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‘cour cence oa courghouncuncem eo ek tne pce een teats) ac aes geo ere dain cepaesinenafomes acres CAPITULO 2 [APOLIFONIA NA ESCRITURA DE CLARICELISPECTOR ‘A teratura da primeira metade do séevlo XX fo marca pela busca de tenicas de expresso que dessem conta da represantagio de um univers inluenciado pelos descobertas de reas ientifas ti ce pares quanto a Fisica au a Psicandlie. Formas mats complxas dese ‘entender oral acabarars por engi da Ate ténicas que permis representacies mas vltadas para unversos particularzados,visbes {que no buscavam 8 sntese de um real cada vez mais depeso, mas aque tentavamfazer do fragmento, 6 isso analites o pontode parties para 0 desenvolvimento rao $5 de estos como de linguagens novas (Cs movimentos de vanguaréa, nas tes primaivas déeados do século passado, evidenciam um contestoartisica verdadeiamente desurh- brado com teznologias ainda ent de dif cesao, ou com conhec mentos revluconsrios, como a teori reudana,assimlada em prin pio muito mais por artistas dessjosos de inovaglo que por ros aqueles que se dedkenvar a estudos de naturezapsicolégca A teota freudiana significa para a Arte a possbiidade de ola ‘assum um entrecruzamento de vozes, de fazer assomar aquelas que testavam relegades ao plane do inconsciente ea term que permanecer como elementos impessives de sem desvelados através da: técicas habitais de representa do real Por is, o vanguardisma se vol para formas de epeess2o valorizacoras das smslardades, de sugestbes ‘ue flam por tras daquelasvozesreconhecves para um pba cos. ‘tumado a técricas mas realiticas de represertagso,OExpressionsmo pode ser ctado como.um caso exemplar de assuncdo de técnica ats- ties reveladoras de eserasveladas da conscidria; os sentemetos dear de ser representades para serem exibidos, desvelados através das marcas detiadas pela emagio ma técnica do atta, anda aes, era uma thcrica que paseve pela elaboracfoconsciente. © Dadeemo e ‘Surrealism azzomam come técricas que superam osllames do cons ‘lent instauram a desordem des nvelsprésonscientes. Aliteratura esse periodo sta com aslimitagbes eum cbigo regulado pels possibildades de uma ingvagem purarnente digital, ondicionada a Uma temporalidade que tornva confitante idea de técnicas que asimiassem a associagio de cela, 2 simutaneidade de tempos, Posteriorment, enquantoa poesia assum formas quase aralégicas de aprovetamenta da lingvagem, com textos mutes ‘ezes para zerem lidar sem preocupagie cam = ordem das palayras, 2 prose been ineneprar laments accriativoy,continuando aser ‘ine expresso digital, detentora de ums duacdo, Uma arte temporal {que tentave ganhar em profundidade com 2s idelasvindas tanto da psicandlsefreudiana quanto da necessidade de uma arte revlucio ata, praconizads peas eologias de esquerda, ‘Astécrcasliteriras da primelradécada daséculoxX encontram {formas ficients de incorporagio da ideas da Pscandise através do recurso de dear que as Vozes dos dominios que compSem a mente humana folem. eso pode acontecer concomitantemente.O Incons= cente pode falar enquanto a vor da consciéncia permanesa conic por indmerosfatores As duas vozes podem falar 20 mesmo tempo, Tesultando no desenvolvimento de Indmeras écnices de aprovelt- mento das mesmas,O stream of consciousness permanecev durante Iruitae dada come uma ealda para ne stares prencupadas com dor voz 80 nvelspré-conaclentes. A técnica desenvotviéa por ames ‘oye utizad largamente, ome no capitulo final de Uises, fl asi= rmladaeretoceda por autores como Virginia Woolf eWillam Faulkner. Doktimo,regsta-se ousorecorrente do solléqulo para se dar voza Indmeros personagens dentro de uma mesma obra. Corno €0 caso de Enquantoagonize, composte des soléquies de personagens, pessoes ‘de uma famila, enquanto viajam em Uma carrarajuntamente com 0 ‘cadaver da re, a ser epulkodo em outra cidade. A prosa acaba por ‘dota 9 simultaneldade de tempos, sem o entrave de ume crono: logiapautads pelo factual O que repercute, entre outros aspectos, na maneira dese foalzar oconceto de géner, na impossoiidade dese precisa, tantasvezes, omits entre prosa epost, A preocpasbocom uma neraturaengjad em qu otertofosse espace par ores das nies vozes ue psa epesentar Um {eco socal pee sersenica notre aiasabretitoem Oro. ‘Ainermindve repro de ago acaba or aba todo como co romance A ls oer econ uscd personage ep Senta hem comosva ing em in quatro soalinquebrante Na ieratura bras, &pssvelencntarem-se eremplos de ua assimilago de ores forandoa tessa da obra em ators da ‘cada de 2, como ocore em Osnald de Andrade romance osa fu prose ones de mets naa, ra mitre de ages qu ie alam, mutes ene sem a metas de um narador Antes dele le tara poco conhecda de lino Magalies explora ences de Imondlogo Ineo, TEcics que a dads de 3 colcara& parte, na tentatvadeeago de una terstra rela comfort estaove pra {vor doratrader come cement vnifeador A except certamete Graclane Ramos de um realm preccpado com a densi ps coléja, ator goes uizava largamente do suo Indreto le come forma de defi acorscitnca dos pesonagens.Omendego Inter pode ser perebid em Angus, sobretudo no cape fir, umaessolagio de bras da nfncis com atosrecertase pect pagdescomasconequéncas dees. Aine Grailano€intessante carts eam Religie de olan Noverente, hea mobihade para lb testa a5 elucubrages ce uma conscénci nq, Fore do Ses, {ores como Samuel Bechet leva shines conseastncas 8 sesso el iba fic, na ial apenss 9 cone € ura Imanfegiode movment stoves dalnguagem ‘Alteratura bras, nprimetametadedskcloXX,amargou a caracterisin de ter aim co staso as pias vases {85 foam no eter Por io, autores come Joes «Kata pas Serematernfsinclamrcant nox svtoressugioe parti ea dada deo. As tries desenvolidas ao longo de mals de its dicaes no exterior seam trabthades plas geragbes que Instauraiom, ro pals, uma fase que ua a ser histriografada como Pos-modernismo. Ser pbs-maderno representava sobretudo ter um programa esttico preocupedo cam a form, mae nem sempre e compremisso com uma ‘estticadesenvalvida por uma escola, Eemtalcantextaque acbrade lavice Lispectordesponta, desde ‘nila despertando fort interesse pel noidade que representava No ano de 1944, @ autora era uma jovern que sala da adoles <éncla, Nascera em Tchetchelni, na Uerrio, em 10 de dezemibro de 4925, Fata pouco signifcatvo na formacio da escrito. Como nasceu ‘hirane a ager ca eile pare w Bran uh wn vice cleinentos ‘que a fagem soar como uma etrangera em um pais desconheci. O {ques pode parcebaré multomais amarca de ma nfancia passadano Nordeste, em Recife, que as de uma educagdo sequndo paradigmas de uma cultura europea. lance que maravarno Rode Janeionadécada de go erauma jovem marcada porum fenémena migratdiointerlor 20 Dis Viséo que aprendeu a assmilar ae mudangas como um fato cor: ‘quer, Depots de asada, em 3945, Clarice vera fore do Brasil por 125 2nos, acompanhardo o marie em sua caceraciplomtics. O pts {que eseritorsreencontrara na década de 60 vis uma fase de Incul- ‘a¢Hoectética em muita provocada por ela propria. Elaviverano Rio de Janeiro atéa morte, ems de dezembro de 297. ‘A publica de Parto do corgi slvager, em 944 charnou a atengio de um pobio acostumado a uma Iteratra realists, poUuco felt a novidades formals, ndo apenas para a poucaidade do autor, ‘masparea estranheza de uma ecritura marcadamante pscologaante Gintimismo no &aqu um reflexo no interior dos personages daqull| {que o fata praduzem, NSose trata tamblm deuma técnica decarac- terizar plclogicamente os personegens pra se cir o eeito de ua verossimihange procutora de justifcatvas para as 2¢bes. Percabe: "etal estranheza nas pelavras de Sergio Mle, publicadas no iro Citico, de 35 de jane de 944, reprodunidas por Olga de 54 em um capitulo dedcado b recepgéo placritica das obras do autor arent tam cio a let da descobea.[.]A8 ‘Sena mes. Pl a fa ura ue me ee de sats (1 Oe ale nome eran «at emg pons sem Go, es pena ra ms ‘gente poe at ebgir de vive vot, ras que moreriam de aa ‘he ume ceumaerhia ste {JU lnguoger peel tn aac crnncaltr des orytoropme oan ue ‘steadied LIE apd ap p22) ‘As palavras do ertico encontrariom as mois diversas formas ‘de eco, da acolhida entuiasmade & recusa dante de uma lingvagem use fetta > lslgoes da Meracora nacional © ear encanta ‘em Porto do coragae selvagem uma narativa em que os fates perdem peso dante a realidad psicolgia. Nba 4 ua eacdo de causadade ‘ue se estabelece entrees atitudes do personagemesuacaracterizags0 come possudara de determinadostragospicldgicos, Schwartz (ss, 37-4 chama aatengio dese olangamento para semelnante crac ‘teistica do obra da autora. Tata-se do pscollgce vil como estabe- lecimento de uma conscincia que transcends 0 tempo cronolégic © busca atiogiro atemporal. A personagem Joana, moca que precisa se aequar 2 uma nova rtina apés a merte do pai pase porndmeros estégos em ciregio a0 que se paderia definr como um cera \vager, conceit por s mesmo valida dentre de uma abrangéncla do Sentimento, da vida inter Estigios que s$o lampejosintanténeos ‘que reghtram momentos de uma evolvga psialoges- © momenta de chagada pode sar engvadrado dentro daquie que Oige de $8, em A ‘excntura de Clarice Lispector, um dos extados mai abrangentese co ‘undentesfettos sobre a escrtora, define comma “epifanis" SA, 1993p. 63), ousea, algo proximodeuma comunhéo mises entre personagem ‘real A cena do benho pode ser ctada como um exemple. sobrepo- sigdo da voz da conscincia sobre as inémeras vozes que compBam 0 Universo exterior. E 20 narrador que cabe adotat formas de naracS0 que tegistrem toda uma dmensio pskolica enuanto existem agaes, ‘Ao escritoreabe encontrar formas de expresso revladoras de um estado epifanico.°O escritor tem de encontrar uma fala zeguida do visgo das falas primeiras que Ihe fornecemo mundo, ahistiria, sua eisténca, A tarefa do escrito inexprimir 0 exprimlvel (BARTHES, tpud SA, 1993, . 22-22). Olga de Sérecolhetrechos de artigos eseritos por citicos signiheabivor, que tratam da epifania er Clarice, mas também recolhe outs que tratam de poifonia na obra da autor Mossavd Moises usn otermo a parr de ev sentido na terminologia rusia, come génera que se contrapde a sinfoni, Ouseja, en Clarice ‘niste 2 mistura, a simultoreidade, sobretudo como corsequéncia do mode coma o tempo ¢ trabalhada em sua obra. Escitora do tempo, mas tal como ele repercute no universe interior des personagens. A Convivénea de tempos simultaneos 6 pretestoparac trabaho com as ‘zee que os especificam Porlsso, aconstante mudanga de pontos ce vista em rlogBo bs pessoas verbls! Aectonto sur avert msgs Pues rpiogere declan tm cel Eromanga e urea Moo mmanert Sera plan doenureca de lmguoget roitrardoeruncade (Ss P28) ‘A enunciagio coma palco para oestabelecimento de inimeras possibidades de sgnifcaglo acaboria por tomar-se uma das marcas 1d fegfocarceana, ho longo de seu percursoiteréro, 0 mado come {fala romanesca chega ao lito assume inbmeras varives a tercelra pestoa de A magi no exciro, de 96s, 8um pretexto para que secscuta E propia impossbiiade de linguayer vevela v ae, v mensloge ininterupto de Agua viva, de 973, incarporana vor da personagem 0 discurso daqueles que e canfrontam com alinguagero ddlogo do harrador como eto, revelando os passos da escritura, em A hora da tstrela de 197, servindo come ttica par a superego ds mtasbes dds concigdes de procugio evidenciadas pela natureza da propria literotue, A manifstagsoFrequente de uma segunds pessoa semore Impl na aba de Clarice 8 fot percebida como um esforgo para 0 ‘ompimento dos limites entrao eve ou, através da fuszo deambos em Umrds sliddrie, Nessesetido, lnguager clriceana manifesta sua polifonia através de um esorce para a superacio do que a alterdade pode representar como extrenhera, a vor do enunciador ansia pela Voz ée um autroiplicit, mas escencal para que a obra se const, ‘A enunlagio a partir da vor de conscdncle das personagens & pretext para o rornpimente com bareras da linguager, © moicrio elas imposta por uma tracigto apoleda na duragaa temporal. Exste tum anseia pela temporelidode, mas o real & feito de fragments que 58 superpdem ou acontecem concomitantemente. A obra de Clarce LUspectorvinaa ser marcada, 20 longo das décacs, por asa liberdode que vor da conscdnca assume dante de uma inguagem que & res tante das trocas verbals em sitvagdes de vilincia do consciente Encontrar formas de expressdo que possibltatsem a maniertagio das esferasprofundas do ser sari ume des inauietiesUersing in autora. Roberto Schwartz, em Aseria odesconfado (1965p. 37-42), fala acerca das possibiidades que a naracto feta de dentro do par Sonagem estabelece, sobretudo como rompimento de ume cadela ‘temporal Por iso, a estranheza gerada por uma obra como A cre sitada, de 1949, 0 romance menos intenorzada de Clarce. A super

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