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P E R F I L I N S T I T U C I O N A L

Diversidade Cultural e Cidadania


A atuação do Centro Nacional
de Folclore e Cultura Popular

Maria Isabel Moura Nascimento


Professora da Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG); Coordenadora do HISTEDBR (Campos Gerais-PR).

Claudia Maria Petchak Zanlorenzi


Mestranda em Educação na UEPG.

Este artigo descreve a atuação institucional This paper describes the Centro Nacional
do Centro Nacional de Folclore desde sua de Folclore ’s performance since its
criação, na década de 1950. Suas linhas de creation in the 1950s. Its line of action
atuação são voltadas para a pesquisa, focuses on the research, documentation,
documentação, difusão e fomento das preservation and support of the popular
expressões das culturas populares e dos culture expressions as well as the people
indivíduos que as criam, recriam e mantêm vivas. who create and keep them alive.
Palavras-chave: folclore, cultura popular, Keywords: folklore, popular culture, anthropology,
antropologia, museu, biblioteca, pesquisa . museum, library, research .

L
ogo após a Segunda Guerra, na Nacional de Folclore, vinculada ao Insti-
década de 1940, a Unesco re- tuto Brasileiro de Educação, Ciência e
comendou aos países membros Cultura (Ibecc), do Ministério das Rela-
um esforço no sentido de criar organis- ções Exteriores.
mos voltados para o conhecimento das
culturas populares. Foi nesse contexto A partir dos trabalhos desta Comissão e
que, em 1947, estruturou-se a Comissão de comissões estaduais, bem como da

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mobilização decorrente de diversos con- como as expressões da cultura desse


gressos, foi criada, em 1958, a Campa- povo e, assim como a Unesco, considera
nha de Defesa do Folclore Brasileiro, equivalentes as expressões folclore e
subordinada ao Ministério da Educação cultura popular.
e atual Centro Nacional de Folclore e
Num país com a extensão territorial e
Cultura Popular (CNFCP).
as peculiaridades de formação social do
O CNFCP é o único órgão federal a tra- Brasil, marcado por diferenças regionais
tar específica e sistematicamente das profundas e convivência de etnias diver-
questões relativas ao folclore e à cul- sas, impõe-se o reconhecimento da
tura popular. Nestes quase 50 anos de pluralidade cultural. Apenas por razões
existência, tem atuado operacionais mantém-se no singular a
prioritariamente nas áreas de pesqui- expressão cultura popular, embora se
sa e documentação, apoio e difusão das reconheça a existência de múltiplas ex-
expressões de folclore e cultura popu- pressões de cultura que resultam das
lar em âmbito nacional. formas de pensar e agir dos grupos que
as viabilizam.
O entendimento da instituição acerca de
seu universo de atuação tem variado ao A atuação do CNFCP tem, portanto,
longo dos anos e acompanha as trans- como ponto de partida, o reconheci-
formações do próprio campo de estu- mento do caráter dinâmico e diverso
dos que dá sustentação à área. Do da cultura, o que significa não conde-
enfoque nitidamente folclórico presen- nar as transformações inerentes à vida
te nos textos que produziu no passado social. O tradicional não é resíduo do
aos textos antropológicos que caracte- passado, mas sim um conjunto de prá-
rizam a produção atual, o CNFCP per- ticas sociais e culturais presentes, que
correu uma longa trajetória, que, com se reproduzem por meio do trabalho e
toda certeza, tem influenciado os rumos do poder de criação e recriação de seus
da política pública para as culturas po- agentes, constituindo sua identidade
pulares no país. cultural.

A cultura é entendida pelo CNFCP como Cabe chamar a atenção para a diversi-
um processo global que reúne as condi- dade de agentes envolvidos no âmbito
ções do meio ambiente àquelas do fazer da cultura popular e, conseqüentemen-
do homem. O agente social e seu produ- te, para a inscrição diferenciada do cha-
to – habitação, templo, artefato, dança, mado produto cultural e seus respecti-
canto, palavra, entre outros – estão ne- vos produtores na sociedade –
cessariamente inseridos num quadro so- cantadores, artesãos, foliões, grupos
cial e ecológico no qual a atividade hu- religiosos, entre outros, são categori-
mana ganha significação. O CNFCP com- as diferenciadas não só entre si como
preende o folclore como os modos de internamente. Entender e documentar
agir, pensar e sentir de um povo, ou seja, suas visões de mundo, formas de or-

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ganização e modos de expressão são teca Amadeu Amaral e no Museu de Fol-


uma parte das funções atribuídas ao clore Edison Carneiro.
Centro.
No incentivo à produção, propõe pro-
Integram o CNFCP a Biblioteca Amadeu jetos que, a partir do conhecimento
Amaral, o Museu de Folclore Edison Car- das especificidades socioculturais que
neiro, os setores de Pesquisa e de Difu- caracterizam cada caso, têm por obje-
são Cultural, além da Divisão Técnica e tivo o apoio direto aos produtores cul-
de uma Divisão de Administração. turais, bem como o estabelecimento de
parcerias com instituições oficiais e
Os programas de trabalho que orientam
privadas a fim de criar condições favo-
o planejamento anual da instituição po-
ráveis à continuidade e ao
dem ser agrupados em quatro verten-
florescimento das diferentes expres-
tes: programas que visam à realização
sões das culturas populares.
de estudos teóricos e de cunho
etnográfico e contribuem para a ampli- O incentivo à pesquisa é feito por meio
ação dos acervos bibliográfico, da realização de cursos, seminários e
museológico, visual e sonoro; progra- concursos abertos à participação de in-
mas que visam ao apoio direto aos pro- teressados, estudiosos e pesquisadores
dutores culturais, os quais valorizam e que trabalhem com temas ligados às di-
divulgam a produção da cultura popular versas manifestações do folclore e da
brasileira; programas de premiação que cultura popular brasileira, estabelecen-
visam à difusão e ao reconhecimento de do importante elo com a produção aca-
pesquisas nas áreas de folclore e cultu- dêmica do país.
ra popular; programas que visam ao
A difusão é voltada para o intercâmbio
intercâmbio e à formação de público,
com instituições congêneres, com o ob-
bem como apoio a eventos, que se ca-
jetivo de promover a troca de publica-
racterizam pela continuidade no tempo.
ções e a ampla circulação da informa-
As ações de pesquisa e documentação ção acerca das culturas populares bra-
priorizam estudos e registros de cará- sileiras nos diferentes estados do país e
ter etnográfico, que geram publicações, no exterior. Mantém projetos para a rede
tais como edições fonográficas e de ensino, envolvendo professores e alu-
audiovi-suais, livros, periódicos e catá- nos, com o objetivo de fornecer subsídi-
logos sobre temas das culturas popula- os para a pesquisa escolar sobre da
res, e que contribuem para manuten- área de atuação institucional e sobre
ção e ampliação de arquivos, de cen- museus, entendidos como centros de
tros de documentação, bibliotecas e memória voltados para a implementação
museus que reflitam a diversidade cul- de processos de investigação das reali-
tural do país. O CNFCP já produziu vas- dades sociocul-turais que marcam as
to conhecimento, que se encontra dis- formas de vida e as expressões de cul-
ponível para consulta pública na Biblio- tura difusas do país.

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M USEU DE F OLCLORE E DISON nistério, para abrigar sua sede, inaugu-


C ARNEIRO rada em 1980.

S
eu nome é homenagem ao Em 1983, tendo em vista sua expansão,
folclorista que dirigiu a institui- pois já contava com um acervo de mais
ção, então Campanha de Defesa de 10 mil objetos, foi adquirido o imóvel
do Folclore Brasileiro, de 1961 a 1964. de número 181, situado à rua do Catete,
Foi criado em 1968, na gestão do pro- que, depois de amplas reformas, passou
fessor Renato Almeida, a partir de um a abrigar as galerias permanentes de ex-
convênio entre a Campanha e o Museu posição do Museu. Este sobrado, contíguo
Histórico Nacional. ao de número 179, foi construído em
1880, e integra o conjunto arqui-tetônico
Instalado inicialmente nas dependências
do entorno do Palácio do Catete, tomba-
do Museu da República, transferiu-se
do pelo Instituto do Patrimônio Histórico
para a rua do Catete, número 179. Em
e Artístico Nacional (IPHAN) em 1937.
decorrência do crescimento das coleções,
o Departamento de Assuntos Culturais do A antiga sede, na garagem do Palácio,
Ministério da Educação, dirigido na épo- transformou-se em anexo, e hoje, após
ca pelo antropólogo Manuel Diégues algumas reformas, abriga um auditório, a
Júnior, cedeu o prédio da garagem do Galeria Mestre Vitalino de exposições tem-
Palácio do Catete, de propriedade do Mi- porárias, um laboratório de conservação

Fachada do Museu do Folclore Edison Carneiro

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voltado para o tratamento de material Os espaços foram climatizados e amplia-


etnográfico, gabinetes de trabalho da dos, ocupando, desde então, também
equipe técnica do Museu e três reservas parte do prédio número 179 da rua do
técnicas, que guardam, em condições ade- Catete. Com um mil e quinhentas peças,
quadas, os acervos separados por maté- a exposição procura situar os objetos
ria-prima. Recursos da Fundação Vitae apresentando-os no contexto de sua pro-
possibilitaram a aquisição de mobiliário dução e uso – as diversas tradições reli-
específico para guarda da coleção de pin- giosas, os diferentes modos de subsis-
tura, e um projeto aprovado pelo BNDES tência, a riqueza e variedade do artesa-
tornou possível a compra de armários nato, a beleza das festas tradicionais e
deslizantes para o acervo de madeira. O modernas, a expressão plástica dos ob-
laboratório de conservação passou, recen- jetos de estética popular. Como registra
temente, por obras para adaptação do o texto de abertura da exposição: “Na
espaço físico, um investimento do Minis- terra que cultiva o doce, na festa que
tério da Cultura que, somado a recursos colore as roupas, nos tachos que atiçam
provenientes da Fundação Vitae, equipou a fome, nos cantos que celebram a vida
o espaço que futuramente poderá aten- e lamentam a morte, na fé que ora leva
der não só às demandas do Museu, mas ao terreiro de candomblé, ora à igreja,
também de outras instituições parceiras. os brasileiros se encontram e se diferen-
ciam, se igualam e se distinguem”.
Suas coleções, expressivo acervo das
culturas populares brasileiras, somam Os objetos, que foram selecionados em
atualmente quase 13 mil objetos, reuni- seus contextos sociais e culturais de ori-
dos, em sua maioria, em pesquisa de gem, no Museu assumem uma nova fun-
campo a partir de critérios científicos de ção: a de porta-vozes de uma das muitas
coleta. Abrangem amplos universos: ar- histórias possíveis sobre o homem bra-
tesanato, arte, tecnologias tradicionais de sileiro. A exposição, que usa a expres-
produção de alimentos, processos e são ‘mito das três raças’ como gancho
implementos de confecção de objetos para falar sobre as múltiplas influências
artesanais, instrumentos de trabalho, na formação do país, está organizada em
instrumentos musicais, indumentárias, cinco unidades temáticas: Vida, Técnica,
alegorias e adereços de festas e rituais, Religião, Festa e Arte.
peças religiosas, como a imaginária sa-
O módulo Vida oferece aos visitantes re-
cra do catolicismo, ex-votos, representa-
presentações de artistas populares, como
ções de divindades das religiões
os mestres do Vale do Jequitinhonha, em
afrodescendentes e muitos outros obje-
Minas Gerais, do Vale do Paraíba paulista
tos que integram o vasto e rico panora-
e do Alto do Moura, em Caruaru,
ma do universo popular do país.
Pernambuco, da comunidade do Chapéu
Em 1994, a exposição permanente do Mangueira e da Cooperativa Abayomi,
Museu passou por grande reformulação. ambas no Rio de Janeiro, entre tantos

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outros. São trabalhos que abordam as é transportado a pólos produtores de ce-


várias etapas do ciclo da vida – do nasci- râmica (Maragogipinho/BA e Apiaí/SP),
mento à morte – e os rituais com que o ao universo de tecelãs goianas, a comu-
homem, em comunidade, as distingue. nidades pesqueiras nordestinas e flumi-
Assim são representados nascimento e nenses, com sua diversidade de rendas
morte, namoro e casamento, escola, in- e trançados, e chega a uma feira popu-
fância e brincadeiras infantis, profissões lar, espaço privilegiado de escoamento
e formas de divertimento – expressões da produção artesanal e de convívio so-
de modos de vida e visões de mundo en- cial, em que se encontram o lambe-lam-
contradas por todo o território nacional be ou os sábios praticantes da medici-
em constante processo de transforma- na popular, e, como não poderia faltar,
ção, estimulado pelos meios de comuni- atrações como mamulengueiros e
cação de massa, mas preservados pela repentistas com os característicos folhe-
transmissão oral. tos de cordel.

Percorrendo o módulo Técnica , além de No exercício de sua fé, não é raro o bra-
ambientações de tecnologias tradicio- sileiro superpor santos católicos, orixás
nais relativas à alimentação, o visitante do candomblé e entidades de devoção

Diversidade regional: objetos que contam uma das histórias possíveis

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da umbanda. O estabelecimento de la- Nhô Caboclo, Luzia Dantas, GTO, Chico


ços entre homens e divindades, meta da Tabibuia, Manoel Galdino, Antônio
religiosidade popular, está representado, Poteiro, entre outros.
no módulo Religião, por ex-votos cole-
Essa exposição conta hoje com um guia
tados no Ceará, ferros de assentamen-
sonoro em português, inglês, francês e
to de orixás recolhidos na Bahia, ele-
espanhol que permite ao visitante empre-
mentos dos rituais de umbanda do Rio
ender ritmo próprio a sua visita.
de Janeiro, e uma procissão ecumênica
diante da lua cheia e uma imagem de B IBLIOTECA A MADEU A MARAL

E
São Jorge que tem à frente uma bandei-
specializada em folclore e antro-
ra de São Benedito. A música, relevante
pologia social, a Biblioteca
marca cultural que permeia os diversos
Amadeu Amaral (BAA) reúne
espaços, é aqui simbolizada por
hoje importantes acervos, respondendo
atabaques rituais com suas
por um conjunto global de mais de du-
especificidades afrobrasileiras.
zentos mil documentos, entre livros, re-
Na linguagem das danças, cantos, fanta- vistas, periódicos, folhetos de cordel,
sias e comidas, o brasileiro fala sobre a recortes de jornal, fotografias, vídeos,
sociedade em que vive, sobre seus valo- filmes e registro sonoros.
res e crenças. Nas festas e por meio de- Desenvolve projetos especiais de docu-
las, são permanentemente construídas mentação, tais como a Hemeroteca
maneiras de viver e de ver o mundo. digitalizada, que teve patrocínio da Fun-
Enfatizando o processo que culmina no dação Vitae e está disponível na internet,
grande evento, o módulo Festa destaca, com mais de sessenta mil artigos classi-
entre outras, o maracatu pernambucano, ficados e catalogados em base de dados,
a folia-de-reis, a escola de samba e os com busca por palavra; a Cordelteca, com
clóvis de carnaval do Rio de Janeiro, a seis mil folhetos de cordel também clas-
cavalhada de Pirenópolis/GO e o bumba- sificados, catalogados e digitalizados em
meu-boi maranhense. base de dados disponibilizada na
internet; o Tesauro da Cultura Popular,
Encerrando com o módulo Arte , o visi-
com um mil e seiscentos termos levanta-
tante entra no universo de indivíduos
dos, com apoio da Unesco.
que, provenientes de extratos popula-
res, sofreram o impacto da civilização Atualmente, com o patrocínio da Caixa
industrial, incorporando-o a sua arte. Econômica Federal, estão em processo
Sua obra é, ao mesmo tempo, expres- de digitalização 15 vídeos produzidos
são das experiências individuais e da pelo Centro, 14 mil diapositivos, 47 nú-
coletividade em que se originaram e se meros da coleção Documentário Sonoro
inserem. São esculturas em barro ou do Folclore Brasileiro e 41 números da
madeira, gravuras e pinturas de auto- Revista Brasileira de Folclore , esta últi-
ria de grandes artistas, como Vitalino, ma a ser disponibilizada na internet. A

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BAA abriga também o Arquivo Visual da diversas coletividades que conformam o


instituição, que reúne atualmente mais perfil deste país.
de 120 mil imagens, entre diapositivos,
Iniciado em 1998, até o momento o PACA
negativos, fotografias em preto e branco
traduziu-se em projetos de incentivo ao
e a cores, impressas em papel e digita-
artesanato tradicional, realizados com
lizadas, e o Arquivo Sonoro, que reúne
recursos captados junto ao Projeto Alvo-
importantes coleções de discos, CDs, fi-
rada, à Sudene, à Eletrobrás, à Petrobras
tas cassete com gravações musicais, de-
e à Petrobras Distribuidora, nos seguin-
poimentos e material coletado em pes-
tes municípios: Maceió (AL), Salvador,
quisa de campo, de diferentes épocas e
Barra, Saubara, Irará e Rio Real (BA),
locais do país.
Tracunhaém (PE), São Mateus (ES),
Além do Museu e da Biblioteca, fazem Santana do Araçuaí, Coqueiro Campo,
parte do CNFCP os setores de Difusão Campo Alegre, Pedras de Maria da Cruz,
Cultural e de Pesquisa, que, juntos, já Januária, Cônego Marinho, São Francis-
produziram mais de 120 catálogos de co e Chapada do Norte (MG), Juazeiro do
mostras na Sala do Artista Popular (SAP), Norte (CE), Paraty e Angra dos Reis (RJ),
inúmeros fôlderes de exposições na Ga- Abaetetuba e Santarém (PA), Corumbá e
leria Mestre Vitalino, diversos livros, Ladário (MS), São Luís (MA) e Vale do
vídeos, discos e CDs e diversas outras Ribeira (SP).
publicações.
Ainda no âmbito do artesanato, o pro-
Um dos principais programas do CNFCP jeto Sala do Artista Popular (SAP) efe-
no apoio ao artesanato tradicional é o tuou, nas últimas décadas, mais de 120
Programa de Apoio a Comunidades pesquisas etnográficas, acompanhadas
Artesanais (PACA). Para sua execução, o por exposições e comercialização de
CNFCP e uma ampla rede de parceiros produtos artesanais em seu espaço no
voltados para uma ação dirigida aos se- CNFCP. A experiência da SAP mostra
tores menos assistidos da sociedade bra- que, além do resultado financeiro ime-
sileira – mais especificamente grupos de diato das vendas durante o período da
baixa renda e ligados à cultura popular exposição, a interação com visitantes e
tradicional – uniram-se na certeza de es- a divulgação de sua obra em larga es-
tarem consolidando um tipo de atuação cala traz, para o artista popular, outros
que preserva e respeita os indivíduos e benefícios duradouros, como convites
os saberes tradicionais, ao mesmo tem- para novas mostras, encomendas por
po em que cria oportunidade para o in- lojistas, contratação para demonstra-
cremento da atividade artesanal e con- ções técnicas e palestras em escolas e
seqüente geração de renda, ocupação de outras entidades. Além de contribuir,
mão-de-obra e colocação do produto portanto, para a ampliação do merca-
artesanal no mercado consumidor, refor- do, essas atividades propiciam uma per-
çando raízes culturais formadoras das cepção mais clara por parte do artista

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sobre o valor de seu trabalho e, por cio das baianas de acarajé, a viola-de-
parte da sociedade em geral, sobre o cocho pantaneira e o jongo da região
valor da arte popular e dos objetos Sudeste.
artesanais como marcas da identidade
São também priorizadas ações voltadas
e da expressão popular.
para a formação de público, entenden-
do-se, nessa perspectiva, que exposi-
Na linha de trabalho do Programa Nacio-
ções, seminários e concursos são ativi-
nal de Patrimônio Imaterial, o CNFCP, em
dades propícias ao maior estreitamento
convênio com o Ministério da Cultura,
da relação do público com a cultura po-
iniciou em 2001 o projeto Celebrações
pular e, conseqüentemente, do próprio
e Saberes da Cultura Popular, realizan-
CNFCP com seus usuários.
do atividades de inventário e registro so-
bre os seguintes temas: o bumba-meu- A instituição acredita que as pesquisas que

boi do Maranhão, uma das formas de desenvolve, os acervos que coleta, os

celebração relacionadas ao complexo documentos que produz, as fotos e grava-

cultural do boi no Brasil, além da viola- ções sonoras e visuais que realiza sobre

de-cocho do Pantanal e do jongo no Su- a imensa diversidade cultural deste país,

deste, também vistos como formas de ao logo destes mais de 45 anos de traba-

celebração. As pesquisas se desdobra- lho, só ganham sentido na medida em que

ram também visando os diferentes mo- o público os conhece, toca, faz uso deles

dos de fazer relacionados à produção e os questiona. Este é o princípio que

de cuias em Santarém (PA) e à musi- move o trabalho institucional.

calidade das violas e percussões. Os Como conseqüência, entendemos que to-


saberes associados ao acarajé, em das as nossas ações têm uma preocupa-
Salvador (BA), e à farinha de mandio- ção educativa, sendo a educação entendi-
ca, no Pará, foram pesquisados e da como algo que acontece de forma per-
inventariados na perspectiva dos dife- manente na vida de todo indivíduo, algo
rentes modos de fazer relacionados que pode e precisa ser prazeroso.
aos sistemas culinários da mandioca e
A educação é resultado das práticas cul-
do feijão; e as cerâmicas de Candeal
turais dos grupos sociais. O próprio pro-
(MG) e de Rio Real (BA), na linha de
cesso de ensinar e aprender revela essas
pesquisa sobre a cerâmica brasileira.
práticas. Respeitá-las e fazê-las convive-
Com patrocínio da Petrobrás, foram re-
rem é construir cidadania. De algum
alizados e finalizados os inventários
modo, na relação com o público também
das festas de largo em Salvador (BA) e
se ensina e se aprende todos os dias, por
do Divino maranhense no Rio de Janei-
meio de um diálogo cultural permanente.
ro. Vale destacar que já foram regis -
trados pelo Conselho do IPHAN os se- A atuação do CNFCP se faz na perspec-
guintes bens imateriais resultantes de tiva de que é a cultura que dá conteúdo
pesquisas realizadas pelo CNFCP: o ofí- à educação.

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Assim, no campo da educação e do estí- gem de uma exposição. Revela os basti-


mulo à pesquisa científica sobre folclo- dores do museu, oferecendo conhecimen-
re e cultura popular, destacam-se o Con- tos sobre os procedimentos museológicos
curso Sílvio Romero de Monografias, ins- e permitindo que, a cada montagem, a
tituído em 1959 e realizado anualmen- mostra adquira as feições do grupo que
te, e o Curso Livre de Folclore e Cultura a organizou. Os dois módulos existentes
Popular, criado em 2001, compreenden- atendem a duas escolas por mês, permi-
do aulas, palestras, debates, exibições tindo que, em cada uma, um grupo de
de vídeos e filmes, visitas guiadas a ex- cerca de 25 crianças participe mais ati-
posições e museus, distribuídos em 86 vamente do processo de montagem e em
horas de atividades, que ocorrem geral- média mil crianças conheçam a exposi-
mente no mês de julho. ção. Isso porque se prevê que, ao final
da montagem, a comunidade local seja
Especialmente no campo da educação, há
convidada, garantindo assim que familia-
ainda os projetos itinerantes imple-
res e estudantes de outras escolas tam-
mentados junto a professores e alunos
bém a visitem.
das redes de ensino. São eles:

De mala e cuia . Biblioteca itinerante que Fazendo fita . Coleção de fitas cassete e
reúne acervos de livros, discos, folhetos, de vídeo, com registros sonoros e de ima-
fotografias e recortes de jornal para pes- gens sobre temas da cultura popular
quisa escolar. Foi criado em 1994 e, ao selecionadas com base na exposição per-
mesmo tempo em que oferece fontes ade- manente do Museu, tem por objetivo
quadas para consulta estudantil, tem como apoiar as pesquisas sobre expressões
proposta abrir, de forma mais explícita, um culturais do homem brasileiro e seus con-
debate na escola sobre o significado da textos. Há três séries disponíveis para
pesquisa escolar em geral e, mais especi- empréstimo à rede escolar.
ficamente, na área que nos diz respeito, o
Desse modo, o CNFCP, instituição nacio-
campo do folclore e da cultura popular.
nal de pesquisa e difusão do conhecimen-
Com cinco séries – uma disponível perma-
to das culturas populares que até o ano
nentemente para consultas na Biblioteca
de 2003 integrava a Fundação Nacional
Amadeu Amaral e quatro itinerantes pela
de Arte (Funarte) e hoje está abrigada
rede de ensino –, o projeto atende men-
no IPHAN, do Ministério da Cultura, es-
salmente a quatro escolas. Podemos afir-
pera poder cumprir os objetivos para os
mar que o material é manuseado, mensal-
quais foi criado, atendendo às necessi-
mente, por um público médio de trezentos
dades contemporâneas de ampla parce-
estudantes em cada escola.
la da sociedade nacional, os produtores
Olhando em volta. Criado em 1993, cons- da chamada cultura popular, e aos brasi-
titui-se em uma exposição itinerante ide- leiros como um todo, por entender que o
alizada para possibilitar à criança/ado- universo com que lida constitui patri-
lescente vivenciar o processo de monta- mônio de toda a nação brasileira.

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