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Introdução
Há um pressuposto nesta análise e o apresentaremos sem rodeios: as
desigualdades sócio-espaciais são também reproduzidas no momento atual, a
partir das desigualdades de acesso e produção do conhecimento. Tais
desigualdades se acentuam cada vez mais em decorrência da estruturação de
uma hierarquia do saber. Nela, diferentes saberes são valorizados e
desvalorizados em decorrência daquilo que significam na estrutura da
reprodução social que, é antes, reprodução do capital. Colocado o pressuposto
nestes termos, faz-se necessário entender os elementos históricos e
geográficos responsáveis pela construção da realidade conforme a
conhecemos, bem como os limites e as possibilidades de superação da
mesma.
Comecemos pelo ponto mais amplo. Por mais que alguns autores
contemporâneos insistam em denominar o momento atual como “Sociedade do
conhecimento” (HARGREAVES, 2004; TEDESCO, 2006), a razão e o bom
senso nos leva a perguntar: qual sociedade não foi do conhecimento? Será que
a Atenas do século V a.C. não pode ser pensada como uma sociedade do
conhecimento? O que dizer, então, da Itália Renascentista ou da França
Iluminista, ou dos Maias, Astecas, Incas e as diferentes sociedades espalhadas
pelo mundo? De fato, um olhar um pouco mais atento sobre a história da
humanidade nos permitirá compreender que o conhecimento, concebido aqui
como uma forma de mediação entre o homem, a sociedade e a natureza,
sempre esteve presente. Mas o que leva tais autores a repetirem a máxima de
que apenas esta sociedade pode ser pensada como do “conhecimento”? Não é
possível responder a esta questão sem que compreendamos o sentido do
conhecimento a que estes autores se referem.
1
Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Professor Assistente do Colegiado de
Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Francisco Beltrão. Líder do Grupo de
Pesquisa de Ensino de Geografia (GPEG) Email: egirotto@usp.br
1
De maneira geral, o conhecimento pode ser concebido como um
conjunto de saberes, técnicas, habilidades, resultantes da necessidade das
diferentes sociedades humanas de compreenderem a si mesmas e o meio em
que vivem. Não é a toa que as questões fundamentais que movem o
pensamento humano deste a antiguidade são quem somos? De onde viemos?
Qual o sentido de tudo? Esta necessidade humana de encontrar / construir
explicações está presente em diferentes momentos, fomentando discussões,
debates, avanços e retrocessos no pensamento humano.
A partir do século XV, com o surgimento da idéia de ciência e dos
princípios que a deveriam reger, o conhecimento humano busca não só mais
explicações acerca da realidade, mas formas de controle dos processos
naturais e sociais que a configuravam. Neste sentido, não bastava mais
explicar como a natureza funcionava, construindo teorias e mais teorias ou
esquemas de interpretações lógicos. Era preciso controlá-la, fazer com que a
mesma obedecesse aos desígnios humanos. Esta busca pelo controle, esta
necessidade de domínio está no fundamento da obra de Francis Bacon e de
muitos outros autores como Descartes e Newton. O que há de comum nestas
obras é a busca do entendimento de como funciona a natureza e do como este
saber pode ser utilizado ao desenvolvimento de toda a humanidade.
Neste sentido, a construção do método científico busca apontar o
caminho exato para a descoberta e o controle dos fenômenos naturais. O
método científico, calcado no desenvolvimento da linguagem matemática, no
racionalismo, visa reordenar a distribuição do poder acerca dos conhecimentos
neste momento de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. O
racionalismo matemático e o experimentalismo, bases do método científico
proposto por Bacon busca romper com a forma de conhecimento defendido
pela Igreja e que, em certa medida, era uma das bases de sustentação de seu
poder. Aparece, neste momento, de forma bastante clara a relação entre
conhecimento e poder, relação esta que vai se aprofundar até o momento
atual.
A grande ruptura em relação ao significado e ao lugar do conhecimento
no interior da sociedade ocidental ocorre a partir da Revolução Industrial e o
surgimento do capitalismo como modo de produção dominante. Não cabe aqui
2
uma discussão acerca dos fundamentos do capitalismo, mas vale ressaltar que
o conhecimento, a partir deste ponto, se torna um elemento fundamental no
processo de competição entre as diferentes indústrias nascentes. É a partir da
incorporação cada vez mais intensa do conhecimento no processo produtivo
que uma determinada indústria pode diminuir o tempo de trabalho necessário
para a produção de uma mercadoria, diminuindo o preço e elevando a taxa de
apropriação de trabalho não pago.
No entanto, para que pudesse ocorrer esta aplicação do conhecimento
diretamente no processo industrial, era preciso que o seu sentido e significado
fossem alterados. Dois conceitos ganham força e precisam ser levados em
consideração: os conhecimentos passaram a ser sinônimo de ciência e,
principalmente, de técnica. A “ciência do capital”, se assim podemos denominá-
la, tem como uma de suas bases de sustentação o Positivismo. E aqui vale
uma discussão mais demorada acerca do lugar que este paradigma científico
representou e ainda representa na estrutura do conhecimento. O Positivismo
representa um aprofundamento dos princípios, métodos e teorias que definiram
a ciência ainda no século XVI, como principal forma de compreensão da
relação dos homens entre si e com a natureza. Sua origem deve ser procurada
na construção do método científico. Em certa medida, o positivismo é o
aprofundamento deste método, no sentido em que passa a definir o que é e o
que não é um conhecimento válido na estrutura de uma determinada
sociedade. O paradigma positivista é antes um paradigma de seleção,
classificação daquilo que pode ou não ser definido como saber. Para tanto,
entre os critérios construídos para a elaboração desta classificação está a
quantificação. Só é válido enquanto conhecimento aquilo que pode ser medido,
quantificado, expresso em linguagem matemática. Qualquer conhecimento que
não pudesse ser expresso desta maneira seria considerado de menor
importância na hierarquia do saber científico.
A partir desta análise do que representou o Positivismo enquanto
Paradigma científico dominante a partir dos séculos XIX e XX, podemos
compreender o lugar privilegiado que as ciências exatas assumem na
hierarquia do saber. Além da linguagem matemática, adotada como forma
principal de expressão destes conhecimentos, há ainda a aplicabilidades dos
3
mesmos nos processos produtivos industriais. Muitos dos ramos da física e da
química tiveram um amplo desenvolvimento na virada do século XIX-XX não
nos laboratórios das principais Universidades Européias e Estadunidenses,
mas no chão de muitas empresas, diretamente relacionadas ao processo
produtivo, como é o caso da termodinâmica e da química. Esta relação
intrínseca entre ciência e capital aparece na criação, por muitas empresas, de
setores de pesquisa e desenvolvimento com o recrutamento de jovens
pesquisadores.
Nesta hierarquia do saber científico pelo Positivismo e pela incorporação
da ciência pelo capital, altera-se o lugar das chamadas humanidades. De
conhecimento acadêmico central durante os primeiros 400 anos de
estruturação das Universidades Européias, do fim da Idade Média até o século
XIX, agora são vistos como conhecimentos eruditos, pouco importantes. Já não
há espaço para a reflexão quando a ciência e a técnica buscam totalizar as
formas de conhecimento e construir uma hierarquia de produção e acesso ao
mesmo. Esta hierarquia se acentua em um momento no qual o conhecimento
produzido se transforma em uma mercadoria como qualquer outra, como
representa o sistema de patentes. Como meio de produção, o conhecimento
representado pela ciência e pela técnica deixa de ser uma forma de
compreensão dos homens de si mesmos e do lugar em que vivem, para se
tornar mais um elemento de alienação e de reafirmação das desigualdades
sócio-espaciais.
4
significados de termos como progresso e técnica. Destacaremos aqui a
contribuição de dois importantes autores nesta discussão: Adorno e Foucault.
Em Conferência publicada no livro “Educação e Emancipação”, Theodor
Adorno aponta quais seriam as tarefas da educação após a terrível experiência
de Auschwitz. Sua resposta, dada de forma direta, é simples: a educação tem
por tarefa criar as condições para que Auschwitz não se repita. Algumas
décadas se passaram e aos poucos esta idéia proposta por Adorno foi sendo
esquecida. Mas qual a importância desta tarefa? O que de fato ela nos revela?
Auschwitz representa um intenso processo de desumanização, a força dos
homens e mulheres transformadas em coisas, desprovidos da fala, das
memórias e de todos aqueles elementos que lhes permitiam identificarem-se
como pertencentes à espécie humana. A violência brutal daquele e de tantos
outros campos de concentração afeta o olhar dos que hoje retomam suas
imagens, mas não pode expressar todas as sensações, dores, sofrimentos que
trouxe aos que diretamente foram alvos desta experiência de desumanização,
muito bem descritas por Primo Levi. Sem nomes, roupas, palavras, os homens
e mulheres amontoados nos campos de concentração, sem passado, presente,
futuro, são alvo de uma das mais brutais experiências científicas da
humanidade. Nela, todos os limites foram ultrapassados. Nada ou ninguém
poderia se colocar contra o avanço e o progresso representado pela ciência. E
foi assim que ocorreu. O que mais assusta na experiência de Auschwitz, o que
mais incomoda é o fato de que foi realizada por outros homens e mulheres,
educados nas melhores escolas e Universidade européias. Não eram
monstros2. Ao contrário, representavam aquilo que o mundo considerava de
mais elevado em termos culturais. O depoimento abaixo revela esta
perplexidade:
Caro professor,
Sou sobrevivente de um campo de concentração.
Meus olhos viram o que nenhum homem deveria testemunhar.
Câmaras de gás construídas por engenheiros ilustres.
Crianças envenenadas por médicos altamente especializados.
Recém-nascidos mortos por enfermeiras diplomadas.
22
Este sensação de assombro aparece na livro de Hannah Arendt sobre Adolf Eichman, intitulado
“Eichman em Jerusalém”.
5
Mulheres e bebês assassinados e queimados por gente formada em ginásio,
colégio e universidade.
Por isso, caro professor, eu duvido da educação.
Eu lhe formulo um pedido: Ajude seus estudantes a se tornarem humanos.
Seu esforço, professor, nunca deve produzir monstros eruditos e cultos,
psicopatas e Eichmans educados.
Ler, escrever, aritmética só são importantes se servirem para tornar nossas
crianças seres mais humanos.
(Depoimento de um sobrevivente de Auschwitz)
6
da história a forma mercadoria e o trabalho abstrato como sentido e
fundamento da existência, há que se construir um discurso capaz de legitimar
tamanha violência. Como vimos, o positivismo surge deste processo de
incorporação do discurso científico pela lógica do capital.
Neste sentido, o que Auschwitz traz a tona é uma ampliação da relação
entre conhecimento e poder. Se em seu princípio, nos textos de Bacon e
Descartes, a ciência tinha como principal objetivo controlar a natureza, ela se
volta, neste momento, dominado pela lógica do capital, a desenvolver
estratégias de ampliar a exploração do homem pelo homem. Em certa medida,
esta constatação explica o surgimento de novos ramos científicos durante o
século XX, como a administração, a publicidade, a informática que tem como
principal objetivo construir condições de perpetuar a exploração do homem
pelo homem a favor do capital.
A experiência de Auschwitz, porém, não se resume ao que aconteceu na
2º Guerra Mundial. É a experiência do navio negreiro, das Colonizações dos
séculos XV e XVI, do estupro e do extermínio das populações indígenas, é a
experiência da negação do outro como sujeito bem descrita por Tzvetan
Todorov em seu livro “A conquista da América” (2010). A experiência de
Auschwitz repõe a questão da relação entre hierarquia social e hierarquia do
conhecimento e expõe os limites de uma racionalidade que tem como principal
objetivo o controle e o aniquilamento do outro, visto como não possuidor da
liberdade humana.
Neste sentido, ao olhar de forma intensa para toda esta experiência
ocorrida na Segunda Guerra Mundial, os teórico da escola de Frankfurt
produziram análises capazes de apontar os limites da racionalidade
representada pela ciência positiva. No livro “Dialética do Esclarecimento”,
Adorno e Horkheimer buscam as origem desta racionalidade na ruptura
representada pelas grandes transformações dos séculos XVIII e XIX. Segundo
os autores, o Paradigma científico surgido neste momento histórico, busca
aprofundar as diferentes formas das sociedades humanas de controlarem a si
mesmos e a natureza3. O ideal de uma racionalidade capaz de levar toda a
3
“O objetivo do esclarecimento foi o de libertar os homens do medo e transformá-los em verdadeiros
senhores, tanto da natureza interna, como da natureza externa” (96)
7
sociedade ao desenvolvimento e ao progresso criou uma concepção de história
linear e que buscava, a todo o momento, a exaltação do futuro como o campo
das possibilidades infinitas. Ao mesmo tempo, esta concepção de história
humana vinha acompanhada de uma idéia sobre o espaço que o concebia de
maneira homogênea. A espacialidade deste ideal de racionalidade parte do
pressuposto de que, com o tempo, as mais altas qualidades do centro do
conhecimento no mundo (identificado na Europa e, em parte, nos EUA)
estariam difundidos nos diferentes territórios. Tal difusão, por sua vez, poderia
enfrentar resistências por parte das comunidades que, provavelmente, se
encontrariam em um estágio inferior do desenvolvimento humano. Neste
sentido, todas as práticas expansionistas verificadas no mundo, principalmente
aquelas ligadas ao Imperialismo do século XIX se pautam também nesta
concepção de racionalidade cientifica que pressupõem a existência de estágios
hierarquizados de desenvolvimento humano e que as populações distribuídas
por diversos territórios estariam em diferentes estágios. Partindo desta
concepção, caberia ao homem branco e europeu “o fardo” de levar o progresso
e a civilização para os diferentes territórios espalhados pelo mundo. Em suas
visões, não se tratava de violência ou imperialismo, mas de uma tarefa nobre
que permitiria aos povos “mais atrasados” acompanharem o desenvolvimento
como o existente na Europa.
Tal concepção, porém, começa a sofrer severas críticas a partir do
momento em que toda a racionalidade européia, que levaria os homens e
mulheres para o desenvolvimento e o progresso resultam em duas
experiências brutais, que sejam, as duas grandes Guerras. Esta dualidade
entre civilização e barbárie, entre progresso e caos, se torna mais evidente e
passa a ser o ponto principal das críticas construídas por Adorno e Horkheimer.
Segundo os autores,
8
Se a brutalidade desta racionalidade já estava presente nas
colonizações da América e na exploração do trabalho escravo africano, se
tornou evidente a partir do momento que ocorreu em seu centro territorial. Já
não era mais possível esconder as contradições inerentes a esta racionalidade,
culpando os outros por não a aceitarem. O que as duas guerras mundiais e,
especialmente, a experiência de Auschwitz trouxeram foram os limites de uma
racionalidade que, como vimos, tem como principal objetivo aumentar a
exploração do homem sobre o homem. Vale ressaltar, que os principais
artefatos usados no final da Segunda Mundial, que sejam, as bombas atômicas
despejadas contra as cidades Japonesas de Hiroshima e Nagasaki, são
resultado daquilo que havia de mais avançado na racionalidade científica
daquele momento. O que as bombas fizeram foi, em pouco tempo, aumentar a
capacidade do homem de, a partir do progresso, da civilização, produzir
barbárie e exploração.
Dessa forma, uma das principais contribuições das análises feitas por
Adorno e pelos teóricos da Escola de Frankfurt foi trazer de volta para o campo
do conhecimento a reflexão sobre a relação deste com a sociedade da qual faz
parte. Além disso, há um reposicionamento das ciências humanas que passam
a ser novamente valorizadas pela capacidade de produzirem reflexões no
sentido de apontar as contradições e os limites do modelo de ciência
dominante. Da mesma forma, a partir de tais análises, um dos princípios
fundamentais do Positivismo, que seja, a neutralidade do conhecimento
científico foi desconstruído e em seu lugar surgiu uma leitura mais ampla que
aponta as relações intrínsecas entre conhecimento, sociedade e poder.
Esta discussão aberta pela Escola de Frankfurt vai influenciar
diretamente o trabalho de Michel Foucault. No centro das preocupações deste
autor está a compreensão das relações entre saber e poder. Como vimos, a
sociedade industrial, surgida na Inglaterra nos séculos XVIII-XIX e que se
espalhou em um processo desigual e combinado pelo mundo inteiro é a
sociedade na qual a ciência e a técnica passam a serem conhecimentos
dominantes. Ditado pela ordem do capital, tais saberes se afirmam em
detrimento de outros, resultando em um processo de hierarquização do
9
conhecimento4. Para que esta hierarquização ocorra, porém, é fundamental a
disciplinarização do saberes, divisão, seleção e compartimentação dos
mesmos em áreas estanques e que se unem a partir dos critérios
estabelecidos pelo paradigma positivista. O surgimento das diferentes
disciplinas científicas no final do século XIX é um exemplo deste processo.
Para Foucault, esta disciplinarização dos saberes deve ser entendida também
como uma forma de controle social, sobre as vozes daqueles que produzem os
mesmos. Dizer o que vale e o que não vale como conhecimento científico,
neste caso, significa dividir a sociedade entre aqueles que tem e os que não
tem o direito de dizer sobre si mesmos e sobre o mundo em que vivem. Torna-
se, portanto, uma forma de controle social que se sustenta a partir de uma
hierarquização do conhecimento.
Para Foucault, é a partir do século XVIII que este processo se inicia.
4
Acerca do saber tecnológico, Foucault escreve: “Ora, à medida que se desenvolveram tanto as forças
de produção quanto as demandas econômicas, o valor desses saberes aumentou, a luta desses saberes
uns com relação aos outros, as delimitações de independência, as exigências de segredo, tornaram-se
mais fortes e, de certo modo mais tensas. Nessa mesma ocasião, desenvolveram-se processos de
anexação, de confisco, de apropriação dos saberes menores, mais particulares, mais locais, mais
artesanais, pelos maiores, eu quero dizer os mais gerais, os mais industriais, aqueles que circulavam
mais facilmente ; uma espécie de imensa luta econômico-política em torno dos saberes, a propósito
desses saberes, a propósito da dispersão e da heterogeneidade deles; imensa luta em torno das
induções econômicas e dos efeitos de poder ligados à posse exclusiva de um saber, à sua dispersão e ao
seu segredo”. (FOUCAULT, 2005, pags. 214-215).
10
em detrimentos dos saberes populares e locais, vem ocorrendo desde o final
da Idade Média. As disputas entre os curandeiros e os médicos, os alquimistas
e os químicos são reveladores desta relação entre saber, poder e hierarquia
social. Como lugar do saber, as Universidades reestruturadas após o século
XVIII passam então a representar-se como território do verdadeiro saber e os
que dela fazem parte se tornam os responsáveis por guardar tais saberes. Para
o autor,
12
Paradigma Positivista e um reposicionamento do lugar das ciências humanas
na hierarquia do saber científico.
17
principalmente no que diz respeito à relação entre Universidade e Sociedade.
Segunda a autora,
5
“Na esfera da educação escolar e, em especial, da criação de novos modelos institucionais de
universidade, isso envolveria a passagem de um estado de passividade e de imobilismo para um estado
de atividade criadora, conscientemente orientada através de interesses e de objetivos nacionais. Nessas
condições a universidade seria posta a serviço do desenvolvimento, em vez de entrar no seu passivo; e ,
contaria com meios para influenciá-lo estrutural e dinamicamente, imprimindo continuidade,
intensidade e eficácia ao seu impacto sobre a autonomia como processo histórico-cultural (FERNANDES,
2008, pags. 189-190).
18
deste processo. Mudam-se os sentidos da pesquisa, da docência, da extensão.
Produz-se outro conhecimento porque outra também é a Universidade.
Pensada agora como gasto social, a ser cortado nas diversas reformas do
Estado como aquela posta em prática durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso no Brasil (1994-2002), a Universidade passa a ser gerida
por interesses privatistas visto que não possui mais condições de se manter
financeiramente. Como forma de sobrevivência, transforma em mercadoria
quase tudo aquilo que produz: de artigos científicos à cursos de especialização,
tudo passa a ser comprado e vendido, ratificando assim a lógica da
transformação da educação de direito em serviço.
Porém, uma das transformações mais profundas ocorridas nesta
mudança das Universidades Públicas de Instituições para Organizações diz
respeito ao abandono das mesmas em relação a busca não apenas de um
conhecimento técnico mas de um processo amplo de formação. A
universidade, aos poucos, tem deixado de lado a sua preocupação formativa,
aprofundando seus interesses técnicos, sua avaliação produtivista. E com isso,
distancia-se um pouco mais de questões fundamentais a sua própria
existência, principalmente aquelas ligadas aos conhecimentos ali produzidos e
a relação com um projeto mais amplo de sociedade. Como aponta CARVALHO
6
“Os campos são lugares de relações de forças que implicam tendências imanentes e probabilidades
objetivas. Um campo não se orienta totalmente ao acaso. Nem tudo nele é igualmente possível e
impossível em cada momento. Entre as vantagens sociais daqueles que nasceram está precisamente o
fato de ter o que se chama em rugby, mas também na Bolsa, o sentido do jogo” (BOURDIEU, 2004, pag.
27).
23
produção (contratos, créditos, postos, etc.) e de reprodução
(poder de nomear e fazer as carreiras) que ela assegura. De
outro, um poder específico, “prestígio” pessoal que é mais ou
menos independente do precedente, segundo os campos e as
instituições, e que repousa quase exclusivamente sobre o
reconhecimento, pouco ou mal objetivado e institucionalizado,
do conjunto de pares ou da fração consagrada dentre eles (por
exemplo, com os “colégios invisíveis” de eruditos unidos por
relações de estima mútua). (BOURDIEU, 2004. 35)
7
“Os administradores estão roubando o poder dos cientistas e construindo uma cultura de
contabilidades que visa a um controle administrativo ainda mais perfeito da vida institucional e
profissional. O resultado é uma sociedade de auditores, na qual cada indicador é investido de uma
exatidão ilusória e se torna um fim em si mesmo”. (LAWRENCE, 2003).
24
posições é preciso abrir mão da crítica e da reflexão enquanto práxis, mesmo
que tais permaneçam em discurso. Nunca se produziu tanta análise acerca da
produção científica como no momento presente. Ao mesmo tempo, nunca a
ciência esteve mais atrelada à lógica do capital, como se a crítica não fosse
capaz de engendrar práxis alternativas ao processo que por ora se quer
dominante8. O que temos visto, com clareza cada vez maior é o fato de que as
disputas por posições nesta hierarquia do saber resultam em produções
intelectuais inócuas no sentido em que se referem apenas a própria reprodução
das condições específicas da produção do saber. Para além de uma leitura
crítica da sociedade e de suas contradições que resulte em uma práxis
transformadora, o que se tem é uma busca constante pela reprodução dos
privilégios daqueles que se dizem produtores do saber, em uma tentativa de
permanecerem nas posições mais valorizadas nesta “hierarquia”.
Estas disputas no interior do campo científico resultam em estratégias
específicas para se alcançar as posições mais valorizadas que permitem ao
pesquisador adquirir privilégios (leiam-se, neste momento, bolsas e incentivos
a pesquisa). Desaparece o intelectual engajado como forma dominante no
interior das Universidades Públicas e em seu lugar surge o especialista,
detentor de um conhecimento técnico, parcelar, não-reflexivo. O conhecimento
especializado se torna a mercadoria predileta da sociedade que se
autodenomina “do conhecimento”, mas que apenas oculta o fato de que
continua a ser a sociedade que tem a forma mercadoria como sua principal
mediação. E se ousamos chamá-la de sociedade do conhecimento é
simplesmente pela alienação de não compreender que também o
conhecimento, no interior desta sociedade, se torna uma mercadoria, acessível
a uma parcela cada vez menor que por ela pode pagar. Para que este
conhecimento se torne cada vez mais inserido na lógica do capital é preciso
fragmentá-lo, fazê-lo desconexo, desligado de uma possível interpretação
global da sociedade. Tem que ser conhecimento aplicado, inserido de forma
direta nos processos e produtos, materiais e imateriais. É a partir desta nova
8
Aqui vale reafirmar o questionamento de Boaventura de Souza Santos, em seu livro “A crítica da razão
indolente”: Por que, em um momento como este, no qual a crise parece permear toda a sociedade, é
tão difícil construir uma teoria crítica?
25
lógica de produção do conhecimento que o discurso do especialista ganha
força e passa a dominar as práticas no interior das Universidades Públicas. E
este discurso do especialista reforça a estrutura atual da produção do saber
que separa produção e acesso, ensino e pesquisa. Como aponta Marilena
Chauí,
9
“De fato, paradoxalmente, o mundo da imagem é dominado pelas palavras. A foto não é nada sem a
legenda – legendum -, isto é, com muita freqüência, lendas, que fazem ver qualquer coisas. Nomear,
como se sabe, é fazer ver, é criar, levar a existência”. (BORDIEU, 1992: 26).
28
haver presente, porque não há passado e nem futuro. O que resta apenas é
um incessante repetição que tem por base a lógica da produção-consumo de
imagens-mercadoria. Se não há história e nem memória, não pode haver
passado, nem presente, nem futuro. O ontem foi igual ao hoje, e o que os
diferencia do agora? E do depois? A tirania do momento que se encerra em si
mesmo e que tem por lógica a repetição ad infinitum, define a temporalidade
atual do modo de produção capitalista. É neste sentido que a sociedade do
espetáculo é também a sociedade do vazio. Do vazio, no sentido em que as
formas não têm mais necessidade de conteúdos e os conteúdos possuem
prazo de validade. Duram o tempo de um instante; precisam se reproduzir
apenas como formas e é neste processo que se tornam imagens. A forma carro
carrega consigo, na atualidade, a imagem do que é a liberdade. Não há
liberdade senão no consumo; talvez seja esta a frase que a imagem do
automóvel quer ocultar. Todos os conteúdos então são resumidos a suas
formas, ou melhor, a suas imagens, e passam a definir o imaginário coletivo, a
partir de sua função de mediação. Se a mercadoria destruiu as relações
humanas, transformando-as em relações entre coisas, a imagem redefiniu esta
relação a partir de si mesma. Cada homem não se relaciona mais entre si, mas
entre imagens, a partir da construção de seu imaginário, construção esta que
se realiza como determinação externa.
Neste sentido, aos poucos os meios de comunicação tem substituído, no
nível do senso comum, o lugar da Universidade enquanto produtora do
conhecimento válido. A relação que os meios de comunicação estabelecem
com a Universidade passa pela reafirmação do discurso competente e pela
subordinação da mesma aos interesses hegemônicos que tais meios
representam. Quando um professor universitário é chamado para realizar
algum comentário na TV10 ou em um jornal escrito, sua linguagem deve se
adequar aos critérios das informações, seus pensamentos aos interesses da
redação que, em última instância, respondem aos desígnios do capital. O
10
“E, insensivelmente, a televisão que se pretende um instrumento de registro torna-se um
instrumento de criação da realidade. Caminha-se cada vez mais rumo a universos em que o
mundo social é descrito-prescrito pela televisão. A televisão se torna o arbitro do acesso à
existência social”. (BORDIEU, 1992:29).
29
império da informação e da imagem, sustentáculos da sociedade do
espetáculo, como no livro “1984” de George Orwell, realiza o desejo de controle
total da sociedade por parte dos agentes do capital a partir do momento em
que se estrutura em uma dualidade marcada pela difusão-concentração. Em
um primeiro momento, a sensação que temos é de que a informação e a
imagem estão presentes, de forma igualitária, em todos os lugares,
principalmente com o avanço dos diferentes meios de comunicação. Porém, a
partir de um olhar mais atento, compreende-se que esta difusão só pode
ocorrer a partir de um intenso processo de concentração. Tal processo resulta
na seguinte situação: três ou quatro grandes corporações de mídia e
comunicação são responsáveis pela produção das informações e das imagens
que vão percorrer o mundo todo. Se observarmos as capas dos jornais, as
fotos que ali estão são idênticas, compradas das mesmas agências de notícias.
É com este Império que a opinião pública pode ser, rapidamente, transmutada
em interesse privado. O império da informação e da imagem é a realização do
poder simbólico na sua forma mais plena. É a transformação da ideologia em
habitus, em Poder Simbólico (Bourdieu, 2006).
Mais um ponto precisa ser analisado nesta discussão: o que significa
este império da informação e da imagem na hierarquia do conhecimento, na
produção e reprodução das desigualdades sócio-espaciais? A principal
mudança refere-se a uma inversão acerca da relação entre sujeito e
conhecimento. Enquanto a Universidade foi reconhecida como lugar central da
produção do conhecimento, a luta pelo acesso à ela se tornou o elemento
central nestas disputas relacionadas ao enfrentamentos das desigualdades
sócio-espaciais. Com o Império da informação e da imagem, a discussão se
altera. A informação e imagem, tomadas como sinônimos de conhecimento,
encontram-se difundida em toda parte. Não estão, pelo menos em discurso,
concentradas ou restritas a um grupo. Neste sentido, a questão não está mais
em ter acesso a Universidade, mas passa por inclusão digital, acesso aos
meios de comunicação e as técnicas hegemônicas de difusão deste Império.
Além disso, já não há mais porque culpabilizar esta hierarquia do conhecimento
pelos problemas sociais vigentes. Se há informações suficientes para todos, o
fracasso é agora individual e não social. Este discurso é complementado pelo
30
da universalização da educação. Com educação e informações disponíveis, os
homens e mulheres se tornam os únicos responsáveis pelos seus destinos é o
que sustenta o discurso que está por trás do Império da Informação e da
Imagem.
Com isso, a pressão social em torno das principais Universidades
diminui, possibilitando assim que as mesmas continuem a atender aos
desígnios do capital. Se por um lado o acesso ao Ensino Superior aumentou,
como apontam os dados, isso não significa real acesso a produção do
conhecimento. Este continua restrito e ligado diretamente aos interesses dos
agentes hegemônicos do capital. E assim, a hierarquia do conhecimento se
mantém intacta e com ela a reprodução das desigualdades sócio-espaciais.
Limites e possibilidades
Mas quais são os limites existentes à este processo? Neste parte do
texto procuraremos ampliar o debate, discutindo a partir de uma percepção
geográfica o advento de outras formas de pensar o conhecimento e as práticas
sócio-espaciais para além da racionalidade dominante. Em nossa perspectiva,
os limites a esta racionalidade podem ser encontrados nas condições que ela
mesma criou. O discurso que busca sustentar este novo senso comum e esta
hierarquia do conhecimento está cada vez mais distante da realidade vivida por
diferentes populações em diversas partes do mundo. Já não é possível falar
em progresso do conhecimento quando verificarmos um aumento da pobreza e
da miséria, quando as imagens da TV se chocam com o cotidiano. As
desigualdades sócio-espaciais acentuam-se e o discurso global é obrigado a
confrontar-se com as condições locais de reprodução. Neste sentido, a
contestação a este novo senso comum tem surgido nas áreas de fronteira, de
limites entre o discurso e a realidade. Como aponta SANTOS (2010),
32
pode ser vista como ela realmente é. E com isso, fortaleceram-se os
questionamentos à racionalidade dominante.
Mas de onde vieram tais questionamentos? Surgiram dos limites da
racionalidade. Configuram-se como saberes de fronteiras. Surgem da hibridez
de serem e não serem totalizados pela racionalidade dominante. Segundo
Milton Santos (2010), neste novo momento histórico, surge uma nova geografia
dos saberes que aponta para a centralidade da periferia. São saberes que
emergem do lugar, que nascem dos problemas reais dos homens e mulheres
reais pois é no lugar que a norma pode ou não se realizar.
11
“Ousamos, desse modo, pensar que a história do homem sobre a Terra dispõe afinal das condições
objetivas, materiais e intelectuais, para superar o endeusamento do dinheiro e dos objetos técnicos e de
enfrentar o começo de uma nova trajetória. Aqui, não se trata de estabelecer datas, nem de fixar
momentos da folhinha, marcos num calendário. Como o relógio, a folinha e o calendários são
convencionais, repetitivos e historicamente vazios. O que conta mesmo é o tempo das possibilidades
efetivamente criadas, o que, à sua época, cada geração encontra disponível, isso a que chamaremos
tempo empírico, cujas mudanças são marcadas pela irrupção de novos objetos, de novas ações e
relações e de novas idéias” (SANTOS, 2010, pag. 173)
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Porém, para que esta nova narrativa se afirme e tenha condições de se
realizar enquanto novo senso comum, não naturalizado, mas realizado
enquanto diálogo crítico e criativo, faz-se necessário uma mudança
paradigmática. Há que se levar em consideração a multiplicidade dos saberes
frente a tentativa da hegemonia do pensamento único. Há que se compreender
o direito de cada homem e mulher de construírem narrativas comuns, pautadas
em seus anseios e necessidades e na consciência universal que também
nasce no lugar.
Denominarei este novo senso comum de Direito ao Lugar, apropriando-
me do conceito de Direito à Cidade, desenvolvido por Henri Lefebvre (2004). O
direito à cidade está diretamente relacionado ao significado da mesma naquilo
que se refere à sociabilidade humana. Na Grécia Antiga e no Renascimento
Europeu a cidade era, antes, lugar do encontro entre os homens. No discurso,
configurava-se como lugar do exercício da liberdade humana. Na prática,
porém, era o lugar apenas dos homens livres. Neste sentido, quando Lefebvre
se refere a cidade, o que está em discussão é o direito dos homens e mulheres
de pensarem e construírem de forma coletiva o lugar em que vivem, de
construírem, inclusive, narrativas sobre o mesmo. Neste sentido, o direito à
cidade se torna, antes de tudo, direito ao lugar. É a partir deste direito que um
novo paradigma do conhecimento pode emergir. Em toda a sua história, a
filosofia buscou construir os “universais”, conceitos, valores, princípios que
pudessem ser levados em consideração em qualquer lugar. Tais universais,
porém, estavam assentados em uma configuração geográfica, em uma
hierarquia do conhecimento. Constituíam-se como leituras de mundo situadas.
Eram tentativas de impor ao resto do mundo um discurso de universalidade
que se apresentava, na prática, como doutrina e controle ideológico
transmutado em ação civilizacional. Como aponta Doreen Massey (2008), tais
tentativas estavam assentadas em um política de espacialidade que
pressupunha uma difusão dos conhecimentos de forma homogênea.
O direito ao lugar repõe, em outros termos, uma discussão essencial
para a compreensão da sociedade atual. Um dos elementos fundadores da
modernidade, tão bem analisado por Marx, diz respeito a alienação do
trabalhador em relação ao trabalho. Ao tentarmos fazer a crítica a este
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fenômeno, muitas vezes assumimos a categoria trabalho como uma mera
abstração e de dessa maneira reproduzimos a alienação do trabalho que o
entende como igual e, portanto, abstrato, independentemente do homem que o
realize ou do lugar no qual é realizado. Porém, é necessário que analisemos a
categoria trabalho em sua perspectiva ontológica na definição da própria
humanidade, na definição do homem como ser social. Ao pensarmos o
trabalho a partir desta perspectiva, perceberemos que em sua essência ele é
formador de sentido. É por meio do trabalho que o homem se relaciona com
seu meio, transformando-o e transformando a si mesmo. E é nesta relação-
transformação que o homem se apropria do lugar e ao se apropriar cria sua
territorialidade e sentido. O trabalho não produz apenas materialidades, mas se
expande também para o campo da subjetividade. Ao me apropriar pelo trabalho
de um determinado meio, é um pouco de minha história que começo a
escrever, é minha espaço-temporalidade que construo, minha história que é
também história do meu lugar, de minha territorialidade.
Dessa maneira, quando pensamos na alienação do trabalho criada pela
modernidade, com o desenvolvimento da expropriação em massa, causa e
conseqüência do modo de produção capitalista, pensamos também que esta
alienação é base de uma outra, essencial para se compreender a crise atual do
homem moderno. A alienação fundamental da modernidade, a partir desta
perspectiva, é a alienação espacial, a alienação do homem retirado do seu
lugar, daquilo que lhe dá sentido, que lhe permite compreender e narrar sua
história, descrever sua geografia. O processo de surgimento da modernidade
cria, então está alienação fundamental que está na base de todo o processo de
mundialização, visto que, os homens desterritorializados no sentido em que
não mais se identificam com o lugar, são arremessados num mundo recém
criado que promete aventuras e desafios. O homem já não se sente mais em
casa. Neste mundo, não há mais lugar, porque seus lugares foram deixados
para trás. Daí o surgimento de um dos principais elementos que compõem a
modernidade, que seja, o romantismo, um sentimento de fragmentação, do
sentir-se perder em meio a um mundo que não lhe pertence mais, um mundo
que é antes de tudo discurso e imagem.
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O movimento da construção de uma consciência universal, pautado no
Direito ao Lugar, vai em outro sentido. Se o pensamento único produz
expropriação, a consciência universal possibilita aos homens e mulheres
retomarem o lugar e os seus múltiplos significados. Não são o global e nem o
local os pontos de partida. Tal consciência só pode existir em movimento, no
contato entre estes diferentes saberes. Surge do reconhecimento de que cada
homem e mulher é capaz de construir suas próprias narrativas e com elas,
como aponta Benjamim (2008), partilhar experiências12. Neste novo senso
comum, situado, localizado, empiricizado pelo lugar, surge uma nova política
de espacialidade que concebe o mundo como a coexistência simultânea de
narrativas se fazendo. A consciência universal se realiza da apropriação que
em cada lugar fazemos das condições técnicas da racionalidade dominante,
condições estas que passam a ser utilizadas conforme as necessidades reais
dos homens e mulheres no lugar. Como aponta Milton SANTOS (2010),
12
A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão – no campo, no mar, na
cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está
interessada em transmitir o “puro-em-si” da coisa narrada como uma informação ou um
relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se
imprime a narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (BEJNAMIN,
2008, pag. 205).
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dos homens e mulheres em diversas partes do mundo. Tais ações trazem em
si toda a potência da multiplicidade humana, da força revolucionária que
conduz a humanidade a caminhos nunca pré-definidos. É esta a belezura de
estar no mundo. Como aponta Paulo Freire,
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Referências Bibliográficas
ADORNO, T.. W. Educação e Emancipação. 4º edição. São Paulo: Paz e
Terra, 2006.
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HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. 13º edição. São Paulo: Loyola, 2004.
KURZ, R. Com todo vapor ao colapso. Juiz de Fora: UFJF – Pazulin, 2004.
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