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Enquadramento histórico de Mensagem

● Início do século XX;

● Período de ressaca da questão do Mapa Cor-de-Rosa e do «Ultimatum» inglês, que


provocou um sentimento de humilhação no povo português;

● Período de avanços tecnológicos e científicos, contrastando com as más condições de


trabalho dos operários;

● I Guerra Mundial (1914-1918);

● Revolução russa (1917);

● Necessidade de repensar a sociedade e o próprio Homem:

► Nietzsche põe em causa os fundamentos de então e sugere uma reavaliação dos

valores para viver a vida na sua plenitude;

► Freud demonstra a complexidade do Homem e o seu lado inconsciente;

► Einstein põe em causa grande parte do conhecimento científico.

Enquadramento cultural de Mensagem

● Em ruptura com a tradição, os artistas optam por uma abordagem mais irónica e
provocatória;

● Na Literatura, os protagonistas passam de heróis a seres vulgares;

● Enaltecido pelas correntes literárias anteriores, o indivíduo perde a sua identidade e


unidade, criando «outros eus» (fragmentação do «eu»);

● Maior liberdade na linguagem, atribuindo sentidos metafóricos novos às palavras;

● Reinventam-se as formas, usam-se técnicas novas e experimentam-se caminhos


desconhecidos;

● Movimentos:

► Modernismo: diversidade e pluralidade, caminho pessoal de questionação e


reinvenção
dos valores;

► Futurismo: movimento, velocidade, energia explosiva e máquinas como


demonstração

da força do indivíduo;

► Cubismo: fraccionamento da realidade;

► Abstraccionismo: recusa de representação do real;

► Surrealismo: apelo à imaginação, ao sonho e à loucura; escrita automática.

Circunstâncias de produção de Mensagem

● Influenciado pela poética saudosista e pelos ideais lusitanistas do poeta Teixeira de


Pascoaes, que intuíra e profetizara uma futura civilização lusitana, Fernando Pessoa publica
uma série de artigos na revista A Águia (em Abril de 1912), em que exprime o seu
entusiasmo e o forte sentimento de patriotismo, o desejo de regeneração nacional e visiona
um movimento poético (e um consequente movimento social e civilizacional) grandioso e
exaltante.

● A Mensagem terá tido origem no projecto de um livro cujo título seria Gládio, do qual
resultou apenas um poema com esse nome, integrado na obra, surgido em 1913.

● A ideia de um livro de poemas de inspiração nacional terá surgido, pela primeira vez, por
volta de 1917-1918, na época em que governou Sidónio Pais.

● O intervalo de elaboração dos poemas vai de 21 de Julho de 1913 a 26 de Março de 1934.

● Em 1922, foi publicado um conjunto de poemas, sob o título de «Mar Português», que
acabaria por constituir a segunda parte de Mensagem.

● O trabalho de produção dos poemas é acompanhado de um trabalho exaustivo de leitura,


de investigação e de estudo de temática patriótica presente em vários textos da sua autoria.

● A estrutura definitiva da Mensagem é concebida entre Janeiro e Março de 1934, tendo


alguns poemas sido reescritos.

● A obra é publicada (a única em língua portuguesa em vida do poeta), propositadamente,


em 1 de Dezembro de 1934, um ano após Salazar ter assumido a chefia do governo do país,
instaurando o Estado Novo. A data foi escolhida em razão da carga simbólica que encerra,
dado tratar-se do dia da Restauração. De facto, Pessoa pretendia, com este gesto, dar nota
das intenções patrióticas que o dominavam.
● A publicação da Mensagem suscitou algumas reservas no poeta, «acusado» de contribuir,
com ela, para reforçar a ideologia fascista do Estado Novo.

● Registe-se, a título de curiosidade, que Fernando Pessoa colaborou com o regime


salazarista entre 1933 e 1934, no entanto esta situação foi sol de pouca dura, visto que o
poeta, que não suportava a ausência de liberdade e a opressão, se tornou opositor do
regime.

● A obra foi proposta para o Prémio Antero de Quental, que se destinava a distinguir "poesia
nacionalista", mas tal acabou por não acontecer por não possuir o número de páginas
estipulado (100). António Ferro, amigo de Pessoa dos tempos da revista Orpheu e
responsável pelo Secretariado de Propaganda Nacional, improvisou um prémio de segunda
categoria para distinguir Mensagem.

● A obra integra-se na corrente modernista, transmitindo uma visão épico-lírica do destino


português, nela se salientando um conjunto vasto de símbolos e de mitos, como, por
exemplo, o Sebastianismo, o Quinto Império, as Idades, etc.

● De acordo com o próprio Pessoa (Páginas Íntimas), a obra é um livro «abundantemente


embebido em simbolismo templário e rosacruciano», ao mesmo tempo marcado por
tonalidades épicas e messiânicas.

● Na Mensagem, Pessoa assume-se como o cantor do fim do império português (Camões foi o
cantor do seu início e auge). De facto, a Pátria, no tempo do poeta, encontrava-se num
estado de decadência e desagregação, circunstância que faz despertar nela a ânsia de
renovação e regeneração que procura plasmar na sua obra. Ele acreditava que, através dos
seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza de
outrora. Por isso, as duas partes iniciais de Mensagem assinalam o passado histórico e
grandioso de Portugal, enquanto a terceira descreve o presente decadente e anuncia a vinda
do Encoberto, representado na figura mítica de D. Sebastião, o pilar do Quinto Império.

● O projecto de Fernando Pessoa relaciona-se, em parte, com o ideal da Renascença


Portuguesa, antevendo o «ressurgimento assombroso de Portugal, um período de criação
literária e social como poucos o mundo tem tido, em que a alma portuguesa encerraria a
alma recém-nascida da futura civilização europeia, que será uma civilização lusitana.»

● Pessoa preconizava para Portugal a construção de um novo império, já não de carácter


material, como o fora o dos descobrimentos, mas de natureza espiritual, capaz de elevar os
Portugueses ao lugar de destaque que outrora tinham ocupado a nível mundial. Seria, assim,
um império da língua e da cultura portuguesas, um império do modo de ser português, do
culto da liberdade e da solidariedade, da capacidade de adaptação às situações mais
imprevistas.
● Em várias ocasiões, o poeta designou esse seu desígnio de «nova Índia», uma «Índia que
não há» ("E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no
espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e
supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal anterremedo,
realizar-se-á..." - in A Nova Poesia Portuguesa) e que seria projectada / cantada por um
Super-Poeta, um Super-Camões (provavelmente, o próprio Pessoa), que cantará a
genialidade do seu povo e a espalhará por todo o mundo. No fundo, considera-se investido no
cargo de anunciador do tal novo império (na sequência dos textos do Padre António Vieira), o
Português.

● O conteúdo enaltecedor da maioria dos poemas contrasta com o contexto em que foram
produzidos:

» acompanham alguns dos factos principais da História de Portugal;

» retratam as suas figuras centrais;

» recuperam os seus símbolos, as suas lendas e o essencial da sua mitologia;

» criam o destino de uma super-nação mítica que faltaria cumprir.

● Intencionalidade comunicativa da obra:

» regenerar o orgulho português;

» cantar o passado histórico glorioso de Portugal de uma forma emblemática e


simbólica,

transformando-a num mito, a partir do qual seja possível reinventar o futuro;

» anunciar o renascer de uma pátria grandiosa, um novo império civilizacional, uma

Super-Nação mítica.

Título: Mensagem

A explicação em torno do título dado por Pessoa à sua única obra em língua portuguesa
publicada em vida não é consensual, daí que não seja de estranhar que existam diversas
teorias acerca do tema.

. Título inicial: Portugal:

foi alterado, a conselho do seu amigo Cunha Dias;

razão: o nome da pátria estava muito associado a textos publicitários, que promoviam, por
exemplo, marcas de sapatos e marcas de hotéis;

exemplo de um slogan da época: «Portugalize os seus pés».

. 1.ª explicação:

o título é constituído por 8 letras:

8 é o número do equilíbrio cósmico que simboliza a palavra criadora;


8 é o símbolo da ressurreição, da mudança e do anúncio de um novo tempo.

. 2.ª explicação:

mensagem = comunicação, missiva;

o vocábulo pressupõe a existência de um emissor e de um recetor, desde logo sugeridos na


epígrafe da obra - «Benedictus Dominus Deus Noster qui dedit nobis Signum» («Bendito Deus
Nosso Senhor que nos deu o Sinal»);

emissor da mensagem: Deus;

recetor: o Poeta, que, pelo seu génio, foi eleito por Deus, para dar conhecimento da
mensagem à tribo de que será guia e profeta, transformando-se também, em emissor.

. 3.ª explicação:

o título Mensagem teria tido origem na afirmação feita por Anquises, personagem da Eneida,
quando explica a Eneias, descido aos Infernos, o sistema do Universo - Mens agitat molem =
a mente move a matéria;

Mensagem será, assim, um anagrama da afirmação mens + ag(itat mol) + em;

o objetivo da obra seria mover as «moles» (a matéria) humanas através da poesia;

simbologia da descida aos Infernos:

poder associado às ideias de decadência e subsequente renascimento, sendo esse o processo


cíclico apontado como condição necessária ao ressurgimento da pátria num estado ideal;

aceitando a morte do passado, o poder fecundador do mito trará um futuro perfeito.

. 4.ª explicação:

o título poderá ainda estar ligado à expressão «ens gemma», isto é, ente em gema, ovo;

tal significaria Portugal em essência, gema;

associação à ideia de encantamento, de magia: para os alquimistas, o ovo filosófico é o


embrião da vida espiritual, do qual eclodirá a sabedoria;

no ovo, concentram-se todas as possibilidades de criar, recriar, renovar e ressurgir. Ele é a


prova e o recetáculo de todas as transmutações e metamorfoses.

. 5.ª explicação:

a palavra mensagem pode ser «recortada» e construir as expressões mea gens ou gens mea,
isto é, «minha gente» ou «gente minha», remetendo para a raça de heróis nomeados ao
longo da obra;

outra hipótese remete para mensa gemmarum, isto é, o altar ou mesa onde repousam as
gemas portuguesas - Portugal é onde se procede ao sacrifício necessário à realização do
sagrado;

Portugal seria, assim, o altar onde os sacrifícios em nome do divino foram realizados.
Classificação de Mensagem

A Mensagem não se presta a uma classificação unívoca; pelo contrário, é possível


detectar na obra marcas de diferentes tipologias.

Desde logo, é possível referenciá-la como uma obra lírica (sobretudo na terceira
parte):

» é um livro de poemas;

» a forma é fragmentária (ao contrário, por exemplo, de Os Lusíadas);

» o sujeito lírico evidencia uma atitude introspectiva;

» o sujeito lírico exprime os seus sentimentos, sonhos, desejos, crenças

(relativamente ao presente, ou ao futuro da Pátria);

» há uma postura de interiorização e de contemplação da alma humana;

» o simbolismo;

» a inquietação, a ânsia, o constante interrogar-se («'Screvo meu livro à beira-

mágoa»);

» o presente de sofrimento e mágoa;

» o tom menor;

» a visão subjectiva do enunciador.

Contudo, especialmente na segunda parte, a obra é também de carácter épico:

» os poemas, juntos, formam um todo integrado;

» os heróis portugueses do passado possuem um valor simbólico e mitológico;

» há um apelo à glorificação lusíada no século XX e demais;

» o heroísmo:

. os heróis (os marinheiros que percorreram os mares e se imortalizaram)

agem pelo instinto, sem terem a visão do sentido e alcance dos seus actos

na marcha dos tempos;

. o destaque dado aos antepassados que fundaram o Império;

. as Mães que foram «seio vigilante» e «ventre de Império»;

. os profetas da nova era (o Quinto Império);

. os heróis voluntários que cumprem o seu dever contra o Destino e gozam a

recompensa apenas na ideia de o ter cumprido;

. o heroísmo surge intimamente ligado à ideia de sacrifício ("Mar Português");

» o elogio do povo português, desvendador e dominador de mundos, com fome


de Absoluto;

» o tom de exaltação heróica ("O Mostrengo") de um povo, dos seus heróis e


feitos;

» a evocação dos perigos e dos desastres marítimos, da dor e do preço necessários

para a arealização dos feitos e a obtenção da glória marítima ("Mar Português");

» a matéria histórica.

Por fim, é possível detectar traços em Mensagem que a levam a considerar uma obra
mítica:

» os heróis históricos (Ulisses. Viriato, etc.) são apresentados enquanto mitos;

» Portugal é a nação eleita por Deus para ser o coração e a sede do Quinto
Império;

» o Sebastianismo - o mito do Encoberto - ligado ao rosacrucianismo;

» Fernando Pessoa reelaborou mitos seculares portugueses, repensando-os e

readaptando-os;

» o mito do Santo Graal, sendo o nosso Desejado o herói sem mácula do ciclo da

Demanda do Santo Graal - Galaaz -, aquele que encontrará, por ser o mais puro
dos

cavaleiros da corte do rei Artur, o cálice sagrado (o Graal) que contém o sangue
de

Cristo, sobre o qual se poderá construir a Cidade de Deus (poema "O Desejado);

» o mito das Ilhas Afortunadas, com fortes conotações arturianas, "terras sem ter

lugar, / Onde o Rei mora esperando" - poema "As Ilhas Afortunadas":

. de acordo com a tradição céltico-bretã e arturiana, o rei Artur, desaparecido


na

ilha rodeada de nevoeiro, de onde um dia regressará para cingir a sua coroa

usurpada;

. de acordo com a tradição judaico-messiânica, o Redentor / Messias Salvador


virá,

de acordo com as profecias, para salvar o seu povo;

. segundo a tradição cristã-cavaleiresca e templária, o paradigma de Cristo

ressuscitando para salvar a humanidade, o Rei-Cavaleiro, ungido de Deus,

voltará para reconduzir a nação transviada ao caminho da grandeza e da


glória;

» o mito das Idades, do ciclo, que apresenta a história da pátria como o mito de
um

nascimento, vida e morte de um mundo, morte que será seguida de um


reanscimento
- estrutura tripartida de Mensagem.

O mito sebastianista

1. Um mito de origem complexa

O Sebastianismo, também designado mito sebástico ou mito do «Encoberto», é um


mito messiânico cuja origem radica no desaparecimento do rei D. Sebastião na batalha de
Alcácer Quibir, a 4 de Agosto de 1578.

No entanto, o mito tem raízes mais profundas, desde as lendas arturianas até aos
mitos peninsulares em torno da figura do Encubierto, passando pelas Trovas do Bandarra,
profecias da autoria de Gonçalo Antes de Bandarra, um célebre sapateiro de Trancoso,
anterior a D. Sebastião, posteriormente adaptadas à figura do rei.

2. A figura de D. Sebastião

D. Sebastião nasceu em Lisboa a 20 de Janeiro de 1554 e era filho do príncipe D. João


e de D. Joana de Áustria. Faleceu a 4 de Agosto de 1578 na batalha de Alcácer Quibir, no
Norte de África. Foi o 16.º rei de Portugal, ficando conhecido para a posteridade pelo
cognome de «O Desejado» pelas circunstâncias que rodearam a sua ascensão ao trono, o seu
desaparecimento e as consequências que daí advieram.

D. Sebastião herdou o trono do avô, D. João III, em 1557, portanto com três anos de
idade. Como era menor, sua avó, D. Catarina de Portugal, ficou no seu lugar enquanto
regente do reino. Desde muito cedo, sentiu a necessidade de readquirir a glória recente do
país e prosseguir a cruzada dos Descobrimentos e da expansão da fé cristã. Deste modo,
quando atingiu os catorze anos, reorganizou o seu exército e preparou-se para a guerra no
Norte de África.

Com o seu desaparecimento e a posterior anexação de Portugal pela Espanha, em


1580, dado o rei não ter deixado descendência que assegurasse a ocupação do trono,o país
entra num dos períodos mais negros da sua história à espera de um messias, de um heróico
rei salvador. Da relutância em acreditar que a pátria tinha ficado órfã e que, com a morte de
D. Sebastião, a velha pátria morria também, nasce o mito do sebastianismo. Assim, este mito
sustenta a esperança messiânica e a crença de um povo no regresso do rei desaparecido, que
viria vencer a opressão, a tirania, a humilhação, o sofrimento e a miséria em que vivia,
devolvendo ao país a glória e a honra passadas e entretanto perdidas.

3. O mito em Bandarra

António Gonçalo Anes, mais conhecido por Bandarra, foi um sapateiro e poeta nascido
por volta de 1500 em Trancoso e falecido, provavelmente, em 1556.
A sua obra, de cariz messiânico, conhecida por Trovas ou Profecias de Bandarra, foi
composta entre 1530 e 1540 e publicada apenas em 1603, em Paris, graças a D. João de
Castro. Foi dedicada a D. João de Portugal, bispo da Guarda, mas nem este gesto evitou a
perseguição de que foi alvo pelo Santo Ofício, tendo acabado por ser acusado de judaísmo
(de facto, as Trovas parecem ter despertado grande interesse junto da comunidade de
Cristãos-Novos), julgado e condenado. A sua condenação forçou-o a participar numa
procissão de um auto-de-fé, a nunca mais interpretar a Bíblia ou a escrever sobre assuntos
teológicos.

De acordo com alguns estudiosos da obra, as Trovas constituíram o ponto de partida


para a criação do mito sebastianista. De facto, foram interpretadas, na época, como uma
profecia do regresso de D. Sebastião, após o desastre de Alcácer Quibir. Ao longo dos
séculos, foram sendo republicadas e acabaram por influenciar autores como o padre António
Vieira e Fernando Pessoa.

Quando Bandarra foi interrogado pela Inquisição, afirmou que tinha lido a Bíblia e que
determinadas passagens o tinham marcado, nomeadamente passagens dos livros de Daniel,
Isaías, Jeremias e Esdras, nos quais é profetizada a vinda de um rei que traria, finalmente, a
paz e a justiça a todos os povos da terra:

«Augurai, gentes vindouras,

Que o Rei que daqui há-de-ir,

Vos há-de tornar a vir

Passadas trinta tesouras.

Dará fruto em tudo santo,

Ninguém ousará negá-lo;

O choro será regalo

E será gostoso o pranto.»

Trovas do Bandarra (XI e XXXIV)

Entretanto, em Espanha, a partir de 1520 começaram a circular algumas profecias


referentes a um suposto Messias, que foi logo baptizado de Encoberto, dado não se saber a
sua identidade e origem.

Em Portugal, numa primeira fase, a figura do Messias foi associada à figura de D.


Sebastião; posteriormente de D. João IV (1604-1656), D. João V (1689-1750), Sidónio Pais
(1872-1918) e até António de Oliveira Salazar (1889-1970).

4. O mito em Mensagem
O tempo de Pessoa é marcado por uma série de acontecimentos que mergulham o
país na crise e no descrédito: o descrédito do governo monárquico, a implantação da
República, o desencanto após os primeiros instantes de euforia e, sobretudo, o Ultimatum
inglês (1891), que deixou o país sangrando de humilhação.

Perante este quadro, Pessoa sente a necessidade de revitalizar a Pátria. E procura


fazê-lo através da recriação e revitalização do mito, personificado em D. Sebastião, que o
poeta considerava um «louco», mas não no sentido negativo que comummente se lhe atribui,
antes numa acepção de sonho, de ideal, de alguém que «quis grandeza / Qual a sorte não
dá», isto é, o mito sebastianista assume-se como o arquétipo do português ambicioso que
quer conquistar novas terras para engrandecer a Pátria.

Procurando traçar com rigor os contornos do mito, Pessoa procede a uma análise do
papel do rei do

ponto de vista astrológico e ocultista, analisando as Trovas do Bandarra e dos textos de


Nostradamus. Para ele, Portugal identificava-se plenamente com o drama que envolveu a
figura de D. Sebastião e o seu desaparecimento. De facto, segundo o sítio
http://www.umfernadopessoa.com/, «Portugal uma vez grande, que na juventude (desde a
independência nacional, com a conquista dos Algarves, à primeira batalha em Marrocos
passam menos de 200 anos), qual rei-menino, aventura-se na guerra, fazendo da sua própria
vida um lema de honra e nobreza em nome de valores mais altos que os humanos. O Rei (a
Nação) que se perde na noite (decadência) renascerá na manhã de nevoeiro (renascimento
ainda com resquícios de morte). Identificando o regresso do Rei, a segunda vinda, às vezes
com figuras reais - D. João IV, ou mais intensamente Sidónio Pais -, não deixa de o associar
com um esquema maior das coisas, um renascimento espiritual em grande escala, onde
Portugal seria de novo líder, porque primeiro império marítimo universal caído.»

António Machado Pires, na esteira de José Chaves, considera a existência de três fases
no que ao mito sebastianista diz respeito:

a) Pré-sebastianismo: Trovas do Bandarra, que anunciam o Messias e são

interpretadas, posteriormente à perda da independência

em 1580, em relação a D. Sebastião.

b) Sebastianismo real: exaltação do rei adolescente (cf. Dedicatória d' Os


Lusíadas),

para quem se anuncia um destino glorioso.

c) Sebastianismo profético: após a perda da independência, as Trovas do Bandarra

são interpretadas em relação a D. Sebastião, cujo


regresso

se profetiza. O Padre António Vieira, por exemplo,

identifica o «Encoberto» com D. João IV, enquanto


outros

o fazem em relação a governos sucessivos.


O sebastianismo é, no fundo, um mito messiânico, isto é, um mito que se funda na
esperança da vinda de um Salvador, que virá libertar o povo e restaurar a glória e o prestígio
nacionais. Deste modo, estamos perante um mito semelhante ao do regresso do rei Artur ou
do regresso do Messias redentor da tradição judaico-cristã.

O sebastianismo é um mito profetizado nas Trovas do Bandarra, mas só a partir da


estrondosa derrota de Alcácer Quibir passa a ser associado à figura de D. Sebastião. O
regresso do rei-mito é desejado sempre em momentos de crise, daí a designação de
Desejado. Por outro lado, à semelhança do mito arturiano, o regresso de D. Sebastião far-se-
á numa manhã de nevoeiro, montado no seu cavalo branco, vindo de uma longínqua ilha
onde esteve à espera da hora de regressar (os motivos da manhã de nevoeiro de da ilha
inscrevem-se na tradição celta em torno do rei Artur). Segundo diversos autores, nessa ilha
viveria, há já muitos anos, um venerando ancião (que todos crêem ser D. Sebastião), a quem
era pedido que regressasse à Pátria, ao que ele umas vezes respondia negativamente (pois
ainda não era chegada a hora) e de outras que queria ser largado no Norte de África
(pretendendo com isso fazer uma peregrinação à Terra Santa, numa tentativa de expiar os
pecados e os erros que teria cometido). Quanto à manhã, esta é o símbolo da esperança
relativa ao seu regresso na condição de Salvador da Pátria. O nevoeiro confere-lhe um halo
de mistério, mas também simboliza a decadência da Nação, que se dissipará com a sua
chegada e com a solução milagrosa de que é portador, frequentemente associada ao mito do
Quinto Império. Por seu turno, a designação de Encoberto terá sido importada de Castela. De
facto, segundo Sampaio Bruno, terá surgido em Játiva (Valência) um homem que se fez
passar por neto dos Reis Católicos e que, por razões de ordem política, foi obrigado a ocultar
a sua identidade, recebendo, por isso, a designação de «El Encubierto». O misterioso homem
salientou-se nas insurreições populares em Valência, durante o reinado de Carlos V,
acabando por desaparecer. Posteriormente, foi aclamado pelo povo, que nunca acreditou na
sua morte.

O D. Sebastião que há-de regressar é uma ideia, um símbolo, uma possibilidade de


redenção da Pátria, nada tendo a ver com a figura material / física do rei. É esta noção que
encontramos na Mensagem, que distingue entre o D. Sebastião figura histórica, o «ser que
houve» e que morreu em Alcácer Quibir, e o D. Sebastião que, Encoberto, há-de regressar, o
«ser que há», ou seja, o que vive na lenda e que simboliza o sonho, o desejo de grandeza.

Em suma, simbolicamente, D. Sebastião é Portugal: o país perdeu a sua grandeza com


o desaparecimento de D. Sebastião e só voltará a tê-la com o seu regresso simbólico, que
nos há-de despertar da resignação e da decadência e há-de abrir caminho à construção do
Quinto Império.

E quando ocorrerá o regresso de D. Sebastião e a instauração do Quinto Império?

A interpretação destes factos decorre da seguinte quadra das Trovas do Bandarra, já


transcrita:

«Augurai, gentes vindouras,

Que o rei, que de aqui há-de ir,

Vos há-de tornar a vir

Passadas trinta tesouras.»


Fernando Pessoa, na obra Portugal, Sebastianismo e Quinto Império, sobre o assunto
escreve o seguinte: "Sabedores que a interpretação profética é sempre tripla, temos aqui três
cousas, a que aplicar o triplo sentido: o «rei, que de aqui há-de ir», o «tornar a ir», e as
«trinta tesouras».

O «rei, que de aqui há-de ir» é o senhor rei D. Sebastião, mas a «ida» dele tem três
feições - foi a ideia da independência da nacionalidade, foi a ida do próprio homem, e foi a ida
do povo português, ou do império português. Assim, o «tornar a vir» se conformará, por seu
lado, com estas três interpretações. (...) «Tesouras» refere-se a um número, e, como deve
ter interpretações, segundo a regra profética, e aqui as interpretações, como sempre do
menor ao maior, são, forçosamente, do menor ao maior número, porque se trata de
números, segue que os três números serão aqueles que possam ser representados por
tesoiros. Além de que estas referências numéricas são sempre à numeração romana,
acontece, ainda, que na numeração árabe não há número que se assemelhe a tesouras, isto
é, que tenha dois elementos. Na numeração romana há três: o dois (II), que é como a
tesoura ainda reunida, como tal, o cinco (V), que é a parte de cima da tesoura reunida, e o
dez (X), que é a tesoura inteira aberta.

A indicação refere-se a «trinta tesouras», e vê-se que vai por «números redondos».
Diz «passadas trinta tesouras», isto é, não antes de teres passado trinta tesouras. Como o
número redondo seguinte será quarenta, temos que o tempo indicado é «entre trinta e
quarenta tesouras».

No caso da primeira tesoura (II, dois), isto quer dizer entre 60 e 80 anos da ida do rei,
e refere-se ao facto mais material, a perda da independência. Reaver-se-ia a independência,
diz o profeta, entre 60 e 80 anos depois de ir aqui o rei. Com efeito, a independência foi
reavida em 1640, 62 anos depois de 1578, que foi quando o rei «partiu». No caso da segunda
tesoura (V, cinco), temos que o tempo é entre 150 e 200 anos depois de 1578. Isto quer
dizer entre 1728 e 1788. Foi entre estes anos que apareceu o Marquês de Pombal, cujo
nome, por sinal, era Sebastião. Há aqui um «regresso de força».

No caso da terceira tesoura (X, dez), o prazo indicado é entre 1878 e 1978. É entre
estas duas datas que se dará a verdadeira «vinda» do rei «que de aqui» foi.

Outra interpretação diz que as datas devem ser marcadas para logo passadas as trinta
tesouras, isto é, para a tesoira 31. Isto daria, respectivamente, as seguintes datas - 1640,
1733 e 1888." (NOTA: ano do nascimento de Fernando Pessoa)

Artur Veríssimo, partindo da mesma quadra das Trovas do Bandarra, apresenta a


seguinte hipótese explicativa.

Sabendo-se que a interpretação profética é sempre tripla, a ida (ou partida, perda) de
D. Sebastião tem feições - a ida da independência, a ida do homem, a ida do poder
português; do mesmo modo, a sua vinda terá três partes distintas, a saber:

a) II x 31 = 62; 1578 + 62 = 1640 → Independência;

b) X x 31 = 310; 1578 + 310 = 1888 → Grandeza;

c) XX x 31 = 620; 1578 + 620 = 2198 → Império.

O II e o X são os números que representam a tesoura. O número 31 representa a


soma do 30 e do 1 («Passadas as trinta tesouras»). 1578 é a data da ida de D. Sebastião a
Alcácer Quibir, onde perdeu a batalha e a vida, enquanto 1888 é o ano do nascimento de
Fernando Pessoa (coincidência?).
Em suma, o desaparecimento de D. Sebastião em Alcácer Quibir significaria, para
Portugal, a perda da identidade nacional. No entanto, a partir do mito criado em torno de D.
Sebastião, mito que representa o esforço e a grandeza do herói português, será possível a
construção de um novo império.

Quinto Império

O mito do Quinto Império tem origens na Bíblia e foi submetido a diversas


interpretações ao longo dos tempos.

De acordo com os textos bíblicos, nomeadamente o Livro de Daniel, Nabucodonosor,


rei da Babilónia (604 - 562 a.C.), teve um sonho estranho e quis que os sábios o
interpretassem. Esse sonho dizia respeito a uma enorme estátua com cabeça de ouro fino, o
peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze, as pernas de ferro e os pés de
ferro e barro, destruída por uma pedra que se desprendeu da montanha, transformando-se
novamente numa alta montanha enchendo toda a Terra.

Acabou por ser o profeta Daniel quem lho revelou e decifrou do seguinte modo: "Tu é
que és a cabeça de ouro. Depois de ti surgirá um outro reino menor do que o teu; e depois
um terceiro reino, o de bronze, que dominará toda a terra. Um quarto reino será forte como o
ferro, vindo a esmagar todos os outros, mas sendo de ferro e de argila não se aguentará para
sempre. A pedra que destrói os quatro metais ou quatro reinos simboliza o reino que o Deus
do Céu fará aparecer, um reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a
outro povo." (Daniel, 2, 24-45)

De acordo com esta interpretação, estaríamos na presença de quatro impérios: 1.º) o


da Babilónia; 2.º) o Medo-Persa; 3.º) o da Grécia; 4.º) o de Roma. O quinto império,
segundo ainda o profeta Daniel, seria o de Israel. Noutras versões, seria o de Inglaterra.

Em Portugal, o Bandarra (1500 - 1556), o Padre António Vieira (1608 - 1697) e


Fernando Pessoa (1888 - 1935) reformularam este mito.

Para Pessoa, o «esquema» dos impérios é outro: o primeiro foi o da Grécia; o


segundo, o de Roma; o terceiro, o da Cristandade; o quarto, o da Europa e o quinto será o de
Portugal. E que império será esse? Será, antes de mais, não um império material como os
anteriores, nomeadamente o dos Descobrimentos, mas um império universal (desde logo,
porque o Poeta sonha o «homem lusitano à medida do mundo»); será um império
civilizacional e espiritual, baseado numa identidade cultural e na paz universal. Este império,
por outro lado, pressupõe o regresso de um Messias redentor, concretamente D. Sebastião
tornado símbolo, que, com o seu regresso, será o mensageiro da paz universal, o portador da
«Eucaristia Nova», que há-de, qual Galaaz (lendas do rei Artur), "ao mundo dividido revelar o
Santo Graal", isto é, o sentido perdido da verdade de ser português.

Em suma, o Quinto Império será um império de fraternidade universal a ser vivido na


Terra. Enraizado no mito do Paraíso Perdido, o espaço edénico onde reinava a perfeição, o
mito do Quinto Império preconiza o renascimento humano numa era futura, ligada à
simbologia solar - a estrutura da Mensagem divide-se em três partes, que correspondem a
três fases da existência: o nascimento ("Brasão", símbolo da formação do reino), o percurso,
que corresponde à duração, à vida ("Mar Português", manifestação da acção humana) e a
morte ("O Encoberto"), após a qual terá lugar o renascimento, numa espécie de regresso ao
Paraíso Perdido.

Sintetizando:

1.º) Designou-se Quinto Império o sonho mítico do Padre António Vieira, segundo o qual
Portugal consumaria a realização do reino universal de Cristo através da acção do rei D. João
IV.

2.º) O Quinto Império seguir-se-ia aos quatro impérios antigos: Grécia, Roma,
Cristandade e Europa.

3.º) O Quinto Império será um império espiritual, um "imperialismo andrógino" segundo


Fernando Pessoa. Ora, o andrógino representava, na filosofia grega, um ser circular, que era,
simultaneamente, masculino e feminino, por isso simbolizava a unidade e a perfeição. Assim,
o Quinto Império constituirá uma hipótese de transformação e de purificação da Humanidade,
que conduzirá a uma relação harmoniosa entre o Homem e as coisas, entre o Homem e Deus.

4.º) O Quinto Império permitirá ao Homem alcançar um grau de perfeição máxima e


entrará em comunhão com o divino, tendo acesso ao conhecimento e implantando a paz e a
fraternidade no mundo, criando uma imagem especular do éden primordial.

Análise de "O dos Castelos"

Neste poema, o primeiro de Mensagem, Pessoa antepõe os Castelos às Quinas


(lendariamente concedidas por Cristo ao primeiro rei de Portugal, mas provavelmente só
integradas no brasão por D. Sancho I), porém aqueles apenas foram adicionados ao brasão
português durante o reinado de D. Afonso III.

O seu número definitivo (7) só se fixou no início do século XVI e refere-se aos sete
castelos que foram conquistados aos mouros para garantir a demarcação do território
nacional.

Por outro lado, o título do poema é uma perífrase de Portugal: «O [país] dos castelos»,
isto é, Portugal.

A Europa é personificada por Pessoa, descrita e caracterizada no poema como se de


uma figura feminina se tratasse. Ela surge deitada (“jaz” ‑ vv. 1 e 2) e apoiada nos cotovelos,
sustentado o rosto na mão direita, (v. 1), com “cabelos românticos” a toldar o rosto e “olhos
gregos”. O olhar é “esfíngico e fatal” e o rosto, que fita o Ocidente, é Portugal. De facto, se
observarmos um mapa da Europa, constataremos que é possível imaginá-la como uma
mulher reclinada, correspondendo os cotovelos à Itália e à Inglaterra.

O início da descrição apresenta a Europa, simbolicamente, como um espaço decadente


e sem vigor. De facto, a repetição de formas verbais pertencentes aos verbos «jazer» e
«fitar» sugerem a imagem de decadência que marca a descrição do velho continente. O verbo
«jazer», que significa “estar deitado” e “estar morto ou como morto”, destaca a imobilidade e
a letargia em que a Europa se encontra. Por outro lado, o verbo «fitar» remete para um
estado de imobilidade, de ausência de vitalidade e de estatismo do olhar. Assim sendo, é
necessário que a Europa desperte desse estatismo, dessa atitude meramente contemplativa e
“adormecida”. Ela parece estar à espera de um novo impulso vital, que o seu olhar procura
na distância, no desconhecido, no sentido de construir um novo império espiritual, cujo guia
será Portugal.

Por outro lado, os cabelos são caracterizados como «românticos» (v. 3), sonhadores,
toldam o rosto, adensando o mistério que envolve a figura, enquanto os olhos são «gregos».
Estas metáforas sugerem as raízes culturais que constituem a identidade europeia: o Norte (a
referência aos “românticos cabelos”) e o Sul (a referência aos “olhos gregos”).

Os cotovelos estão estrategicamente colocados em Itália e na Inglaterra, o que


constitui uma nova referência às raízes culturais europeias: o Norte e o Sul, isto é, a cultura
romântica e a cultura clássica. Estas referências geográficas são claras: a Inglaterra é
referida pela sua ligação ao Romantismo, corrente artística que valorizava imenso o passado,
enquanto a Itália e a Grécia são evocadas por terem sido essenciais para a civilização e
cultura europeias.

A mão direita sustenta o rosto, que corresponde a Portugal. Ora, ao apresentar


Portugal como o rosto da Europa, Pessoa atribui-lhe um estatuto de superioridade
relativamente às restantes nações europeias. Esse rosto fita fixamente o Ocidente com um
“olhar esfíngico e fatal” (v. 10), ou seja, um olhar enigmático que antecipa um renascimento
de que apenas ele será capaz. O adjetivo “esfíngico” (notam-se no mapa europeu algumas
semelhanças com a esfinge egípcia, monstro fabuloso com rosto humano e corpo de leão, que
devorava quem não conseguisse decifrar os enigmas que ela propunha) sugere a atitude
expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa, com que a Europa fita o Ocidente, que
representa a sua vocação histórica, o “futuro” que o continente já desvendou no passado e
que se apresenta, agora, como nova promessa de renascimento. Por outro lado, o adjetivo
“fatal” aponta para a missão predestinada que cabe a Portugal de construção do futuro. Em
suma, o olhar é indagador do desconhecido que a Europa contempla e fatal, pois a procura
desse desconhecido é motivada pelo Fatum, pelo Destino.

Portugal parece, pois, ter sido tocado pelo destino, reunindo todas as condições para
“comandar” a Europa na reconquista de um passado cultural perdido (paradoxo do verso 10).
Enquanto rosto da Europa, «fita» (atente-se na sua repetição por três vezes, como se de uma
verdadeira obsessão europeia e portuguesa se tratasse) o mar ocidental, seu destino, seu
futuro. Pessoa considera, assim, que a missão de Portugal é ligar o Oriente ao Ocidente (“De
Oriente a Ocidente jaz, fitando”), quer geográfica quer espiritualmente, sendo que reúne
características indicados para essa missão: a sua situação geográfica privilegiada e a sua
vocação marítima, já com provas dadas.

No poema, destacam-se dois símbolos: o olhar e o rosto. O primeiro tem um poder


mágico, misterioso, e, segundo o Islamismo, o olhar do Criador e da criatura constituem o
próprio processo de criação. Atraem-se um ao outro. E sem esta atração recíproca, a Criação
perde toda a razão de ser. Dentro desta perspetiva, a moral é a ciência do olhar: saber olhar
significa descobrir o próprio olhar do Criador, isto é, tirar o véu que cobre a realidade. O rosto
é, igualmente, um símbolo de mistério.

Neste poema, à semelhança do que Camões fez nas estâncias 6 a 21 do canto III de Os
Lusíadas, Pessoa procura apresenta Portugal, inserindo-o como cabeça da Europa, uma figura
feminina deitada e fitando “com olhar esfíngico e fatal”, em posição de expectativa, o
Ocidente, sua vocação histórica.

«O dos Castelos»
"O dos Castelos" é o primeiro poema de Mensagem, estando por isso inserido na
primeira parte da obra, intitulada "Brasão" e, dentro desta, numa subparte designada "Os
Campos". O campo é a parte inferior do escudo nacional e tem duas partes: a dos Castelos e
a das Quinas. Daqui surge o nome do poema: O (Campo) dos Castelos. Recordar que o outro
poema que integra este primeiro «andamento» de Mensagem se intitula O (Campo) das
Quinas.

Neste poema, Fernando Pessoa descreve a Europa e descreve-a como um ser feminino
deitado sobre os cotovelos, fitando (ter presente a diferença semântica entre «olhar» e
«fitar») «De Oriente a Ocidente», com «românticos cabelos» (que representam a herança
cultural do Norte da Europa) e «olhos gregos» (que simbolizam a herança cultural do Sul
europeu, a herança cultural grega). Por esta descrição, é fácil detectar a personificação da
Europa, que se estende por toda a composição poética. Por outro lado, convém atentar na
expressividade do verbo «jazer», que significa «estar deitado», mas também «estar morto ou
como morto». Ora tal pode significar uma alusão à necessidade de despertar de uma certa
letargia o continente europeu e conduzi-lo na senda da construção de um novo império. Seria
interessante reflectir sobre o chamado projecto europeu (Comunidade Europeia) e num certo
adormecimento da sua construção, bem como sobre as esperanças depositadas no Tratado
de Lisboa.

A segunda estrofe começa por reflectir a disposição dos cotovelos: o esquerdo é


representado pela Itália, enquanto o direito pela Inglaterra. Tal disposição reitera o que foi
dito acerca dos cabelos e dos olhos, isto é, remete para as raízes culturais europeias: o Norte
e o Sol, a cultura romântica e a cultura greco-latina.

Os versos 9 e 10 retomam a forma verbal «fita» e caracterizam o olhar da Europa:


«esfíngico e fatal». Esta dupla adjectivação associa, à atitude expectante e contemplativa, as
noções de enigma e de mistério (convém rememorar a lenda associada à Esfinge egípcia)
com que a figura feminina «fita» o «Ocidente», que representa a sua vocação (da Europa,
leia-se) histórica, isto é, o «futuro» que já desvendou no passado e que promete voltar a
repetir-se futuramente. Ora, no último verso, Portugal é apresentado como o «rosto» da
Europa, onde se situa o «tal» olhar que «fita» o «Ocidente». Associando os dois últimos
versos do texto, podemos concluir, neste contexto, que o Ocidente constitui, efectivamente o
«futuro do passado» (paradoxo), isto é, o trajecto que conduzirá Portugal a dar cumprimento
à missão histórica que «repete» o passado (dos Descobrimentos). Em suma, o país de
Camões e do próprio Pessoa será, metaforicamente, a locomotiva que guiará a Europa na
senda desse futuro esperançoso.

Simbolicamente, este primeiro poema da Mensagem apresenta a imagem de uma


Europa decadente («A Europa jaz», isto é, está prostrada, está morta), que vive das glórias
do passado (as origens gregas, a expansão romana e o império colonial inglês). Neste
contexto, Portugal surge como o único país, com o papel messiânico que Pessoa lhe atribui,
capaz de fazer ressurgir e renascer o continente europeu. Portugal deverá recuperar o seu
estatuto de potência civilizadora de que já usufruiu no passado e fazer retornar a Europa à
glória do passado. É curioso observar como, no actual (2011) contexto de crise e de impasse
da União Europeia , Fernando Pessoa está cheio de razão quando apresenta esta imagem de
um continente morto à espera de alguém com valor suficiente para a ressuscitar.
Análise de "Ulisses"

1. Origem do nome Lisboa

Há várias hipótese para a explicação da origem da palavra Lisboa:

1.ª) Ulissipo: o nome proviria de Ulisses, um dos heróis lendários da Guerra de Tróia e o
protagonista da Odisseia, epopeia de Homero, que teria sido o fundador da cidade (segundo a
lenda, após a vitória de Tróia e de regresso a casa, ter-se-ia perdido no Mediterrâneo,
aportado no estuário do Tejo e fundado a cidade).

2.ª) Elasippos: nome de um dos filhos de Neptuno ou nome comum que significa «que lança
os cavalos na corrida» (alusão à fama entre os Antigos dos velozes cavalos do Ribatejo);

3.ª) Alis ubbo: do fenício, que significa «baía amena»;

4.ª) Lix bona: do latim, que significa «água boa».

O documento mais antigo conhecido em que surge a palavra Lisboa é uma moeda do
reinado de D. Fernando I.

2. Lisboa antes da reconquista aos mouros

A ocupação humana de Lisboa data do século VI a.C., sucessivamente ocupada por


Fenícios, Gregos e Cartagineses. Os dados históricos iniciam-se apenas no contexto da
conquista da Hispânia pelas legiões romanas, quando era denominada Olisipo. A partir de 139
a.C., serviu como base das operações contra os núcleos de Lusitanos dispersos após o
assassínio de Viriato (?-139 a.C.), seu líder. Posteriormente, em 60 a.C., tendo Caio Júlio
César concluído a conquista definitiva da Lusitânia, concedeu à povoação o título de Felicitas
Júlia, concedendo aos seus habitantes o privilégio da cidadania romana. Perante as invasões
do Império Romano por parte dos bárbaros, a que a Península Ibérica não ficou imune, a
cidade de Lisboa foi conquistada pelos Suevos, no século V, e, poucos anos mais tarde, pelos
Visigodos. No século VIII, a cidade viria a cair sob o domínio muçulmano, vindo a denominar-
se Lissabona.

3. Reconquista cristã de Lisboa

No contexto da Reconquista cristã da Península Ibérica, após a conquista de Santarém,


as forças de D. Afonso Henriques (1112-1183), com o auxílio de cruzados, investiram contra
esta fortificação muçulmana, que capitulou após um duro cerco de três meses (1147).
Algumas décadas depois, entre 1179 e 1183, a cidade resistiu com sucesso às investidas
muçulmanas que assolaram a região entre Lisboa e Santarém.

Fontes:

‑ lisboamm.blogs.sapo.pt;
‑ manual Página Seguinte.

4. Tema: o mito como origem e fundação de Portugal.

5. Estrutura interna

. 1.ª parte (1.ª estrofe) – Definição de mito:

. Tese: «O mito é o nada que é tudo» (metáfora e paradoxo): é «nada» porque, dada a sua
natureza, não tem consistência nem fundamento, não existe na realidade, não é um facto,
mas dá uma explicação para todas as coisas, está na origem dos grandes acontecimentos. Ou
seja, é algo que «oculta» a verdade, mas também concorre para a esclarecer;

. «O mesmo Sol que abre os céus / É um mito brilhante e mudo»: o mito é um acontecimento
habitual, presente aos olhos de todos, mas exige ser decifrado (é um enigma ‑ «mito
brilhante» ‑, nítido, claro, mas mudo, daí a exigência de ser decifrado), como o sol, que faz
romper a manhã («abre os céus» ‑ personificação). Note-se que o culto do sol, de origem
pré-histórica, está associado a grande número de ritos iniciáticos. Por outro lado, de acordo
com as conceções rosa-crucianas, o mundo é o corpo de Deus. O sol é, para Pessoa, «a
apresentação visível de Deus na matéria criada»;

. «O corpo de Deus / Vivo e desnudo»: o mito é uma fonte de criação («Deus») que aparenta
nada significar («corpo morto»), mas é «vivo e desnudo», isto é, encontra-se nele tudo,
explicação para tudo, é um mito vivo, a luz celeste.

Como se trata de uma tentativa de definição, os verbos encontram-se no presente do


indicativo, que confere às afirmações um valor universal e intemporal. Por outro lado, a
presença dos paradoxos brilhante / mudo, morto / vivo, pretende exprimir o quanto de
indefinível o mito possui.

. 2.ª parte (2.ª estrofe) – Ulisses enquanto mito: o herói Ulisses, ainda que não tenha
existido, foi transformado em mito, através do qual se explicou a origem de Lisboa (Olisipo >
Lisboa) – representando Portugal, como sua capital – e projetou, por ser um herói ligado ao
mar e às viagens, o povo português para a glória, concretizada nas longas viagens marítimas
rumo ao desconhecido, vencendo, com audácia, os perigos.

Esta estrofe é a concretização da definição dada na primeira estrofe, particularmente


no primeiro verso: o mito que é Ulisses passou de nada a tudo, ao dar nome a uma cidade e
fazendo transcender-se um povo e um país, apresentando-se como exemplo e apontando um
caminho.

Ulisses «Foi por não ser existindo», isto é, ele é um ser mítico, portanto não existiu,
mas, também por ser um mito, existe na memória cultural de um povo.

. 3.ª parte (3.ª estrofe) – Conclusão: a lenda (o mito) fecunda a realidade, dá-lhe nova vida,
um sentido.
O mito é colocado num plano superior à realidade, à vida, que está «em baixo», é só
«metade de nada», transitória e mortal, por isso, quando não apoiada no mito, definha,
«morre». Só adquire vida aquilo que o mito fecunda. O mito permanece, a vida morre. Dito
de outra forma, sem mito não há vida.

Note-se, porém, que há autores que apresentam outra interpretação para os dois
versos finais. De acordo com essa interpretação, o sujeito poético aludiria à morte como
libertação ou energia redentora, numa perspetiva iniciática.

De acordo com a conclusão do texto, o que verdadeiramente importa não é a


existência real de Ulisses, mas aquilo que ele representa: o futuro glorioso de Portugal só
poderá concretizar-se através da vivência do mito e da energia criadora que ele liberta.

6. A origem mítica de Portugal

Através deste texto, Pessoa serve-se da origem lendária de Portugal para explicar a
importância do mito e desta para explicar o que deverá ser Portugal. Ulisses, o herói da
guerra de Tróia – inventor do estratagema do Cavalo de Pau – e protagonista da Odisseia‑, é
um dos grandes mitos da civilização grega, matriz da civilização ocidental e, segundo a lenda,
na sua viagem de regresso á pátria, teria aportado em Portugal, fundando Lisboa, a futura
capital do reino.Ulisses é tomado como pretexto para justificar que o mito, embora um nada,
é necessário. Ele foi herói, resistiu, impôs-se aos seus inimigos, sulcou os mares, cometeu ou
esteve na génese de grandes feitos – como Portugal fez (o império real) e deverá fazer (o
império de base espiritual). O importante é que Portugal se encha de coragem e denodo, para
vencer a mediocridade do presente.

Ao recuperar esta lenda e elegê-la como um dos primeiros poemas de Mensagem,


Pessoa tenciona conferir a Portugal uma origem mítica que é mais valiosa do que qualquer
origem histórica. Além disso, a gesta de Ulisses ajuda a explicar a vocação marítima dos
portugueses, também eles ligados ao mar e às viagens, como o seu mítico fundador.

7. Significado do poema e da sua integração na 1.ª parte de Mensagem

A Mensagem apresenta uma estrutura tripartida e uma divisão simbólica:

. Brasão: as origens e os fundadores da pátria;

. Mar Português: as grandes realizações e feitos marítimos;

. O Encoberto: o futuro promissor após uma fase de estagnação.

Este poema pertence à primeira parte. As origens de Portugal, como das grandes
nações, estão envoltas na lenda e no mistério. Neste caso, é o mito de Ulisses, o herói
lendário fundador da capital do nosso império, Lisboa, o coração da pátria.

Análise de "D. Sebastião"

1. A figura de D. Sebastião
No século XVI, o príncipe D. João, herdeiro do trono português, casou-se com D. Joana
de Áustria, irmão de D. Filipe II de Espanha. Deste matrimónio nasceu um único filho, D.
Sebastião, que nasceu a 2 de janeiro de 1554, dezoito dias após a morte de seu pai, o
príncipe D. João.

O rei D. João III, avô de D. Sebastião, faleceu em 1557, quando o neto tinha três anos
de idade. A criança recebeu de imediato a coroa e a sua avó passou a regente do reino.
Assim, D. Catarina governou de 1557 a 1562, seguindo-se-lhe o seu tio-avô D. Henrique,
cardeal-arcebispo de Lisboa e inquisidor-mor, de 1562 a 1568.

Aos 14 anos de idade, D. Sebastião tomou conta do governo. Enfermo no corpo e no


espírito, importava-se pouco com a governação, perdido antes em sonhos de conquista e de
expansão da Fé. Conquistar Marrocos era a sua ambição número um, mas outros projetos de
imperialismo em terras pagãs preenchiam-lhe a imaginação. Ousado até aos limites da
loucura, o novo rei não atribuía grande importância ao planeamento cuidadoso, à estratégia
ou à retirada, considerando essas preocupações medo ou cobardia. Desprezava os velhos, os
prudentes, os sábios e os experientes, preferindo rodear-se de um grupo de jovens
aristocratas, quase tão loucos e pouco maduros como ele próprio. Além disso, não aceitava
palavras de aviso nem encarava a realidade e a verdade como eram.

Por outro lado, o jovem monarca dividia o seu tempo por caçadas, exercícios religiosos
e leitura de livros de História. Adorava desafiar o perigo. Em dias de temporal, embarcava
nas galés para fora da barra e contemplar o mar enfurecido. De acordo com o escritor
Fernando Dacosta, «Era um pouco louco; tinha dificuldade em separar a ficção da realidade».
Porém, quando Lisboa foi assolada pela peste de 1569, abandonou a cidade, facto que parece
comprovar que a sua coragem era apenas temperamental e não um valor consciente e
assumido.

Relativamente à sua vida íntima, nunca casou, não obstante a insistência da corte para
que escolhesse uma noiva entre as casas reais europeias e desse um sucessor à coroa. Em
determinada altura, negociou casamento com Margarida de Valois e com a arquiduquesa
Isabel de Áustria, que acabou por desposar Filipe II. O despeito pelo episódio, provavelmente
artificial, serviu de pretexto para que recusasse a encetar novas negociações, o que lhe
permitia estar completamente livre para se dedicar àquilo que mais o fascinava: a guerra.

A pedido do cardeal Alexandrino, enviado pelo Papa, esteve para participar numa
cruzada contra os Turcos, mas, na impossibilidade de levar avante a ideia, projetou uma
incursão na Índia. Dissuadido pelos conselheiros, decidiu, enfim, concentrar os seus esforços
em África, chegando a navegar em segredo até Tânger em 1574. Provavelmente, terá sido
por essa altura que começou a desenhar-se no seu espírito o desejo de invadir Marrocos a fim
de reconquistar as terras, outrora portuguesas, devolvidas aos mouros por D. João III.

Segundo um dos seus mais recentes biógrafos, o espanhol Baños-García, «D. Sebastião
acreditava ser um capitão às ordens de Deus e da Igreja, montando a invasão de Marrocos
para se tornar numa lenda vitoriosa.». Muitos tentaram demovê-lo, sobretudo os espanhóis
D. Catarina e Filipe II, mas o soberano português tinha vestido a pele da luta pela
independência nacional. Nada o faria mudar de ideias.

Em 25 de Junho de 1578, após ter praticamente esvaziado os cofres do Estado, D.


Sebastião partiu com uma armada de 800 velas e 18 mil homens ‑ a maioria mercenários
estrangeiros e camponeses portugueses, incluindo um pequeno corpo de voluntários nobres
bem treinados.
2. Análise do poema

Num discurso de 1.ª pessoa, D. Sebastião autocaracteriza-se como louco, assumindo


orgulhosamente essa loucura (atentar na reiteração do adjetivo “louco”, enfatizada pela
presença do advérbio de afirmação “sim”). Notar que, no poema, «loucura» significa
«sonho», «ideal», «utopia».

A causa dessa loucura é o desejo de grandeza (o ideal, a utopia, o sonho), que o


sujeito poético assume, como acima referido, com orgulho, a qual não é trazida pela «Sorte»,
mas conquistada com esforço, coragem e determinação. Porém, o desejo de grandeza teve
um preço: a morte do «louco», do sonhador, isto é, de D. Sebastião (vv. 4 e 5), que se
deixou morrer, portanto, pelo seu ideal no areal de AlcácerQuibir, no norte de África. E a
razão desse sacrifício reside no facto de o rei não ter sido capaz de realizar essa tarefa, que
era superior às suas capacidades: «Não coube em mim minha certeza» (v. 3).

Porém, no areal, ficou apenas o que nele havia de mortal, o ser físico, o corpo («Ficou
meu ser que houve»), tendo sobrevivido o ser que há, que permanece, que é imortal, isto é,a
alma, o sonho, o ideal («o que há») ‑ loucura ‑, de querer grandeza, de devolver a glória à
Pátria, que continua vivo e por concretizar, daí o apelo que faz na segunda estrofe. Recorde-
se que o sonho «original» do rei consistia no engrandecimento de Portugal através da
conquista de terras aos mouros no norte de África e da expansão da fé de Cristo.

Além disso, nestes versos finais da primeira estrofe, Pessoa faz conjugar, na figura de
D. Sebastião, história e mito. De facto, historicamente, o rei pereceu no areal de Alcácer
Quibir (o «ser que houve» ficou «onde o areal está»), mas o que tem primazia para Pessoa é
o mito («o que há»).

No início da segunda estrofe, o sujeito poético apela a «outros» que tomem e


prossigam a sua loucura, o seu sonho, isto é, que concretizem, no presente / futuro, aquilo
que ele sonhou e idealizou no passado, o seu grande projeto nacional.

A interrogação retórica final é muito significativa:

. faz referência à loucura enquanto energia criativa que poderá ser canalizada para a
reconstrução nacional;

. a loucura ‑ o sonho ‑ é essencial ao homem e é o que o distingue do animal: Pessoa


compara o homem que não sonha com um animal que se limita a procriar; sem possuir a
capacidade de sonhar, sem possuir um ideal a cumprir, o ser humano fica reduzido à
condição de animal irracional (nasce, procria e morre) e está condenado à morte e ao
esquecimento; assim, a existência humana não tem sentido nem valor;

. através da loucura, o ser humano projeta-se no futuro e, por isso, não morre (com efeito,
perante o sonho / a loucura, a morte não passa de contingência física que não pode impedir
que aquele(a) prossiga noutras mãos);

. é a loucura que leva o homem a partir em busca de grandes realizações (como fizeram os
Argonautas e Vasco da Gama, para quem «Navegar é preciso / Viver não é preciso») ‑ e, de
facto, foi a louca temeridade de D. Sebastião que esteve na origem do desastre de Alcácer
Quibir, mas também serviu de exemplo aos vindouros.
Nota-se, ao longo do poema, uma viva admiração de Pessoa pela loucura de D.
Sebastião e um claro desprezo pelo homem «besta sadia», que vive sem ideais, sem grandes
sonhos ou projetos, contentando-se com a mediocridade e com o «gozo materialista».

Por outro lado, Pessoa associa a loucura ao génio. Na verdade, o louco é também o
símbolo da inspiração, do poeta, de todo aquele que está para além do comum da sociedade.

3. Estrutura interna

Relativamente à estrutura interna do poema, este pode dividir-se em dois momentos:

. 1.ºmomento (1.ª estrofe) ‑ O sujeito poético (o Rei):

- autocaracteriza-se como louco;

- explicita a razão da sua loucura: a busca de grandeza / glória;

- e as consequências / o preço da mesma: a morte.

. 2.º momento (2.ª estrofe) ‑ O sujeito poético:

- faz o elogio da loucura, traço que distingue o homem do animal irracional;

- exorta a que outros deem continuidade ao seu sonho.

O poema insere-se na 1.ª parte de Mensagem, «Brasão», uma vez que esta
compreende os antepassados fundadores da nacionalidade. Por outro lado, a inserção nas
Quinas prende-se com o facto de D. Sebastião ter perdido a vida no contexto do cumprimento
de uma tarefa para que foi escolhido por Deus.

4. Valor simbólico de D. Sebastião

Atente-se nas palavras dos autores do manual Expressões ‑ 12.º ano sobre o valor
simbólico do rei D. Sebastião na obra de Fernando Pessoa: “D. Sebastião adquire em
Mensagem um valor simbólico que ultrapassa a sua figura histórica. São os valores da
determinação e da coragem que ele corporiza que funcionam como mito inspirador e, nessa
aceção, «fecundam a realidade»: «É Esse que regressarei.» O Sebastianismo em Mensagem
não se liga, pois, ao caso específico e concreto de D. Sebastião, que não poderá, obviamente,
voltar, mas à ideologia que lhe está subjacente. Depois de «ser que houve» e que ficou no
«areal» com a «morte», regressará a força inspiradora de D. Sebastião necessária ao
ressurgimento anímico da nação. O próprio Pessoa refere: «No sentido simbólico D. Sebastião
é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião e que só voltará a tê-la
com o regresso dele, regresso simbólico (…)».”

5. Intertextualidade
Comparemos, por último, a forma como a figura de D. Sebastião é tratada em Os
Lusíadas e na Mensagem:

. Os Lusíadas:

‑ Camões dedica-lhe o seu poema épico (Canto I);

‑ Retrato: traça um retrato histórico do soberano, com referências à situação de Portugal e à


atuação do rei;

‑ Valores: representa a segurança, a liberdade e a esperança do povo português no sentido


de fazer ressurgir a Pátria da apatia e decadência do presente, continuando a tradição dos
antigos heróis nacionais, dilatando a fé e afirmando o império.

. Mensagem:

‑ é o mito organizador e articulador da obra, já que representa o sonho que presidirá ao


ressurgimento de Portugal da crise em que se encontra mergulhado;

‑ Retrato: o seu retrato é mítico, assente sobretudo no seu traço de «loucura» criadora e
inspiradora;

‑ Valores: D. Sebastião representa o mito regenerador e metáfora da «loucura», do sonho.

Análise do poema "O Infante"

Este é o primeiro poema da segunda parte de Mensagem, o que faz todo o sentido se
tivermos em conta que o Infante D. Henrique foi o impulsionador dos Descobrimentos, por
exemplo ao fundar a Escola de Sagres. Daí o título do texto: embora nele se refira a aventura
marítima levada a cabo pelos portugueses, foi o Infante quem desempenhou um papel crucial
nessa aventura, o de protagonista, de impulsionador, o de símbolo do início da construção do
império. Daí que lhe caiba o papel de protagonista da «Possessio Maris» (Posse do Mar),
dedicada à gesta dos Descobrimentos. Segundo António Quadros, o Infante foi o “descobridor
da ideia de descoberta”.

O Infante D. Henrique (1394 ‑ 1460) foi o quinto filho de D. João I e de D. Filipa de


Lencastre e é geralmente considerado o homem que mais decisivamente contribuiu para o
impulso que levou à expansão ultramarina portuguesa. Por outro lado, ele é também,
frequentemente, apresentado como símbolo das vontades e dos esforços anónimos de
navegadores, cosmógrafos, mercadores e aventureiros que ajudaram o homem moderno a
construir novas dimensões para a perspetiva do mundo.

Estrutura interna

. 1.ª parte (1.º verso) ‑ As três etapas que presidem à construção da obra humana,
traduzidas pelo mote / aforismo «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce».

. Duas ações ‑‑‑ a vontade divina;

‑‑‑ o sonho do homem;


efeito: o nascimento / a concretização da obra.

. Os três «sujeitos» dependem mutuamente, numa relação de causa efeito: sem a vontade do
primeiro, o segundo não sonharia e a obra não poderia nascer.

. O verso, constituído por três orações assindéticas justapostas (assíndeto e gradação),


organiza-se em torno de formas verbais no presente do indicativo, de aspeto durativo,
exprimindo realidade, atualidade, valor de lei, uma verdade universal.

. 2.ª parte (versos 2 a 8) ‑ Desenvolvimento do primeiro verso:

1) . Desejo de Deus (agente da vontade):

. a unidade da terra, através do mar, de forma a servir de elemento de união entre os


continentes e os povos, daí a existência de um conjunto de palavras e expressões que
sugerem a ideia de unidade: «uma», «unisse», «não separasse», «inteira»;

. o caráter navegável do mar, para que o ser humano tivesse acesso ao conhecimento da
Terra.

. A colocação das formas verbais predominantemente no pretérito perfeito do indicativo


sugere que o princípio em causa foi respeitado e se concretizou.

2) . A sagração do Infante: para o cumprimento dessa missão, Deus sagrou o Infante (a


decisão de se aventurar no mar tem origem divina e não num qualquer capricho humano)),
isto é, predestinou-o para os grandes feitos das descobertas («… em ti nos deu sinal.» ‑ v.
10). Foi, portanto, Deus (cuja vontade é impreterível) quem quis que o Infante (= os
portugueses) sonhasse dominar os mares, desvendar o desconhecido e estabelecer a
comunicação entre os povos e os continentes, a nível matéria e espiritual / cultural, isto é,
que desse sonho nascesse a obra dos Descobrimentos.

Assim, o Infante é o símbolo do herói, o agente por vontade divina, destinado a criar
uma obra superior.

. A forma verbal «Sagrou» encerra grande expressividade:

‑contém conotações religiosas;

‑ evoca o nome próprio «Sagres», a escola de navegação fundada pelo Infante, símbolo do
início da construção do império português;

‑ remete para o caráter mítico e predestinado do Infante, o escolhido por Deus para a
execução da obra, daí que possamos também falar na sua divinização;

‑ traduz o caráter providencial e iniciático das Descobertas.

. O complexo verbal «foste desvendando» (v. 4) apresenta a ação como uma continuidade,
como algo que se concretizou de modo progressivo; a forma verbal «desvendando»
(desvendar = revelar, descobrir, mostrar), por outro lado, remete para a ideia de revelação
de algo desconhecido.

. O sujeito poético dirige-se ao Infante na segunda pessoa do singular («Sagrou-te, e foste…»


‑ v. 4); «Quem te sagrou criou-te» ‑ v. 9; «Do mar e nós em ti…» ‑ v. 10), o que traduz uma
relação de proximidade e de cumplicidade.
3) . A realização da obra, a sagração:

→ o início da navegação: «foste desvendando»;

→ a descoberta das ilhas da Madeira e dos Açores até à costa africana: «E a orla branca foi
de ilha em continente»;

→ a passagem do Cabo das Tormentas: «até ao fim do mundo»;

→ o mar desconhecido a partir da zona do Cabo das Tormentas: «do azul profundo»;

→ a concretização:

. a união da terra: «E viu-se a terra inteira»;

. o seu caráter súbito: «de repente»;

. o aparecimento: «Surgir»;

. a ideia de origem, de profundidade; «azul profundo»;

. a presença do sinal (já na 3.ª estrofe).

. O percurso da obra:

→ a unificação do mundo alicerçou-se no mar (na «orla branca»);

→ por mar, atingiu-se uma ilha e depois um continente;

→ da escuridão se fez luz («clareou»), ou seja, da ignorância se passou ao conhecimento, a


civilização ocidental encontrou-se com a oriental;

→ e assim se atingiu, «correndo», «o fim do mundo», assim se eliminaram as barreiras e os


limites;

→ deste modo, do mar (do «azul profundo»), «de repente», irrompeu a unificação do mundo.

. A realização da obra é sugerida por Pessoa através do recurso a diversos recursos poético
estilísticos:

. a gradação: começou por desvendar «ilha(s)» e «continente(s)», chegando ao «fim do


mundo» e dando assim a conhecer «a terra inteira»;

. as metáforas e as sinédoques: «desvendando a espuma», «orla branca», «clareou,


correndo»;

. a perifrástica «foste desvendando»;

. o gerúndio «correndo»;

. a locução adverbial «de repente»;

. as sugestões cromáticas e luminosas;

. a aliteração do /r/;

. o verbo «desvendar», que remete para a ideia de revelação;

. os adjetivos «inteira» e «redonda» aponta para a unificação da terra, concretizando-se


assim o desejo expresso no verso 2. Por outro lado, «redonda» aponta para a «esfera», o
símbolo da unidade e da perfeição cósmica.
3.ª parte (3.ª estrofe) – Conclusão:

. a transposição da glória do Infante para o povo português:

‑ Deus sagrou o Infante e criou-o português;

‑ enquanto tal, simboliza o povo a que pertence, o que significa que também ele foi
assinalado, predestinado, escolhido por Deus para desvendar o mar desconhecido;

. o sonho cumpriu-se: o desvendar e a unificação dos mares e a criação do império (sonho


simultaneamente nacionalista e universal);

. o sonho desfez-se: o império (do Oriente) desfez-se, pertence a outro tempo;

. a pátria, presentemente, não tem desígnio;

. o apelo ao cumprimento do destino mítico de Portugal: uma nova e espiritual missão


(«Senhor, falta cumprir-se Portugal!» ‑ v. 12). Trata-se do apelo a um novo sonho, de cariz
espiritual, visto que a dimensão material do império já foi conseguida, ou seja, falta que
Portugal se cumpra como pátria e entidade nacional (notar o uso do presente do indicativo
para exprimir urgência). De notar que o sujeito poético se dirige agora diretamente a Deus,
apontando para o desencadear de um novo ciclo que, no fundo, constitui o regresso ao início
do poema: uma nova vontade divina, um novo sonho do homem e uma nova ação / obra.

Mas, afinal, o que falhou em todo o processo? Porque se desfez o império? Deus quis, o
homem sonhou e a obra nasceu, mas uma obra efémera, perecível, como tudo o que é
material e humano. A culpa não é de Deus, já que ele sagrou e destinou o Infante e o povo
português ao cometimento de feitos muito acima da sua condição de mortais. Mas como ser
humano limitado, não houve continuidade para o império, que se desfez, daí que Pessoa
aponte para a necessidade de Portugal se cumprir integralmente, de complementar com a
dimensão espiritual a materialidade do império passado, novamente sob a predestinação
divina.

A ação do Infante:

‑ representa o povo português («… e nós em ti nos deu sinal.» ‑ v. 10) e «foi desvendando
[descobrindo, revelando] o mar», ultrapassando dificuldades;

‑ os seus esforços foram coroados de êxito («Cumpriu-se o Mar» ‑ v. 11); fisicamente, o


mundo tornou-se um, a terra tornou-se una, os povos e continentes unificaram-se;

‑ o Infante é o herói que obtém a imortalidade através do cumprimento de um dever


individual e pátrio;

‑ é também o herói que busca a universalidade, daí a utilização do artigo definido no título
(«O Infante») e em «o homem» (verso 1) com um valor universalizante;

‑ possui um caráter divino, dado que foi o eleito, o predestinado por Deus para o
cumprimento desta missão; por extensão, como é português e representa o seu povo, a sua
sagração significa a divinização do homem português;

‑ a sua sagração, a sua obra, tem como consequência o acesso ao conhecimento: dos limites
geográficos do planeta, do mar, de outros povos, de outras culturas.
. Tom dramático do poema:

‑ a tensão emocional resultante da visão da terra redonda surgindo magicamente das


profundezas do mar;

‑ as três personagens:

. o sujeito poético, que se dirige ao Infante e interpela Deus, significando este facto a
existência de um diálogo (implícito), o que está de acordo com o caráter misterioso e
messiânico do poema;

. Deus;

. o Infante.

Análise de "O Mostrengo"

. Assunto: Chegados ao Cabo das Tormentas, os portugueses encontram um monstro voador,


o «mostrengo», que pretende atemorizá-los para que não prossigam a viagem. Porém, o
marinheiro português (o «homem do leme»), embora de início o receie e hesite, enfrenta-o,
neutralizando-o, pois está imbuído da vontade de um rei e de um povo que não abdica da
sua missão.

2. Título

1.º) A palavra «mostrengo» é derivada por sufixação («monstro + engo»). O sufixo «-engo»,
de origem germânica, tem um valor pejorativo. «Mostrengo» significa, assim, «ente
fantástico, geralmente considerado perigoso e assustador, dotado de uma configuração fora
do normal e desagradável» (in manual Entre Margens 12).

2.º) Por outro lado, «mostrengo» está relacionado com o verbo «mostrar». Neste sentido,
«mostrengo» é aquele que mostra o que não é ainda conhecido.

3. Retrato do «mostrengo»:

. situa-se no desconhecido, na lonjura, no local que se julgava ser o fim («está no fim do mar
/ Na noite de breu…») – vv. 1-2), ligado a um tom de mistério, de enigma;

. é o senhor dos mares e dos seus segredos: «Nas minhas cavernas que não desvendo, /
Meus tetos negros do fim do mundo» (vv. 6-7) ‑ o mar é apresentado fechado no sentido de
espaço e sem fim no sentido da profundidade, indiciando mistério; por outro lado, representa
o desconhecido («Nas minhas cavernas que não desvendo»; «fim do mundo»);

. tem um aspeto semelhante ao de um morcego:

‑ voa (v. 2) – notar a intenção de exprimir a voz do morcego e o seu nervosismo, por ver os
seus domínios ameaçados, através da musicalidade de sons como /u/, /ô/, /ê/, /i/, /a/;
‑ chia;

‑ habita cavernas e tetos negros;

‑ roça nas velas da nau;

‑ vê as quilhas de alto (v. 11);

‑ é imundo e grosso ‑ tem um aspeto medonho, horrível (v. 13);

. é ameaçador e arrogante (as suas falas);

. defende os seus domínios perante a ousadia dos portugueses, que ousam invadir e
desvendar esses domínios;

. tem atitudes intimidatórias, ameaçadoras, aterrorizadoras, de força e poder:

‑ os movimentos circulares que tece em roda da nau (vv. 3, 4, 12, 13, 25) parecem querer
«asfixiar» os portugueses;

‑ roça nas velas;

‑ chia;

‑ etc.

. tem poder sobre o mar: «o que só eu posso» (v. 14);

. identifica-se com o mar tenebroso e desconhecido: «moro onde nunca ninguém me visse / E
escorro os medos do mar sem fundo» (vv. 15-16) ‑ notar a expressividade do verbo
«escorrer», sugerindo que o «mostrengo» simboliza o mar, bem como a aliteração em /m/ e
o pretérito imperfeito do conjuntivo «visse», sugerindo o desejo do «mostrengo» em
continuar desconhecido;

. sente-se desafiado;

. infunde medo e terror;

. manifesta revolta, indignação e desejo de vingança perante a ousadia dos portugueses


(«Quem é que ousou entrar…», «Escorro os medos do mar sem fundo…»);

. os argumentos de autoridade que evoca têm como objetivo infundir nos marinheiros o medo
e levá-los a retroceder, a desistir da sua viagem;

. na 3.ª estrofe, apaga-se e já não fala, facto que denota o triunfo dos marinheiros. De facto,
à medida que o poema vai avançando, o «mostrengo» perde força, acabando por se anular.

. Retrato do marinheiro:

. 1.ª resposta: - pelo tom aterrador das suas palavras;

‑ medroso / receoso - pelas atitudes intimidatórias;

‑ intimidado - pelo ambiente sinistro que o rodeia;

‑ treme e fala em simultâneo;

‑ invoca a autoridade de que foi investido: «El-Rei D. João segundo!» (v. 9);

‑ é o agente, o representante do rei e, na pessoa do soberano, todo o povo português.


. 2.ª resposta:

‑ mostra um crescendo de coragem e valentia, pois se, na 1.ª estrofe, fala a tremer, nesta
fala depois de tremer.

. 3.ª fala do marinheiro ‑ clímax da tensão dramática:

‑ as suas atitudes contraditórias [desprender (desistência) e prender as mãos ao leme,


tremer e deixar de tremer] revelam ainda certa dúvida, insegurança, hesitação e receio;

‑ de facto, o marinheiro está dividido interiormente entre o terror e a coragem, acabando por
vencer esta última;

‑ consciencializa-se de que ali não se representa a si mesmo («Aqui ao leme sou mais do que
eu« ‑ v. 22), mas a vontade do rei e do seu povo, e enfrenta o «mostrengo», vencendo e
prosseguindo a sua missão, uma atitude que revela coragem, convicção, força e
determinação.

Estas reações do marinheiro ao discurso do «mostrengo» mostram que há uma espécie


de gradação ascendente nas suas atitudes que contrasta com as do monstro. De facto, se, da
primeira vez que lhe respondeu, se mostrou medroso e timorato («disse, tremendo, isto é,
falou e tremeu ao mesmo tempo, e apenas respondeu «El-rei D. João Segundo» ‑ vv. 8-9), da
segunda vez, embora tenha dado a mesma resposta, já se nota uma evolução, pois os dois
atos estão dissociados (tremeu, depois deixou de tremer e falou, o que revela um ganho de
coragem); da terceira vez, o marinheiro ainda se sentiu tentado a erguer as mãos do leme, a
desistir da sua missão, mas logo tomou consciência do que estava em causa ‑ o seu rei e o
seu povo: «E disse ao fim de tremer três vezes» (v. 21). É o recuperar definitivo da coragem,
o assumir das responsabilidades de que se encontra investido: o tremer deixou de interferir
com a sua fala.

. Atmosfera tenebrosa e medonha:

. Ambiente:

‑ Sensações visuais, que carregam o ambiente de tons tenebrosos:

- «noite de breu»;

- tetos negros»;

- «trevas do fim do mundo»;

- «as quilhas que vejo»;

‑ Sensações auditivas, que acentuam a horribilidade do quadro:

- «voou três vezes a chiar»;

- «as quilhas que ouço»;

. Personagem: «mostrengo» e não «monstro»;

. Atitudes e os movimentos circulares, sitiantes e ameaçadores do «mostrengo»:

‑ «À roda da nau voou três vezes»;

‑ «Voou três vezes a chiar»;

‑ «onde me roço»;
‑ «Três vezes rodou imundo e grosso».

. Relação eu (o «mostrengo») / tu (o marinheiro), criadora de um clima de sem cerimónia e


agressividade entre os interlocutores;

. Abundância de formas verbais que sugerem movimento: «ergue», «voou», «tremer»,


«rodou», «ata»;

. Localização espácio-temporal:

‑ «à roda da nau»;

‑ «no fim do mar»;

‑ «nas minhas cavernas que não desvendo, / Meus tetos negros do fim do mundo!»;

‑ «onde nunca ninguém me visse»;

‑ « mar sem fundo».

. Simbolismo das personagens:

. O mostrengo simboliza ‑ o mar desconhecido

‑ os segredos ocultos

‑ o medo dos navegadores que enfrentam o desconhecido

‑ os perigos que tiveram de enfrentar

. O homem do leme

‑ simboliza a coragem e a ousadia do povo português;

‑ é o herói mítico, símbolo do seu povo e que, por isso, passa de herói individual a coletivo,
com uma missão a cumprir.

. Tom dramático do poema

. Alternância discurso direto / discurso direto.

. Grande tensão entre as duas personagens ao longo do diálogo e ao longo de todo o texto:

- o mistério que rodeia o «mostrengo»;

- o mistério patenteado pelo número 3;

- expressões carregadas de mistério e terror;

- as formas verbais que traduzem movimentos súbitos, violentos.

. Ambiente de terror:

- a linguagem visualista;
- as atitudes do «mostrengo»;

- a localização espácio-temporal.

. Os recursos estilístico-poéticos:

- a função expressiva / emotiva;

- as exclamações e interrogações;

- a reiteração;

- as metáforas;

- o refrão.

. O contraste entre o «mostrengo» e o marinheiro: o crescendo de irascibilidade do monstro e


o seu progressivo apagamento, o crescendo de coragem do marinheiro, que culmina na sua
última fala, quando se compenetra de que representa o povo português e de que tem de
prosseguir a sua empresa.

. O drama interior do marinheiro, dividido entre o terror e a coragem.

. Tom épico do poema

. Verso decassílabo.

. Harmonia imitativa.

. Aliterações.

. Sons fechados e nasais.

. O espírito cavaleiresco de exaltação patriótica já existe n’Os Lusíadas: o marinheiro


representa todo um povo que deseja conquistar o mar e que não se deixa vergar pelo
monstro, símbolo dos medos e perigos do mar.

. A luta desigual, heroica, entre o monstro aparentemente invencível que é o mar e a


insistência, a coragem heroica dos portugueses. Estamos, portanto, no mundo dos heróis.

Análise de "Mar Português"

. Título: no título, constituído por duas palavras, há a destacar o adjetivo «português», que
remete para a conquista e o domínio dos mares pelos Portugueses, que os ligaram e fizeram
com que existisse apenas o «mar» conhecido. Essa união foi o resultado do sofrimento e da
coragem dos lusitanos; daí o mar ser «português». Por outro lado, apesar de os Portugueses
já não cruzarem o mar no presente, o título deixa entender que ele será sempre lusitano.

. Tema: o mar, glória e desgraça do povo português.

. Estrutura interna
. 1.ª parte (1.ª estrofe) – Interpelação do sujeito poético ao mar, a que, relembra o preço (os
sacrifícios) pago pelos Portugueses para conquistarem o mar.

Os sacrifícios necessários para que os Portugueses conquistassem o mar traduzem-se


na morte de muitos dos que partiram e no sofrimento dos que ficaram em terra, daí que o
poeta dê realce, através do uso de uma linguagem emotiva (marcada pelas exclamações e
pelo uso da 2.ª pessoa, que estabelece uma relação afetiva com o mar) e do campo lexical de
sofrimento («lágrimas», «choraram», «rezaram»), ao amor familiar: o amor maternal
(«quantas mães choraram»), o amor filial (as orações dos filhos) e o amor das noivas que
ficaram por casar (notar a construção em anáfora dos versos 3, 4 e 5 e o uso de
quantificadores ‑ «quantas mães», «Quantos filhos», «Quantas noivas» ‑, que aumentam o
dramatismo das situações evocadas, pondo em desta que o número de vidas perdidas).
Deste modo, realça-se o facto de o sacrifício afetar as famílias já constituídas e as que o
seriam, mas não o serão mais, em razão da morte dos «noivos». Observe-se, por outro lado,
as potencialidades da forma verbal «cruzarmos»: (1) sugere a causa da dor (a conquista do
mar); (2) tem na sua composição a palavra «cruz», símbolo do sacrifício e da morte.

Outra ideia que ressalta da 1.ª estrofe é a de que o mar é português, tão alto foi o
custo que a sua conquista implicou. E notemos que é o mar, não os mares, o que traduz a
ideia de unificação do mar, a qual se ficou a dever ao empenhamento lusitano. Outra forma
de mitificação de Portugal operada nesta estrofe consiste na atribuição ao sal do mar de uma
origem portuguesa, mitificando-se a dor lusa.

O sofrimento pertence ao passado, daí as formas verbais no pretérito perfeito do


indicativo, mas também o infinitivo pessoal «cruzarmos» (v. 3), exprimindo determinação
continuada, persistência. Porém, o facto de isso se ter verificado no passado e de os
Portugueses já não cruzarem o mar não significa que ele tenha deixado de ser português. De
facto, os laços estabelecidos foram tão fortes, revestiram de tanta dor e sofrimento, o sal que
o mar comporta é em tal quantidade, oriundo das lágrimas derramadas pelos Portugueses (v.
2), que ele será sempre português.

Em síntese, as consequências da saga das descobertas são a dor, o sofrimento


(consequências emocionais), o desamparo das famílias (consequências sociais e económicas),
o despovoamento do reino (consequências políticas).

Por outro lado, esta estrofe assume um claro cariz épico, uma vez que nela predomina
a valorização do sofrimento e do espírito de sacrifício dos Portugueses, capazes de superar
provações extremas e de, desse modo, provar a sua grandeza espiritual. Tudo começa e
acaba no mar.

. 2.ª parte (2.ª estrofe) ‑ Balanço / justificação dos sacrifícios: os grandes feitos (a conquista
e o domínio do mar) pressupõem sofrimento, mas todo o esforço e dor arrastam consigo
alguma compensação, daí que o esforço e o sacrifício dos Portugueses não tenham sido em
vão.
Esta segunda estrofe assenta na apresentação da resposta, através de três frases
declarativas, à interrogação inicial que introduz a reflexão:

. «Valeu a pena?», isto é, valeu a pena, justificou-se tanto sacrifício?

. «Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena»: todos os sacrifícios são justificáveis se o
objetivo que estiver na sua base for nobre e se se agir com ousadia, coragem, determinação
e abnegação; tudo vale e pena para atingir o ideal sonhado, a heroicidade.

. «Quem quer passar além do Bojador(1) / Tem que passar além da dor»: quem quer
alcançar o objetivo desejado tem de superar os obstáculos que se lhe depararem e a própria
dor, indo além dela (notar que o Bojador é, aqui, a metáfora dos objetivos a alcançar e
simboliza o ultrapassar do medo, do desconhecido, o primeiro passo para o conhecimento). É
necessário superar os limites da frágil condição humana.

. «Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu»: quem superar,
sofrendo, os perigos do mar, alcançará a glória suprema, que é o mesmo que dizer que tudo
o que é verdadeiramente custoso tem o seu preço (1.ª estrofe) e a sua compensação (último
verso). O «mar» é símbolo de sofrimento e morte («perigo» e «abismo»), mas também
símbolo de realização do sonho, de glória e imortalidade, já que foi nele que deus fez
«espelhar» o céu. Quem conquistar o mar ascenderá ao plano divino. Se, na 1.ª estrofe, se
lamentou o preço pago pela conquista do mar, na segunda, anuncia-se o prémio.

Nestas três frases, estão compreendidos os elementos atitéticos fundamentai para a


compreensão do poema: o negativo (pena, dor, perigo) e o positivo (céu). Quer isto dizer que
a dor é sempre o preço da glória.

Nesta segunda estrofe, o tempo verbal predominante é o presente do indicativo, que


está de acordo com a dimensão axiomática das afirmações. Excetuam-se os dois últimos
versos, que se encontram no pretérito perfeito do indicativo, para recuperar a ideia de
ultrapassagem das adversidades como forma de alcançar a imortalidade.

. Tom dramático do poema

. As duas faces dos Descobrimentos: a tragédia ‑ os aspetos desastrosos (1.ª estrofe) ‑ e a


glória (2.ª estrofe, embora também haja nela uma referência ao lado trágico).

. A apóstrofe inicial e a do 6.º verso, que confere uma certa circularidade à estrofe.

. A interrogação retórica da segunda estrofe.


. Caráter épico-lírico do poema

. Vertente lírica: a expressão comovida dos sentimentos do sujeito poético (o lamento do lado
negativo das Descobertas) e a descrição da dor e do sofrimento dos que viveram a saga das
descobertas (vv. 2, 3, 4 e 5).

. Vertente épica: a valorização e o entusiasmo que anima a alma humana para concretizar os
seus sonhos, ideais elevados e com isso ascender ao patamar da divindade e da imortalidade.

A coexistência dos dois planos justifica-se pelo misto de epopeia e de lirismo que se
encontra no poema. «Para realizar a glorificação da Pátria, os Portugueses tiveram de sofrer
a dor e as privações, o preço a pagar pelos feitos sublimes que praticaram

Análise do poema "O Quinto Império"

Na 1.ª estrofe, o sujeito poético lamenta a sorte daqueles que vivem felizes. Ela inicia-
se com a oposição «triste» / «contente»: na perspetiva do sujeito poético, a alegria do
conformista é triste para ele mesmo, já que ignora o prazer que a aventura que se segue ao
sonho lhe pode proporcionar em termos pessoais, e é triste para a sociedade de que faz parte
pela razão de que sem ideais e sonhos e sem a ousadia de os tentar concretizar, a sociedade
não evolui, estagna e torna-se decadente.

O ato de sonhar acordado leva quem sonha a agir no sentido de buscar outra realidade
através da libertação daquela (a rotineira e banal) que conhece, tal como aconteceu com
Ícaro, que quis libertar-se da ilha de Creta, onde se encontrava prisioneiro, voando com as
asas de penas e cera que os eu pai, Dédalo, construiu para ele. Foi o sonho que impulsionou
Ícaro a voar, daí a referência ao «erguer da asa» no verso 3. O mito grego exemplifica o
sonhador que ousa pôr em prática os sonhos, chegando a morrer por eles, como Ícaro.

A referência à lareira onde arde «mais rubra a brasa» relaciona-se com antigos
costumes romanos, já que era costume, sempre que os romanos mudavam de cidade, levar
parte das brasas que ardiam nas lareiras das suas antigas casas para as novas, para manter
viva a ligação à respetiva terra de origem. Assim, a brasa que arde mais intensamente
(«mais rubra») é um sinal de partida recusado por aquele que está «Contente com o seu lar»
e que, portanto, não deseja a mudança.

O oximoro que inicia a segunda estrofe retoma a ideia que inicia o poema, agora
através de uma frase exclamativa que expressa o desdém do sujeito poético face à aceitação
da rotina como se de uma atitude positiva se tratasse; deste modo, o sujeito poético
desmistifica o conceito de «felicidade» aceite pela sociedade em geral e que assenta na
valorização da vida ao nível mais rudimentar ‑ a vida instintiva ou «a lição da raiz». A lição
que podemos retirar da raiz é simples: quem vive apenas por viver, sem sonhos e ideais
(«porque a vida dura» ‑ v. 7) é semelhante a uma raiz: vive como se estivesse sepultado. Os
nomes «raiz« e «sepultura» associam-se ao imobilismo e à ausência de vida e de sonho. Por
outro lado, a forma verbal «dura» (v. 7) remete para a existência enquanto mero passar do
tempo. Assim, quem «Vive porque a vida dura» não a aproveita e limita-se a existir, a
sobreviver. Esta aceitação da vida segundo os instintos conduz à morte do indivíduo porque a
vida digna de ser vivida é a que é orientada pelos mitos, pelo sonho, pela loucura de sinal
positivo (vide poema “D. Sebastião”), pela partida em direção a horizontes desconhecidos,
pela vitória sobre o Mostrengo «porque quem passar além do Bojador / Tem que passar além
da dor» (“Mar Português”), pela vontade de chegar «lá» custe o que custar, animado pela fé
em Deus («Cheio de Deus, não temo o que virá» ‑ “D. Fernando”). O apego ao conforto do
lar, ao espaço familiar, o medo do desconhecido, a fraqueza anímica conduzem à
«sepultura», pois só a busca da plenitude confere imortalidade.

Em suma, estamos perante duas posturas do ser humano, pautadas por traços
diferenciados:

. mediocridade . movido pelo sonho, única forma de atingir

. conformismo a grandeza de alma («erguer da asa»)

. rotina . insatisfação permanente

. banalidade . inquietação

. comodismo . visão para lá dos limites da condição /

. sem sonhos, projetos, ideais / finitude humana

. apatia . a vida só vale a pena ser vivida se

. vida sem sobressaltos seguirmos os nossos sonhos

O tempo não pára e as «eras» ou tempos passados «somem», desaparecem e são


substituídos por novos tempos, novas eras.

No terceiro verso da terceira estrofe, um aforismo defende a insatisfação porque ela é


o motor da mudança; quem se contenta com o que tem não sente necessidade de mudar,
mas esses não são verdadeiramente «homens», porque o que distingue o ser humano dos
outros seres é precisamente a capacidade de imaginar, sonhar, lutar por objetivos e ideais.
Deste modo, o mundo avança com os descontentes e não com os acomodados. Note-se que
este verso é chave, que ocupa a posição de centralidade (12 versos antes e 12 depois) e que
remete para uma condição inerente ao próprio homem: o descontentamento. É esta
insatisfação constante que faz o progresso, é o seu agente impulsionador. Nos dois versos
finais desta estrofe, o sujeito poético deseja que a grandeza de alma domine / cale as «forças
cegas» ou forças da natureza (aquilo que nos prende à terra, ao mundo da matéria), de
modo a que o homem se liberte da prisão terrena e se vire para uma dimensão
transcendente em busca da plenitude existencial.

Na penúltima estrofe, o sujeito poético alude aos quatro impérios do «ser que sonhou»
(Grécia, Roma, Cristandade, Europa), o qual assistirá ao renascimento da idade do ouro, mito
grego segundo o qual a humanidade regressará a um tempo de pureza e de imortalidade que
a chegada do Quinto Império vai proporcionar. Assim, «A terra será teatro / Do dia claro, que
no atro / Da erma noite começou» (vv. 18 a 20), isto é, das trevas da noite deserta e esta
escuridão dará lugar à luz ou verdade ou Quinto Império, que resplandecerá de paz e
harmonia. Observe-se a antítese presente nos versos 19 e 20, que coloca em confronto o
tempo passado e presente («… atro / Da erma noite…») e o tempo futuro («dia claro»), que
se anuncia sob a égide espiritual dos portugueses. Depois dos «quatro / Tempos» (vv. 16-
17), os quatro impérios considerados por Pessoa, chegará o Quinto Império. Observe-se
igualmente a metáfora aí presente, que transmite a profecia de que o mundo assistirá («será
teatro») ao nascimento de um novo império («Do dia claro»).

Os quatro impérios anteriores morreram. Agora, é tempo de ser descontente do


presente e perseguir o sonho de construção futura do Quinto Império, o império espiritual
que nascerá da procura da verdade. É neste contexto que o sujeito poético interroga: «Quem
vem viver a verdade / Que morreu D. Sebastião?». Esta interrogação anuncia o Quinto
Império que, sucedendo-se aos quatro anteriores, deles diferirá pela natureza: será o império
da «verdade», nascida com a morte de D. Sebastião.

Relativamente à estrutura interna, sugerem-se duas divisões diferentes do poema:

. 1.ª parte (estrofes 1 e 2) ‑ O sujeito poético lamenta a sorte daqueles que vivem felizes
com a mediocridade e faz a apologia do sonho como única forma de aceder a grandes feitos.

. 2.ª parte (estrofe 3) ‑ Reflexão sobre a passagem do tempo e sobre a condição


indispensável para ser homem ‑ a insatisfação.

. 3.ª parte (estrofes 4 e 5) ‑ O sujeito poético anuncia, profeticamente, a chegada do Quinto


Império.

. 1.ª parte (estrofes 1 a 3) ‑ Reflexão acerca da vivência humana e da importância do sonho.

. 2.ª parte (estrofes 4 e 5) ‑ Anúncio de uma nova época, de um novo império.

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