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Software livre e a sociedade

Éderson Carlos Rodrigues e Geraldo Vitório de Oliveira Neto

Instituto de Matemática e Computação – Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI)


Av. BPS, 1303 – Itajubá – Minas Gerais – Brasil
edersonrodrigues10@hotmail.com, gevo.neto@hotmail.com

Resumo. Como resposta ao modelo de negócio que as empresas


desenvolvedoras de software passaram a utilizar, em que o software era um
produto e possuía restrições quanto a sua replicação e aperfeiçoamento,
surgiram os movimentos de software livre. Os movimentos de software livre
defendiam que os modelos softwares livres traziam mais benefícios que
malefícios a sociedade e em questões técnicas. Assim, esse artigo, por meio de
uma revisão teórica, tem objetivo de apresentar o contexto de surgimento do
software livre, suas características e suas implicações na sociedade.

Abstract. In response to the business model that software development


companies started to use, in which the software was a product and had
restrictions on their replication and improvement, emerged the Open Source
movement. The Open Source movement argued that the Open Source model
brought more benefits than harms society and technical issues. Thus, this
article, through a literature review, has aimed to present the appearance of free
software context, its characteristics and its implications for society.

1. Introdução
Quando se criaram os primeiros softwares, o foco das empresas era a venda do hardware
e então as questões de direitos de utilização, distribuição, modificação dos softwares
nunca foram levantadas. Quando as empresas viram o potencial de mercado para
produção e venda de software, começaram a criação de licenças com objetivo de restringir
a utilização, distribuição e modificação dos softwares.
Em contrapartida, surgiram os movimentos de software livre, que também criaram
suas licenças, mas o objetivo é garantir a liberdade dos usuários para acessar, modificar
e distribuir o código fonte dos softwares. Com o advento da Internet, esses modelos se
espalham, principalmente na comunidade acadêmica e crescem criando uma grande
comunidade. Hoje o software livre é uma peça fundamental no desenvolvimento da
sociedade e vem coexistindo com o modelo de software prioritário desde sua criação.
Tanto o modelo de software livre quanto software prioritários possuem seus prós
e contras, que até hoje é motivo de discussão. Neste contexto, através de uma revisão
bibliográfica, este artigo tem objetivo de entender o contexto e como se originou os
modelos de software livre, bem como suas características e como esses modelos
impactaram a sociedade.
2. Histórico
Com o surgimento dos primeiros computadores, a partir da década de 1950, também
surgiram os primeiros softwares. Devido ao fato dos softwares da época estarem
fortemente acoplados a arquitetura das máquinas, hardware e software eram vendidos de
forma conjunta, sendo os sistemas operacionais na maioria das vezes sendo
disponibilizado como parte integrante do produto. As empresas criadoras dos softwares
da época não colocavam restrição para as pessoas modificarem o código, pois o foco das
empresas era a venda do hardware e adaptar o código das máquinas as necessidades das
pessoas significava fazer um melhor uso do hardware [Sabino e Kon 2009].
Ainda conforme Sabino e Kon (2009), até a metade da década de 1970,
praticamente todo software era livre, pois não possuía valor comercial. Isso começou a
mudar quando empresas, como a Microsoft e IBM, começaram a ter outra percepção
sobre a distribuição de seus softwares. Em 1969, a IBM anunciou que, a partir de 1970,
iria vender parte de seus programas separada do hardware. Em fevereiro de 1976, Bill
Gates escreveu uma carta na qual afirmava que o total de royalties recebido pelo Altair
BASIC correspondia a apenas dois dólares por hora gasta no desenvolvimento e
documentação do código e também afirmava compartilhar o código impedia que o código
fosse bem escrito.
Desde então, a indústria de software mudou sua cultura, o que tornou cada vez
mais comum as restrições de acesso e as possibilidades de compartilhamento do código
entre os desenvolvedores, tanto do ponto de vista técnico, quanto legal. Como resposta a
nova organização do mercado, surgiram iniciativas com objetivo de garantir a liberdade
de compartilhamento e modificação de software. Na década de 1980 teve início as
primeiras iniciativas de software livre, juntamente com os fundamentos éticos, legais e
financeiros desse movimento [Kon et al. 2011]. Entre as principais, podemos citar o
Projeto GNU, combinado com a filosofia do Software Livre e o movimento Open Source.

2.1 Unix
Segundo Saleh (2004), a história do software livre teve início no sistema operacional
Unix, que foi criado 1969 nos laboratórios Bell da American Telephone and Telegraph
(AT&T). Em 1973, o Unix foi reescrito em linguagem C e foi um dos pioneiros em utilizar
o conceito de portabilidade, onde o mesmo código poderia ser executado em máquinas
diferentes. Pelo fato da AT&T atuar somente no ramo de telecomunicações, ela cedeu o
Unix a universidades incentivando o compartilhamento do código fonte e inovação, sendo
que pesquisadores de diferentes instituições apresentaram melhorias ao sistema e o Unix
se tornou um padrão nas universidades.
A universidade de Berkeley foi uma das principais instituições que contribuíram
para a distribuição e aprimoramento do Unix e em 1977 criou a BSD (Berkeley Software
Distribution) para distribuição do Unix. Após 1975, o Unix passou a ser controlado pelo
USL (Unix System Laboratories) com objetivos comerciais. Isso prejudicou o
desenvolvimento do Unix pelas universidades, devido ao licenciamento do software,
porém as pesquisas e o BSD continuaram.
Ainda conforme Saleh (2004), os adeptos do BSD aumentaram
consideravelmente, até ultrapassar os usuários do Unix desenvolvido pelo USL, muito
devido ao fato do BSD ser aberto e da Universidade de Berkeley fechar um contrato com
o Departamento de Pesquisa das Forças Armadas dos Estados Unidos. Contudo, era
necessário pagar a licença ao USL por usar parte do código do Unix original e, quando o
valor se tornou proibitivo, o foco passou a desenvolver um sistema que não utilizasse os
códigos da AT&T.
Por fim, a Berkely lançou em 1989 o Networking Release 1 totalmente livre,
contudo não era um sistema operacional completo, mas tinha o objetivo de fornecer aos
desenvolvedores componentes da BSD de forma independente. Também é considerado
como a primeira licença de software livre, dizendo que qualquer pessoa poderia utilizar
qualquer parte do código fonte. A Universidade de Berkeley é considerada por muitos
como o berço do software livre.

2.2 Projeto GNU e o Software Livre


Em 1984, Richard Stallman, que trabalhava somente com softwares livres no laboratório
de Inteligência Artificial do MIT (Massachusetts Institute of Technology), deixou o
emprego começou a trabalhar em tempo integral em seu novo projeto, o GNU. A idéia
era criar uma cópia do Unix, porém, sem nenhum código proprietário que seria de uso
geral e totalmente livre.
Segundo Kon et al. (2011), Stallman chegou a recusar a assinar acordos de
exclusividade e confidencialidade que eram exigidos pelo MIT por acreditar que o modelo
software proprietário criava uma sociedade que não permitia disseminar o conhecimento,
ou seja, os prejuízos a sociedade causados pela restrição do uso do software eram muito
maiores que que os ganhos individuais do proprietário do software.
O primeiro programa do sistema e do projeto GNU (GNU’s Not Unix) foi o GNU
Emacs e pouco tempo depois foi desenvolvido o GCC (GNU C Compiler, hoje GNU
Compiler Collection, com adição de outros compiladores). Também foi incorporado
softwares que não foram escritos pelo projeto GNU, sendo possível pelo fato de também
serem livres. A principal preocupação de Stallman com o projeto GNU era a liberdade
que o usuário teria para copiar, modificar e redistribuir o software e, para tanto, ele
também criou uma forma legal a licença GPL (General Public License GNU).
As quatro liberdades descritas por Stallman para um software ser considerado
livre, são:
 Liberdade 1: A liberdade para executar o programa, para qualquer propósito;
 Liberdade 2: A liberdade de estudar o software;
 Liberdade 3: A liberdade de redistribuir cópias do programa de modo que você
possa ajudar ao seu próximo;
 Liberdade 4: A liberdade de modificar o programa e distribuir estas modificações,
de modo que toda a comunidade se beneficie.
Além disso, Stallman também criou, em 1985, a FSF (Free Software Foundation),
com objetivo de obter fundos para desenvolver e proteger o software livre. Segundo Saleh
(2004), a motivação de Stallman era muito mais filosófica e ideológica do que técnica,
sendo que sua luta contra modelo de software proprietário levou a desenvolver software
livre e criar a SFS não por considerar que esse modelo era realmente mais eficiente e
benéfico, mas por considerar essa opção como a mais justa socialmente.
Podemos considerar que Stellam, com o projeto GNU, criou e consolidou o
movimento do software livre.
2.3 Linux
Segundo Kon et al. (2011), em meados de 1991, um estudante da Universidade de
Helsinki, de apenas 21 anos divulgou seu projeto, que era de construir um sistema livre
similar ao Minix, que era baseado no Unix. Ele havia criado um esboço do que seria o
núcleo de seu sistema operacional, e conseguiu que ele executasse dois programas
concorrentemente. Assim, logo após esse êxito, ele anunciou na Internet que tinha o
protótipo de um sistema operacional.
No mesmo, esse jovem estudante de pós-graduação, Linus Torvalds, lançou a
primeira versão oficial de seu sistema, o Linux. Durante o projeto do Linus, vários
desenvolvedores se juntaram a ele para o núcleo do Linux com o sistema GNU. Dessa
forma, em 1992, surgiram as primeiras distribuições do novo sistema operacional
GNU/Linux. Isso acarretou também uma corrida no mundo dos sistemas operacionais de
criação de várias distribuições em torno do GNU/Linux. Cada distribuição possui uma
configuração diferente do GNU/Linux para atender as necessidades dos usuários em um
determinado contexto.

2.4 Open Source


Incomodado com o aspecto político e ideológico da FSF, Eric Steven Raymond criou, em
1997, o termo Open Source, ou código aberto. Muitas empresas viam o software livre
como “anticapitalista” e tinham resistência em adotar esse modelo. o intuito de Eric era
justamente retirar essa conotação de conceito de software livre.
Em 1997, Raymond e Bruce Perens criaram a OSI (Open Source Initiative) e
registraram a marca Open Source. Com essa nova abordagem, eles ressaltaram os
benefícios técnicos decorrentes da metodologia de software aberto adotada pela
comunidade. Tendo como exemplo a Netscape, que foi uma das primeiras grandes
empresas a abrir o código de seu software, em 1987 [Saleh 2004]. A partir da criação
desses modelos, até os dias atuais, uma grande quantidade de softwares fora sendo
liberados sob uma licença livre, geralmente apoiados pela OSI oi FSF. A concorrência
natural entre entre as aplicações do movimento de software livre, bem como também dos
bancos de dados e navegadores, faz parte do mecanismo natural de evolução dos modelos.

3. Licenças
Quando se fala em software livre, se tem a noção de que podemos fazer o que quisermos
com software, porém, mesmo os softwares livres são distribuídos sob licenças que
impõem algumas restrições. Na ausência de uma licença, as leis de direito autoral se
aplicam e também impõe restrições. A licença de um software livre é o documento através
do qual os detentores dos direitos do software autorizam os usos desse programa.
O software permite que sejam utilizados códigos de diferentes contextos para
construção de um sistema, contudo, cada trecho de software diferente utilizado no sistema
pode estar sob uma licença e, então, o sistema resultante ficará sob duas ou mais licenças
e deve respeitar as restrições de todas. Uma das questões mais importantes em relação ao
licenciamento do software livre diz respeito à compatibilidade entre licenças.
As licenças podem ser classificadas conforme a presença ou não de termos e
restrições, que podem ser quanto a redistribuição do trabalho, criação de trabalho a partir
dele e sua distribuição e redistribuição. Podemos assim considerar dois modelos de
licenças, as permissivas e as recíprocas. As recíprocas podem ser divididas em recíprocas
parciais (copyleft fraco) e recíprocas totais.
Vamos abordar as diferentes licenças, conforme apresentado por Vanessa e Kon
(2009).

3.1. Permissivas
As licenças permissivas colocam poucas restrições a que adquiri o software. São
utilizadas geralmente em projetos de pesquisas de universidade. Não é feito nenhuma
restrição de licenciamento de trabalhos derivados, podendo este trabalho serem
distribuídos sob uma licença restrita.
Há a controvérsia de que esse tipo de licença não incentiva o modelo de software
livre, visto que empresas podem utilizar softwares livres para construir um software
proprietário.
A Licença BSD foi a primeira licença de software livre escrita e até hoje é uma
das mais usadas. A versão mais difundida dessa licença atualmente estabelece como
únicas exigências que o nome do autor original não seja utilizado em trabalhos derivados
sem permissão específica por escrito e no caso de redistribuição do código-fonte ou
binário, modificado ou não, é necessário que sejam mencionados o copyright original e
os termos da licença.
A Licença MIT/X11 é considerada equivalente à licença BSD, porém sem a
primeira restrição que o nome do autor original não seja utilizado em trabalhos derivados
sem permissão específica por escrito. Essa licença é a recomendada pela FSF quando se
busca uma licença permissiva.
A Licença Apache é usada por um dos projetos mais conhecidos de software
livre, o servidor web Apache. Era muito similar a licença BSD, mas em 2004 foi reescrita
ficando mais longa e complexa, sendo sua principal vantagem pois possui termos
definidos de forma mais precisa e deixa menos margem para interpretações conflitantes.

3.2. Recíprocas Totais


As licenças recíprocas totais determinam que qualquer software derivado tem de ser
distribuído sob a mesma licença, ou copyleft. O conceito de copyleft foi criado pela FSF
e teve sua origem na licença GPL, dando permissão a qualquer um executar, copiar,
modificar e distribuir o programa, independente se foi ou não modificado, contudo, não
devem ser adicionadas restrições a redistribuição.
A licença GPL é muito utilizada em sistemas de software livre, sendo
recomendada para projetos que buscam contribuições de terceiros para seu
aprimoramento. Nesta licença, o código fonte pode ser copiado e modificado, mas deve-
se manter os avisos de copyright, a licença e ausência de garantias. A licença permite
exigir pagamento por uma cópia ou por garantias adicionais. Ela também não impõe
nenhuma restrição sobre o uso do programa, mas apenas à sua redistribuição.
Mesmo que conflitante com alguma decisão judicial, o modelo proposto pela
licença GPL é garantido pois em seu texto diz que se houver conflito entre uma decisão
judicial e os termos da licença não é permitido que o programa seja distribuído A GPLv3,
lançada em 2007, foi bastante modificada em relação a sua versão anterior para se adequar
às legislações vigentes. AGPL
A AGPL é uma adaptação da GPL que inclui um termo sobre uso de um software
através de uma rede. Uma nova restrição impõe que no caso de o programa original dar
aos usuários opção de pedir o código-fonte completo, tal opção deve ser mantida em
qualquer versão.

3.3. Recíprocas Parciais


As licenças recíprocas parciais, também conhecidas como de copyleft fraco, impõe que
modificações do trabalho devem ser disponibilizadas sob a mesma licença. Porém,
quando o trabalho é utilizado apenas como um componente de outro projeto, esse projeto
não precisa estar sob a mesma licença. A FSF recomenda o uso desse tipo de licença
apenas em casos específicos.
A licença MPL (Mozilla Public License), surgiu quando da transformação do
Netscape Communicator em software livre. Sua escrita é considerada boa e foi utilizada
como modelo para muitas das licenças de software livre. A MPL une características de
licenças recíprocas e de licenças permissivas, e, portanto, também é categorizada como
uma licença recíproca parcial. Na prática, os arquivos que contém código MPL devem
seguir essa licença, enquanto os demais estão livres para utilizarem a qualquer licença.
Ao iniciar um novo projeto, é muito importante gerenciar os conflitos entre as
diferentes licenças dos componentes utilizados no projeto. É recomendável declarar a
licença que será utilizada na especificação do programa, para que os programadores
responsáveis já busquem componentes compatíveis.

4. Vantagens e desvantagens do software livre


Nesta seção serão apresentadas a vantagens e desvantagens da utilização de software
livre, conforme abordado por Kon et al. (2011).

4.1 Vantagens
 Custo social baixo: um software proprietário é desenvolvido visando gerar lucro
ao fabricante, mas gera custo ao usuário. Em um modelo de software livre a
sociedade determina a evolução e disseminação do sistema. Software livre não
significa software de graça;
 Independência de um fornecedor único e tecnologia proprietária: Com
software livre não existe o risco de inerente ao software proprietário de o detentor
dos direitos sobre o software descontinuar um sistema;
 Desembolso inicial mínimo: O preço de distribuição de softwares livre
geralmente são uma pequena fração de similares proprietários, ou mesmo são
distribuídos gratuitamente. Ainda há os custos de manutenção, que em um
software livre depende exclusivamente do desenvolvedor;
 Nao obsolescência do hardware: Quando uma nova versão de um sistema
proprietário é lançada, geralmente implica que o hardware para tal aplicação deve
também ser atualizado. Isso ocorre pois o software foi desenvolvido em uma
plataforma modelo. Com software livre isso ocorre com muito menos frequência,
pois os desenvolvedores também utilizam hardwares que são “obsoletos”.
 Robustez e segurança: Os sistemas desenvolvidos e distribuídos como software livre
são reconhecidos como mais robustos e seguros. Pois uma gama maior de
desenvolvedores trabalha em cima do código, o que implica que falhas possam ser melhor
identificadas;
 Possibilidade de adaptar aplicativos: A distribuição do código fonte permite
que o software seja adaptado as necessidades do usuário;
 Suporte: De forma gral, o suporte aos usuários que estejam conectados à internet
é de boa qualidade, não importando o grau de complexidade da pesquisa;
 Sistema e aplicativos configuráveis: Pelo fato dos desenvolvedores de software
livre estarem acostumado com sistema mais configuráveis, isso reflete nas
aplicações desenvolvidas por eles.

4.2 Desvantagens
 Interface de usuário não é uniforme nos aplicativos: Não existe um estilo
padrão bem definido de formatação pelo fato do desenvolvimento ser distribuído,
o que reflete na falta de um padrão definido também na interface e forma de
configuração dos sistemas. Isso afasta novos usuários;
 Instalação e configuração difíceis: Geralmente, os primeiros usuários dos
programadores de um sistema de código livre são os próprios programadores, que
tem pratica em utilizar softwares em estágios finas de desenvolvimento e esses
usuários definem os parâmetros que os demais usuários utilizaram;
 Mão de obra escassa: Como o crescente aumento do número de usuários aptos a
utilizar software livre, também há necessidade de técnicos especializados para
atender o aumento da demanda, tanto para suporte quanto para desenvolvimento.

5. Software livre no Brasil


O software livre no Brasil, como no início dele no mundo, se deu graças a participação
de uma grande universidade na sua utilização. Da mesma forma que o MIT e a
Universidade de Berkeley tiveram papel essencial para a utilização do software livre, no
Brasil, esse papel ficou em torno da Universidade de São Paulo - USP.
No início da década de 90, a expansão do software livre no Brasil se iniciou a
partir da instalação do GNU/Linux em departamentos do curso de Ciências da
Computação em diversas universidade importantes, entre elas estava a USP, onde o
professor Marco Dimas Gubitoso se tornou o primeiro brasileiro a cadastrar no Linux
Counter que realiza e disponibiliza estatísticas sobre o Linux, obtendo o número 2393, e
sendo o primeiro a instalar GNU/Linux em uma universidade brasileira. Sua divulgação
e expansão ocorreu quando o professor Arnaldo Mandel realizou o download do código-
fonte e colocou em um dos servidores para que pudessem experimentar e conhecer. Após
utilizar por um período, Arnaldo acabou enviando um e-mail para conhecidos dentro do
seu departamento, o Instituto de Matemática e Estatística - IME, contando como foi a
utilização do mesmo e o que tinha achado do sistema, fazendo assim que outros
professores começassem a utilizá-lo, entre eles estava Imre Simon, um dos criadores do
curso de Ciências da Computação da USP e um dos líderes da computação no Brasil, que
gostou do sistema e começou a incentivar seu uso, além de divulgar diversas formas de
compartilhamento e criação de conhecimento por meio de cursos e palestras através do
país.
Gubitoso a partir daí começou a divulgar o GNU/Linux para seus alunos com o
objetivo de conseguir ter grande utilização do mesmo dentro da universidade, foi
realizado também a importação de vários CDs para serem distribuídos pelo IME para seus
alunos. Com a grande divulgação a apoio realizado pelo instituto, em 1994 foi criado um
grupo de alunos voltados para a utilização do GNU/Linux, que se mantém em uso até
hoje, liberando assim diversos projetos da USP com licenças livres gerando assim em
2008 a criação do Centro de Competência em Software Livre voltado apenas para o
desenvolvimento de softwares, realização de pesquisas, o ensino da utilização e o uso dos
mesmos dentro e fora das universidades.
Um dos principais fatores para a disseminação do Software Livre em todo o Brasil
se deu pela criação da empresa Conectiva, que tinha o objetivo a distribuição e suporte de
uma versão do Linux em Português, levando assim há um maior acesso ao sistema. Outro
fator importante foi a criação do Projeto Software Livre do Rio Grande do Sul e Brasil
em 1999, dos quais os mesmos criadores iriam fundar em 2003, a Associação Software
Livre, que tinha por objetivo a promoção e disponibilização dos Softwares Livres no
Brasil, por esses projetos, a divulgação e crescimento no Brasil foi cada vez maior, sendo
criado diversos meios para espalhar os softwares livres pelo país, como palestras, eventos
entre outras formas.

6. Influências do software livre na sociedade


Com a crescente utilização da tecnologia, algo cada vez mais presente no nosso cotidiano
e de extrema importância para qualquer pessoa que deseja se relacionar com o mundo ao
seu redor, o mundo se volta para algo extremamente importante hoje: Informação.
Segundo Avancini (2002), a internet realizou uma revolução na sociedade moderna,
vivenciando a Quarta Onda caracterizada pela grande quantidade de informação, o que
afeta todas as áreas do mundo, como política, social, ambiental, econômica e cultural,
circulando de forma rápida e fácil com baixos custos pelo mundo, criando assim um novo
paradigma social.
Para a sociedade, os impactos resultantes desta revolução se voltam exatamente
para a parte da população que não consegue acesso às tecnologias e todas as informações
que são geradas a partir dela, criando assim a exclusão digital. Segundo Silveira (2001)
esta parte da população que não tem conhecimentos necessários para utilizar estas novas
tecnologias acabam andando um passo atrás dos que já possuem este conhecimento, pois
deixam de receber o principal fluxo de informações atualmente.
Segundo Moniz (2005), a utilização das tecnologias está relacionada ao poder
aquisitivo de cada país, em países com baixo poder aquisitivo, o preço de um software
pode chegar a 3 meses de trabalho, já em países com maior poder, chega a apenas 10 dias.
Ao privar uma pessoa das tecnologias, diversos fatores as atrapalham em relação à
sociedade, uma maior dificuldade de comunicação, de pesquisa, e uma das principais, a
falta de capacidade para concorrer à empregos. A tecnologia é cada vez mais necessária
para a realização de grande quantidade de cargos, além de ser essencial em parte
dele, com essa exclusão digital, esse cidadão se vê privado de diversas oportunidades.
Devido a essa grande necessidade de tecnologia pela sociedade, segundo Avancini
(2002) pode-se criar uma monopolização dos conhecimentos e novas tecnologias por
parte das empresas, à qual conseguiriam manter a economia conforme desejassem.
Como alternativa a esse cenário, têm-se os softwares livres, que diminuem esta
dependência dando assim ao usuário liberdade para executar, copiar, distribuir e utilizar
de qualquer forma que desejar estes softwares criados. Estes novos softwares conseguem
realizar as mesmas funções que os softwares proprietários fariam, além de permitir a
implementação e melhoria de qualquer função já existente e sendo ainda gratuito.
Esta nova ferramenta disponível, contribuiu diretamente para a inclusão digital,
pois disponibiliza formas para a utilização da tecnologia sem custo para a parte da
população que não tem condição para pagar altos preços em software, retirando-as da
ignorância tecnológica. As utilizações dos softwares livres contribuem também no preço
de hardware, auxiliando o acesso a um computador por essas pessoas, por exemplo, em
pesquisa realizada no site de vendas online Kabum, dois computadores com a mesma
configuração, porém com o sistema operacional diferente, sendo o primeiro Windows 10
e o segundo Linux, a diferença de preço entre eles para pagamento à vista chega a 350
reais, o que no mesmo site seria possível a aquisição de um monitor de 15.6 polegadas.
Em questão de software, em consulta ao próprio site da Microsoft, o pacote do Office
2016 Professional está sendo vendido por 1700 reais, em contrapartida, o pacote office
profissional de código aberto pode ser baixado gratuitamente na internet.
Voltando-se para o setor público, o software livre consegue ajudar de diversas
formas. Uma das principais vantagens é a economia realizada por não haver necessidade
de grandes quantidades em licenças pagas, segundoBranco (2004), em 2004 o Brasil
gastava cerca de 1 bilhão de dólares por ano, um mercado que gerava cerca de 3 bilhões
de dólares, então ⅓ do valor era pago apenas com licenças. Em 2009, com a crescente
utilização de softwares livres pelo governo, segundo o site Serpro, a economia foi de
aproximadamente 370 milhões, com essa economia, o valor pôde ser investido em outras
áreas importantes para o país, além do treinamento e capacitação dos funcionários.
Outro ponto a se destacar é a criação de diversos tipos de serviços relacionados aos
softwares livres, entre eles podemos citar a alteração do software livre para uso específico
de um cliente, consultoria, treinamento e capacitação, contribuindo assim para o mercado
e gerando empregos.
Portanto, o software livre propicia o compartilhamento de tecnologia e conhecimento,
além de estimular a interação social entre pessoas com um objetivo em comum.
Dentre as dificuldades encontradas para a utilização de produtos livres, em relação ao
sistema operacional, a rejeição é grande devido às diferenças encontradas na utilização
em relação ao Windows, pois ainda existe uma hegemonia do sistema da Microsoft, e
muitas pessoas acreditam que não haverá utilidade aprender a utilizar um novo sistema,
ficando assim no que todos utilizam. Outro ponto crucial apontado é a dificuldade de
utilização do Linux por não contar com grande visibilidade do público geral, ou seja, a
grande maioria da população, além de ser difícil encontrar um curso que ensine a
utilização, e quando se encontra os preços tendem a ser maiores que os cursos
relacionados ao Windows.

7. Popularização dos softwares livres pelo mundo


Com a crescente utilização de novas tecnologias que se propiciam do modelo de software
livre, esta nova forma influencia diretamente as ferramentas disponibilizadas e a maneira
de utilização. Diversos softwares foram criados e contribuem para o aprendizado e
utilização das mais diversas formas de serviços.
Entre os softwares mais utilizados atualmente podemos citar uma diversa
quantidade de áreas. Voltado para sistemas operacionais temos o já citado Linux, que foi
um precursor desta tecnologia e o OpenSolaris, projeto da Sun Microsystem que
inicialmente era proprietário, mas com o tempo foi liberando o acesso ao código.
Entre as diversas ferramentas de desenvolvimento existente, podemos citar as
mais utilizadas: o compilador GCC voltado para o Linux, o Eclipse voltado para
desenvolvimento em Java e o NetBeans que abrange grande quantidade de linguagens,
sendo todos softwares de código aberto.
O Apache, atualmente um dos servidores Web mais utilizado no mundo, criado
em 1995 é também de licença livre, podendo ser utilizado e alterado por qualquer pessoa
que deseja fazer uso do mesmo. Na área de banco de dados, o MySql se destaca no
mercado atualmente, sendo um dos mais utilizados.
Os softwares citados anteriormente são mais voltados para pessoa que fazem parte
da área de tecnologia, porém, também existem softwares voltados ao usuário final, ou
seja, a maioria da população que necessita de softwares para tarefas do cotidiano. Entre
estes softwares podemos citar o VLC e o GIMP, sendo o primeiro um reprodutor de
mídias utilizado no mundo inteiro, contando com a mesma qualidade de softwares
proprietários que realizam esta função. O GIMP é uma ferramenta para edição de
imagens, criado como alternativa para o Adobe Photoshop, sendo bastante utilizado por
contar com uma boa gama de funcionalidades e por ser completamente grátis.

7.1. Ginga, recurso interativo para TV Digital


Com o início da era da TV digital no Brasil, além de fornecer melhor qualidade de áudio
e vídeo para a TV aberta, também se busca uma nova forma de interatividade para o
espectador, ou seja, novas formas de interação entre o programa e quem está assistindo,
uma nova forma de disponibilizar informações sobre o que está sendo transmitido e se
comunicar diretamente com o canal transmissor.
Com esse intuito e com a crescente utilização de software livre, o governo decidiu não
comprar essa tecnologia já existente em outros países, por não se adequarem exatamente
as necessidades do país, então decidiu-se adaptar a mesma para nossa realidade. Para isso,
houve uma cooperação entre instituições de ensino para a criação deste sistema, o Ginga.
Para sua criação, houve a utilização do modelo japonês, o ISDB-T (Integrated
Services Digital Broadcasting Terrestrial) pois apresentam vantagens como a alta
definição, portabilidade e disponibilidade do suporte necessário para que Brasil
construísse seu próprio sistema, o ISDB-TB. Este sistema se configurou o padrão de
transmissão digital no Brasil pois conta com um Middleware exclusivo e sistemas
modernos de vídeo e áudio.
O Ginga em si é um software completamente livre, capaz de integrar diversos
sistemas operacionais, linguagens de sincronização de mídia e linguagens de script. A
mesma permite o desenvolvimento de aplicativos para serem utilizados diretamente da
TV além da reutilização de software, diminuindo assim o custo de novos projetos. O
Ginga foi desenvolvido em parceria da PUC-Rio com a Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), o sistema é composto de dois subsistemas, o Ginga-NCL para aplicações que
utilizem a linguagem declarativa em NCL e o Ginga-J que utiliza aplicações procedurais
em Java.
Com a criação deste sistema, o intuito era conseguir realizar a distribuição de uma
TV interativa para a população, com preços bons e serviços de qualidade. O Ginga passou
a ser obrigatório em qualquer aparelho produzido no Brasil, levando assim esta nova
funcionalidade para à população, e isso tudo graças a possibilidade de criação de um
software livre que contribuiu para levar a tecnologia a todos os públicos.
8. Conclusão
Com a gigante expansão tecnológica e a grande quantidade de softwares produzidos por
grandes indústrias, as quais colocam cada vez mais restrições à utilização de seu produto,
o software livre disponibiliza a sociedade uma nova forma de compartilhamento,
divulgação e acesso a essas tecnologias, ajudando ao acesso dos menos favorecidos
monetariamente a conseguirem utilizar estes produtos. Através da comunidade existente
é possível contribuir para a sociedade de forma eficaz, sem necessidade de investimentos
e outros meios.
Concluímos assim que o software livre consegue colaborar com a sociedade de
forma eficaz, sendo importante em diversos aspectos tecnológicos, contribuindo para a
inclusão digital e aprendizado através das ferramentas disponibilizadas. Em contraponto,
é sempre necessário estar consciente do que está sendo utilizado e a melhor forma de se
utilizar, pois, devido a facilidade de modificação e distribuição de um código aberto, a
possibilidade de distribuição de vírus e outras formas prejudiciais podem ser feitas de
maneira simples.

Referências
Avancini, H. B. (2002) “O paradoxo da sociedade da informação e os limites dos direitos
autorais”, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Porto Alegre.

Branco, M. D (2004) “Software Livre na Administração Pública Brasileira”,


http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/5630-5622-1-PB.pdf,
Outubro.

Domingues, J. (2009) “Brasil gasta algo em torno de US$ 1 bilhão por ano, com o
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Kon, F., Lago, N., Meirelles, P. and Sabino, V. (2011) “Software livre e propriedade
intelectual: aspectos jurídicos, licenças e modelos de negócio”, In: XXXI Congresso
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