Em 1903, o compositor francês Claude Debussy compôs o que seria um dos seus mais
famosos trabalhos para piano: Estampes. Dentre as características do movimento musical
impressionista vistas nesta obra, uma das quais podemos citar já é vista nos títulos bastante poéticos
escolhidos para as três peças individuais que formam esta obra: Pagodes, La Soirée dans Grenade
(Uma noite em Granada) e Jardins sous la Plouie (Jardins na Chuva).
Pagodes traz uma exploração de Debussy a partir de sons usados na música oriental,
especificamente do gamelão javonês. La Soirée dans Grenade já traz elementos da música habanera
da Espanha enquanto Jardins sous la Plouie incorpora duas canções folclóricas francesas, esta
última escrita com mais caráter impressionista dentre as três peças.
É possível observar nos compassos abaixo a forma como Debussy trabalha as canções
folclóricas que lhe serviram de inspiração para o Jardins sous la Plouie. Uma melodia baseada na
primeira canção é apresentada na mão direita acompanhada de várias camadas de textura (stacattos,
graus conjuntos em ostinatos rítmicos e muito pedal) se seguindo mais a frente pela mão esquerda
que confirma a melodia da segunda canção com um ostinato brilhante, delicado e vários
acompanhamentos de acordes.
Essa forma de tratamento utilizada por Debussy pode soar confusa e aleatória a início, mas,
na verdade, toda a estrutura da composição está bem amarrada e construída. Essa “falta de
coerência” na verdade é uma forma de apresentar as melodias que serviram de inspiração na
construção da peça sem entregá-las totalmente de fato. Ou seja, o objetivo aqui é passar impressões
auditivas, sugestões acerca dos temas trabalhados, uma grande característica impressionista.
Por último, outro importante elemento do movimento percebido nesta peça é a ruptura com
a harmonia tradicional e as regras clássicas. Por exemplo, em vez de usar as cadências como
auxiliares na divisão das seções da música, o compositor define as seções pelos motivos utilizados.
Ele tende também a favorecer os mesmos centros tonais em cada uma dessas seções, tornando
difícil quebrar a forma com base no centro da clave. A Pagodes, por exemplo, começa com tom de
B maior, voltada para a B pentatônica. O primeiro motivo entra no terceiro compasso e o segundo
entra no sétimo compasso, com o acréscimo de um lá# que não faz parte da B pentatônica e sim de
B maior. É possível sentir uma dilatação do tonalismo ainda que este sistema não seja totalmente
abandonado na obra.
Referências:
Briscoe, James R. Claude Debussy: A Guide to Research. New York: Garland, 1990.