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Noarowne Introdug4o 7 Quem tem medo da neovanguarda? 21 O ponto crucial do minimalismo 51 A paixdo pelo signo 79 A arte da razao cinica 99 Oretorno do real 123 O artista como etnégrafo 159 Eo que aconteceu com o pés-modernismo? 187 indice remissivo 211 ye, op. cit. P. 404 ,retoro a aparéncs ressionante, ver pact. A paixao pelo signo ‘arte de ponta na década de 1960 viu-se acuada entre dois imperatives opostos: por um lado, alcangar uma autonomia da arte conforme a Iégica dominante que o modernismo tardio requeria; por outro lado, dispersar essa arte auténoma por um campo ampliado da cultura que tinha uma natureza extremamente textual - textual porque a linguagem tornou-se importante (como em muitas obras da arte conceitual) e porque um descentramento tanto do sujeito quanto do objeto (como em muitas obras site-specific) tornou-se primordial. Essa tensao entre a autonomia do signo artistico e sua dispersao em novas formas e/ou sua combinagao com os signos da oultura de massa regia a relagdo nao sé entre o minimalismo e a pop, digamos, mas também entre o cinema reflexivo dos independentes norte-americanos (por exemplo, Michael Snow) e 0 cinema alusivo da nouvelle vague francesa (por exemplo, Jean-Luc Godard). Entretanto, na década de 1970, o termo textual dessa dialética estava em ascensao tanto na pratica como na teoria. Neste capitulo abordarei essa virada textual - para comegar, por meio dos debates sobre 0 pds-modernismo que também se desenvol- veram na época. No final dos anos 1970, esses debates comegaram a se dividirem_ duas posigées bésicas; a primeira alinhada com a politica neoconserva- dora, a segunda associada & teoria pés-estruturalista. Segundo todas as aparéncias, essas duas versGes do pés-modernismo eram diametral- mente opostas. Assim, depois da suposta amnésia da abstragao moder- nista, a verso neoconservadora do pés-modernismo proclamouo retorno da meméria cultural na forma de representagSes histéricas na arte e na arquitetura. Logo, também, depois da suposta morte do autor, anunciava-se a volta da figura heroica do artista e do arquiteto. De seu lado, a versio pés-estruturalista do pés-modernismo propunha uma critica dessas mesmas categorias da representagao e da autoria. Essa oposigao continuou também em outras frentes. Assim, a verso neocon- servadora do pés-modernismo tendia a contrapor o fetiche modernista da forma a uma pratica livre do pastiche, cujo suposto populismo muitas vezes encobria uma codificagao elitista das referéncias. De seu lado, a verséo pés-estruturalista do pés-modernismo empenhava-se em ultrapassar as categorias estéticas formais (a ordem disciplinar da pintura, da escultura etc.) e as distingdes culturais tradicionais (alta cultura versus cultura de massa, arte aut6noma versus arte utilitéria) com um novo modelo de arte como texto. E assim foi travada essa batalha, No ontente, Porn ot ee tapes CUBS Doet ss derrismo também estavam conectadas, poig a 'SOeg Bois uma , derivada da prescrigao marxista de Telaciona, sift eacdl ; as is de significagao com os modos Socioecondmig, IS sobre 0 pos-mo terceira post formas cultural : produgac ,estava prestes a parecer. De acordo com €88a pos; pastiche da verso neoconservadora do pés-modernismo rava.arepresentagao histdrica ou a autoria artistica mais do textualidade da verséo pés-estruturalista desconstrufa essa, rias em seus préprios termos. Antes, ambas as praticas, 9 pe textualidade, eram parte de uma crise geral na representag: autoria, crise que em muito as ultrapassava, Em, Particular, capa de uma pintura neoexpressionista de Julian Schnabe| performance multimidia de Laurie Anderson, um edificio hi Michael Graves ou um projeto desconstrutivista de Peter ambas estavam relacionadas a um desvio qualitativo na dj capitalista de reificagao e fragmentagao.2 0S de S30, 80 recupe. quea S catego. astiche eg Boena fosse sob g lou uma istoricista dg Eisenman, inamica 1 Esse tercera modo associado obcede Fredic Jameson. Ver seu Pés-mode- nism: A I6gica cuturaldo copitalismo tarda) ad Méria Elisa Cevasco e Ind Camargo Coste, SéoPaule:Atica, 2007, Retomo esses debates ro capitulo. 2 Vermeu “{Post)Modera Polemies', in Readings: At, Spectacle, Cultura Potts. Seattle: Bay Press, 88 Gordon Matta-Ciark, Fende, 1974. 3 Apaixéo pelo signo be Ha muito tempo, em Histdria e consciéncia de classe (1923), Georg Lukécs revelou que essa dinamica de reificagao e fragmentagao era fundamental 8 sociedade capitalista. Em seguida, em pleno capitalismo monopolista baseado na produgao em massa, Lukécs abordou a reificagao e fragmentagao do objeto, especialmente na produgao em linha de montagem. Hoje, em pleno capitalismo avan- ado, baseado no consumo em série, somos testemunhas de uma nova reificacio e fragmentagao - do signo. Uma maneira de narrar essas vicissitudes do signo, sua paixdo sob o capitalismo avangado, consiste em examinar certas praticas da arte e da teoria nos anos 1970 € 1980. Pois a reificagao e a fragmentago do signo, embora nao apreendidas como tal nessas préticas, nelas operam, ou ao menos é isso que pretendo propor. Assim, também quero sugerir que os conceitos pés-estruturalistas anélogos da época muitas vezes interiorizaram essa dinamica de reificagao e fragmentagao, e isso justamente quando pareciam ser mais pds-marxistas, mais criticos do conceito de totali- dade. Essa leitura sintomdtica da arte e da teoria corre o risco, também associada ao legado de Lukacs, de reduzir as préticas culturais a forgas socioeconémicas. Aqui, contudo, minha premissa nao é que a arte e a teoria refletem algum momento socioeconémico, mas, antes, que sao marcadas por suas contradigdes, e que, portanto, as categorias. culturais, incluindo os conceitos do signo, possuem uma historicidade que cabe & prética da critica apreender. Mas 0 que significa dizer que o signo tem uma historia especifica? E claro que qualquer historia desse tipo é um mito, e um mito que ‘sup6e uma visdo totalizadora muito fora de moda na critica hoje.? Nao. obstante, histérias como essas ainda sio importantes, pois elas nos Capacitam, ainda que provisoriamente, a conectar fenémenos que requerem € ao mesmo tempo evitam a conexao - talvez agora mais do que nunca. Como vimos no final do capitulo 2, é extremamente dificil mediar fendmenos to diversos como a arte pds-modernista, a teoria Pds-estruturalista e a sociedade capitalista avangada, ea tentativa de fazé-lo pode apenas se refletir numa critica presungosa e ansiosa (em uma palavra, parancica). Porém, as relagdes entre tais fenémenos existem, e algumas podem ser compreendidas, ao menos em parte, Nos termos da reificaco e fragmentagao do signo. Essa penetracao do Signo pelo capital ndo é metaférica; no capitulo 2, mencionei alguns de seus efeitos nos anos 1960, quando a produgao e o consumo em série 3. VerF. Jameson, op. cit, passaram a ser partes integrantes da obra de arte. pp. 1718, Mas 6 nos anos 1970 e 1980 € que essa penetragao 80-81 eka abana reall etbee ohe tend Mal = Pa historia que quero contar aqui, mais uma vez em termos gerais, fro. quentemente heuristicos. Arte auténoma e cultura textual as vrias genealogias do signo sob o capitalismo que podem ser claborades, tragarei aqui algumas delas para reinscrevé-las maig adiante em relagdo 8 arte e 3 teoria das décadas de 1970 € 1980, ag das primeiras genealogias sao derivadas dos textos pés-estruturalis. tasfundamentas, de Roland Berthes e Jacques Derrida: $/2 (970), ng qual Barthes decodiica anovela Sarrasine, de Honoré de Balzac (i e ‘Aestrutura, 0 signo e 0 jogo no discurso das ciéncias humanas" (1960), no qual Derrida desconstr6ia antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss. Esses dois textos indicam um modo nao sé de relacionar osigno aos dois desvios histéricos, o primeiro associado ao capita- lismo de mercado, 0 segundo, ao alto modernismo, mas também a relacionara teoria pés-estruturalista a outro desvio nos dias de hoje, Em S/Z, Barthes est & procura de fissuras na ordem simbélica cdo mundo parisiense da novela de Balzac. Lingu(sticas e narrativas, se- xuais e psicolégicas, sociais e politicas, essas fissuras emanam do cen tro do texto: 0 castrato Zambinella, figura cuja relacdo com a identidade sexual e com a ordem simbdlica é enigmatica, para dizer 0 minimo (ele 6 tido como mulher). No come¢o da narrativa, num comentario sobre 8 misteriosos protetores do cantor de dpera, o narrador lamenta que anova ordem do intercambio capitalista tenha corrompido a antiga in- terpretagao de pertencimento a uma classe: “Ninguém Ihe pediré para ver seus pergaminhos [titulos nobilidrquicos]; todos sabem quanto cus- tam’, Provocado por essa declaragao, Barthes concebe a passagem histérica do antigo regime feudal de origens hierérquicas, da riqueza fixa em terras e ouro, para um novo regime burgués de signos equiva- lentes, de papel-moeda promiscuo, em termos de um desvio semidtico que vai da ordem do indice, de uma marcagao fixa da identidade, para a ordem do signo, de uma rela- 4. verRoland@arthes, tiva mobilidade de posigdo: See ‘age. Devo minha letra dese | Adiferenga que opée a sociedade feudal a socie- texto Dana Polan, “Bret i ture ond dade burguesa, 0 indice ao signo, é a seguinte: Encounters: Mass Cul a the Evacuation of Sense’ is in Ente 830) | | of i 0; | ° indice tem uma origem, 0 signo nao; passar do. oc4i (org), Stud be Indice ao signo é abolir o ultimo (ou o primeiro) tainment. Bloomington: Inc | limite, origem, ofundamento, abase; é entrar University Press 198% 3. Apaisao peo signo _ no processo ilimitado das equivaléncias, das representagdes que nada mais ver impedir, orientar, fixar; consagrar [...] os signos (monetarios, sexuais) s40 insensatos porque [..] as duas partes encadeiam-se, significado e significante giram em um processo sem fim: aquilo que se comprou pode-se vender novamente, o significado pode tornar-se significante, e assim por diante# Aqui, Barthes relaciona o deslocamento do indice para signo coma disseminagao do capitalismo de mercado, a ordem socioeconémica a partir da qual a arte moderna se desenvolveu. No entanto, ele descreve essa passagem em termos mais apropriados & ordem socioeconémica do capitalismo avangado: um “processo ilimitado das equivaléncias". Serd que essa condigao de “signos selvagens" estaria emergindo no momento histérico testemunhado por Balzac, mas que nao predominou até nosso momento atual, tantas vezes descrito como um mundo de simulacros espetaculares — ou seja, nao predominou até a conjuntura a partir da qual Barthes escreve, 140 anos depois de Balzac? Em outras palavras, Barthes estaria projetando certos aspectos de uma economia contemporanea sobre seus comegos histéricos? Se assim for, sua leitura retrospectiva indica que o deslocamento da ordem do indice para ado signo sé se completa (pelo menos ao ponto em que pode ser compreendido como tal) no presente de seu proprio texto. E em seguida sustentarei que esse deslocamento foi de fato registrado na arte recente. Derrida também parece projetar um conceito pés-estruturalista do signo sobre um momento passado. No entanto, & diferenga de Barthes, nao o faz em relagao a ordem semistica do alto modernismo, que é tam- bém o momento do capitalismo monopolista. Em “A estrutura, 0 signo e 0 jogo no discurso das ciéncias humanas”, Derrida escreve sobre a rup- tura epistemolégica produzida na linguistica estrutural. Para ele, essa ruptura obriga-nos a pensar a estrutura a parte de um centro fixo ou de uma presenga central. Lé-se na famosa passagem: Foi entdio o momento em que a linguagem invadiu o campo proble- miatico universal; foi entéo o momento em que, na auséncia de centro ou de origem, tudo se torna discurso [. to é, sis- 5 R.Barthes, op. city PP.7*72 6 Jacques Derrida, "A estrutura, © signo eo jogo no discurso das Ci8ncias humanas’, nA escritura e 2 diferenga (1967) trad. Maria Bea- ttiz Marques Nizza da Silva. S50 Paulo: Perspective, 2005, P. 232. tema no qual significado central, originério ou trans cendental, nunca esté absolutamente presente fora de um sistema de diferengas. A auséncia de significado transcendental amplia indefinidamente o campo eo jogo da significagao.® 82-83 Pressionado a especificar esse descentianiicinu, Derrida menciona a critica da verdade em Nietzsche, acritica da autopresenga em Freud e a critica da metafisica em Heidegger (e jd admitiu a critica do modelo referencial da linguagem em Saussure). Em conjunto, essas referéncias podem nos permi- tirrelacionar a ruptura epistemoldgica observada por Derrida na linguistica estrutural com a ruptura artistic inaugurada no alto modernismo. E, em retrospecto - ou seja, numa instncia da relagaio posteriori (nachtraglich) do pés-moderno com ‘8 discursos modernos observada no capitulo -, essa conexao entre a linguistica estrutural e o alto modernismo esclareceu-se em nossa época, (Para citar s6 um exemplo da critica recente: “A extraordi- réria contribuigo da colagem [cubista] é que ela é0 primeiro exemplo nas artes pictoricas de algo como uma exploragao sistematica da representabilidade inetente 20 signo")’ De modo significativo, porém, Derrida recusa-se a situar historicamente esse des- centramento, “Esta produgao pertence certamente Atotalidade de uma época, que é a nossa’, afirma autor enigmaticamente, “mas ela jé comegou hd muito a anunciar-se."* Aqui Derrida parece sugerir 2s precondiges de seu proprio reconhecimento - que esse descentramento traumatico da estrutura 5 apreendido como tal em seu proprio presente pés-estruturalista. Assim como “o processo ilimi- tado das equivaléncias" em Barthes, 0 ilimitado “jogo da significago” em Derrida pode ser prepa- radoemum momento passado (em Barthes, no momento do capitaismo de mercado, em Derrida, ‘odo alto modernismo), mas s6 é alcangado em 10ss0 préprio presente capitalista avangado e pés- -modernista. Nesse sentido, os pés-estruturalismos de Barthes e Derrida também sao discursos sinto- méticos. Podem compreender rupturas passadas no signo, mas também podem prenunciar uma ruptura presente que eles ndo sao capazes de compreender pele simples razdio de que dela participam? 3 Apsivao pelo signo 41 Rosalind Krauss, The Oring. iy of the Avant-Garde and Othe, Modernist Myths. Cambridge: yp Press, 084, P.34. Vertambémg capitulo, nota. 8d. Derrida, op. ct, p.zge, yy ‘comegou hi muito" indica» temporalidade complera da acto ‘posterior. 9 Apassagem do indice 20 signo, conforme fi delneada poy Barthes, sugereoutrapassagem ‘no que Jean-Joseph Goux chamg “economies simbdlicas": um desvio parcial na economia do sujeto, do regime cpitasta cléssico de represséo infgids pelo poder flico do pai, para regime copitalista avangado de investimento, no qual es fos dos desejos sia liberados com ofim de serem canalzados de modo mais produtivo. (Ver J-J.Goux, ‘Symbolic Economies: After Manx «and Freud, red. ingl Jenifer Curtiss Gage. thaca: Cornell University Press 1990) Se relacionarmos essa mudanga ao

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