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que distanciam professores? Uma pesquisa em livros didáticos brasileiros e estadunidenses traz
resultados referentes a um tipo de distanciamento frequentemente encontrado:
das referências a exposição dos resultados deste trabalho são apresentados alguns exemplos de
como alguns livros evitam essas generalizações, bem como, as possibilidades de
em Genética
encurtar tais distanciamentos seja com mudanças na formação inicial, seja com o
trabalho em sala de aula.
INTRODUÇÃO
pelo saber cotidiano (LOPES, 1999), o que ser adequada para cada nível, para que, como METODOLOGIA to em sentidos opostos. Se, por um lado, a
não elimina a importância de aproximar o afirma Chevallard, possa se tornar compre- ausência de uma delas poderia gerar conheci-
Nesta pesquisa foram analisados conteúdos
aluno do Ensino Médio do conhecimento ensível para o estudante. Aprender a reali- mentos inacessíveis para quem aprende, por
relacionados à área de Genética presentes em
produzido pela Ciência. Apesar de não ser zar transformações nesse estágio do saber, outro lado poderia gerar descompromisso
uma amostra de seis obras didáticas. Três de-
papel da escola necessariamente substituir as transformando-o em um saber apropriado com o conhecimento aceito pela comunida-
las eram livros brasileiros de Biologia para o
concepções dos alunos por ideias científicas, ao aluno, torna-se então um desafio para os de científica. Sofrendo a ação dessas duas
Ensino Médio, aprovados pela avaliação do
apresentando-as como superiores a outros futuros professores. forças, o conhecimento ensinado na escola
Programa Nacional do Livro Didático para
saberes, é preciso permitir que os estudantes distancia-se do conhecimento de referência.
Se, por um lado, é importante o licenciando o Ensino Médio (PNLEM) de 2007. Pen-
desenvolvam uma visão de mundo compatí-
estar preparado para realizar a transposição sando em verificar se os seus resultados eram O esquema apresentado na figura 1 ilustra
vel com a ciência (COBERN, 1996), ou seja,
didática, outra necessidade é que ele tam- específicos de nossa realidade ou poderiam como esta pesquisa considera os distancia-
fazê-los ser capaz de compreender o conheci-
bém seja capaz de fazer o que Chevallard ser encontrados em outro contexto, também mentos presentes nos livros didáticos. Esta
mento produzido e que, em certos contextos,
denomina como vigilância epistemológica, foram investigados mais três livros didáticos imagem não tem a pretensão de ser uma fer-
pode ajudar em nossa vida cotidiana. Isso se-
que consiste numa espécie de verificação da utilizados por professores nos Estados Uni- ramenta gráfica na qual se plote precisamen-
ria importante não por se considerar esse co-
pertinência dos resultados do processo. Para dos. te cada afastamento, mas sim a intenção de
nhecimento como melhor do que os outros,
este autor, apesar de necessário, o processo representar esquematicamente as ideias que
ou uma verdade inquestionável, mas por se Nessas seis obras foram analisados três gru-
de transposição didática pode causar “disfun- norteiam a metodologia utilizada.
considerar que esse conhecimento é confiável, pos de conteúdos relacionados ao ensino de
ções inadequadas”.
pois foi gerado no consenso de uma comuni- Genética: Meiose, Leis de Mendel e Expres- Na imagem, cada faixa horizontal representa
dade científica, tendo sido avaliado por diver- Em sala de aula, os professores utilizam os são gênica. Os textos desses livros didáticos um nível de conhecimento, representando o
sos pesquisadores de uma determinada área livros didáticos tanto para preparar aulas sobre esses conteúdos foram comparados saber científico em um primeiro nível e, sub-
de conhecimento e por eles aceito (ZIMAN, quanto para ministrá-las. Esses são mate- com uma literatura de referência amplamen- sequentemente, os saberes que transitam no
1985). Pode-se também considerar que os riais em que o processo de transposição di- te utilizada para a formação de licenciados ensino superior e nos diferentes níveis da
indivíduos desenvolvem imagens científicas dática pode ser evidenciado (FORQUIN, em Ciências Biológicas (GRIFFITHS et al. educação básica. Um conhecimento poderia
do mundo das quais obtêm diversas dedu- 1992) e, consequentemente, podem revelar 2008). Quando um distanciamento entre o se distanciar da referência em um eixo verti-
ções. Essas opiniões sobre a realidade cien- disfunções inadequadas. Para identificá-las conteúdo presente na principal obra de re- cal devido à necessidade de se adequar o co-
tífica servem de base para muitas ações so- o professor precisa ter, além de atenção, do- ferência e no livro didático foi identificado, nhecimento à faixa etária do aluno por meio
ciais, o que também justifica a importância mínio do conhecimento produzido pela ci- ou quando essa principal obra de referência da pedagogização, e também por um eixo
do conhecimento científico ser ensinado no ência. Vários pesquisadores têm apontado não continha informações suficientes para horizontal, devido à necessidade de didatiza-
ambiente escolar (ZIMAN, 1985). elementos que merecem ser melhorados nes- a comparação de um determinado assunto, ção, ambos importantes para a ocorrência do
ses materiais, inclusive na área de Genética outras fontes, igualmente consagradas, fo- aprendizado. A pedagogização é aqui consi-
Porém, não é possível ensinar esse saber cien-
(ex: EL HANI et al. 2007; ESCRIBANO; ram consultadas (ex. ALBERTS et al. 2008, derada como a apropriação do conhecimento
tífico nas escolas utilizando a mesma lingua-
SAHELICES, 2004; GERICKE; HAG- KREBS; GOLDSTEIN; KILPATRICK, para a compreensão do aluno em seu nível
gem com a qual os cientistas se comunicam.
BERG, 2007). 2008, LODISH et al. 2007, WATSON et de ensino. Já a didatização leva em conta o
Chevallard (1991), ao trazer para a Didática
al. 2008). Ao longo do manuscrito, por bre- uso de recursos variados como metáforas e
da Matemática o conceito de transposição Neste texto, relatamos parte dos resultados
vidade, essas obras serão chamadas somente analogias para facilitar a compreensão dos
didática, criado por Verret em 1975, serve de uma pesquisa que investigou como os
de referência. conhecimentos. Os pontos representam co-
hoje de referência também para pesquisa- conhecimentos de Genética presentes nos
nhecimentos hipotéticos que sofreram dis-
dores de outras áreas. Este autor argumenta livros didáticos se aproximam e se distan- Para a análise, refinou-se uma metodologia
tanciamentos horizontais e verticais em rela-
que o saber gerado pela ciência, o saber eru- ciam do conhecimento de referência utiliza- desenvolvida colaborativamente em pes-
ção ao conhecimento científico.
dito (ASTOLFI, 2000), não é o mesmo que do na formação dos professores. Este estudo quisas anteriores (DEL CARLO, 2007;
é ensinado para os alunos. A transposição procurou ampliar o quadro de investigações FRANZOLIN, 2007; NARCISO-JU- Entretanto, consideramos que existe um li-
didática seria a transformação do objeto de apresentado pelas pesquisas acima citadas, NIOR, 2008) que considera que o conheci- mite de aceitabilidade sobre o quanto um
saber em objeto de ensino. propondo um novo olhar para os distancia- mento escolar está sujeito a duas fontes de conhecimento a ser ensinado pode ou não se
mentos encontrados entre o livro didático e influência: O laxismo, que tende a distanciar afastar do conhecimento de referência. Este
Os cursos de graduação utilizam tanto arti-
a referência. Procuraremos especificamente o conhecimento a ser ensinado do conheci- limite foi representado no esquema pelo con-
gos científicos, os quais são produtos diretos
relatar os resultados referentes a um tipo de mento científico, visando torná-lo compre- torno do cone.
da produção de conhecimento científico,
distanciamento frequentemente encontra- ensível ao aluno; e o rigorismo, que tende a
quanto livros-texto, que já passaram por um O cone tem a base mais larga, pois quanto
do nesta investigação: as generalizações que se opor a essa tendência, aproximando o co-
certo grau de transposição didática, man- mais jovem é o aluno, maior é a necessidade
consistem em atribuir a um conhecimento nhecimento a ser ensinado do conhecimento
tendo grande aproximação com o saber pro- de didatização (ocorrendo um maior distan-
particular um caráter geral (por exemplo, científico, buscando sua correção e compro-
duzido na academia. Todavia, a linguagem ciamento horizontal). O diâmetro do cone é
quando certa característica de um grupo de misso com os cânones científicos. Ambas as
dessas fontes não foi elaborada para alunos diminuído ao se aproximar do conhecimento
organismos específico é atribuída a todos os influências são essenciais na constituição do
de Ensino Fundamental ou Ensino Médio. É científico, devido à necessidade do aumento
organismos). conhecimento escolar e atuam concomitan-
evidente que a transposição didática precisa de rigor ocorrer na medida em que é aumen-
temente, tendendo a deslocar o conhecimen-
Todavia, a maioria das generalizações que em que a tradução está ocorrendo, generali- todas as bases do anticódon são complemen- gundo a referência (ALBERTS et al. 2008),
aparece em relação a esse conteúdo ocorre zando a informação apresentada como se ela tares ao do códon. Muitas células possuem os centríolos são estruturas encontradas em
quando os livros detalham mecanismos da ocorresse em qualquer tipo de célula. menos do que 61 tRNAs e, portanto, há células desse grupo de organismos, mas há
expressão gênica sem mencionar que estão casos em que um mesmo tRNA pareia com células de outros seres como plantas superio-
Já um dos livros estadunidenses (LDK),
descrevendo aqueles que ocorrem apenas em mais de um códon para o mesmo aminoáci- res e até mesmo muitos oócitos animais, que
distancia-se da referência ao dizer que o có-
eucariontes, ou procariontes, ou àqueles que do por meio de um pareamento não padrão, não as possuem. Dessa forma, o aluno que
digo começa a ser traduzido desde a ponta 5’
não ocorrem em todos os organismos. Em em que geralmente os dois primeiros pares lê tal descrição de meiose pode pensar que
do mRNA, desconsiderando que, entre essa
decorrência, existe a possibilidade de que o de bases são complementares mas o terceiro, todas as células possuem essas estruturas e
ponta e o código de início, existe um trecho
aluno considere que os processos descritos não (LODISH et al. 2007). se dividem da mesma forma.
que não é traduzido, conforme menciona a re-
são universais.
ferência (GRIFFITHS et al. 2008b, p. 336). O mesmo tipo de distanciamento ocorre em
Isso foi evidenciado quando os livros didáti- MEIOSE: outros livros brasileiros quando falam sobre
Mais um distanciamento presente em um li-
cos informam que a síntese de RNA ocorre
vro brasileiro (LDB) refere-se a como ocorre
GENERALIZAÇÕES AO a finalização da primeira divisão da meiose.
no núcleo (LDK e LDL) e o RNA sinteti- ENSINAR COMO OS GENES SE Eles descrevem simplesmente que ocorrem
a conexão entre um aminoácido e o tRNA.
zado migra para o citoplasma (LDL). Como processos como descondensação dos cro-
organismos procariontes não possuem nú-
No livro diz-se apenas que o tRNA captu- DISTRIBUEM NOS GAMETAS mossomos homólogos (LDA, LDB, LDC),
ra os aminoácidos, enquanto a referência A maioria das generalizações referentes ao
cleo, essa descrição não procederia para esses reconstituição da membrana nuclear (LDB,
diz que a ligação entre um aminoácido e um processo de meiose ocorre quando o livro di-
seres. A referência (ALBERTS et al. 2008, LDC) e a interfase (LDB). Todavia, não dei-
tRNA é realizada por uma enzima denomi- dático também trata como universal etapas
KREBS; GOLDSTEIN; KILPATRICK xam claro, como faz a referência (GRIFFI-
nada aminoacil-tRNA sintetase (GRIFFI- que não ocorrem em todos os organismos.
(2008), LODISH et al. 2007) atesta que em THS et al. 2008b, LODISH et al, 2007),
THS et al. 2008, KREBS; GOLDSTEIN;
procariontes, tanto a transcrição, como a tra- Dois livros didáticos, um brasileiro (LDC) e que isso ocorre apenas em determinados
KILPATRICK, 2008). Todavia, há livros
dução ocorrem no mesmo compartimento outro estadunidense (LDL) afirmam que du- grupos de organismos.
didáticos que se aproximam da referência ao
celular. rante a meiose os centríolos dirigem-se para
dizer que há enzimas que realizam a ligação Esta generalização foi facilmente evitada uti-
Outros livros, contudo, conseguem evitar entre o aminoácido e o tRNA: “Enzymes os polos opostos da célula. Entretanto, não lizando-se algumas expressões como “em al-
essa generalização, dizendo que a síntese de first attach a specific amino acid to one end especificam que estão falando estritamente gumas espécies” (LDJ e LDK) que a indicam
RNA em procariontes ocorre no nucleóide of each tRNA according to the genetic code” da divisão celular em células animais. Se- como uma possibilidade (LDC e LDK). Por
(“[...] Nos organismos procarióticos, que não (LDJ, p. 208) e […] The tRNA is folded into exemplo: “In some species, the chromosomes
apresentam núcleo, a síntese desses tipos de a cloverleaf shape and is activated by an en- uncoil, the nuclear membrane reappers, and
RNA ocorre no nucleóide, a região da célula zyme that attaches a specific amino acid to nuclei re-form during telophase I” (LDK, p.
onde se localiza o cromossomo desses orga- the 3’end. […] (LDK, p. 338). 274); “Entre o final da primeira divisão e o
nismos. [...]” (LDA, v. 1, p. 251)) ou, de for- início da segunda, pode haver um pequeno
Um livro brasileiro (LDB) e outro estaduni-
ma menos específica, ao dizer que esse pro- intervalo chamado intercinese, em que não
dense (LDJ) também generalizam dizendo
cesso ocorre no citoplasma (“Transcription ocorre duplicação do DNA (LDC, p. 106.
que o que confere a especificidade entre o
takes place in the nucleus of eucayotic cells Grifo no original.).
tRNA e o aminoácido é o anticódon, enquan-
and in the DNA-containg region in the cyto-
to a referência diz que o anticódon pode de- Uma última generalização relacionada à
plasm of prokaryotic cells”) (LDJ, p. 206) ou
terminar qual será o aminoácido a ser ligado meiose foi identificada em um dos livros
simplesmente deixando claro que estão des-
ao tRNA. Entretanto, dependendo da sinte- brasileiros (LDB) que diz que os cromosso-
crevendo o processo que ocorre em eucarion-
tase, outros mecanismos podem ser determi- mos homólogos, que migram para os polos
tes (LDB e LDJ).
nantes, como a leitura pela sintetase de outros opostos da célula, durante a primeira divisão
Outra generalização similar ocorreu no tra- nucleotídeos presentes em diferentes posi- da meiose, são idênticos, exceto nos lugares
tamento do processo de tradução. A referên- ções do tRNA. Neste caso, a sequência do onde ocorreu permuta. Todavia, ao resumir
cia diz que após sair do sítio P, o tRNA, que anticódon acaba não sendo necessariamente o processo de meiose, a referência (GRI-
carrega o primeiro tRNA, vai para o sítio do requerida para o reconhecimento da tRNA FFITHS et al., 2008b) deixa claro que cada
ribossomo em procariontes (GRIFFITHS sintetase (ALBERTS et al. 2008, KREBS; um dos cromossomos do par de homólogos
et al. 2008, KREBS; GOLDSTEIN; KIL- GOLDSTEIN; KILPATRICK, 2008). pode carregar alelos diferentes desde o iní-
PATRICK, 2008), e dirige-se diretamente cio do processo de meiose. Isso evidencia
Outra generalização encontrada em um dos
para o citoplasma em eucariontes (KREBS; que os homólogos podem não ser idênticos,
livros brasileiros (LDB) e nos três estaduni-
GOLDSTEIN; KILPATRICK, 2008). En- simplesmente pelo motivo de terem alelos
denses ocorre quando informam que o anti-
tretanto, tanto o LDK como os LDA, LDJ diferentes, e não somente devido à recombi-
códon pareia-se ao códon complementar do
e LDL distanciam-se da referência ao não nação. Portanto, durante a primeira divisão
mRNA. Para a referência, o anticódon do
especificarem que a passagem do tRNA da meiose, um homólogo que migra para um
tRNA pode parear-se com o mRNA com-
pelo sítio E, ou sua saída diretamente para dos polos da célula é diferente do seu par que
plementar, mas há pareamentos onde nem
o citoplasma, depende do tipo de organismo migra para o outro.
LEIS DE MENDEL: independente as que ocorrem em genes lo- (BIZZO, 2009, p. 45). As generalizações liar a pertinência tanto dos distanciamentos
calizados em diferentes pares de cromosso- aqui encontradas não atendem a todos es- quanto das aproximações realizadas entre o
GENERALIZAÇÕES AO mos. Não especificam, como faz a referência ses aspectos conjuntamente, principalmente conhecimento de referência e os conteúdos
FALAR SOBRE LINHAGENS (GRIFFITHS et al., 2008b, WATSON et al. quanto ao segundo mencionado. ensinados pelos livros didáticos e por ele
PURAS E SEGREGAÇÃO 2007), que elas podem também ocorrer em
Por exemplo, o livro (LDL) diz que a síntese
próprio. As generalizações aqui apontadas
INDEPENDENTE genes localizados no mesmo cromossomo, se podem da mesma forma estar presentes na
de RNA ocorre no núcleo e o RNA sinteti-
houver uma longa distância entre eles (LDA fala do próprio professor. É também por isso
Apenas duas generalizações foram encon- zado migra para o citoplasma, apesar de não
e LDC), devido ao processo de permuta. que, durante sua formação, é essencial que
tradas durante a análise do tópico Leis de dar maiores detalhes sobre o fato de estar
Apesar de apresentarem separadamente ca- ele aprenda a refletir sobre a sua própria per-
Mendel. Uma dessas foi identificada quando se referindo apenas a eucariontes; por ou-
pítulos que falam sobre a permuta, os dois tinência e o seu próprio objetivo.
alguns livros se referem às linhagens puras. tro lado, fica claro em outros momentos que
livros didáticos não as mencionam como pos-
não faz parte do modelo mental dos autores Diante dessa necessidade, não é possível pen-
A referência, assim como parte dos livros di- sibilidade de segregação independente.
a existência de apenas um modelo de célula. sarmos em um curso de licenciatura que acre-
dáticos analisados, explica essas leis apoian-
Por exemplo, cerca de cem páginas antes do dita que a qualidade da formação do profes-
do-se nas explicações de Mendel sobre seus CONCLUSÕES E tratamento da transcrição gênica, ao falar sor esteja apenas atrelada ao conhecimento
experimentos e resultados. Como esses expe-
CONSIDERAÇÕES FINAIS sobre procariontes e eucariontes, eles afir- do saber erudito. É preciso que, juntamente
rimentos envolvem o cruzamento de organis-
Os dados pesquisados mostram que as ge- mam que os organismos procariontes não com esses conhecimentos, o futuro docente
mos de linhagens puras, a referência define
neralizações estão presentes nos conteúdos possuem material genético organizado na exercite a reflexão responsável e cuidadosa
que uma linhagem pura com relação a um fe-
de Genética nos livros didáticos brasileiros, forma de núcleo (LDL, p. 173). Apesar de sobre como ensiná-los. Esse processo pode
nótipo específico é aquela capaz de produzir,
porém não são exclusivas do nosso contexto. tais generalizações não serem caracterizadas ser iniciado durante sua formação, desde os
quando cruzada consigo mesma, uma prole
Foi também possível perceber, na amostra como erros conceituais, consideramos que primeiros momentos, durante as aulas de co-
em que todos os indivíduos possuam esse
analisada, que a frequência de generalizações é preciso refletir sobre a pertinência do uso nhecimento específico de Genética e em ou-
mesmo fenótipo (GRIFFITHS et al. 2008b).
muda de acordo com o conteúdo para cada dessas generalizações. Durante a exposição tras disciplinas específicas de conhecimentos
Já dois livros, um brasileiro (LDA) e outro
localidade, sendo nos livros brasileiros mais dos resultados procuramos apresentar alguns da Biologia, nas quais pode tanto realizar
estadunidense (LDL) distanciam-se da refe-
presentes no tópico meiose e nos livros esta- exemplos de como alguns livros evitam essas exercícios de transposição didática, quanto
rência ao considerar que uma linhagem pura
dunidenses bem concentradas nos conheci- generalizações. A simples referência sobre o analisar as referentes aos materiais didáticos.
é aquela que, quando cruzada consigo mes-
mentos sobre expressão gênica. grupo de organismos ao qual o processo se
ma, produz indivíduos iguais a si, podendo o É importante que os professores reconheçam
refere (eucariontes ou procariontes), ou o uso
leitor interpretar que todas as características Algumas pesquisas já trazem dados sobre essas – e muitas outras – generalizações a
de termos que relativizem as informações
dessa linhagem são herdadas por sua prole, e problemas na apresentação dos conteúdos fim de que possam relativizá-las para os alu-
(como “geralmente”), de verbos que indiquem
não apenas um fenótipo específico que está de Genética encontrados nos livros didáti- nos quando as julgarem necessárias. Uma
possibilidade e podem ajudar a evitá-las sem,
sendo considerado, mesmo que o exemplo se cos (ex. EL HANI et al. 2007; FERREIRA; vez reconhecida a generalização, o professor
entretanto, precisar entrar em detalhes des-
refira apenas a uma característica. JUSTI 2004; GERICKE; HAGBERG, pode, desde seu planejamento até a avaliação
necessários aos estudantes para os quais esses
2007). Todavia, a presente pesquisa traz do conhecimento, explorar as peculiaridades
Todavia, outros livros se aproximam da refe- conteúdos estão sendo introduzidos.
um novo elemento a esse quadro de investi- do ensino da Ciência que envolvem, entre
rência. O LDC diz que linhagens puras são
gação, que consiste em não apenas tratar os Acreditamos que reconhecer essas generali- outros tantos aspectos, a transposição didáti-
aquelas que, por autofecundação, produzem
distanciamentos como erros e sim explorar a zações é importante para os professores, para ca. Ou seja, nem sempre se aprende na escola
apenas descendentes que em determinadas
diversidade de naturezas que eles possam ter. que possam relativizá-las para os alunos. o conhecimento tal qual ele é praticado, há
características são iguais à geração progeni-
Neste artigo, exploramos uma dessas possi- Nesse sentido, o ensino do conteúdo espe- um intervalo – de tempo e de profundida-
tora: “Mendel iniciou seus trabalhos obten-
bilidades: as generalizações. cífico da área de conhecimento é essencial de – entre a sua produção na academia e a
do linhagens puras, isto é, plantas que, por
durante a formação do professor. Entretanto, sua difusão nos bancos escolares. Conforme
autofecundação, só originavam descendentes Optamos por não considerar essas genera- a resolução brasileira que institui as Diretri- afirma Chevallard (1991), o conhecimento
iguais a elas mesmas, em relação a determi- lizações simplesmente como erros conceitu- zes Curriculares Nacionais para a educação ensinado pode envelhecer e desacordos po-
nadas características [...]” (LDC, p. 120-121. ais, pois, para ser considerado um erro con- básica diz que “os conteúdos a serem ensina- dem ser gerados pelo progresso na produção
Grifo no original.). O LDJ também se apro- ceitual, é preciso que o conhecimento tenha dos na escolaridade básica devem ser trata- do conhecimento científico.
xima da referência ao dizer que uma linha- necessariamente quatro aspectos, os quais dos de modo articulado com suas didáticas
gem pura para uma determinada caracterís- vêm sendo utilizados durante vários anos Uma das formas de se evitar as generaliza-
específicas” (BRASIL, 2002, p. 2). É preci-
tica é aquela que, na autopolinização, produz em processos oficiais de avaliação de livros ções é a constante procura por atualização
so também que o futuro docente aprenda a
apenas indivíduos com essa mesma caracte- didáticos: “[...] estar baseado em premissas por parte do professor. Como o livro didá-
ensinar esses conhecimentos, sabendo como
rística: “[...] Plants that are true-breeding, or que não são aceitas pela comunidade cien- tico é uma produção editorial com um longo
utilizar estratégias metodológicas, conhecer
pure, for trait always produce offspring with tífica; constituir uma forma de conceber e percurso entre sua concepção e publicação,
possibilidades de contextualização, e ainda
that trait when they self-pollinate. [...]” (LDJ, explicar relações (modelo mental); estar fun- os novos conhecimentos gerados na acade-
aprender a realizar a transposição didática
p. 175. Grifo no original.). damentado em conhecimentos adaptativos mia demandam anos para figurarem em seus
e a vigilância epistemológica mencionadas
no contexto escolar; demonstrar-se falso e textos. Os livros avaliados pelo Programa
A outra generalização foi identificada quan- por Chevallard (1991), sendo capaz de ava-
não adaptativo em situações da vida real [...]” Nacional do Livro Didático (PNLD), por
do dois livros consideram como segregação
exemplo, são apresentados ao MEC dois processo, procurando meios de relativizar as Conceptual Problems in Genetics and Cell tional Organisation for Science and Techno-
anos antes de serem entregues aos alunos, generalizações. O professor não precisa ne- & Molecular Biology. In: INTERNA- logy Education, 2007.
com os quais permanecem por três anos. cessariamente descartar o livro didático para TIONAL MEETING ON CRITICAL
GRIFFITHS, A. J. F.; WESSLER, S. R;
Portanto, de saída, eles não podem incluir evitá-las. Uma leitura critica e atenta com os ANALYSIS OF SCHOOL SCIENCE
LEWONTIN, R. C.; CARROLL, S. B.
TEXTBOOK, 2007, Hammamet, Tunisie.
conhecimentos que tenham sido gerados até alunos, apontando-as, e o uso de expressões Introduction to Genetic Analysis. 9.th ed. New
Proceedings… Hammamet, Tunisie: Interna-
os cinco últimos anos. simples como “geralmente”, “pode”, “na maioria York: Feeman and Company, 2008b.
tional Organisation for Science and Techno-
das vezes”, “em organismos eucariontes”, podem logy Education, 2007. KREBS, J; GOLDSTEIN, E. S.; KILPATRI-
Todavia, nem todas as generalizações envol-
ser a solução em muitos casos. CK, S.T. Lewin’s Genes X. 10.th ed. Boston,
vem a ausência de conhecimentos novos da ESCRIBANO, D. D.; SAHELICES, C. C. Imá-
Ciência. Muitas incidem sobre conhecimen- Toronto, London, Singapore: Jones & Barlet
genes externas de gen y cromosoma en mate-
tos já consensuais. O exemplo de que alguns REFERÊNCIAS riales instruccionales para la enseñanza de la
Pub, 2008.
livros afirmam simplesmente que a síntese de ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J; Biología en el sistema educativo venezolano. LODISH, H. ; BERK, A.; KAISER, C. A.;
RNA ocorre no núcleo, generalizando, sem RAFF, M.; ROBERTS, K.; WALTER, P. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em KRIEGER, M.; SCOTT M. P.; BRETS-
levar em conta a existência desses processos Molecular Biology of the Cell. 5.th ed.. New Ciências, v. 4, n. 2, p. 74-86, 2004. CHER, A. PLOEGH, H. Molecular Cell
York e London: Garland Science, 2008. Biology. 6.th ed. New York: WH Freeman &
em organismos procariontes, ilustra essa si- FORQUIN, J. C. Saberes escolares, imperativos
ALBERTS, B.; BRAY, D.; LEWIS, J; RAFF, Co., 2007. 1150 p.
tuação. Quando os autores escreveram seus didáticos e dinâmicas sociais. Teoria e Educa-
textos, o conhecimento sobre a existência de M.; ROBERTS, K.; WATSON, J. D. Biolo- ção, Porto Alegre, n. 5, p. 28-49, 1992. LOPES, A. R. C. Conhecimento escolar: ciência e
organismos procariontes já era um consenso. gia Molecular da Célula. 3. ed. Porto Alegre: cotidiano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.
Artmed, 1997. FRANZOLIN, F. Conceitos de Biologia na edu-
Apenas para se ter uma ideia, uma edição da cação básica e na Academia: aproximações e NARCISO-JUNIOR, J. Conceitos de Química na
referência (ALBERTS et al. 1997), publi- ASTOLFI, J.P., E. DAROT, Y. DRINSBUR- distanciamentos. 2007. 162 p. Dissertação educação básica e na Academia: aproximações
cada cerca de dez anos antes da publicação GER-VOGEL E J. TOUSSAINT. As pa- (Mestrado). Faculdade de Educação, Univer- e distanciamentos. 2008. 87 p. Dissertação
do referido livro didático, já trazia diferen- lavras-chave da didática das ciências. (tradu- sidade de São Paulo, São Paulo, 2007. (Mestrado). Programa Interunidades de En-
ciações entre os processos de transcrição de ção de Maria Ludovina Figueiredo), Lisboa: sino de Ciências, Universidade de São Paulo,
Instituto Piaget, 2000 GERICKE, N. M.; HAGBERG, M. The pheno-
procariontes e eucariontes, o que já não era São Paulo, 2008.
menon of gene function as described in tex-
novidade na época dessa publicação. Ou- BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edi- tbooks for upper secondary school in Swe- WATSON, J. D.; BAKER, T. A.; BELL, S.P.;
tros livros didáticos do mesmo período aqui ções 70, 2007. den - a comparative analysis with historical GANN, A; LEVINE, M.; LOSICK, R.
analisados, todos em que foi encontrado tal BIZZO, N. Mais Ciência no Ensino Fundamen- models of gene function. In: INTERNA- Molecular Biology of the Gene. 6.th ed. San
distanciamento, também apresentavam essa tal: metodologia de ensino em foco. São TIONAL MEETING ON CRITICAL Francisco: Pearson Education, 2006.
informação. Paulo: Editora do Brasil, 2009. ANALYSIS OF SCHOOL SCIENCE
ZIMAN, J. Enseñanza y aprendizaje sobre la cien-
TEXTBOOK, 2007, Hammamet, Tunisie.
BRASIL, Resolução CNE/CP 01/2002. Brasí- cia y la sociedad. México: Fondo de Cultura
Pode-se cogitar a hipótese do autor, ou de Proceedings… Hammamet, Tunisie: Interna-
lia: Conselho Nacional de Educação, 2002. Económica, 1985.
um professor em sua sala de aula, ter a in-
tenção de omitir essa informação pelo fato CHEVALLARD, Y. La Transposición Didáctica:
de ainda não ter trabalhado conhecimentos Del saber sabio al saber enseñado. Buenos
prévios com os alunos. Todavia, não é o caso, Aires: Aique, 1991. APÊNDICE A
pois, no próprio livro, conhecimentos sobre COBERN, W. W. Worldview Theory and Con- Chave de identificação dos livros didáticos utilizados como amostra de livros para análise
eucariontes e procariontes são apresentados ceptual Change in Science Education. Scien- nesta pesquisa
previamente. Um distanciamento pode ser ce Education, v. 80, n. 5, p. 579-610, 1996.
realizado na sala de aula, quando o profes-
DEL CARLO, S. Conceitos de Física na educação Código na amostra Editora Autores Título Edição
sor sente que ele é necessário para a compre- básica e na Academia: aproximações e distan-
ensão do aluno, já que, segundo Chevallard ciamentos. 2007.97 p. Tese (Doutorado). Fa- LDA Moderna José Mariano Amabis e Biologia 2a Edição – 2005
(1991), a transposição didática é importante culdade de Educação, Universidade de São Gilberto Rodrigues Martho
para adequar o conhecimento a ser ensinado Paulo, São Paulo, 2007.
em um conhecimento compreensível para o LDB IBEP Augusto Adolfo, Marcos Crozetta Biologia – Coleção Vitória Regia 2a edição – 2005
EL-HANI, C. N.; ROQUE, N.; VANZELA, e Samuel Lago
aluno. No entanto, a vigilância epistemoló- A. L. L.; SOUZA, A. F. L.; MARQUES,
gica seria importante para se considerar até A. C.; VIANA, B. F.; KAWASAKI, C. S.; LDC Moderna José Arnaldo Favaretto Biologia 1a edição – 2005
quando os distanciamentos gerados são po- LEME, C. L. D.; FARIA, D.; MEYER, D.; e Clarinda Mercadante
sitivos e necessários para a compreensão do OMENA, E.; OLIVEIRA, E. S.; ASSIS, LDJ Holt, Rinehart John H. Postlethwait Modern Biology 2009
aluno. J. G. A.; FREGONEZE, J.; QUEIROZ, and Winston e Janet L. Hopson
L. P.; CARVALHO, L. M.; NAPOLI, M.;
Cabe ao professor, atento às inovações da ci- CARDOSO, M. Z.; SILVEIRA, N. A.; LDK Glecoe Alton Biggs et al. Biology 2009
ência, às novas demandas vindas dos alunos, HORTA, P. A.; SANO, P. T.; ZUCOLO-
e ao consenso já gerado na academia, não TO, R. B.; TIDON, R.; SILVA, S. A. H.;
apenas analisar e agilizar essa transposição, LDL Prentice Hall Kenneth R. Miller Biology 2008
ROSA, V. L.; ROCHA, P. L. B. Brazilian
mas também ser cuidadoso durante esse High School Biology Textbooks: Main e Joseph Levine