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Processos educacionais – educação formal, não formal e informal –

reflexões para novas proposições de diálogos

Marcelo Leite do Nascimento


marceloflauta@hotmail.com

[...] a educação tem um passado muito mais rico do


que a relativa uniformidade de suas estruturas atuais pode levar a
pensar. As ameríndias civilizações, as culturas africanas, as filosofias
asiáticas e muitas outras tradições estão imbuídas de valores que
podem se tornar uma fonte de inspiração não apenas para os sistemas
educacionais nos países que os herdaram, mas também para o
pensamento educacional universal. (UNESCO, 1972)

Resumo: O artigo propõe uma reflexão acerca da importância de colocar em prática o


conhecimento produzido sobre os processos de ensino fora do sistema escolar oficial, com
base nos documentos da UNESCO, da União Europeia, bem como de outros estudiosos da
educação. Embora as características pareçam não abarcar o escopo da modalidade, elas já
indicam uma direção, na qual a práxis de cada ciência desvendará seu caminho, dadas as
especificidades de cada uma.

Abstract: The writing of this article proposes a reflection on the importance of putting into
practice the knowledge produced about teaching processes outside the official school system,
based on UNESCO documents, the European Union, as well as other education scholars.
Although the characteristics do not seem to encompass the scope of the modality, they
already indicate a direction, in which the praxis of each science will unravel its path, given
the specificities of each one.

Palavras-Chave: processos educacionais, ensino formal, ensino não formal, ensino informal.

1. A relação da educação com o homem no tempo

A compreensão acerca do referido tema é fundamental para a ampliação e efetivação


das mudanças no campo educacional. Em 1967 foi denunciada a crise mundial da educação,
por meio de relatórios1 dos especialistas da educação que apontavam outras formas de
aprendizagem que fossem capazes de acompanhar as transformações que se anunciavam na
sociedade e efetivar uma nova lógica no desenvolvimento social através da “escolarização de

1
Relatórios com o parecer de mais de 100 especialistas da educação, que embasaram o livro Philip H. Coombs (1968), sob o
título The World Educational Crisis.
massas”. Momento de evidência para um processo educacional já existente, porém, não
explorado no sistema oficial de ensino, a ‘educação não formal’, na qual, para os “[...] países
mais pobres prefigurava-se, por entre relativos consensos especializados, como a solução
mais eficaz para fazer chegar às populações mais necessitadas determinados recursos
educativos. (PALHARES, 2007, p.03)”.

Vale ressaltar que antes do termo ‘educação não formal’ entrar nos debates da ciência,
já havia certa atenção para o que se aprendia fora da escola, o que levou pesquisadores como
Philip H. Coombs observar que a essa modalidade de educação dispunha de “[...] factores de
inegável valor educativo, que tendem a passar despercebidos no quotidiano [...]” (COMMBS,
apud, PALHARES, 2007, p. 04)

Em 1972 a UNESCO elaborou o relatório intitulado “Aprender a ser: o mundo da


educação hoje e amanhã”, que propunha uma educação continuada ao longo da vida,
inspirada no processo de aprendizagem existente na evolução da sociedade. Em 2013 a
UNESCO reeditou o relatório referido a fim de “[...] inspirar uma nova geração de
educadores com a sabedoria do pensamento passado.” O documento demonstra como a
educação se manifesta na evolução do homem e nas sociedades que não adotaram sua forma
institucionalizada e identifica a escrita como um divisor de águas nesse processo educacional
aponta ainda a importância das universidades desempenharem seu papel de centros de
formação e transformação, “As universidades são mais diretamente abertas ao movimento de
ideias do que outras instituições de ensino e mais imediatamente obrigados a manter-se
atualizado nas áreas de ciência, educação e tecnologia”. (UNESCO, 1972, p.09).

O propósito era identificar as formas de educação no tempo e em várias sociedades, de


forma que estas viessem a contribuir na transformação educacional que se mostrava
necessária. Evidentemente que mudanças estruturais no ensino demandam, além de um
trabalho hercúleo, recursos financeiros, muitas vezes não disponíveis, mas o desafio estava
dado e experiências foram apresentadas, observando que embora as sociedades sejam muito
distintas, a educação é uma preocupação mundial. Nesse sentido as tendências educacionais
foram exploradas por pesquisadores, estudiosos e pela ciência com a finalidade de buscar
uma compreensão profunda para uma tomada de decisão mais assertiva no processo de
mudança educacional, tendo em vista que:

O objetivo não é simplesmente permitir que uma pessoa ilícita decifre as palavras de
um livro, mas se integrar melhor ao ambiente, ter uma melhor compreensão da vida
real, melhorar sua dignidade pessoal e ter acesso a fontes de informação.
Conhecimento que ele, pessoalmente, pode achar útil, para adquirir o know-how e as
técnicas que ele necessita para levar uma vida melhor. (UNESCO, 1972, P. 38).
Essa concepção abrangente da educação é explicada pela relação indissociável entre
ela (a educação) e o homem com seu jeito de viver e atuar no mundo, sendo assim impossível
desconsiderar na formação do sujeito os elementos que o constituem. Como afirma CAVACO
(2002), a aprendizagem “é um processo de aquisição de saberes que têm origem na
globalidade de vida das pessoas, ou seja, associados à modalidade da educação informal”
(CAVACO, 2002, apud, MATIAS, 2013, p.12). Acredito que no momento de globalização e
de acesso rápido e fácil a tantas informações que vivemos atualmente, a distinção entre
espaço e conteúdo não fortalece a compreensão do homem como um ser social e integral que
precisamos ensinar e aprender nos tempos de hoje. Pois “educação pautada no depósito de
informações contrasta com outras formas de educação. Nestas, aprendemos o que nos faz
sentido, atribuindo-lhes significado. Neste contexto, a educação é entendida como
emancipação, humanização, um ato de cuidado para com o outro e a outra.” (SIQUEIRA,
2004, apud, BIESDORF 2011, p.4).

Em 2000 a União Europeia ratificou que ”a aprendizagem ao longo da vida deixou de


ser apenas um componente da educação e da formação, devendo tornar-se o princípio
orientador da oferta e da participação num contínuo de aprendizagem, independentemente do
contexto” (UNIÃO EUROPEIA, 2000, p.3). Em 2001 a Comissão Europeia publicou o
“Livro Branco da Comissão Europeia - um novo impulso para a juventude”, uma sondagem
sobre vários aspectos que implicam na atuação dos jovens na sociedade. Nesse estudo a
comissão enfatiza que:

a educação deverá ser plural e oferecer um amplo leque de métodos e modos de


aquisição das competências e instrumentos necessários à formação ao longo da
vida. Será tão necessário utilizar a Internet e as ferramentas multimédia como os
métodos clássicos de ensino teórico e de trabalhos de casa, combinando tudo isso
com actividades dirigidas à juventude e experiências práticas e profissionais.
(COM, 2001. p.34)

A primeira leitura, a proposta na citação acima pode parecer uma tomada de ação bem
simples, porém a estruturas rígidas das instituições adere com mais facilidade aos métodos do
que os modos de aquisição de conhecimento, fazendo-se urgente e necessário compreender e
definir esse campo de ação.

2. A busca por definições

Após razoável consenso entre autores ao longo dos anos, no que diz respeito às
terminologias e a empregabilidade dos termos, partimos para os aspectos e definições que
procuram delimitar o ensino formal, não formal e informal com base em alguns fatores
preponderantes existentes na literatura. A análise aqui apresentada está diretamente
relacionada com quatro aspectos de referência, são eles: Processo (como), Conteúdo (o que),
Estrutura (onde) e Propósito (para que).

ENSINO FORMAL ENSINO NÃO FORMAL ENSINO INFORMAL

Processo 01. Hierárquico 01. Menos hierárquico 01. Não hierárquico


02. Centrada no 02. Papéis não fixos 02. Não há
Professor 03. Normalmente não professor/aluno
03. Avaliativo avaliada 03. Não avalia
04. Pouco aspecto 04. Aspecto emocional 04. Muito aspecto
emocional emocional

Conteúdo 01. Padronizado 01. Prático 01. Prático


02. Estatuto 02. Subvalorizado 02. Baixo estatuto
valorizado 03. Mental/lúdico 03. Sensorial/experi
03. Mental ências

Estrutura 01. Escola 01. Poderá ocorrer na 01. Qualquer


02. Controle escola ambiente
externo 02. Geralmente 02. Sem controle
03. Grupo controle interno externo
homogêneo 03. Grupo heterogêneo 03. Grupo
heterogêneo

Propósito 01. Motivação 01. Motivação 01. Sendo


por vezes tipicamente intencional a
extrínseca intrínseca motivação é
02. Acesso a 02. Titulação pouco intrínseca
titulação reconhecida 02. Ser certificação
03. Resultados 03. Resultados 03. Resultados
mensuráveis imprevistos imprevistos

Tomando especialmente como base os objetivos da aprendizagem nas três formas,


vimos que no ensino formal esses objetivos são bem delimitados e definidos por meios de
parâmetros e legislações educacionais. Tendo em alguns autores a afirmação de que o
objetivo é “aprender para manter o status quo2” (COLLEY; HODKINSON; MALCOM,
2002, P. 16).

Diferentemente do ensino formal, no ensino não formal esses objetivos podem ser
diversos e flexíveis, se enquadrando ao contexto aplicado. Como exemplo, atividades que

2
Manter o estado das coisas.
proporcionam conscientização, potencialização de habilidades e capacitação laboral,
incluindo ainda

[...] a aprendizagem política; [...] exercício de práticas que capacitam os indivíduos a


se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas
coletivos cotidianos. (GOHN, 2006, apud MARQUES e FREITAS, 2017, p. 1103).

Na educação informal os objetivos, na maioria dos casos, não podem ser definidos.
Tendo como afirmação que o aprendizado não é programado ou estruturado e muito dos seus
resultados se dá através do processo de socialização. (GOHN, 2006a). É importante ratificar
que embora o ensino informal não tenha estatuto de educação, segundo Colley, Hodkinson,
Malcom (2002), a União Europeia afirma que “Deve-se reconhecer apenas que existem
processos de aprendizagem e que eles têm certas características” (MARQUES; FREITAS,
2017, p. 1104).

Apesar do esforço em mostrar os benefícios desses processos educacionais, ocorreu


que a educação não formal ficou subjugada ao ensino formal devido às variadas
possibilidades educativas fora do sistema oficial escolar, bem como, a indefinição do público
e seus objetivos, causando muita confusão e desencontro com os princípios de cada tipologia.
E, apesar de todo esse tempo decorrido, ainda existem dúvidas quanto às terminologias e
possibilidades de convergência entre elas.

3. Do conceito à prática

Em meio a tantas convergências e divergências, tantos objetivos e particularidades de


cada lugar, de cada escola e sociedade, estudiosos e profissionais docentes de diversas áreas
de conhecimento propuseram diálogos, através de debates e atividades práticas, entre esses
processos educacionais resultando no uso da educação não formal como complemento,
criando ações a serem desenvolvidas com o intuito de enriquecer, favorecer e ou auxiliar em
determinados contextos da educação formal. (BRENNAN, 1997).

Essas atividades são facilmente identificadas sejam no ensino básico ou nas


universidades, vivenciadas de acordo com o nível etário e amadurecimento de cada turma
através de aulas práticas, atividades de campo, palestras, workshops, visitas a museus,
residências, etc. Como constata Ana Alexandra Valente Rodrigues (2005) na sua dissertação -
Ambientes de Ensino Não Formal de Ciências: Impacte nas Práticas de Professores do 1º
CEB - no qual “[...] os estudos sobre educação não formal em geral e sobre ciências em
particular, ocorrem quase na totalidade em museus, centros de ciências e alguns em zoos,
jardins botânicos e exposições temáticas, muitas vezes associadas a museus”.
(RODDRIGUES, 2005, p.14)

Ricardo Carvalho Figueiredo, professor, mestre em arte cênica e doutor em artes


aponta uma problemática recorrente no universo da arte cênica, indicando a necessidade de
uma melhor compreensão e maior vivência com o sentido de educação não formal:

[...] educadores que trabalham com o Teatro na Educação não-formal iniciam a


docência na educação formal, e precisam, no decorrer de sua prática, aprender a
lidar com as especificidades da educação não-formal. Atualmente algumas
Universidades já incluíram no currículo formal da licenciatura em Teatro, ao menos
uma disciplina que reflete sobre o ensino do teatro na educação não-formal, dando
assim, subsídios para que os licenciandos tenham um contato mínimo com essa
modalidade educacional (FIGUEIREDO, 2009. P.2)

A indagação manifestada acima é muito comum nos cursos de artes, a mesma se


evidenciou e se evidencia nos cursos superiores e técnicos de música. No entanto, o que se
ver é um repetido processo de educação ditado pela teoria musical.

Contudo, na maioria das experiências de integração dos processos de aprendizagem o


que podemos observar implícita ou explicitamente são questões de ordem prática que
impulsionam a utilização do ensino não formal nas instituições, como: que atividade poderá
despertar o interesse do aluno para determinado tema naquela fase de sua vida? Como atender
os interesses políticos e econômicos da sociedade que se apresentam? Ou ainda, qual seria a
forma mais fácil do aluno compreender um determinado tema?

Emergindo uma lacuna com outras questões não menos importantes das regularmente
contempladas que são: Como os envolvidos na atividade podem experimentar outros papéis
no processo de transmissão de conhecimento? Em que medida esse papel reflete na vida
particular de cada um?

4. Considerações finais

Embora haja dificuldades em determinar, com precisão, alguns aspectos dos processos
educacionais, a produção de conhecimento existente acerca do tema nos aponta uma única
direção: a importância da conexão entre esses processos com a finalidade de potencializar o
sistema educacional do ser humano como um todo, e não apenas, de uma instituição.
Revelando-se assim, um objetivo comum presente em todas as áreas de conhecimento.
Porém, é preciso considerar que cada área tem suas características específicas, mostrando-se
necessário a construção de caminhos distintos para atingir o propósito da educação ao longo
da vida.
Acredito que o esforço empreendido até aqui por parte dos especialistas da educação,
já proporciona clareza suficiente para propostas de aplicação prática, não somente no ensino
básico, que por sinal tem se empenhado com mais vigor na práxis do conceito, mas também
pelas universidades, como podemos verificar nas experiências citadas.

Assim, somente o trabalho conjunto entre reflexão e prática, do ensino a universidade,


tornará possível a real compreensão e a integração das práticas educacionais fora do sistema
oficial de ensino.

Referências:

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