados ao Śivaliṅga.
Apresentamos primeiramente uma descrição geral a respeito
desses rituais.

Na Índia existem imagens do Śivaliṅga em todos os templos


dedicados a Śiva, e também em muitos outros lugares (nas ruas
das cidades e perto dos rios). Além disso, muitas pessoas têm
um Śivaliṅga em casa. O Śivaliṅga pode ser feito de pedra,
argila e vários outros materiais. Há alguns, pequenos, que são
feitos de cristal.
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O ritual dedicado ao Liṅgaṃ (Liṅgaṃ Pūja) ajuda os
devotos a entrarem em contato com o aspecto supremo e não-
antromórfico de Śiva, ou seja, com seu aspecto que representa o
Absoluto ou Brahman. É muito mais fácil entrar em contato com
Śiva sob o aspecto corpóreo, antropomórfico, mas o Liṅgaṃ tem
um objetivo mais profundo. Mais importante do que rituais
externos é a atitude interna, de procurar estabelecer uma
conexão pessoal, uma vivência direta, de união com Brahman
através do Liṅgaṃ.
Há muitos modos de fazer o culto ao Liṅgaṃ.
Descrevemos abaixo uma sequência simples.
Antes de começar o Pūja, o devoto deve tomar um banho
e colocar roupas limpas. No início do culto podem ser cantados
vários mantras associados a Śiva, como "Om namaḥ Śivaya",
mas que apenas servem como preparo inicial, pois as escrituras
(como o Śiva Purāṇa) explicam que esses mantras estão
associados ao aspecto antropomórfico de Śiva, e não ao Liṅgaṃ.
O mantra específico do Liṅgaṃ é o OM.

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Ao iniciar o culto do Liṅgaṃ, propriamente dito, o devoto
se assenta diante da representação do Liṅgaṃ e toca um sino ou
sopra uma concha.
Então, se realiza a ablução ou banho religioso (abhiṣeka),
derramando líquidos sobre o Liṅgaṃ. Os líquidos que podem ser
utilizados são muitos: água do rio Ganges, mel, melado, caldo
de cana, leite, iogurte, manteiga líquida (ghī), água do mar, água
de côco, leite de côco, óleos perfumados e água de rosas.

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Tradicionalmente, são utilizados cinco líquidos diferentes.
Mas pode-se utilizar apenas leite.

Podem ser cantados certos mantras específicos, enquanto


se faz o oferecimento dos líquidos. Considera-se que é essencial
derramar líquidos sobre o Liṅgaṃ, porque ele representa uma
coluna de fogo que precisa ser resfriada, para evitar a destruição
do universo. Em alguns templos dedicados a Śiva, há um
recipiente sobre o Liṅgaṃ de onde pinga água (ou outro líquido)
constantemente sobre ele.

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Depois da libação, limpa-se o Liṅgaṃ com água do
Ganges (ou com água pura de outra origem). Então se passa
pasta de sândalo sobre ele, enfeitando-o em seguida com flores.
Depois, são oferecidos alimentos ao Liṅgaṃ: doces, côco, frutas.
Em seguida, acende-se incenso, lamparinas ou cânfora e é feito
o oferecimento da luz (arati). Alguns devotos também utilizam
leques e abanadores para resfriar o Liṅgaṃ.

O final do Pūja é indicado tocando sinos ou soprando a


concha. Passa-se cinza sagrada, sob a forma de três linhas
horizontais, na testa (em homenagem a Śiva) com um ponto
vermelho no centro (em homenagem à Śakti). Os alimentos
(doces, frutas, côco, etc.) são distribuídos aos presentes, como
"prasāda".

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Meditação utilizando o Śivaliṅga
Existem diferentes mantras para cada divindade. Há
muitos mantras dedicados a Śiva, por exemplo. Porém, como o
Liṅgaṃ representa o Absoluto, ou Brahman, existe um único
mantra associado a ele: o OM. Esse será o mantra utilizado na
meditação sobre o Liṅgaṃ.

Śivaliṅga mudrā

Há um gesto feito com as mãos (mudrā) específico


associado ao Śiva Liṅgaṃ, que é chamado Śivaliṅga Mudrā. No
corpo humano, o Liṅgaṃ é representado pelo polegar:

“Algumas autoridades recomendaram o culto do liṅgaṃ


sobre o polegar, etc. Nesses rituais de culto ao liṅgaṃ não existe
nenhum tipo de proibição.” (Śiva Purāṇa I.11.34)

No Śivaliṅga mudrā, a mão esquerda, aberta, é colocada


em posição horizontal, na altura do diafragma. A mão direita,
fechada, com o polegar para cima, é colocada sobre a mão
esquerda. (Observação: há uma outra mudrā, chamada Liṅgaṃ
mudrā, que é diferente deste.)

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O gesto feito com a mão esquerda se chama Ardhacandra
mudrā, e o da mão direita se chama Śīkhara mudrā.

Ardhacandra mudrā representa a Lua no quarto


minguante. Todos os dedos, exceto o polegar, ficam esticados e
unidos. O polegar fica separado dos demais dedos. Não se deve
confundir com outro gesto, no qual todos os cinco dedos ficam
unidos e que se chama Pataka mudrā.

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Śīkhara mudrā representa o pico de uma montanha ou o
topo de uma árvore, uma coluna, um bastão. Todos os dedos,
exceto o polegar, ficam dobrados com suas pontas encostadas na
palma da mão. O polegar fica esticado, separado dos demais
dedos.

Meditação utilizando o Śiva Liṅgaṃ

Assente-se em uma posição confortável e coloque as mãos


em Śivaliṅga mudrā, na altura do diafragma. As mãos podem
ficar encostadas ao peito, para facilitar o gesto.
Primeiramente, repita um mantra para Śiva, em voz alta ou
mentalmente. Você pode utilizar o "Om namah Śivaya" ou o "Om
Śivaya namah". Você poderá cantar também o hino Liṅgāṣṭakam
que está traduzido no prócimo capítulo.
Depois de algum tempo, passe a repetir (mentalmente)
apenas o "OM", concentrando sua atenção em Brahman - o
Absoluto, aquele que não tem forma nem limites. Esvazie sua
mente de pensamentos e associações.

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O Hino Liṅgāṣṭakam
As oito estrofes do Liṅgaṃ

Roberto de A. Martins

23
O Hino Liṅgāṣṭakam
As oito estrofes do Liṅgaṃ

Roberto de A. Martins
Um dos cânticos mais populares associados ao liṅgaṃ é o
Liṅgāṣṭakam (que significa "oito estrofes sobre o liṅgaṃ ").
Trata-se de um hino devocional (stotra) que elogia o Śivaliṅga,
sob vários aspectos.
Apresentamos abaixo o texto completo desse hino devocional,
em sânscrito transliterado, seguido pela tradução em portugués.

Brahma murāri surārcita Liṅgaṃ


nirmala bhāṣita śobhita Liṅgaṃ
janmaja duḥkha vinā śaka Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||1||

1. O Liṅgaṃ que é cultuado por Brahmā, Viṣṇu e todos os


Suras,
o Liṅgaṃ que tem uma fala pura e que é radiante,
o Liṅgaṃ que destrói o sofrimento que surge pelo nascimento,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

24
Deva muni pravarārcita Liṅgaṃ
Kāma daham karuṇā kara Liṅgaṃ
Rāvaṇa darpa vinā śana Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||2||

2. O Liṅgaṃ que é cultuado pelos sábios e Devas,


o Liṅgaṃ compassivo que destruiu Kāma,
o Liṅgaṃ que destruiu a arrogância de Rāvaṇa,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

sarva sugandhi sulepita Liṅgaṃ


buddhi vivar chana kāraṇa Liṅgaṃ
siddha surāsura vandita Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||3||

3. O Liṅgaṃ que é bem untado com todas as fragrâncias,


o Liṅgaṃ que é a causa do crescimento da Buddhi,
o Liṅgaṃ que é cultuado pelos Siddhas, Suras e Asuras,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

kana kamahā maṇi bhūṣita Liṅgaṃ


phaṇipati veṣtita śobhita Liṅgaṃ
dakṣasiyajña vināśana Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||4||

4. O Liṅgaṃ adornado com ouro e pedras preciosas,


o Liṅgaṃ radiante, que tem o rei das serpentes enrolado em
torno,
o Liṅgaṃ que destruiu o sacrifício de Dakṣa,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

kuṅkuma candana lepita Liṅgaṃ


paṅka jahāra suśobhita Liṅgaṃ
sañcita pāpa vināśana Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||5||
25
5. O Liṅgaṃ untado com açafrão e pasta de sândalo,
o Liṅgaṃ radiante, com uma guirlanda de lótus,
o Liṅgaṃ que destrói os pecados acumulados,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

Deva gaṇārcita sevita Liṅgaṃ


bhāvair bhakti bhireva ca Liṅgaṃ
dina karakoṭi prabhākara Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||6||

6. O Liṅgaṃ que é cultuado pelos Devas,


o Liṅgaṃ que é cultuado com muita devoção,
o Liṅgaṃ que brilha como um milhão de sóis,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

aṣṭa dalo pariveṣṭita Liṅgaṃ


sarva samubhava kāraṇa Liṅgaṃ
aṣṭa daridra vināśita Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||7||

7. O Liṅgaṃ que está envolto por oito pétalas,


o Liṅgaṃ que é a causa de toda a criação,
o Liṅgaṃ que destrói os oito tipos de pobreza,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

suraguru suravara pūjita Liṅgaṃ


suravana puṣpa sadārcita Liṅgaṃ
parātparam paramātmaka Liṅgaṃ
tat praṇamāmi sadāśiva Liṅgaṃ ||8||

8. O Liṅgaṃ que é cultuado pelo Guru dos Suras e pela elite dos
Suras,
o Liṅgaṃ que é cultuado com flores divinas,

26
o Liṅgaṃ que é mais elevado do que o mais elevado, o Eu
supremo,
eu me prosterno diante desse Liṅgaṃ de Sadāśiva.

==========================================

LIGAKAM IDAM PUYAM


YA PAHET IVASANNIDHAU |
IVALOKAMAVPNOTI
IVENA SAHAMODATE ||

Recitando as oito estrofes em louvor do LIṄGAM,


com a presença do Senhor IVA,
atinge-se a morada suprema de IVA
e se desfruta de uma felicidade eterna com IVA.

OM TAT SAT

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O liṅgaṃ no Śiva Purāṇa

Roberto de A. Martins

28
APRESENTAÇÃO

O Śiva Purāṇa contém sete partes. A primeira, denominada


Vidyeśvara Saṁhitā, contém uma extensa explicação sobre o liṅgaṃ.
O terceiro e o quarto capítulos (Adhyāya) dessa parte descrevem três
práticas importantes para atingir Brahman, que neste Purāṇa é
identificado com Śiva. Além da realização dos rituais prescritos pelos
Vedas, essas três práticas devem ser exercitadas: Śravaṇa (ouvir os
ensinamentos sagrados), Kīrtana (glorificação de Śiva) e Manasa
(meditação). Depois das explicações sobre esses três meios, é
colocada a seguinte dúvida:
“Ó Sūta, você narrou Śravaṇa e os outros – os três meios da salvação.
Se uma pessoa for incapaz de praticar esses três, o que ele deve fazer
para atingir a libertação? Qual é o ritual pelo qual a salvação será
possível sem dificuldade ou esforço?” (Śiva Purāṇa I.4.22-23)
Começa, então, a explicação deste Purāṇa a respeito do liṅgaṃ e do
seu culto, que traduzimos abaixo.
A tradução para o português foi realizada por Roberto de A. Martins,
a partir da seguinte versão em inglês:
• SHASTRI, Jagadish Lal. The Śiva Purāṇa. Delhi: Motilal
Banarsidass, 2009. 3 vols.

29
Śiva Purāṇa I (Vidyeśvara Saṁhitā)
Adhyāya 5

30
1. Sūta disse:
“Uma pessoa incompetente para realizar as três práticas de Śravaṇa e
as outras deve estabelecer o emblema do liṅgaṃ ou a imagem de Śiva
e cultuá-los todos os dias. Assim ele pode cruzar o oceano da
existência mundana.”
2. “De acordo com sua possibilidade, o devoto deve também fazer
doações de riquezas, sem enganar os outros. Ele os oferecerá ao
liṅgaṃ ou à imagem de Śiva. Ele deve cultuá-los constantemente.”
3-7. “O culto deve ser realizado de forma elaborada. Construção de
plataformas, portais ornamentados, templos, mosteiros, centros
sagrados, etc. Oferecimento de tecidos, perfumes, guirlandas, incenso,
lamparinas, com a devida devoção. Oblações de comidas como arroz,
panquecas, tortas etc., com outros acompanhamentos. Sombrinhas,
abanadores, proteções com todos os acessórios – tudo deve ser
mantido no culto a Śiva. De fato, devem ser prestadas todas as
homenagens devidas a um rei. Deve ser realizada a circunambulação e
adoração com japa [repetição de mantras] de acordo com sua
capacidade. Todos os rituais comuns no culto, como a invocação,
devem ser mantidos com a devida devoção. Uma pessoa que cultua o
liṅgaṃ ou a imagem desta maneira atingirá a salvação mesmo sem
Śravaṇa e as outras [práticas]. Muitas pessoas nobres de tempos
antigos foram libertados apenas por esse culto simples. “
8. Os sábios disseram:
“Em todos os lugares, as divindades [Devas] somente são cultuados
através de suas imagens. Como ocorre que Śiva é culturado tanto
através da imagem quanto do liṅgaṃ?”
9. Sūta disse:
“Ó sábios, esta é uma questão sagrada e maravilhosa. Aqui falará o
próprio Śiva e não uma pessoa comum.”
10. “Eu lhes direi o que o próprio Śiva disse e o que eu ouvi de meu
próprio ācārya. Apenas Śiva é glorificado como niṣkala [indivisível]
pois ele é idêntico ao Brahman supremo.”

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11. “Ele é também divisível [sakala] pois tem uma forma corporal. Ele
é tanto niṣkala quando sakala. O liṅgaṃ é apropriado para o seu
aspecto niṣkala.”
12-13. “No aspecto sakala, é apropriado o culto da sua forma
corpórea. Como ele tem os aspectos sakala e niṣkala, ele é cultuado
pelas pessoas tanto na forma do liṅgaṃ quanto na forma de imagem
corpórea e é chamado de o Brahman mais elevado. Outras divindades,
não sendo Brahman, não têm em nenhum lugar o aspecto niṣkala.”
14. “Assim, as divindades [Devas] não são cultuadas pelo símbolo
sem forma do liṅgaṃ. As outras divindades são distintas de Brahman
e são seres viventes (jīvas) individuais.”
15. “Por serem apenas seres incorporados, só são cultuados sob a
forma corpórea. Śaṃkara tem a natureza de Brahman, e os outros a
natureza de jīva.”
16. “Isso foi explicado por Nandikeśvara, dando o significado do
praṇava (OM), a essência do Vedanta, a pedido de Sanatkumāra, o
sábio filho de Brahmā, na montanha Mandara.”
[aqui começa o diálogo entre Nandikeśvara e Sanatkumāra]
17-18. Sanatkumāra disse:
“Somente a forma corpórea é observada no culto das divindades
diferentes de Śiva. Somente no culto de Śiva vemos tanto a forma
incorporada quanto o liṅgaṃ. Assim, ó benevolente, por favor me
conte sobre isso de forma precisa, fazendo-me entender a verdade.”
19. Nandikeśvara disse:
“É impossível responder a esta questão sem revelar o segredo de
Brahman.”
20-24. “Ó livre de impurezas, como você é piedoso, vou lhe contar o
que o próprio Śiva disse. Śiva tem o aspecto desprovido de corpo por
ser o supremo Brahman, por isso o niṣkala liṅgaṃ, de acordo com as
inferências dos Vedas, só deve ser utilizado no seu culto. Ele tem
também uma forma corporal, por isso sua imagem também deve ser
cultuada e aceita por todas as pessoas. De acordo com a decisão dos
Vedas, apenas s forma corpórea deve ser utilizada no culto das outras

32
divindades, que são apenas jīvas individuais corporificados. Os Devas
apenas possuem o aspecto corpóreo em sua manifestação. Na
literatura sagrada, tanto a forma corpórea quanto o liṅgaṃ são
mencionados para Śiva.”
25. Sanatkumāra disse:
“Ó afortunado, você explicou distintamente o culto do liṅgaṃ e da
imagem, para Śiva e para os outros Devas. Então, ó senhor dos
yogins, eu desejo ouvir sobre a manifestação do Śiva liṅgaṃ.”
26-27. Nandikeśvara disse:
“Meu caro, por amor a você eu lhe contarei a verdade. Muito tempo
atrás, no primeiro kalpa, os nobres Brahmā e Viṣṇu lutaram um contra
o outro.”
28. “Para erradicar sua arrogância, o senhor supremo [parameśvara]
mostrou sua forma niṣkala desprovida de corpo, no meio deles, sob a
forma de uma coluna.”
29. “Ele mostrou seu liṅgaṃ separado, proveniente da coluna,
desejando abençoar os mundos.”
30. “Desse tempo em diante, o liṅgaṃ divino e a imagem corpórea,
conjuntamente, foram associados apenas a Śiva.”

33
Śiva Purāṇa I (Vidyeśvara Saṁhitā)
Adhyāya 6

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1. Nandikeśvara disse:
Uma vez, muito tempo atrás, ó yogin eminente entre os yogins, Viṣṇu
estava adormecido sobre seu leito de serpente. Ele estava cercado pela
deusa da fortuna [Lakṣmī] e seus atendentes.
2. Brahmā, o maior de todos os sábios vêdicos, chegou lá por acaso.
Ele perguntou ao belo Viṣṇu, de olhos de lótus, que estava deitado lá:
3. “Quem é você deitado aqui como uma pessoa insolente, mesmo
depois de me ver? Levante-se, meu caro, vendo a mim, que sou seu
senhor. Eu cheguei aqui.”
4. “São exigidos ritos de penitência para o miserável que se comporta
como um tolo insolente quando é visitado por uma pessoa mais velha
e honrável.”
5. Ouvindo essas palavras, Viṣṇu ficou bravo. Mas assumindo uma
calma exterior, ele disse: “Homenagem a você, meu caro! Bem vindo.
Por favor, assente-se neste leito. Por que a sua face está agitada e seus
olhos parecem tão curiosos?”
6. Brahmā disse:
“Meu caro, saiba que eu vim com a velocidade do tempo. Eu devo ser
muito honrado. Meu caro, eu sou o protetor do mundo, o avô, e
também seu protetor.”
7. Viṣṇu disse:
“Meu caro, todo o universo está situado dentro de mim, mas seu modo
de pensar é como o de um ladrão. Você nasceu do lótus que brotou do
meu umbigo. Você é meu filho. Portanto, suas palavras são fúteis.”
8-9. Nandikeśvara disse:
Discutindo um com o outro desse modo, dizendo que cada um é
melhor do que o outro, e alegando serem o senhor, eles se prepararam
para lutar, como dois bodes tolos, desejosos de matar um ao outro.
10. As duas divindades heróicas, assentadas em seus respectivos
veículos – o cisne [Hamsa] e a águia [Garuḍa] – lutaram entre si. Os
auxiliares de Brahmā e Viṣṇu também entraram em choque.

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11. Enquanto isso, os diferentes grupos de Devas, que se movem em
carruagens celestes, chegaram lá para testemunhar a maravilhosa luta.
12-18. Vendo dos céus, eles espalharam flores por todos os lados. A
divindade cujo veículo é Garuḍa se enfureceu e disparou flechas
insuportáveis e muitos tipos de armas sobre o peito de Brahmā.
Furioso, Brahmā também lançou muitas flechas de fúria ardente e
diferentes tipos de armas sobre Viṣṇu. Os Devas comentaram sobre
essa batalha maravilhosa e se agitaram muito. Viṣṇu, em sua grande
fúria e agitação mental, respirava fortemente e descarregou a arma
māheśvara [do Grande Senhor, Śiva] sobre Brahmā. Aborrecido com
isso, Brahmā apontou a terrível arma pāśupata [do senhor dos animais,
Śiva] para o peito de Viṣṇu. A arma, subindo muito alto no céu,
brilhando como dez mil sois, com milhares de terríveis pontas, rugia
assustadoramente como um vendaval. Essas duas armas de Brahmā e
Viṣṇu se enfrentaram então em um choque terrível.
19. Assim era a luta entre Brahmā e Viṣṇu. Então, meu caro, os
Devas, em sua agitação inútil e em seu espanto conversaram entre si,
como as pessoas fazem quando seus reis guerreiam.
20-22. O Deva que carrega o tridente [Śiva], o supremo Brahman, é a
causa da criação, manutenção, aniquilação, ocultação e bendição. Sem
sua colaboração, nem uma folha de grama pode ser cortada por
qualquer pessoa, em qualquer lugar. Assim pensando, em seu temor,
eles [os Devas] desejaram ir à morada de Śiva e foram até o pico da
montanha Kailāsa, onde reside o Deva que tem a lua na sua fronte.
23. Vendo aquela região de Parameśvara [o senhor supremo], com a
forma de oṃkāra, eles inclinaram suas cabeças para baixo em
reverência e entraram no palácio.
24. Lá eles viram o supremo líder dos Devas, brilhando de forma
resplandecente sobre o assento adornado com jóias, em companhia de
Umā, sobre um altar, no meio da sala do conselho.
25. Sua perna direita estava sobre o joelho da esquerda; suas mãos
semelhantes a lótus estavam colocadas sobre as pernas; seus
atendentes estavam em torno dele. Ele tinha todas as boas
características.

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26. Ele estava sendo abanado por especialistas nessa arte – mulheres
com atenção concentrada em um ponto. Os Vedas o estavam
elogiando. O senhor estava abençoando a todos.
27. Vendo o Senhor assim, os Devas derramaram lágrimas de alegria.
Ó meu caro, a multidão de Devas se prostrou, mesmo de uma grande
distância.
28. Ao ver os Devas, o senhor os chamou para se aproximarem entre
seus atendentes. Então, causando a felicidade dos Devas, a jóia
suprema dos Devas se dirigiu a eles de forma grave, com palavras
doces e auspiciosas.

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Śiva Purāṇa I (Vidyeśvara Saṁhitā)
Adhyāya 7

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1. Īśvara disse:
“Caras crianças, eu saúdo vocês. Espero que o universo e a raça dos
Devas, sob meu domínio, floresça cumprindo seus deveres
respectivos.”
2. “Ó Devas, eu já sei sobre a luta entre Brahmā e Viṣṇu. Esta
agitação de vocês é como se fosse uma fala redundante.”
3. Dessa maneira o companheiro de Ambā consolou a assembléia dos
Devas com uma fala semelhante ao mel, adoçada com um sorriso,
como se usa para acalmar as crianças.
4. Ali mesmo, o Senhor anunciou seu desejo de ir até o campo de
batalha de Hari e Brahmā, e assim emitiu suas ordens para uma
centena dos comandantes de seus auxiliares.
5-6. Diferentes tipos de instrumentos musicais foram tocados para
anunciar o início da viagem do Senhor. Os comandantes dos auxiliares
estavam prontos, vestidos com seus ornamentos, assentados em seus
veículos. O Senhor, companheiro de Ambikā, montou sobre a
carruagem sagrada que tinha a forma de oṃkāra por todos os lados e
era embelezado por cinco anéis. Estava acompanhado por seus filhos e
pelas tropas. Todos os Devas – Indra e os outros – o seguiram.
7. Honrado devidamente pela exibição de bandeiras de vários tipos,
abanadores, purificadores, flores espalhadas, música, dança e
tocadores de instrumentos, e acompanhada pela Grande Deusa,
Paśupati foi para o campo de batalha com todo seu exército.
8. Vendo a batalha, o Senhor desapareceu no firmamento. A música
parou e o tumulto das tropas se acalmou.
9. Lá, no campo de batalha, Brahmā e Acyuta, desejando matar um ao
outro, aguardavam o resultado das armas māheśvara e pāśupata que
haviam lançado.
10. As chamas emitidas pelas duas armas de Brahmā e Viṣṇu
queimavam os três mundos. Vendo esta iminente dissolução fora do
seu tempo, a forma sem corpo de Śiva assumiu a forma terrível de
uma imensa coluna de fogo no meio deles.

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12. As duas armas de chamas ardentes que eram capazes de destruir
todo o mundo mergulharam dentro da coluna de fogo que tinha se
manifestado lá de repente.

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13. Vendo aquele fenômeno maravilhoso e auspicioso que havia
acalmado as armas, eles se perguntaram um ao outro: “O que é esta
forma maravilhosa?”
14. “O que é esta coluna de fogo que se ergueu? Ela ultrapassa o
domínio dos sentidos. Temos que encontrar seu topo e sua base.”
15. Assim tendo decidido em conjunto, os dois heróis, orgulhosos de
suas proezas, imediatamente se colocaram em sua busca.
16-18. “Nada ocorrerá se ficarmos juntos”. Assim dizendo, Viṣṇu
assumiu a forma de um javali e foi em busca da raiz. Brahmā, sob a
forma de um cisne, subiu em busca do topo. Perfurando os mundos
subterrâneos e indo muito longe para baixo, Viṣṇu não conseguiu ver
a raiz da coluna de fogo. Completamente exausto, Viṣṇu, sob a forma
de um javali, retornou ao campo de batalha original.
19. Meu caro, o seu pai, Brahmā, que subiu muito alto no céu, viu
certo monte de flores ketakī [flor da planta Pandanus odoratissimus],
de natureza misteriosa, caindo da altura.
20-21. Quando viu a luta entre Brahmā e Viṣṇu, o senhor Śiva havia
rido. Quando sua cabeça sacudiu, a flor ketakī caiu para baixo.
Embora ela estivesse caindo há muitos anos, nem sua fragrância nem
seu brilho havia diminuído. O objetivo da flor era abençoá-los.
22-23. (Brahmā disse:) “Ó senhor das flores, a quem você estava
ornamentando? Por que você cai? Eu vim até aqui para procurar o
topo, sob a forma de um cisne.” (a flor respondeu:) “Estou caindo do
meio desta coluna primordial que é inescrutável. Já levei um longo
tempo. Portanto, não vejo como você possa atingir o topo.”
24-25. (Brahmā disse:) “Caro amigo, você deve fazer aquilo que eu
desejo. Na presença de Viṣṇu você deve dizer o seguinte: ó Acyuta, o
topo da coluna foi visto por Brahmā. Eu sou a testemunha disso.”
Assim dizendo, ele se inclinou diante da flor ketakī repetidas vezes.
Em momentos de perigo, até mesmo a falsidade é recomendada.
Assim dizem os textos que devem ser respeitados.
26. Vendo Viṣṇu lá [no campo de batalha] totalmente exausto e
desconfortável, Brahmā dançou de alegria. Viṣṇu, como um eunuco

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admitindo sua incapacidade, contou-lhe a verdade. Mas Brahmā
contou a Viṣṇu isto:

Flor Ketakī
27-28. “Ó Hari, o topo desta coluna foi visto por mim. Esta flor ketakī
é minha testemunha.” A flor da ketaka repetiu a mentira, endossando
as palavras de Brahmā em sua presença. Hari, aceitando isso como
verdade, reverenciou Brahmā. Ele cultuou Brahmā com todos os
dezesseis modos de serviço e de homenagem.
29. Para castigar Brahmā, que tinha enganado, o Senhor adquiriu uma
forma visível e saiu da coluna de fogo. Ao ver o Senhor, Viṣṇu se
ergueu e com suas mãos tremendo de medo segurou os pés do Senhor.
30. (Viṣṇu disse:) “Foi por ignorância e ilusão sobre você, cujo corpo
não tem início nem fim, que nos permitimos realizar essa busca
levados por nossos próprios desejos. Portanto, ó Ser compassivo,

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perdoe-nos por nossa falha. De fato, isso foi apenas uma outra forma
de seu jogo divino.”
31. Īśvara disse:
“Caro Hari, estou contente com você, porque você aderiu estritamente
à verdade, apesar de seu desejo de ser um senhor. Por isso, entre o
público geral você terá uma posição igual à minha. Você será honrado
do mesmo modo, também.
32. A partir de agora, você ficará separado de mim, tendo templo
separado, instalação de ídolos, festivais e culto.”
33. Assim, naquele tempo, o Senhor ficou contente com a veracidade
de Hari e lhe ofereceu uma posição igual à sua, enquanto a assembléia
dos Devas estava testemunhando isso.

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Śiva Purāṇa I (Vidyeśvara Saṁhitā)
Adhyāya 8

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1. Nandikeśvara disse:
Então Mahādeva criou uma pessoa maravilhosa, Bhairava, do meio de
suas sobrancelhas, para dobrar o orgulho de Brahmā.
2. Este Bhairava se ajoelhou diante do Senhor no campo de batalha e
disse: “Ó Senhor, o que eu devo fazer? Por favor, me dê rapidamente
suas instruções.”

3. (Śiva disse:) “Meu caro, aqui está Brahmā, a primeira divindade do


universo. Cultue-o com sua espada de ponta afiada e de movimento
rápido.”
4. Com uma das mãos, ele [Bhairava] segurou o cabelo da quinta
cabeça de Brahmā, que era culpada de ter dito uma falsidade de forma
soberba, e com as mãos agitou furiosamente sua espada, para cortá-la.
5. O pai [Brahmā] tremeu como uma bananeira em um tornado, com
seus ornamentos espalhados para todos os lados, suas roupas soltas e
desalinhadas, a guirlanda deslocada, a roupa superior pendurada e o
cabelo brilhante despenteado, e caiu aos pés de Bhairava.
6. Enquanto isso, o compassivo Acyuta, desejando salvar Brahmā,
derramou lágrimas sobre os pés de lótus do Senhor e disse com as
palmas unidas em reverência, como uma criança que balbucia palavras
para agradar ao seu pai:
7. Acyuta disse:
“Ó Senhor, foi você quem lhe deu cinco cabeças como um símbolo
especial, há muito tempo. Portanto, perdoe sua primeira falta. Eu lhe
peço, faça-lhe esse favor.”
8. O Senhor, assim solicitado por Acyuta, cedeu e na presença de
todos os Devas pediu a Bhairava que abandonasse a punição de
Brahmā.
9. Então, o Senhor se voltou para Brahmā, o enganador, que inclinou
sua cabeça. Ele disse: “Brahmā, para roubar a honra adas pessoas você
assumiu o papel do senhor de um modo mesquinho.

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Śiva Bhairava
10-11. Por isso você não será honrado, nem terá seu próprio templo ou
festival.” Brahmā disse: “Senhor, seja bondoso. Ó florescente, eu
considero que poupar minha cabeça é uma grande bênção e dádiva.
Homenagem a você, o Senhor, o companheiro, o originador do
universo, aquele que perdoa os defeitos, o benevolente, aquele que
carrega uma montanha como seu arco.”
12. Īśvara disse:
“Criança, todo o universo será arruinado se perder o temor pelo rei.
Por isso se deve dar punição ao culpado quando se tem o encargo de
administrar este universo.”

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13-14. “Eu lhe dou uma outra dádiva que é muito difícil de obter. Em
todos os rituais domésticos e públicos você presidirá como divindade.
Embora um ritual seja completo com todos os ritos antigos e com o
oferecimento de presentes, ele será estéril sem você.” Então, o Senhor
se voltou para a flor de Ketaka que era culpada de perjúrio e disse:
15. “Você, flor de Ketaka, você é miserável e enganadora. Vá embora
daqui. Daqui em diante eu não quero mais incluir você em meu culto.”
16. Quando o Senhor disse isso, todos os Devas evitaram a própria
presença da flor.
17. Ketakī disse:
“Homenagem a você, ó Senhor. Seu pronunciamento significará que
meu próprio nascimento é estéril. Que o Senhor tenha a bondade de
torná-lo frutífero perdoando meu pecado.”
18. “Sabe-se que sua mera lembrança dissolve todos os pecados
realizados conscientemente ou inconscientemente. Agora que eu o vi,
como pode o pecado de dizer uma falsidade me poluir?”
19-21. Assim invocado em meio à assembléia, o Senhor disse: “Não é
adequado para mim usar você. Eu sou o Senhor e minhas palavras
devem permanecer verdadeiras. Meus auxiliares e seguidores poderão
usá-la. Assim seu nascimento será frutífero. Em tendas sobre o meu
ídolo você poderá ser usada como enfeite.” O Senhor assim abençoou
os três – a flor ketakī, Brahmā e Viṣṇu. Ele resplandeceu na
assembléia, devidamente homenageado pelos Devas.

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Śiva Purāṇa I (Vidyeśvara Saṁhitā)
Adhyāya 9

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1. Nandikeśvara disse:
Enquanto isso, Brahmā e Viṣṇu haviam ficado de pé em silêncio de
cada um dos lados do Senhor, com as palmas das mãos juntas, em
reverência.
2. Então eles instalaram o Senhor com todos os membros de sua
família sobre um assento esplêndido e o cultuaram com todas as coisa
sagradas pessoais.
3-6. As coisas pessoais constituem essas coisas naturais de duração
longa e curta, como colares, tornozeleiras, braceletes, tiaras, brincos,
cordões sacrificiais, roupa superior com borda enfeitada, guirlandas,
roupas de seda, anéis, flores, folhas de betel, cânfora, pasta de
sândalo, unguento de aguru, incenso, lâmpadas, sombrinha branca,
abanadores, purificadoresa e outros oferecimentos divinos cuja
grandeza não pode ser expressa nem sequer pensada. Ambos adoraram
o Senhor com todas essas coisas dignas do Senhor e inacessíveis aos
animais [paśu]. Todas as coisas excelentes que são dignas do Senhor,
ó brahmin.
7. Para estabelecer um precedente, o Senhor, contente, distribuiu todos
esses objetos entre os atendentes reunidos, de acordo com a ordem de
prioridade.
8-10. A agitação daqueles que se aproximaram para receber os
presentes foi enorme. Foi ali que Brahmā e Viṣṇu adoraram Śaṅkara
pela primeira vez. Quando estavam de pé ali, humildemente, o Senhor
agradecido falou sorridente, elevando sua devoção. Īśvara dise: “Caros
filhos, estou satisfeito por seu culto neste dia sagrado. A partir de
agora esse dia será famoso como Śivarātri [noite de Śiva], o mais
sagrado dos dias sagrados em minha homenagem.”
11. “Aquele que realizar o culto de meu liṅgaṃ e minha imagem
[mūrti] nesse dia será capaz de realizar a criação, manutenção etc. do
universo.”
12. “O devoto deve manter jejum no Śivarātri, durante o dia e durante
a noite. Ele deve controlar perfeitamente os seus sentidos. Deve
cultuar de acordo com suas possibilidades. Ele não deve enganar
ninguém.”

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13. “Cultuando no Śivarātri o devoto atinge o fruto que normalmente
é obtido por aquele que me cultua continuamente durante um ano
inteiro.”
14. “Este é o tempo no qual a virtude da devoção a mim cresce como
a maré do oceano quando a Lua se ergue. Festividades como a
instalação de minha imagem etc. nesse dia são muito auspiciosas.”
15. “O dia no qual eu me manifestei sob a forma de uma coluna de
fogo é a constelação Ārdrā [quinta ou sexta constelação lunar, ou
nakṣatra] no mês de Mārgaśīrṣa [mês que se inicia quando a Lua
Cheia entra na constelação de Mṛgaśiras, o primeiro mês do ano
indiano, correspondente a novembro-dezembro], ó crianças.”
16. “Aquele que me vê no dia da constelação Ārdrā no mês de
Mārgaśīrṣa, na companhia de Umā e cultua meu liṅgaṃ ou minha
imagem, é mais caro a mim do que o próprio Guha [Kārttikeya, filho
de Śiva e Pārvatī].”
17. “Naquele dia auspicioso, a simples visão [darśana] fornece
grandes resultados. Se ele também cultuar, os resultados nem podem
ser descritos de forma adequada.”
18. “Como eu me manifestei sob a forma do liṅgaṃ no campo de
batalha, este lugar será conhecido como liṅgasthāna.”
19. “Ó filhos, esta coluna sem raiz nem topo será a partir daqui
diminuída em tamanho, para o benefício da visão e do culto no
mundo.”
20. “O liṅgaṃ proporciona satisfação. Ele é o único meio de
satisfação mundana e salvação. Visto, tocado e meditado, ele impede
todos os nascimentos futuros dos seres vivos.”
21. “Como o liṅgaṃ surgiu como uma montanha de fogo, ele se
tornará famoso como a montanha rubra [Aruṇācala].”
22. “Muitos centros sagrados surgirão aqui. Residir ou morrer neste
lugar sagrado assegura a libertação.”
23. “A celebração de festivais com carruagens, a congregação de
devotos, a apresentação de presentes ordinários e em sacrifícios, bem

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como o oferecimento de orações neste local terão seus efeitos
multiplicados por um milhão.”
24. “De todos os meus setores, este setor será o mais grandioso.
Simplesmente se lembrar de mim neste lugar proporcionará a salvação
a todas as pessoas.”
25. “Portanto este setor será maior do que todos os outros setores,
muito auspicioso, cheio de todos os tipos de resultados benéficos e
proporcionando a salvação a todos.”
26-27. “Cultuando-me em minha forma suprema de liṅgaṃ neste
lugar e realizando os outros rituais sagrados proporcionarão os cinco
tipos de salvação – sālokya, sāmīpya, sārūpya, sārśṭi, sāyujya [estar no
mesmo mundo; estar próximo; ter a mesma forma; ter o mesmo poder;
estar unido]. Que todos vocês atinjam aquilo que mais desejam.”
28-29. Nandikeśvara disse:
Assim abençoando Brahmā e Viṣṇu, que tinha se tornado muito
humildes, o Senhor ressuscitou por seu poder de imortalidade todos os
soldados das duas divindades que tinham sido mortos na batalha
anterior e lhes falou para remover sua tolice e inimizade mútua.
30. “Eu tenho duas formas: a manifesta e a não-manifesta. Ninguém
mais tem essas duas formas. Portanto, todos os demais não são
Īśvara.”
31-32. “Caros filhos, primeiramente sob a forma da coluna de fogo e
depois nesta forma incorporada, eu expus a vocês minha natureza de
Brahman sem forma, e soberania [īśatva] corpórea. Essas duas estão
presentes apenas em mim e não em qualquer outro. Portanto ninguém
mais, nem vocês, pode alegar soberania.”
33. “Foi por sua ignorância desse fato que vocês foram varridos por
seu falso prestígio e orgulho de ser Īśa, por mais surpreendente que
seja. Eu me ergui no meio do campo de batalha para apagá-lo.”
34. “Abandonem o falso orgulho. Fixem seu pensamento em mim
como seu soberano. É por meu favor que todos os objetos do mundo
são iluminados.”

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35. “Aquilo que o mestre afirma é a lembrança e a autoridade, em
todas as ocasiões. Estou revelando esta verdade secreta sobre
Brahman por meu amor a vocês.”
36. “Eu sou o Brahman supremo. Minha forma é tanto manifesta
quanto não-manifesta por causa de minha natureza de Brahman
[brahmatva] e minha natureza de soberano [īśatva]. Meu dever é
abençoar, etc.”
37. “Ó Brahmā e Viṣṇu, eu sou Brahman por causa de minha
grandiosidade [bṛhatva] e pelo meu poder de fazer crescer
[bṛṃhaṇatva]. Ó crianças, eu sou também o Ātman pela minha
natureza de identidade [samatva] e pela minha natureza de permear
tudo [vyāpakatva].”
38-39. Todos os outros são não-Ātman, são seres viventes [jīvas]
individuais, sem dúvida. Há cinco atividades com relação ao universo,
começando com sarga [criação] e terminando com anugraha
[libertação]. Todas essas atividades cabem a mim, porque eu sou o
soberano [Īśa] e nenhum outro. Foi para tornar minha natureza de
Brahman compreendida que meu liṅgaṃ se ergueu.”
40. “Para esclarecer minha natureza de soberano [īśatva], que não era
conhecida, eu me manifestei imediatamente na forma incorporada de
Īśa.”
41. “A natureza de soberania [īśatva] em mim deve ser conhecida
como a forma incorporada, e esta coluna simbólica é indicativa de
minha natureza de Brahman.”
42. “Como ela tem todas as características do meu liṅgaṃ, ele será o
meu símbolo. Ó filhos, vocês o cultuarão todos os dias.”
43. “O liṅgaṃ e o Śiva sob forma de imagem são não-diferentes.
Portanto, este liṅgaṃ é idêntico a mim. Ele traz os devotos próximos a
mim. É, por isso, digno de culto.”
44. “Meus caros filhos, se um liṅgaṃ desse tipo for instalado, apode-
se considerar que eu fui instalado, mesmo se minha imagem não for
instalada.”

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45. “O resultado de instalar o liṅgaṃ é atingir a semelhança comigo
[sārūpya]. Se for instalado um segundo liṅgaṃ, o resultado é a união
comigo [sāyujya].”
46. “A instalação do liṅgaṃ é primária e a do ídolo corpóreo é
secundária. Um tempo com o ídolo corporificado de Śiva é estéril, se
não tiver um liṅgaṃ.”

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Śiva Purāṇa I (Vidyeśvara Saṁhitā)
Adhyāya 10

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1. Brahmā e Viṣṇu disseram:
“Ó Senhor, conte-nos por favor as características do dever quíntuplo,
que começa com a criação.”
2. Śiva disse:
“Eu lhes contarei o grande segredo com dever quíntuplo, por
compaixão por vocês.”
3. “Sarga é criação do mundo; sthiti é sua manutenção; saṃhāra é a
aniquilação; tirobhāva é a remoção e ocultação.”
4. “Libertação [anugraha] é a bênção. Essas cinco atividades são
minhas, mas são desenvolvidas por outros de modo silencioso, como
no caso de uma estátua em um portal.”
5. “As primeiras quatro atividades se referem à evolução do mundo e
a quinta é a causa da libertação. Todas elas são minhas prerrogativas.”
6-8. “Essas atividades são observadas nos cinco elementos pelos
devotos. Sarga na terra, sthiti nas águas, saṃhāra no fogo, tirobhāva
no vento e anugraha no éter. Tudo é criado na terra; tudo floresce
pelas águas; tudo é estimulado pelo fogo; tudo é removido pelo vento
e tudo é abençoado pelo éter. Assim as pessoas que sabem devem
conhecê-los.”
9. “Para cuidar dessas cinco atividades eu tenho cinco faces, quatro
nas quatro direções e uma quinta no meio.”
10. “Ó filhos, por causa de suas austeridades vocês dois receberam as
primeiras duas atividades: criação e manutenção. Vocês me alegraram
e foram abençoados dessa forma.”
11. “De modo semelhante, as outras duas atividades [aniquilação e
ocultação] aforam designadas para Rudra e Maheśa. A quinta,
libertação [anugraha] não pode ser assumida por nenhum outro.”
12. “Todos esses arranjos anteriores foram esquecidos por vocês dois
pela passagem do tempo, mas não por Rudra e Maheśa.”
13. “Eu lhes atribuí minha igualdade de forma, roupa, atividade,
veículo, assento, armas, etc.”

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14. “Ó caros filhos, sua ilusão foi o resultado de não meditarem sobre
mim. Se vocês tivessem mantido meu conhecimento, não teriam
ficado embebidos por este falso orgulho de serem vocês mesmos
Maheśa.”
15. “Assim, a partir de agora, ambos devem começar a recitar o
mantra oṃkāra para adquirir conhecimento sobre mim. Isso também
extinguirá o seu falso orgulho.”
16. “Eu ensinei este grande mantra auspicioso. O oṃkāra saiu de
minha boca. Ele representa a mim, originalmente.”
17. “Ele é aquele que me indica, e eu sou aquele que é indicado. Este
mantra é idêntico a mim. A repetição desse mantra é na verdade
lembrar-se de mim repetidamente.”
18-19. “A sílaba “A” vem primeiro, da face norte; a sílaba “U” do
oeste; a sílaba “M” do sul e o bindu [ponto] da face leste. O nāda [som
místico] vem da face do meio. Assim o conjunto completo fica
compactado na forma quíntupla. Todos eles se unem na sílaba OM.”
20. “Os dois conjuntos de seres criados, que possuem nome [nāma] e
forma [rūpa], são permeados por este mantra. Ele indica Śiva e Śakti.”
21. “Dele também nasceu o mantra de cinco sílabas [namaśivāya]. Ele
indica todo conhecimento. As sílabas “NA” e as outras [do mantra
namaśivāya] correspondem às sílabas “A” etc. [do mantra OM}.”
22. “Do mantra de cinco sílabas nasceram as cinco mães
[mātṛpañcaka: Ambikā ou Kaumārī, Rudranī, Cāmuṇḍā, Brahmī e
Vaiṣṇavī]. O mantra da cabeça [śiromantra] nasceu dele. O gāyatrī de
três versos também veio das quatro faces.”
23. “Todo o conjunto dos Vedas e milhares de mantras nasceram dele.
Diferentes coisas são atingidas através de diferentes mantras, mas
tudo é atingido simplesmente pelo oṃkāra.”
24. “Por este mantra fundamental, tanto a satisfação quanto a
libertação são atingidas. Todos os mantras régios se tornam
auspiciosos e proporcionam satisfação diretamente.”
[...]
32. Īśvara disse:
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“Ó caros filhos, a essência verdadeira de todas as coisas foi narrada
para vocês de forma demonstraiva. Vocês recitarão, conforme as
ordens da Deusa, este mantra OM que é idêntico a mim.”
33. “O seu conhecimento será fixado. Uma boa sorte permanente
ficará junto de vocês. No dia de caturdaśī [o décimo quarto dia de uma
quinzena lunar] e no dia da constelação Ārdrā, a recitação deste
mantra lhes dará eficácia eterna.”
34. “A recitação deste mantra no momento em que o Sol transita pela
constelação Ārdrā é um milhão de vezes mais eficaz. No contexto do
culto, das oblações [homa] e libações [tarpaṇa], o último quarto da
constelação Mṛgaśiras e o primeiro quarto de Punarvasu devem ser
sempre considerados como equivalentes a Ārdrā. A visão [darśana]
deve ser produzida cedo ao amanhecer e nos três primeiros muhūrtas
[um muhūrta = 1/30 de dia] seguintes.”
36. “Caturdaśī deve ser utilizado continuando até a meia noite. Se for
apenas até o início da noite e combinado com um outro seguinte,
também é recomendado.”
37. “Embora eu considere que a forma corpórea e o liṅgaṃ sejam
iguais, o liṅgaṃ é excelente para aqueles que cultuam. Portanto, para
aqueles que buscam a libertação, este último é preferível ao primeiro.”
38-39. “Os demais também devem instalar o liṅgaṃ com o mantra
oṃkāra, e a forma corpórea com o mantra de cinco sílabas, com
artigos de culto excelentes e adorá-los com a devida homenagem. Será
fácil para eles atingirem o meu mundo.” Assim tendo instruído seus
discípulos, Śiva desapareceu.

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autor (artigo 29).

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